os intelectuais e os anos 20 moderno modernista modernização

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Copyright © 1997 by Fun daç ão Edit or a da Direito s de publ icaç ão rese rva dos à: Fundação Editora da SP Av . Rio Branco, 1210 01206-904 - São Paulo_ SP Tel. /Fax: (011) 223-9560 S P Dados Internacionais de Catalogação na Publicaç ão (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A década de 1920 e as origens do Brasil moderno/ Helena Cao De Lorenzo, Wia Peres da Costa organizador as. - São Paulo: Fundação Editora da ESP, 1997. - (Prismas) Vários auto res . Bibliografia. ISBN 85-7139-165-3 1. Brasil - Condições econômicas - 1920-1930 2. Brasil - Condições sociais - 1920-1930 3. Brasil-História-1920-1930 4. Brasil - História - República Velha, 1889-1930 5. Brasil- Políca e governo - 1920-1930 l. De Lorenzo, Helena Caa- lho . II. Costa, Wilma Peres da. Série. 97452 Índice para catálogo sistemáco CDD-981.05 1. Brasil: História: 1920-1930 98l. OS

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Fundação Editora da SP Av. Rio Branco, 1210

01206-904 - São Paulo_ SP Tel./Fax: (011) 223-9560

SP

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A década de 1920 e as origens do Brasil moderno/ Helena Carvalho De Lorenzo, Wilrna Peres da Costa organizadoras. - São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. - (Prismas)

Vários autores. Bibliografia. ISBN 85-7139-165-3

1. Brasil - Condições econômicas - 1920-1930 2. Brasil -Condições sociais - 1920-1930 3. Brasil-História-1920-1930 4. Brasil - História - República Velha, 1889-1930 5. Brasil­Política e governo - 1920-1930 l. De Lorenzo, Helena Carva-

lho. II. Costa, Wilma Peres da. Série.

97-4452

Índice para catálogo sistemático

CDD-981.05

1. Brasil: História: 1920-1930 98l.OS

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MILTON LAHLJERTA 1

1\ mocidJdc sente que lhe C3be uma missão ímponante, m,J njo atin3 com a maneira por que deva tal missão concretizar-se.

(Sérgio Milliet, I 936)

Os ano 20 :io de mudanças. Também são simbólicos na história política e cultural brasileir:i, por inaugurarem a gênese do Brasil Moderno, com a introdu­ção de procedimentos, hábitos, ângulos de visão, diagnósticos que orientaram e mobilizaram \•ári:is gerações. Nesse sentido, falar deles é entrar em polêmica certa, • pois muitos são os ângulos a partir dos quais se pode abordá-los. Há consenso apenas quanto ao fato de neles ter se explicitado a crise da república oligárquica e de ter surgido um novo ângulo para pensar o Brasil. Afinal, é justamente nos anos 20 que a decepção quanto à possibilidade de a República realizar o ideal de �ma sociedade nova torna-se absolutamente explosiva. Particularmente para os intelectuais, a década de 1920 será de questionamentos inéditos, até então, e

_ q

_ue

pe�manecem em pauta pelas próximas décadas. Não apenas concepções tradicio­nais são atacadas, mas também as instituições republicanas - identificadas com uma

trazen d ' d· · d ti cipaça· o 0 ª tona novos atores e a problemática dos 1re1tos e a par ·

1 Professor d T . e eor1a Política - UNESP - Araraquara.

e 1

,

94 . , de 1922, identificado com a ruptura com 0 � --

. b , lico e o ano . . dí . pa\lf2o

0 marco sim o . N entanto, vários eram os in cios do cresri,_ 1 0 vigente. o �-1.!.J.lento

cultural bachare esc se sabe contrastado, mas que sente a possibilid d

d de pensar que . , d a e

''de um mo o . ,, 0 d fio público realiza-se atraves a Semana de _.. _

f. 'b 11 co esa ·-ure de um desa io pu

. 1·

odernismo torna-se ''um ponto de vista na hist' . Partir de a, o m ,. . d . d , . d d . onJ Moderna e, ª

E to a emergenc1a a 1 eia e mo erno s1n-n;c:�� d · l'' ntretan , &1U1� 0

da cultura naciona · 1 ente compreendida se dei..xarmos de considerar q

A

-o ode ser p enam . . u'"-ruptura na P

. .

ós-guerra foi internacional, abrindo brechas em rodos 05 a virada do primeiro P

, . - 2 . lturais com indicios de saturaçao.

sistemas cu

f d · ciºrcunstâncias instaura-se uma crise de ''identidade social Em ace e tais .

. 1 lºdade levando o con1unto dos homens cultos a problemariz .. 1r entre a 1nte ectua i '

. , ,

d. - m enorme radicalidade. E como se ao longo da decada de 1 910

sua con 1çao co .

- 'I

sob 0 impulso de ideais modernistas difusos, ganhasse corpo uma espécie Ce "transição" na própria conceituação do que era um homem de letras. Problenu

que Mário de Andrade focaliza, em 19 3 2, como o da transformação do artisti no intelectual. Dizia ele à época:

O fenômeno realmente importante e decisivo de nosso realismo foi a fi.X'Ji1o

consciente do conceito de i1ztelectual •.. Nós hoje nos debatemos sofridJmente 111r:

os problemas do homem e da sociedade, com uma consciência, com um desejo =

solucionar, de conquistar finalidade, com um desespero pela posiçio de forJ-dl-lei

inerente ao intelectual de verdade, que jamais os artistas do pass:ido br1Sileiro n} tiveram. Basta conceber, por tudo que nos deixaram de obras, de confiss�" de ,-}d� como eram fáceis de adaptabilidade, inconscientes de set1s problen1� indi,idu.Us e �

1 humanos, um poeta social pragmatizado como Castro Alves, ou um a1J..Je.ssu.s. J� L: �êlée tão irredutível como Machado de Assis, pra verificar q11e o problema d

intelectual só veio a perturbar a criação do artista brasileiro na époo lntll. Hl ;� est?mos preocupados em voltar às nascentes de nós mesn1os e da �ne. S\1�:en1 � traidores dissolutos con · t · · · 1. d d d ' "Ul �

, . , ' v1c amente 1n1ustos, soc1a 1za os, reverren o ru o J � "' ·

catol1ca ou a sua fé co · f . · � n"lf . 1 . . mun1sta ··· os que azem a prosa dos e11sa1os e 3sp1r�1n1 con�e a tnso ub1l1dade do int l l

· · ""n-

f , e ectua e permanecer ai' desst's de la 111êlée, esses 1rr1tJnten1'" '4'"

con rangem as suas verdad d. . - .

�"U: / l es a uma 1scr1çao 1nvertebrada que 11en1 sen1pre ron._ �

ocu tar o que pensam . S

' ,, . ... · ·

1 e aspiram. erão talvez os que sofren1 mais por isso n1esn1' "t '"\.

mais trreso utos em s f E ' L iiJ, �

com l . 0 rer. na certa que se en.xergam enor111en1e11te con111nl o atua mente impo , l dºl . . tt.� JJ

nossa . ss1ve t etantismo. Enfim todos nós esran1os consacn '"�

amarga posição de . t 1 . . � J�� medo u · ... 10 e ectua1s e movidos pelos fantasn1as qt1e n3�ccn1

. ma situaçao maldita.3

2 Entre nós f . . r . .

, oi em São Paulo u . . :-ü'1\ niJ�''

intensidade daí u q e 0 conflito provinciano-cit3di110 se fez sc11nr "' '

� ... r-n. .

, ma certa condi - . lt) e r.� ,.� ista na literatura br . 1 .

çao paulista do modernis1110. BOSI, 1\. �fc)Jcn , i:- �;�,rJ Ci" . as1 eira. Tem d e.... .

l . ·r lO·' l'- ' • • ' 3 encias Humanas i979 as e 1e11c1as Ht111ia11as, n.6. S3o P.11110: J\ •

ANDRADE M d, . ... ,

' · eAspect da · -4 ,,.... os literatura brasileira. São P3ulo: �f;irtin� t /�; r· ..

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1

. . �r t �JO [ 1\S ORIGENS DO BRASIL i\,ODERNO l'L\..Al'.\ \,/ 95

1\t�irlcl '-fc 1\11,f r�tcfc, sctt1pre :ir1unciador, estabelecia em que termos 0 debate

1,1� i tttêlc "tlt�iis � trio prcse11te 11esse momento no plano internacional., assumia �' , f

" '' '' 1 e d �lr lt)��tl e tor1 1av�1-se u1n c11omeno nosso . ncon1or111a o, entre a incon-

tlttt�\ . . d . d. - d .

'i ,. .. 1· ., (fo lf ilct�t11t1s1no e o risco e trair a con 1çao e intelectual, ?\lário via "cqt Ctl� • '

, l ôtttc•t� de ct1ln1r�1 prisio11eiros de um falso dilema. Com um forte tom <)� \

b . - d h . d . />t,;,/.1,1;.111<>• {tt�\ Jigrcss;io so re a traiçao os que aviam a endo a qualquer fé,

;t �u;ilqucr doutrina) chan1ava a atenção para a insuficiência das opções que

c�t�t\"�\ttl 11�1 ordc111 tfo ,fi�1, 5 constrangendo os homens de cultura a vivenciarem

ttttt.t �1111�1rg;t ll<lsição, expondo-os a uma ''situação maldita". Situação que, ao

ll)t�� dos anos 30, só se fez ap�ofundar, mobili�ando as �te_nções

_da in!elligents�,

�'ól<)C�lttc.io·;t rcitcr�1da111ente diante da perspectiva de definrr sua 1denndade soCial

;ttrilittittlÍ<)·SC t1111 certo caráter ''n1issionário''6 e não mercantil.

Ott scj�1, ;t perspectiva de rniss3o, forte entre os intelectuais já nos anos iniciais

li'"t Pritttcir;t Rcptíblic�1, 7 se aprofunda e ganha novos significados sob o impacto

do processo vivenciado �10 longo dos anos 20. O questionamento da ordem faz-se

oon1 b�1sc 11t1n1 ângt1lo de visão genericamente modernista, 8 que, buscando o

"br;isileiro'', recoloc�1 com n1uita força a preocupação com o nacional e o tema do

popul;:1r. Esse in1pulso se desdobra na Revolução de 30 e no Estado No,·o,

impl�tnt;lndo un1 padrão de produção cultural que vai politizar a produção cultural

con10 j3n1ais ocorrera na história do país, trazendo à tona uma identidade

intelectual que se define pela tentativa de construir, como se fossem tern1os

intercan1biáveis, a nação, o povo e o moderno.9 E que faz do Estado o desagua­douro de todas as suas inquietações.

4 O livro de Julien Bcnda La tral1isot1 des clercs, publicado pela primeira ,·ez em 19 27, te\·e ��nde impacto entre os intelectuais de todo o mundo. Sua tese básici é a de que os intelecruais deveriam ser cléngos 1r1oden1os, defensores de valores uni,·e�s, jJmlis se en,·oJ,·endo com a pol · - l' · ºd I' · · til. -d . . ar1zaçao po 1t1co-1 eo og1ca, nem muito menos com a mercin 1z�ç:io

e sius atividades Ne 'd · · ·fi · · l' · · sse senti o, trair s1gn1 1car1a compronusso com a po 1nci ou com o mercado com .. b 5 ,\s _ ' 0 cor1sequente a andono dos valores universais. � opç

does no caso eram trair, aderindo sectariamente a uma "fé" doutrinfuia, ou fiClr ªau

'SSus e la nrêle '' I ? d · . Roll d A

e ' onge os conflitos e dilemas de seu tempo. (O panfleto de Rom3in

Gr:i:: 'G u-dessrtS de la '"êlee, literalmente "Acima da Qleb�", foi escrito conua a Primeir:i e uerra e marco d - , , .

. "L\RTINS L

.. u suaª esao as cauS3s pac1fic1stas e comunist:is). 1920-1945

' D_

� genese de uma intelligentsia: os intelectuais e a política no Br:i.sil 7 s . l\CVtsta Brasilei d e..... . . .

obre esse tem ra e 1e11c1as Soc1a1s, \'.2, n.4, jun. 1987.

br3Silcil':l in: � �· CO�INHO, C. N. O significado de Lima Barreto na liter:itur:t

S e Tcl?J,1971· 5·EV

· Realtmto e anti realismo na literatura brasiltira.. Rio de Janeiro: Pn \' ' e CENKO N

· 9 �r L\FET,\ 1 L 1 ' · A l1terat11ra como missão. São Paulo: Brasiliense, 19 3.

Cf LI ' · 9 3 O· A , · "".:. PPI, L et "'I Es .·J critica e o modernim10. São Paulo: Duas cidad� 1974 . ·""11bé � • taao N "d · PoJ,i· lll, 'WEJlNEcl( ovo: 1 eolog1a e poder. Rio de Janeiro: bhar. 198� \ (f

ICQ e Cultura (São A, L. O moderno na políric:i br.l.Sileira. PRFSE.t\lÇ.\ Ret'SSl.J &.

Paulo), n.5, jan. 1985.

,

i 1 .

96

.. ATRASO HISTÓRICO". - #

CRISE DE IDENTIDADE SOCIAL E AÇAO POLITICA

Aparecendo como resultado da crise dl ccor1on1 i:-i (lo c;tf� e (l· , . .

. . , . . ... . . _ .1s tt1st1nii .. ,�

da Pnmeira Republica, a e.x1genc1a de 111odcr n1z:tç�10 q\1c 1110\1irtlCtlt·\ , . çocs - . . ' r ,\ ,1s c11cr .. i ,

da sociedade ao longo dos anos 20 n�10 n11ha 11111 sc11t1do 111\tito dcfit · l n . g as

. . lt( o. i · o1s s é verdadeiro que a 1ntelecrual1dade p:tssa a pensar o país propott(io r 'Í , e

_ _ , ' e or r11as e a construçao de uma naçao moderna, l1a q11e se fazer a ressalva (lc qltc tud . �

d · · b" N f d - 0 tsso ocorre e maneira mwto am igua. I o un o a prcss�10 por racionalidldc t�, . il · d · · · · · ,

. ... . . ccn1ca era no Bras ain a mwto 1nap1ente, J3 que 3 cienc13 cont1nt1a''ª ·.t 11.-10 e d . ' ' ' , oor enar de fato nosso rea11º - ainda que a esta alrur:t t!tl,·cz co111cç�1ssc �l ter in1portânc· como ideologia. Ronaldo de Brito, em belo te.'\.lO sobre as ,,icissittidcs do n d

ia 10 er-

nisn10, diz sobre o tema:

nossa ane {e poderíamos dizer nosso pens3l11ento - �1. L.) introjeta\'a suhjetivlmente mais do que ,;,ria objeri,·amente, a questão da técniC3 e da ciência. Ell não resultl,� do choque direto com a estrutura lógica do re3l e sim de \1n1 lnseio cspcrlnçoso, um pouco angustiado, diante do mundo moderno ... Porque, a rigor, go$tl!Ílmos, queríamos ser modernos. Aí aparece a \'erdade deslocida - o simples q\1crer pro,·;1 que

não éramos 1 1

,

E por isso que a pretensão de ser moderno se desloca p�1t1larin�1n1e11te p�1rJ o

tema nacional, pois desde as atividades preparatórias para �1 con1e111oraç3o dos cem anos da Independência� ao medir pelo metro hegen1ônico nossa situaÇ'jo anre

a Europa, o "atraso" torna\ra-se cada ''eZ n1ais flagrante.12 Não à toa, dar respostl

a ele passa a ser a preocupação de inúmeras estratégias referenciad�1s - posiri,·l

ou negati\ramente - no modernismo qt1e nesse processo vêm à to11a. �lesn10 se

tomarmos como exemplo a mais s11i ge11eris dessas estratégias (a Anrropof:igil d� ÜS\vald de Andrade), é impossível dei.xar de reparar nisso, ji que no centro _d�

-d

, . d' " . is entre p·1droes

suas preocupaçoes e e sua poenca estão exatamente as isson:1nc1� '

burgueses e realidades derivadas do patriarcado rural. 13

1 bJtJfJS. 1 O Ver sobre es5.1 discussão: SCHWARZ, R. As idéias fora do lug3r. ln: 1\0 t•rtice' oras

São Paulo: D11as Cidades, 19n. . roht o ' S tt r�'1t0S � 1 1 BRITO, R. A Semana de 22, o trauma do moderno. ln: VV. Afl.. e mode111isn10. Rio de Janeiro, Funane, 1983. p. 15. (C:idernos de te.xtos. 3)·. PJulo: ()oJS

12 Cf. WISNIK, J. �1. O coro dos co11trários: a músie3 na Semanl de 22· $Jo Cidades, 1979. rJdo com' • é cncJ d 13 Roberto Sch,,·arz dirá que o sui generis está em que "o de53juste nl�

. JcionJl e J . . d . d . noce11c1J n o z. p.. \·aa me, e sun com otimismo - aí a novicbde - como 1n íc10 e 1 � (SCI-1'' ''"' possibilidade de um rumo histórico altemati,·o, quer dizer, n3o burgues. Que horas são? São Paulo: Companhia das LetraS, 1987. p.37

--

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A DÉCADA OE 19l0 E AS ORIGENS DO BRASIL MODERNO 97 No entanto, se é verdade que uma ''sociedade civil'' em . \ . . germe se movimenta 1

m sentido mudanc1sta e genericamente renovador não há d 1 nu . . , ' contu o nem uma ·tuaça-0 de constrangimento 1nsuportavel, nem um pro1· eto que a 1 . s1 . eve a se arttcular

nacionalmente em torno da perspectiva de um desenvolvimento histórico alter- i nati\fO Em comum, há uma demanda genérica de unificação cultural u , .

· _ . _ . , . , m espirito

de renovaçao e arual1zaçao que pretende 1r alem da dimensão estritamente literária l e uma preocupação difusa de superar a distância entre o erudito e 0 popular . Luciano Martins, fazendo diagnóstico da situação da intelectualidade do período diria que ela se caracteriza por uma "ida ao povo" à brasileira, "sem utopia 0� teoria da sociedade, com humor, com malícia'' .14 /. .... • _ � ', ,\ ,... ........ / 1

É por isso que entre os intelectuais inspirados no modernismo, aind� que haja l uma pretensão de rever o racismo e de criticar a retórica do academicismo, · permanecem um culto à e�udi�o e um sentimento de ser parte da elite tal qual l eram cultivados nos salões aristocráticos. De tal maneira isso ocorre, que a

1

-���bipü���c!� será o to11r de force qesses intelectuais. Nesse sentido, o movimento ! módernista - consi�erado pela crítica um marco, uma ruptura - é exemplar de como uma intelectualidade viajada, apoiada por uma aristocracia ilustrada, is vai ao encontro do povo como se este fosse um objeto exótico, quase uma massa à qual é preciso dar forma, flertando a distância, sem estabelecer relações de maior 1

proximidade. Uma intelectualidade que, mesmo marcada pelo industrialismo e 1

pelo maquinismo, presentes na vanguarda artística européia, não é capaz de , reconhecer plenamente a importância da classe operária emergente.

( t 1 1 1 1 ' t 1 ' \ 1 ' ' ' l 1 ' l 1 ' ' 1

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,

No essencial, a intelectualidade modernista, mesmo suas figuras mais radicais, •

presa a uma visão de cultura tradicional e preocupada em construir a Cultura Nacional, quando "foi ao povo'', o fez esperando encontrar nas manifestações populares uma matéria-prima pura e dotada de autenticidade, à qual caberia dar forma final mediante um trabalho de síntese eminentemente intelectual.16 A política, essa atividade, quando a exercessem, continuaria a se dar nos marcos dos panidos oligárquicos. Basta notar que, pelo menos até 30, os próceres do modernismo se mantêm na órbita desses partidos (Oswald no PRP; Mário de Andrade e Sérgio Milliet no PD).

.

_ De�ois de 30, há uma ''politização'' das questões culturais e o tema da moderni-zaçao fi · · · l ca integralmente subsumido ao da construção de um pro1eto naCJPJ];l ·

14 MARTIN 15 Alfr S, op. cit., 1987, p.69. edo Bosi ·d · · d d · "sem :i u ·- consi era impensáveis as obras mais representativas o mo ernismo

Illão de alta b · · , · '' que se Ill . urguesia paulistana com uma inteligência viajeira, curiosa e crioca '

ove no tnteri d .... _' . t - para os centr

· or e uma classe pronta para zarpar - real ou me{aloricamen e 16 o E

os � modernidade (BOSI op. cit 1979) tisaio tn ' ., · · A d de

Publicado so e ª música brasileira, (São Paulo: Martins, 1972) de M5rio d� n ra '

pela Primeira vez em 1928, contém indicações exemplares nesse senudo . •

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98 MILTON lAHu ERTA

. tentativas de interpretação de conjunto e a intelectu 1.d A liam-se, assim, as . d b

a l ade mp . _ de mudanças não mais pensa as com ase na raça e no .

nsaia a proposiçao . 1 b ·1 . tne10. e .d . d de social do intelectua rasi e1ro passa pela procura d A busca de t enti a 1 .b . . e urn

ectiva de renovação cultura e as possi il1dades de refor d onto entre a persp . . '' tna a P .

d d alavras de Luciano Martins, ponto entre a modernidad soc1e a e, nas P . e e a d . - do país'' 11 De certa forma, o modernismo como adesão à mud mo ernizaçao · . . , , . . , . ança

em todos os sentidos, não hm1tada a arte e a literatura,_ mas filosof1ca, política,

. 1 ai· sendo paulatinamente frustrado pelo carater restaurador do p soc1a etc., v ro-. urado em 30 Por isso, ao longo desses anos, em grande pane d cesso 1naug ·

. . a intelectualidade vão se combinar contraditoriamente uma enorme vontade de agir e um sentimento de impotência e isolamento diante do país que a inqu ieta, mas que não consegue decifrar. Pelo menos entre 1930 e 1935 (até a derrota definitiva do nosso ''jacobinismo radical''), o potencial de mudanças é muito significativo, embora maior ainda seja a dificuldade de qualquer ação efetiva.

Não é por acaso, portanto, que ao longo dos anos 30 o tema que prevalece entre a intelectualidade é o da organização nacional, resultando numa saga modernizadora, que tem no ''monopólio da razão por parte de uma intelligentsia ativa, prometéica, agindo em nome do bem comum'' , 18 a sua pedra angular. A tendência de subordinar a dinâmica da sociedade e de seus conflitos ao princípio abstrato da organização vai ser constante nesses anos. E explica, em larga medida, o frenesi pedagógico que pretende reformar a sociedade pela educação, criando técnicos e renovando as elites. Explica também o descaso para com os políticos e para com a atividade política propriamente dita. No viés organicista ou ''jacobino'' (típico da juventude militar), � direita e à esquerda, há enorme dificuldade de se pensar positivamente as instituições e de se aprofundar a discussão sobre o regime de governo. A associação feita entre ''atraso'', poder oligárquico e liberalismo constitucional aproxima paulatinamente o nacionalismo, de matriz organicista e corporativa, das posturas da esquerda que resultam da combinação do jacobinismo da juventude militar com a versão militarizada do comunismo da Ili lnternacio­nal.19 É por isso que, mesmo divergindo quanto ao caminho, há um caldo .de cultura comum entre as várias correntes intelectuais que fará que, durante muito tempo, as questões relativas a uma ordem política democrática fiquem relegad:is � um plano absolutamente secundário.

.

A compreensão de que a Constituição de 1934 ficara bem aquém do esforço

de reavaliação da realidade que emergira das crises de 1930 e 1932 contribui para

17 MARTINS, op. cit., 1987 18 REZENDE CARVALHO M . . _ · d j neiro), n.lJ, . ' · A. Op1n1ao e Modernidade Prese11ça (Rio e ª

maio 1989. •

19 DEL ROIO M. T , . , . · n 3s do pCB, 1928-1935, ·.A classe operaria na revolução burguesa: a polanca de ah:i �

· Campinas, l988. Dissertação (Mestrado) - Universidade de C:impin:is.

A otCA A DE 1 �lO E AS RIGCNS DO lJRASIL MODERNO 99

1cralizar �1 polari1�1 :io iclc<)lógic�1. O clima de polarizaç- . 1 "" . gc1 •

l lé, N . . ao e tnto eranc1a já se r fl ·ra dt1rattrc a J\ssc1t1 l ·1;1 ;1c1c>tt;1l Co11st1tuintc preJ· udi d e e-

n , . l . ' can o o aprofundamento

de nttti�ts d!ls co11qt11s·c:is <> >t1cl�1s durar1te 0 Governo Pro · , . A . . . . v1sor10. interpretação do processo 111st()r1co co111 }J;1rc:_1 co11s1<lcração pelos aspectos i t. . . .

"' 1 . ' { . .. "" . ns ttuctona1s contr1-

btti para o clcsc11vo v1111c11to (e e conscqt1ct1c1a) de uma cultura p I' · _ , � · :-. , . , l , , . . o 1t1ca que pensa

as trat1sfor111:lçocs cssc11c1.1 111c11tc ,\ partir de golpes de mão tiros · 1"" . f' . ' .. ' .

.

_

. ' e v10 enc1a 1s1ca 1 (no que, à esquerda e à d1re1ta, nao era dissonante com 0 "espírito do tempo").20

A polarizaçã.o ideológica c�esccntc leva às alianças mais inesperadas: os .

,_

católicos cnaltcc1a111 co1110 111fst1cas obras que, quando muito, tinham caráter litúrgico; a esquerda procurava apresentar como marxistas e socialistas obras que crant, no máximo, populistas. A confusão era de tal monta que os integralistas e os representantes da ''reação espiritualista'', isto é, a direita católica, não hesitavam em conft111dir '1 c:111s�1 1nodcr11ista, implícita ou explicitamente, ora com 0 comu-

A recusa ao 1nodcr11is1no - cor110 um capítulo da polarização ideológica -deve, contudo, ser vista com 1nuita cautela. Afinal, modernistas e antimodernistas coincidian1 qt1anto 3 de111ar1da de unificação cultural e não lhes era estranho o consenso internacional a respeito da morte do liberalismo. Tributários todos de um caldo de cultttra antiindividualista e espiritualista, aceitavam de vários modos a prevalência de t1n1a postura que pretendia integrar o Brasil no ''nacionalismo dos novos tempos''. Aqui t�1mlJétn, foram muitos os que pensaram o liberalismo e o socialismo co1110 produtos de mesmo espírito burguês: fundados no ateísmo, '

no fim da família, no internacionalismo e no materialismo. Por isso mesmo, se é evidente que havia um processo de polarização ideológica em curso, ele não se . dava de maneira tão simples e transparente quanto foi considerado posteriomente. Também, não foram pot1cos, principalmente entre a jovem intelectualidade, aqueles que, condenando moralmente o nazi-fascismo, aderiram ao integralismo por seu caráter nacionalista, comunitarista e organicista, mas principalmente por sua identificação com os princípios da Igreja católica. 22

Até mesmo �o núcleo pri!lcipal dos modernistas paulistas (�ário de �dr�de

. e Sérgio Millict, por exemplo), que se colocam_na oposiÇão e_à esquerdal lla cm ..... mui�as �� sua.s colocaçÕes a

- -invoc!!_Ǫo_LmRlícita Q_e Uf!l Estado_ccntr.alizador_que.

...,,. realize o interess�· cÕlctivo. Não é de estranhar, portanto, que o Estado Novo, ·- J ,.�1i!"i��'f-��� -- �!t-1!f"9" r - •

-.:c.i ...... �-----............ ��

MARTINS, W. História da i11teligê11cia brasileira. São Paulo: Cultrtx, Edusp, 1978• · 2 (l933-1960). 2 Paulo C 1 . . d, . ante depoimento de

s ava cant1, co11l1cci<.-Jo 1nilita11tc con1unista do Recife, a interess

3çóes ua Passag . . . · d de su3S preocup soe· . em quan<.lo Jovem pelas fileiras do 1ntcgral1smo cm virtu e

J Al'3-0meCT'3, ia1s (CAVALC A s- Pau o: i, º 1978). ANTI, ll. Da coluna /'restes à queda de "aes. 30

100 MILTON l.ALJ riUERTA

Para além do seu caráter coercitivo e de seu projeto de incorpora .. d . " . . - E'

çao a Intel ttialidade, tenha tido tanta aceitaçao. que como coroamento do . .. ec .. t - • ,, • canunho d ''revolução·passiva , correspondia a uma demanda de Estado expr a

. . - . ' essa també como demanda de unificaçao cultural, que se traduzia num projeto sui- . rn

. d d d ·1 generis· a ttm só tempo moderniza or e restaura or os p1 ares da nacionalidad E · '

e. tudo êm nome do bem comum e da construção da nação. De tal forma que um f • d . . governo 111 forte era tacitamente esperado e, quan o concretizado, fo1 bem aceito por 1 . amp os 1,::--__ i ' • setores da intelectualidade.

-...__ ____ _

'

Na busca de uma nova identidade, vêem-se os intelectuais confrontados com o poder sem a mediação de uma perspectiva realmente política. O que faz que se aprofunde a idéia de que lhes cabe um papel diferenciado no processo social. Isto ocorre tanto no sentido organicista, que os vê como heróis civilizadores, como artífices da modernização e fundadores da cultura nacional (poderíamos dizer '

como condutores de uma ''revolução passiva''), quanto no sentido ''jacobino", que os vê como revolucionários em potencial aspirando ao assalto aos céus e à insurreição (o ''prestismo'', em vários sentidos, é uma versão quase caricata deste tipo de intelectual).23

.

f Tal ambiência cultural possibilita que, na segunda metade dos anos 30, sob a

. égide do Estado, se leve às últimas conseqüências a ideologia organicista e f

antiliberal que, forte na tradição brasileira, desde os anos 20 vinha se radicalizando pela crise da ordem oligárquica e pelas críticas ao caráter excludente do liberalismo consagrado pela Constituição de 18 91. 24 O resgate de Alberto Torres pela geração

. .., 1 s - • a a ..... 4 .... ..., •• •- .... --i .- ... • • � •• >·

...,.. à a

' de Oliveira Vianna cria - à esguerda e à êlireita - enorme consenso entre a

intelect�alÍdade .,,.quanto à.n(c;ssidade de � ·�Íficação do �p-âís, além de rãdicaliiar a

perspectiva êlé "'que somente o Estado, .�obrepol!d�::�e .. �� _ p_a�ti�ularismo, �ao - _ .. - .. .... .... ...._ --........

23 É por isso que entre a pequena intelectualidade (ou seja, aquela parcela que, mesmo sen�o letrada e com pretensões de escrever, mantinha um contato muito rudimentar com as teonas desenvolvidas nos centros mais avançados, ficando, portanto, sob o predomínio de ref�rên­cias muito difusas e quase sempre mediadas pelas intervenções dos próceres do modernismo que f · f ... d " ' I · · · · ,, · d · h dando conselhos az1am a unçao e 1nte ectua1s 1nst1tu1ções - or1entan o cam1n os, .

' · ' · b ... 1 -1) eneral1za-se et1cos e estettcos, esta elecendo o que era válido ou não da produçao cu turaJ g _ 1.

·1 d l . d de pluraitstl um esti o e pensamento fortemente doutrinário, pouco dado a qualquer ve ei ª . ... d . ... d , d t l maneira que e com pretensoes e ter explicaçao para todos os problemas .. Isto se a e ª

d · 1, . ºfi . 1 entre ois

0 processo po 1t1co é polarizado, em várias circunstâncias, de forma arti icia ' . e d bl d· · - cess1vament gran es ocos - 1re1ta e esquerda -, ambos marcados por incorporaçao ex . d3S , · d · , . . mentaliza sectarta as inumeras teorias desenvolvidas no Ocidente imediatamente instru s ' - que o

�ara servir aos vários projetos de modernização e/ou de construç5o da naçao intelectuais crêem ter a missão de comandar. , · ln: 24 LAMOUNIER B F . . Republica. ' · ormação de um pensamento autoritário na Primeira . , · geral FAU��?, N. (Dir.) O Brasil republicano. São Paulo: Difel, 1 977; t.111, v.l (Historia da Civilização Brasileira, 9).

1 A otCADA DE 1920 E AS ORIGENS DO BRASIL MODERNO 1o1

· clientelismo e ao taráter "ciânico" da sociedade, poderia realizar a construção da , nação e a_ modernização da sociedade (ainda que em algumas versões, como 0 . .. integralismo, a construção da nação se fizesse numa obra contrária à moderniza-

· - , .

.-ão). Portanto, nao e por acaso, nem trtutto menos por cooptação, que a institu-cionalização �orporativa implantada com o Estado Novo tenha obtido tanta ·

aceitação �ntre a intelectualidade. 25 ,

---É assim que, através da mediação do Estado, se consolida uma cultura política � cujo eixo estruturador é um desenvolvimento capitalista26 excessivamente juris-

dicionado, ·recoberto pela norma do direito e que busca sua legitimidade na realização de fins sociais. A tal ponto isto se dá que "o privado carece de legitimidade própria, qualquer interesse dependendo que o Estado lhe confira 0 estatuto de público''.27 De modo que o capitalismo avança cumprindo o percurso de uma ''revolução-passiva'' , na qual a nação não tem identidade própria, é criatura do Estado, sendo organizada ''como um corpo de funcionários a serviço do ideal de expansão da acumulação''.28

Portanto, se a ''revolução'' aprofunda a exigência de renovação, o Estado Corporativo, que se quer Novo, reconhece a necessidade de mudança e de modernização, mas procura domesticar esse impulso transformador, trazer para

, J '

si essa exigência. E em nome da ordem e até da tradição, e sempre pleiteando o -

I . primado do público sobre o privado, que o Estado No\'O, realizando expectativas ·

difusas da sociedade civil, se assum como arauto Cla moâerniãããe e rea izador - -- - • \ 1 dosidea1s Oo�- ano� 20. . � . C'- : 1 • • \ ) �

REVOLUÇÃO-PASSIVA E CULTURA POLÍTICA

A questão-chave, portanto, é compreender de que maneira o anseio mudan­cista e modernizador, que mobilizara as energias utópicas ao longo dos anos 20,

25 l'Jo períc�d? é quase absoluto o predomínio de uma visãJ �r�anicista e antiliberal, verdadeiro CJldo de cuitura p-;;a -c;·��Tcejarn�n;o de .. um:i espécie de :intic:ipi�!ismo romântico, que só �ere à rlioâcrriiz�ção p�opoSia pelo Estado Novo por ser ela apresentada com_o a con�re­ti�çii� �= .. Utn i�e�} de C011111nidade ;1acio1;af que se __ ;lZ em nome da ordem e d:t trldição. . Ver, soore isso: VIEIIV\, E. t\. Oliveira Via1111a e o Estado Corporativo. S5o Paulo: Grij:ilbo, 1976; A-1EDEIROS, ]. de. A ideologia a11toritária 110 Brasil (1930-1945). Rio de Janei ro: Nova Fronteira, 1978; SADEK, M. T. A. A1aq11iável, maq11iáveis: a tragédia otaviana. São

197 Sao Paulo: Difel, 1974; CHASIN, J. O integralismo de Plínio S.:zlg.zdo. São Paulo: Lech,

ln: CK VL\NNA, L O problema cb cid:idani3 nl hora da tr.tns1çao democr.ittl�. 28 lbide ·Travessia: da Abertura à Constit11inte Rio de Janeiro: Taurus, 1986· P·2·

rn, p.43. ·

102

transmuta-se em cultura política estadonovista. Nesse sentid , d l.f.

· d 3 ° e que procuran o qua 1 tear o movimento e O como inaugurando

estamos 1 - · '' d '' 1 - ' um Proces ''revo uçao-pass1va ou e revo uçao-restauração'' . E óbvio , so de

' · b · · f · d d ''R 1 que ha en controvers1a so re o s1gn1 1ca o a evo ução de 3 O'' para . 0rtne ·

. . , a constituiç · d ordem burguesa no Brasil (a respeito do carater mais ou menos revol . , �

o a . d 1 - . d . 1 · uc1onar10 d movimento, e sua re açao com a 1n ustr1a ização e, principalmen

°

. . . , . . te, acerc

d l . - . d . ' a espe1to e a gumas 1nterpretaçoes consi erarem o movimento de 30 e sua deno . _ ,, _ ,, . . , . mina 0

'' . d ' ' 3 o h , 1 b , d ria os venci os , a a gum consenso so re o carater e ruptura presente nele e não

são poucos os autores que colocam-no como ''marco histórico'' no processo d constituição tanto do Estado brasileiro, enquanto Estado nacional,3t como d: própria cultura, principalmente por ter gerado um movimento de ''unificação cultural, projetando na escala da nação fatos que antes ocorriam no âmbito das regiões''. 32 -

j2 • Importa-nos aqui, acima de tudo, chamar a atenção para a dimensão dúplice - de ruptura e continuidade, de revolução e restauração - inscrita no movimento

de 30. Ou seja, um processo de revolução-passiva, diferentemente de uma revolu­ão poe�!�_r) c'c�ritem doi� �ome�toS :liitagôniCos· e "siiUUliâileoS: p·aoestaura-�·

ção'' (Já que é uma �eação à p�ssibilidade ·de umã efetiv;- � r�dical transformação

'e'' êlê" baixo para cima'') .. e o da ''renovação'' (na medida em que muitas demandas

populares são assimil-adas e postas em prática pelas velhas camadas dominantes).33

O aspecto restaurador não chega a anular o fato de que ocorrem alterações

efetivas, ''modificações molecula�es que na realidade mudam progressivamenteª

composição precedente das forças e por isso se transformam em matrizes de nov�s

modificações". 34 Portanto, se é verdade que nesse processo se revela "a ausência

de uma iniciativa popular unitária'' no desenvolvimento da história, que.ocor�e

"como reação das classes dominantes à subversão esporádica, elementar, inorga·

. e . d l C tro de Pesqu1Sl 29 Ver, principalmente, "A revolução de 30'' (Seminário realiza o pe 0 en d .. Getúlio

Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fun 3Ç3º

Vargas, R. J., set. 1980. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983. 30 DE DECCA, E. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981. 31 DllAIBE, op. cit., 1985.

. p (São pa111o), v.2.

32 CANDIDO, A. A Revolução de 30 e a cultura. Novos Estudos CEBRA

n.4, p.27, abr. de 1984. d ssibilid;ide dJ 33 Carlos Nelson Coutinho desenvolve interessantes indicações acerca

ª ��tico br;1sil�iro utilização dessas categc>rias de Gramsci para compreensão do processo P

1.d3de br3sileirl· d G i e a rea t d mo· dos anos 30. Ver COlJfINHO, C. N. As categorias e ramsc N Cultura e e

Presença (Rio de janeiro), n.8, p.141-62, ago. 19 8"6; CO lITINH O, C. h

. t 979. cracia no Brasil. ln: A deffiocracia como valor universal. São Paulo: Lcc '

34 GllAMSCI, A. II Risorgimento. Buenos Aires: Granica, 1974. P· 142·

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, A DE 1920 E AS ORIGENS DO BRASIL MODERNO A oECAD 1 03 . das massas populares'',35 é impossível deixar de reconhecer 0 .d d nica . senti o e

ovação presente nele. Afinal, as ''pressões de baixo'' que durante os anos 20 ren . . . . . . . . pelejavam por direitos c1v1s e soc1a1s, exigiam maior participação política e mora-lidade no trato da coisa pública, envolviam difusamente a parcela urbana e letrada (ilustrada) da sociedade, confundindo-se

.com a expectativa de uma cultura moder­

na· essas pressões, mesmo sem conseguir ganhar organicidade (por seu ''subver­sis�o" voluntarista, messiânico, elementar), "arranhavam" a modorra da socie­dade oligárquica, quase a instalar a urgência do novo, da mudança, do moderno.

A permanência desse impulso renovador que vem da sociedade, bem como a vontade política de levá-lo adiante, pode ser medida pela efervescência que marca a primeira metade dos anos 3 O. Em vários episódios, contra o caráter elitista que 0 processo ia adquirindo, recoloca-se o ideal democrático de uma República Nova presente nos moviment?s dos anos 20. Mas também nessas ocasiões prevalece

putsch de 1935, ''uma desastrosa iniciativa comum dos comunistas e tenentes de esquerda''. 36 A derrota do democratismo radical, nessas tentativas de se confrontar com o caráter excludente do-n6vo sistema de ordem que se constituía, se dá simultaneamente à incorporação de algumas de suas principais reivindicações.

No mesmo movimento em que se constroem estruturas coercitivas e centra­lizadoras do poder, realizam-se ''modificações moleculares'' que incorporam, re­conhecendo como legítimas, determinadas demandas da sociedade civil, inclusive das camadas subalternas. Donde se compreende que muitas preocupações e problemas colocados pelas correntes oposicionistas nesses--e111ha es serão incorpo­rados não apenas nas agendas do Estado, mas tnoéin em sua pró· ia estrutura. Esse fenômeno - próprio de situações em que transformismo dá sentido do desenvolvimento histórico - fica claramente exp 1 • do dura t o Estado Novo (com a criação do DASP - em 1938 - visando à racionalização administrativa; do DIP - no final de 1939 - visando não só censurar, mas também organizar a produção · cultural, imprimindo-lhe um sentido moderno e nacionalista; e da legislação trabalhista, entre outras iniciativas). Porém, nas medidas tomadas imediatamente

, apos os eventos de 3 O, já se revelava o caráter centralizador do projeto de c�nstrução do Estado, que, em nome da unificação da nação, procura trazer para �1' para s�a alçada, a exigência de renovação e os temas que eram colocados com as� na dinâmica da sociedade civil (direito do trabalho, ensino público, legislação

soc1al, modern. - . 1· - d . . . l . ai etc ) 37 1zaçao e raciona 1zaçao a m1n1stranva, cu tura nac1on · ·

Clones Nu v· . , 36 COlJTJ eva 1s1on. 1971. p. 206-7. 37 Ern d . NHo, op. cit., 1986, p.147.

Minis��s .exemplos esse projeto pode ser percebido. É de novembro de 1930 ª criação

_do

erio do T b Ih M. · , · da Revoluçao, ra ª o, Indústria e Comércio (conhecido como 1n1sterio

1 0-t MILTON lAHUERT.l. A exigência de renovação da sociedade �ornava-se sinônimo de aparelha Centraliza�;0 do Estado. De tal forma isso ocorre que é possível 1 . . tnen-to e · ' r- . qua if1car

Período que se abre em 3 0 como inaugurando uma nova fase, tanto o

. 1. b · 1 . , lº no que se refere 3 dinâmica do ctpita ismo ras1 eiro quanto a centra ização das fun _ - d . . - d E d 38 E . d Çoes de gestão regulaçao e a ministraçao o sta o. sse senti o de transfor _ , . maçao e reno''ªça- 0 do própno aparelho estatal revela o quanto as relações entre E d . . . .

sta 0 e sociedade passar1� a_se dar �e �orma d

_1st1nta daq�ela v1gent� na economia do / café. Durante a Pr1me1ra Republica, havia uma efetiva apropriação do aparelh

estatal pelas oligarquias dominantes, que, como oligarquias "pré-nacionais" � compeàam pela ocupação e controle dos postos nacionais e centrais do poder visando à otimização de suas posições regionais. No pós-3 0, ocorre uma verda­deira inversão, marcada por um paulatino processo de centralização e de unifica­ção dos mecanismos estatais , até se chegar a um novo ''padrão estrutural de formulação de políticas'' (claramente estabelecido durante o Estado Novo) e a uma ''perspectiva própria, específica e autonomizada frente aos interesses na forma originária e bruta em que eram perseguidos pelas classes econômicas".4º

Este processo, que Giusti Tavares caracteriza como ''bismarckiano'' , é próprio de situações de revolução-passiva nas quais o Estado acaba por ser o ''dirigente" dos grupos que deveriam ser dirigentes. Dito em outros ter�os, ''o Estado substitui aos grupos sociais locais na direção da luta renovadora'' ,41 substitui ''as classes sociais em sua função de protagonistas do processo de transformação e no papel

.-.:d.E_ 'dirigir' politicamente as próprias classes economicamente dominantes�.•? / Demiurgicamente, passa a ocorrer um processo no qual o Estado, sem servir

\i. mais avançado. Ou seja, este é um caso típico en1 que a primazia para a indústri:i e para a industrialização se faz a partir de um impulso estatal.43

tinha por função fixar as diretrizes da política trabalhista do governo, dirigindc) 3tcnçjo panicular às formas de organização e mobilização da classe thlbalhador:i). ,\ ReformJ Francisco Campos de 1 1 .4 . 1 93 1 , qt1e tinl1a como alvo o ensi110 superior ("3 de maior ;i]Clnce

entre todas as que se realizaram ... em mais de quarenta anos de regime republicano", cr.i

· · fi d l · ' io pl!l 3 1ust1 1ci a pelo próprio co1no "o mais valioso concurso do espfrito re''º ucion3r d .. �elr grande obra de reconstrltção'', que se realizava no pais dentro da perspectiva e que

. . ,,

d B · 1 · · l"b br.1s1le1ros · e e ltcar o · ras1 const1tu1 o dever de uma revolução que se fez para 1 emr os

38 DRAIBE, op. cit., 1 985. 39 TAV t do Abcrt0� i\RES, J. 1\. G. A estn1t11ra do a11toritaris1110 brasileiro. Porto 1\legre: � erct

1 982. (espec. cap.111) 40 Ibidem, p. 1 24. 4 1 GRt�tSCI, op. cit., 1 974, p. 1 40. 42 COlITINHO, op. cit., 1 986, p. 1 50. . :i!cmj 43 Paulo i\rantes d' . . . . . ·r dJ situlÇJO 9

d , .. iscute esse tema, com 1nd1cações muito 1nsng:intes, a paro . p.;11/o)� n. ' o seculo XIX em i\Rt\NTES p E. O p .d d 1 1 · ... . Almanaque (SJO

1 979. , • artt o a nte 1genc13,

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l 1 1 1 1 l 1 J 1 • 1 • \ •

A DÉCADA DE 1920 E AS O RIGENS DO BRASIL MODERNO 10 5 A exigência de renovação, que nos anos 20 se tradtizira , . . . - . 1 por iima genenca

demanda de un1f1caçao nac1ona , que se combinava com iima 0 - , . 1 • _ • ao menos genenca

xpectativa de modern1zaçao, acabana sendo paulatinamente e 1• da � e . . 4lna_1za para 0 1 Estado até se expl1c1tar como cultura política estadonovista na f d .. ' · orma e 11m

; . corporativism� bi�onte (e� parte �s�atista - ao trazer para 0 interior do estado j os conflitos propr1os da sociedade c1v1l -, em parte privatista _ ao tomar determi-11 i''t nados espaços de decisão do Estado objeto de acirrada disputa dos interesses

1 / privados). Na raiz disto está o fato de que, tanto durante a efen?escência que le,ra a 30 quanto nos episódios que desembocam no Estado No,�0, \'árias núcleos

homogêneos de classes dominantes se movimentam re\relando a tendência de unificação e a predominância do tema nacional (da cultura, do projeto, do Estado nacionais). Contudo, estes p�cleos mostram-se inca.pazes de se 11nificar politica­mente, na exata medida em que não conseguem ser dirigentes nem no seu próprio âmbito, pela incapacidade de generalizar e universalizar interesses. De certa maneira, agem como se ''esperassem'' por uma força que, garantindo os seus interesses, fizesse as vezes de um partido, ou seja, de um "pessoal" com capacidade de dirigir amplos grupos sociais. Por isso, é possível dizer do núcleo que comanda e articula o Estado Novo que ele acaba por fazer a função de uma cl� dirigente nacional, havendo até quem o considere o partido real da burguesi ...... pelo papel que joga na constituição do Estado nacional, dando impulso decisi,·o para a ·

transformação da sociedade oligárquica, ruralista e pulverizada regional e setori-almente, em sociedade urbana, nacional e centralmente orientada. O Estado Novo

representa, portanto, o coroamento de '""' ideal de 111oden1i:,açào e de 11111a '

demanda de unificação - cultural, política etc. - qt1e, forte já a11tes, se radicaliza

difusamente ao longo dos anos 20, impondo a prevalê11cia do te111a 11acio11al e q11e

pode ter sua retomada simbolicamente localizada e1r1 22. Nessa modalidade de desenvolvimento histórico, a obra de modemizaç:io

não resulta do dinamismo e do empreendimento da sociedade ci,ril, mas tem no Estado o projeto da modernidade associado ao ideal de construção da nação. A

perspectiva de realizar a obra de ''civilização'' e a construção da naÇ4iO colocam-se c�mo obra estatal que, por sua vez, reivindica a tutela permanente sobre tudo que

' nao se enquadre num restrito conceito de ''civilizaça-o'' e numa limitada idéia de 1 : '' naçã '' 4 s A · b · (G ·) Es d

. , ; 0 • tr1 u1ndo-se essa função de partido de governo ramsa , o

. ta 0

: : No�o, mesmo tendo uma face repressiva, oferecia à massa dos intelectuais um

44 � 0 �� . vv c4u�cCK A . - d . telecruats Prcsenç..z, (São R , L. Problemas de política e organ1zaçao os 1n •

45 l..Am !u/o), n. 1, nov. 1983. · ...._t •

41ucRTA M d f ·o do rern1"r10,

1982 . ' · - O nacional como positividade: tutela do povo e om ni · (Muneogr.)

• •

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1 06 MILTON LAHUE RTA do-os e procurando dar sentido à sua atividade, engajando-os na

. d d. construção d um Estado ético, moderniza or, que se preten 1a a própria encarnaç- d

e ao a na -'' · '' · d d l

ça 0 • Ao se propor a organizar a soc1e a e, a cu tura, a economia d' .

h . e o 1re1to

modernos, o Estado Novo procura gan ar os intelectuais, oferecendo-Ih . f ,., d . " . . es as · condições para a sat1s açao as ex1genc1as gerais que pode oferecer um g 1

overno um partido no governo. Essa função, de

. P!lrtid<? nacional de govern f �

' .

--- � o, 01 perfeitamente realizada durante esse período, pela criação de inúmeÍos o�ganis-mos estatais centralizadores com ramificações estaduais (DASP, DIP, com os respectivos ''Daspinhos'' e ''D EIP''s) que acolhiam os intelectuais, mostrando­lhes um caminho seguro, evidentemente que com seu assentimento, para a realização de seus ideais e de suas utopias: o da

, construção da nação por meio

1 do Estado que com ela queria se confundir. E por isso que não se trata de 1

cooptação, mas de constituição de um novo bloco de poder com uma simultânea perspectiva autoritária e modernizadora, que busca consenso entre a intelectuali-dade chamando-a para participar do processo, realizando a fusão de modernidade

, \ l e projeto nacional. 46

• Da temática educacional ao debate sobre direito do trabalho, o que se percebe

claramente é a vitória de um pensamento que, estatista e permeado de referências 1 modernistas, oferecia aos intelectuais uma concepção de mundo e um caminho

' j para realizá-la. Embebida de um modernismo genérico, boa parte da intele ctua-lidade aceita o caminho estatista que se quer original e nacional, na sua pretensão de atualizar a inteligência do país, inclusive imprimindo sentido à sua atividade. Além de pretender colocar o Brasil em sintonia e no mesmo plano das nações mais desenvolvidas, visando dar uma nova dignidade ao pensamento brasileiro. Pela capacidade de realização e de incorporação de algumas das demandas da sociedade

para um grande contingente de intelectuais (pequenos e grandes intelectuais).

Não é à toa que muito da radicalidade presente entre a intele crualidade durante os debates dos anos 20 tenha sido canalizado para a dimensão pedagógi ca. Nos embates sobre a laicidade do ensino, ou nas discussões sobre cultura popular, as posições de um Fernando de Azevedo, de um Anísio Teixeira, de um Mário de Andrade, de um Villa Lobos tiveram enorme significado, por sua ênfase pedagó-

• 46 GRAMSCI, op. cit., 1 974, p. 1 39. Gramsci referindo-se à problemática semelhante, vai

d. " h · d '

fi és de duas izer: a egemon1a e um centro diretivo sobre os intelectuais se a irma atrav

linhas principais: 1) uma concepção geral da vida uma filosofia (Gioberti) que oferece aos d 'd. 'd d ' · ' 1 mento de luta

a erentes uma 1gn1 a e intelectual que é um princípio de distinção e um e e m ·

'd 1 · escolar, u contra as antigas 1 eo og1as coercitivamente dominantes, 2) um programa . m

· ' · d

· d ' · · ·d de própri1, e

pr1nc1p10 e ucat1vo e pe agog1co original que interesse e ofereça uma at1v1 ª . erosa , . ... 1 f - d . l

,.. e a mais num seu campo tecn1co, aque a raçao os inte ectuais que é a mais homogenea

. ,,

(a do ensino, desde o mestre mais elementar até os professores da universidade) ·

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' A DÉCADA DE 1 ��O E AS ORIGENS DO BRASIL i\tODERNO

1 07 ica no estabelecimento dos n1ecanismos de he�e .

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C'.l n1on1�1 o can1inl . sobre os intelecrua1s. A nal na perspecri\'a de criar 1

" .

10 csr�1t1sr�1 . . . .. a c11 n1r�1 11ac1011al f· � l do Estado o instrumento para isso, �1tr1buindo ttma ''nliss·- ,

, .

· , azc 11( o - _ 1 d · . ·10 ao 111 tclcct\t 't l } . , · . "uma concepçao ger'u a \rida, t1ma filosofia qttc oferc "· d

· , 1•1' t.\ d , . 1 l '' d d h . eia aos �1 crc11rcs \1111 ·1

'dignida e 1nte ecrua , qt1e se es o ra''ª ''11t1n1 principio ,d . . . · · . . '' l ' d . . 'd

e \1c.1t1\ o e pc,l ·1�t) .. gico or1g1nal . A �-m isso .. a �l0\11 ade escol�1r, cn1 todos os nf,,e· .

... ·'"

. . """:" ... . . is, tc111 l tllport �111c 1�1 enorme, 1nclus1\r� eco�on11�1, para os 111telcctt1ais S·1o noto# r· . ,.,,..-- - . . . .. _ . _ "' · " 1 .. 1s, 11csscs ;1 11os: �1 escassez de poss1b1l1dades de asce11sao soaal abertas 1 itliciativ d , . • " " " a os pcqltCllOS empreendedores (ou pequenos burgueses) ; a 1nex1stência cfeti,,.1 de . · i " 1

-�� .- . -. , . . . . .

· p.1rt1c os - ( e ... máquinas parndar1as; � res!I:.tta 1nd�str1al1zação;

_ .:1� li111itaçõcs do 111crc�ido Ctllttt·

,J"al; .. o CC?�!I".f>J.C:._�o�re a •�prensa etc:) . nar ser Con1prcensfvel que a ainpl iação d�

aparato estatal tenha na are a educacional t1n1 espaço privilegiado para a f or1113ç:io de consenso e para o desenvolvimento do projeto cstadonovisra.

Não obstante a importância assumida pela �írea ed11cacional, c111 raz5o e.la dimensão explicitamente pedagógica do programa do Estado Novo, ot1tros org:t­nismos criados no período exerceram ft1nção sen1clhante. 47

A função, de ''partido de governo'', exercida pelo Estado Novo, é t1n1a ohr�1 intelectual de fôlego, na medida em que n1obiliza e st1lJn1etc vont;tdcs (l ispcrs;ts

em torno de um projeto unificador, caracterizando t1111a daq11cl�1s sit11;1çõcs 11;\s quais ''as idéias avançadas, e portanto a ascendência ideológic�l e, 110 li11titc, ' política, (não) são apanágio das classes funda111cntais, 111as c11contr;1111 sc\ts port�l·

dores nas camadas intelectuais''. 48 Desenvolvin1ento, progresso, 11toclcr11ill;1(fc,

superação do ''atraso'' nacional, essas são algt1n1as d;ts banclciras pcrscgtt i(f;ts pelo que há de melhor na intelectual idade. Esse é t1111 processo, porta11ro, tl<l q\1 ;11 �1

intelectualidade vivencia uma ruptura con1 os padrões cic co11s;tgraç5o vigc11tcs 11�1

Primeira República e passa a se ver no fio d�t n�1v;1lha: c11trc o 11i'. lis111� :, ;t

ambigüidade de ser vanguarda na eqt1ívoca circt1nst;'i11cia do ''�1tr;1so lttstóri�� e

· " · l '' ·ttr '1 so ele uma espécie de consumação, ajustada a ess;1 mesn1a c1rc1111st;111c1�\ < e ' · · '

um certo sentido de ntissão que se entranha à condição do intelectual e que tcni

47 S b d t 'r3d\ir:t 111oclcr11izl<lor�1. · C'Ol '1 o re o DASP é possível dizer qt1e r10 contexto e llffil ' 1 .. l . ... . , , .. b 1 .. te ,tccisiv:t parj (l c<>11tro �

ex1stenc1a de um partido de massas, teve an1açao a S<l \ltltltcn · . . • " 11 l • • • • • ? 11ll de :ttrtll\llÇ'()CS, C()Ol \11 •

central do sistema adm1n1strat1vo. Por n1c10 de \11113 v3sta S3 Í " 1)1\Sl' d " . h '') .. 'tcndi:t JlOf t()(f O () l'l s, o

re e de departamentos estadt1ais (os Dasp111 os qtle se cs 1 J • ... . .. 11tores. I� iss,,

d . 1 . 1 co11tro e l1C inter' e esenvolvia também atribuições d o poder leg1s ativo e <. e . . ti l<lS reais, ,1

. . 'b'I' l · l Jc Í\lllClOlllfClll Jl.lf l ,

ocorria de uma maneira tal que, ante a 1mposs1 1 1" •1' e . . ) q\tC' s� r(f �rC' l DASP 1. n r::t f e(lcrltl\ l • rt<l

(por sua forte disciplina vertical e pect1 1ar estr\i 1 • # 1 . 1 . ... pltir�1is i11tC'rrs · . . . . .. � I . ·io <.lc 111\1 tlJl ClS e capacidade de processamento compat1b1l11.3Ç�O e ag titttllÇ·

lf ticJs l"·'rrcr ter d

, .. d f e.lestes c111 po '

ses ª sociedade, bem como de transformaçao ª s ntcsc cu · '' 1 lc>

48 mprido boa parte das fu11ções de "partido de goverrto : . ,10 iJe�1 tis111<> ª r•11• •

ARANTE 1 G 1sc1 e :is or1�cns S, P · E. Uma reforma intelectu:il e mora : ran

Presen ( º: d ça ivo e janeiro), n. 1 7, nov. 199 1 .

1 08

no Estado o desaguadouro de suas inquietações e gração. Em ambos os casos, a problemiric.l d próprias ao mercado a atenção dos intelecrua.i ....

É assim que, num contexto de revoluç-lo-pa..."Si,. .. � -::::--..:.: ... �� � · - .. .

paradoxal que dá forma a urna cultura políric:i .. t:iti 't9� J..nti� ��� :� ,... ='- .. • �- .._.._ .. ..

série de aspectos, anticapitalista. Em nome da ordem t!' "·.� � . -:: ,-;_ • :s.: � ,

., • """ ...... "4- .. t: -.l"' �-' da cultura nacional, afirmou-se um caminho pa.n a a ' � t , :lL'"; °'�� . .: " ,� .. .. '].... � {� .,-. isso não significou nem o fortalecimento imediato d 11�ivers t::e��r:_·: .... , .::� reconhecimento positivo do interesse e do empreendimen� i::Cv! : ,.1 • • ·-:: ����:. ' ..._ ... . .. .... .

e até contra o Estado, que continuam ainda muito prec-; .. ; , � F�-...; ·: . ."" ::-· ., o.L..,, ... ...... ... � • . �

• .. ... - """" e ilL "" ' l: mercado, desenvolvimento capitalista concebido como obrJ. Fl±4� �!; -.:..:c_ de o individualismo se afirmar como valor legítimo� cor:C: X'c!S r::� .. � .. ... _ �-- "- , ...... � . ......

ideologias integra tivas, ao menos entre intelectuais� 1•ào ter eccr:o::� � ... , .. �'!":\.�� . a ''ida ao povo'' será a forma mais freqüente e recor:.en� r::!" �:::�-i·� :. . ......_ � .......

intelectualidade resolver a questão de sua identidade .. ci:tl ..

- -MISSAO X PROFISSAO: on.de está o moderno?

A Guerra Civil Espanhola, a polarização ideol .. �CL. a "-�v�J. !:._. :-� i · intelectuais nos Congressos de Escritores Internaci n� .. · .. fX - t::-: ... �- .l:O..� �: -no nazi-fascismo durante a Segunda Grande Gu rr..i prt: p•�n: . . x':: : • ::: • �·

jamais vista, o tema da missão do escritor em te d Ot!��\.. �t :�;· • ... � � ... .. . .... "" .. dava ao mesmo tempo em que uma ,·olum s-i � �� ..... �r..� a�vt�.x .. � !\.:!.�i-:.:...

' . .

começava a impor o problema da profi:si n..ili .... a '1 � .:·�t:\." te�!�'�.:.;�.

Osório Borba, em agosto de 1 939, colo�..i,·a o probl rr"1 n s s,;:·;- .. ... . : �!:" •• :\: .... .. .. -escritor profissional é estritamente o que o tertx10 �.xrri� .. "' �

:; :'1u.\..� :� • ... ,. . • •

da literatura o seu meio de vida''. 41# Só que a mai ria dl�S u .:· ... � · - - -..:.i "t.:'="4

fonte de renda e o trabalho de escre,·er, do p nn: d ,. ·,c-J. :'\..._r:'2 =i ""��... ...: . . ... ·

''segunda ocupação''. Nas palavras do n1esmo O. B rb..i : ��1 .. P'-=- .:_;_ �\:.: .. -:...·" - .. ,.. ... . ot1 caprichos pessoais, que todos nossos escritores sj btL.� \.TJ:"..L.' t.! ..... . ,"\.ll �� �

advogados ou con1erciantes, ou engenheiros, ou i�dustri.i!: � [ ... _·-·� - - · �·"" 'profissionais', no sentido da intensidade com qu se c!e\1!� - :K �--:�"!\: : .. �

,. -�-,:,. to . . . " . 50 Diante disso, Borba sugeria que era pfe\..-is :.i:t:r · � � .. -a · > . .. .. - � ·

direitos do trab3ll10 literário, como se faz no re--itro, e r-l� .. ... � ,-.:!':° ... --- t .. .. _

..

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na imprensa". Poderíamos ar�umentnr que �J.1,·ez o \-erCJ. 'ei!\: -=-,.� .__.i - .. � ..

o ,., ... . � nas dimensões reduzidas do mercado consumid r e n..i -..i.�":l '�.:..: ::. :!\." ' • --"" --

49 BORB1\, O. apud �1ARTINS, \\.,. op. ci: .• 1 97� .. p .. t : S ..

50 Ibidem.

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A oêCAD • .\ DE 1 �JO E AS ORIGENS DO BRASIL �•ODERNO

das arivid3des intelectu3is p ois, se é verdade que aument . .

1 09 �

d - di ·ai . - . . . ara a atividade int 1 e crescel.l a pro uçao e tor1 , isso nao sigruficava, or . ,

e ectual . fi . p s1 so, um aument d núntero de leitores su ciente para sustentar autonom o o

- . amente o trabalho de escre,·er. A ques�10 per111anecer1a na pauta nos anos post · f . d - . enores, unc1onando como elemento nortea or para a fundaçao da Associação B il · d .

� . ras eira e Escn tores (ABDE), em 1 942 ate desembocar em pro1eto de lei sobre di · . . os re1tos autorais que seri dur3mente combando pelos editores. '

A e.'\.rigüidade do mercado e as dificuldades de profissionalizaç- · d · ao, na vira a dos anos 30, le,'aram a que uma parcela dos jovens intelectuais, contando os de esquerda, se a�rox;masse dos organismos culturais do Estado Novo, particular­mente d:is revistas controladas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Estes, assim como aqueles que vivenciaram o projeto estatal como uma espécie de guarda-chuva para o desenvolvimento de sua atividade criadora,st evidentemente se diferenciam daqueles outros que aderiram de corpo e alma ao projeto estatal, certos de que, por meio dele, estariam realizando uma missão com caráter público: a modernização como forma de criar a nação. Os que se enquadram nessa condição tinham, também, a pretensão de organizar, por meio dos organismos estatais, as ati,ridades dos outros intelectuais, de for111a a integrá­los definitivamente à 'rida nacional, retirando-os da secular situação de isolamento (essa era a retórica da intelectualidade articulada em torno das revistas do DIP: C1,/t1,ra Política e Ciê11cia Política).52

A perspectiva de fazer coro com as proposições da política cultural estadono­vista evidentemente não foi tão escancarada entre todos os intelectuais que estiveram próximos ao núcleo do poder. �1uitos foram os que, nos dizeres de

Carlos Drummond "serviram sob uma ditadura'',53 sem aderir de corpo e alma a '

5 1 A . . , · d Ed - Cultura possibilitou para presen� de Gustivo Gpanema no �tinisterio e ucaçao e . · 1 · l · d · ·d d · n·'""'s. Ver SCH\VARTZ�li\NN, muitos inte ectu3.ls o desenvo ,·1mento e suas an,·i a es ena 9 �

S l . · p T . S5o Paulo· Edusp, 1984. . et. a . Te111pos de CapJnenia. R10 de Janeiro: � e erra, : Es d 52 T d # • • • • d ideologt�mente ao tl 0 o 3 3 tem3tlC3 desen,·ol,·1da pelos tntelecruats que a erem d Novo remete 3 um núcleo comum: a uma "nov3 concepção de cultura" que �e prcten e

• ... • - # • • • l . o Estado Novo e um marco integrada a dimenS3o pol1nca. Por isso, para esses inte ecruats,

d ão d · · . . . d · - de controle sobre a pro uç a P:irtlapaçio intelectual na ,·ida polínca .. Don e ª aceitaçao . ural e aos cu}h .. _1 • l 1 .d d · rporados à burocracia es

'Ul'" entre amplos setores da inte ectua i a e, inco d lrura. Aceito o

• . 1 · - tre o Est:i o e a cu organismos que pretendiam esttbelecer uma iµçao en

3 ordem c.xigi:i P d . fi - ltural) de que a nov 1 ressuposto (que tem raiz na demanda e uni iCJçao cu

. ti última 3o contro e centralização do poder político e da produção cultur.il: restnnge-se els

como g�rdi;ies d " d. · que se co OClID • e um círculo especialiljdo de teóricos e/oll irtgentes

l' . . um3 configur.lç.to · il der po inco. pn,· e&i3dos das ideologias" (\'ELLOSO, �1. P. �cultur.i

_: po

53 do cimpo intelectual. ln: UPPI et ai., op. cit., 1 982, P· 11 • . J/i., � . di,�pçõcs sobre �

ANDAA . . . p�ios n3 r. .. .

. · . DE, C. D. de. A rotina e a qliimer.i. ln. . • ·

2 ' ida lit-eriria e outr:is matéri3S. Rio de Janeiro: Simoes, 1 95 ·

'

• •

1 1 o MILTON lAHu ERTA

01·eto político. Estes - talvez os mais representativos herdeiros d # • seu pr . bl , . o espirit dernista _ eram expressivos de uma pro emat1ca relação do escrit

o mo . . or corn mercado e com 0 público, muito marcada por uma avaliação individual ista d� questão do poder central, da questão do Estado e da política. Drummond 5. . 1ntet1za essa relação:

Sem método escrevo tais coisas pensando nos poetas, nos contistas nos e # . _ .. ' nsaistas que a esta hora ainda n

.a� �abem o que o sao, lentam�nte se elaboram na Diretoria de

Aguas, no Ipase, na D1v1sao de Fomento da Produçao Vegetal. Há que contar e eles, para que prossiga, entre nós,

_certa tradição meditativa e irônica, certo jeito en��

desencantado e piedoso de ver, interpretar e contar os homens, as ações que 1 . .. f d e es

praticam, suas dores amorosas e suas asp1raçoes pro un as - o que talvez só u escritor-funcionário, o

_u um funcionário-es�r�tor, seja cap�� �e oferecer-nos, ele q�

constrói, sob a proteçao da Ordem Burocrat1ca, o seu ed1f1c10 de nuvens, como um b . d 54 louco manso e su venc1ona o.

t � Em outras palavras, mesmo os que não aderiam explicitamente ao Estado � I ' ! Novo, de uma maneira ou de outra, adequaram-se ao seu projeto de ordem,

,1 revelando uma aceitação tácita do autoritarismo que tinha por eixo a ''compre-: ensão de que o 'atraso' da nação estava, bem ou mal, sendo sanado pela imposição

de uma ditadura que acertava o passo dentro das exigências do progresso''.55 Ainda que por linhas tortas, caminhávamos para o moderno.

Ou seja, mais até do que a aceitação da capacidade de incorporação ideológica e/ou política do Estado Novo, o que importa compreender é como se dava o exercício precário do ofício de escritor, ante a parca institucionalização das funções intelectuais e o limitado público leitor. Afinal, nesses anos, falar em intelectuais é fundamentalmente falar em polígrafos que escrevem para um público bastante restrito: os próprios produtores de literatura, os professores e os alunos das escolas superiores, os diletantes, e, por fim, o cidadão insatisfeito.56

No final dos anos 30, o acirramento ideológico, a insatisfação de amplos

setores da opinião pública com relação ao regime e o clima de urgência imposto pela conflagração mundial propiciam um relativo aumento dos leitores, mas, mais do que isso, garantem um público cativo de ''cidadãos insatisfeitos'' que cada vez

mais se encarrega de consumir e divulgar uma literatura com veleidades sociais.

O que não significa muito para aqueles intelectuais que, definindo-se como

d · d. · ,. · '' Tal mo ern1stas, preten iam manter uma ''certa tradição meditativa e ironica ·

como os modernistas da fase heróica que os inspiravam, a estes talvez �ão se

pudesse defini-los ainda como profissionais da palavra, como alguém que vivesse

54 Ibidem, pl 15. 55 SANTIAGO S Cal 'd # • d 5 6 Ib 'd ' · ei oscopto e questões ln: op. cit., 1983, p.28.

1 em, p.27.

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ctCADi\ OE 1 �.JO E AS ORIGENS DO BRASIL MODERNO ,, 1 1 1

·/ ·it YJ 011 prioritariatttente dos rendimentos auferidos com d d (�\\. 11� . . . . a ven a e seu

l 1110 de escrever, se1am livros o u textos para Jornais e revistas s1 N . rr�t , .. 1 , .

. . • esse sent1do,

10 1,rocur�1111 escrever para o publico em geral, mas principalmente atin . . 11.. d ,, . . ,, l . g1r um:i

selcc1 p:.1rcela dele: a os iguais ' na qua se define quem tem valor, ou n:io. En1 Jingu;tgcnt áspera e enig�:ítica, q uan�o comp�rada à escrita daqueles que quercnt '"ir ;to povo'' e/ou fazer literatura social, esse tipo de escritor-intelectual se coloci deliber;tdan1ente em antagonismo com o gosto do público, dando à cri:iç:io arósàci ur11a condição de tal forma inquestionável que se justifica qualquer proximidade com o poder para realizá-la.

No caso, o suposto é que a modernização, mesmo que por vias autoritiri:is, contribuir3 para a criação de um leitor aprimorado no futuro, como está magis­tralmente revelado na brincadeira antropofágica, quando Üs\vald goza :i rel:ição escritor-público (''A massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico''). Em outras

pal3vras, auto-suficiente e até elitista, esse tipo de intelectual, por não depender do público, considera que ele (público) é que deve ilustrar-se para atingir sua obr�1. 1\ preocupação com o artesanato é uma maneira de se afirmar :i autonon1ia do trabalho de escrever perante a ideologização e a politização da produç:io intelec­rual, mesmo que sua fonte de sobrevivência seja a ''Ordem Burocráti�1 ''. 1\fin:tl, o reconhecimento e a consagração, nesses casos, não vêm do gosto do público mas da aceitação em uma esfera estritamente intelectual.

Portanto, para esse ripo de intelectual, o critério de consagração t3r11bé111 1130 passa pelo mercado, entendido como espaço impessoal onde se di u111a dctern1i­nada relação entre o escritor e o público genérico, efetivando·se �lit1da 11111ito dentro de padrões instituídos pela ruptura modernista. Esta, ainda que b:1st:t11tc inovadora nas questões estéticas, neste apecto reproduzia a dinâmica dos salões e saraus onde ''Intelectuais-instituições'' pontificavam estabelece11do os critérios ele seleção acerca do que é ou não válido. Nessa esfera estritamente intelccn1�1l, ttessc campo cultural nascente, circulam vários tipos de personagens intelccn1ais: os (}\tC

enfrentaram sua crise de identidade social atribuindo-se a ''miss3o '' de cri:tr �1 nação, a cultura e o povo fazendo do Estado o instrun1ento par�1 isso; os c]\tc " '

l servem sob a ditadura'' fazendo d o Estado órgão ''financiador'' par;t dcsc11'1º ' cr ' � um trabalho criativo; os que vão para a oposição por razões ideológicts �u n�o;

os que estão em disponibilidade em virtude do mercado ser restrito e ,J�ts tttttçocs estatais n • · ' .

f 1 d 1 , ,. c11co11tn1 110 ao incorporarem todos. SeJa como or, nen 111111 e cs rnercado d · - lt\1r·1l e maneira clara, o critério principal de consagraç30 cu ' ·

57 Silviano S . . . ,. . d \1111 �111pr�go ,,,\lilt\.'t), 0 p anttago diz desse tipo de intelectual : "nas conventenci�s e t · 1t,,. 11,\ftl \S 0eta ou · 1 • do 111crc�1' cl, Jl �· gro�c- . romancista modernista pouco tinha a ver com as ets

·c\l Jlf\l-.lt1t\l ·". �eiras e n d d . cqucr p.1ra o s lbid ª ª con 1zentes com as regras de consumo que r

etn, p.27 .

__) _,--....

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1 1 2 MILTON lAHUERTA

É por isso que, durante os ano� 30, �pesar �e aflorar o tema da profissiona­lização do trabalho (ofí�io)

_d� e�c:1tor, ainda ha um� �orte presença daquilo que

chamamos "intelectual-1nsnru1çao . Dentre esses, Mar10 de Andrade talvez tenh

vezes das instituições de cultura que ainda nao ex1st1am plenamente. Daí, quando da febre de avaliações do modernismo que começa a ser feita no início dos anos 40, as suas posições tenham sido as mais influentes, estabelecendo o ângulo que prevaleceria nas próximas décadas. Nessa reavaliação, Mário faz uma autocrítica do modernismo e coloca no cerne de suas inquietações a problemática ética e 0 tema da participação e do compromisso do intelectual. A radicalidade pre,sente nesses textos de M. de Andrade58 não pode ser desvinculada das incertezas que advinham do conflito mundial, dos horrrores da barbárie nazi-fascista, dos ecos dos debates internacionais entre os intelectuais e, por fim, da perplexidade diante da ambigüidade que marcava o regime do Estado Novo. _Mário fazia assim as vezes de 11!11 papa laico, de um "intelectual-instituição'',_que ''benzia as armas'' de paulis�

i

cariocas, mineiros, nordestinos etc. Ao longo de sua trajetória conquistara, pelo trabalho paciente de construção estética e de desenvolvimento de instrumentos críticos e por sua enorme dedicação pública (na preocupação mais ampla de dar identidade e universalidade à cultura nacional, na ação prática procurando concretizar seus projetos culturais ao longo dos anos 3 O), 59 um espaço sem precedentes na história da cultura brasileira. Por isso não é de estranhar que, nesse momento, suas intervenções tenham tido tanto impacto, dando o tom a partir do qual se daria a revisão do modernismo. As intervenções a partir de 1 94 1 são marcadas por um amargo tom de derrotado, preocupadíssimo em revelar as insuficiências do Moder11ismo pela falta de compromisso com a vida, 60 pela inconseqüência que a

58 Isto pode ser conferido pela leitura dos textos "A elegia de abril'', escrito para o número de

abertura da revista Clima, lançada em 1 94 1 ; na conferência proferida em 1942 no Itamara�:

"O Movimento Modernista"; e em um.a entrevista dada para a revista Diretrizes, em janeiro

de 1944, com o título sugestivo de "A arte tem de servir". Não é a toa que Carlos Guilherme

Mona tenha chamado Mário de Andrade de "a consciência limite" do período. Em suas

l "N- , · if. · a1· taS nas formula-pa avras: ao sera, pois, para se ver tear a existência de traços nac1on is . , ções de Mário que se eliminará a característica radical sobretudo no que diz respeito .. ª ' rifi �o ruptura com o quadro social e cultural anteror. O radicalismo de Mário está

na v� ca 0 d ' 'd I ' · rar siruado n as raizes 1 eo ogicas de sua produção intelectual: nessa medida, parece es " l . . d . ... . , . d de "'ptura imite a consc1encia possível. Ou mesmo um pouco além, o que dá o seno 0

(MOITA, C. G. Ideologia da cultura brasileira, 2. ed. São Paulo: Ática, 1977, P· 1º19: · de 5 9 V b · l' · em � ano er, so re �sso: SANDRONI, C. Mário contra Macunaíma: cultura e po 1º:a.

e Andrade: Andr�de. Sao Paulo: Vértice, 1988 (esp. cap.3); ANCONA LOPEZ, T. P. Máno d ram 'nh -ais .e cam1 os .. Sao Paulo: Duas Cidades, 1972. (esp. cap.4 ). . ante paf3 3 60 Essa leitura da con1untura, baseada na idéia de compromisso, vai ser deternun

. nais e o geraça-o q b d fi · . - profiss1o · ue usca e trur sua identidade entre o lusco-fusco das questoes

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, DE 1 920 E AS ORIGENS DO BRASIL MODERNO A oeCADA 1 1 3

,

. ·dade da época estava a condenar. E essa biisca de sentido �� . . :1 ,: dramano . . . . - . . r 644 "' a arr.-il.;a�.e

. 1 ctUal essa tentanva de definir as atnbwçoes sociais dos intelectuai-:: "' in te e ' . _ . . _ MJ, q1. _ m a galvanizar as atençoes dos J ovens e antigos mtelecruais que te·m � passa . . ' ... o

modernismo, negativa ou pos1nvamente, a sua referência mais fone.

De 1922 a 1 945, o m odernismo cum re uma trajetória na qual, ao mesn:o

tempo ein que se debruça sobre o comportamento humano em seu íntimo e so::r:e

0 tema do inconsciente, procura ''uma reformulação ideológica diretamente ligada

à compreensão da nacionalidade, d a universalidade, e ao compromisso do intelec­

tual com 0 povo de seu país e de todo o mundo".61 Nos primeiros anos da décz&

de 1940, com a radicalização da conjuntura e a deslegitimação da política culnu� estadonovista, é exatamente esse segundo aspecto do legado moder11i�� que prevalece na definição do campo cultural. Donde o impacto das col �

- ée Mário, ao anunciar o mal-estar do artista, do homem de culrura, perante a impos­sibilidade de permanecer ljmitado à vigilância puramente estética, constrangido a enfrentar a questão da vigilância do pensamento criador em ger� em \-irtude do compromisso com um futuro que s e mostra cada vez mais aterrorizante.�2

' A luz de um peculiar resgate d a idéia de compromisso do intelecc11al, �láriot constrangido pelo conflito mundial e decepcionado por suas experiências profis­sionais e pelos projetos desenvolvidos junto a Capa�nema, estabelece 11m âng11!0 novo para fazer um balanço dos últimos anos: o do anti-herói, o do derro:2do. Em ''A elegia de abril'', texto de 1 94 1 , desanca a geração de 22, na qual se inclu4 por sua indiferença para com a época social em que vi\riam. Implícita esti 11rna

ambígua colocação sobre a necessidade de os intelectuais participarem, não se sabe se politicamente ou de alguma outra maneira. Diz ele:

Não éramos ''abstencionistas'', o que implica uma a ti rude consciente do es-çíri:o: nós éramos uns inconscientes. Nem mesmo o nacionalismo que prarici,·amos com tJm pouco maior de largueza que os regionalistas nossos antecessores, consegtiira definir em nós qualquer consciência da condição do intelectual, seus de,·eres p1r.1 com a � t: e ª humanidade, suas relações com a sociedade e com o Estado. 63 A avaliação que Mário tinha dos mais jovens não era das melhore� cons_ide­

rand?�os, em relação à sua geração, ainda mais frágeis, mais marodos pelo esteticismo e pelo elitismo. Mário, de certo modo, era ambíguo porque pl.I'ece preocupado com a profissionalização e com a constituição de um ompo cultural

sentido de m· - d · ... � ,...., inte..: e.ado�

f . issao, que tanto o Estado Novo quanto as pressões e con1un��-az1am afl 6 1 ANC orar com grande intensidade.

62 Ver ONA LOPEZ, op. cit., 1 972 (esp. cap. 4). . ,. -·� a entre . . .. ubliClc..1 c..l rc' u.-D · . vista a Francisco de Assis Barbosa "A arte tem de senn , P tretrizes · '

9-9 63 ANDRA ' Jan. 1 944, e republicada em Almanaque (São Paulo), n.S, 1 1 • DE, �1. de. A elegia de abril. ln: op. cit., 1 974, p. 186.

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1 1 4 MILTON lAl lUt�rA

e autonomizado dos esquemas consagratórios do Estado Novo s6 qu novo . . ' e sua� colocações, em face da conjuntur� �ramat1z�da e polarizada pela conflagração

os escritores e/ou aprendizes de escritores se tornassem pol1t1ca e 1 deo]ogicamcntc ativos. Wilson Martins, de forma simplista, chega a afirmar que ''Máric> estava pregando 0 novo evangelho do 'escritor comprometido', isto é, ideologicamente

1 . . d . '' 64

ativista, mas iterar1amente ten enc1oso . ...---- Em realidade, ainda que de maneira ambígua, e que, portanto presta-se a

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múltiplas interpretações, creio não ser arbitrário dizer que Mário já antecipava c1

que seria moderno em termos de identidade intelectual no futuro: isolar-se 11a ''torre de marfim'', não trair a condição de intelectual tentando se confundir com a política. Moderno daí para diante seria, cada vez com maior nitidez, o intelectual profissional, especialista, para quem pesam mais as instituições do que a vocação pública e o sentido de missão. Mas, para que tal vaticínio se realizasse plenamente, o país ainda teria que passar por outro surto de modernização conservadora. Enquanto isso, a disponibilidade relativa da intelectualidade a manteria, com seus traços difusamente anticapitalistas, nos marcos de uma problemática de intellige11-tsia: buscando assim se aproximar do popular como forma de realizar o moderno, radicalizando unilateralmente nesse sentido a autocrítica que Mário havia feito do modernismo. Portanto, entre intelectuais, ainda por mais três décadas, moder­no será sinônimo de nacionalismo e de proximidade com a cultura pÔpular.

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