os intelectuais e a polÍtica cultural do estado novo

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CPOOC OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO Mônica Pimenta Vell FUNOIÇIO GETULIO VaRGaS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAçAO DE HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL RIO DE JANEIRO 1987

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Page 1: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

CPOOC

OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

Mônica Pimenta Velloso

FUNOIÇIO GETULIO VaRGaS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE

HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO

1987

Page 2: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

CPDOC

OS INTELECTUAIS E A POLíT ICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

Mônica Pimenta Velloso

FUNOlçaO GETULIO 'IRSIS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE

HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO

1987

Page 3: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

Coordenação editorial: Cristina Mary Paes da Cunha

Revisão de texto: E l i z abeth Xavier de Ara ú j o

Datilografia: Márcia de Azevedo Rodrigues

Nota: •

Documento de traba lho rea l izado em 1 983 .

V44 l i

VELLOSO , Mônica Pimenta.

Os inte lectua is e a po l ítica cultura l do Estado Novo / Mônica Pimenta Velloso . Rio d e Jane iro : Centro de Pe squi sa e Docu­mentação de H i stória Contemporânea do Bra­s i l , 1987 .

5 0 p .

1 . política cul tura l Brasil 19 3 7 -1 9 4 5 . 2 . Intelec tuais e pO l í tica - Bra s i l - 19 3 7 - 194 5 . 3 . Nac ion a l i smo Bra s i l 1 9 3 7 - 19 4 5 . 4 . Bra s i l. Departamento d e Imprensa e Propaganda . I . Centro de Pes­quisa e Documentação de Hi stória Contempo­rânea do Bra s i l . 11. Título .

CDU 7 . 078 (81 ) CDD 3 0 1 . 2981

Page 4: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

CPOOC /J,\J01PV Fund:lçF.o G'3túlb Vargan

'._-.. --

Page 5: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

SUMÁRIO

A construção d a nac iona l id ad e : o s inte l ectuais e o poder 0 1

D a " torre d e marfim " à arena pOl í t ic a 0 7

A pol í t ic a nao e ma i s a " madrasta da inte l igincia " ; surge Get�lio Varga s o " pa i dos intelec tua i s " 1 3

D I P : a entidade onipre sente

As ra ízes da bras i l idade: o Estado Novo

Observações finais

os intelectuais modernistas e

1 9

4 2

46

Page 6: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

A construcão da nac iona l idad e : o s int e l ec tuais e o poder

A re lação dos intelectuais com o sistema d e poder tem si

do extremamente imbricada e compl exa , uma vez que , ao longo da

h istória , e l e s freqüentemente se atribuíram a função d e agentes

d a consc iênc ia e do d iscurso . l No Bra s i l, a nossa estrutura pa -

triarc a l e autoritária e a própria cond ição de pa í s peri férico -

d e grande contingente d e ana l f abetos - acabaram por r e forçar ao

extremo este t ipo de prá t ic a . Assim, o idea l d a representação,

o falar em nome dos destituídos de capacidade de disc ernimento e

expres s a 0 , foi faci lmente absorvido pelo intelectual bra s i l e iro .

Sentindo-se consciência privil egiada do "naciona l " , e l e constan-

temente re ivindicou para si o pape l de guia , condutor e arauto .

Ba s ta conferir a nossa l iteratura soc ial, c u j o s exemplos sao

pródigos neste sen t ido .

Nos momentos de crise e mudanças históricas profundas

instauração do Império, Proc lamação da Repúbl ica , Revolução d e

3 0 e Es tado Novo - a s e l ites intel ectua i s marcaram s u a presença

1 FOUCAULT , M . e DELEUZE, G i l l e s . Os inte lectua is In : Microfísic a do poder . Rio de Jane iro, Graa l ,

e o poder . 1 9 7 9 . p . 7 1 .

Page 7: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2

no cenário pol ít ic o , de fendendo o d ire ito d e interferirem no

processo de organização naciona l . Logo após a Independênc ia ,

quando estava em curso o processo de construção da j ovem naçao ,

os intelectua i s portaram-se como verdadeiros guia s , s entindo - s e

particularmente inspirados pela idéia nac iona l . Assim, os escri

tores românt icos acreditavam ter uma missão sagrada : a d e c r iar

um temário nac ional i sta , d e s t inado a autova lorização do país 2

Na pas sagem do regime imperial para a Repúbl ica , o s int�

lectuais vo ltam a atr ibuir-se o papel de guia na condução do pro

cesso de modernização da sociedade bra s i l e ira . E l e s aparecem

como verdadeiros " mosqueteiros intelectua i s " que , munidos do inA

trumenta l cientifici s ta buscam remodelar o Estado , lutando con­

tra a incapac idade técnica e admini stra tiva dos po l í ticos 3

Na década de 2 0 , quando se fazem sentir os efe i to s críti , cos do pos-guerra , com a derrocada do mito cientific i s ta , o ide-

aI cosmopo l ita de desenvolvimento cede lugar ao credo nac iona liA

ta . A busca de nossas ra í z e s , o ideal d e bra s i l idad e , passam,

então , a construir o foco das preocupações intelectua i s . Agru-

pados no movimento modern ista , os intelectua i s se j ulgam os indi

víduos ma i s capacitados para conhecer o Bra s i l . E é a través da

arte que e l e s pretendem atingi� a real idade bra s i l e ira , apresen­

tando a l terna tivas para o desenvolvimento da naçã04

2 CÂND IDO, Antônio . na l , 1 96 5 . p . 7 .

Litera tura e sociedade . são Paulo , Nacio-

3

4

SEVCENKO, Nicolau . criação cultural na s e , 1 9 8 3 .

Literatura como missão; tensões soc i a i s e Primeira República . são Paulo , Bra s i l ien-

VELLOS O , Mônica Pimenta . ° mito da original idade bra s i l e ira ; a tra j e tória intelectual d e Ca s s iano Ricardo ( dos· _ anos 20 ao Estado Novo ) Rio de Janeiro , PUC , 1 9 8 3 . [.d i ssertaçao d e mes­trado]

Page 8: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3

Fica c lara , portanto , a constituição da identidade d e s s e

grupo , que , h i storicamente , sempre buscou d i s t inguir-se d o con-

junto da soc iedade . S e j a através dos idea i s da c iência ou da

raciona l idade ( geração de 1 8 70 ) , da arte ou intuição ( geração de

1 9 2 0 ) ; imbuídos d e vocação me s s iânica , senso d e missão ou dever

social , os intelectua i s se auto-elegeram suc e s sivamente consciên

cia iluminada do naciona l .

É a partir da década de 3 0 que e l e s passam s i s tema tica-

mente a d irec ionar a sua a tuação para o âmbito do Estado , tenden

do a ident ificá-lo como a representação superior da idéia de na-

çao. Percebendo a soc iedade civil como corpo conflituos o , inde-

feso e fragmentado , os intelectua i s corpori f icam no E s tado a

idéia d e ordem, organizaçã o , unidade . Assim, e l e e o ttcérebro "

capaz d e coordenar e fazer funcionar harmonicamente todo o orga-

n ismo sociaIS . Ape sar das d iferentes propostas de organização

apresentadas pelos inte l ec tuai s ao longo das décadas d e 20 e 3 0

- jurídica ( Franc isco Campos ) .. econômica (Azevedo Amara l ) , espi-

ritua l ( Jackson de Figueiredo ) - , todas convergem para um mesmo

ponto : a solução autoritária e a desmobilização socia 16

No Estado Novo ( 1 9 3 7-4 5 ) esta matriz autoritária d e pen-

sarnento , que confere ao Estado o poder máximo da organização so-

cial va i adquirir contornos ma is defin idos . As. e l ites intelec-

5 Esta concepção da organização po l í t ica , vigente entre os inte­lectuais da década de 3 0 , é denominada de " ideologia de Esta­d o " , segundo Bol ivar Lamounier . Consultar a prop6sito do as­sunto : LAMOUN I ER , Boliva r . Formação de um pensamento pO l í t ico autoritário na prime ira Repúbl ica ; uma interpretação , em Boris Fausto ( org . ) O Bra s i l Republ icano ; sociedade e instituições . ( 1889 - 1 9 3 0 ) t. I Il , v . 2 ( são Pau l o , D i fe l , 1 9 7 1 ) . p . 3 4 3 - 7 3.

6 SADECK , Maria Teresa . �M�a�c�h� i�a�v�e� l�,�m� a� c�h�i�a�v�é�i�s� : viana . são Pau l o , S ímbo lo , 1 9 78 . p . 90 .

a tragédia ota-

Page 9: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4

tuais , das mais diversas correntes de pensamento , passam a iden­

t i f icar o Estado como o cerne da nacionalidade bras i l e i ra . S e

h i s toricamente a construção do nacionalismo vinha s e constituin-

do em uma das preocupações fundamentais dos intelectuais , agora

e l e s passariam a s ituar a sua tarefa nos domínios do Estado . Ve­

rifica- s e , então , a união das e l ites intelectuais e pO l í t i cas que

se pre tendem, as verdadeiras expressões de uma pOlítica superio r .

O período do Estado Novo é particularmente rico para a

análise da relação entre os intelectuais e Estado , já que neste

mesmo período se revela a profunda inserção deste grupo soc ial

na organização pOl ítico-ideológica do regime . Neste s entido , ao

longo do texto , temos a preocupação de enfocar o s inte l ectuais

na qualidade de partic ipantes de um " pro j e to pOl í tico-pedagógi­

c o " , destinado a popularizar e d i fund ir a ideologia do regime .

Destacar o vínculo dos intelectuais com este pro j eto , s ignifica

evidenciar a r e lação entre propaganda po l ít ica e educação no Es­

tado Novo . Apresentando- s e como o grupo mais esc larecido da so­

c iedade , os intelectuais buscam "educar" a coletividade d e acor­

do com os ideais doutrinários do regime .

Dentro do pro j eto educativo há que se d i s tinguir dois n í

ve i s de atuação e e stratégia : a do Ministério da Educação ( Gus­

tavo Capanema) e a do Departamento de Imprensa e Propaganda

D I P - ( Lourival Fontes ) . Entre estas entidades ocorreria uma

espécie de divisão do trabalho , vi sando atingir d i s tintas c l ien­

te las : o min i stério Capanema voltava-se para a formaçã o de uma

cultura erudita, preocupando-se com a educação formal ; enquanto

o D I P buscava , através do controle das comunicaçõe s , orientar as

manifestações da cul tura popular . Esta divers idade de orienta-

Page 10: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

5

çao na pOl ític a cul tura l transparece na própria composição dosirr

te l ectuai s nos referidos organi smos . o ministério Capanema reu-

nia um grupo de intelectuais l igado à vanguarda do movimento mo-

dernista : Carlos Drumrond de Andrade ( chefe d e g abinete ) , Lúc io

Costa , Oscar N i emeyer , Portinari , Mário de Andrade7 . Bem dife-

rente era a compo s ição em torno d e Lourival Fontes , que inc luía

nomes como o de C a s s iano Ricardo , Menotti Del picchia e Cândi-

do Motta F i lho . Intelectua i s estes conhecidos pelo pensamento

centra l ista e autoritá r i o , que viria a imprimir um rígido contro

le nos meios de comunicação . t este grupo que vai dar a s l inha�

me stras da pol ítica cultura l direcionada às camadas populares .

Intere s sa-no s , sobretudo , neste traba lho , destacar a açao do

D I P na montagem desta pol ítica , demonstrar a atuação desta enti-

dade no seio da sociedade sem privilegiar o pensamento de inte-

lectuais e spec í f icos . Assim, não nos importa que mui tos d e l e s

tenham pouca pro j eção o u s e j am anônimo s . Importa -nos , ante s , a�

s inalar como o regime autoritário procurou " socia l iz a r " a sua

doutrina , trazendo-a para o cotidiano popular .

O texto se articula em torno de três idéias . A prime ira

é a de mostrar como se constrói a argumentação dos inte l ectua is

em re lação ao pape l de vanguarda soc i a l que eles mesmos se pro-

poem a exercer . Em nome de que idéias e princípios , e l e s se

autoconfiguram os pa l ad inos da nac iona l idade bra s i l e ira? Num

s egundo momento , a idéia é evidenc iar a atuação prática d e s se

grupo : sua inserção na vida po l í tic a através da e laboração de

7

"

Para uma aná l i se da po l í tica cul tural empreendida pe lo Minis-tério da Educação no Estado Novo consultar : SCHWARTZMAN , Si­mon ; COSTA , Wanda Maria Ribe iro e BOMENY, Helena Bousquet . Tempos de Capanema . Rio de Janeiro , EDUSP/Paz e Terra . 1984.

Page 11: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

6

um pro j eto cultural . De nossa part e , a análise deste pro j eto;

merece atenção espec ial , quando deixa transparecer o s e f e itos

concretos da absorção d a ideologia política pelas camadas populª

res . Finalizand o , é nosso propós i to apresentar a s idé i a s que

vão fundamentar o pro j eto cultural do E stado Novo , analisando a

vinculação dos intelectua i s modernistas com o regime . Esta vin­

culação é de extrema importânci a , uma vez que dá a conhecer um

dos núcleos organizatórios ma i s sólidos do regime : a cultura .

Este núcleo permite explicar a integração dos vários grupos d e

intelectua is ao regime , a s s im também como a própria organização

social gerada a partir dele .

Page 12: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

7

Da " torre de marfim" A arena Dolítica

" ( . . . ) a Academia Bra sileira de Le­tras t em que ser o que são a s ins ­tituições análoga s : uma torre de

f . " 8 mar l.m . . . . ( Machado de Assis 1 89 7 )

" a primeira fase de vossa ilustre instituição ( ABL ) decorreu A margem d a s a tividades gerais . . . Só no te6 ceiro decênio deste século operou­se a simbiose entre homens de pen-

- 9 sarnento e de aca o " . ( Getúlio Vargas 29/12/4 3 )

Através dos textos acima é pos s ível começar a e stabe l e -

cer um confronto entre o pape l d o s inte lectuais n o fin a l d o s é -

cu lo passado e n o regime d o Estado Novo ( 1 9 3 7 - 45 ) . Embora a s

8

9

CAMPOS , Humberto de . AntoloGia da Academia Bra sileira de Le-t ra s ; trinta anos de discursos acadêmicos ( 1 89 7 -1927 ) . Rio de Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 35 . p . 5 .

BRAS IL . Presidente , 1 951-54 ( Varga s ) Discurso pronunciado na Academia Brasil eira de Letras em 29/12/4 3 . In : A nova pol í ­tica d o Bra sil . Rio d e Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 4 4 . p . 2 2 1- 3 7 .

Page 13: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

8

perspectivas dos autores s e j am opostas , a problemát ica que abor-

dam é comum . Ambos falam d a re lação entre a l iteratura e a pol í

tica e do pape l da Academia n a construção d a naciona l idade . Ma -

chado de Assis se r e fere à Academia como uma " torre d e marfim" ,

onde os inte lectua i s se r e fugiariam no mundo das idéias , tendo

como único ob j et ivo a preocupação l i terária . Qo a l to de sua

torre , e l e s contemplariam o mundo , refletiriam sobre e l e , sem,

no entanto , terem um envolvimento direto com a s lutas soc i a i s .

o papel do intel ec tua l está c la ramente f ixado : eles " podem e scr� , , , , 10 , ver paginas de h is toria mas a h is toria faz-se la fora" . A ideia

, , e a de que e preciso se retirar, se d is tanc iar para melhor re-

fletir sobre a realidade : ver "claro e �uieto" .

, 1 1 No inl.c io do século , conforme l embra N ic·olau Sevcenko ,

a intelectual idade sofria uma s i tuação de margina l idade por par-

te do Estado , princ ipalmente o grupo que se co locava numa per s -

pectiva ma i s crítica e m relação à sociedade , , como e o caso d e

Euc lides d a Cunha e Lima Barreto . Para estes intelectua i s que

se recusavam a ver a litera tura s imple smente como o "sorriso d a

sociedade", percebendo-a antes como uma missã o , como i n strumento

de trans formação soc ia l , os caminhos não seriam fác e i s . Os obs -

táculos de uma sociedade tradic ion a l vetariam prontamente o s

seus pro jetos de atuação pÚblica , restringindo e demarcando o

lugar do intelectua l para fora da arena pol í t ica . Ao intel ect},!

al caberia , portanto , a reflexão , a quietude e o saber puramente

1 0

1 1 CAMPOS , Humberto de .

SEVCENKO , Nicolau . criação cultura l na s e , 1 9 8 3 .

Op . c i t o p . 5 .

Literatura como mis são; tensões soc iais e prime ira Repúbl ica . são Paulo , B r a s i l ieg

Page 14: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

9

erudito . D is tante das misérias do mund o , e l e deveria ser o "cri

ador das i lus6e s " capaz d e reve lar o encanto , o lado f e l i z e

leve da vida . Dentro deste quadro , pol ítica e l it eratura apa-

rec iam como coisas tota lmente d i s t in ta s : a primeira d i z ia res-

peito aos a spectos materiais d a v ida ; enquanto a segunda f a lava

do espírito , enfim dos valores t idos como superiores .

Pro ferido na ocasião da fundação da Academia Bra s i l e ira

de Letra s , o d iscurso de Machado oferece um interes sante con-

fronto com a ideologia do Estado Novo , no que se refere ao pa-

pel do inte l ectua l na sociedad e . Neste sentido , é interessante

perceber como a doutrina do regime vai incorporar e repensar

e s ta s idéi a s , na perspectiva de criticar a a t i tude isolac ionista

dos inte lectuai s . A metá fora da " torre de mar fim" é incessante-

mente reproduzida como s ímbo lo da a l ienação pO l ít ica em que vi-

viam a s nossas e l ites cultura i s . o ideal estetic i s ta d a litera-

tura , o i ntelectual erud ito e o academicismo são obj eto de críti

ca violenta por parte do regim e , que pas s a a de fender a função

social do inte lectua l , chamando-o a participar dos d e s t inos da

naciona l idad e .

É curioso como um dos ideólogos do Es tado Novo - .Ca s s i.a -

no Ricardo

des da Cunha .

efetua o confronto entre Machado de Assis e Euc l i­

A obra de Machado é criticada pe lo seu " c osmopo-

l itismo d i s solvente " . Isto porque tomaria como inspiração ape-

nas o l itora l , visto como o l ado fa l s o do Bra s i l , onde predomi-

naria a inf luência de valores a l ienígena s . Sua arte , para C a s -

siano Ricardo , seria , portanto , ba seada no mimetismo . Já Euc l i -

des da Cunha aparece como aquele que " pensa bra s i l e iramente " ; sua

obra representa a " força origina l da terra " , porque falaria a

" l inguagem bra s i l e ira " dos sert6es . Na arte euc lidiana , segundo

Page 15: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 0

Cassiano Ricard o , estaria retratada toda a violincia e força d e 1 2

um mundo novo . No Estado Novo , a obra de Euc lides é recupe-

rada pe l a sua d imensão region a l i sta , que traduziria a preocupa-

ção do autor com os destinos da nac ional idade .

A doutrina do regime constrói todo um s i stema d e valores

em função do qual resgata ou nega o valor do intelectual n a so-

c iedad e . Assim , na obra de Euc l id e s , a que stão da bras i l idade é

a instânc ia máx ima de sua consagração . A idéia do inte lectua l

como membro do grupo em comunhão com o naciona l , está , então ,

f irmada .

Antes d e aprofundar a aná l ise sobre a concepçao de inte-

lectua l construída pelo regime , cons ideramos importante reter a�

gumas idéias anteriores . Retomando o d i scurso de Machado de

Assis e o de Varga s , vemos que ambos tra tam de uma questão co-

mum : o lugar d e destaque conferido ao inte lectua l . S e j a isola-

do na sua torre de ma r fim, c�iando a s " i lus5es" necessárias ao

bom andamento da ordem soc i a l ( tempo de Machado de Ass is ) , s e j a

envo lvido na s lutas nac iona i s ( período d o E stado Novo ) , o inte-

l ectual é caracteri zado pelo est igma da diferença . Fabricante

d e ilus5es ou consc iinc ia da naciona l idade , e l e foge ao padrão do

homem comum . Assim , o inte lectual é sempre des ignado para o

exercício de a l guma função e/ou missão e spec i a l" que varia de

acordo com a conj untura h i stórica .

1 2 A RICARD O , Cassiano . Ma rcha para Oes t e ; a inf luencia da "ba n-deira " na formação soc i a l e po lítica do Bra s i l . Rio de Ja­

ne iro , José O l ímpio , 194 0 . p . 546 . Poster iormente a aná l ise

As s i s e Euc lides da Cunha foi ratura como espe lho da Nacão; Novo . Rio de Janeiro , CPDOC ,

sobre o per f i l de aprofundada por mim a crítica l iterária 1 9 8 7 . 38 p .

Machado de em : A lite­

no Es tado

Page 16: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 1

No Estado Novo o intelectual responde à chamada do regi-

me que o incumbe d e umà mis são : a d e ser o repre sentante da

consc iência nacional. Reedita- se , portanto , uma idéia j á enra iza

da historicamente no campo intelectual. o que varia é a delim i -

tação d o e s paço de atuação deste grupo da torre de mar f im

para a arena pol ítica - , permanecendo o seu papel d e vanguarda

social . o trabalho do int e l ectua l agora enga j ado nos domí-

nios do Estado deve traduzir as mudanças ocorridas no plano

pOl í t ico .

o melhor exemplo que temos para i lustrar e s ta nova con-

cepçao de intelectual, é a entrada de Getúl io Vargas para a Aca -

demia Bra s i l eira d e Letra s , em dezembro d e 1 9 4 3 . No s eu d iscur-

so de pos s e , Vargas criticaria o antigo papel d a Academia ,

condenando a "torre de marfim" que i solava o intelectua l do con-

junto da soc iedade . Argumentava que , por oca s ião de sua funda-

çao, a Academia se const ituíra num "remanso", a lheio às trans fo!:

maçoes soc iais. Assim , pol í t icos e adminis tradores caminhavam

de um lado, e inte letua i s de outro, ocupando margens opostas na

torrente da vida soc i a l" . Segundo Vargas, o poeta seria o " lu-

nático, pe s soa ausente , habitando um mundo de fanta s i a s e 1ma-

gens " , enquanto o literato era o "te6rico , , pes fora do solo , c a -

beça n a s nuvens , alh e io à s rea l idades cotidianas . . . " predomi-

nava , portanto , o " de sdém do espírito pela matéria , gerando a

dispersão das energia s socia is " . Vargas argumentava que somente

a partir da década de 30 é que teria s ido operada a "s imbiose n�

ce s sária entre homen s de pensamento e de ação" . A partir da í , a

Academia a s sumiria um novo pape l : o de coordenar i�éias e va lo-

Page 17: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 2

res , imprimindo direcão construtiva à vida intelectual . 1 3

A entrada de Getúlio Vargas para a Academia vem , portan-

to, reforçar um dos postulados doutrinários mais enfatizados pe -

los regimes repres entante s do regime : o da união entre o homem

de Densamento e o homem de acão , entre a pOlítica e a litera-

tura , enfim , entre os intelectuais. e o Estado. Vargas personi-

fica magistralmente e sta simbiose , reunindo em si os atributos

do verbo e da ação , d e idealismo e pragmatismo . Ele , e o polí-

tico competente , capaz de comandar o jogo político , mas também

é o intelectual capa z de refletir sobre os de stinos da naciona-

lidade , na qualidade de autor da "nova pOlítica do Brasil" . Se-

guindo e s s e enfoque , o discurso estado-novista constrói uma "no-

va concepção de intelectual" . Concepção e sta que busca diluir

a s fronteira s entre o "homem de letras" e o " homem pOlítico " . 1 4

Realiz a - s e então a referida simbiose entre os intelectuais e a

pOlítica . o conflito cede lugar à harmonia .

1 3

1 4

BRASIL . Pre sidente , 1 954-54 ( Vargas ) Discurso pronunciado n a ABL e m 29/12/4 3 . I n : A nova po l ítica do Bra sil . Rio de Ja­neiro , José Ol ímpio , 1944 . p . 221 - 3 7

VELLOSO , Mônica Pimenta . Cultura e poder pOl ítico no Estado Novo : uma configuração do campo intelectua l . In : Estado No­yg: ideologia e poder . Rio de Janeiro , Zahar , 1 9 82 . p . 72 -1 0 8 .

Page 18: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 3

A política nao é mais a " madrasta da inteligência "; surge Getú-

lio Varga s o " pai dos intelectuai s "

" Ho j e podemos a firmar que existe uma pOlítica bra sileira que , e uma autêntica expres são do verdadeiro espírito social . , . Nesse e sp1r1to sQ cial a j ustaram-se a s neces sidades

, do nosso presente a s conquista s do nosso passado , para formarem per­missão tríplice da política gue nos

d . . ,, 1 5 conce e ag1r, pensar e cr1ar . . .

A doutrina do regime procura realizar um corte histórico

no tempo , mostrando que o presente veio expurgar os erros 'do pa�

sado . As expre ssões IIEstado Novo " , " Brasil Novo" I " nova ordem"

etc . . . denotam e sta tentativa de marcar o regime como uma fase

de redenção , d e " encontro do Brasil consigo mesmo " 16 E sta re-

denção só pode adquirir s entido , quando contraposta , a um per10-

do de caos , desordem , desa j uste . o liberalismo aparec e , entã o ,

15 Cultura política , n � 1, março 1941.

16 VELLOSO , do Novo : p . 83 .

Mônica Pimenta . Cultura e uma con figuração do �ampo

poder político no intelectual . Op .

Esta ­c ito

Page 19: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 4

como a corporificação deste ma l , como u m verdadeiro desa stre pa-

ra a nacionalidade brasileira , porque seria uma ideologia impor-

tada . t, portanto , a partir d a prática libera l que os doutrina-

dores do regime explicam todos os males que se abateram sobre o , pa 1 s .

t precisamente esta retórica antiliberal que iria fund a ­

mentar o novo papel a tribuído ao int e l ectual. Assim , no libera-

lismo era aceitável que o intelectua l fosse inimigo do Estado ,

porque este não repres entava o verdadeiro Brasil . A política - " d d ' . � . 111 7 , era , entao , a ma rasta a 1nte 11genc1a , a medida que a ex-

c l u ía dos processos decisório s . No Estado Novo t.al fato nao

ocorreria mais: o Es tado se trans formava no tutor , no pai da

intelectualidad e , ao se identificar com as forças sociais . A a r -

gumentação se desenvolvia n o seguinte s entido : a partir do mo-

mento em que o Estado marca a sua pre s ença em todos os domínios

da vida socia l , não há pcr que o intelectual manter a sua antiga

posição de oposicionista ou insistir na margilidade . De inimigo

do Estado , o intelectua l deve se converter em seu fiel colabora -

dor , ou se j a , ele passa a ter um dever para com a , . 1 8 sua patr1a .

1 7

1 8

CORREA, Nereu . A inteligência de Janeiro , 1 3/2/4 3 . p . 4 .

no regime atual . Rio

Através do "decálogo do escritor" , e s te senso de dever é minu ciosamente estipulado . Vale a transcrição : "Amar o Brasil uni do sobre tod a s a s coisa s ; prezar no americanismo a expansão fraternal de sua bra silidade , contribuir para formação educa­tiva do povo bra sileiro e stilizada em harmonia com tendênci­as e costumes nacionais ; rever na família a s íntese moral da pátria , na bàndeira o s ímbolo de uma glória ; honrar a tradi­ção cristã e cívica do Bra sil eterno para o nosso culto ; ser­vir com O mesmo devotamento is armas e is letras; cumprir fi­e lmente os deveres da vida pOlítica ; lidar pela causa do ensi no primá rio ; defesa inicial da língua e da raça; s eguir as grandes lições dos antepa s sados; santificar pela fé naciona­lista os dia s heróicos da pá tria e os dias �teis do t rabalho . " ( O dever do escritor . A Manhã , Rio d e Janeiro , 4 de abril de 194 3 ) .

Page 20: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

15

o nome de Olavo Bilac é cor.stantemente mencionado corno um exem-

plo a ser seguido pela inte l ectualidade , urna vez que teria colo-

cado a arte e a cultura à s erviço da naçã o . Preocupado com a • . 1 9 "educação cl.vica e sentimental das ma s s a s " e ste ·intelectual , e

alvo dos maiores elogios. por parte dos ideólogos do regime . De-

fendendo o Exército corno força educativa disciplinadora e elegen

do o s enso de dever e obediência corno valores supremos da nacio-

nalid ad e , a figura ce Bilac é recuperada corno modelo do intelec-

tua l brasileiro .

Fica claro , portanto , o tipo d e comportamento social que

se espera , ou melhor dizendo , se exige dos intelectuais : a sua

sa ída da " torre de marfim" e a conquista da atuação pública deve

se dar em estrita consonância com o Estado . Se Cf Estado , e que

traça as diretrizes da pOlítica nacional , o intelectual deverá

necessariamente circun screver sua e sfera de açao aos domínios

oficiais .

O intelectual é eleito o intérprete da vida socia l , por-

que capa z de transmitir as mú.l tiplas mani festações sociais , tra-

zendo-a s para o seio do Estado , que irá discipliná- la s , e coor-, 2 0 - , dena-la s . Eles sao vistos corno o s intermediarios que unem go-

verno e povo , porque " eles é que pen s a m , eles , e que criamll , en-

fim , porque " estão encarregados d e indicar os rumos e stabeleci­

dos pela nova política do Bra sil" . 2 1 E e sta nova pOlítica é pe�

19

2 0

2 1

Advertência 05/07/ 1 9 4 2 .

aos maus políticos . A Manhã , Rio

ANDRJID E , Alm ir de . de Janeiro , 2 3 j a n .

Intelectuais e políticos . 1 9 4 4 . p . 4

de

A

Janeiro ,

�lanhã • Rio

VELLOSO, Mônica Pimenta . 9 3 .

Cultura e poder polí tico . . . O p . cito p .

Page 21: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 6

sonificada n a figura d e Varga s : homem d e pensamento e de açao .

Assim , e l e é o paradigma por exce lência a ser seguido por toda a

inte l ectua l idade bra s i le ira .

Azevedo Amara l distingue o s int e l ectua is do con j unto da

soc iedade , mostrando que são estes os ma i s e specia lmente indica-

dos para colaborar com o governo , devido ao seu senso d e ordem

e organi zação . I sto·porque , argumenta o autor , os int e l ectua is

traba lhariam com as idé i a s , retirando os seus a rgumentos da h i s -

tória e d a fi losofia . Já os vol tados para outras a tividades re-

correriam às emoções , transmitindo-as a través de uma " l inguagem

f ' . " 2 2 pan letar1a . Nas propostas de orga nização, a presentada s pe-

los intelectua i s , o autor percebe um e stímulo à reflexã o , a or-

dem e à intel igênc ia ; ao pa s so que nas dos demais a incitação à

violência , desperta nas ma s s a s "pa ixões soc i a i s perigosa s " à boa

condução do processo pO l í t ico . Assim rac iocinando, Ama ra l de-

fende a l iberdade de expre ssa0 de acordo com a " capacidade men­

t a l e cul tura l de cada um" . 2 3

É clara a h ierarquização dos d ireitos civis que se evi-

dencia em função das di ferenç a s de capacidade . Assim, a l iber-

dade de expressão fica restr ita aos que seriam pretensamente os

ma is bem dotados : a s e l ites pOl í ticas e os intelectua i s .

2 2 ' AMARAL , Azevedo . O Estado autoritario e a

23 na l . Rio de Jane iro , José Olímpio , 1938 .

AMARAL , Azevedo . Ibid. . p. 2 6 8 - 69 .

realidade p . 268- 6 9 .

naCl0-

Page 22: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

1 7

Ve j amos corno o autor conf igura o intelectua l , n a perspec

tiva d e e legê - lo o colaborador do governo :

"Emergidos da coletividade corno �

pre s s�es ma is l�c idas do que a inda não se tornou perfei tamente consc i -ente n o e spírito d o povo , o s lectua i s s ã o investidos da

inte­função

de retransmitir às ma s s a s sob for­ma c lara e compreens iva o que n e l a s é apenas urna idéia indecisa e urna a spiração ma l de finida . As sim, a e l i te cultura l do pa ís tornou- s e no Estado Novo um órgão necessa riamen­te a s sociado ao poder p�bl ico corno centro de e labora ção ideológica e n�c l eo de irradiação do pensamento nacional que e l a sublima e coor­dena " . 24

Aqui encontramos um dos pos tulados centra is do pensamen-

to pOlítico autoritário , que é o de entender a sociedade corno

ser ima turo , indeciso e , portanto , carente de um guia capa z d e

l h e apresentar norma s de a ç ã o e d e conduta . Ma is do que isto :

capaz de lhe ad ivinhar os anseios , de prec isá- los , enfim, de lhe

indicar as soluç�es . Os intelectua is apa recem corno porta -voz es

24 AMARAL , Azevedo . Ibid. p . 2 7 2 -7 3 .

Page 23: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

18

dos anseios populare s , porque seriam capazes de capta r o " sub-

consciente colet ivo" da naciona l idade. Neste subconsciente est�

riam contidas a s verdade ira s reservas da bra s i l idade que o Esta -

do Novo viria a recupera r , a ss egurando a continuidade d a con s -

c i ência naciona l . o que na s ma s s a s a inda e urna idéia indecisa

ou a spiração ma l defin ida deixa de sê- lo , por intermédio dos

inte lectua is que se trans formam em seus intérprete s . Apontados

corno expre ssões ma is lúcidas da sociedad e , os inte lec tua i s sao

vistos corno os prenunciadores das grandes mudanças hist6�icas e

a rautos da renovação nac iona l , conforme veremos ma i s adiante . O

que nos importa reter agora é a idéia do intelectu a l na cond ição

de representante ou de intermed iário , capaz de captar e exprimir

a " vontade popular " , que será rea l i zada pelo Es tado. Na ba s e

desta a rgumentação , transparece a vinculação entre a s e l ites in-

te l ec tua i s e pol í tica s : a s prime ira s pensam ; a s segundas rea l i -

z a m . 25 Este pensar vinculado à ação pol í tica implica construir

os mecani smos de persuação ideo 16gica , necessários , a conso l id a -

ç ã o d o regime . Entramo s , então , no terreno da propa ganda pol í -

tica , onde o s inte l ectua is têm pape l d e importância fundamenta l .

25 Esta idéia é de fendida por Ca s s iano Ricardo . Ver Môn ica Pi-menta Ve l loso . O mito da origina lidade bra s i l e ira . . . Op . c i t o

Page 24: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

DIP: a entidade onipre sente

19

"Nes s e s j orna i s , nessas voze s que dominam os espaços radi o fônicos , ne� s a s criações c inematográ f ic a s ( . . . ) é que estã o loca lizados os elemen­tos que proporc i onam o contato d i ­reto d o governo com o povo " .

( Anuário da Imprensa Bras ileira , Ri o d e Jane i r o , D I P )

É nesse período que s e elabora efetivamente a montagem

de uma propaganda s i stemá t i c a do governo , dest inada a d i fund i r

e popula rizar a ideologi a d o regime j unto à s d i ferentes camadas

soc i a i s . Para dar conta de tal empreend imento , é criado um e f i -

c iente apara to cultural : o Departamento de Imprensa e Propagan-

da D I P • d iretamente subord inado ao Executi vo .

Na realidade , a s origens dessa i n s t i tu ição remontam a

um período anter ior ao Estado Novo . Em 1 9 3 4 Va rga s já d e fendera

a necess idade do governo a s sociar o rád i o , c inema e esportes em

um s i stema articulado de " educação menta l , moral e h i g iinica " .

Esta idéia começou a se concretizar no ano seguinte , ,

quando o

prime i ro escalão do governo se reun i r i a para fazer uma aval iação

da repre ssão à Intentona comun i sta . Nesta reun i ã o , seriam la n-

Page 25: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 0

ç a d a s dua s sementes de rápida frutificação :

de Segurança Nac ional . 2 6 Criado pelo decreto

o DIP e o Tribunal

pre s idencial d e

dezembro d e 19 3 9 , o D I P , sob a d ireção de Lourival Fontes , viria

ma terializar toda a prá t ica propagand ista do governo . A entida-

de abarcava os seguintes setore s : d ivulgaçã o , radiofu sã o , te-

atro, c inema , turismo e imprens a . Es.tava incumbida d e coorde-

na r , orientar e centralizar a propaganda interna e externa ; fa-

zer censura a tea tro , c inema , funções e sport iva s e recreativa s ;

/ organizar man i fe stações cívica s , festas patriótic a s , exposiçõe s ,

concertos e ·conferinc ias e dirigir e organi zar o programa d e

d · f - f' . 1 d 2 7 r a 1 0 usao o 1C1a o governo .

Em vários estado s , o D I P pos suía órgãos filiados ( DE I Ps ) ,

que estavam subord inados ao Rio de Janeiro . Esta e strutura altª

mente centralizada iria permit ir ao governo exercer e f ic iente

controle da informação, a s s egurando-lhe cons iderável domínio em

relação à vida cultural do pa ís . A centralização admini s tra tiva

era a presentada como fa tor de modernidade , apelando- se par a 'os

princípios de sua e ficácia e ràcionalidade .

Por um dos d i spositivos da Con s t ituição de 19 3 7 , a im-

prensa pa ssa a ser subordinada ao poder públic o . Franc isco Cam-

pos , um dos ideólogos da ma ior pro j eção no reg ime e autor da

2 6

2 7

TOTA , Antônio Pedro . A glória a r t í sti ca nos tempos d e Getú­lio ; os 40 anos do D I P , a ma i s bem montada máquina da d ita­dura . I sto é 2 j a n . 1980 . p. 4 6 - 4 7 ; e Anuá rio da Imprensa Bra s ileira . Rio de Janeiro , D I P . p . 122

O conceito bras ileiro da imprensa e a propaganda no Estado Novo . Anuário da Imprensa Bra sileira . Rio de Janeiro , D I P , s . d . p . 2 9 - 3 2

Page 26: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 1

Constituiç�o , de fende a função pública da imprensa , a rgumentando

que o controle do Estado é que irá garantir a "comunicacão d i -

reta " entre o governo e o con j unto d a soc iedad e . Alega que esta

é a única maneira d e elimina r o s " intermed iários nocivos ao pro-

gresso " . Um a specto que chama pa rt icularmente a a tenção no in-

terior da doutrina , é a " vocação legisla tiva " a tribuída , a �m-

prensa , uma vez que consultaria cotidianamente os intere s s e s do

povo . A centralização da informação é apresentada como uma forma

de agilizar o processo de consulta popular , descartando- s e o Pa�

lamento como uma instituição a nacrônica e def ic iente. o j ornal

A Manhã , porta - voz oficial do regime , e fetua uma série de in-

quéritos populares sobre a pOlítica do governo , que são pUblica-

dos sob o sugestivo t ítulo : " A rua com a palavra " .

Nesses inquéritos bus c a - se sondar a opinião pública a

propósito das realizações governamenta i s . o programa rad iofôn i -

c o A Hora d o Bra sil, a legislação trabalhista , a figura de Var-

gas sao alguns dos a s suntos abordados por e s s a s enquetes.

A doutrina do regime busca mos trar que o Estado só é c a -

p a z de a s s egurar a democracia , quando consulta d iretamente o po-" , " " _ 28 " vo nas sua s ma�s leg�t�mas a s p�raçoes. Ass�m , entre o governo

e o conjunt"o da sociedade não há nece s s idade de intermed iários ,

quando o chefe sintetiza a " alma nac ional" .

2B Sobre o papel da imprensa no regime ver Mônica Pimenta Ve­lloso . O mito da originalidade bra sileira ; a tra jetória in­telectual de Cassiano Ricardo ( dos a nos 20 ao Estado Novo ) Rio de Jane iro , PUC , 1983 [d i s sertação de mestrado] p. 6 - 1 0 .

Page 27: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

22

De modo gera l , o s cana i s de expressão da sociedade c i v i l

s a o transformados e m e spaço d e veiculação d a ideologia d o Esta-

do . Muit a s das organizações culturai s do períOdo vão ser incor-

poradas pelo governo , como é o caso da Rádio Nac iona l ( 1940 ) e

dos jorna i s A Manhã (RJ ) e A Noite ( Sp ) .

Em 19 d e abr i l de 1 9 42, d i a do aniversário de Varga s ,

sao inaugurados os novos e stúdios da Rádio Nac iona l . Na cerimô-

nia , , em que Gi lberto de Andrade e empos sado como d iretor da ra-

dio , partic ipam e d i scursam Louriva l Fontes e o ministro Gustavo

Capanema . Gilberto de Andrade a nuncia que um dos seus objet ivos

é o de " transformar a rád io em veículo de d i fusão cultura l -artí�

tica e d e bra s i l idade " . 29

Atra vés d essa emi s sora , o regime buscava monopo lizar a

audiência popu l a r , contratando uma equipe exc lus iva da rádio , on

de figuravam nomes como os de Lamartine Babo , Almirante , Ari BaK

ros o , Emi l inha . Borba , S ílvio Ca lda s , Vicente Celestino . Para

dar ma ior atra t ivo aos programa s , o governo instituiu concursos

mus ica i s , a través dos qua i s a opinião pública e legia os seus co�

posi tores favoritos . Desses concursos pa rtic ipavam os grandes , a stros da epoca : Franc i sco Alve s , Ca rmem Miranda , Heitor dos

Pra zeres e Donga . o curioso é que a s apuraçoes dos concursos

eram rea l izadas na sede do D I P e os resultados transmi tidos du­

rante o noticiá rio da Hora do Bra s i l . 3 0 Uma maneira e f iciente ,

29 REI S , N é l io . dio Naciona 1 .

o dia do pre s idente e os novos estúd ios da A Manhã , 19 abr o 1942 . p . 5

30 TOTA, Antônio Pedro. Op . ci t . p . 46 .

Rá-

Page 28: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 3

portanto , d e garantir a audiência popular, obrigando o público a

manter o rádio l igado .

Para ampliar a audiência do programa e tornar ma i s agra­

dável a sua recepçao j unto ao público, os representantes do re-

gime lançam mão de uma série de inovaçõe s . Assim, em 1942 , e

criada uma sessão de mús ica folclórica ; outra d e crônica s , Ta l -

vez nem todos s a ibam que . . . , destinada a dar informações sobre

a vida econômica , pOl ítica e mil i tar; e a Nota H istórica , onde

eram rememoradas as grandes datas e heróis express ivos da nacio-

na l idade . De fendendo o ponto de vista d e que A Hora do Bra s i l

não seria apenas a " pa lavra d o govern o " , ma s a "voz s incera do

povo " , o regime faz rea l izar uma série de entrevistas rad iofô-

nicas sobre a pol ítica do governo . o objetivo destas entrev i s -

ta s , conforme esc lareceria o D I P , era o de substituir o s longos 31 e monótonos d i scursos pe lo depoimento vivo dos populare s . Pa-

ra evi tar o desgaste da doutrina , muda - s e o " locutor-govern o " Pª

ra o " locutor-povo " . o governo deixa de emitir soz inho o seu

discurso , quando pas sa a interrogar o povo sobre as suas açoe s ,

e s forçando-se para envo l vê - l o na pO l í t ica oficia l . Estra tégia

e f icient e , sem dúvida , s e l embrarmos que o programa A Hora do

Bra s i l era ironicamente chamado de "o fa la soz inho . . . "

Destacando o rádio pelo seu notável poder de persuasão e

como o " ma ior potenc i a l socializador do mundo civil izado " , o re-

gime d e fende a nece s s idade d e exercer vigilante a s s i stência e s�

31 A imprensa e a propaganda no qüinquenio 19 37 -42; o DNP e o D I P . Cul tura po lítica , n . 2 1 , nov o 1942 p . 168-87 e �A��H�o�r� a do Bra s i l . O Bra s i l de hoje, ontem e de amanhã . fev . 1940 . p . 44-45

Page 29: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 4

, vera f. . - 3 2 1sca1 1zaçao no setor . A radiofusão l i vre e vista como

temerária , uma vez que d esvirtuaria a obra educativa visada pelo

governo .

Ocorre que a opinião públ ica prec isava ser conqu i s tada ,

quando a inda não e stava tota lmente iso lada da influincia de ou-

tras fontes de informação . " Coagir a soc iedade por dentro " , e s -

vaziar a legitimidad e dos outros cana i s cul turai s foram e straté-

gias amplamente u t i lizada s pe los que buscavam levar avante o

pro j eto educa tivo do " novo" Estado . 3 3 Este é apresentado como a

única entidade capaz de transmitir uma adequada educação pol í -

tica a o con j unto da sociedade , por estar desvinculando dos in-

teresses privados . Nesta perspectiva , a ideologia oficial deve

preva l ecer porque é capaz de unificar e dar coesão às d i ferentes

visões do mundo socia l , que são por natureza fragmentár ia s . ° E�

tado aparec e , então , como o único interlocutor legít imo para fa -

lar com e pela soc iedad e . E s ta concepção transparece no próprio

pro jeto radiofônico então instituído , que d e staca a " homogeneidª

de cultura l " e a " un i formização da l íngua e da d icção" como seus

obj et ivos fundamenta i s .

A homogeneidade no campo cultura l é vista como forma d e

a ss egura r a organização d o regime , que busca inva l idar a s dema i s

mani festações d e cultura como pre j udiciais ao interes s e nacio-

na! . Assim, o rádio deveria " a per feiçoar" a s relações entre a s

3 2

3 3

SALGADO , Álvaro . Rad iofusão ago . 1941 . p . 79- 9 3 .

soc ia l . Cul tura política , n . 6,

A aná lise da propaganda tota l itária é desenvo lvida por Hannah Arendt : As origens do tota l i tar ismo ; tota litarismo , o pa ro­xi smo do poder . Rio de Janeiro , D ocumentário , 19 7 9 . v . 111.

Page 30: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

25

camada s culta s e as populare s , sendo o portador do " bom exemplo ,

do certo e do direito" . Quando util izado contra estes princ í-

pios , pa ssava a a fetar a própria segurança naciona l . Para evitar

esta s ituaçã o , Júlio Barata , dir�tor da d ivisão radiofônica do

D I P , d efendeu a necess idade de se empreender ampla obra de " sa_

neamento socia l " no setor . 3 4

A doutrina d o regime procura d iferenciar a " mau r�dio " ,

voltado para a d iversão , esporte e humor , do rádio enquanto veí-

culo de cul tura . No entanto , este dua l i smo de rádio-diversão X

rádio-cultura , não preva l eceu , pois oca s iona ria fata lmente a im-

popularidade da mensagem governamental. A estra tégia util izada

foi bem ma i s hábi l: a de agradar o gosto popula r , depurando - o

dos seus " costumes d i s solventes e imora is " . Assim, no lia lambi-

que da civil ização e progre s s o " se efe tuaria a "destilação" ne-

c e s sária , a s segurando a homogeneidade cultura l a lme j ada pelo re­

. 35 g1me .

É a educação popular que irá garantir esta homogeneidade

d e cultura e valore s . Neste período s e de senvo lve intensa po lê-

mica em torno da pa rticipação do intelectua l nos programa s radiQ

fônico s . Até que ponto o rádio s eria capaz de ga rantir o a lto

nível da produção inte l ectual? Enquanto fosse veículo de comu­

nicação dest inado à s ma s sa s , não teria e l e propensões a vulga ri­

zar esta produção? Estas pergunta s , l evantadas pe los ideólogos

3 4 ROCHA, Aluísio . Nova orientação uma entrevista com Júlio Barata . sica , fa se. I , v . VI I , 1 94 0 . p.

35 SALGADO , Álvaro . Ibidem .

para a radiofusão naciona l ; Revista Brasi le ira de Mu-

84-88

Page 31: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 6

do regime , s e inscrevem no próprio deba te em torno da função da

obra de arte na modernidade: objeto de fa scín io destinado a uns

poucos ou e l emento a ser d i vulgado pa ra um público cada vez ma i s

amplo? Para o s ideólogos do regime , conforme j á foi visto , a

arte deveria estar vol tada pa ra fins util itários e nao ornamen-

ta i s . Ampliar o acesso à arte significa , nesta concepção , ampli

a r a própria esfera de abrangência da doutrina estado-novi sta.

A figura d e Paul Va liry i o grande a lvo dessa d i scussão

por de fender o ponto de vista de que o rádio desfiguraria a pro-

dução intelectua l . Para os ideólogos e sta idiia era inteiramen-

te fa lsa: enquanto os int e l ec tua is não ocuparem este e s paço , o s

, p·rograma s l iterários continuariam sendo feitos por escr itores im

provisados e " be l etristas de terceira ordem" . A colaboração

dos intelectua is no setor , só poderia e l evar o nível dos progra -

ma s e garantir o seu respeito junto ao público ouvinte . Na

perspectiva de refutar a tese de Va liry são rea li zada s vá ria s eg

trevi s t a s no meio da inte lectua lidade . Os nomes de Roquete Pin-

to , Ba stos Tigre , Menotti Del Picchia , Brito Broca e outros são

c i tados corno exemplos de inte lectua is enga j ados no setor radio-

fônico. Predomina o ponto de vista de que o rádio não implica a

desqua l i f icação do pensamento , ma s a democratização socia l . Ar-

gument a - se que a pa lavra falada va i ao encontro ati do ouvinte

ind i ferente , identi ficando- s e por isto com a "d ivina arte " , c a -

pa z de a tingir a todo s . O rádio aparece , então , corno veículo d e

democracia porque i capaz de " fazer a produção

tornar ao povo atra vis da l inguagem ora l " . 36 inte lectua 1 re-

Este re torno se

36 CASTELO , Ma rtin s . po l í tica , n . 1 9.

O rádio e a produção inte lectua l . set . 1 9 4 2 . p . 203- 205 .

Cu ltura

Page 32: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 7

d á , à med ida que os intelectua i s decod i fiquem e soc i a l izem a

sua l inguagem , revivendo o " encanto místico " das comunidades • o . 3 7 prl.ml.tl.va s .

A integração pOl ítica , através do mito , foi um dos re-

cursos mais util izados pe l o regime . Franc i sco Campos , d efende a

técnica intelectua l ista d e u t i l i z ação do inconsc iente coletivo

' o d - 3 8 para o contro l e poll.tl.cO a naçao . Nesta perspect iva , caberia

ao intelectua l falar a l inguagem desse inconscient e , composto d e

forças telúricas e emoções primitiva s . A idéia , e a d e que o

irrac ion a l tem muito mai s força persua s iva do que a razao , por-

que é capaz de tocar o universo íntimo das camadas popu l a re s . N�

l e,. o mito da nação e do herói encontrariam plena receptividad e .

D a í o fato do regime incansavelmente recorrer aos dramas épi-

cos , narrativas heróica s , l endas e crônicas . o c ivismo e a exa�

tação aos valores pátrios compõem inevitave lmente o pano d e fun-

d o , sobre o qual se desenrolam e s s a s narrativa s .

Dentro desta v i são doutrinária é que s e procura dar uma

nova orientação ao programa Rádio-teatro , no sent ido d e explorar

os fatos h istóricos para melhor atingir o gosto popular . Recomen

da-se evitar o e s t i l o dogmá t ico dos historiadores e o tom doutri

nário dos sociólogos , em pro l da narrativa romanceada . Assim,

o drama amoroso de Mar í l ia e Dirceu torna-se mais convincente

para transmitir o senso de amor c ívico do que o puro r e lato dos

3 7

3 8

CASTELO, Martins . A força comunica t iva da palavra , um so depoimento sobre a que stão da l i tera tura no rádio . Ler , 1 6 j u l . 1942 . p . 1 4 .

curl.o­Vamos

CAMPOS , Francisco . teúdo ideológico .

O Estado Nac iona l; sua estrutura , seu cog Rio de Jane iro , José O l ímpio , 1941 . p . 1 2 .

Page 33: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 8

fatos . 3 9 A his t6ria exemplar da Inconfidincia Mineira penetra

no universo cotidiano do ouvinte , porque é contada de forma a

criar identidade de valores. Vários teatr6 logos e hi storiadores

são convidados para a tuar no Rád io-tea tro . É o caso de Jora c i

Camargo , que e screve uma série d e drama s hist6ricos Retirada da

Laguna , Abo lição da escrava tura , Proc lamação da República - P2. . 40 ra serem transmi t idos pe l a Hora do Bra s i l " . O programa Rádio-

tea tro pOl ic i a l segue e s sa mesma l inha doutrinária , so que em

termos de conduta mora l. Ne l e , o locutor narra as aventura s d e

um detet ive que , apesar de s u a s trapa lhada s , tem um grande , me-

rito : o de colaborar sempre com a s autoridade s. ° ob j e t ivo do

programa é o de transmitir ao públ ico uma " concepção da vida

justa " e " confiança sa lutar na organização pol ic ia l " 41

do regi

me .

Personificar padrões ét icos de comportament o , apelar pa -

ra a empatia e a s emoçoe s , foram recursos amplamente u t i l izados

pe lo governo . Este tinha mui to c laro que um artigo pOl í t ico de

doutrina , por si s6 . era inca pa z de sen s ibi lizar um público ma i s

amplo. Para atrair os " o lhos femininos e infant i s " ( nesta cate-

goria estão também os operá rios ) nada melhor do que os conto s , 4 2 ' a s crônica s e a s e stampas. Nesta l i tera tura o pensamento e r�

3 9 REI S , Né lio . Rádio . A Manhã , 2 2 abr o 1942 . p . 5. 40 CASTELO , Martin s . Rádio . Cultura polít ica . n . 3 , ma io 1 9 4 1 .

p . 3 0 4 . 4 1 Idem .

4 2 ' . d P d Anua r10 e Imprensa e ropaga n a . Rio de Janeiro , D I P. p. 9 0 .

Page 34: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

2 9

sumido em fórmula s " o u apena s sugerido d e maneira a nao provocar

nenhum e s forço inte lec tua l por parte do receptor . . Por outro

lado , busca-se impor s ímbolos e mitos de " fá c i l universa l idad e "

que reduze� �ã individu a l idade e o cará ter concreto d a s experiin-

. 4 3 A • C 1a s . Nos contos e cron1COS predomina sempre o a specto do

exemplar . Os vultos hi stóricos estabe lecem a tra j e tória do

j á vivido , experimentado e consagrado . Basta segui- los .

De modo gera l , os programas rad iofônicos se não endossam

plenamente a orientação do governo , a seguem muito de perto .

Censuras e recompensas fazem pa rte de um mesmo sistema , a través

do qua l o regime controla o s meios de comunicação . Em fevereiro

d e 1 9 4 2 a Secretaria d e Educação e Cultura institui o primio Hen

rique Dod sworth para a rádio que melhor seguisse a orientação do

D I P . 44

A Rádio Di fusora da Prefe itura e apontada como mod e l o ,

n o qua l deveriam inspira r- se a s dema i s emissora s . Toda a sua

programação é marcada por forte tom doutrinário: Saúde e Músi-

� , cu j o obj et ivo era o de popularizar princípios de educação

sanitária ; curso de e s tudos sobre a Ama zônia , minis trado pe l o cQ

rone l pio Borges ; e Antologia do Pensamento Bra s i leiro destinada

a divulgar lições de civismo . Dentre a s iniciativas cul tura is

4 3 , Estes a s pectos sao apontados pelos cr1ticos da cultura de ma�

44

sa e arrolados em: ECO , Umberto . Apoca l ípt icos e integrados . são Paulo , Perspectiva , 1 9 7 9 . p . 3 9 - 4 3 . Cons iderando que no Estado Novo os meios de comunicação estão sob o ma i s rígido contro l e , estes a spectos se ma nifestam qua se de forma osten­siva .

Vamos Ler . 1 9 fev . 1 9 4 2 . p . 4 7 .

Page 35: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 0

da emissora sao destacada s : .a organizaçio d e uma d iscoteca in-

fantil e uma coletânea da mús ica popular bra s i le ira . Na d i scot�

ca busc a - s e educar a s en s ibi l idade infant i l para a s músicas d e

caráter c ívico , canto orfeônico e folc lórico . Já o objet ivo da

coletânea é o de d ivulgar j unto aos turistas o chamado " samba d e

verdad e " . 45

No interior do pro j eto cultura l estado-novista , a mús i -

c a ocupa lugar de grande importância. Apontada como meio ma i s

e f ic iente d e educaçio , e la seria capaz d e atrair para a s e s feras

da civi l i zaçio o s " indivíduos anal fabeto s , broncos e 4 6 rudes " . -

Nio é à toa , portanto , a preocupaçio do regime em interferir na

produçio da mús ica popular. Esta é vista como o retrato f i e l

d o povo n a sua poe s ia e l ir i smo e spontâneo s . Porém, estas ex-

pressões de cultura devem ser pol ic iadas na sua e spontane idade ,

impedindo-s e que a s músicas abordem " temas imora is ou d e " c a fa -. " 47 J e s tagem .

A l inguagem dos sambistas e a s gírias populares sao vis-, . tas com desconfianç a , devido ao seu instinto satl.rl.CO , capaz d e

depreciar os fatos e criticar os acontec imentos . Para os doutri

nadores do regime , a l íngua se constitui em patrimônio naciona l ,

no sent ido ' de que preserva a " segurança e unidade "

45 A propósito da programaçio e at ividades da Rádio sultar a s crônicas d e Martins Ca stelo publ icadas Vamos Ler , julho 1 942 .

do , pa l. s . As

D i fusora cOQ na revista

46 SALGADO , Álvaro . Radiofusão ago . 1 94 1 . p. 7 9 - 9 3.

soc i a l . Cultura política , n . 6 ,

4 7 ' Poesia , mús ica e radio para crianças . p . 14

A Manhi , 2 7 j unho 19 42 .

Page 36: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 1

sua s prátic a s abusiva s " devem s e r , portanto , cuidadosamente loc-ª.

l izadas para serem comba t ida s . Proced e - s e , enti o ; a um levanta-

mento minuc ioso dos espaços onde se manifesta esta linguagem nio

permitida: nos noticiários po l i c ia i s , nos teatros de revi s ta ,

no cinema que d ivulga o l ingua j a r de artistas es trange iros e no-

tadamente no rádio através dos locutores e sportivos e sambis-48 ta s . As composições carna va lescas sio pa rticularment e visa-

da s , por recorrerem à pa ródia e à carica tura. É neste terreno

que o D I P entrava em açio , c ensurando as letras que iam contra

a ética do regime .

R i tmos como o samba , frevo e maxixe eram considerados

selvagen s ; suas origens os tornavam pouco recomendáve i s. A FreI!

te Negra Bra s i l eira · ( 19 3 l ) como entidade independente , nao con-

seguiria sobreviver no Es tado Novo , sendo fechada por ordem de

Varga s . Pa ra le lamente a esta repressao e desqua l i ficaçio contra

o negro estimulava- s e a pesquisa sobre a sua contribuiçio na

- 49 Acreditamos que esta atitude ambí-formaçao de nossa cultura . gua por pa rte do regime refl ita a própria diversidade d e orien-

taçio cul tura l entre o Ministério da Educaçio e o D I P . Os inte-

l ectua i s eram incentivados a pesqu isar sobre o as sunto podendo

48 A boa l inguagem na s rua s . neiro , D I P . n 2 1 , abr i l de

Es tudos � Conferênc ia s , 1940 . p . 8 1 - 100

Rio de Ja-

49 Ver Má rio de Andrade . O samba rura l . pa uli sta . Revista do Arquivo Mun icipa l , v . 4 1 , p . 3 7 - 1 16 , nov o 1 9 3 7 . C i tado em Thoma s Skidmore . Preto no branco ; raça e na c iona l idade no pensamento bra s i lei ro . Rio de Jane i ro , Pa z e Terra , 1 9 7 6 . p . 3 15 . Ver também a seçio da revista Cul tura política deno­minada "O povo bra s i l eiro a través do folc lore " .

Page 37: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 2

até mesmo ena ltecer os aspectos posi tivos da cultura a fricana . O

que nao podia ocorrer é que o samba continua s s e d i fundindo va lo-

res que fugiam ao controle do Estado . O público que l ê pesqui-

sas é bem d i ferente daquele que e scuta no rádio a s compos ições

dos sambis ta s . Para cada públ ico uma e stratégia .

S e era , de certa forma inevitáve l conviver com o ritmo

bárbaro do samba , pelo menos , a s sua s letras poderiam ser " c i -

v i l izada s " . Passa - s e , então , a de fender o samba enquanto ins-

trumento pedagógico : e l e deve ser educado para educar . Esta i -

d é i a é claramente expres sa por um d o s locutores d a rád io d o go-

verno :

.. . . . 0 samba , que traz na sua et imo­logia a marca do sensua l i smo é feio , indecente , desarmônico e arrítmico ,

" mas paciência : não repudiemos esse nosso irmão pelos defe itos que con-tém . Se j amos benévolos ; mão da intel igênc ia e da ção . Tentemos nevagarinho lo ma is p.ducado e social . porta d e quem e l e s e j a

lancemos c iviliza­

torná­Pouco im­f i lho .. . 50

A idéia é a de que e s te f i lho de pa is espúrio s , se educ�

do corretamente poderia red imir - se e produzir bons frutos soci-

50 SALGADO Álvaro . I

Ibidem .

Page 38: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 3

a i s . As s im , o samba pa ssa a , ser defendido como e l emento d e so-

c i a li zação , quando forma bons hábitos , cultiva sentimentos de

cordia l idade , cooperaçao e s impa t ia , permitindo a troca d e ex­

periência . 51 Temas como a boemia e ma landragem, que j á s e cons­

t i tuíam numa tradição do samba , não poderiam ma is conviver com a

ideologia do traba lhismo. A figura do ma landro e vista como

herança de um pa s sado ingrato que margina l izara os ex-escravos

do mercado de traba lho . No E stado Novo , com o surgimento das

leis traba lhistas que protegem o traba lhado r , e sta figura " fo l -

c 16rica " perde a sua razão d e ser. Logo , a ideologia da ma lan-

dragem deve ser e l iminada do imaginário popular porque pertence , a uma outra epoca . o regime busca , entã o , construir uma nova

' imagem do sambista : e l e é o trabalhador dedicado que so fa z sam-

ba depois que sai da fábrica . Nos sábados de " pa lheta e terno

branco muito bem engomado " va i até a soc iedade recrea tiva , onde

se exercita no " convívio social " . 5 2 O universo cotidiano do

compos itor se desloca da Lapa Centro da boemia carioca - para a

fábrica e o traba lho . Esta mudança de temá t ica é vista como uma

evolução na h ist6ria do samba , a medida que os compositores dei-

xam d e se preocupar com o amor e a vida fác i l "conc i l iados no

conformismo d a s Amé l ia s ". Em vez da s " tragédias domé s t ica s l1 , 5 3 a s " vantagens d o traba lho " . Dentro d e sta l inha estão a s comp2

5 1 ME IRELES , Cecí lia . ro , 1 8 jan . 194 2 .

Samba · e Educação . p . 9

A Manhã , Rio de Janei-

5 2 CASTELO , Mart ins . O samba e pol ítica , n. 2 2 , dez . 1 9 4 2 .

o conc e ito de traba lho . p . 1 7 4 - 7 6.

Cul tura

5 3 Rádio . Cultura política , n. 1 3 , março 194 2 . p . 29 2 .

Page 39: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 4

siç5es : " Eu traba lhe i " ( Jorge Fa ray ) , Z� Marmita ( Lu í s Antônio e

Bra sinha ) e Bonde de sio Janu�rio" ( Ataulfo Alves e W i l son Ba-

t i s ta ) • Tod a s e l a s natura lmente ena l tecendo o traba lho em detri

mento da boemia que "nio d� camisa pra ningu�m" . Temos , então ,

o " samba da legitimidade ,, 54 , atrav�s do qua l o regime busca exe!:.

cer uma pr� t ica d iscipl inadora sobre a s man i festaç5es popu l a re s .

Nada melho r , portanto , para retratar a his tória d e s s e pe

r íodo do que o repertório da nossa mús ica popular . Ne l e , a po l í

tica governamenta l encontra a sua apo logia e g lória . Na Ma rcha

pa ra o oeste ( Joio de Ba rro e Alberto Ribe iro 1 9 3 8 ) , temos o

apoio ao pro j e to de colonizaçio do interior ; em G lória s do Bra -

s i l ( Z� Pretinho e Antônio Gi lberto dos Santos - 1 9 3 8 ) , o endos -

so à repre ssio a o l evante d e 3 5 e 3 8 ; e m É n egócio c a s a r ( Atau1-

fo Alves e F e l i sberto Martins - 1 9 4 1 ) , propagand e i a - se a l e i

que incent iva o cresc imento da populaçio . A figura de Varga s n�

tura lmente tamb�m seria motivo de inspiraçio em : O sorri s o do

presidente " ( Alberto Ribe iro e Alcir Pires Verme lho - 1 9 3 5 ) e

_ 1943 ) . 55 Sa lve 1 9 de abril ( Benedito Lacerda e Darci de Oliveira

F icam c l aro , portanto , os e s forços do governo no sentido

de utilizar as man ifestaç5es da cul tura popular como canal de

d i fusio da ideolog i a oficia l . Exemplo notório e a ofic i a l izaçio

do carnava l . Se antes o evento vinha sendo de iniciativa par t i -

cular, financiado pe los comerciantes ma i s abastados da cidade ,

54 Ve r Antônio USP, 1 9 8 1 .

Pedro Tota . O Samba da l egitimidade . [tese de mestrado)

sio Paulo,

5 5 ' , S EVER I AN O , J a i ro . "G",e,-t=.u"",l'";i",o:::-::-,V;.:a'Ô"r=::,gc:a:-:s'Õ--,-p.,---,a;,-;;-,;m:-;u",s",-=i"c,.,a"--->p,,,o"-p"",u,-,l",a"-",r __ b"",r-,,a,-,s,,-,,,i_-leira . Rio de Janeiro , FGV/CPDOC , 1 9 A 3 .

Page 40: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 5

no Estado Novo o quadro era bem d i ferent e , quand o , a través do

setor de turi smo do D I P . a pre feitura pa ssaria a organizar o

carnava l de rua . A pa rtir d a i a po l itica tornava - s e figurante

obr igatória nas folia s .

Os sambas e ma rchas carnavalescas sofrem mod i ficação ra-

dica l , a ponto de serem apontados como dignos de compor uma " an-

1 . , o ,, 5 6 t o ogla C 1V1ca Por um dos decretos constituciona i s d e 1 9 3 7 ,

f icava imposto " c a rá ter d idático" à s escolas d e samba e rancho s ,

que deveriam abordar tema s naciona is e pa trióticos . Em 1 9 3 9 , a

e scola d e samba carioca Viz inha faladeira foi desc l a s s i ficada

por ter e scolhido como tema de enredo a "branca de neve " . A cen-

sura a l egou que a temá tica havia s ido vetada por ser internacio-

l o 57 na 1sta .

Na con j untura de guerra , o governo promove o " carnava l

da vitória " cujo s l oga n é "co laboro me smo quando me d ivirto " . O

programa constava de um d e s f i l e de carros a legóricos que re-

presentavam temas de cunho pa triota como " Apoio , a pol itica de

guerra do governo " , " União nac iona l " , " C r i t ica às doutrinas tot�

l i tária s " , encerrando- s e com o carro da "Apoteose a vitória " . 58

A guerra é a presentada como resultado do choque de duas menta l i -

dade s , que se d igladiam manique ist icamente : a s força s do bem

são representadas pe l a democracia e cristianismo ; enquanto a s

d o ma l são corporificadas pelo tot a l itarismo e a t e i smo . Neste

56 MEIRELES , Cec i l i a . Samba e educação . Q2 . cit o p . 9 5 7 Nosso sécu lo , n 2 2 5 . p . 1 9 7 . 5 8 A Manhã , Rio de Janeiro , 2 8 fev . 1943 . p . 5 .

Page 41: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 6

contexto, ganha força a idéia de americanismo , de mundo novo em

contraposição a decadência da civil ização europé i a .

Em agosto d e 1 9 4 2 é lançado o f i lme norte-amer icano Alô

amigos . o fi lme , c u j a sessão inaugur a l é patrocinada por Darci

Varga s , é visto como verdade ira apoteose de nosso pa í s e do nos -

so povo . Nele , o e loqüente zé Carioca mostra a s coisas be l a s do

B r a s i l ao Pato Dona ld . A figura do zé Ca rioca , criada e spec i a l -

mente por Wa lt Disney pa ra o Bra s i l , é a que ta lvez represente

me lhor a tenta t iva de popularização da ideologia do americanis-59 mo . Segundo o j o rn a l A Manhã o personagem exprimia com per-

f e ição o j eito do c a rioca : ma landro , chapéu embicado , guarda -

chuva , charuto e seu humor com tendênci a a reso lver tudo na pia-

d 60 a . Este protótipo do bra s i l e iro sugere a própria figura de

Vargas : amis toso , sorridente e até ma l andro quando s e trata d e

resolver a s d ifíceis j ogadas pOlítica s . Nenhuma imagem poderia

surtir ma i s' efeitos populares do que e s ta , garantindo a profunda

ident i ficação do pres idente com o ethos e as coi s a s naciona i s .

No cinema , torna - s e obrigatória a pro j eção do C inejorna l

bra s i l e iro, onde os documentos c inematográ ficos ex ibem d e s f i l e s

c ívicos , viagens pre s idenc i a i s , comemoraçoes como a s d o aniver-

sário de Varga s , aniversário do regime , Dia do Traba lho , D i a

d a Bandeira , Semana d a Pátria etc . 6 1 Nesta " c rônica de pa lan-

5 9

6 0

6 1

A propósito da d ivulgação da ideolog ia d a americanização ver Gerson Moura . Tio Sam chega ao Bra s i l : a pene tração cultura l americana . Rio de Ja neiro, B ra s i l iense , 1984 .

MORAES , Vinicius . Cinema . A Manhã . 2 7 ago . 1 9 4 2 . p . 5

A propósito da j orna l A Manhã 1 9 4 2 . Sobre o 1 9 4 3 .

programaçao das festas cívica s , nos d i a s 1 8 a 2 2 abr o 1 9 4 3 e 6 , jorna l cinematográ fic o , ver A

consulta r o 1 1 e 1 9 d e novo

Manhã , 1 2 fev .

Page 42: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 7

que s " e s t � o registro d e uma �poca person i ficada n a figura de

Varga s : e l e " vi s ita , recebe , inaugura , pre s ide , a s s i s t e , d i s -

cursa , excurs iona , veraneia , emba rca , retorna , parte , pa sseia ,

inic ia , encerra , exorta , so luciona , joga muito golfe ( seu e spor­

te pred i l e to ) e na tura lmente aniversaria a 19 de abril " . 6 2 O c a -

l e.nd�rio o f i c i a l marca a s grand e s data s , transmit indo a imagem

de uma festa c ívica constante . Atrav�s dos ritua i s patrióti-

cos s e forta lece o sentimento d e unidade e exa l ta ção popu l a r ,

indispens�veis pa ra um regime que buscava apresenta r-se como o

s a lvador da nacional idade . Esta imagem de grandeza e g lória ,

faz-se sentir tamb�m na a rquitetura da �poca , c u j a s construções

sugerem a força e pu j ança do regime . D a ta deste período a cria-

ção dos pr�dios do Minist�rio da Educação e Saúde , Minist�rio

do Traba lho , Minist�rio da Guerra , Central do Bra s i l etc . . . O

Estado Novo aparece como o tempo das grandes rea lizaçõe s , que , viria por fim ao mara smo em que se encontrava o pa1 s .

Este mara smo no meio cul tura l � explicado em função do

d escuido das e l it e s intelectua i s quanto à educação popular . O

tea tro , notadamente o de revi sta , vo ltava - s e exclus ivamente para

a diversã o , divulgando valores pre j udiciais à ordem socia l . As-

s im como a imprensa , r�dio e c inema tamb�m o teatro no E s t ado

Novo deveria tornar-se instrumento educ a t ivo por excelência . O

problema da educação oper�ria � destacado como uma das pr inc i­

pais meta s do Estado , merecendo por isso es tra t�g ia s e a tenção

e specia i s . Dentre deste propós i to � que se criava em são Paulo

6 2 TAVARES , Zulmira bilos naciona i s .

�ibeiro . Getúlio Va rga s Folhetim, 1 7 abr o 198 3 .

no c ine jorna l - jÚ­p . 3

Page 43: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 8

o " Tea tro Prolet�rio " , c u j o obj e t ivo s eria o de fazer propaganda

pró- s indic a l ização a través do lazer dos operários e de sua s fami

l i a s . Este teatro did�tico-c ívico apres entaria exemplos de com-

portamento , modelos de cumprimento do deve r , construindo a s s im

a figura do " oper�rio-padrão " . Para d inamizar este empreend i -

mento cultura l , o Ministério d o Traba.lho pa trocina um concurso

l iter�rio des tinado à produçã� de romances e peç a s teatrais d i -

r igidos ao público oper�rio . Era uma e stratégia defensiva con-

tra o que o regime j ulgava ser uma literatura destinada a " s ub-

versão mora l " e à agitação popula r . Os inte lectua is são conc l a -

ma d o s a partic ipar nesta " re forma espiritua l " das ma s sa s , tra -

zendo a sua mensagem de otimismo , esperança e ordem . No ed ital

do concurso , Marcondes F i lho esclareceria que a s obra s pre l imin�

res seriam publicadas em edições populares a serem d i s tribuída s

aos traba lhadores a travé s dos s indica tos ; e a peça vencedora se-. , , 6 3 r1a encenada nos sindicatos as vespera s do Nata l . O D I P e o

Ministério do Trabalho agiriam em íntima conexã o , poi s ambos ti-

nham como ponto comum a e laboração de uma po lítica cul tura l des-

t inada às camadas populares .

O regime teria uma pos ição ambígua quanto ao tea tro de

revista : se o criticava pe las sua s espor�d ica s demonstrações de

c ivi smo e seu agudo senso de s�tira social; procurava, suprimir ao mes-

6 3 Sobre a questão do tea tro prolet�rio, consulta r : A Manhã , 16 j a n . 1944 , p . 5 ; Cena Muda , 27 jul . 194 3 , p . 6 ; �0��B�r�a�s�1�' 1��d=e hoje, de ontem e de "manhã , j a n . 1940 , p . 14- 16 e E s tudos e Conferência s , n � 19 , abr o 1943 , p . 5 9 .

Page 44: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

3 9

mo tempo , pene trar nesse espaço . Reve r ter , na medida , do PO S S l. -

ve l , a l inguagem s a t í r ica e humorística aos objet ivos do regime

foi então a tá tica ma i s a certada . Nas peça s d e crítica po l í t ica

era comum Varga s encena r a f igura do "bom malandro " , capa z d e

qua lquer j ogada para de fender a s sua s idéia s . ° I H P f icava

s a t i s fe i to com esta imagem e o povo também, porque " tinha um ma -64 la ndro que tomava conta d e l e s " . Assim , o próprio Vargas iria

estimul a r piadas a seu respe i t o , a rgumentando que eram " uma e s -

pécie de term�metro d o sentimento popul a r " . 6 5 Apropr iando - s e

d e expre s sões , idé i a s e valores populare s , o regime buscava sin-

tonizar - s e ideologicamente com o con j unto da soc iedade . Pa ra ob-

ter e sta s intonia , de um lado a censura , de outro certa flexibi-

l idade ou tolerância com os valores que se mostra ssem capa ze s de

serem integrados à ideologia oficia l .

Pelo expos to a t é agora , fica c l a ra a eficiência do D I P

n a montagem da doutrina estado-novi s ta . Funcionando como org a -

i n i smo onipresente que penetra todos os poros da soc iedade , e s ta

entidade constrói uma ideologia que abarca desde a s cartilhas in

fantis aos j orna i s nacion a i s , pa s sando pelo teatro , mú sica , c i -

nema e ma rcando a sua presença inc lus ive n o ca rnava l . Pode - se

mesmo a f irmar que nenhum governo anterior teve tanto empenho em

s e legitimar e nem recorreu a a paratos de propaganda tão sofis-

t icados conforme fez o E stado Novo . É evidente que na constru-

64 LAGO , Mário . Mário Lago sem nenhuma vaidade p . 8 , ci tado por GARC IA, Nél son Jahr . Ideo logia e propaganda po l ítica . são Paulo , Loyo l a , 1 9 8 2 .

6 5 ' P E I X O TO , AI z i r a Va r g a s d o Ama r a 1 . .."G�e,-t�u�1�i�0.L......:V!Ca,,-,-r7g,:,a=-s,,-,-, __ m=e,-,u,,--,:,p,::a:-:ic- ' p . 7 3 , c i tado por GARC IA, Né l son Jahr . Op . cit o p . 1 0 1 .

Page 45: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

\

4 0

ç a o d e s sa imensa e compacta rede ideológica , o s intelectua i s s e -

rao personagens de importincia e s sencia l . . Atrav�s d a s pUblica-

ções oficia i s do regime , como a revista Cultura pol ítica ( d i re -

ç ã o de Almir de Andrade ) e o jorna l A Manhã ( d ireção de C a s s i a -

n o Ricardo ) , � pos s íve l ter-se uma dimensão da e fic iência do

Estado na montagem do seu pro j e to cultura l . As publicações sur-

preendem pela sua capacidade organizat iva em termos ed itor iais

e intelectua i s . Reunindo a s correntes ma i s h eterogênea s da in-

te l ectua l idade bra s i l e ira como Carlos D rummond de Andrade , O l i -

veira Viana , Cec í l ia Meire l e s , Gi lberto Freyr e , Vinícius de Mo-

raes , Gustavo Barroso , Jos� Lins do Rego , Manuel Bandeira e ou-

tros , o j ornal procura atrair para o seio do E stado toda a e l ite

intel ectua l do período , integrando-a ao regime . o mesmo ocorre

com a revista Cul tura política , que conta entre o s seus colabor�

dores intelectua i s com N�l son Werneck Sodr� , Gi lberto Freyre e

a t� o próprio Gra c i l iano Ramo s .

A ques tão do naciona l i smo , ac irrada na con j untura de

guerra , funciona como poderoso e l emento aglut inador , capaz de

integrar qua s e toda a inte lectua lidade do período . A revista e

enfática neste sentido , quando a f irma ace itar a colaboração de

todo s , independente do seu cunho ideológ ico . Dec lara nao ter

pa rtidos po l íticos , po i s a sua preocupa çao fundamenta l e a de

" h d ' b ' 1 ' ,, 66 e spe l ar tu o o que e genu1namente raS1 e 1ro .

66 A propósito da revista Cultura po l í t ica , consultar o artigo de minha autoria : Cul tura e poder pol í tico no Es tado Novo ; uma conf igura ção do campo intelectua l . I n : =E�s�t�a�d�o���N�o�v�o�: ideologia e poder . Rio de Janeiro , Zaha r , 198 2 . p . 7 2 -108 .

Page 46: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 1

Cabe ao inte lectua l d e scobrir e st e veio de autenticida -

de , porque e l e é a persona l idade ma is próxima do nac iona l . Dota-

do de " senso de mistério " , o inte lectua l é identi ficado como O

arauto •. capaz de prenunciar a s grandes mudanças histórica s . Nes-

ta perspectiva , ele deve exercer o pape l po lítico para o qua l é

prede stinado . política e profecia encontram- s e , então , int ima -

mente vinculadas :

" O pol ítico consciente do seu pa­pel e de sua vocação e sempre um profeta da rea lidade . E , na verda-

- . d e , o rea l nao e somente o que co-nhecemos , ma s o que existe mesmo sem ser conhecido " . 6 7

Esta idéia d o inte lectua l -pro feta é amplamente d i fundida

no interior da doutrina estado-novista . É a través d e l a que o r�

gime procura e stabe lecer seus vínculos com O movimento moderni s -

ta d a década de 2 0 , mos trando que ambos os movimentos s e enqua -

dram no idea l de renovaçao n a c iona l .

6 7 O pensamento pol í tico d o pre s idente . Separata editoriais dos pr ime i ros 2 5 números da revista tica , abril 1943 . p . 1 1 2 - 1 7 .

de a rtigos e Cul tura Po l í -

Page 47: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

42

As raízes da bras i l idad e ; os inte lectua is modernistas e o E stado

Novo

"As forç a s colet iva s que provocaram o movimento revolucionário do mode� n ismo na l i teratura bra s i l e ira ( . . . ) foram as mesma s que prec ipitaram , no campo soc i a l e po l ítico , a revo lu-çao vitoriosa de 1 9 3 0 ( . . . ) pa s s a -dos os primeiros instantes e obt i-das as prime iras conquistas ma i s am pIo , ma i s gera l , ma i s complexo , si­muI taneamente reformador e conser-vador . . . "

( Di scurso pronunc iado por Varg a s na Universidade do Bra s i l em 2 8. 7. 5 1 ) .

Uma d a s preocupaçoes marcantes dos ideólogos do E s tado e

a de mos trar que o regime do Estado Novo nao e mero produto po-

l ít i c o , ma s possui sólida ba se r.u ltura l . A argumentação se de-

s envolve no sen tido de mos trar que a instauração do regime exce-

d e o âmbito po l ítico, uma vez que viria concret izar os anseios

de renovaçao naciona l . Sob este ponto de vista , Getúlio Vargas

não seria um " caud i lho" que se apo s saria arbitrar iamente do po-

d e r , ma s viria atender os anseios do povo bra s i leiro, encar-

Page 48: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 3

nando os idea is d a renovaçao nac iona l . 6 8 Ainda n e s s a l inha d e

rac ioc ínio , o autoritari smo d e i x a de s e r visto como um recurso

e s tratégico do poder pa ra vir a concretizar um anseio l a tente na

própria sociedade . Este anseio estaria presente h� a l gum tempo

na colet ividade , man i fe s tando - s e em todos os domínios da vida SQ

c ia l . S e e l e não ec lodia é porque havia uma d is sociação entre

cultura e pO l ít ica , inte lec tua i s e governo , enfim, entre o Esta-

do e a sociedade .

Con forme j� vimos anteriormente pelo d iscurso d e Vargas

na Academia Bra s i l e ira de Letra s , esta d i s sociação da s ener-

g i a s soc i a i s começaria a ser superada ' na década de 3 0 , como uma

consequencia da revo lução l i ter�ria dos anos 2 0 . A idéia , e a

d e que a revolução i i ter�ria , pondo em cheque os mod elos estéti-

cos importado s , estaria completa com a revolução pO l í tica do

Estado Novo , cujo ob j e t ivo seria o de combater os modelos po l í -

t icos tidos como a l ienígena s , como O l ibera l i smo e comunismo . O

ideal da bra s i l idade e da renovacão nac iona l é , então , apresentª

do como o elo comum que viria unir as dua s revoluções : a artísti

ca e a pOl í t ica .

Na tura lmente que esta ligação entre modernismo e Estado

Novo e uma invenção do regime que se apropria do evento moderni�

t a como um todo uni forme , não d i s t inguindo a s v�ria s correntes

de pensamento que a integra ram . Na rea l idad e , a herança moder-

n i s ta no interior da ideo log ia e s tado-novista é bastante d e l imi-

68 MON I Z , Heitor . A Manhã , Rio de

As origens culturais da revolução bra s i l e ira . Janeiro , 5 fev . 1944.

Page 49: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

44

tada , à medida que recupera apenas a doutrina de um grupo : a dos

verde - amarelos , composta por Cass iano Ricardo , Menotti D e l P i�

chiá e P l ínio Salgado . A presença de Ca s s iano Rica rdo em pos -

t o s chaves n o aparelho de Estado - diretor d o Departamento Esta-

dual d e Imprensa e Propaganda ( são Paulo ) ; diretor do Depa rta-

mento Cultura l da Rádio Nac iona l e do Jornal A Manhã - , esclare -

c e a e spec ificidade d e vínculos entre a ideologia modernista e

a do Estado Novo .

No E stado Novo a questão da cul tura popula r , a busca d a s

r a í z e s da bras i l idade ganham uma outra d imensão . o Estado mos -

tra- s e ma is preocupado em converter a cultura em instrumento de

doutrinação do que propriamente de pesquisa e de reflexã o . As-

s im , a busca da bras i l idade va i desembocar na consagraçao da

tradição, dos s ímbolos e heró is nac iona i s . Temos , entã o , a h i s -

tória dos grandes vultos , d a s grandes e femérides , d o B r a s i l " im-

pávido colosso " . As person a l idades de Caxias e Tiradentes sao

apontadas como exemplos luminosos , onde o pa í s deve buscar ins­

piração e força para superar a crise da mod ernidade . 69Assim sen-

do , a visão crítica da cultura , apontada por a lguma�s corrente s

modern i s ta s , v a i s e r subst ituída pelo ufanismo Dentro deste -----

quadro grand ioso nao há ma i s lugar para o anti-herói e a sua

preguiça . Natura lmente que a dessacr a l i zação do herói mostrar-

s e - i a incompa t íve l para um regime que se preocupava em fixar a s

bases mítica s de um Estado forte . Assim, a versão , macunalma do

6 9 Ver Glória a �iradentes . 1 9 4 2 e A significação do Jane iro , 16 ago . 1 9 4 2 .

A Manhã , Rio de culto de Ca x ia s .

Jane iro , A Manhã ,

2 1 abr o Rio de

Page 50: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 5

s e r nacion a l c ede lugar a versao mítica e apoteótica d a " raça d e

g igantes " , criada pelo grupo Verde-ama r e lo .

Esta vinculação entre modernismo e Estado Novo e extrema­

mente importante , uma vez que demonstra o e s forço do regime pa ­

ra ser identi ficado como de fensor d e idé i a s a rro jadas no campo

da cultura . Os fatos demons tram que e s t e e s forço nao foi em

va o . Poucos intelectua i s conseguem r e s i s t i r aos a pe los de inte-

graçao por parte do Estado .

S e a vertente modernista conservadora é a vitoriosa no

inter ior da doutrina e stado-nov i sta ; o regime nao exlui a cola­

boração d e outros in telectua i s que defendiam pro j etos cul tura i s

ma i s inovadore s , como é o c a s o de Carlos Drummond de And rade e

Mário de Andrade . É necessário, portanto , analisar a s d i feren-

t e s inserções destes intelectua i s no apare lho de Estado . Se o

Estado absorve grande parte dos intelec tua is modernista s , a abso,!:.

çao s e dá de forma di ferenciada . Daí a complexidade e mesmo am-

big�idade da po l í t ica cultura l do regime , que agrega int e l e c tu­

a i s das ma is d i ferentes correntes de pensamento , como os moder­

n i s ta s , pos itivista s , integra l i s ta s . católicos e até socia l i s ­

ta s .

Page 51: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 6

Observacões finais

Um dos a spectos que chamam particularmente a a tenção no

interior do pro jeto cul tura l estado-novi s ta é o es forço ideo ló-

gico, no s entido de reconc e i tuar o popula r . Este pa ssa a s e r d�

finido como a expressão ma is autêntica da a lma nac iona l . Ocor-

r e , porém , que este ovo depo s i tário da bras i l idade - e con-

figurado s imul taneamente como inconsciente , ana l fabeto e dese-

ducado . Esta ambigüidade em relação ao popular misto d e po-

s itividade e negat ividade - va i ser equacionada a través de um

pro j eto " po l í t ico-pedagógico" implementado pe las nossas e l ites . . --

t, portanto , através da " educação popular" que se busca

a s s egurar a pos itividade d e s sa categoria soc ia l , imped indo que

se descambe para o ca o s , a de sordem, a negação .

Nesta reconcei tuação do popular há um elemento novo : a

sua pos i t ividade . De modo gera l , o nosso pensamento pOl ítico vi

nha loca l i zando no povo a s raízes da problemá tica nac iona l e do

nosso descompa sso . Assim a s origens racia i s , o caráter ina to

eram idéias recorren te s , a través das qua is as e lites procuravam

justificar a defasagem do Bra s i l em relação aos centros hegemô-

nicos europeus . Esta visão ideológica começaria a ser re formul�

da no . . f:ina l da década de � l O , ma is preci samente em 1918 . A t e -

Page 52: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 7

s e da saúde pública , apontando a doença e o ana l fabetismo como

os fatores responsáve is pe l o a tra so , viria então isentar a figu-

ra do Jeca Tatu dos ma l e s des ma �"es do Bra s i l . Na c é l ebre frase

d e Monteiro Loba to " E le (o Jeca ) não é a s sim ma s e stá a s s im"

fica expl ícita e s ta mudança de menta l idade . o povo deixa de

ser equiparado à ca tegoria da negação e , se ele apresenta a spec-

tos nega tivo s , i s to independe " d e l e . Depende antes de uma boa ag

minis tração governamenta l , capa z de sanar os erros e corrigir a s

d e fic iência s .

Verifica - s e , portanto , um �e s locamento de perspetivas no

deba t e po l í tico . Come amos a não ma is a ssoc iar povo , a crise

- lugar comum até então - para pa ssar a relac ionar elites à cri-

s e . Esta mudança de enfoque va i abrir novos espaços para s e pen

sar o popu lar no con j unto naciona l .

É no discurso modern i s ta que e s ta concepçao começa a en-

volver certa carga de pos i tividade . Através das mani fe staçõe s

da cul tura popula r , temos a pista para conhecer e reve lar o Bra -

s i l autêntico . É , porém , no per íodo do Estado Novo que vemos m�

ni festa r , na sua forma ma is bem acabada , e sta construção ideoló-

gica que ins taura a po si tividade do po u l a r . E é importante a s -

sina lar um dado . Agora , esta cons truçã o ideo lógica apa rece ar-

ticulada dentro de uma e s tra tégia pO l í t ica definida : a do Estado

centra li zado e autoritár io . Ne l e , o povo é isento de respons a -

bilidade pelo que vinha a contecendo com o pa í s . Num pa s s e d e m-ª-

gica , tudo s e transfere para a s e l i tes . Esta s , sim , é que sao

a s verdadeiras respon sáve is pela crise naciona l . Revert e - s e to-

ta lmente o quadro . o povo é a " a lma da nac iona lidad e " , a s e l i -

t e s é que s e d i s tancia ram de sta a lma , quando s e deixaram fasci-

Page 53: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

4 8

nar p e l o s exemplos a l i en ígen a s . Dando a s costas para o "país

real" elas se ausentaram, se ex imiram d e sua responsabi l idade

frente à nação . Por isto , c abe somente a e l a s redescobrir a n a -

c iona l idade que sempre e steve presente intuit ivamente no povo .

Este tipo de raciocínio vem , portanto , fund amentar a in-

tervenção do Estado na organ i zação soc ia l . E isto tem l6gica ,

posto que ele e vi s to como a única entidade capaz de sa lvar a

identidade naciona l . Para l evar a e f e i to tal mi ssão , , e nec e s s a -

r i o , entã o , e laborar um pro j eto " pO l í t i co-pedag6gico " , destina-

do a " educa r " a s camada s popu l a res . Predomina a idéia de povo

c arente que nec e s s i ta de condução firme e de voze s que possam f�

l a r por e l e , expr imindo seus impulsos e anseios . A grosso modo , -

o rac ioc ínio constr6 i - s e da seguinte forma : o povo é potenc i a l -

mente rico e m virtudes - pureza , espontaneidad e , autenticidade - ,

mas para man i festar e s te seu a specto pos i t ivo , pre c i sa � inter-

mediação das instânci a s superiores . Estas tim o dom da expres-

sao ( intelectua i s ) e o da organização e ordem

imagem do Estado "pai -grande " e a do intelectua l

se entrecruzam , entã o , em d i reção ao popular .

( político s ) . A

sa lvacionista

Cabe ao inte lectua l auscu ltar as fontes viva s da nacion�

l idade , de · onde emana a autintica cu ltura . Nesta per spec t i va , a

sua reflexão sobre a nac iona l idade deve nece ssariamente ser 1ns-

pirada no rico mananc i a l popu la r . Entretanto esta ida a o popu-

lar implica um retorno, uma vez que este é configurado como moti

vo de inspira ção, ou como matér i a bruta a ser traba lhada por um

saber superior . Não se trata , portanto , de consagrar o popular

" errado do morro " , ma s s im de procurar resgatar o espírito de

Page 54: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

)

7

49

d b · ' . f - 7 1 gran eza s u J acente a s suas man 1 e staçoes .

É e s ta concepçao co popul ar que permeia todo o pro j eto

cultural do Est ado Novo , conforme tivemos oca s ião de mostrar .

Apre s entando- s e como a " consc.iência " e " expressão ma i s lúcida "

da sociedad e , o inte lectua l a s sume pa pe l de " educa r " a s mani f e s -

tações populare s . Assim o id e a l civ i l i zatório das e l i t e s d eve

s e sobrepor a estas manife stações a fim de educá - l a s , ou , rr e l hor

d i zendo , de homogeneizá - la s . Este en foque homogeneizador natu-

ra lmente irá se mostrar impermeáve l às d i ferença s sócio-�-

ra i s , só a s reconhecendo enquanto e l ementos capa z e s de s�rem in-

t egrados no Estado Na c iona l .

Esta visão d e um todo homogêneo ( Estado ) capa z de im or

a ordem socia l , s e j a e la ba s eada nos princípios da razão ou in-

tuição , vem a té os nossos d i a s . Freqüentemente e l a compa rece cQ

mo fundamento à s pOl í ticas cultura i s que tomam como ba s e d e sua

açao a s controve rt ida s categoria s de povo e naçao .

Assim, a cultura popu lar é ;ista como expre ssão do genul

namente nac iona l , cabendo a o Estado a f�nção de re sgQa rdá - a das -invasões " a l ienígena s " , s e jam e l a s e x ternas ou interna s . Dos au-

x í lios "discreto s " ( subvençõe s , doações , apoi os ) a intervenção

organizada e centra l i zadora , o Estado sempre impôs a sua pre s e n -

7 1 E s t e conce i to de popular é expresso por um dos apologistas do traba lho mus ica l d e Villa Lobos no Estado Novo . Ver Sque f f , Enio e W I SNIK , José Migue l . Música . são Paulo , Bra s i l iens e , 1 9 8 2 . [o Naciona l e o popular na cu ltura bra s i l e ira]

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5 0

ça n o s domínios da cultura . . A pol í t ica cultura l d o s a n o s 7 0

particularmente n o governo Geisel - l embra em muitos a spectos

a do Estado Novo , pelo seu forte tom centra l i sta e pela qua nt idª

d e de recursos investidos no setor . A part ir de 1 9 75 , sob o pa ­

trocínio do Estado , observa - s e uma verdadeira pro li feração de

entidades cul tura i s : Funarte , ( Fundação Nac ional de Artes ) ,

Concine ( Conselho Nacional d e C inema ) , CNDA ( Conselho Nac ior:a l

de Direitos Autora i s ) . Reorganiza - s e a Embra f i lme e incent ivam- o

s e pro j etos e spec í f icos como o Pro j eto Pixinguinha , o Pro j e to

Univers idade , o Pro j eto Barroso Mineiro etc . . .

Apesar das d i ferenç a s de contexto h i stórico que deram

origem as pO l í ticas cul tura i s do Estado Novo e do pós- 6 4 , a inda

preva lece a visão da cultura enquanto a rea e stratégica do Esta­

do . O que pa rece ocorrer é uma e spéc i e de recic lagem h i s tórica

d e conceitos - nação , povo e cultura - para rea just�- los aos

obj etivos dos regime s . " Área de segurança nac iona 1 " ou " núcleo

da identidade bra s i le ira " , a nossa produção cultural sempre es­

teve na mira do E s t ado .

Page 56: OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO

Mônica Pimenta Velloso

Dulce Chaves Pandolfi

e Mário Grynszpan

Angela Maria de C. Gomes

e Maria Colina S. D' Araújo

Mônica Pimenta Velloso

TEXTOS CPDOC

A brasilidade verde-amarela:

nacionalismo e regionalismo paulista

Da Revolução de 30 ao Golpa de 37:

a depuração das elites

Getulismo e trabalhismo: tensões e dimensões

do Partido Trabalhista Brasileiro

Os intelectuais e a pol ltica

cultural do Estado Novo

f