fligstein, neil. mercado como política-cultural

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Texto: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política: uma abordagem político-cultural das instituições de mercado. Contemporaneidade e Educação. Ano VI, nº 9, 1° sem/2001b, p. 26-55. MERCADO COMO POLÍTICA: UMA ABORDAGEM POLÍTICO-CULTURAL DAS INSTITUIÇOES DE MERCADO Neil Fligstein 1 RESUMO: Utilizo a metáfora "mercado como política" para criar uma visão sociológica da ação no mercado. Desenvolvo uma visão conceitual das instituições sociais que constituem o mercado, discuto um modelo sociológico de ação na qual os participantes do mercado tentam criar mundos estáveis e encontrar soluções sociais para a concorrência e como o mercado e o Estado estão intimamente ligados. A partir dessas bases, crio proposições sobre como funciona a política nos mercados durante os seus diversos estágios de desenvolvimento - formação, estabilidade e transformação. Durante a formação dos mercados, quando os atores nas empresas estão tentando criar uma hierarquia de status que assegure formas não-competitivas de concorrência, a ação política se assemelha a movimentos sociais. Nos mercados estáveis, as empresas estabelecidas defendem suas posições contra concorrentes e empresas Invasoras. Durante os períodos de transformação do mercado, empresas invasoras podem reintroduzir condições mais fluídas de mobilização social. PALAVRAS-CHAVE: Mercado, Política, Economia, Empresas, Atores, Concorrência. Grande parte dos principais insights da sociologia do mercado estruturarem- se como reações às visões econômicas neoclássicas sobre seu funcionamento. White (1981) sugeriu que mercados de produção estáveis só eram possíveis se os atores levassem em conta reciprocamente seus comportamentos, ao contrário da suposição básica da visão econômica neoclássica que enfatiza o anonimato dos atores. Granovetter (1985) estendeu esse argumento, sugerindo que todas as formas de interação econômica eram centradas nas relações sociais, o que ele 1 Professor de Sociologia na Universidade da Califórnia, Berkeley

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Page 1: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Texto: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política: uma abordagem político-cultural das instituições de mercado. Contemporaneidade e Educação. Ano VI, nº 9, 1° sem/2001b, p. 26-55.

MERCADO COMO POLÍTICA: UMA ABORDAGEM POLÍTICO-CULTURAL DAS

INSTITUIÇOES DE MERCADO

Neil Fligstein1

RESUMO: Utilizo a metáfora "mercado como política" para criar uma visão

sociológica da ação no mercado. Desenvolvo uma visão conceitual das instituições

sociais que constituem o mercado, discuto um modelo sociológico de ação na qual

os participantes do mercado tentam criar mundos estáveis e encontrar soluções

sociais para a concorrência e como o mercado e o Estado estão intimamente

ligados. A partir dessas bases, crio proposições sobre como funciona a política nos

mercados durante os seus diversos estágios de desenvolvimento - formação,

estabilidade e transformação. Durante a formação dos mercados, quando os atores

nas empresas estão tentando criar uma hierarquia de status que assegure formas

não-competitivas de concorrência, a ação política se assemelha a movimentos

sociais. Nos mercados estáveis, as empresas estabelecidas defendem suas

posições contra concorrentes e empresas Invasoras. Durante os períodos de

transformação do mercado, empresas invasoras podem reintroduzir condições mais

fluídas de mobilização social.

PALAVRAS-CHAVE: Mercado, Política, Economia, Empresas, Atores, Concorrência.

Grande parte dos principais insights da sociologia do mercado estruturarem-

se como reações às visões econômicas neoclássicas sobre seu funcionamento.

White (1981) sugeriu que mercados de produção estáveis só eram possíveis se os

atores levassem em conta reciprocamente seus comportamentos, ao contrário da

suposição básica da visão econômica neoclássica que enfatiza o anonimato dos

atores. Granovetter (1985) estendeu esse argumento, sugerindo que todas as

formas de interação econômica eram centradas nas relações sociais, o que ele

1 Professor de Sociologia na Universidade da Califórnia, Berkeley

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chamou de inserção social dos mercados. Vários acadêmicos apresentaram

evidências de que a inserção social do mercado produzia efeitos que os modelos

econômicos não poderiam prever (Burt,1983; Zelizar,1983; Baker,1984; Rigstein,

1990).

A literatura empírica não conseguiu tornar clara a natureza precisa da

inserção social dos mercados. Granovetter (1985) argumentou que as relações em

rede seriam o constructo mais importante. Burt (1983) propôs que as redes

substituíssem a dependência dos recursos. Podolny (1993) utilizou as redes como

causa e consequência da criação de uma hierarquia de status. Fligstein (1990) e

Fligstein e Brantley (1992) argumentaram que as relações sociais internas e

externas à empresa e suas relações mais formais com o Estado são determinantes

para entender a emergência de mercados estáveis. Campbell e Lindberg (1990) e

Campbell, Hollingsworth e Lindberg (1991) desenvolveram uma abordagem

26

similar e enfocaram a emergência do que chamaram estruturas de governança nas

indústrias. A teoria institucional na literatura organizacional defendeu que os

empreendedores institucionais criam novos arranjos sociais em campos

organizacionais com a ajuda de poderosos interesses organizados, tanto dentro

como fora do Estado (DiMaggio, 1989; DiMaggio e Powell, 1991),

Essas últimas perspectivas têm sido apoiadas por estudos em organização

industrial comparativa (Hamilton e Biggart, 1988; Chandler, 1990; Gerlach, 1992)

que revelam como as interações entre Estado e empresa em diferentes sociedades

produziram culturas de produção únicas. Os países industrializados não estão

convergindo para uma única forma (Fligstein e Freeland, 1995). Ao contrário, uma

pluralidade de relações sociais tem sido observada, estruturando mercados dentro e

através de sociedades. Essas observações desafiaram a visão dos economistas

neoclássicos de que os mercados selecionam formas eficientes que, ao longo do

tempo, convergiriam para uma forma única2.

2 A economia financeira, a teoria da agência e a teoria dos ciclos de transação são tentativas de

especificar a forma como as relações sociais maximizadoras de lucro se desenvolvem até orientar as empresas e as indústrias. Alguns autores argumentam que todas as empresas, em todos os mercados (definidos em termos de produto ou de área geográfica), convergirão em última instância (Jensen, 1 080), enquanto outros reconhecem que relações sociais pré-existentes poderiam prover

Page 3: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Para fazer avançar essa discussão, os sociólogos devem ir além da simples

enumeração das deficiências do paradigma neoclássico. Assim, neste artigo,

começo a estruturar uma nova visão a partir da literatura existente. A questão

principal as estruturas sociais dos mercados e a organização interna das empresas

são melhor apreendidas quando tomadas como tentativas de atenuar os efeitos da

concorrência com outras empresas. Esboço uma abordagem político-cultural e uso a

metáfora "mercado como política" para discutir como essas estruturas sociais se

tornem realidade, produzem mundos estáveis e se transformam.

Há nesta metáfora duas dimensões. A primeira é a de que a formação do

mercado faz parte da formação do Estado. Os Estados modernos de economia

capitalista criaram as condições institucionais para que os mercados se tornassem

estáveis. Identifico quais instituições estão em jogo e vejo sua construção como

projetos políticos empreendidos por atores poderosos. Grandes crises societais

como guerras, depressões ou a entrada de uma nação no desenvolvimento moderno

são determinantes para entender o progresso econômico de uma sociedade. Uma

vez estabelecidas, essas "regras" de construção dos mercados e de intervenção nos

mesmos, são chaves para a compreensão de como os novos mercados se

desenvolvem numa sociedade.

Em segundo lugar, argumento que os processos internos ao mercado

refletem dois tipos de projetos políticos: lutas de poder no interior das empresas

27

e entre as empresas, objetivando o controle do mercado (White, 1992). As lutas de

poder internas se dão em torno de quem controlará a organização, como esta se

organizará e como as situações serão analisadas e resolvidas. Os vencedores das

lutas internas de poder serão os que possuírem uma visão convincente de como

fazer a empresa funcionar internamente e como interagir com os principais

concorrentes. Utilizo a metáfora de "movimento social" para caracterizar a ação nos

mercados durante sua criação ou durante crises.

alguma eficiência adicional (Williamson, 1985, 1991). A teoria evolucionista (Nelson e Winter, 1982) e os argumentos do tipo path dependence (Arthur, 1989) podem ser usados de modo semelhante para dar conta da dinâmica real dos mercados.

Page 4: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

A produção de instituições de mercado pode ser considerada um projeto

cultural de diferentes maneiras. Direitos e propriedade, estruturas e governança,

concepções de controle e regras de troca são as instituições necessárias para

construir um mercado. Mundos econômicos são mundos sociais. Atores engajam-se

em ações políticas vis-à-vis outros atores, construindo culturas locais para guiar

essa interação (Geertz, 1983).

Um propósito importante deste artigo é comparar as versões da sociologia

econômica que enfatizam as instituições, com as que enfatizam as redes e a

ecologia populacional. Emprego a metáfora "mercado como política" como o

constructo unificador que focaliza a forma como as estruturas sociais são produzidas

para controlar a concorrência e organizar a empresa. Minha abordagem combina

características chave das outras perspectivas, mas preenche lacunas dessas teorias

que considero importantes. Na literatura sobre organizações, a teoria institucional

detém-se sobre a construção de regras, mas falta-lhe uma aborda em da política e

da agência. As redes estão no cerne dos mercados até o ponto em que refletem

relações sociais entre os atores. A principal limitação das abordagens baseadas no

conceito de redes é que elas são estruturas sociais esparsas, sendo difícil perceber

como podem dar conta do que observamos nos mercados. Dito de outra forma,

essas abordagens não têm um modelo de política, nem pré-condições sociais para

as instituições econômicas em questão e tampouco, apresentam uma maneira de

conceitualizar como os atores constroem seus mundos (Powell e Smith Doerr, 1994).

A ecologia populacional tem geralmente tomado a existência de nichos de mercado

como um dado. O que pareceria antiético em relação a uma abordagem mais afeita

à ideia de construção social. Hannah e Freeman (1985), no entanto, argumentaram

que os nichos são construções sociais e políticas, além de discutirem como formam

as fronteiras entre eles. Eu aperfeiçoo esta perspectiva, mas o faço com um modelo

político mais explícito.

Instituições de mercado: algumas definições

Meu foco recai sobre a organização dos mercados modernos de produção

(White, 1981). Os mercados se referem a situações em que bens ou serviços são

vendidos a clientes por um preço pago em dinheiro (um meio de

Page 5: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

28

troca generalizado). O primeiro problema no sentido de desenvolver uma sociologia

dos mercados é apresentar teoricamente as condições sociais necessárias como

precondições para a existência de tais mercados. Instituições referem-se a regras

compartilhas, que podem ser leis ou entendimentos coletivos, mantidos pelo

costume, por um acordo explícito ou implícito. São essas instituições - que podem

ser chamadas de direitos de propriedade, estruturas de governança, concepções de

controle e regras de troca - que permitem que os atores no mercado se organizem

para competir, cooperar e trocar.

Direitos de propriedade são relações sociais que definem quem pode

reivindicar os lucros das empresas, como o que os teóricos da agência3 denominam

"reivindicações residuais do fluxo de dinheiro livre das empresas" (Jensen e

Mec1ing, 1-974; Fama, 1980). Isso deixa em aberto questões que dizem respeito a

formas legais; as relações entre os acionistas e empregados, comunidades locais,

fornecedores e consumidores; e ao papel do Estado em orientar o investimento,

possuir empresas e proteger os trabalhadores. Ao contrário dos teóricos de agência,

eu argumento que a constituição dos direitos de propriedade é um processo político

contínuo e contestável, e não o resultado de um processo eficiente (Roe, 1994).

Grupos organizados de empresários, trabalhadores, agências governamentais e

partidos políticos tentarão afetar a constituição desses direitos de propriedade.

Estruturas de governança referem-se às leis gerais de uma sociedade que

delimitam as relações de concorrência, cooperação e definições específicas do

mercado a respeito de como as empresas devem se organizar. Essas regras

estabelecem formas legais e ilegais de como as empresas podem controlar a

concorrência e apresentam-se sob duas formas: (1) leis e (2) práticas institucionais

informais.

As leis, denominadas leis antitruste, de competição ou leis anticartel, existem

em todas as sociedades industriais avançadas. Sua aprovação, aplicação e a

interpretação judicial é contestável (Fligstein, 1990) e seu conteúdo varia bastante

através das sociedades, desde aquelas leis que permitem a cooperação ou fusão

entre concorrentes, até aquelas que buscam assegurar a concorrência.

3 NT. O termo se refere à agência encarregada das negociações entre sindicatos e empregadores.

Page 6: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

As sociedades de mercado também desenvolvem práticas institucionais mais

informais que estão presentes nas organizações sob a forma de rotinas e

disponíveis para os atores em outras organizações. Alguns dos mecanismos de

transmissão destas práticas podem ser associações profissionais, consultores e

intercâmbio de executivos (DiMaggio e Powell, 1983). Essas práticas informais

incluem como organizar o trabalho (a forma multidivisional), como

29

escrever contratos de trabalho e de gerência e onde definir as fronteiras da

empresa. Abrangem também visões correntes do que constitui comportamentos

legais e ilegais das empresas.

O propósito da ação em um dado mercado é criar, e manter mundos estáveis

no interior e através das empresas, o que Ihes permite a sobrevivência. Concepções

de controle dizem respeito aos entendimentos que estruturam percepções sobre

como funciona um mercado, permitindo que os atores interpretem seu mundo e ajam

no sentido de controlar as situações. Uma concepção de controle é simultaneamente

uma visão de mundo que permite aos atores interpretar as ações de outros atores e

um reflexo da forma como o mercado está estruturado. As concepções de controle

refletem os acordos entre atores da empresa que são específicos aos mercados, a

respeito de princípios de organização interna (ou seja, formas de hierarquia), táticas

de competição e cooperação, e a hierarquia ou a ordem de status das empresas

num dado mercado. Uma concepção de controle pode ser pensada como uma forma

de "saber local" (Geertz, 1980). O Estado deve ratificar, ajudar a criar ou, no mínimo,

não se opor à concepção de controle.

As regras de troca definem quem pode negociar com quem e as condições

nas quais tais negociações são levadas a diante. As regras devem ser estabelecidas

com relação ao transporte, cobrança, seguro, circulação de dinheiro (isto é, bancos)

e à garantia dos contratos. Tais regras tornam-se ainda mais importantes em

transações entre sociedades. Do mesmo modo que nos direitos de propriedade, nas

estruturas de governança e nas concepções de controle, o Estado é essencial para

a criação e a garantia das regras de troca.

Page 7: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

O modelo de ação

A questão principal da perspectiva que proponho é que há dois tipos de fontes

potenciais de instabilidade nos mercados: (1) a tendência das empresas a competir

entre si, reduzindo os preços e (2) o problema de manter a empresa unida como

uma coalizão política (March, 1961). Os atores do mercado tentam controlar ambas

as fontes de instabilidade a fim de promover a sobrevivência de suas empresas. O

objetivo de uma concepção de controle é estabelecer entendimentos sociais através

dos quais as empresas possam evitar uma concorrência de preço direta e resolver

seus problemas políticos internos4. Esses problemas estão relacionados e a solução

para um será parte da solução para o outro.

O potencial que a concorrência de preços tem para minar as estruturas do

mercado está sempre presente. Mercados estáveis podem durar por poucos

30

anos ou por décadas. Em alguns mercados competitivos clássicos, tais como

restaurantes e barbearias, a estabilidade nunca emergiu. Até mesmo neles, os

atores tentam diferenciar seus produtos a fim de formar nichos para se protegerem

da concorrência de preços (como, por exemplo, os restaurantes que servem a cara

cuisine californiana). O que reivindico não é que os atores nas empresas sejam

sempre bem sucedidos na criação de refúgios estáveis para a concorrência de

preço, mas sim que a política dos mercados e a organização social dos mercados

envolvem tentativas para tanto.

Os atores de mercado habitam um mundo obscuro em que nunca está claro

quais ações terão quais consequências. No entanto, eles devem dar conta do

mundo de forma a interpretar essa obscuridade, motivando e determinando os

rumos da ação justificando-a. Nos mercados, o objetivo da ação é assegurar a

sobrevivência da empresa. Nenhum ator pode determinar que comportamentos

maximizarão os lucros (nem a priori ou post hoc). A ação é, portanto, direcionada no

sentido da criação de mundos estáveis.

4 No modelo de White (1981), isto é feito pelas empresas que prestam atenção ao preço uma das

outras e ao comportamento da produção para, então, decidir diferenciar seus produtos dos de seus competidores.

Page 8: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

As questões de organização interna giram em torno da produção de relações

sociais estáveis (reproduzíveis). A luta de poder intraorganizacional é uma questão

de atores dentro da organização reivindicando a solução dos problemas

organizacionais "críticos" (March, 1961; Pfeffer, 1981). Os atores necessitam de uma

visão coerente da organização que Ihes permita simplificar os processos de tomada

de decisões. Os atores que convencem ou derrotam os demais serão capazes de

definir, analisar e resolver os problemas nos seus próprios termos. Eles também

serão os líderes da organização (Fligstein, 1987). Uma vez estabelecida, a

concepção de controle específica da empresa opera como uma cultura corporativa.

Quais são algumas das estratégias mais comuns, dentre aquelas orientadas

pelos concorrentes, usadas para controlar á concorrência de preços? Os atores

frequentemente tentam cooperar com os concorrentes a fim de dividir os mercados.

Cartéis, controle de preços, a criação de barreiras de entrada, limitação da

produção, patentes, acordos de Iicenciamento e uso compartilhado de unidades

produtivas são táticas que as empresas utilizam com este objetivo. Uma outra tática

é o envolvimento do Estado na produção de leis de regulação ou proteção que

aumentem as chances de sobrevivência da empresa.

Os atores utilizam simultaneamente dois princípios internos e organização

para controlar a competição indiretamente: (1) integração e (2) diversificação, o que

é frequentemente acompanhado pela produção de múltiplas divisões na

organização. A integração pode ser vertical (a fusão de fornecedores ou

consumidores) ou horizontal (a fusão com concorrentes). A integração vertical

impede os demais de ameaçar investimentos e produtos valorizados. A integração

ou fusão de grande parte de uma indústria significa que poucas

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empresas podem controlar o mercado, admitindo-se tacitamente que uma não

ameaçará a posição da outra através de uma guerra de preços. Com frequência,

elas anunciam publicamente as decisões sobre preço e produção para que as outras

empresas possam acompanhá-Ias.

Diversificação implica entrar em novos mercados para aumentar a

probabilidade de sobrevivência da empresa. Começa com a diferenciação de um

único produto na base de qualidade ou preço (White, 1981). Até o ponto em que as

Page 9: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

empresas não estão competindo porque seus produtos são diferentes, a

concorrência de preços não ameaçará a existência da empresa5. Através da

diversificação, a empresa pode reduzir sua dependência em relação a um produto

específico, e daí aumentar a sua probabilidade de sobrevivência. Isto permite que a

empresa cresça, o que aumenta também a sua estabilidade. As empresas procuram

novos mercados porque o primeiro a conquistá-Ios pode auferir maiores lucros. Tais

lucros ajudam a empresa a se estabilizar. Se os mercados não conseguirem

materializar-se, ou se as condições do mercado se deteriorarem, uma empresa

diversificada pode abandonar um mercado falido sem ameaçar o grupo corporativo

como um todo. A diversificação de produtos introduz problemas de controle interno e

ás atores reorganizam-se constantemente através de variações da holding company

e da forma multidivisional (Fligstein, 1985; Prechel, 1994).

As ações para controlar a concorrência podem ser pensadas como uma caixa

de ferramentas cultural (Swidler, 1986). Os atores estão preparados para fazer uso

do que for possível, e trabalhar na busca de uma situação de mercado mais estável.

Desta forma, as concepções de controle são soluções baseadas no pragmatismo da

experiência (Padgett e Ansell, 1992).

As concepções de controle referem-se a concepções culturais mais amplas

nas quais essas táticas de "caixa de ferramentas" estão inseridas. Atores em dois

mercados diferentes podem usar a diversificação da produção, mas um poderia

visualizá-la como uma diversificação do portfólio financeiro (uma perspectiva

financeira), enquanto o outro como significando uma linha completa de produtos

(uma perspectiva de marketing) (Fligstein, 1990). As concepções de controle

também permitem que os atores interpretem o que um movimento estratégico

particular de seus concorrentes pode significar.

Os atores se atêm à concepção que acreditam funcionar. Decorrido algum

tempo, outros reconhecerão conjuntos decisivos de fatores e começarão a imitá-los.

Mas esses fatores são raramente articulados antes do fato; tornam-se

32

5 O modelo de White (1981) é multo parecido com o que os teóricos da ecologia populacional

chamariam de empresas procurando criar um "nicho". A busca por um nicho é uma tentativa de evitar a concorrência direta através da diferenciação do seu produto em relação aos dos seus concorrentes.

Page 10: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

aceitos ou de conhecimento comum só após conseguirem produzir estabilidade para

algumas empresas. Tais táticas e concepções criam representações culturais que

podem ser usadas repetidamente a fim de justificar uma ação ou produzir uma nova.

State-building como market-building

Uma implicação da metáfora "mercado como política" é que o Estado

desempenha um papel importante na construção das instituições de mercado. Por

que o Estado é tão importante? As organizações, os grupos e as instituições que

compreendem o Estado na sociedade capitalista moderna reivindicam que se faça

assegurar as leis que regulamentam a interação econômica numa dada área

geográfica (Krasner, 1988)6. As empresas capitalistas não poderiam operar sem um

conjunto de regras coletivas regulamentando a interação. Enquanto a maior parte

das discussões modernas acerca do state-building enfocaram o welfare e o warfare,

os Estados capitalistas modernos foram construídos em interação com o

desenvolvimento das suas economias, assim como as estruturas de governança

destas economias estão no cerne do state-building (Fligstein, 1990; Hooks, 1990;

Campbell et aI., 1991; Dobbin, 1994; Evans, 1995)7.

Os direitos de propriedade, as estruturas de governança e as regras de troca

são arenas nas quais os Estados modernos estabelecem regras para os atores

econômicos. O Estado fornece as condições estáveis e confiáveis nas quais as

empresas se organizam, competem, cooperam e trocam. A aplicação dessas leis

afeta a definição das concepções de controle que podem produzir mercados

estáveis. Há disputas políticas a respeito do conteúdo das leis, de sua aplicabilidade

para certas empresas e mercados, e da extensão e direção da intervenção do

Estado na economia. Tais leis nunca são neutras, pois favorecem certos grupos de

empresas.

6 Pode-se argumentar que também se desenvolvem mercados de bens ilegais, o que nega os

argumentos sobre o papel do Estado no desenvolvimento dos mercados. Minha opinião é que os mercados ilegais também dependem do Estado de várias maneiras. Por exemplo, mercados ilegais utilizam bastante dos canais comerciais estabelecidos previamente por mercados legais (por exemplo, transporte e banco). A definição de um mercado como sendo ilegal diz muito sobre a forma como está provavelmente organizado. Portanto, a concepção de controle que governa os mercados ilegais não é ratificada pelo Estado, mas é uma reação contra ele. 7 Grande parte dessa discussão é inspirada na literatura recente em Ciência Política que se define

como institucionalismo histórico (March e Olsen, 1989; Hall, 1989; Steinmo, Thelen e Longstreth, 1992).

Page 11: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Argumento ser provável que o Estado é importante para a formação e

manutenção da estabilidade dos mercados. Como e em que grau, é uma questão de

contexto. Alguns Estados têm mais capacidade de intervenção que outros

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e a probabilidade de fazê-lo depende da natureza da situação e de suas histórias

institucionais (Evans, Skocpol e Rueschmeyer, 1985; Laumann e Knoke, 1989)8.

Os direitos de propriedade definem a relação entre uma elite econômica e o

Estado. As elites empresariais lutam para que o Estado não seja um Estado-

empresário, mais querem que lhes assegure os direitos de propriedade. Os Estados

diferem com relação a suas regras de cooperação e competição: alguns permitem

uma ampla cooperação entre as empresas, particularmente nos mercados de

exportação (por exemplo, Alemanha), enquanto outros restringem-na a indústrias

similares (por exemplo, Estados Unidos). Todos os Estados restringem a competição

de alguma forma, ao não permitir certas formas de concorrência predatória ou ao

restringir o ingresso de certas indústrias usando barreiras de comércio (tarifárias ou

não) e instrumentos de regulação. Os processos políticos que geram tais regras

refletem frequentemente os interesses organizados de um dado conjunto de

empresas num mercado. Uma boa hipótese de trabalho seria que uma maneira de

produzir mercados estáveis é fazer com que o Estado intervenha a fim de restringir a

concorrência. Essa é uma estratégia "normal" da empresa.

Uma importante dimensão do envolvimento do Estado nos mercados é

capturada pela distinção entre intervenção direta e regulação. Os Estados

intervencionistas (por exemplo, França) se envolvem na tomada de decisões

substantivas em vários mercados. Podem possuir empresas, direcionar o

investimento e regular intensamente a entrada, a saída e a competição nos

mercados. Já os Estados reguladores (por exemplo, Estados Unidos) criam

agências para fazer cumprir as regras gerais nos mercados, mas não decidem quem

pode possuir o quê e como os investimentos são feitos. Ambas as estratégias de

intervenção podem ser capturadas pelas empresas. Os Estados podem,

8 Essa perspectiva não implica que o Estado seja determinante para cada processo econômico.

Mesmo em sociedades onde o Estado possui um histórico de intervenção, o envolvimento é variável, bem como seus eleitos. O papel do Estado depende de qual mercado está sendo discutido e das condições nele correntes ou em outros relacionados.

Page 12: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

intencionalmente ou não, modificar o status quo de um dado mercado ao mudar

suas regras.

Sugiro a seguir, algumas proposições sobre a interação entre Estado e outros

grupos sociais organizados sob diferentes condições sociais. Essas proposições

implicam agendas de pesquisa que foram apenas parcialmente exploradas.

1ª proposição: A entrada de países na ordem capitalista força os Estados a

desenvolver regras de direito de propriedade, estruturas de governança e regras de

troca para estabilizar o mercado para as empresas maiores.

O ritmo da inserção dos países na ordem capitalista teve um grande efeito

nas trajetórias das sociedades (Westney, 1980; Chandler, 1990; Fligstein, 1990;

Dobbin, 1994). Para os países que estão ainda estabelecendo mercados

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capitalistas modernos, a criação de concepções de controle estáveis torna-se mais

difícil visto que os direitos de propriedade, as estruturas de governança e as regras

de troca ainda não se encontram bem especificadas. As empresas ficam expostas

aos riscos da concorrência predatória e demandam que o Estado estabeleça regras

sobre os direitos de propriedade, estruturas de governança e regras de troca. Criar

estas instituições requer a interação das empresas, dos partidos políticos, Estados e

concepções novas de regulação.

2ª proposição: As instituições reguladoras iniciais dão forma ao desenvolvimento de

novos mercados porque produzem um padrão cultural que afeta a forma de

organização.

A forma dessas instituições reguladoras iniciais produz um efeito profundo no

desenvolvimento capitalista subsequente. De fato, qualquer novo mercado assim o

faz sob um dado conjunto de instituições. Pode-se observar que conforme os países

sé industrializam, a demanda por leis e acordos asseguráveis é alta e que, uma vez

produzidos, tornam-se estáveis e a demanda por leis diminui.

Novas regras são criadas no contexto das antigas conforme novas indústrias

emergem ou antigas se transformam. Dobbin (1994) afirmou que as sociedades

criam "estilos regulatórios", estilos estes que estão inseridos nas organizações

Page 13: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

regulatórias e nos estatutos que Ihes dão sustentação. As novas regras seguem os

contornos elas antigas. O Estado é muitas vezes o foco das crises do mercado,

porém os atores continuam usando um conjunto de leis e práticas existentes para

resolvê-Ias.

3ª proposição: Os atores do Estado estão sempre se defrontando com alguma crise

no mercado. Isto se dá porque o mercado está sempre sendo organizado ou

desestabilizado, e as empresas pressionam sempre por uma intervenção estatal.

Em tempos normais, a mudança no mercado é paulatina e depende da

construção de interesses dos atores dentro e em torno do Estado9. Ter regras

estáveis é com frequência mais importante do que o próprio conteúdo das leis.

Entretanto, as regras de fato incorporam os interesses dos grupos dominantes, e os

atores do Estado não transformarão as regras intencionalmente ao menos que os

grupos dominantes estejam em crise. Por seu papel central na criação e

manutenção das instituições de mercado, o Estado se tornará o foco da crise em

qualquer mercado importante. Devido ao tumulto constante inerente aos mercados,

pode-se esperar que o Estado esteja constantemente esperando algum tipo de crise

do mercado.

35

A pressão nos Estados pode ter origem em duas fontes: outros Estados (e,

consequentemente, de suas empresas) e mercados existentes que podem ser

construídos localmente (dentro da geografia do Estado) ou globalmente (através dos

Estados). Conforme vem crescendo a interdependência econômica entre os

Estados, houve uma explosão de acordos entre eles sobre direitos de propriedade,

estruturas de governança e regras de troca.

4ª proposição: As leis e práticas aceitas refletem frequentemente os interesses das

forças mais organizadas na sociedade. Esses grupos apoiam uma transformação

9 O propósito aqui não é desenvolver uma teoria das formas do Estado, mas apenas apontar sua

influência potencial sobre a formação dos mercados através de seu poder para fazer as regras que governam todas as formas de atividade social numa dada área geográfica.

Page 14: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

profunda das instituições apenas em circunstâncias de crise como guerra,

depressão ou colapso do Estado.

A possibilidade de transformação ocorre quando as regras falham na

economia em geral. As guerras, a depressão e uma possível competição econômica

internacional podem minar os amplos acordos da sociedade. As grandes crises

econômicas produzirão demandas políticas por mudanças nas regras.

Essas proposições iluminam os tipos de problemas com que se confrontam os

países de capitalismo tardio no leste europeu. A existência de uma organização

internacional dos mercados significa que as empresas atuando em mercados

produtores desenvolvidos tendem a invadir essas sociedades e assumir os

mercados produtores locais. Além disso, existem poucas instituições de mercado

como direitos de propriedade, estruturas de governança ou regras de troca para

guiar os atores em novas empresas (Stark, 1992, 1996; Burawoy e Krotov, 1992).

É interessante considerar o caso da Hungria. Stark (1992, 1996) descobriu

que neste país os atores de Estado transformaram estatais em corporações. O

governo detém um volume de ações nessas corporações, embora o controle

aparentemente tenha sido entregue aos seus dirigentes. Eventualmente, os atores

de Estado parecem dispostos a vender as empresas aos grupos privados.

Desenvolveram-se padrões complicados de participação acionária pelos quais o

Estado passou a deter o poder total sobre algumas empresas e parcial sobre outras.

O que é particularmente interessante é a forma como os dirigentes responderam ao

problema da concorrência.

Stark (1996) dá conta de que os gerentes reorganizaram as empresas criando

estruturas complexas nas quais as maiores incorporam as menores, através de

participação acionária. As empresas lançaram mão de duas táticas. Primeiro,

obtiveram participação majoritária em empresas de produtos similares, e tentaram

controlar tanto os insumos quanto a produção. Em segundo, grupos de empresas

com produtos relacionados ou não, se juntaram. Estas duas táticas, integração e

diversificação, foram mencionadas anteriormente como sendo usadas pelas

empresas para evitar a concorrência direta.

Alguns problemas foram gerados por esta combinação particular entre direitos

de propriedade e concepções de controle nascentes. Os atores de

36

Page 15: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Estado recentemente forçaram a adoção de padrões ocidentais de contabilidade

para atrair o investimento ocidental, o que acarretou várias falências (Stark, 1996).

Como resultado, o Estado é pressionado a amparar as empresas. Além disso, o

Estado é um acionista, e ao tornar a sua situação financeira mais precária, fica mais

difícil apelar aos investidores ocidentais. Não está claro se a integração e a

diversificação produzirão resultados estáveis. O problema é que essas estratégias

talvez possam não ser capazes de fazer frente à invasão de empresas ocidentais,

particularmente devido aos problemas financeiros que enfrentam.

Embora minha abordagem não permita antecipar como será o desfecho

dessas transformações no leste europeu, ela pode sugerir como esses processos

devem ser analisados. Pode-se começar pela localização de um conjunto de

mudanças nas políticas referentes aos direitos de propriedade, nas estruturas de

governança ou nas regras de troca e, posteriormente, descobrir como essas

políticas reestruturam as relações sociais nos mercados. Isso incluiria detectar as

concepções de controle emergentes e se elas produzem ou não resultados

satisfatórios para as empresas. Se as empresas fracassarem, haverá demandas por

novas mudanças institucionais.

Uma provável objeção ao meu enfoque sobre o Estado é que ele deixa de

lado o fato de que a economia mundial é agora verdadeiramente global. Acredito

porém que esta abordagem centrada no Estado é bastante útil à análise dos

chamados mercados globais. Um mercado é "globalizado" caso haja um pequeno

número de participantes que se conheça e opere através dos países com uma

concepção de controle comum. As empresas produtoras de automóveis,

computadores, softwares e as farmacêuticas talvez se encaixem nessa definição. A

emergência desses mercados depende da cooperação entre empresas e Estado

para produzir regras de troca e fornecer garantias de que as empresas possam

competir e extrair lucros.

Uma hipótese é a de que o aumento no comércio mundial produz uma

demanda por mais acordos desse tipo, e por uma maior extensibilidade desses

acordos. A União Europeia, o NAFTA e o recente GATI podem ser analisados de

acordo com o fato de eles levarem em consideração ou não questões sobre direitos

de propriedade, estruturas de governança e regras de troca. Eles também podem

ser divididos em setores que envolvem ou não exportadores, para ver se as regras

Page 16: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

tendem a dizer respeito mais ou menos exclusivamente a esses setores (Fligstein e

Mara-Drita, 1996).

Uma arena onde não ocorreram acordos é a da criação de um mercado

mundial de controle corporativo. É muito difícil engajar-se em aquisições hostis em

qualquer sociedade, à exceção dos EUA e da Grã-Bretanha. Sugeri anteriormente

que os direitos de propriedade encontram-se no cerne das relações

37

entre as elites nacionais e o Estado. A maior parte das elites nacionais resistiram a

ter seus direitos de propriedade transferidos àqueles capazes de fazer as melhores

ofertas, já que elas perderiam poder. O Estado permanece sendo um player na

criação da economia global porque suas elites dependem dele para preservar seu

poder e garantir a entrada nos mercados globais.

O problema da mudança e da estabilidade nos mercados

Existem três fases no processo de formação dos mercados: emergência,

estabilidade e crise10. Minha preocupação é especificar a forma como as percepções

dos atores sobre a estrutura social corrente afeta as táticas que eles usam em busca

da estabilidade para suas empresas. É aqui que entra em jogo a segunda parte da

minha metáfora do "mercado como política".

Em qualquer mercado, os participantes podem ser distinguidos de acordo

com o seu tamanho em relação aos seus mercados. As empresas maiores

controlam mais os recursos externos do que as menores, incluindo a fixação de

preços dos fornecedores, apoio financeiro e legitimidade. Além disso, podem exercer

controle sobre as principais tecnologias ou sobre clientes importantes (Pfeffer e

Salancik, 1978; Burt, 1983). Como resultado, faz sentido diferenciar os participantes

do mercado como estabelecidos e desafiadores (Garnbson, 1975). As empresas

estabelecidas são grandes e seus atores conhecem seus principais concorrentes,

estruturando suas ações de acordo com outros grandes concorrentes. As empresas 10

Minha visão do mercado aproxima-se da ideia de campos organizacionais, na qual um mercado consiste de empresas que orientam suas ações reciprocamente (DiMaggio e Powell, 1983). Elaborei essa visão considerando como os mercados são construídos e o papel desempenhado pelas concepções de controle e pela política nesse processo.

Page 17: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

desafiadoras são menores e estruturam suas ações baseadas nas maiores,

enfrentando, porém, o mundo como algo dado e que está fora de seu controle.

As diferentes condições da estabilidade no mercado produzem diferentes

tipos de política. Um mercado estável é aquele no qual as identidades e a hierarquia

de status das empresas (estabelecidas e desafiadoras) são bem conhecidas e a

concepção de controle que guia os atores que a conduzem. As empresas se

parecem em suas táticas e estrutura organizacional. A política reproduzirá a posição

dos grupos que exercerem a liderança.

Nos novos mercados, a política se assemelha a movimentos sociais. Os

atores em diferentes empresas tentam convencer as demais a concordarem com

sua concepção de mercado. Se forem poderosos o bastante, tentarão impor seu

ponto de vista. Caso haja diferentes empresas de tamanhos equivalentes, tornam-se

possíveis alianças em torno das concepções de controle.

38

As concepções de controle podem vir a se tornar acordos políticos que trazem

estabilidade de mercado às empresas.

Os mercados em crise são susceptíveis a transformações. Em raras ocasiões,

a reivindicação por mudanças pode partir das próprias empresas em - um mercado.

Com mais frequência, as empresas invadem o mercado e transformam a concepção

de controle. Isso se assemelha a um movimento social no sentido de que as

empresas invasoras tentam estabelecer uma nova concepção de controle e, ao fazê-

lo, provavelmente buscam alianças com alguns dos desafiadores ou dos

estabelecidos existentes.

O período mais fluido em um mercado se dá durante a sua emergência. Os

papéis dos desafiadores e dos estabelecidos ainda não foram definidos e não há um

conjunto de relações sociais aceito. É útil explorar a metáfora de um movimento

social e sua aplicação para um mercado emergente. A habilidade dos grupos num

movimento social em atingir o sucesso, depende de fatores similares àqueles das

empresas tentando produzir um mercado estável: o tamanho dos grupos, seus

recursos, a existência de uma oportunidade política para agir, atores de Estado

dispostos a negociar e a habilidade em construir uma coalizão política em tomo de

uma identidade coletiva (Snow et 'aI., 1986; McAdam, 1982; Tarrow, 1994).

Page 18: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Um novo mercado proporciona o crescimento de novas empresas, bem como

a entrada daquelas operando em outros mercados, da mesma forma que uma

oportunidade política cria novas organizações de movimento social. As empresas

tentam aproveitar-se de um mercado do mesmo modo que os movimentos sociais

tentam aproveitar-se de uma oportunidade política. Em um novo mercado, a

situação é fluida e Caracterizada por múltiplas concepções de controle propostas

pelos atores de várias empresas. Um mercado estável requer a construção de uma

concepção de controle que promova formas não predatórias de concorrência com a

qual todos possam lidar e sejam aceitas pelos atores de Estado. Uma concepção de

controle opera como um tipo de identidade coletiva com a qual muitos grupos podem

identificar- se para que se produza um mercado bem-sucedido.

5ª proposição: Na fase inicial de um novo mercado, as maiores empresas são as

que mais provavelmente poderão criar uma concepção de controle e uma coalizão

política para controlar a concorrência.

Na organização de um mercado todas as relações interorganizacionais têm

que ser construídas. Os mercados são o resultado de um projeto e

institucionalização que é o equivalente à descoberta de uma concepção de controle

(DiMaggio, 1998). Neste sentido, os mercados são construções sociais. Fazer com

que estes projetos institucionais sejam bem-sucedidos é um projeto inerentemente

político. Os atores precisam encontrar concepções de

39

controle para sinalizar suas intenções a outras empresas no momento da formação

do mercado. Pode-se prever que em um mercado emergente, as maiores empresas,

devido às vantagens implicadas em seu porte, criem uma concepção de controle e

convençam as demais à concordância.

6ª proposição: As lutas de poder internas às empresas se dão em torno de quem

pode resolver o problema da melhor forma de organizá-Ias para dar conta da

concorrência. Os vencedores da luta vão impor sua cultura e projeto organizacional

sobre a empresa.

Page 19: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

A luta de poder interna depende de os atores proporem concepções de

controle coerentes que possam impor aos demais membros da empresa. É provável

que esta luta seja mais intensa durante a emergência dos mercados. Grupos

diferentes acreditam possuir a solução do problema de como organizar a empresa

para melhor lidar com a concorrência. Os atores que ganham, impõem seu projeto e

cultura organizacional sobre a empresa. A definição sobre a estrutura interna da

empresa e quem a controla, resulta da concepção de controle que lida com o

problema da concorrência no mercado. As concepções de controle estão disponíveis

para as demais e ajudam a produzir uma hierarquia de status das empresas estável.

7ª proposição: Através de ações intencionais e não-intencionais, o Estado pode levar

as empresas a agirem no sentido de criar concepções estáveis de controle.

Todas as concepções de controle são construídas em torno de acordos

correntes a respeito do que seja um comportamento legal e ilegal de mercado. As

empresas evitam concepções de controle ilegais, mas ocasionalmente se vêm

examinadas de forma minuciosa por fiscais do governo. Com mais frequência, a

regulação estatal das atividades econômicas muda o equilíbrio de poder em um

mercado, distanciando-o de uma concepção de controle e aproximando-o de outra.

Isso ocorre em mercados regulados como os de medicamentos, alimentos,

telecomunicações, serviços públicos, bancos e mídia.

8ª proposição: A “responsabilidade da inovação" em um novo mercado reflete, em

parte, a falta de estrutura social ou concepção de controle do mercado (ou seja,

reflete a incapacidade dos participantes de controlar a concorrência).

É durante a emergência dos mercados que a concorrência e o mecanismo de

preços se afinam. Sem uma concepção de controle estabelecida para estrutura

formas não-predatórias de concorrência, o preço tem seu efeito mais forte

(Stinchcombe, 1965; Hannan e Freemar, 1977). Há uma tendência por a culpa do

fracasso nos negócios na falta de recursos ou na incapacidade dos gerentes em

construir organizações que entreguem produtos de maneira confiável. Eu defendo

que parte do que está acontecendo se deve

40

Page 20: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

à falta de uma estrutura social que controle a competição. Os mercados nos quais

nunca emerge uma concepção e controle continuam a ter uma taxa relativamente

alta de falências, enquanto os que são capazes de produzir concepções de controle,

estabilizam-se com taxas baixas de falência.

9ª proposição: Os novos mercados tomam emprestadas concepções de controle de

mercados vizinhos, particularmente quando as empresas de outros mercados

escolhem entrar no novo mercado.

Os novos mercados nascem socialmente próximos dos preexistentes.

Primeiramente, argumentei que a diversificação de produtos é uma forma de

produzir empresas mais estáveis. Entrar em novos mercados não requer o confronto

com interesses estabelecidos e não ameaça diretamente a estabilidade da empresa.

Se os novos mercados tiverem êxito, então a estabilidade da empresa é aumentada.

A diferenciação e criação de novos produtos é mais frequentemente um subproduto

de produtos existentes. O início de um novo mercado não é fortuito, mas sim

definido pelas concepções de controle existentes, pelas concepções legais de

propriedade e concorrência e pela organização de mercados correlatos existentes.

É útil considerar alguns exemplos a fim de ilustrar esses princípios. A criação

da indústria de aço dos EUA é um caso claro de empresas lutando para criar uma

estrutura social que controle a competição11. No século XIX, a indústria de aço foi

suscetível a enormes oscilações de preço devido ao seu papel na construção de

estradas e na criação de negócios. Essas oscilações de preço eram devastadoras

para as empresas industriais, pois estas haviam investido uma grande quantidade

de capital fixo. Houve, assim, um grande incentivo para achar mecanismos legais

para a estabilização de preços (Hogan, 1970).

O problema básico para a indústria do aço foi descobrir uma concepção de

controle que desse conta da concorrência já que os cartéis e monopólios eram

ilegais nos Estados Unidos (Thorelli, 1955). A escolha remanescente era integrar as

11

Não quero dizer que os mercados e as indústrias são a mesma coisa. Os mercados envolvem compradores e vendedores de uma mercadoria, enquanto as indústrias referem-se a produtores de mercadorias similares. Outra questão é que grande parte das empresas participa de muitos mercados. Por exemplo, há um número de mercados onde o aço é vendido. As empresas que o produzem frequentemente vendem para mercados diferentes. É mister falar da Indústria de aço, pois o produto básico é similar em todo o mercado (apesar de variar a sua finalidade, ou seja, estradas, automóveis, pontes) e os participantes nesses mercados levam em conta as ações uns dos outros. A dinâmica geral abstrata discutida dentro dos mercados pode ser desenvolvida através dos produtores de algum produto ou conjunto de produtos relacionados.

Page 21: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

empresas para controlar o mercado. Neste Caso, minha proposição de que as

maiores empresas no mercado são aquelas que lideram tais esforços, é

historicamente precisa (Hogan, 1970).

41

Durante o movimento de fusões na virada do século XIX para o XX, a maior

corporação Industrial do mundo surgiu a U. S. Steel Corporation que controlava a

entrada de investimentos na produção do aço, bem como as divisões que

fabricavam produtos para cada segmento do mercado. A companhia detinha mais de

65% das reservas de minério de ferro da indústria (Hogan, 1970). Apesar de ocupar

uma posição forte, a empresa confrontou- se com oscilações violentas na demanda

pelo produto e com preços instáveis ao longo do século XX. Enfrentou um dilema ao

procurar garantir sua posição contra seus concorrentes. Se a empresa perseguisse

vigorosamente a redução de preços para ganhar o monopólio sobre a indústria, ver-

se-ia alvo das autoridades antitruste; se nada fizesse, teria ameaçado seu alto

investimento.

A U. S. Steel começou a buscar uma alternativa tática. Anunciou seu

calendário de preços e de produção e os defendeu diminuindo a produção quando

em face de concorrentes agressivos (Fligstein, 1990). A U. S. Steel tentou convencer

as demais empresas a concordar com seus preços ameaçando usar seu controle

sobre os investimentos e sua alta capacidade de produção. Caso todos se

comportassem de maneira razoável, poderia haver alguma estabilidade de preços,

estratégia que funcionou de 1904 até a crise de 1929 (Kolko, 1963).

A estratégia da U. S. Steel de integrar à produção, estabelecer preços e

desafiar os concorrentes a vender por menos, foi ratificada como uma forma legal de

controlar a competição quando a empresa ganhou a ação judicial de antitruste em

1920. Essa concepção de controle difundiu-se à maneira de um movimento social

durante o período de fusões dos anos 20, quando as estruturas de oligopólio

emergiram no núcleo das indústrias de petróleo e metalurgia (Eis, 1978). Essa

estrutura provou- se duradoura na indústria de aço dos Estados Unidos, tendo

permanecido até a década de 1960 (Hogan, 1970).

É válido examinar uma indústria emergente na qual ainda não haja uma

concepção de controle e aplicar a perspectiva aqui discutida a fim de prever um

resultado. A indústria de biotecnologia surgiu a partir de tecnologias comuns

Page 22: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

desenvolvidas em importantes universidades. Para descobrir quais concepções de

controle são candidatas a organizar a indústria, pode-se questionar: "que problema

de concorrência um estrutura social precisaria resolver?" Uma forma de controlar a

concorrência são as leis de patente. As empresas que descobrirem um produto

primeiro, podem receber pagamentos relativos aos direitos de patente, evitando,

assim, a concorrência. O importante é encontrar novos produtos que possam ser

patenteados. Duas concepções de controle em disputa podem ser identificadas para

se obter vantagem das leis de patente.

Powell e Brantley (1992) argumentaram que o grande problema para as

empresas de biotecnologia é controlar o fluxo de cientistas que possuem

42

conhecimento sobre os produtos. Eles veem a organização em rede como uma

concepção de controle estável porque implica um compromisso político no qual os

cientistas podem deixar a empresa com conhecimentos de produtos. Por sua vez, as

empresas possuem amplos laços organizacionais para que não venham a depender

de apenas um ou dois cientistas em termos de informação ou produção. Se os

acordos que uma empresa tem com outras são alianças, então o colapso de

qualquer uma dessas alianças não conduzirá necessariamente ao colapso de uma

dada empresa, seja por recusar seus produtos, seja por negar informação. Se um

dado cientista abandonar a empresa, esta provavelmente terá outros cientistas ou

outras alianças que poderão suprir a falta. Com isto, uma empresa em rede

orientada para produzir patentes para controlar a concorrência pode se provar

estável.

Duas outras características da industria biotecnológica implicam uma

concepção de controle alternativa (Barley, Freeman e Hybels, 1992; Powell e

Brantley, 1992). A maior parte dos produtos desta indústria deve ser submetida a

longos testes realizados pela FDA (Food and Drugs Administration). As empresas

precisam de dinheiro para sobreviver durante este período de testes antes de levar

os produtos ao mercado. Dessa maneira, o Estado, através da regulação do

mercado feita pela FDA, modifica as condições de concorrência desde o momento

da descoberta de novos produtos até a capacidade de sobreviver ao processo de

aprovação. Uma vez passada a fase de testes, as empresas terão que produzir de

Page 23: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

forma segura, comercializar e distribuir o produto, o que cria uma segunda arena de

concorrência que depende das habilidades de produção e comercialização.

Esses dois problemas de concorrência implicam o aparecimento de uma

concepção de controle diferente. Sugeri anteriormente que os mercados vizinhos

são fontes de concepções de controle. A indústria farmacêutica possui uma ampla

experiência com o mesmo processo de teste e produção usado pela indústria

biotecnológica, e ela se constituiu a partir da criação, produção e controle de

medicamentos. Prevejo que, enquanto sobreviver o processo de testes, produzir e

comercializar o produto, são aspectos determinantes, as empresas de biotecnologia

serão tentadas a formar alianças com a indústria farmacêutica. Além disso, as

empresas da indústria farmacêutica tenderiam a comprar as empresas de

biotecnologia melhor sucedidas. A concepção de controle das empresas

farmacêuticas (integradas, que produzem remédios com monopólio sobre direitos de

patente para eliminar a concorrência de forma a recuperar o custo de produção do

medicamento) seria a dominante.

Poderia emergir uma forma mais híbrida com foco na manutenção das

organizações em rede e separando a descoberta de produtos da produção e

distribuição destes. Isso traz vantagens tanto para a indústria farmacêutica,

43

quanto para empresas de biotecnologia. Estas últimas detêm algum controle,

enquanto a primeiras diminuem seus riscos.

Há evidências de que as três concepções de controle são praticadas (Barley

et. aI., 1992; Powell e Brantley, 1992). A discussão anterior poderia prever como

resultado mais provável uma fusão entre as duas indústrias, através da qual grandes

companhias biotecnológicas tomar-se-iam em empresas produtoras de

medicamentos ou divisões estas. As empresas a indústria farmacêutica são os

principais players no mercado; a sua concepção de controle resolve os problemas

de concorrência no setor; elas já haviam negociado a legitimidade dessa solução

com o Estado. O problema de controlar a deserção de cientistas seria mais efêmero

se comparado à necessidade de solucionar o problema envolvido no processo de

regularização da patente dos produtos.

Page 24: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

10ª proposição: Nos mercados com concepções de controle estáveis, há um amplo

acordo por parte de seus integrantes no que se refere à concepção de controle e à

hierarquia de status, bem como às estratégias envolvidas.

Os papéis dos estabelecidos e desafiadores estarão definidos, uma vez que

um mercado estável apareça e a estrutura de poder do mercado se torne aparente.

Os atores nas empresas por todo o mercado serão capazes de dizer aos

observadores quem ocupa qual posição e quais são suas táticas centrais. Serão

capazes de tornar suas ações contingentes em relação à sua interpretação destas

táticas .

11ª proposição: As empresas estabelecidas observam as ações de outras empresas

estabelecidas, e não as empresas desafiadoras, enquanto as empresas

desafiadoras observam o comportamento das empresas estabelecidas. Um mundo

estável depende das relações sociais entre as maiores empresas. Na maior parte

das vezes, os principais players em geral ignorarão as organizações desafiadoras,

uma vez que estas oferecem pouca ameaça à estabilidade total do mercado. Se

estas organizações vingarem e começarem a desafiar a ordem existente, as

organizações estabelecidas as enfrentarão e tentarão reforçar a concepção de

controle em vigor.

12ª proposição: As empresas em mercados estáveis continuam usando a concepção

de controle vigente, mesmo quando confrontadas com ataques da concorrência ou

crises econômicas gerais.

A força principal que mantém um mercado coeso por um período de tempo é

a habilidade das empresas estabelecidas em continuar assegurando uma

concepção de controle vis-à-vis as demais. As estabelecidas estão constantemente

tentando tomar as fatias de mercado das demais (e também das desafiadoras), mas

evitam um confronto direto que possa provocar a ruína de todas. Essas ações serão

guiadas pela concepção de controle existente (ou seja, a concepção do que constitui

uma ação razoável). Isso requer que os

44

Page 25: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

atores estruturem a ação para suas empresas na disputa com a concorrência e

tenham recursos (poder) para fazer com que isso perdure. Conhecem a identidade

das empresas importantes no mercado, tentam atribuir sentido à ação destas, e

respondem a elas.

Isso explica a estabilidade relativa de mercados estabelecidos, tanto no que

diz respeito à identidade dos participantes, quanto às suas táticas. Produzir uma

ordem estável que permita a sobrevivência das empresas, constitui problema

relativamente difícil. Uma vez alcançada a estabilidade, os atores nas empresas

evitam engajar-se em ações que possam minar-lhes a posição. Se os desafiadores

modificam as táticas ou se empresas invasoras aparecem no mercado, as em

presas estabelecidas continuam a engajar-se nos mesmos tipos de ações que

produziram a ordem estável em primeiro lugar. As empresas estabelecidas podem

permitir alguma redefinição de quem é estabelecido e de quem é desafiador, mas

elas permanecerão comprometidas com a concepção de controle total que diminui a

concorrência. Pôr fim à ordem estável poderia trazer potencialmente mais caos do

que assegurar a forma "como as coisas são feitas". Os atores também são

cognitivamente limitados pela concepção de controle. Suas análises de uma crise

serão estruturadas pela concepção de controle vigente, e suas tentativas de aliviar a

crise serão baseadas na aplicação da "sabedoria convencional".

O caso do modelo japonês de empresa keiretsu ilustra como uma concepção

de controle estável resistiu a sobressaltos políticos e econômicos. O keiretsu é uma

espécie de conjunto de famílias de empresas em indústrias diferentes que dividem

laços de propriedade. A estrutura geral do keiretsu pretende cimentar

interdependências importantes e permitir aos seus vários membros sobreviver a

crises econômicas. Frequentemente os bancos são o centro do keiretsu e funcionam

como um mercado de capital interno para as empresas.

O keiretsu mostra um alto crescimento, alto investimento e um lucro

relativamente baixo, mas estável (Aoki, 1988). Nas crises econômicas, as estruturas

do tipo keiretsu permitem aos trabalhadores a transferência através das empresas,

ao invés de serem demitidos (lincoln, Gerlach e Takehashi, 1992), o que exerce uma

pressão para baixo nos lucros, mas assegura a lealdade do empregado. Quando as

empresas participantes da estrutura enfrentam problemas econômicos, os diretores

em outras respondem ajudando a reorganizar aquelas que enfrentam problemas

(Gerlach, 1992).

Page 26: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

Os keiretsu surgiram após a Segunda Guerra Mundial, com a reforma dos

conglomerados econômicos anteriores ao conflito (zaibatsu), controlados por

famílias. Os zaibatsu foram quebrados durante a ocupação norte-americana, mas

começaram lento e gradual processo de reforma (Hadley, 1970). Desde a Segunda

Guerra Mundial, foram incentivados por atores do Estado a entrar em novos

mercados, mostrando-se competentes na fabricação de novos produtos (Johnson,

1981).

45

A estrutura dos keiretsu contém empresas com atividades que abrangem um

Iargo espectro de Indústrias e mercados. A estrutura dos keiretsu, como uma

concepção de controle, não controla diretamente a concorrência num dado mercado.

Sua vantagem é a maneira pela qual estabiliza a concorrência através dos

mercados. Notou-se que em determinados mercados de produto, as empresas de

diferentes keiretsu concorrem vigorosamente (Aoki, 1988).

A estrutura dos keiretsu opera para atenuar a concorrência de várias formas.

Em primeiro lugar, as empresas tendem a comprar bens e serviços no interior do

keiretsu, o que significa que alguns mercados são cativos e a concorrência de

preços se mantém baixa. Em segundo lugar, se uma dada empresa enfrenta uma

crise econômica, as outras tentarão apoiá-Ia. Expertise administrativa, capital e

habilidade em alocar os trabalhadores em outras empresas durante os períodos de

depressão econômica, são fatores que atenuam a concorrência a curto prazo. Em

terceiro lugar, a ênfase na divisão do mercado significa que as empresas investem a

longo prazo e as expectativas de lucro a curto prazo não são altas. O que dá aos

gerentes espaço para negociar em condições competitivas. Em quarto lugar, devido

às relações de propriedade entre empresas e bancos, o custo do capital tende a ser

menor12. Pode-se perceber a conexão íntima entre o problema implicado na

necessidade de tentar controlar a concorrência externa e o trabalho da organização

social interna que a solução desse problema acarreta.

Recentemente, duas forças começaram a pressionar os keiretsu. Primeiro, o

governo norte-americano forçou a abertura do mercado japonês, em parte contra as

12

Para uma revisão da literatura, ver Gerlach, 1992.

Page 27: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

estruturas de keiretsu (Gerlach, 1992). Os Estados Unidos queriam quebrar os

acordos em torno dos keiretsu, assim como exigiam que o Japão abrisse seus

mercados financeiros e permitisse o desenvolvimento de um mercado de controle

corporativo. Segundo, a crise econômica do início da década de 90 pressionou o

sistema permanente de emprego do keiretsu, tornando-se mais difícil remanejar os

trabalhadores para outras empresas. Os dirigentes dos keiretsu foram capazes de

usar métodos tradicionais para enfrentar esses ataques. Estavam suficientemente

interligados politicamente para enfrentar as reformas dentro do Japão e

economicamente aptos a suportar uma longa recessão (Gerlach, 1992).

13ª proposição: A crise do mercado é observada quando as organizações

estabelecidas começam a falhar.

As crises do mercado aparecem quando as maiores empresas são incapazes

de se reproduzir ao longo do tempo, o que pode ser causado por três tipos de

eventos: (1) a diminuição da demanda pelos produtos da empresa

46

pode resultar de condições econômicas desfavoráveis ou de mudança nas

preferências dos compradores. (2) uma invasão por outras empresas pode

atrapalhar a concepção de controle e introduzir procedimentos que forcem a

reorganização do mercado ou (3) o Estado pode minar o mercado, intencionalmente

ou não, ao mudar suas regras.

Os estabelecidos raramente tornam-se inovadores porque estão sempre

ocupados em defender o status quo; a transformação do mercado é precipitada

pelas empresas invasoras. A reorganização de um mercado em torno de uma nova

concepção de controle se assemelha a um movimento social como o que ocorre

durante a formação dos mercados. As empresas invasoras podem formar alianças

com as já existentes em torno da nova concepção de controle, ou chegarem a um

meio termo acerca da concepção de controle, o que torna a reorganização dos

mercados mais previsível do que durante a formação do mercado13.

13

As organizações invasoras, ou novas ações pelas organizações desafiadoras, não necessariamente produzem uma nova concepção de controle. As ações podem ser orientadas no sentido de mudar as identidades dos desafiadores e estabelecidos dentro do mercado, preservando

Page 28: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

14ª proposição: A transformação dos mercados existentes resulta de forças

exógenas: invasão, crise econômica ou intervenção política por parte do Estado.

Uma das principais características da sociedade capitalista é a interação

dinâmica dos mercados através da qual alguns emergem, outros se estabilizam e

outros ainda se encontram em crise e sofrendo transformação. Proponho uma teoria

exógena da transformação do mercado que percebe a causa básica de mudanças

nas estruturas do mercado como resultado de forças alheias ao controle dos

produtores, devido tanto a mudanças na demanda, invasão por outras empresas,

quanto a ações do Estado. As empresas estabelecidas responderão a essas forças

desestabilizadoras tentando reforçar o status quo. Os mercados são conectados de

amplas e variadas formas. As empresas dependem de fornecedores, mercado de

capital, mercado de trabalho e clientes bem como do Estado para sua estabilidade.

Além isso, as forças de mercado e de Estado estão sempre interagindo, produzindo

assim problemas potenciais para uma concepção de controle existente num dado

mercado. As crises nas relações entre mercados podem minar os acordos existentes

ao ameaçar o bem-estar de todas as empresas, tanto ao negar recursos-chave ou

através da invasão direta de empresas de mercados próximos.

15ª proposição: Os invasores do mercado são mais provavelmente oriundos de

mercados próximos do que de distantes.

47

Esse argumento é paralelo àquele sobre a origem dos mercados. As

empresas buscam estabilidade ao procurar novos mercados. A invasão de um

mercado existente pode ocorrer de algumas formas. Primeiro, em mercados

intimamente relacionados, as empresas entram nos mercados existentes onde

podem introduzir, com êxito, uma nova concepção de controle para aumentar sua

vantagem. Segundo, as empresas podem entrar dentro de um mercado de um

assim as bases da ordem não-competitiva. Somente quando a situação é fluida (isto é, quando o mercado está em crise) é possível criar um "movimento social" em torno da nova concepção de controle.

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mesmo produto em áreas geográficas diferentes, minando assim a ordem estável

local.

16ª proposição: Quando empresas começam a fracassar, as lutas de poder internas

à organização ganham força, levando à maior mudança entre os dirigentes e a um

maior ativismo por parte dos diretores e acionistas. Novos grupos de atores

organizacionais tentam reconstruir a empresa de acordo com a linha dos

"invasores".

As concepções de controle são usadas pelos atores nas empresas

estabelecidas para evitar crises de mercado. A luta de poder interna à empresa

tomar-se-a mais intensa à medida que as crises do mercado se tornarem mais

evidentes e a concepção de controle dominante se provar inadequada para lidar

com a crise.

Considere-se o exemplo da transformação da concepção financeira de

controle como o principio orientador do mercado de controle corporativo nos EUA,

durante a década de 1980. Essa concepção dominou as ações de muitas grandes

empresas norte-americanas entre 1950 e 1970 (Fligstein, 1990), sustentando a ideia

de que elas eram compostas de bens que poderiam ser disponibilizados por seus

atores financeiros a fim de promover-lhes o crescimento. As principais táticas dessa

concepção eram o uso de ferramentas financeiras para controlar internamente a

performance das divisões e de fusões para comprar e vender divisões garantindo a

diversificação da empresa (Fligstein, 1990). Essas táticas resolveram os problemas

de concorrência das grandes empresas ao permitir que saíssem e entrassem nos

negócios e estabilizassem a estrutura corporativa geral. As empresas eram os atores

decisivos no mercado de controle corporativo na medida em que procuraram usar a

bolsa de valores para adicionar ou subtrair seus portfólios.

Que crise tornou essa concepção de controle inviável para as grandes

corporações? Os altos índices de inflação durante a década de 1970 significaram

que as taxas de juro eram altas, o preço das ações baixo e os valores dos bens

inflacionados, o que levou a um baixo retorno nos investimentos (Friedman, 1985). A

concepção financeira da empresa, com seu foco na lucratividade das linhas de

produtos e na diversificação do mercado, sugeriu que "bons" gerentes lidariam com

esses problemas, mantendo o débito baixo e financiando os investimentos com

dinheiro gerado internamente. O mercado de controle corporativo

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encontrava-se em crise porque os dirigentes não estavam reorganizando seus bens,

embora os lucros corporativos fossem baixos. Isto ofereceu aos atores uma nova

oportunidade de buscarem uma nova racionalidade para orientar a reorganização do

mercado de controle corporativo.

O que foi essa "nova" concepção de controle e quem eram seus

proponentes? Davis e Thompson (1994) argumentaram que a linguagem do

"shareholder value" e o discurso que culpava os gerentes por serem ineficazes,

disseminou-se entre os investidores institucionais à maneira de um movimento social

do começo da década de 1980. A estratégia financeira de não se desfazer dos bens

desvalorizados, financiar internamente os investimentos e manter o débito baixo, foi

vista como um problema. Esta linguagem aliou-se à "teoria da agência" proveniente

da economia (Jensen, 1989) para enfatizar que se os dirigentes não maximizassem

o valor acionário da empresa, deveriam ser substituídos por grupos que o fizessem.

Os investidores institucionais constituíam um grupo heterogêneo que incluía

banqueiros, representantes de fundos de pensão, fundos de investimento e

companhias de seguro. Eram oriundos de uma indústria intimamente relacionada, a

de serviços financeiros, e invadiram a seara dos dirigentes financeiros que

controlavam as maiores corporações norte-americanas. Seu objetivo era forçar

esses dirigentes a redistribuir o patrimônio na tentativa de refletir como a década de

1970 afetou o balanço geral das empresas. Estes investidores queriam dirigentes

para liquidar os bens super valorizados, assumir o débito para manter as empresas

disciplinadas e remover os níveis de gerência a fim de economizar dinheiro.

Também forçaram os dirigentes a concentrar suas atividades na compra de

concorrentes e na liquidação de seus bens mais diversificados (Davis, Diekmann e

Tinsley, 1994). Obviamente, beneficiaram-se ao gerar dinheiro, organizando e

executando fusões.

Pesquisas mostram que as empresas que foram alvo de fusões tenderam a

ignorar o processo de reorganização financeira destinado a aumentar o valor

acionário (Davis e Stout, 1992; Fligstein e Markowitz, 1993). Useem (1993) mostrou

como os gerentes adotaram esta linguagem e os comportamentos que ela

prescrevia. O movimento de fusão dos anos 80 se pareceu com um movimento

social pelo qual alguns executivos financeiros e os vários atores dentro da indústria

Page 31: FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política-cultural

de serviços financeiros descobriram uma linguagem comum e produziram uma

concepção de controle para reorganizar o mercado de controle corporativo.

O governo exerceu, ao mesmo tempo um papel direto e indireto. O governo

Reagan promoveu um grande corte nos impostos, produzindo um golpe de sorte

para as corporações norte-americanas no ano de 1981. Esperou que as empresas

reinvestissem o capital em novas máquinas e equipamentos,

49

mas, ao contrário, as empresas compraram outras empresas. Anunciou também que

não aplicaria de forma vigorosa as leis antitruste (Fligstein e Markowitz, 1993). Davis

e Stout (1992) argumentaram que o governo Reagan tornou-se um forte promotor da

concepção de controle baseada no shareholder value que se relaciona com a

concepção financeira da empresa, mas utiliza um discurso claro que reconhece

apenas os direitos de um grupo: o dos acionistas. Todas as outras questões estão

subordinadas à maximização do retorno dos acionistas. A atenção dos altos

dirigentes é focada na avaliação dos produtos de mercado, porém, o mais

importante é a forma como o mercado financeiro avalia o preço de suas ações.

Como esta nova concepção de controle afeta a competição no mercado de

controle corporativo? Se os gerentes se ativerem ao shareholder value num sentido

restrito, menos provavelmente serão alvos de fusões. Na medida em que o "jogo" é

evitar tornar-se objeto de aquisição (isto é, fusões), os dirigentes com um foco

restrito, provavelmente serão os controladores da empresa. Minha hipótese é que os

dirigentes que ganham a luta de poder interna são aqueles que podem reivindicar a

maximização do valor acionário. Esse processo explica a difusão dessas táticas para

a maior parte das grandes empresas durante os anos 80.

Conclusões

Os mercados são construções sociais que refletem a construção político-

cultural singular de suas empresas e nações. A criação dos mercados implica

soluções sociais aos problemas de direitos de propriedade, estrutura de governança,

concepções de controle e regras de troca. Há muitos caminhos para tais soluções e

cada um poderá promover, à sua maneira, a sobrevivência das empresas. Esbocei

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como Estado e mercado estão interconectados e quais ações produzem resultados

variados. Extraí princípios gerais pelos quais esses - resultados podem ser

entendidos. Relaciono este quadro de referência com as perspectivas correntes da

sociologia econômica, quais sejam: redes, ecologia populacional, teoria institucional

e o problema da construção da ação. Ao mesmo tempo em que essas perspectivas

diferem entre si, acredito que a abordagem político-cultural aqui desenvolvida é

capaz de unir muitas das características positivas de cada uma.

As perspectivas de rede foram usadas para documentar um grande número

de relações sociais nos mercados. Estas perspectivas interligaram a dependência de

recursos, a hierarquia de status, o mercado de ações, os canais de informação e as

relações de confiança. Argumentei que os mercados estáveis refletem hierarquias

de status que definem os papéis de estabelecidos e desafiadores, e também que os

líderes do mercado asseguram a ordem

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social do mercado e sinalizam como as crises devem ser tratadas. Essa estrutura

complexa de papéis nos mercados é operada através de redes. Minha visão dos

mercados leva em consideração os problemas de como o Estado interage com o

mercado para produzir normas gerais pelas quais as estruturas sociais podem ser

formadas. Isso também faz com que as estruturas de mercado sejam mais

facilmente observadas, que se leve em conta o papel das intenções dos atores na

produção das estruturas de mercado e dá mais sentido à maneira como as

empresas provavelmente se comportarão sob condições de mercado diferentes.

As abordagens ecológicas enfocaram o problema de como as empresas

estabelecem um nicho, a dinâmica populacional das empresas e o processo de

legitimação das empresas num nicho. Uma leitura política desses processos é

consistente com a abordagem desenvolvida neste artigo. A responsabilidade pela

inovação resulta, ao menos parcialmente, da falta de estrutura social num mercado e

da busca, à maneira de um movimento social, por tal estrutura. A legitimidade é

outorgada pelos Estados aos mercados. Um mercado "estável", segundo a teoria

ecológica, é aquele no qual a concepção de controle é partilhada. Assim como na

ecologia, a transformação dos mercados resulta de fontes externas de mudança.

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Muito da perspectiva aqui desenvolvida é latente nas teorias institucionalistas

e nas teorias organizacionais em que aquelas se baseiam. Minha abordagem enfoca

os processos políticos mais do que a maior parte das teorias institucionalistas, tanto

na estruturação formal das instituições pelo Estado, quanto na formação,

estabilidade e transformação dos mercados. Mas o objetivo da ação é construir

mercados estáveis, uma visão que adotei da teoria institucionalista e da

organizacional.

Tentei considerar seriamente o problema da agência e prever como as

escolhas dos atores dependem das estruturas de mercado e de conjuntos de

normas. Argumentei que o que está em jogo nessas escolhas, encontra-se mais

aberto à contestação em condições de mercado mais fluidas, e que a concepção de

ação robusta de Padgett e Ansell (1992) captura como os atores se aproveitam de

tais situações. Para isso, acrescentei a noção mais ampla de que concepções de

controle capturam um aspecto importante da forma como os atores estruturam a

ação uns em relação aos outros. As concepções de controle são estruturas

cognitivas partilhadas no interior e através de organizações que têm um profundo

efeito sobre o desenho organizacional e a concorrência.

A metáfora do "mercado como política" é o mote usado para unir tais ideias.

Mostrei como essa visão torna possível uma abordagem unificada para o estudo dos

mercados - uma abordagem que enfoca os processos políticos,

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a base das interações no mercado. Entretanto e por último, a utilidade de qualquer

metáfora está na pesquisa que gera e nos insights que cria.

Tradução de Fernanda Fonseca Monteiro

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