os impactos dos programas sociais sobre a … · a partir desses conceitos, rocha (1995:225)...

21
OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A SEGURANÇA ALIMENTAR HENRIQUE DANTAS NEDER; ROSANA RIBEIRO; ADIR APARECIDA JULIANO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLANDIA, UBERLANDIA, MG, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL REFORMA AGRÁRIA E OUTRAS POLÍTICAS DE REDUÇÃO DA POBREZA Os impactos dos programas sociais sobre a segurança alimentar Grupo de Pesquisa: 10- Reforma Agrária e Outras Políticas de Redução da Pobreza Resumo Neste trabalho avaliamos os impactos de um conjunto de programas de transferência de renda sobre indicadores de segurança alimentar a partir dos micro dados da PNAD- IBGE referentes ao ano de 2004. Para isto é utilizada o método do propensity score matching, frequentemente empregado na literatura de avaliação. Os resultados revelaram uma redução significativa somente para o indicador de fome grave atribuída a esses programas. Isto se deve aos restritos critérios de seleção de famílias estabelecidos pelo governo federal, baseados em linhas de pobreza e indigência muito reduzidas. Além disso, os programas não reduzem condições mais moderadas de insegurança alimentar. Na análise regional dos impactos verificou-se que somente para os municípios não auto-representativos (de menor dimensão populacional) ocorre diferença significativa para o indicador de fome grave. Conclui-se que os efeitos das políticas sociais de transferência de renda não são amplos para todo o território nacional, restringindo-se a áreas com maiores proporções e intensidades de pobreza e indigência. Abstract In this work we evaluate the impact of a set of transfer income programs on food security indicators, using PNAD-IBGE microdata refering to the year of 2004. For this is used the method of propensity score matching, frequently used in the evaluation literature. The results had disclosed that only for the serious hunger indicator a significant effect of reduction exists as result of the considered policies. This occurs 1

Upload: ledieu

Post on 18-Dec-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE ASEGURANÇA ALIMENTAR

HENRIQUE DANTAS NEDER; ROSANA RIBEIRO; ADIRAPARECIDA JULIANO.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLANDIA, UBERLANDIA,MG, BRASIL.

[email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL

REFORMA AGRÁRIA E OUTRAS POLÍTICAS DE REDUÇÃO DAPOBREZA

Os impactos dos programas sociais sobre a segurança alimentar

Grupo de Pesquisa: 10- Reforma Agrária e Outras Políticas de Redução daPobreza

ResumoNeste trabalho avaliamos os impactos de um conjunto de programas de transferência derenda sobre indicadores de segurança alimentar a partir dos micro dados da PNAD-IBGE referentes ao ano de 2004. Para isto é utilizada o método do propensity scorematching, frequentemente empregado na literatura de avaliação. Os resultadosrevelaram uma redução significativa somente para o indicador de fome grave atribuída aesses programas. Isto se deve aos restritos critérios de seleção de famílias estabelecidospelo governo federal, baseados em linhas de pobreza e indigência muito reduzidas.Além disso, os programas não reduzem condições mais moderadas de insegurançaalimentar. Na análise regional dos impactos verificou-se que somente para osmunicípios não auto-representativos (de menor dimensão populacional) ocorrediferença significativa para o indicador de fome grave. Conclui-se que os efeitos daspolíticas sociais de transferência de renda não são amplos para todo o territórionacional, restringindo-se a áreas com maiores proporções e intensidades de pobreza eindigência.

AbstractIn this work we evaluate the impact of a set of transfer income programs on foodsecurity indicators, using PNAD-IBGE microdata refering to the year of 2004. For thisis used the method of propensity score matching, frequently used in the evaluationliterature. The results had disclosed that only for the serious hunger indicator asignificant effect of reduction exists as result of the considered policies. This occurs

1

Page 2: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

due to the restricted criteria of household election established by the federalgovernment, based in lines of poverty and indigence very reduced. Moreover, theprograms do not reduce more moderate conditions of alimentary unreliability. In theregional analysis of the impacts it was verified that only for the not auto-representativemunicipalities (of lesser population dimension) significant difference for the serioushunger indicator occurs. One concludes that the effect of the social policies of incometransference are not ample for all the national territory, restricting it areas with biggerratios and intensities of poverty and indigence.

Key Words: pobreza, avaliação de políticas sociais, segurança alimentar,propensity score matching

1. Introdução Século XXI, e o Brasil ainda é uma das nações mais desiguais do mundo. Além

disso, no ano de 2004, nosso país teria aproximadamente 33% de pessoas pobres(Rocha, 2006a). A partir da década de 90, esse elevado número de pobres mobilizou asatenções dos governantes do executivo federal, estadual e municipal queimplementaram diversos programas de transferência de renda.

O debate acerca dos impactos desses programas se renova a partir de diversosestudos que analisam seus efeitos sobre o trabalho infantil, a freqüência escolar e aestrutura de consumo das famílias beneficiadas pelos programas. Contudo, restainvestigar os impactos desses programas sobre os indicadores de segurança alimentar.Neste trabalho, nos propomos a investigar esses efeitos nas famílias beneficiadas pelosseguintes programas de transferência de renda: Bolsa Família, Bolsa Escola, AuxílioGás, Fome Zero, PETI, Cartão Alimentação, Bolsa Alimentação, BPC-LOAS e outrosprogramas do governo federal, estadual ou municipal. Utilizamos em nosso estudo osuplemento especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),realizado em 2004, dirigido ao perfil da segurança alimentar1. O método para realizar apesquisa foi a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, desenvolvida a partir de umaadaptação à realidade brasileira da escala criada pelo Departamento de Agricultura dosEstados. Trata-se de uma série de 15 perguntas, nas quais os entrevistados registraramsua preocupação, dentro de um período de 90 dias anteriores à entrevista, de que osalimentos acabassem antes de terem dinheiro para comprar mais; as ocasiões em quecomeram menos ou deixaram de comer para oferecer seu próprio alimento as criançasou adolescentes; até situações mais graves em que ficaram um dia inteiro sem comerpela impossibilidade de comprar alimentos. Quanto maior o número de respostasafirmativas, maior o grau de insegurança alimentar vivido pela família.

No intuito de confrontarmos os indicadores de insegurança alimentar entre asfamílias beneficiárias e as potencialmente beneficiárias utilizamos o método depareamento baseado no escore de propensão. Todavia, a metodologia se constitui emuma parte importante de nosso trabalho, assim será detalhada em uma seção específica.

Nossos resultados empíricos revelaram as limitações dos programas detransferência de renda na promoção da melhora dos indicadores de insegurançaalimentar o que pode ser explicado pelos baixos valores monetários recebidos pelasfamílias, além do uso generalizado de uma única linha de pobreza para todo espaçogeográfico do país.

1 Esse suplemento resultou da parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e oMinistério do Desenvolvimento Social (MDS)

2

Page 3: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

O artigo contém quatro seções: a primeira sintetiza a evolução da montagem denosso sistema de proteção social, sobretudo, os programas de transferência de renda doexecutivo federal; a segunda descreve a metodologia utilizada, além do que se desdobraem duas subseções. Uma subseção busca apresentar os dados e as variáveis utilizadasneste estudo, outra trata do método de pareamento baseado no escore de propensão. Aterceira seção corresponde à análise dos resultados revelados pelos métodos empíricos.Por fim, nossa reflexão conclusiva.

1.1. Proteção social e os programas de transferência de rendaTradicionalmente, no Brasil, a assistência social foi uma responsabilidade cristã,

confundida com caridade. De parte do poder público, durante quase todo o século XXfoi exercida como uma ação paternalista, que mantinha seus beneficiários na categoriade favorecidos, não de cidadãos, um espaço de reprodução da exclusão e privilégios enão [um] mecanismo possível de universalização de direitos sociais, limitando-se asistemas locais de administração da pobreza marcadamente clientelistas.

Além do que a definição de pobre se alterou ao longo dos anos. De acordo comValladares (1991), entre o século XIX e XX, o pobre era o indivíduo que resistia aoassalariamento.

Entretanto, na década de 50 e 60, os grandes centros urbanos vivenciam uminchaço populacional que resultou do ritmo acelerado de urbanização. Essa populaçãoultrapassou em muito as possibilidades de criação de emprego por parte da indústria detransformação. Nesse período, então, a pobreza foi redefinida e esteve associada aosexcedentes populacionais que não trabalham no mercado formal de trabalho(assalariados com carteira de trabalho).

Todavia, nos anos 70, o Banco Mundial divulgou receituários de políticas sociaiselegendo como chave na definição de pobreza a insuficiência de renda. Ou seja, pobre éo indivíduo com renda insuficiente para o atendimento de necessidades biológicas esociais. Ou seja, novamente o conceito de pobre foi alterado. No Brasil, a partir dessasinfluências internacionais a pobreza passou a ser associada com renda insuficiente.Vários estudos apontam que a pobreza, tal como definida pelo Banco Mundial, incidiainclusive sobre trabalhadores com vínculo regular de emprego nos denominados setoresmodernos da economia. A guisa de ilustração, em 1980 de 4,4 milhões de famíliasclassificadas como miseráveis, 3,2 milhões tinham todos os seus membros incorporadosao mercado formal de trabalho (Valladares, 1991 apud Pastore, 1983, p.106).

Vale mencionar que entre os pesquisadores que utilizam a definição de pobrezaproposta pelo Banco Mundial vários deles identificam como causa do nosso elevadonúmero de pobres a inserção precária dos indivíduos no mercado de trabalho. Essainserção precária, por sua vez, decorre de um processo de industrialização aceleradoassociado a um veloz movimento demográfico. A título de exemplo, entre 70 e 80 apopulação urbana cresceu 4,5% enquanto a população total cresceu 2,5% (Valladares1991:102). Além disso, no ano de 1940 em torno de 66% da População Ocupada (PO)estava inserida na atividade agropecuária, enquanto em 1980, essa proporção se reduziupara 30% (Chahad e Luque, 1984:31). Ademais, em 1980 cerca de 70% da PopulaçãoEconomicamente Ativa (PEA) se encontrava na zona urbana. Em decorrência desseêxodo rural, o contingente de trabalhadores pouco qualificados nos centros urbanosultrapassa significativamente o número de postos de trabalho, resultando em uma fortepressão baixista sobre os salários pagos no mercado formal a esses trabalhadores. Nomais, existe uma enorme quantidade de trabalhadores sobrevivendo em atividadesinformais (trabalhadores autônomos e assalariados sem carteira de trabalho) também

3

Page 4: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

pressionando o piso dos rendimentos dessas atividades para baixo. Conclui-se que nesseperíodo existia um grande contingente de pobres, inclusive entre os trabalhadores.

No início dos anos 70, apesar dessa elevada incidência da pobreza no país2 aassistência social não contava com uma política pública sistemática, no entanto oprimeiro programa de benefícios assistenciais data desse período. Entre 1974 e 1975, oGoverno Federal criou a Renda Mensal Vitalícia (RMV) que beneficiava as pessoasinválidas e indivíduos com 70 anos ou mais que não conseguiam se sustentardiretamente ou por meio de suas famílias. Contudo, para fazer jus a um montantemensal de meio salário mínimo, os beneficiários potenciais ainda deveriam comprovarao menos 12 meses de contribuição à Previdência Social (Shwarzer e Querino,2002:24).

A Constituição de 1988 rompe com o passado ao incluir a garantia de direitosbásicos e universais de cidadania, explicitada pela introdução de um conceito amplo deSeguridade Social que abarca Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Estaúltima passou a ter uma lei específica em 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social(LOAS), regulamentada em 1995. A partir dessa data foi criado o Benefício dePrestação Continuada (BPC) voltado para pessoas com idade mínima de 70 anos,posteriormente reduzida para 65 anos, e incapacitados, inclusive pessoas comdeficiências congênitas. A renda familiar per capita dos candidatos não deve ultrapassarum quarto do salário mínimo, um patamar considerado baixo por especialistas, sendoque o valor monetário do benefício corresponde a um salário mínimo (Medeiros et al,2006).

Em meio à regulamentação da assistência social nos anos 90, nosso país aindapermanecia com uma elevada proporção de pobres no país, além de elevados índices dedesigualdade dos rendimentos que revelavam nossa dívida social. De acordo com asdefinições de Rocha (1995:224):

[os pobres] não dispõem dos meios para atender às necessidades de alimentação,dados os custos de atendimento de requerimentos nutricionais associados àestrutura de consumo alimentar habitual, nem às demais necessidades devestuário, educação, despesas pessoais, habitação etc., que correspondemgeralmente àquele nível de despesa alimentar. Mais restritivamente sãoindigentes aqueles incapazes de atender tão-somente as necessidadesalimentares.

A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil,os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja, 42 milhões de pessoas, enquantoos indigentes representavam 12% da população ou em torno de 17 milhões deindivíduos. Diante do elevado número de pobres e indigentes que não seriam atendidospelo BPC, os debates em torno da adoção de programas de transferência de renda seintensificaram.

A partir da segunda metade dos anos 90, os programas de transferência de rendamonetária são pioneiramente implementados por alguns municípios e unidades dafederação como o programa bolsa escola do Distrito Federal e o programa detransferência de renda da Prefeitura de Belo Horizonte (Lavinas, 1998; Aguiar e Araújo,2002). Entretanto, esses programas beneficiam as famílias pobres com crianças e jovensem idade escolar, associando uma bolsa à freqüência escolar. O programa de rendamínima, por sua vez, funciona fundamentalmente como um programa de proteção à

2 De acordo com as estimativas de Rocha (2003), no ano de 1970, a proporção de pobres em nosso paíscorrespondia 68%.

4

Page 5: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

família, ou seja, uma transferência de renda mínima para sobrevivência. Destarte, osprogramas de transferência de renda implementados no Brasil não se encaixam nadefinição restrita de programa de renda mínima.

Cabe ressaltar a diferença de implementação dos nossos programas detransferência de renda monetária vis-à-vis as experiências internacionais. No dizer deLavinas (1998:22):

Enquanto na França e na Alemanha, a renda mínima ou renda de subsistência éuma política universal de sobreproteção social dos grupos de risco ...caracterizando-se como um instrumento suplementar de combate à exclusão dosque permanecem à margem, no Brasil assemelha-se muito mais a uma tentativa,ainda que bastante limitada, de refundar uma política de proteção social, atéhoje incipiente e, mais grave, fortemente seletiva ...

Posto isto, em março de 1997, o Governo Federal na tentativa de viabilizar aimplementação do Bolsa-Escola em vários municípios estabeleceu a possibilidade deparceria nesse programa arcando com 50% dos gastos com o pagamento dos benefícios(Rocha, 2006).

Entretanto, diante dos fracassos dessas parcerias o Governo Federal, em 2001,relançou um programa nacional de transferência de renda cujo foco é a criança e não afamília, no entanto esse governo se responsabilizou por 100% do valor dos benefícios.O valor monetário do Bolsa-Escola foi de R$ 15,00 por criança, até no máximo trêscrianças. O benefício seria concedido para famílias com crianças e jovens entre 6 e 15anos que em contrapartida deveriam matricular na escola os beneficiários. Além disso,outros programas foram criados pelo Governo Federal como o Bolsa-Alimentação(setembro de 2001) e o Auxílio-Gás (fevereiro de 2002).

Nova alteração nos programas de transferência de renda foram adotadas noinício do Governo Lula, mais especificamente em fevereiro de 2003, por meio doprograma Fome Zero, que permitia o recebimento de R$ 50,00 mensais do CartãoAlimentação por todas as famílias com renda familiar per capita inferior a ¼ do saláriomínimo. Mas as dificuldades de operacionalização e resistências políticas provocaramnovas modificações, meses depois, sendo então instituído o Programa Bolsa Família,numa tentativa de unificação de todos os benefícios anteriores. Como público-alvo,qualquer família, independentemente de sua composição, com renda per capita até R$50,00, mas também as famílias com renda entre R$ 50,00 e R$ 100,00 com pessoas até15 anos de idade, além de mulheres grávidas ou nutrizes. Para as famílias em situaçãode extrema pobreza (renda per capita até R$ 50,00), o benefício correspondia a R$50,00 mensais. No entanto, se essas famílias tivessem crianças seria acrescido o valorR$ 15,00 mensais por criança, porém até o limite de 3 crianças. No caso das famíliaspobres (renda per capita entre R$ 50,00 e R$ 100,00), com crianças, o benefíciocorresponderia somente a R$ 15,00 por criança, mas novamente o benefício é limitadopara 3 crianças.

Vale observar que o Programa Bolsa família é um misto de programa de rendamínima e bolsa escola. No entanto, as linhas de extrema pobreza e pobreza desseprograma comparadas às linhas de indigência e pobreza de vários pesquisadores, comoRocha (2006b), em vários estados e espaços geográficos permanecem abaixo da linhade indigência. Essa divergência resulta das diferentes metodologias de cálculo daslinhas de pobreza. No dizer de Belik et al (2003:19):

5

Page 6: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

Diferenciam-se ... dois grupos. Primeiro, os estudos que definem uma linha depobreza/indigência única para o país, sendo mais comum a proporção do saláriomínimo. Segundo, os estudos que partem de estruturas de consumo diferentespara cada região e/ou área de residência (metropolitana, urbana nãometropolitana e rural). Obtém-se assim custos regionalizados de uma cestabásica de alimentos, e considera-se indigente a população cuja renda familiarper capita não alcança o valor desta cesta alimentar, e pobres as pessoas quenão atingem a renda necessária para adquirir a cesta de alimentos mais os bensnão alimentares básicos.

Ou seja, a opção do governo na construção de suas linhas impediu a inclusão noprograma de muitas famílias que estão em condições de indigência segundo outrasmetodologias. Essa opção governamental deve-se em parte aos prováveis impactos quelinhas de pobreza diferenciadas causariam ao orçamento federal. Além disso, no ano de2004, diversos domicílios reuniam famílias com renda per capita entre R$ 50,00 e R$100,00 porém sem crianças, portanto, sem proteção social.

Sem dúvida, um dos aspectos mais preocupantes da pobreza é o acesso a umaalimentação inadequada. Assim, um dos objetivos dos programas de transferência derenda é a melhora nos indicadores de segurança alimentar e nutricional. O programaBolsa-Família busca mitigar a pobreza no curto prazo por meio de uma transferênciamonetária as famílias, mas também segundo alguns defensores combater a pobreza nolongo prazo através da elevação do capital humano das crianças e jovens inseridos emfamílias pobres. Nesse programa verificamos que uma das correntes teóricas que ofundamentam é a teoria do capital humano que defende os seguintes nexos causais:maior escolaridade, maior produtividade, maiores salários3. Não é nossa pretensão nesteartigo construir uma crítica as bases teóricas do programa, mas concordamos que oacesso à escola deve ser assegurado a todas as crianças e jovens.

Focalizando nos indicadores de segurança alimentar, um método para quantificara fome corresponde ao cálculo do custo monetário per capita para a ingestão de umacerta quantidade de alimentos, mínima para a sobrevivência, e compará-lo com arenda dos indivíduos. Evidentemente, no caso da renda ficar abaixo do custo dessacesta mínima de alimentos, haveria um déficit e esse indivíduo estaria em situação derisco (Belik et al, 2003:12).

A partir do conceito de indigente e pobreza definidos anteriormente notamos queas pessoas em situação de indigência estariam em situação de risco alimentar. Segundodefinição de segurança alimentar da Food and Agriculture Organization of the UnitedNations (FAO) uma situação na qual todas as pessoas, durante todo o tempo, possuamacesso físico, social e econômico a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, queatenda a suas necessidades dietárias e preferências alimentares para uma vida ativa esaudável (FAO apud Belik et al, 2003:13).

Todavia, no Brasil inexistiam dados que nos permitissem uma análise dasituação de risco alimentar do conjunto dos brasileiros. Porém, em setembro de 2004, osuplemento da PNAD permitiu a construção e o estudo de indicadores de segurançaalimentar no país.. Vários trabalhos já investigaram os impactos desses programas sobrea freqüência escolar das crianças e o trabalho infantil4, ficando uma lacuna nessasavaliações quanto à segurança alimentar. Neste trabalho, investigamos os impactos dosprogramas de transferência de renda sobre a segurança alimentar. No passado recente,

3 Para uma crítica a teoria do capital humano ver Ribeiro e Neder (2005).4 Cardoso e Souza (2003); Bourguignon, Ferreira e Leite (2002) e Ferro e Kassouf (2003).

6

Page 7: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

Resende (2006:75/78) analisou os impactos dos programas Bolsa-Escola sobre os gastosdas famílias brasileiras, concluindo que:

(...) as famílias beneficiárias do Bolsa-Escola não apresentam maiores despesasanuais quando excluído os itens alimentares, indicando que de fato grande partedas transferências recebidas é gasta para a aquisição de alimentos ... asdespesas dos beneficiários do B.E são superiores para o consumo de alimentosbásicos e não básicos, sendo em média os gastos com últimos maiores que osprimeiros. O que pode sugerir efeitos positivos sobre a qualidade e diversificaçãoda dieta devido ao aumento do consumo de ambas classes de alimentos indicandouma possível melhora na condição nutricional destas famílias, sobretudo de suascrianças.

Esses resultados interessam diretamente ao nosso trabalho, pois confirmam queos recursos monetários transferidos pelas famílias são utilizados para melhorar seuacesso a uma alimentação adequada.

No entanto, resta investigar se as famílias beneficiárias dos programas detransferência de rena obtiveram melhora nos seus indicadores de segurança alimentar.

2. Metodologia

2.1 Dados e variáveis utilizadasA maior parte dos trabalhos que utilizam dados da PNAD (Pesquisa Nacional

por Amostra Domiciliar) não levam em consideração o delineamento da amostra,realizando simplesmente estimativas de ponto e não considerando que essa é umapesquisa por amostragem. Dessa forma, tratam seus resultados como se fossemprovenientes de uma população, sem qualquer cuidado com inferência estatística. APNAD tem a importância de ser o maior levantamento anual de dados demográficos eeconômicos das famílias, domicílios e pessoas referentes a toda a população brasileira.O delineamento da amostra segue um esquema misto, por conglomerados em múltiplasetapas (ver Figura 1). Para cada UF subdivide-se sua área em diversos estratos, que sãoagrupamentos de diversos municípios vizinhos. Nas regiões não metropolitanas de cadaUF são selecionados dois municípios de cada estrato, com probabilidade proporcionalao seu tamanho (população no ultimo Censo Demográfico) – são os chamadosmunicípios não auto-representativos. Dentro de cada um deles, também comprobabilidade proporcional ao tamanho (ppt), são selecionados diversos setorescensitários; portanto, com probabilidade proporcional ao número de domicílios em cadaum. Finalmente, para cada setor selecionado é realizada uma amostra sistemática dedomicílios. Assim, para os municípios não auto-representativos a amostra é realizadaem três etapas sendo a primeira etapa de seleção a escolha aleatória do município e esteé chamado de unidade primária de amostragem (primary sample unit – PSU).

No caso das regiões metropolitanas, todos os municípios entram na amostra, efora delas também são selecionados alguns municípios grandes (geralmente cidades deporte médio) com probabilidade 100%. Em ambos os casos a unidade primária deamostragem é o setor censitário.

Esse tipo de amostragem, que reduz consideravelmente os custos operacionais,eleva substancialmente os erros estatísticos em relação aos correspondentes a umaamostra aleatória simples, já que em cada UF as unidades domiciliares ficamconcentradas em um conjunto mais restrito de áreas.

7

Page 8: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

Neste trabalho todas as estimativas de indicadores levaram em consideraçãoessas características, para isso utilizando duas variáveis que definem o desenho daamostra: o estrato a que pertence o domicílio levantado e sua unidade primária5. Comisso foi possível, através do programa estatístico Stata, utilizar um conjunto deprocedimentos e rotinas que permitem a estimativa de indicadores obtendo-sesimultaneamente o valor de sua variância e erro padrão – o que possibilitou avaliar ograu de precisão das mesmas estimativas para diversos cortes das amostras.

No desenvolvimento dessas estimativas foram encontradas algumasdificuldades, entre elas a existência de estratos com psu único, enquanto os métodosadotados exigem um mínimo de 2 psus. Foi necessário construir uma rotina paraidentificá-los e agregá-los aos estratos de maior número de observações, em cada UF,assim diluindo uma possível fonte de viés. Note-se que seu surgimento decorre,geralmente, da criação de novos estratos referentes a novas unidades domiciliares, naatividade anual de recadastramento, por parte do IBGE. Felizmente, o número dedomicílios neles localizados não é muito elevado.

Para algumas estimativas trabalhou-se com o corte populacional área censitária,que se refere aos 3 conjuntos: região metropolitana, municípios auto-representativos emunicípios não auto-representativos. Detectado os PSUs únicos, no caso de algunsdesses cortes, foram criados arquivos especiais para cada um dos grupos de municípios,agregando-se por UF os estratos de PSU único aos estratos com maior número deobservações.

Utilizou-se também um procedimento conhecido na literatura estatística porbootstrapping, técnica que se baseia em uma amostragem repetida com reposição, apartir da própria amostra em questão, obtendo-se a partir daí estimativas do erro padrãodo estimador. Para cada estimativa realizaram-se 100 replicações. Por exemplo, para aamostra de pessoas da PNAD de 2004, com 112.716 domicílios, foram selecionadas 100amostras com reposição com o mesmo tamanho6 e para cada uma dessas replicações osoftware obteve uma estimativa, assim construindo uma função de distribuição deprobabilidade empírica do estimador (no caso, do ATT, como será visto na seção 2.2).Para cada par de estimativas em cada período de analise foi realizado um teste atravésdo comando lincom7 do Stata (após o comando bootstrap)8 para verificar a ocorrênciade variações significativas no indicador.

5 Em futuros trabalhos pretende-se utilizar fatores de correção de população finita para a primeira etapa deseleção (PSUs), assim como procedimentos de pós-estratificação da amostra. Os primeiros sãonecessários para obter estimativas mais precisas para as variâncias dos estimadores e os segundos paraeliminar eventuais vieses. 6 A técnica bootstrapping, tal como aplicada através do Stata, é muito intensiva em cálculo e exigiu váriashoras de computação para as estimativas em cada ano da serie estudada. Os autores disponibilizam aosinteressados as diversas rotinas elaboradas, tanto para a aplicação dessa técnica como nas demaisestimativas. Uma boa exposição do método encontra-se em Mooney e Duval(1993). 7 Esse comando realiza o teste de diferença para o ATT (conforme definição na seção 2.2). O teste dediferença é realizado em seguida a cada estimativa. São apresentados (nas tabelas do texto) os valores pque são os menores níveis de significância para os quais podemos rejeitar a hipótese nula de valores nulospara a diferença (entre os beneficiários e controle pareados, conforme definição, também na seção 2.2).Caso o valor p seja menor do que 0,05 podemos rejeitar a hipótese nula e admitir que ocorre umadiferença significativa ao nível de 5%. 8 Para maiores detalhes sobre a utilização dos recursos computacionais, consultar StatCorp, 2005.

8

Page 9: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

Figura 1 - Delineamento da amostra da PNAD – amostragem por conglomerados emmúltiplos estágios e com delineamento misto

Figura 2 - Bootstrapping: técnica não paramétrica para estimativa de indicadores deimpacto como o ATT – average treatment effect on treated

Quadro 1 – Definição das variáveis utilizadas para as estimativasVariável Definição

Benef Se o domicílio é beneficiário de pelo menos uma das políticas = 1; em caso contrario = 0

2 PSUs (municípios)

2 PSUs

2 PSUs

... Estratificação

1o Estágio deamostragem

Setorescensitários

Setorescensitários

Setorescensitários

Setorescensitários

2o Estágio de amostragem

3o Estágio de amostragem

Domicílios

Unidade da Federação

Domicílios

Amostra 1: ATT1

população

Amostra 2: ATT2

Amostra k: ATTk

Função de distribuição empírica

Estimativa bootstrapping(variância)

K REPLICAÇÕES DE UMA AMOSTRA COM REPOSIÇÃO DE TAMANHO N

N observações

9

Page 10: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

idade2 Idade do responsável pelo domicílio

idadequad Idade do responsável pelo domicílio elevada ao quadrado

Anosest2 Anos de estudo do entrevistado

d_sexo Gênero do responsável pelo domicilio (dummy = 1 se homem e = 0 se mulher)

d_cor Cor do responsável pelo domicilio (dummy = 1 se branco e = 0 se não branco)

d_mun O responsável sempre viveu no municipio? (dummy = 1 se sim e = 0 se não)

d_uf O responsável sempre viveu no estado? (dummy = 1 se sim e = 0 se não)

d_sabeler O responsável sabe ler? (dummy = 1 se sim e = 0 se não)

d_condati O responsável faz parte da PEA? (dummy = 1 se sim e = 0 se não)

d_condocu O responsável está ocupado? (dummy = 1 se sim e = 0 se não)

d_tifam1 Dummy para tipo de família (dummy = 1 para casal com filhos e = 0 em caso contrario); categoriade referencia é casal sem filhos

d_tifam2 Dummy para tipo de família (dummy = 1 para mãe com filhos e = 0 em caso contrario); categoriade referencia é casal sem filhos

d_tifam3 Dummy para tipo de família (dummy = 1 outros tipos de família e = 0 em caso contrario); categoriade referencia é casal sem filhos

d_area1 Dummy para área censitária (=1 para municípios auto representativos); categoria de referencia éregião metropolitana

d_area2 Dummy para área censitária (=1 para municípios auto não representativos) ; categoria dereferencia é região metropolitana

d_urb Dummy para situação censitária (=1 para área urbana e = 0 = para área rural)

d_formal Dummy para situaçao do emprego (=1 se for do setor formal e = 0 se for do setor informal)

rendapc2 Renda per capita domiciliar exclusive os agregados e pensionistas

d_matpar Dummy para material predominante das paredes (1 = se alvenaria e 0 se outros)

d_matcob Dummy para material predominante no telhado (1 se telha e 0 se outros materiais)

numpescom Número médio de pessoas por cômodo no domicílio)

d_agua Dummy para abastecimento de água (1 se tem água canalizada e 0 se não tem)

d_escoad Dummy para forma de escoadouro (1 se rede coletora ou fossa séptica e 0 em caso contrario)

d_lixo Dummy para destino do lixo (1 se coletado direta ou indiretamente e 0 em caso contrario)

d_regiao1 Dummy de grande região (1 se região Nordeste e 0 para outras grandes regiões); categoria dereferencia é a grande região Norte

d_regiao2 Dummy de grande região (1 se regiao Sudeste e 0 para outras grandes regiões)

d_regiao3 Dummy de grande região (1 se região Sul e 0 para outras grandes regiões)

d_regiao4 Dummy de grande região (1 se região Centro Oeste e 0 para outras grandes regiões)

2.2 Pareamento por Escore de Propensividade (Propensity Score Matching) Um dos métodos mais conhecidos na literatura de avaliação é o chamado

propensity score matching. O principal objetivo de sua aplicação é eliminar o viés deseleção atribuído às variáveis observáveis. Em geral, as informações sobre indicadoresreferentes a domicílios que foram beneficiados com políticas sociais não se baseiam emvalores de experimentos aleatórios, mas de estudos observacionais que se enquadrammais no conceito de quase-experimento. Em artigo seminal, Rosenbaum e Rubin (1983)propuseram o pareamento por escore de propensividade como um método para reduzir oviés de estimação dos efeitos do tratamento (ação da política) a partir de dadosobservacionais.9 Esse método é uma forma de “corrigir” a estimação dos efeitos dotratamento, baseado na idéia de que o viés é reduzido quando a comparação dosresultados é elaborada utilizando indivíduos tratados e de controle que são os maissimilares possíveis. A similaridade dos dois grupos é obtida através de um enfoquemultivariado em que a medida de distância (não semelhança) adotada é o escore depropensividade – obtido através da estimação de um modelo logit (ou probit) em que seestima a probabilidade de um individuo estar no grupo dos tratados.

9 Uma boa explanação do método é apresentada em Resende (2006). Outra importante apresentação sobreo tema com detalhes sobre a utilização do Stata é encontrada em Becker e Ichino (2002).

10

Page 11: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

A primeira etapa de aplicação do método consiste em estimar um modelo logitem que as variáveis independentes são um grupo de características observáveis dosindivíduos e que supostamente explicariam a participação (seleção) no programa. Osvalores das probabilidades estimados nessa primeira etapa serão utilizados comomedida de dessemelhança para obter os pares de observações (um elemento do parpertence ao grupo tratamento e o outro elemento pertence ao grupo de controle). Essasegunda operação é realizada através de diversas alternativas de pareamento. Uma dasmais conhecidas é o método do vizinho mais próximo (nearest neighbour). Para cadaelemento do grupo tratamento é selecionado um par do grupo de controle, de forma queseja o mais próximo possível com relação ao valor do escore de propensividade. Outrosmétodos de pareamento também utilizados na literatura de avaliação são: método depareamento Kernel, o método de estratificação. O próprio método do vizinho maispróximo tem algumas variantes operacionais, dependendo das alternativas do número devizinhos que são selecionados para cada par dos tratados. Uma opção muito utilizadapara a obtenção dos pares é a chamada commom support . Como os conjuntos deescores de propensividade para os tratados e para o grupo de controle apresentamvalores não comuns para ambos, estabelece-se um corte para a obtenção dos pares, oque garante um refinamento do pareamento, impedindo a seleção de pares comelementos com escore de propensividade muito diverso do subconjunto intersecção.

Para a aplicação do método neste trabalho utilizamos o programa Stata, quepossui a rotina (instaurável) psmatch2, que realiza a obtenção dos pares e calcula ovalor do ATT (average effect of treatment on the treated). O método consiste nadeterminação do chamado contra factual, um suposto grupo de controle pareado (com asmesmas características multivariadas dos tratados), mas que, no entanto, não receberia oefeito do tratamento. Através da diferença média da variável resultado dos pares(tratados e controles) obtém-se o ATT, uma estimativa do efeito da política com aredução do viés de seleção por controle das características observáveis10. Paracomplementação das estimativas foram calculados erros padrões do ATT porbootstrapping, dado que a amostra da PNAD não é aleatória simples. Através docomando bootstrap do Stata replicou-se a amostragem com reposição dentro de cadasub-amostra (toda a amostra, áreas censitárias, regiões, unidades da federação) paraverificar a existência de impactos significativos das políticas sobre a segurançaalimentar.

Os indicadores de segurança alimentar foram utilizados como variáveis resultadopara o método de pareamento, o que significa que as médias foram estimadas comreferência a esses indicadores. Foram gerados 4 indicadores: fomegra (proporção dedomicílios em situação de fome grave), fomemod (mesma proporção para fomemoderada), fomelev (mesma proporção para fome leve) e fomesem (mesma proporçãopara domicílios em situação de segurança alimentar). Esses indicadores foram obtidosdiretamente do suplemento especial da PNAD-2004 que investigou a situação desegurança alimentar dos domicílios através de uma bateria de perguntas sobre condiçõesde acesso a alimentos e baseado em uma adaptação de uma metodologia desenvolvida eaplicada pelo USDA (United States Department of Agriculture), como foi. 3. Discussão dos resultados

10 Existem métodos que se baseiam na eliminação do viés de seleção através das característicasobserváveis, como é o caso do modelo de Heckman. Outro método, que elimina parcialmente o viés deseleção pelas características não observáveis (variáveis latentes), é o chamado método da dupla diferençaaplicado em conjunto com matching (pareamento). Este último elimina, conjuntamente, o viés de seleçãogerado pelas variáveis observáveis e o viés de seleção das não observáveis que permanecem constantesno tempo.

11

Page 12: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

Verifica-se, pela Tabela 1 e Gráfico 1, que em 2004 existiam 18.028 milhões dedomicílios em situação de insegurança alimentar no Brasil. Desse total, apenas 5.316milhões (29,5%) eram beneficiários das políticas consideradas, restando a maioria (70,5%) não beneficiada. Do total de domicílios em situação de fome grave (3.351 milhões),64,2% eram beneficiários. A informação mais atual do Ministério de DesenvolvimentoSocial, referente a março de 2007 (disponível em <http://www.mds.gov.br>), indica queo número de beneficiários do programa Bolsa Família abarca um contingente superior a11 milhões de domicílios. O acréscimo em relação a 2004 não é suficiente, portanto,para atender todos os domicílios em situação de insegurança alimentar, como émostrado na Tabela 1. Tabela 1 – Perfil dos beneficiários e não beneficiários com relação à situação desegurança alimentar (total de domicílios e percentuais)

SEM FOMEGRAVE

COM FOMEGRAVE

SEM FOMEMODERADA

COM FOMEMODERADA

SEMFOMELEVE

COMFOMELEVE

SEMSEGURANÇAALIMENTAR

COMSEGURANÇAALIMENTAR

TOTAL DEDOMICÍLIOS

NÃOBENEFICIÁRIOS

41.616.821 2.150.058 39.497.231 4.269.648 37.475.021 6.291.858 12.711.564 31.055.315 43.766.879

95,09 4,91 90,24 9,76 85,62 14,38 29,04 70,96 100,00

85,87 64,16 86,90 67,08 86,14 75,70 70,51 91,91 84,47

80,32 4,15 76,23 8,24 72,32 12,14 24,53 59,93 84,47

BENEFICIÁRIOS

6.848.551 1.201.098 5.954.279 2.095.370 6.029.806 2.019.843 5.316.311 2.733.338 8.049.649

85,08 14,92 73,97 26,03 74,91 25,09 66,04 33,96 100,00

14,13 35,84 13,10 32,92 13,86 24,30 29,49 8,09 15,53

13,22 2,32 11,49 4,04 11,64 3,90 10,26 5,28 15,53

TOTAL

48.465.372 3.351.156 45.451.510 6.365.018 43.504.827 8.311.701 18.027.875 33.788.653 51.816.528

93,53 6,47 87,72 12,28 83,96 16,04 34,79 65,21 100,00

100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

93,53 6,47 87,72 12,28 83,96 16,04 34,79 65,21 100,00

Legenda: para cada grupo (não beneficiários, beneficiários e total), na primeira linha é apresentada afreqüência; na segunda, o percentual na linha; na terceira, o percentual na coluna; na quarta, opercentual total. Fonte: Microdados (registros unitários) da PNAD, 2004; IBGE — elaboração própria.

Na Tabela 2 são apresentados os resultados das estimações do modelo logit. Avariável dependente para esse modelo é uma variável dummy (benef) com valor igual a1 caso o domicílio tenha recebido dinheiro de qualquer um dos programas consideradosno mês de referência da PNAD 2004 (setembro de 2004). Os valores da coluna Oddsreferem-se aos odd ratios ou relação de probabilidades. Interpretamos esses valorescomo sendo o impacto de uma variação unitária da variável independente: sobre arelação p / (1-p), onde p é a probabilidade de ser selecionado para os programas.

Gráfico 1 – Distribuição da situação de segurança alimentar de acordo com a variávelbenef (beneficiário/não beneficiário)

12

Page 13: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

010

0000

0020

0000

0030

0000

0040

0000

00

020

0000

040

0000

060

0000

080

0000

0nao beneficiarios beneficiarios

com fome grave sem fome grave

com fome moderada sem fome moderada

com fome leve sem fome leve

com seg. alimentar sem seg. alimentar

dom

icíli

os

Fonte: IBGE, PNAD-2004, Micro-dados. (Elaboração própria)

Para a variável idade2 (idade do responsável pelo domicílio), o coeficiente emtermos de odd ratio é igual a 1,0880, o que significa que o aumento de 1 ano na idadedo responsável ocasiona, em média, uma elevação de 8,8% na relação deprobabilidades. Já a elevação unitária na variável anos de estudo do responsável(anosest2) acarreta um decréscimo de 5,67% (coeficiente igual a 0,9433) no valor doodd ratio, o que conduz à conclusão de que, fixas as demais variáveis explicativas, oaumento do grau de instrução do responsável pelo domicílio tende a reduzir aprobabilidade de ser beneficiado pelos programas. O valor do coeficiente da variáveld_sexo indica que se eleva a probabilidade em 30% (ou o odd ratio) quando passamosde responsável feminino para masculino.

Os coeficientes odds para as variáveis d_mun e d_uf indicam que osresponsáveis que sempre moraram no município têm menor probabilidade de serembeneficiados e os que sempre moraram na UF têm maior probabilidade. Isso evidenciaum padrão migratório intermunicipal para os beneficiários, mas com ausência demigração interestadual. O valor do coeficiente para a variável d_tifam1 (2,49) indicaque, ao se passar de um casal sem filhos (categoria de referência) para um casal comfilhos, a relação de probabilidade eleva-se 149%. Já na passagem para a categoria mãecom filhos essa elevação é de 92%, o que indica um desfavorecimento relativo dessacategoria (supostamente mais vulnerável) em relação a um tipo de família mais comum(casal com filhos).

Os valores dos coeficientes para as variáveis referentes às condiçõeshabitacionais (d_matpar, d_matcob) são superiores à unidade, revelando que aprobabilidade de ser beneficiário eleva-se quando essas condições são menos precárias.No entanto, famílias com maior densidade de pessoas por cômodo (variávelnumpescom) têm probabilidade mais elevada de serem beneficiadas, considerados fixosos demais determinantes. Algumas características de saneamento básico (como asrepresentadas pelas variáveis d_agua e d_escoad) mostram que domicílios piores

13

Page 14: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

condições, nesse aspecto, têm maior probabilidade de serem beneficiados. Desta formaexiste uma tendência de domicílios com melhores condições de construção habitacionale com piores condições de saneamento básico de serem beneficiários dos programas.

A Tabela 3 mostra os resultados da classificação dos resultados de predição domodelo logit. Esse modelo, com a especificação indicada na Tabela 2, classificacorretamente 85,4% das observações (domicílios). Na Tabela 4 são apresentados osresultados dos testes de diferença de medias para as variáveis explicativas deste modeloantes e após o pareamento. Para a maior parte das variáveis o pareamento conduz a umresultado de aceitação da hipótese nula (diferença de medias nula) conforme indicam osvalores dos p-values (maiores do que 0,05) para as linhas “matched” desta tabela. Isto éum requisito fundamental para que o pareamento através do método discutido na seção2.2 seja adequado e que as estimativas de impacto baseadas na diferença do ATT sejamnão viesadas. Em outras palavras, as amostras pareadas dos beneficiários e controledevem ter medias idênticas para o conjunto de características observáveis otimizadas nométodo.

Na Tabela 4 são apresentados os resultados do método propensity scorematching para o Brasil. Observe-se que, após o pareamento, temos uma média para osbeneficiários (treated) para a proporção de domicílios em situação de fome grave iguala 0,1565 enquanto esta proporção para o controle é igual a 0,1721 e tendo umadiferença de -0,0156, aparentemente significativa com o valor da estatística t igual -3,2.O valor negativo para a diferença indica que os programas têm um impacto de melhoria(redução da proporção) para a condição de fome grave. No entanto, o mesmo não ocorrepara as condições de fome leve e fome moderada. Isto indica que os programas têm umefeito esperado apenas no que se refere a situações mais dramáticas de insegurançaalimentar.

Na Tabela 5 e Gráfico 1 estão os resultados dos testes de hipóteses realizadoscom o método bootstrapping para áreas censitárias e grandes regiões do País. Para aárea total e indicador fomegra, os resultados do teste confirmam os dados da Tabela 4: oimpacto dos programas sobre a situação de fome grave é significativo ao nível de 1,7%.Mas analisando-se por cortes de área censitária verificamos que para essa variável(fomegra) o impacto é significativo apenas para os municípios não auto-representativos.Para as regiões metropolitanas a diferença é negativa, mas não significativa. Já para osmunicípios auto-representativos a diferença é positiva, no entanto não significativa. Omesmo procedimento é adotado para o corte amostral por UF e os resultados dasestimações são mostrados na Tabela 6 e Gráfico 3. Apenas os Estados de Pernambucoe Bahia apresentam diferenças ATT negativas (redução da fome grave) significativas.Os Estados de Roraima, Pará, Tocantins, Maranhão, Ceará, Paraíba, Sergipe, MinasGerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Distrito Federaltem diferenças negativas, porem não significativas. O restante das Unidades daFederação (Rondônia, Acre, Amazonas, Amapá, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas,Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás) tem diferençaspositivas, porem não significativas.

Tabela 2 – Resultados do modelo de regressão logística para a variávelparticipação em programas sociais (benef) – Brasil

Benef Odds Std. z P>z [95% [Intervalo]idade2 1,0880 0,0043 21,27 0,000 1,0796 1,0965Idadequad 0,9992 0,0000 -19,23 0,000 0,9991 0,9993anosest2 0,9433 0,0035 -15,73 0,000 0,9364 0,9502d_sexo 1,3052 0,0520 6,68 0,000 1,2071 1,4113

14

Page 15: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

d_cor 0,9024 0,0195 -4,74 0,000 0,8649 0,9415d_mun 0,9925 0,0222 -0,34 0,736 0,9499 1,0369d_uf 1,2085 0,0344 6,66 0,000 1,1430 1,2778d_sabeler 1,0457 0,0301 1,55 0,120 0,9884 1,1063d_condati 0,6835 0,0362 -7,18 0,000 0,6161 0,7584d_condocu 1,6652 0,0849 10,01 0,000 1,5069 1,8401d_tifam1 2,4916 0,0997 22,81 0,000 2,3036 2,6949d_tifam2 1,9266 0,1080 11,7 0,000 1,7262 2,1503d_tifam3 0,9454 0,0496 -1,07 0,285 0,8531 1,0478d_area1 1,1547 0,0351 4,73 0,000 1,0879 1,2256d_area2 1,7403 0,0443 21,77 0,000 1,6556 1,8294d_urb 1,0874 0,0344 2,65 0,008 1,0220 1,1571d_formal 0,9183 0,0232 -3,38 0,001 0,8740 0,9649rendapc2 0,9920 0,0001 -67,32 0,000 0,9918 0,9923d_matpar 1,1858 0,0370 5,46 0,000 1,1155 1,2607d_matcob 1,2616 0,0393 7,46 0,000 1,1869 1,3411numpescom 1,3786 0,0253 17,46 0,000 1,3298 1,4292d_agua 1,0946 0,0325 3,05 0,002 1,0328 1,1602d_escoad 0,8819 0,0220 -5,04 0,000 0,8399 0,9261d_lixo 0,9478 0,0255 -1,99 0,046 0,8991 0,9991d_regiao1 1,6387 0,0570 14,2 0,000 1,5307 1,7543d_regiao2 0,9104 0,0366 -2,34 0,019 0,8414 0,9850d_regiao3 1,1862 0,0510 3,97 0,000 1,0904 1,2905d_regiao4 1,2903 0,0546 6,03 0,000 1,1877 1,4018

Número de observações = 104552LR chi2(28) = 28443.49Prob > chi2 = 0.0000Pseudo R2 = 0.2968

Fonte: IBGE, PNAD-2004, Micro-dados. (Elaboração própria)

Tabela 3 – Tabela de classificação dos resultados de predição do modelo de regressãologística para a variável participação em programas sociais (benef) – BrasilLogistic model for benef

--------- Verdadeiro --------Classificado D não D Total

+ 6146 3500 9646- 11787 83119 94906

Total 17933 86619 104552

Classificado + se Pr(D) >= .5D definido como benef = 1 (benficiários)

Sensitividade Pr( + / D) 34,27%Especificidade Pr( - / não D) 95,96%Valor preditivo positivo Pr( D +) 63,72%Valor preditivo negativo Pr(~D -) 87,58%

Classificados corretamente 85,38%

Tabela 4 - Estimativas de impacto pelo método propensity score matching –variável participaçao em programas sociais (benef) – Brasil

Variável Amostra Tratado Controls Diferença S.E. T-stat

Fomegra Unmatched 0,15651 0,05827 0,09824 0,00214 45,88

15

Page 16: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

ATT 0,15651 0,17219 -0,01567 0,00490 -3,2

Fomelev Unmatched 0,24771 0,15321 0,09450 0,00306 30,84

ATT 0,24771 0,21201 0,03570 0,00579 6,16

Fomemod Unmatched 0,26406 0,11016 0,15390 0,00278 55,42

ATT 0,26406 0,23243 0,03163 0,00585 5,41

Fomesem Unmatched 0,33172 0,67836 -0,34664 0,00384 -90,32

ATT 0,33172 0,38337 -0,05165 0,00679 -7,61

Tabela 5 – Estimativas e testes de hipóteses dos impactos dos programas sociaispor área censitária e grandes regiões (todas as políticas) sobre a segurançaalimentar através do método propensity score matching e utilizandobootstrapping para estimativa de erros padrões do ATT

Área Censitáriaestimativ

aerro padrão z p

Sig

min95 max95

Área total -0,0128 0,0054 -2,3904 0,0168 * -0,0234 -0,0023

Regiões Metropolitanas -0,0110 0,0108 -1,0185 0,3084 -0,0322 0,0102

Mun. auto-representativos 0,0109 0,0132 0,8316 0,4056 -0,0148 0,0367

Mun. não auto-representativos -0,0175 0,0070 -2,5002 0,0124 * -0,0312 -0,0038

Região Norte 0,0048 0,0153 0,3114 0,7555 -0,0252 0,0347

Região Nordeste -0,0126 0,0087 -1,4511 0,1468 -0,0295 0,0044

Região Sudeste -0,0183 0,0093 -1,9580 0,0502 -0,0366 0,0000

Região Sul 0,0205 0,0130 1,5773 0,1147 -0,0050 0,0460

Região Centro-Oeste 0,0103 0,0117 0,8820 0,3778 -0,0126 0,0331

Legenda: se a coluna stars estiver assinalada com o símbolo (*) a estimativa ésignificativa ao nível de 5 %; com o símbolo (**) é significativa ao nível de 1 %;

Tabela 6 – Estimativas e testes de hipóteses dos impactos dos programas sociais porUnidades da Federação (todas as políticas) sobre a segurança alimentar através dométodo propensity score matching e utilizando bootstrapping para estimativa de errospadrões do TT

idnum estimativaerropadrão

z p stars min95 max95

Rondônia 0,0106 0,0236 0,4507 0,6522 -0,0356 0,0569

Acre 0,0621 0,0421 1,4757 0,1400 -0,0204 0,1445

Amazonas 0,0377 0,0341 1,1065 0,2685 -0,0291 0,1046

Roraima -0,0248 0,0652 -0,3808 0,7034 -0,1527 0,1030

Pará -0,0109 0,0219 -0,4976 0,6187 -0,0539 0,0320

Amapá 0,1010 0,0779 1,2972 0,1946 -0,0516 0,2536

Tocantins -0,0306 0,0371 -0,8250 0,4094 -0,1033 0,0421

Maranhão -0,0051 0,0223 -0,2268 0,8206 -0,0487 0,0386

Piauí 0,0484 0,0344 1,4090 0,1588 -0,0189 0,1158

Ceará -0,0177 0,0208 -0,8508 0,3949 -0,0585 0,0231

Rio Grande do Norte 0,0256 0,0293 0,8743 0,3819 -0,0318 0,0830

Paraíba -0,0152 0,0264 -0,5769 0,5640 -0,0670 0,0365

Pernambuco -0,0465 0,0178 -2,6156 0,0089 ** -0,0814 -0,0117

Alagoas 0,0021 0,0404 0,0516 0,9588 -0,0772 0,0813

Sergipe -0,0105 0,0304 -0,3449 0,7302 -0,0701 0,0491

Bahia -0,0393 0,0152 -2,5855 0,0097 ** -0,0692 -0,0095

Minas Gerais -0,0153 0,0145 -1,0608 0,2888 -0,0437 0,0130

Espírito Santo -0,0103 0,0188 -0,5471 0,5843 -0,0472 0,0266

Rio de Janeiro 0,0307 0,0223 1,3762 0,1687 -0,0130 0,0745

16

Page 17: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

São Paulo 0,0036 0,0173 0,2077 0,8354 -0,0302 0,0374

Paraná -0,0072 0,0222 -0,3223 0,7472 -0,0506 0,0363

Santa Catarina -0,0122 0,0314 -0,3886 0,6976 -0,0737 0,0493

Rio Grande do Sul 0,0173 0,0175 0,9916 0,3214 -0,0169 0,0516

Mato Grosso do Sul -0,0369 0,0304 -1,2126 0,2253 -0,0966 0,0228

Mato Grosso 0,0202 0,0262 0,7701 0,4412 -0,0312 0,0716

Goiás 0,0148 0,0138 1,0737 0,2829 -0,0122 0,0418

Distrito Federal -0,0316 0,0291 -1,0900 0,2760 -0,0886 0,0253

Legenda: se a coluna stars estiver assinalada com o símbolo (*) a estimativa ésignificativa ao nível de 5 %; com o símbolo (**) é significativa ao nível de 1 %;

-.04

-.02

0.0

2.0

4

Est

imat

iva

AT

T fo

me

grav

e

area censitaria e regioes

Total Regioes Metropolitanas

Mun. auto repr. Mun. nao auto repr.

NO NE

SE SU

CO Upper 95% confidence limit/Lower 95% confidence limit

Grafico 2 – Estimativas do ATT com intervalos de confiança de 95 % de probabilidadepor área censitária e grande região

17

Page 18: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

-.2

-.1

0.1

.2.3

Est

imat

iva

AT

T fo

me

grav

e

RO AC AM RR PA AM TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

Unidade da Federaçao

Grafico 3 - Estimativas do ATT com intervalos de confiança de 95 % de probabilidadepor UF e grande região

18

Page 19: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

4. ConclusõesÉ sintomático os testes revelarem que apenas o indicador de fome grave tem

impacto de redução significativa, sendo que os indicadores de fome leve e fomemoderada não apresentaram o mesmo comportamento. Isso resulta dos critériosestabelecidos pelo governo para incluir domicílios no programa e que partem de linhasde pobreza e indigência muito reduzidas (e de âmbito nacional) em relação àquelaspropostas por outros pesquisadores (que têm definições regionais e consideram aestrutura de consumo dos domicílios e outros parâmetros). Noutras palavras, osresultados indicam que as famílias incorporadas ao programa estão em situação depobreza extrema e são bastante sensíveis quanto a esse indicador de insegurançaalimentar.

No entanto, há de se considerar: os programas não reduzem condições maismoderadas de insegurança alimentar, mesmo quanto a famílias beneficiadas que seencontram nesses níveis de insatisfação das necessidades alimentares. A principalconclusão deste estudo é que os programas em 2004 têm um número de famíliasatendidas situado bem aquém do contingente populacional de famílias pobres eindigentes; além disso, mesmo para esses atendidos, o volume monetário transferido éinsuficiente para eliminar a situação de fome grave em todas as regiões do país.

Na análise regional dos indicadores de impacto, verificou-se que apenasPernambuco e Bahia apresentaram valores significativos de redução da proporção dedomicílios em situação de fome grave. As únicas grandes regiões do país que têmimpactos consideráveis são Sudeste e Nordeste — esta com nível de significância muitoelevado: 14,7% (TAB . 5). A única área censitária com impacto significativo para oindicador proporção de domicílios com fome grave foram os municípios não auto-representativos — correspondentes aos municípios pequenos da amostra da PNAD.

Embora a estimativa de ponto do ATT seja negativa, nas regiões metropolitanasesse valor não é significativo. Portanto, concluímos que o efeito das políticas sociais detransferência de renda não foram amplos para todo o território nacional: restringiu-seaos municípios com proporções de pobres e indigentes mais elevadas e com maioresintensidades da situação de pobreza e indigência. Esse último fato reforça nossaconclusão anterior: as linhas de pobreza estabelecidas para os programas captam apenasas situações extremas de fome. Como os beneficiários estão restritos a um conjunto dedomicílios com renda muito abaixo das linhas de pobreza reais, os domicílios tratadosapenas são sensíveis a uma redução da situação de insegurança alimentar mais grave. Assituações mais atenuadas de fome estariam em domicílios que não foram beneficiadospelo programa. Por essa razão, os indicadores de fome leve e fome moderada não têmimpacto do programa (e, às vezes, esse impacto é desfavorável aos beneficiários, pois énatural que famílias em situação de fome grave acabem com proporção de fome leve efome moderada menor do que a do grupo de controle).

Em síntese, este artigo evidencia três debilidades dos programas de transferênciade renda e a atual política social governamental: 1) foco muito restrito — dirige-se só afamílias em situação de extrema indigência e exclui famílias que têm carência, inclusivealimentar dentro do espectro de pobreza; b) mesmo para os beneficiários, o impactosobre a insegurança alimentar grave não é generalizado: deixa de fora as regiõesmetropolitanas, os municípios de porte médio e as diversas unidades da Federação;c) este último ponto põe em cheque a questão do volume de recursos transferido porfamília e levanta a suspeita da limitação desses recursos frente às necessidadesalimentares.

19

Page 20: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

5. Referências

AGUIAR, M.; ARAÚJO, C.H. Bolsa Escola: educação para enfrentar a pobreza.Brasília: UNESCO, 2002. 151p.

BECKER, S.O; ICHIMO, A. Estimation of average treatment effects base donpropensity scores. The Stata Journal, v.2, n.4, p.358-377, 2002.

BELIK, W.; WEINGRILL,C.; GONÇALVES, B.S.; SILVA, L.; ITACARAMBI, P.Segurança Alimentar: a contribuição das universidades. São Paulo: Instituto Ethos,2003. 92p.

BOURGUIGNON, F.; FERREIRA, F.H.G.; LEITE, P.G. Ex-ante evaluation ofconditional cash transfer programs: the case of Bolsa Escola. Washington, D.C: WorldBank, 2002. 34p. Download através de www.econ.puc-rio.br/PDF/seminario/2003/Bfl2.pdf. Acesso em 08/2006.

CARDOSO, E.; SOUZA, A.P. The impact of cash transfers on child labor anda scholattendance in Brazil. Nasville: Vanderbilt University, Department of Economics, 2003.Download através de www.vandervilt.edu/econ/wparchive/workpaper/vu04-wo7.pdf.Acesso em 09/06.

CHAHAD, J.P.Z.; LUQUE, C.A. Políticas Econômicas, Emprego e Distribuição deRenda na América Latina. São Paulo: IPE/FEA/USP, 1984. 231p.

FERRO, A.R.; KASSOUF, A.L. Avaliação do impacto do programa Bolsa Escola naincidência de trabalho infantil no Brasil. In: Encontro Nacional de Economia, 31, PortoSeguro, BA, Anais. [s.l]: ANPEC, 2003. 21p. Disponível em CD-ROM.

LAVINAS, L. Programas de Garantia de Renda Mínima: Perspectivas Brasileiras. Riode Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, Texto para Discussão, n.596,1998. 37p.

MEDEIROS, M.; DINIZ, D.; SQUINCA, F. Cash Benefits to Disabled Persons inBrazil: an analysis of BPC- Continuous Cash Benefit Programme. Brasília: Instituto dePesquisa Econômica e Aplicada, Texto para Discussão, n.1184, 2006. 33 p.

MOONEY, C. Z.; DUVAL, R. D. Bootstrapping: A nonparametric approach tostatistical inference. Newbury Park, CA: Sage, 1993.

RESENDE, A.C.C. Avaliando resultados de um programa de transferência de renda: oimpacto do Bolsa-Escola sobre os gastos das famílias brasileiras. Belo Horizonte:Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de CiênciasEconômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Dissertação (Mestrado), 2006.114p.

RIBEIRO, R.; NEDER, H. Desigualdade dos Rendimentos do Trabalho: estudocomparativo para as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Revista Análise Econômica.Porto Alegre: Faculdade de Ciências Econômicas, UFRGS, n.45, 2006. 265-285 pp.

20

Page 21: OS IMPACTOS DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOBRE A … · A partir desses conceitos, Rocha (1995:225) constatou que em 1990, no Brasil, os pobres correspondiam a 30% da população, ou seja,

ROCHA, S. Governabilidade e Pobreza: o desafio dos números. In: VALLADARES,L.; COELHO, M.P. Governabilidade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: EditoraCivilização Brasileira, 1995. 348p.

ROCHA, S. Pobreza no Brasil: afinal, do que se trata?.Rio de Janeiro: Editora FGV,2003. 244p.

ROCHA, S. Alguns Aspectos Relativos à Evolução 2003-2004 da Pobreza e daIndigência no Brasil. Download através de www.iets.org.br. Acesso em 10/2006a.

ROCHA, S. Transferências de Renda Focalizadas Evidências Recentes sobreImplementação e Impactos. Mimeo, 2006b. 24p.

ROSENBAUN, P.R.; RUBIN. The Central Role of the Propensity Score inObservational Studies for Causal Effects. Biometrika, v. 70, n.1, p. 43-55, 1983.

SCHWARZER, H.; QUERINO, A.C. Benefícios Sociais e Pobreza: Programas NãoContributivos da Seguridade Social Brasileira. Brasília: Instituto de PesquisaEconômica e Aplicada, Texto para Discussão, n.929, 2002. 53 p.

VALLADARES, L. Cem anos pensando a pobreza (urbana). In: BOSCHI, R.Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio deJaneiro: Editora Rio Fundo, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro,1991. 151p.

21