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7/28/2019 Os Holandeses No Brasil Antes de 1621_Revista Do IAHGP http://slidepdf.com/reader/full/os-holandeses-no-brasil-antes-de-1621revista-do-iahgp 1/12 REVISTA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO VOL. XLVI 1961 Os heróicos feitos dos antigos Tende vivos e impressos na memória Ali vereis esforços nos perigos, Ali ordem na paz digna de glória. PROSOPOPÊIA BENTO TEIXEIRA BRASIL - PERNAMBUCO 1967

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REV I S TA D O I N S T I TUTOARQUEOLÓG I CO HISTÓR ICO E

GEOGRÁF ICO P ERNAMBUCANOV O L . X L V I 1961

O s heróicos feitos dos antigos

Tende vivos e impressos na memória

Ali vereis esforços nos perigos,

Ali ordem na paz digna de glória.

PROSOPOPÊIA — BENTO TEIXEIRA

BRASIL - PERNAMBUCO1967

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186 R e v . do Inst. Arq. Hist. e G eog . P c - n i .

14 ) Livro de Receita e Despesa f l s . 125

15 ) Livro de Atas, f l s . 22 v

16 ) Idem, fls. 25 e Livro de Receita e Despesa, fls. 13417 ) Livro de Atas fls. 21 e Livro de Receita e Despesa

fls. 131 e 13518 ) Livro de Atas, fls. 23

19 ) Livro de Receita e Despesa, fls. 135

20 ) Ata de 27.XI. 1865, Livro de Atas, fls. 2521 ) Livro cit., fls. 25

22 ) Livro de Receita e Despesa, fls. 137

23 ) No ano compromissal de 1867-68 pagou-se a Manuel

do Carmo Ribeiro a quantia de 9:100$ (Livro de Re-

ceita e Despesa, fls. 3; no de 1868-69 3:408$334 (fls.8) e Livro de Atas'fls. 3 4 v ) .

24 ) Livro de Receita e Despesa, fls. 15. Além de 1:850$

pagou-se-lhe ainda, de outros serviços 841$660.25 ) Livro de Receita e Despesa, fls. 22

26 ) Idem, fls, 2327 ) Idem, fls. 29/30

28 ) Idem, fls. 40/4429) Idem, fls. 46 0 e Livro de Atas, fls. 4830 ) Livro de Receita e Despesa, fls. 5531 ) Idem, fls. 96 e Livro de Atas f l s .32 ) Idem, fls. 9633) Livro de Contratos, 1887-1908 fls. 1/8 e Livro de Re-

ceita e Despesa, fls. 139

34) Livro de Receita e Despesa, 1901-25, fls. 86

35 ) Livro de Atas 1925-45

36 ) Livro de Atas 1904-24, fls. 128v.

I I S H O L A N D E S E S N O B R A S I L A N T E S D E 1621( * )

EN G EL SLUITER

A resoluta e formidável investida holandesa no século

' v 1 1 para arrebatar o império e o comércio ultramarino,

i n i i mrhcirados entre os poderes ibéricos, é um dos gran-

' i ' capítulos de expansão e rivalidade na história europeia.

f i » h emis f é r io ocidental o principal foco do seu ataque foin M i - x s il , rico e m açúcar, colónia americana-portuguesa qu e

• > i i - . ; e n v o l v i a rapidamente, a qual, mesmo antes do fim doím 1 1 o XVI emergiu como um dos principais produtores e

P H l > i ) r ( .adores da deliciosa droga, de tão alto valor unitário.

|)imml.c vinte e cinco difíceis anos, as capitanias do Nor-

BpNl.r sofreram o peso do assalto batavo. No apogeu do seu

•QOMSO invasor, no tempo do magnífico governo do Conde

M u n i c i o de Nassau, os holandeses controlaram sete capi-

i i . , s , abrangendo perto de mil milhas — do Rio São Fran-

HMO ao Maranhão. A possibilidade de devolver todo o Bra-

i i i i d controle português, nessa época, parfec ia realmente

riiiviilosoe vozes influentes aconselharam abrandar o peri-

|(i ' i n agressor concordando numa divisão do Brasil: o ho-

1 1 M I i r , - ; n o Norte e o português n o Sul. A maré mudou, p o -

t n m p r i m e i r o na Europa, logo após na América. Quando,

i I H i I M O , Portugal reafirmou a sua independência política

1 i i > ; m h a , o sentido lusitano comum de nacionalidade, re-

l i i H i i " c cultura despertou agressivo, dentro e fora do país.

( t i i i P e r n a m b u c o , João Fernandes Vieira e seus companhei-

i i i i r v : i i i l , a r a m o estandarte da revolta contra o estranho

i i . l.rataalho foi apresen tado ao Congresso de História reunido

n u F t . w i f e para comemorar o tricentenário da Bestauração Per-i m m h t i c a n a , de Iniciativa deste Instituto Arqueológico.

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germânico e heré t ico invasor . Um decénio mais tarde , em1654, o opressor foi forçado a abandonar a sua últ ima for-taleza importante — este R e c i f e onde hoje no s encont ra-mos . É de particular est ímulo espiri tual qu e este Congres-so de História tenha s ido convocado para cel ebrar o t erce i -ro centenário dessa façanha, pois ela é de profunda signi-ficação nos anais históricos brasileiros. Em consequência daexpulsão, a unidade terri torial brasileira foi res taurada , as-

segurando-se a perpetuação do cará t er luso, com tudo o queisso implica, e o seu sentimento de ident idade nativa, quan-do não a sua inc ip i ent e nacional idade, despertou .

A qualidade épica, como também a clara importância dosEsforços holandeses para conquistar o leste da América doSul, e os portugueses e m ambos os lados do Atlântico paradef endê- lo , têm atraído muitos estudiosos, nativos e estran-

gei ros , a escrever sobre esse t ema, que na verdade dominatodo um período da história brasileira. Tradicionalmente, ospesquisadores têm t o ma d o o ano de 1621, qu e marcou nã osó a fundação da Companhia das índias Ocidentais mastambém a renovação em todos os t ea t ros do mundo, da lu taibérica-holandesa, como os seus efe t i vos pontos de partida.

Isto é compreensíve l , mas não deixa de ser l amentável , por-quanto é uma das razões de possuirmos até agora poucosdeta lhes e conhecimentos descosidos sobre a origem e o de-senvolvimento do comércio e interesse holandês no Brasil ,durant e os decénios ant er iores a 1621 . Não obstante, eles

g u a rd a m a chave de uma mais completa apreciação não só

das motivações do ataque holandês no Brasil como do cará-ter do comércio e comunicação entre esta colónia e a Euro-pa Ocidenta l . Convencido de que este background teria deser e lucidado ant es da "Epopeia Holandesa" ser vista em

perspec t i va total, c o me c e i a dar-lhe uma parte de minhaa t e n ção . Hoje , apesar das minhas pesquisas ainda não es-

tarem inteiram en te comple tas, gostaria de fazer um resumoprel iminar, dent ro do t empo qu e possuo, das minhas inves-

t igações e pesquisas .

A e n t ra d a pacífica, e m 1580, do s holandeses no comér-cio de transporte do Brasil e o crescimento da s suas cone-xões económicas diretas e indiretas com a colónia, num pe-ríodo em que es tavam em aberta revol ta cont ra a coroa es-panhola, ã qual estava sujeito o império lusitano, só pode

Ilcv. do Inst . Arq. Hist . e G e o g . P e r n . 189

, • : < • ! • explicado à luz de um antigo e singular interesse co -merc ia l e u ro p e u e n t re à Holanda e Portugal , o q ue n e m g u e r -r a , * ne m regulamentos mercant i s poderiam efe t i vament e des-

i n i i r ant es d e 162 1 .Quando Portugal , e m 15 30, iniciou a colonização perma-

n e n t e do Brasil , os Países Baixos, apesar de serem somente1 1 i n re ino subordinado ao império habsburgo, cada v e z maiscentra l izado e m M a d r i d , . e ra m já a força dominante na eco-

nomia europeia oc identa l . A notável concent ração do co-merc io e indústria em Planares e Brabante, de embarcaçõesi l ambem do comércio na Holanda e Zelândia, e o cresci-m e n to de Antuérpia como a capital financeira e principalpraça mercantil cristã, representou uma força d e atração

n res i s t í ve l na época. Portugal, necessitando capital l íquido ;

matéria bruta e me rcadorias manufaturadas , espec ia lment ei K i rã poder l evar avant e as empresas de além-mar e uma;í!iída para os produtos domésticos e coloniais trazidos para

l,i.sboa, fo i t ambém conduzido para o redemoinho econó-mico .

Apesar dos portugueses , cer tament e a té 1572 , continua-

re m a carreg ar para Antuérp ia, em seus próprios navios.

\a parte substancial das suas exportações de alto valorunitário, a massa das mercadorias era especialmente trans-portada pelos holandeses e hanseáticos. Particularmente osholandeses e zee landeses , a t ravés o seu controle do comér-cio báltico, foram os que t rouxeram para o me rc a d o por^luiíuês o indispensável grão do nort e , madei ra , equipamenton a v a l e metais; o seu próprio peixe, manteiga e queijo; e av a r i e d a d e de géneros manuf a turados encont rados em An -tuérpia.- Por sua vez, com centenas de urcas ao ano, elesUraram não só o grosso do sal de Setúbal e Lisboa, como,

j co m seus baixos fretes e segurança , atraíram fr eguezes , car-rega ram mais e mais vinho do Porto , f rutas do Algarve , açú-ca r da Madei ra , S ão Tomé e Brasil e as especiarias e dro-

i ; i , ; d a África e Oriente.Assim, à véspera da revolta holandesa contra a Espa-

nha , os Deze set e Países Baixos represe ntavam, ve rdadei ra-m e n t e , a principal linha para a vida económica de Portugali o ní a Europa Setentrional. As re lações entre esses dois po -vo s e economias eram ex t remamente compl icadas , vitais em e j s m o pessoais. Milhares de marinheiros holandeses e ze-l a ndeses visitavam os portos portugueses anualment e ; cen-i . enus de mercadores portugueses res idiam em Antuérp ia e

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outros centros do norte e, pelo menos, outros tantos agen-

tes neerlandeses viveram em portos portugueses. Muitos dos

últimos certamente não eram recentes chegados, mas

antigos proprietários e cidadãos respeitados na terra. Fi-

lhos e netos de mercadores estrangeiros, casados com mu-

lheres portuguesas, naturalizados, e, consequentemente, dire-

ta ou indiretamente desfrutando de privilégios, inclusive a

participação no comércio marítimo e estadia nas colónias.

Complicando o quadro estavam os Cristãos Novos, que ten-

do fugido à perseguição em sua pátria ou atraídos pelas

oportunidades de negóc ios na Neerlândia, emigraram em

grande número para Antuérpia. Estes deixaram parentes e

amigos em Portugal, cota os quais mantinham conexões co- j

merciais e que, por sua vez, tinham parentes e relações nas

colónias inclusive no Brasil.

A revolta neerlandesa contra a Espanha, que começou

se u curso tortuoso na década de 1560, rapidamente produ-

zi u uma crise geral no comércio ocidental europeu e gra-

dualmente levantou-se uni novo poder marítimo dentro dos J

Países Baixos, que viria a ser a esperança e o desespero

dos mercadores portugueses durante os futuros depênios.

Anteriormente a 1580, quando Filipe II estendeu o seu do- jmínio sobre toda a Península, os portugueses puderam as-

sistir como neutros à luta desenrolada, até que o novo so-

berano forcou-os à beligerância contra os holandeses e seus|

aliados ocultos.. Mas eles não podiam escapar ao problema

económico, que se lhes deparava no transporte e na saída

do que tinham para enviar ao norte da Europa e na pro-

cura do que lá necessitavam comprar. Declinando Antuér-

pia, os negociantes portugueses, novos e velhos cristãos, jun-

taram-se relutantes ao êxodo geral do mercado que des-

falecia para Colónia, Hamburgo e outros centros, à busca

de praça satisfatória de troca, mas não ainda para Amster-

dam. A o mesmo tempo, foi com os braços abertos que os

portugueses receberam em casa o rebelde mercador holan-

dês, que, batalhando para sobreviver, estava retornando pa-

ra as costas da Península em grande número. Estes, em lu-

gar dos hanseáticos, muitas v e z e s vítimas da i n v e j a dos cor-

sários holandeses e ingleses no Canal, são sobretudo chama-

do s a suprir o reino lusitano com o que era necessário do

norte, especialmente grão e madeira, mas também bens ma-

nufaturados , e a levar para fora o sal doméstico, açúcar, es-

pec iar ias e outros produtos coloniais. Mas a esperança de

i ' " l U i g a l caiu no s campos de Alcácer Quibir, e u m a e r a som-

i na amanheceu.

Quando os estados portugueses, e m 1581, juraram otae-i hn i c i a ao seu soberano estrangeiro em Tomar, eles assim

0 1'lzeram em troca da promessa de Filipe de respeitar a

a u t o n o m i a do país e das colónias. Foi uma promessa fácil

' ! > • ser feita, m as difícil d e s e r cumprida. Jamais, naquele

l i m p o ou durante os sessenta anos de cativeiro, poude ouM u i / o rei acreditar nos seus súditos lusitanos, a ponto de

n l i r a r o soldado espanhol. O controle militar de Portugal

1 "i portanto espanhol, acarretando disputas judiciais inter-

áve i s entre os soldados de Castela e os oficiais civis por-

lu r .ucs es . Disputas em nenhum lugar mais aparentes do que

n ; i esf e ra comercial, onde a política imperial de Filipe cedo' ulTou e m confl ito com os interesses nacionais e privados

portugueses .

Semelhante interesse foi o comércio que o s eu j o v e m• " i iqu is tado ainda prosseguia com o herético rebelde holan-

Bdès. De . início, Filipe permitiu que isso continuasse, pois

i r r o n he c i a ser indispensável à prosperidade do cativo, como

n e ra para os seus próprios súditos espanhóis, aos quais es-M I I transação também e ra tolerada.

Quando os rebeldes continuaram obstinados e recusaram

• . u a . s ofertas de reconciliação, apesar do seu príncipe ser sa-' 1 1 1 içado pelo braço assassino e Antuérpia .estar prestes a' i i i , Filipe determinou que não se temporisasse mais com os

t ranspor tes inimigos, na maioria holandeses, que audacio-. i monte sulcavam em todas as suas águas, qualquer quefosse a perda para seu tesouro ou para os súditos de am-

i « i í ! os seus reinos peninsulares. Em maio de 1585, e le orde-

n o u , repentinamente, a prisão geral dos navios estrangeiros,

ni<r ;ando a desculpa de necessitar embarcações para a ar-

m a d a real qu e criava. O golpe teve como alvo principal os

h o l an d e s e s e e m segundo plano os já agora abertamenteho.stis ingleses. Dentro de poucas semanas, noventa e seis

ho landeses e uns trinta navios ingleses foram embargados

rm Setúbal e Lisboa e, em número não especificado, em

11 0 rios espanhóis. Através de toda a Península a ordem foi

pouco obedecida pelos oficiais dos portos locais, e isso in-

tencionalmente no caso de Portugal, devido a ser tão gran-i l r a posse comum dos interesses comerciais e também ao

antagonismo entre o batavo e o lusitano contra a Espanha.

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A cidade de Lisboa protestou contra a prisão como um gol-pe desferido à sua prosperidade, procurando a soltura dosnavios ingleses, e permitiu a fu g a de uma dúzia de u r c ; w <

holandesas, bem como de mais de m il homens de suas tri-pulações  

Por conseguinte , a prisão de 1585 não foi realmente e f e -tiva e não levou a nada mais que à temporária interrupção

do comércio holandês ha Península. O que isso causou, po rexemplo, foi a elevação aguda, na Europa Setentrional, do ,preço do sal, motivando imediata navegação de navios ho-

landeses para as ilhas do Cabo V er de , possessões portugue-sas, e m busca dessa mercadoria, tornando-se logo um a roti-na . Logo depois de 1585, os holandeses, temendo revides adi-cionais na Península, adotaram a prática geral de empre-ga r papéis falsos que os f izeram passar como alemães ou sú-ditos de outras nacionalidades neutras. N ão lhes fo i difícil

pro ce d e r deste modo, dado a intimidade do s seus laços co - '

merciais com os alemães e numerosos agentes domiciliadose mesmo naturalizados na s partes nórdicas. O subter fúgio

l ev ou a uma grande desordem na execução dos r egu lam en-to s comerciais de Filipe II, porquanto, no esforço de com-batê- lo, o legítimo, assim como o falso mercador alemãescaíram e m desconfiança e frequentemente o inocente pagouco m o pe ca d o r . Isso desanimou os honestos negociantes ale-mães de f aze r em a longa e sempre perigosa viagem e à m e - ' ,

dida que dela se afastavam crescia a dependência de por-tugueses e espanhóis aos cargueiros holandeses.

Em consequência, durante outro decénio os holandeses,explorando a necessidade ibérica de provisões, matéria pri-ma e m anufa t urada da Europa Setentrional e a força de

suas antigas conexões comerciais, que se baseava sòlidamen- jte no lucro privado recíproco, continuaram t em erosam en t e j

mas com persistência e vigor, seu comércio na Península Ibé-rica. Em 1595, porém, Filipe alarmou-se não apenas com ai

prosperidade dos rebeldes, que os abastecia com os nervos ida guerra, mas também pelo fato de que direta ou indire-

tamente eles estavam começando a penetrar o seu mundocolonial e voltou, outra vez, ao expediente da captura geral.Entre 19 de março e 12 de abril, de 154 urcas holandesase zeelandesas chegadas a Setúbal, noventa e quatro foram

embargadas pelos oficiais do rei da Espanha, a despeito dói

ódio da municipalidade e dos cidadãos, e antes do fim do <

un o 40 0 naves holandesas ficaram presas na Península. Ou-tra vez os negociantes nativos e estrangeiros de Lisboa, por

intermédio da Câmara, exerceram pressão sobre a corte e mMadrid , para qu e fossem soltas as urcas holandesas, às quais

na verdade, fo i concedida liberdade em 13 de maio, com adesculpa de que o afquiduque Alber to, há pouco nomeadog o ve rna d o r do s Países Baixos, intercedera a f av or da libe-

r a çã o . Pode-se pensar, mais propriamente, que a vitalidadedas conexões económicas portuguesas, holandesas e a d e f e -rência de Filipe à sensibilidade e aos interesses portuguesesé que realmente obtiveram o f a v o r .

No s três últimos anos do seu reino, Filipe II não viu ofim do comércio holandês na Península. Há toda evidênciade qu e isso manteve o vigor antigo e e m nenhum lugar maisdo que em Portugal. Foi seu filho, Filipe III, que, um mês

depois do seu acesso, ordenou a mais impetuosa da s captu-ras de embarcações holandesas e o confisco do s seus bensria Península, o que logo no outro ano foi seguido pelo fa -moso alvará do s Arquiduques de Bruxelas, excluindo os re -

beldes também do comércio do s Países Baixos Espanhóis.Desta vez uns 500 navios holandeses foram embargados naEspanha e e m Portugal, mas o cronista contemporâneoEverard van Reyd atestou que no último país eles foramt ra t ados brandamente, a ponto de poderem escapar quaseLòdas as embarcações. A metade, aproximadamente, dos na-

vios finalmente conseguiu tomar a rota de volta às suas

pátrias.

Os Estados Gerais das Províncias Unidas, feridos pela

sever idade das medidas económicas que Filipe III lhes im-

punha e alarmados pelo fantasma do s desempregados e m

alta escala entre os milhares de marinheiros holandeses, lan-çaram a expedição punitiva que marcou a impressionante;

apesar de desastrosa, estreia da marinha naval holandesa

no s distantes mares. U m a armada com um número aproxi-mado de 75 naus e oito mil homens, no verão de 1599 apre-

sentou-se em Coruna , atacou as ilhas Canárias e , depois dee nv ia r a metade dos navios para casa aportou os outros res-

tantes em São Tomé, colónia portuguesa, rica e m açúcar, noGolfo da Guiné. Apesar de capturar a ilha, a expedição foihorrivelmente dizimada pelas f ebres e desinteria, tendo qu ese r abandonado o grandioso plano de pesado ataque ao Bra-sil. Entretanto, antes do f im do ano, um a esquadra de sete

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navios dessa expedição manejou o cruzamento do Atlânti-co e o assalto ao Recôncavo da Bahia.

A escolha de Filipe III do uso de armas económicas noduelo com o povo, cujo génio era principalmente marítimoe mercantil, provou se r infeliz durante os próximos anos.

s Na verdade, Filipe levantou um a espada de dois gumes, cor-tando ambos os lados co m efeitos desastrosos. De um ladoele não conseguiu estrangular o comércio holandês em seusdomínios europeus, ao mesmo tempo qu e aplicava a esporaque mandaria os seus rebeldes, em enxame, para as posses-sões de além-mar. Do outro lado, as suas. medidas aprofun-daram uma crise já existente na economia peninsular e que

imediatamente se estendeu ao campo do comércio ibérico-colonial. Os efeitos foram particularmente funestos em Por-

tugal , onde Setúbal, necessitando dos cargueiros de sal ho-landeses, viu-os tomar o rumo 4a Venezuela para obter esseproduto. Lisboa sofreu, se m dúvida, um a aguda queda novolume do comércio e protestou amargamente ao governocentral em Madrid. Em 1602 Filipe III alarmou-se a pontode pensar numa visita a Portugal, para levantar a moral

do s seus súditos lusitanos. Desejando aquietar ressentimen-tos e para afastar a fome, que voejava negra sobre o pais, •repetidas vezes ele teve qu e afrouxar os seus próprios re -gulamentos e permitir que as embarcações holandesas car-regassem grão e outros géneros. Enquanto um a parte do smercantes portugueses olhavam com tristeza as incursões ho-

landezas no seu comércio africano e oriental, a maioria de-

les, impulsionados por seus interesses e necessidades, coope-raram de todas as formas co m elas e foram seus cúmplicesem fugir às proibições comerciais exigidas pelo espanhol.

Para isto foram úteis não somente os agentes comerciais

das províncias neerlandezas, leais e rebeldes, que ainda vi-

viam tranquilos nos centros portugueses, como os cristãos no-

v o s , que, por esta época, tinham membros de suas famíliasres idindo em A msterdam e outros portos holandeses. Comoconsequência, quaisquer que fossem os métodos usados, O ;

holandês guardou vivo o seu comércio ibérico.

Neste ponto Filipe III, desesperado co m os insucessos pa-

ra exterminar o quisto comercial holandês no s seus domínioseuropeus, aprovou um dúbio expediente, qu e apresentava um

novo ângulo para a solução do problema. Em 27 de feverei-ro de 1603, o comércio peninsular fo i aberto a todos, inclu-

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: . i v e o holandês rebelde, m as 30% de taxa extra fo i impostau todas as exportações que deixassem os portos europeusdebaixo da jurisdição espanhola. Todos os carregadores neu-t ros tiveram qu e prestar fiança, que os obrigava a não car-r < r.ar mercadorias de origem ibérica a nenhum porto ho -l andês e mediante a prova evidente de cumprimento dai - l a u s u l a ser-lhes-ia dada isenção ou feita a restituição do s

1 1 0 % de imposto extra. O propósito de tal medida era ar-r u i n a r o comércio holandês e, ao mesmo tempo, tentar aH. iUiuração da prosperidade comercial do s Países Baixos Es-

panhóis e o aumento da receita real. O feitiço, porém, vi -rou contra o feiticeiro. Os holandeses retornaram, agora:

; i l ic i tamente para a Península. Conseguiram meios de eva-

d i r os 30% de taxa extra e outros estrangeiros ignoraramr i impletamente o regulamento de não carregar produtos pe -n insula res para portos holandeses. A medida foi uma brevedadiva para os portugueses e holandeses que, uma vez ain-da, puderam comerciar em Setúbal e Lisboa se m muita in -i .r iTerência espanhola, m as criou um amargo protesto po rpar te do s hanseáticos e ingleses e provocou um a retaliação

d i França. E m janeiro de 1605, a lei foi totalmente revo-r , : u i a . A completa proibição do comércio holandês e o eon-

f i s c o do s seus bens foram simultaneamente proclamadas:

n pesar de ser escrupulosamente garantido um ano de graçapara se removerem com os seus bens. Antes do ano termi-

i ' i i r , os neerlandeses no s portos portugueses qu e fossem li-

geiramente suspeitos de manter conexões com o inimigo fo -i i m transportados doze léguas distante das praias. Em vis-l. n do ano de graça, não poude ser antes do término de 1606i | u c o último mercador holandês saiu da Península. Quatroi n r : ; o s mais tarde, em 4 de maio de 1607, a Trégua do s Oitoi n r : ; o s fo i assinada, terminando po r quatorze anos as hos-

l d dades holandesas-ibéricas no teatro europeu. Visto que os

Aniuiduques em Bruxelas, em abril de 1608, estavam emitin-

d n .salvo-condutos ao s mercantes holandeses para o comér-

c i o na Península, é claro que o batavo e o lusitano perdes-te m pouco tempo em abertamente recomeçar a sua velha,i i i n d a que de certa f o rma azeda conexão, numa forma legal.l M i r a n t e a "Trégua dos Doze Anos", terminada em 1621, oM i i u c r c i o português-holandês na Europa prosseguiu se m inl-

i l i m e s , m as poderemos melhor aquilatar a significação dís-i" se observarmos o período sob o ângulo americano.

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196 R e v . do Ins t . Arq. His t . e G e o g . P e r n .

II

O s nee rlandese s colonos, soldados, age ntes comerciais,h ome n s de negócio e me s mo como n ave g an t e s mercadores

apareceram cedo na cena brasileira. Em vista d a antiga eestreita relação entre os Países Baixos e Portugal na Eu r o-pa, isto é pouco surpreendente. Fácil de ser compreendidoporque os reis de Portugal durante a maior parte do século

XV I criaram poucas leis contra a entrada, domicílio ou co-mércio do estrangeiro cristão e amigo e m seus territóriosamericanos, que, devido principalmente a razões estratégi-

cas, eles d e s e j a v a m v e r ocupadas e produz indo . Daí, no fo-ral de Duarte Coelho, como naqueles dos outros donatários,

ter sido especif icado que s esmar ias s er iam dadas l ivr emen-te a toda pessoa, qualquer qu e fosse sua condição e quali-

d a d e , desde que fosse cristã-católica. Assim, um Arnau deOlanda, nativo de Utrecht , pôde vir legalmente a Pernam-buco, como se diz, com o próprio donatário colonizador e m1553, e enriquece , casa-se e funda uma prolífica e famosafamília . Seria interessante saber quantos outros tiveram a

mesma sor te nas capitanias nascentes do Brasil! Também

houve trabalhopara o

soldadona

n ovaterra e nas arma-

das e nas suas colónias os portugueses pareciam preferir osartilheiros alemães e f l ame n g os . Assim é que três anos an-

te do alemão Hans Staden servir , nessa qualidade, em SãoVicente um "Henrique de Memberga, f lamengo, bombardei -ro", aparece na lista de pagamentos de Tomé de Sousa, na

Bahia .O s capitalistas dos Países Baixos cedo investiram na e m-

presa brasileira; colocaram capital no talvez primeiro en-

genho de açúcar a ser er ig ido na Colónia. Três homens as-

sociaram-se a Martim Afonso de Sousa na sua aventura:

presumive lmente em 1533 , e um deles e ra João Venista, qu e :

se não era ele próprio um neerlandês, pelo menos fora ca-

sado com uma mulher daquela nacional idade chegando ase r sócio-proprietário, co m Erasmo Schetz, do e n g e n h o doS e n h or G ove r n ador . Este banqueiro neerlandês, o mais in-

f luent e nativo financeiro de Antuérpia, com ou através deJohan Hulscher, se u fe i tor e m Lisboa, comprou, e m 1550, aspar tes de três sócios de Venista, chegando a ficar com 75 %de interesse no engenho e nos canaviais circunvizinhos, is tono próprio ano de sua morte. Alguns anos mais tarde, seusfilhos e herde i ros , e m companhia de Julião Visnat (JohanVleeminck? ) , compraram a quarta parte restante. Esse his-

R e v . do Ins t . Arq . His t . e G e o g . P e r n . 197

I I H - Í C O e n g e n h o to r n ou - s e e n tão um a propr iedade exclus iva-i i n i l, o n e e r l an de s a , daí o chamar-se "São Jorge dos Eras-

R I O S " . Fo i dir ig ida po r s u p e r i n t e n de n t e s e fe i tor es enviadosi r i n . s propr ie tár ios , pe lo menos até 1591, quando os Schetzi i n i i o s na t e rce i ra geração, t i veram a sorte semelhante aAntuérpia , caíram e m dias amargos, e e s t avam e x p e r i me n -i . i i K Io grandes dif iculdades e m v e n d e r o e n g e n h o e m têr-I M I I . S satisfatórios.

Foi o interesse de Schetz em São Vicente que pareceI r r trazido para o Brasil o s primeiros navios d e proprieda-' ! < • neerlandesa e, com toda a possibilidade, as primeiras tri-p u l açõ es d os Países Baixos. É preciso l embrar qu e isto nã ol n i incompatível com os regulamentos qu e governavam o co-m r i c i o e a n ave g ação e n t re a metrópole e a colónia. Nos fo-i n ; não havia proibição explícita para o comércio estran-i i lro, ou mesmo para os navios neutros no Brasil . Isto pa -H ic estar contido na s palavras: "quaisquer pessoas estran-

r i n i i s , que não forem naturais de meus Reinos , ou Senho-i ' < > : ; , q u e a dita terra l e va r e m, o u mandarem levar quaisquermercador ias , posto que as l e v e m de me u s R e i n os , ou Se-i horios, e que cá t e n h am p ag o dízima, pagarão lá da entra-

• i i ilíd ima a mim das mercador ias , que ass im levarem, e car-H i i n d o na dita Capitania mercadorias da terra para fora

i 'ni ' . : i . r -me-ão assim mesmo dízima da saída d as tais merca-* l i n n u s " . Há confi rmação dis to no r eg imento preparado e m

l v i i t para guiar os p r ove dor e s da f a z en d a na observânciai l i i ; : sous de v e r e s on de o rei fala sobre "Toda Ias naus, e na -v i o : ; , que de meus Reinos , e Senhorios, ou fora deles forem

I I 1 ' ditas terras d o Brasil..."

Cer tamente parece qu e Erasmo Schetz e s e u filho, de -I I I I I H dele , nã o t i v e r am dificuldade e m ob t e r permissão parai M i v i j i r os s eus navios ao Brasil. E m 1 5 d e j an e i r o de 1549.M I I I I I "urca d e Flandres", d e duzentas toneladas, desviou-se| na rota d e Portugal para o Brasil, e aportou em São

i | > c i m i n g o , nas índias Ocidentais ; ta lvez ela per tencesse a: H r h H , z . Ulrich Schmidel narra, no seu famoso diário d eHfclicm, qu e tarde e m 1552 chegou a São Vicente v indo deHlboa um navio p e r t e n ce n t e a Johan Hulscher, "mercador

> i ' i . i sboa e agente de Erasmo Schetz". Em junho d e 1552 .•pliinidel encontrou um navio por tuguês e m Sã o Vicente :

< i K pado de açúcar, pau-brasil e algodão, pertencente a o sI v l i H . K . Aparentemente e l es mandaram outra v ez u m navio

m Urasil em 1556-1557, pois em 22 de março do último ano

u m Hidrach Esquete , f lame ngo, capi tão da nau São Jorge",

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198 Rev. do Inst. Arq. Hist. e Geog. Pcrn.

chegada ao Brasil, foi denunciado perante a Inquisição emLisboa, "por ter dito que se não devia rezar aos Santos qu eforam homens como nós". Evidentemente, ideias heréticasbe m como mercadorias não só da Franca mas também dosPaíses Baixos estavam já cruzando o Atlântico. Não pareceacidental que o engenho de Schetz e o dito navio invocas-sem o nome do mesmo santo patrono.

As fontes contemporâneas conhecidas guardam silêncio

sobre outros navios neerlandeses qu e talvez tenham vindoao Brasil durante os próximos dois decénios e meio . Êstpperíodo provou ser não apenas de rápido desenvolvimentobrasileiro, especialmente na produção do açúcar, mas tam-bém do embaraço português nas desavenças políticas e re-ligiosas espanholas.

Os Huguenotes franceses ocuparam o Rio de Janeiro eos seus corsários e negociantes de pau-brasil infestaram am-

bos os lados do Atlântico. Logo vieram também os depredá-tórios mar inheiro s ingleses, agora sujeitos a uma rainhainescrupulosa e protestante. Ambos abriram o caminho aoigualmente herético e rebelde "Mendigo do Mar" holandês

qu e próximo ao fim do período apareceu pela primeira vez.Todos eram cubiçosos da riqueza que os espanhóis e portu-gueses carregavam através do oceano.

Portugal, dependendo primeiramente de ligeiras carave-las para a comunicação com as suas colónias atlânticas, e . - . -

tava mal preparado para o duplo problema apresentado pe-la ameaça do corsário e crescimento da soma do açúcar bra-sileiro, para não falar do pau-de-tinta, que de uma formaou de outra tinha que ser transportado sem perigo para ojmercado ocidental europeu. No princípio de 1557, uma leido Rei D. Sebastião, reforçada por um regimento de 1571 eum alvará de 1577, especificou o número de homens e o to*tal de armamentos que as embarcações portuguesas, em vá-rias categorias, eram obrigadas a ter, com o fito de melhordefendê-las no oceano. Esses regulamentos nunca foram exe-

cutados, qomo os próprios oficiais portugueses' admitiramtristemente em 1606 e mesmo em 1621. Como resultado, par-ticularmente depois da sua anexação à Espanha, os portu-gueses sofreram uma profunda perda de navios, no momen-to exato em que o volume das mercadorias que tinham detransportar para dentro e fora do Brasil estava rapidam en-te subindo.

Posto qu e fosse imperativo escapar ao dilema, uma so-lução foi improvisada, levando a uma prática, na qual os

Rev. do Inst. Arq. Hist. e Geog. Pern . 199

u 1 1 , imos efeitos provaram ser nada menos que fatídicos nahistória portuguesa e brasileira. Grandes navios de trans-

porte, chamados urcas, quase exclusivamente alemães e ho-landesas, foram contratados para a carreira da colónia ame-

r i cana pelos mercadores portugueses e coletores de dízimos< • pau-brasil , e mesmo pela Coroa, quando nã o foram re -quisi tados à força . Assim, ao s norte-europeus continentais

especialmente ao perigoso inimigo holandês, que estava para

Iniciar o seu grande despojamento do império e comércioportugueses em qualquer parte do mundo, foram oferecidasentradas tranquilas aos recursos, mercado e lucros do Bra-sil.

Não é possível, dentro dos limites deste trabalho, apre-sentar um a detalhada descrição do levantamento; desenvol-vimento, ramificações, desvios, vicissitudes e grande vitali-dade deste ramo de comércio, o qual persistiu de uma for-ma ou outra até 1521. C om exceção de alguns exemplos, ccomércio pode, aqui, ser descrito apenas em termos gerais.

Comecemos com um caso julgado perante a Corte do Al-mirantado Inglês, que ilustra o caráter da indireta partici-pação holandesa no comércio do Brasil em 1581. Naquelean o um navio português o São João, cujo mestre era Gas-

pa r Rodrigues, fo i trazido como presa para um porto deGales. Car regav a 428 caixas de açúcar e seis sacos de al-godão. Em janeiro seguinte, William Vermeyden, um neer-landês na Inglaterra, possuindo procuração dos proprietá-

rios, fez a petição para reaver todas as mercadorias, exce-tc setenta e oito caixas de açúcar pertencentes ao mestree à tripulação. O resto da carga pertencia a "John Holscheralemão; Conrad Coimans, holandês; Prancis Lawrence, ho-

landês", todos residentes em Lisboa, e a "John Vanderbekeholandês residente no Brasil".

A evidência da posse foi convincente para a Corte e orogo fo i concedido, ma s somente 28 0 caixas ma l acondicio-nadas restaram intactas para a restituição.

Exemplos do emprego de navios holandeses e tripula--cão para carregar as mercadorias holandesas e alemãs-ho-

landesas para e fora do Brasil, via Lisboa, são primeiro en-contradas nas minhas fontes do ano 1587. Em abril desseano, quando Robert Withrington atacou a Bahia, encontrouuma u rca de Vlissingen, de 250 toneladas e 24 canhões, an-corada na costa. Carregava uma tripulação holandesa e FreiVicente do Salvador conta-nos que ela pertencia, ou melhor

fora fretada por Everard Hulscher, "mercador flamengo" lá

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200 R e v . do Inst . Arq. H i s t . e G e o g . Pcrn .

r es iden te , casado com uma mulher por tuguesa e proprietá-r io de um enge nho no Re côncavo . Para seu desgosto e dosbaianos, o zeelandês, sob pressão, en t r egou-se aos inglesesum fato qu e p er t u r b ou , como v e r em os , o g o v e r n o e m M a -drid, logo que isto fo i c on h ec i do . A família deste "neerlan-

dês" Everard Hulscher era de or igem alemã, mas agora jáse tornara in t ernac ional , seus mem bros conve n ien teme ntecolocados como fe i tores ao r e d o r do Atlântico: Jacques, na s

Canár ias; Johan, como já vimos, em Lisboa; Karl, em Vigona Espanha; Hendr ick, e m Antuérpia e Adam al t ernada-m e n t e e m Middelburgo e Ham b u r g o . Ta l c ade i a m er c an t i lproporcionou, em tem pos tão per igosos, uma adaptação cam-biante para qualquer exigênc ia .

Foi-me possível en c on t r a r , e m documentos edi tados emanuscr i tos contemporâneos, mais de cem casos de tais na -vios holandeses e alemãs-holandeses no comérc io de trans-

porte do Brasil para os anos de 1587-1599, e ser ia inseguroa f i rm a r que a l is ta es t e ja completa . Para o per íodo de1600-1605 há, pelo meno s, o dobro , mas a co nta final aind aterá de s e r f e i t a . O comércio mostra característ icas gerais,mas den t ro dtestas exis t em inúmeras v ar iações . Se o nav io

saiu de u m por to holandês, navegou di r etamente ou pelarota de um por to alemão para Lisboa, Por to o u Viana, car -r e ga d o de cereal, outras matérias cruas e c om m an u fa t u r as .Lá o capitão, através dos por tugueses , obt inha um a l icen-ça para o Brasi l , tomando um pi loto por tuguês o u f e i to r , ecolocando fiança para tocar em Por tugal na sua v iagem dev o l t a . Ten do des c a r r eg ado t oda a f ro ta, exceto as merca-dorias destinadas ao Brasil, e le carregou v inho, azei t e e ma-

nufaturas adic ionais , mui tas vezes peninsulares , italianas em e s m o or ien tais , e m Lisboa ou Cadiz, ou exclusivamente vi-nhos e prov isões na M ade i r a e nas Canár ias . Pagou os im -postos prescritos e cruzou o At lântico, ge ralmente para aBahia ou Per n am b u c o e, e m certas ocasiões, para o R i o de

Janei ro . A estada habi tual no Brasi l era de quat ro me-ses, durante os quais os mercantes es t rangei ros e por tugue -ses a bordo ou res iden tes no Brasi l armazenavam ou ven-diam a carga e carregavam açúcar , pau-de-tinta e algodãopara o cruzamento de re torno .

.A s urcas holandesas e alemães, qu e juntas dever iamcontar por dois terços até três quartos de navios navegandoentre Por tugal e a Europa Setentrional durante esses decé-nios, foram populares como nav ios de carga e passageiros

portugueses, sendo usadas para muitos fins na v iagem ao

R e v . do Inst . Arq. Hist . e G e o g . Per n . 201

i i i a , . s i l . Elas eram grandes, co m r elat iva comodidade e s e -r . n ra nç a , e pelas suas própr ias qual idades oferec iam imuni-

' i : i i l < > contra um ataque in imigo. A Coroa r epet idamente asi r c | u u s i t o u para t ranspor tar o s g ov e r n ador es - g e r a i s e seus1 1 , o v e i s , soldados e abastecimento r eal para o Brasil . Para

' i i . i i r somente alguns exemplos, o Governador Franc isco dei i c H i . s a e o est imável Gabr iel Soares de Sousa, em 1591, par-i i n u n para o Brasi l em duas urcas fr etadas pela fazenda

n ; U ; o capitão m o r Manoel Mascarenhas, e m 1595, v e m ai r m am b u c o co m tropas e munições e m três urcas embar-

K i i d a s e m Setúbal no início daquele ano; e o G o v e r n a d o r -( I c r a l Diogo Botelho apor tou numa urca no R e c i f e , e m 1602.

Os contratadores da s al fândegas, dízimos e pau-brasil

l a m b e m p r e f e r i a m as urcas es trange iras , qUando podiamo l > l , ê - l a s , para o t ranspor t e d e suas pesadas cargas brasilei-I ; L S . N a colónia eles faziam a coleta do s dízimos e taxas e mrnieros, nesse caso o açúcar, assim como recebiam as suas( M i o t a s anuais d e pau-de-tinta a ser t ransfer idas para o m e r -cado europe u, an tes que pude ssem recupe rar o pr inc ipal mais

o lucro . Em 1594, queixaram-se ao rei que se não lhes fos -se ofe rec ida um a proteção cont ra o au m en t o do s saques do s

corsários não poder iam sat i sfazer as obr igações es t ipuladas .Po r esta razão a Coroa ap r ov ou , se p u der m os dar créditocompleto a uma carta escrita por um inglês da época e mLisboa, que lhes fosse permit ido env iar ao Brasi l duas es-M i i a d r a s holandesas, cada um a composta de v in te urcas (1) .

, Certo é que, e m 1599, os contratadores da al fândega r ecebe-ram autor ização, e m v i r t u de de u m a cláusula de contrator.special, para mandar v in te urcas à colónia anualmente,Dois anos mais tarde, os cont ratadores de dízimos no Bra-s i l t i v e r am a permissão de mandar anualmente se is urcas,porém co m a condição de que fossem alemães neutras enã o holandesas in imigas . Não que isso quizesse dizer algu-ma coisa, pois não somente em Po r tugal mas também no

Brasil o holandês, armado co m papéis falsos, passou comoalemão, p e l o m en os até 1605. Pode se r p r ov ado , com do-cumentação bilateral, que muitas das urcas, que pretendiamno Brasil se r alemães, depois qu e r e t o r n av am p ar a as suas

pátr ias admit iam a sua v e r d a d e i r a nacional idade .

( l ) Esta carta, inédita, escrita de Lisboa e m 6 d e dezembro de1594, fo i-me gent i lmente cedida pe lo sr . Harold V. Livermore ,Educat ional Director of the Hispanic and Luso-Brazilian Coun-

cils, Canning House , London.

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£02 R e v . do Inst. Arq. Hist. e Ge og . Pe rn .

O governo central em Madrid começou, entretanto, a in-

quietar-se com as possíveis consequências da pronta admis-são, pelos portugueses, do s estrangeiros e particularmente donegociante e transportes holandeses nas suas posse ssõe satlânticas. O episódio do mercante zeelandês que, e m 1587,de se rtou para o lado de Withrington, no porto da Bahia, ofe-r e c eu ao re i que já havia iniciado, ainda qu e hesitante, s

política de excluir os rebeldes do comércio peninsular, a

va n t a jo s a oportunidade de inquirir sobre o qu e acontecera,apesar d e s e r matéria de jurisdição portuguesa. El e pediupara s e r informado sobre o que as leis de Portugal diziamco m relação à entrada de estrangeiros e seus navios nas

colónias. Quando houve o indício de nada existir de explíci-ta proibição, promulgou-se um a lei, em 9 d e fevere i ro de . '!1591, pela qual s e ordenava essencialmente que daí em dian-te nenhum navio ou pessoa estrangeira poderia ir às pos-sessões portuguesa além do s Açore s e Madeira, s em um al ic ença real especial ( 2 ) . Isto é um exemplo da influênciaespanhola sobre a legislação colonial portuguesa.

Como já vimos, as exceções permitidas na lei de 1591, pé-,.

Ia própria Coroa e oficiais lusitanos interesseiros foram

muitas. A interdependência 'económica dos portugueses eholandeses na Europa e a necessidade lusitana de navega-çã o suplementar para as colónias era tão grande naquelet empo que não permitiam outros meios de ação mais prati-

cáveis ou agradáveis. Todavia, o perigo e as desvantagens

de ter o holandês e mesmo o. neutro alemão carregado um aparte substancial do comércio brasiliano logo s e tornaramaparentes àqueles ainda não fascinados pelos seus interes-

s e s particulares. Tendo colocado o pé na porta, o estran-

geiro quiz empurrá-la e deixá-la aberta. Quase desde o co-m e ç o , o holandês e o alemão, mestres da s naus, com umaexcusa ou outra, quebraram suas promessas de parar e mPortugal em suas viagens de volta e pagar os impostos; em jv e z disso, navegavam diretamente ao s seus portos do norte.Isso fo i apenas um degrau para o estabelecimento de umcomércio direto entre o Brasil e a Europa Setentrional, doqual uma parte surpreendente se desenvolveu, facilitada pe-

los contactos abundantes que os estrangeiros possuíam ago-ra no próprio Brasil. Esses laços amigos habilitaram aos

(2 ) A cópia do texto desta le i foi-me enviada pelo s r . ^ Manuel Dié-gues Júnior, do Rio de Janeiro, a quem sou imensamente grato.

R e v . do Inst. Arq. Hist . e Ge og . Pern. 20 3

holandeses , ademais, o contrabando de mercadorias, comom:ule i r a de tinta e gengibre, retiradas fora do Brasil e m

a p r e c i á v e l quantidade.

Os portugueses no exílio, os restantes aderentes de D.António e o cristão novo emigrante, que já gravitavam aon dor do nascente empório de Am s t e r da m , agora começam

i sor um fator . no comércio holandês no Brasil. Em 1600,< • : . estados gerais nã o somente confirmaram a proteção prè-

\e estendida ao s mercadores da nação portuguesa, re -ulonte s nas Províncias Unidas, mas também lhes concede-

ram o privilégio de comerciar livremente no Brasil, v ia Lis-

i i i i a . C om e fe i to , isso foi uma garantia para que a s merca-i l < n u a s q ue d e l á traziam para as Províncias Unidas duran-i. v a guerra, e m navio português ou holandês, nã o fossemM i j citas a confisco pelos corsários holandeses, e m caso der a p t u r a no mar. Essa proteção encorajou-os a explorar aomáximo as suas excelentes conexões comerciais e culturaisr m Portugal e no Brasil, permitindo-lhes contribuir mate-

r ia lment e , se não decisivamente, para o surto de Amster-dam, e m 1621, como principal centro europeu de refinaçãor distribuição do açúcar.

Os aspectos militares da expansão comercial marítimai l s i s Províncias Unidas, assim como as determinações d'El Ee i< ! < • Espanha para excluir os rebeldes do comércio do s eu du-l i l o império, trouxeram um fim, e m 1605, a todo o comércioestrangeiro permitido no Brasil. Já naquela época estava

l claro que o intento holandês era o de faze r o comércio co mu n i braço e , com outro, levar a guerra ao mundo colonial1 1 « ( ' ' r i c o . A sua ofensiva oriental desenvolveu-se rapidamentec, na verdade, ele já tinha atacado duas vezes, apesar del ir . eiramente , o Brasil.

O obje t ivo final do s trinta e seis navios de guerra e deuns quatro mil homens destacados pelos Estados Gerais em

l ! > ! ) 9 , para capturar Sã o Tomé, no Golfo da Guiné, era o

' l l r a s i l . Como falamos atraz, as doenças que dizimaram a1 1 M ca em São Tomé arruinaram o poder e f e t i v o de ata-i | u c . U m esquadrão, porém, conseguiu cruzar o Atlântico.N a noite de Natal, o comandante Hendrik Hartman apare-c e u de improviso na Bahia co m sete pesados navios de guer-

i n e um patacho, conduzidos pelas m il toneladas do Jardim

i i « Holanda Pelo espaço de dois meses e le bloqueou o porto« •m)uanto os brasileiros ponderavam o estranho espetáculoi l c agentes e mercantes holandeses simultaneamente fazen-

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204 Rev . do Inst. Arq. Hist. e Geog. Pern.

do negócios e saqueando o Recôncavo. Esse ataque forçouo crônicamente pobre governo da metrópole a fortalecer re-

lutante as defesas do Brasil. Para auxiliar a pagar os gas-

tos, um cruzado de taxa extra foi imposto em cada caixa

de açúcar exportado, mas contra isto os colonos com sucesso

protestaram como violação dos seus forais. Mercadores ho-

landeses residentes em Pernambuco foram também apreen-

didos, mas eles e seus amigos locais juraram ser leais cató-

licos neerlandeses ou privilegiados alemães e assim logo obti-

veram liberdade.Em 1603, os Estados Gerais outra vez aprovaram um ata-

qu e naval ao Brasil, mas cuidadosos dos seus próprios súdi-

tos que lá f az iam o comércio, livraram certas categorias demercadores da captura pelas suas forças. Co m sete naus degue r r a , outra ve z conduzidas pelo Jardim de Holanda, o Ai- ',

mirante Paulus van Caerden entrou na Bahia em meladosde julho de 1604. Durante as seis semanas seguintes ele mais

de u ma v ez bombardeou a cidade, roubou as embarcações

e saqueou os arredores. Esse ataque foi o começo do fimdo aberto comércio estrangeiro no Brasil. Em conexão coreo fechamento absoluto da Península para os holandeses, Fi-lipe III em 18 de março proibiu a todos os navios e pessoas. •

estrangeiras ir daquela data em diante a qualquer colónialusi tana. Estritamente ordenou também, a todos os estran-

geiros residentes nelas, retornar para a Península dentro de lum ano.

Parece ser pouco duvidoso que a lei de 1605 tenha sido

executada ao pé da letra, pelo menos até 1621. Nos milha-

res de fólios dos manuscritos desse período que tive o pri-mvilégio de examinar nos arquivos europeus e americanos, hàwpoucos exemplos de licença real para pessoas ou navios es-

trangeiros irem ao Brasil. Disto porém não se deve deduzir j

qu e o ativo comércio holandês com a Colónia tivesse parado;

em v ez disso há evidência digna de confiança qu e ele con-

tinuou e mesmo aumentou. O fato é que a corrente princi- *

pai tornou-se subterrânea; isto é, foi inteiramente condu-zida no nome e pelos portugueses, ou pelo menos através depessoas que em Portugal possuiam o direito de comerciar nas*

colónias.

Quais os interesses associados em conduzir, manter, fi-

nanciar, proteger os lucros desta extensiva e clandestina

operação durante os 14 anos de real trégua? Certamente os

negociantes-capitalistas das Províncias Unidas em geral, e

Rev. do Inst. Arq. Hist. e Geog. Pern. 20 5

part icu larmente aqueles em A mst e r d a m qu e tinham grandes

in t e resses na re f inação e distribuição do açúcar, foram ou r u p o dominante e a força impulsionadora. Quase todos

e r a m nativos neerlandeses. Depois da cessassão das hostili-dades holandêsas-ibéricas em 1607, eles rapidamente esta-

beleceram os seus .velhos contactos e reorganizaram a rede

do s agentes mercantes holandeses em Portugal, Madeira,

Açores e nas Canárias, lugares esses dentro da então chama-

da zona europeia, onde o comércio holandês fo i benvindo

pelos espanhóis e portugueses. O segundo grupo, compostopelos cristãos novos que foram, num verdadeiro sentido, ins-

trumentos dos capitalistas neerlandeses, concentraram-se em

Amsterdam, cresceram em número e apesar de não possuí-

re m grandes recursos eram já aliados com o comércio nativo

pelas suas excelentes conexões familiares, e comerciais em

Por tuga l , nas ilhas atlânticas e no Brasil. Combinados, es-

ses interesses canalizaram a principal corrente do açúcar

brasileiro para as Províncias Unidas durante a Trégua dos

Doze A no s .

Como isto fo i feito, é claro que não posso descrever em

(ictalhe nesta ocasião. Os holandeses entrepreneurs cons-

l.ruíram anualmente dez a quinze navios para a carreira

brasileira, frequentemente em sociedade com os cristãos no-vos do local. Sob o pretexto de que os navios tinham sido

comprados pelos portugueses, os mesmos foram registados e

colocados sob a direção e operação dos últimos e assim pos-

to s no transporte comercial brasileiro. Mas, verdadeiramen-

te , eles continuaram a ser propriedade, em grande parte, dos

neer landeses . As cargas qu e traziam do Brasil eram, quan-

do possível, desembarcadas no Porto ou em Viana, onde osimpostos aduaneiros, em contraste co m Lisboa, eram dez emv i ; z de vinte por cento, isentos de avaria. Essas cidades ti-

nham muitos judeus negociantes e, distantes da metrópo-

le sofreram menos da direta vigilância do governo. Conse-

<iuen temente, os oficiais eram mais facilmente subornados

i! os mercadores holandeses frequentemente fugiam ao paga-

me nt o de impostos sobre as mercadorias que por esta via

eram enviadas ao Brasil.

O comércio holandês também f loresceu no Brasil pela

rota das ilhas atlânticas. Em 1618, fo i comunicado por in-div íduos fidedignos que dez navios holandeses chegavam

imualmente na Madeira e nos Açores com cargas destinadas

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7/28/2019 Os Holandeses No Brasil Antes de 1621_Revista Do IAHGP

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ao Brasil, cada um avaliado em 50.000 ducados . Nas ilhas

essas mercadorias eram transferidas através dos agentes ho-

landeses locais e complacentes oficiais portugueses, para na-vios licenciados partindo de Lisboa para o Brasil. Açúcar e

outros produtos legalmente trazidos do Brasil em troca des-

sa mercadoria fo ram, por seu turno, colocados nos navios

holandeses nas ilhas e levados diretamente para os Países

Baixos. Em adição, há um número de exemplos de viagens

ao contrabando holandês diretamente para o Brasil, os quais

não posso aqui especificar. Também a interessante e não

insignificante história do estabelecimento do comércio ho-

landês, feitorias e- pequenas colónias no Rio Amazonas en-

tre 1598 e 1621, tão pouco pode ser aqui tratada.

Assim, durante a Trégua dos Doze Anos, enquanto os

portos portugueses foram completamente abertos aos holan-

deses, estes puderam, como nunca antes, explorar por ca-

minhos diretos ou simulados, o mercado e os produtos bra-

sileiros. Em uma Memória dirigida aos Estados Gerais em

1622, os negociantes interessados no comércio brasileiro afir-

maram categoricamente que por ocasião da Trégua há pou-

co terminada, de quarenta a cinquenta mil caixas de açú-

car tinham sido levadas anualmente do Brasil para as Pro-

víncias Unidas, pela rota de Portugal; que da metade a dois

terços do comércio de transporte do Brasil estiveram, sub

rosa, em mãos holandesas; que as três ou quatro refinarias

de açúcar no país, em 1594, tinham acrescido para vinte e

nove em 1621 e que o alto número de empregados, a saída

de mercadorias e a construção de navios haviam aumen-

tado substancialmente a prosperidade holandesa. O Brasil,

desse modo; havia emergido como um dos grandes interes-

ses na economia nacional.

Em que a apreciação da parte vivida pelos holandeses

no Brasil, antes de 1621, contribue para o nosso melhor en-1

tendimento do grande período de suas atividades aqui? Ela

esclarece a antiguidade e, mais importante, a continuidadede interesse holandês na colónia americana-portuguêsa. Isso

ofe rece perspectiva. Portanto, torna-se óbvio que o intento

holandês para conquistar o Brasil não pode ser atribuído a

uma decisão não premeditada, a um impulso de corsário,

a um desígnio j u d e u ou outra qualquer causa individual.

Mais propriamente foi o produto de um profundo, estabele-

cido, na realidade compelido interesse, largamente económi-

co , desenvolvido durante o espaço de uns quatro decénios.

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i vrca de 1621 esse interesse foi o poder soberano para um ai n f l u e n t e parte de negociantes holandeses. Quando ficou evi-

d e n t e a esse grupo, que era fortemente representado na no-

v u Companhia das índias Ocidentais, que a renovação da

r .iu í rra não só lhes fecharia outra vez a Península, mas tam-i K ' n i os privaria do acesso ao açúcar brasileiro, eles aconse-

iMuram a conquista da colónia. As suas vozes foram ouvidas

c u decisão tomada. O Brasil então entrou numa época de

tribulações. Temporariamente ele foi desmembrado, mas no1 1 m os seus filhos se uniram para livrá-lo e conseguiram al i b e r t a ç ã o . Hoje todas as Américas celebram aquele feito he-

I C I Í C O .