os gatos de gorete 15

17

Upload: editora-barauna-se-ltda

Post on 23-Jul-2016

222 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

“Mas a essência do homem, sua verdadeira identidade, não é uma coisa nem uma forma e sim um estado de consciência.”

TRANSCRIPT

  • OS GATOS DE

    GORETE

  • So Paulo - 2015

    OS GATOS DE

    GORETEMaurcio Cerqueira Lima

  • Copyright 2015 by Editora Barana SE Ltda.

    Capa Felippe Scagion

    Diagramao Felippe Scagion

    Reviso Alessandra Angelo Primavera

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    ________________________________________________________________

    L699g

    Lima, Maurcio Cerqueira Os gatos de Gorete / Maurcio Cerqueira Lima. - 1. ed. - So Paulo: Barana, 2015.

    ISBN 978-85-437-0479-1

    1. Fico brasileira. I. Ttulo.

    15-26039 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

    ________________________________________________________________31/08/2015 31/08/2015

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

    DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIO EDITORA BARANA www.EditoraBarauna.com.br

    Rua da Quitanda, 139 3 andarCEP 01012-010 Centro So Paulo SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

    Todos os direitos reservados.Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorizao da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

  • Para Mateus e Sofia, meus gatinhos queridos.

  • Esclarecimento

    Esta uma obra de fico, quaisquer semelhanas com fatos ter sido mera coincidncia.

  • Sumrio

    Captulo i Achados e perdidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    Captulo ii Irm ngela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    Captulo iii Trezentas cilindradas na br-101 . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    Captulo ivKtia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    Captulo v Peixe frito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

  • Captulo vi As dores do mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

    Captulo viiProfessor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

    Captulo viii A solido devora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

    Captulo ixEstorvo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

  • 11

    Os gatos de Gorete

    CAPTULO I ACHADOS E PERDIDOS

    Eu comecei assim: Prezado senhor Secretrio de Ad-ministrao da Cidade do Salvador... E aqui mesmo parei pela primeira vez. Prezado? Eu no deveria dizer ilustre ou ilustrssimo? Da cidade ou do municpio de Salvador? Tinha que adotar um tom mais formal, mais chato. sempre bom tratar o Secretrio de Administrao com alguma dignidade, ainda mais quando se vai fazer um pedido de transferncia para outro setor. Sim, porque qualquer coisa deve ser melhor do que contar, catalogar e arquivar os documentos perdidos no carnaval da cidade e depois, o resto do ano: contar, catalogar e arquivar os do-cumentos perdidos nos pontos tursticos, nas praias, nos estdios de futebol, nas reparties pblicas, nos bancos, nos jardins, nas praas e que sempre encontram uma alma

  • 12

    Maurcio Cerqueira Lima

    caridosa que os leva para a Secretaria de Administrao, depois eles so encaminhados ao Departamento de Assis-tncia Social, Seo de Achados e Perdidos e terminam vindo para mim, especialmente para mim, que tenho essa tarefa maravilhosa, dentro da estrutura administrativa do municpio... Municpio ou cidade?

    Bebi um gole de caf mais um. Municpio, definitivamente. Cidade o espao f-

    sico, municpio a organizao poltica e administrativa, com suas reparties, chefes de setor, encarregados, almo-xarifes e todas as chatices disse eu em voz alta olhando para a garrafa de caf.

    Pressionei o backspace apagando todo o comeo da frase. Nem prezado, nem cidade. Ilustre j estava bom demais, porque ele no tinha cara de excelncia e eu tra-balhava para o municpio, e no para a cidade.

    Sempre gostei de conhecer pessoas novas, fazer amiza-des, porque tenho vivido sozinho neste mundo; fui criado por minha me Ideli, que me ensinou as primeiras letras, os valores morais, a honestidade: no pegar as coisas alheias, respeitar os mais velhos e cumprir a palavra empenhada. Minha me adotiva, que me povoa a lembrana dos tempos bons do Largo do Papagaio, onde eu empinava pipa, jogava pio e corria com os moleques da rua.

    Ilustre Secretrio de Administrao, quero traba-lhar atendendo ao pblico conversando com as pessoas, saber dos seus destinos, de suas ideias, onde moram, do que vivem, do que gostam...

    s vezes falo sozinho alto mesmo porque preciso me escutar, ouvir minha voz, como se eu fosse dois: um

  • 13

    Os gatos de Gorete

    que fala e o outro que escuta. A coisa s complica quan-do eu discordo de mim mesmo, porque no tenho como ouvir uma terceira opinio.

    Uma vez falei sobre minha transferncia com o meu chefe Eustcio, do setor de Achados e Perdidos para o Protocolo e ele me respondeu:

    No, Gustavo! Voc fica puxando conversa com os outros e termina que no faz nada. Voc tem que tra-balhar sozinho numa sala com os formulrios, assim eu controlo sua produtividade. Por isso eu decidi passar por cima do chefe e pedir minha transferncia diretamente ao Secretrio, que deve ser escrito com letra maiscula, para dar dignidade ao cargo.

    O Protocolo era um lugar legal, tinha gente nova o dia inteiro, umas pessoas boas, outras meio estres-sadas, mas no final das contas nenhum dia igual ao outro. L no Achados no, era tudo sempre igual. Eu no sabia diferenciar uma tera de uma quinta-feira. Quando pensava nisso sentia uma tristeza profunda; ouvia o eco das vozes dos meninos do Largo do Papa-gaio, que pareciam to prximos de mim, do meu co-rao juvenil, da minha vontade de ver o Brasil crescer e dar certo como nao.

    Nunca mais os vi, nenhum deles. Jorge morreu: foi atropelado por uma Kombi que fazia transporte clandes-tino l em guas Claras. Pedrinho matou um cara, foi preso e fugiu, sumiu no mundo. Kel, Tetinha e Afonso, nunca mais soube deles. A ltima vez que vi Elielson ele estava na feira vendendo verduras: as pessoas constroem os seus destinos, no existe nada predeterminado!

  • 14

    Maurcio Cerqueira Lima

    Minha vida toda foi uma luta, de menino pobre sem pai nem me, criado num pensionato no Largo do Papa-gaio, sofrendo espancamento dos meninos maiores, cor-rendo da escola municipal para casa, de casa para o pri-meiro emprego, do primeiro emprego para o Barrado...

    Ver o meu Vitria jogar...Duas lgrimas me escorreram de um olho s, no

    deu tempo de enxugar, elas caram sobre o registro geral de Otvio Trindade de Freitas, que perdeu a carteira com todos os documentos na Rua da Alcobaa, em Massaran-duba. Minha solido molhou o documento de um cida-do de Salvador, isso no est certo.

    Est vendo, senhor Secretrio? Eu deveria ter es-crito isso na petio. Est vendo, senhor Secretrio? Mi-nha solido molhou o documento de um contribuinte! Pelo amor de Deus, me transfira para o Protocolo, que lugar de gente. No me deixe aqui sozinho nessa sala enorme, cheia de rostos estranhos estampados em docu-mentos; este humilde estatutrio concursado, com dez anos de bons servios prestados.

    Outro caf da pequena garrafa trmica, minha com-panheira das longas conversas filosficas. O salrio era pequeno, mas o caf era gostoso. Feito por D. Ernestina, a mulher que sabia mais da vida da gente do que a gente mesmo. Sim senhor. Ela andava pelos corredores procu-rando as histrias dos funcionrios da Secretaria. Outro dia contou que Almeida do almoxarifado estava de caso com a secretria do chefe da Seo de Licitaes e Con-tratos Administrativos e Outras Chatices. Tudo certo e provado; teve gente que viu os dois saindo do motel.

  • 15

    Os gatos de Gorete

    D. Ernestina quem sabe contar o caso direitinho.Apertei o fundo da lapiseira para aumentar a ponta

    do grafite. Um sopro de Deus passou por minha cabea e eu fiquei parado, olhando para o vazio sem pensar em nada, com a lapiseira na mo, o grafite.

    Eu tinha uma famlia: pai, me e irmo, mas eles sumiram muito cedo, no sei o que aconteceu. Termi-nei indo morar, ainda com 3 ou 4 anos, num abrigo de menores e depois me Ideli me adotou por piedade e eu fui viver no pensionato dela. Na medida em que fui crescendo ela me contava que eu ainda tinha um irmo vivo, parecido comigo e mais novo um ano, ou dois. Ningum sabia onde ele morava, talvez no sul da Ba-hia, ou em Minas Gerais. Eu no sabia nem seu nome. Talvez Irm ngela soubesse e pudesse me ajudar, mas ela estava to velhinha!

    Das lies de me Ideli assimilei que a vida era dura pra quem nasceu sem bero, por isso estudei muito e consegui passar num concurso pblico da prefeitura. O salrio no era grande coisa, mas me sustentava e ainda sobrava algum para o lazer. Casar e ter filhos, com esse salrio? Esquece... Fui tocando minha vida assim mesmo, uma namorada aqui e outra ali.

    Fechei a gaveta e passei a chave. J eram 5h23, mais do que o regulamento exigia, que era fechar a sesso s 5 horas da tarde. Pegar o buzu e voltar para casa.

    At amanh me despedi da garrafa trmica.

    (****)

    Blank Page