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* Mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa pela UNESP, Araraquara, SP. Professor de Língua Espanhola na Unioeste e de Língua Portuguesa na Rede Pública de Ensino (PR) ** Doutorado pela UNESP, Assis, SP. Atualmente é Professora Associada na Unioeste, Campus de Cascavel, PR. Os Enunciados de Avaliações Escritas *Dari J. Klein **Aparecida Feola Sella RESUMO: Este texto trata de um breve estudo sobre os enunciados de avaliações escritas promovidas no Ensino Fundamental. Como uma das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional, a presente pesquisa teve por principal objetivo promover discussão e reflexão acerca da avaliação escrita, o que envolve os docentes e a equipe pedagógica em torno do tema avaliação. A abordagem volta-se principalmente para uma instigação nascida da prática, embora, nesse momento, embasada ainda de forma inicial em teóricos que lidam com a noção de enunciado. Para isso, tomaram-se como objeto as próprias avaliações escritas, aplicadas no primeiro semestre de 2008, em uma escola pública estadual. Para essa análise e discussão, foram selecionados enunciados, referentes a disciplinas distintas, que apresentam lacunas em sua tessitura e organização. Para melhor compreender o fenômeno e melhor analisá-lo, não apenas de modo empírico, recorreu-se a alguns conceitos presentes em Bakhtin (2000), Koch (1997), Possenti (2001), bem mais como início de discussão que para um aprofundamento teórico sobre os conceitos. Os resultados obtidos acenam para um possível leque de respostas diante das lacunas verificadas, o que aqui tratamos como uma ponte para discussões mais amplas acerca da elaboração dos enunciados de avaliações escritas. Palavras-Chave: Enunciados, avaliação escrita, redação RESUMEN: Este texto aborda los enunciados de evaluaciones escritas de los últimos años de la Escuela Primaria. Como una entre las actividades do Programa de Desarrollo Educacional, el proyecto se desarrolla en la escuela y tiene como finalidad principal realizar una discusión y reflexión que involucrase a los docentes y el equipe pedagógico sobre el tema evaluación. El abordaje se vuelca hacia una investigación nacida de la práctica, aunque, para el momento , basada aún en teóricos que lidian con la noción de enunciado. Para ello, se plantearon como objeto las propias evaluaciones escritas, aplicadas el primer semestre de 2008, en una escuela pública. Para dicha reflexión, análisis y discusión, fueron seleccionados algunos enunciados de todas las asignaturas, específicamente aquellos que presentan lagunas en su tesitura y organización. Para mejor comprender el fenómeno y poder analizarlo, no apenas de modo empírico, se recorrió a algunos teóricos de la Linguística Textual – Bakhtin (2000), Koch (1997), Possenti (2001), mucho más como inicio de discusión que para una profundización teórica sobre los conceptos por ellos trabajados. Los resultados logrados señalan hacia un posible abanico de respuestas ante las lagunas verificadas; lo que aquí planteamos se presenta como un puente hacia discusiones más amplias acerca da elaboración de enunciados de evaluaciones escritas. Palabras-Clave: Enunciados, evaluación escrita, redacción.

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* Mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa pela UNESP, Araraquara, SP. Professor de Língua Espanhola na Unioeste e de Língua Portuguesa na Rede Pública de Ensino (PR)

** Doutorado pela UNESP, Assis, SP. Atualmente é Professora Associada na Unioeste, Campus de Cascavel, PR.

Os Enunciados de Avaliações Escritas

*Dari J. Klein

**Aparecida Feola Sella

RESUMO:

Este texto trata de um breve estudo sobre os enunciados de avaliações escritas promovidas no Ensino Fundamental. Como uma das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional, a presente pesquisa teve por principal objetivo promover discussão e reflexão acerca da avaliação escrita, o que envolve os docentes e a equipe pedagógica em torno do tema avaliação. A abordagem volta-se principalmente para uma instigação nascida da prática, embora, nesse momento, embasada ainda de forma inicial em teóricos que lidam com a noção de enunciado. Para isso, tomaram-se como objeto as próprias avaliações escritas, aplicadas no primeiro semestre de 2008, em uma escola pública estadual. Para essa análise e discussão, foram selecionados enunciados, referentes a disciplinas distintas, que apresentam lacunas em sua tessitura e organização. Para melhor compreender o fenômeno e melhor analisá-lo, não apenas de modo empírico, recorreu-se a alguns conceitos presentes em Bakhtin (2000), Koch (1997), Possenti (2001), bem mais como início de discussão que para um aprofundamento teórico sobre os conceitos. Os resultados obtidos acenam para um possível leque de respostas diante das lacunas verificadas, o que aqui tratamos como uma ponte para discussões mais amplas acerca da elaboração dos enunciados de avaliações escritas.

Palavras-Chave: Enunciados, avaliação escrita, redação

RESUMEN:

Este texto aborda los enunciados de evaluaciones escritas de los últimos años de la Escuela Primaria. Como una entre las actividades do Programa de Desarrollo Educacional, el proyecto se desarrolla en la escuela y tiene como finalidad principal realizar una discusión y reflexión que involucrase a los docentes y el equipe pedagógico sobre el tema evaluación. El abordaje se vuelca hacia una investigación nacida de la práctica, aunque, para el momento , basada aún en teóricos que lidian con la noción de enunciado. Para ello, se plantearon como objeto las propias evaluaciones escritas, aplicadas el primer semestre de 2008, en una escuela pública. Para dicha reflexión, análisis y discusión, fueron seleccionados algunos enunciados de todas las asignaturas, específicamente aquellos que presentan lagunas en su tesitura y organización. Para mejor comprender el fenómeno y poder analizarlo, no apenas de modo empírico, se recorrió a algunos teóricos de la Linguística Textual – Bakhtin (2000), Koch (1997), Possenti (2001), mucho más como inicio de discusión que para una profundización teórica sobre los conceptos por ellos trabajados. Los resultados logrados señalan hacia un posible abanico de respuestas ante las lagunas verificadas; lo que aquí planteamos se presenta como un puente hacia discusiones más amplias acerca da elaboración de enunciados de evaluaciones escritas.

Palabras-Clave: Enunciados, evaluación escrita, redacción.

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1 Introdução

Este texto convida a uma reflexão sobre o nosso trabalho em sala de aula, mais

precisamente sobre uma de nossas atividades: a avaliação escrita. O objetivo principal,

embora pareça redundante, é estudar nossa própria avaliação escrita, considerando o que

propõem as Diretrizes para o Ensino Fundamental, acolhendo propostas de teóricos da

linguística a partir de suas pesquisas, formação e experiência. A eleição sobre esse tema

deve-se a uma preocupação, e um reconhecimento, em primeiro lugar, da própria

dificuldade no que tange à avaliação escrita, não apenas como momento de checar e

mensurar o que o aluno aprendeu ou deixou de aprender, mas também como instrumento

de diagnóstico e informação dos resultados do trabalho do professor no período. Ademais,

defende-se aqui a tese de que a avaliação pode ser um momento de aprender e informar e

não apenas uma oportunidade de provar-se o que se sabe.

2 A avaliação escrita no contexto pedagógico

Não cabe ao professor do Ensino Fundamental decidir se faz ou não avaliações, pois

ao fim de cada bimestre lhe é solicitado que entregue à Secretaria da Escola um registro

onde devam constar os números referentes à lista de chamada da série e a nota atribuída

ao aluno, incluindo sua recuperação de estudos. As Diretrizes do Departamento de

Educação Básica1 (Diretrizes de Português, p.81) se referem à avaliação realizada com

essa finalidade com o nome de “somativa”. Elvira C. A. Souza Lima, pedagoga da USP de

Ribeirão Preto, dá alguns detalhes sobre esse aspecto da avaliação:

A avaliação somativa é uma avaliação que certifica a conclusão de um curso escolar, ou oferece um reconhecimento social baseado no cumprimento de uma série de requisitos estabelecidos pela burocracia institucional. Ela se baseia em um recorte temporal institucional: provas bimestrais, provas semestrais e exame final. Para o educando, significa uma atividade na qual seu conhecimento é medido. De seu desempenho, naqueles momentos escolhidos como rituais de passagens na escola, vai depender seu futuro na instituição.

Mas as Diretrizes do Departamento de Educação Básica (Português, p. 81) preveem

também outra finalidade nas avaliações, à qual chamam de “formativa, cuja finalidade é

apontar dificuldades que possibilitem e encaminhem para a intervenção pedagógica. A

avaliação, pois, com essa última finalidade, “informa ao professor e ao aluno acerca do

ponto em que se encontram e contribui com a busca de estratégias para que os alunos

aprendam e participem mais das aulas”. Para Souza Lima (2002) essa se contrapõe à

somativa, pois serve ao aluno e ao professor, como indicadora do estágio de

1 As Diretrizes de Língua Portuguesa constam da http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/ diretrizes_2009/portugues.pdf. Orientamos a mesma consulta a páginas devidas às outras áreas.

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desenvolvimento discente e também como norteadora da direção dos próximos passos

no processo; seu objetivo não é, pois, classificar, senão situar ambos, professor e aluno, e

possibilita, assim, avançar no processo e ensino e aprendizagem. Logo, se tomadas como

obrigação de prover uma nota, as avaliações correm o risco de perder o seu aspecto

pedagógico: momento de ensino-aprendizagem e dispositivo de diagnóstico efetivo do nível

de aprendizagem e aquisição das informações trabalhadas no período.

Além dessas duas finalidades propostas pelo DEB - formativa e somativa -, expressas

nas diretrizes, defende-se aqui que a avaliação escrita pode representar, para o aluno e

professor, um momento de aprender e refletir sobre o conhecimento. Mas isso depende de

como se elaboram os enunciados das questões, ou seja, dos objetivos e intenção do

elaborador ao criá-las e aplicá-las.

Optamos por lidar com a noção de enunciado proposta por Bakthtin (2000), ao

afirmar que a língua se realiza sob a forma de enunciados orais e escritos, produzidos por

indivíduos de uma ou de outra esfera da atividade humana. E, como cada enunciado

apresenta as marcas – presentes no tema, estilo e recursos que oferece a língua – relativas

às esferas que os produzem, em seu conjunto os enunciados produzidos num mesmo

espaço e tempo apresentam características comuns, dando origem ao que denominou

gêneros do discurso.

Então, os enunciados sobre os quais este texto trata dizem respeito ao ambiente de

sala de aula, ou seja, os enunciados pertencem a textos que provêm da esfera pedagógica.

Assim, aqui apenas se enfocam os enunciados que constituem perguntas, questões de

avaliações escritas, sobre os quais se pretende uma reflexão, por meio de atividades

desenvolvidas primeiramente com docentes e equipe pedagógica; um segundo passo é a

sua publicação on line, envolvendo outros docentes do Ensino Fundamental do Estado do

Paraná, via publicação no Portal.

Dentre os textos com os quais o aluno entra em contato no ambiente escolar, as

avaliações formam um conjunto específico e talvez aquele com o qual tenha uma

preocupação particular, pois é principalmente com base nas avaliações que se qualifica e

quantifica seu desempenho. Em razão da importância desse gênero de texto particular do

ambiente pedagógico, este trabalho enfoca a avaliação escrita e propõe uma reflexão a

partir de enunciados.

Qualquer pessoa que tenha passado pela experiência de ser avaliado por meio da

modalidade escrita não desconhece que quanto mais objetivo e claro o texto do enunciado

de uma questão ou problema, tanto maior é a probabilidade de compreender e entender o

que se pretende. A objetividade e a clareza reduzem acentuadamente a ambiguidade; ou

seja, há uma relação próxima entre o sentido que o enunciador quer imprimir ao texto e o

sentido que o seu interlocutor acolhe do enunciado. Possenti (2001, p.77) alerta para o fato

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de que a interação entre o falante e o ouvinte se dá por meio da linguagem que, às vezes,

pode oferecer obstáculos para a compreensão:

na verdade o que foi dito, se por um lado é a garantia à qual pode apelar o locutor, se acusado de produzir um efeito que não intencionava, pode ser a garantia do interlocutor de que tal efeito decorre do que foi dito. É que é possível um trabalho diferente sobre a mesma coisa. É nisso, aliás, que se distinguem os sujeitos. Especificamente, um constitui um enunciado para produzir um certo sentido, e outro trabalhou sobre o enunciado para extrair dele um certo efeito. A coincidência não é garantida.

Não raro se queixam os docentes de que os alunos apresentam dificuldades na

interpretação das questões, ou, na sua própria forma de expressar-se, “não entendem o que

se pede”. Por outro lado, também existem aqueles, embora sejam poucos, para não dizer

raros, que, após a correção de uma avaliação, reconhecem que essa ou aquela questão

apresentava problemas e por isso não fora bem entendida; e o resultado, em razão disso,

fora por isso prejudicado. Em razão disso, ao proceder-se a uma análise dos enunciados de

avaliações escritas, também se julga necessário considerar a resposta do aluno para avaliar

a possível dificuldade ou facilidade sempre em relação aos elementos postos no enunciado.

No entanto, é provável que isso não ocorra na maioria das questões, senão que apenas em

um determinado número, ou ainda isso dependa da matéria ou tema em questão, além de

outras variáveis que certamente podem interferir.

O texto das Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná – Artes (2009,

p.32) alerta para o fato de que “os enunciados de atividades avaliativas devem ser claros e

objetivos. Uma resposta insatisfatória, em muitos casos, não revela, em princípio, que o

estudante aprendeu o conteúdo, mas simplesmente que ele não entendeu o que lhe foi

perguntado. Nessa circunstância, o difícil não é desempenhar a tarefa solicitada, mas sim

compreender o que se pede”. Uma amostra disso pode estar representada no fato corrente

e recorrente de ler-se a prova escrita antes que os alunos se disponham a respondê-la; ou

até mesmo seja hábito comum por parte dos discentes a solicitação de sua leitura. Assim, a

leitura que antecede a avaliação escrita poderia ser uma possibilidade de esclarecimento de

dúvidas sobre alguma questão, cuja linguagem ou redação não seria entendida somente por

meio de uma leitura. Analisando-se a partir de outro ponto de vista, essa possível dificuldade

no entendimento e interpretação dos enunciados pode representar uma dificuldade diante

da necessidade de se ter de identificar lacunas existentes nos enunciados.

No texto das diretrizes elaboradas pelo DEB, a avaliação é considerada como parte

integrante do processo educativo, que serve tanto como meio de diagnóstico do processo

ensino-aprendizagem como instrumento de investigação da prática pedagógica, sempre

com uma dimensão formadora, uma vez que a finalidade do processo é a aprendizagem ou

a sua verificação. Além disso, por meio dos resultados da avaliação, seria possível refletir

sobre a ação da prática pedagógica; e os resultados obtidos poderiam servir de base para

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avaliar a instituição escolar, mas esse não é o nosso objetivo. Para Lima (2002-2003,

apud Diretrizes Curriculares do Ensino Básico, p. 31), a avaliação não serve apenas para

acompanhar o desempenho discente no presente e mudar as práticas que revelam ser

insuficientes e insatisfatórias, mas também para apontar novos caminhos para superar

problemas e fazer emergirem novas práticas educativas:

A avaliação, nesta perspectiva, visa contribuir para a compreensão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com vistas às mudanças necessárias para que essa aprendizagem se concretize e a escola se faça mais próxima da comunidade, da sociedade como um todo, no atual contexto histórico e no espaço onde os alunos estão inseridos.

O Departamento de Educação Básica assinala que a avaliação do processo ensino-

aprendizagem, entendida como questão metodológica, é de responsabilidade do professor,

realizada, sobretudo, com o intuito de investigar para intervir. Assim, a seleção de

conteúdos, os encaminhamentos metodológicos e a clareza dos critérios de avaliação

elucidam a intencionalidade do ensino, enquanto a diversidade de instrumentos e técnicas

de avaliação possibilita aos estudantes variadas oportunidades e maneiras de expressar seu

conhecimento. Por isso, produzido e aplicado com caráter pedagógico, o processo avaliativo

passa a ser um instrumental que possibilita ao professor o acompanhamento do processo

de aprendizagem de seus alunos e o desenvolvimento dos processos cognitivos. No

entanto, esse processo precisa estar conforme com as Diretrizes para a Educação Básica

propostas pelo Estado:

É importante ressaltar que a avaliação se concretiza de acordo com o que se estabelece nos documentos escolares como o Projeto Político Pedagógico e, mais especificamente, a Proposta Pedagógica Curricular e o Plano de Trabalho Docente, documentos necessariamente fundamentados nas Diretrizes Curriculares (Diretrizes Curriculares de Artes, p. 31)

Se por um lado o processo avaliativo que permeia o currículo seja de

responsabilidade do professor, por outro ele não pode ser uma escolha solitária. Mais que

isso, as Diretrizes do DEB indicam que a avaliação deve envolver o coletivo da escola, para

que todos (direção, equipe pedagógica, pais, alunos) assumam seus papéis e se concretize

um trabalho pedagógico relevante para a formação dos alunos. Assim, ainda de acordo com

essas diretrizes, a atividade de avaliação, como constituinte do processo de ensino-

aprendizagem, não deve diferenciar-se das demais atividades, porque ambas têm a

intenção de ensinar, e por isso a avaliação não é apenas o momento de verificação,

checagem do que se absorveu, mas também o momento de ensinar e aprender. Quanto a

esse aspecto, o que se propõe mais adiante é uma redação alternativa para alguns

enunciados, de forma que estimulem a reflexão e exercitem o raciocínio lógico e a análise.

Nas diretrizes, como já dito, a avaliação não é um apêndice em relação às outras

atividades de ensino. Por isso, as estratégias, instrumentos e critérios de avaliação precisam

ser decididos no momento da constituição do planejamento e definição dos conteúdos

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específicos a serem trabalhados no período: “Os critérios de avaliação devem ser

definidos pela intenção que orienta o ensino e explicita os propósitos e a dimensão do que

se avalia. Os critérios são, pois, um elemento de grande importância no processo avaliativo,

porque articulam todas as etapas da ação pedagógica” (Diretrizes Curriculares do Ensino

Básico – PR, pp.32-33)

No que diz respeito aos instrumentos de avaliação, as diretrizes alertam de que

esses devam ser pensados e definidos de acordo com as possibilidades teórico-

metodológicas. Assim, por exemplo, para se avaliar a capacidade e a qualidade

argumentativa, um debate, uma discussão coletiva ou produção de um texto são mais

adequados que provas escritas do tipo assinalar respostas com múltipla escolha. Por isso,

nas diretrizes faz-se um alerta de que a utilização repetida e exclusiva de um mesmo tipo de

instrumento de avaliação reduz a possibilidade de observar os diversos processos

cognitivos dos alunos, tais como memorização, observação, percepção, descrição,

argumentação, análise crítica, interpretação, criatividade, formulação de hipóteses, entre

outros.

Quanto à elaboração dos enunciados de atividades avaliativas, estes, segundo o que

indicam as diretrizes, devem ser claros e objetivos. Uma resposta insatisfatória ou

incompleta, em muitos casos, não revela, em princípio, que o estudante não tenha

conhecimento sobre o tema ou conteúdo, mas simplesmente que ele não entendeu o que

lhe foi perguntado. Nesse caso, torna-se difícil avaliar porque surge a dúvida sobre o seu

desempenho: ou não tem conhecimento sobre o fato ou assunto ou não compreendeu o que

se pede. E assim, a avaliação torna-se em princípio inútil, pois não cumpre seu objetivo

(Diretrizes Curriculares do Ensino Básico 2008). Então, ao docente o domínio da linguagem

é essencial para que sua atividade seja produtiva em qualquer momento.

3 A linguagem das aulas e a da avaliação

Houve um tempo em que os recursos didáticos se resumiam a um quadro fixo à

parede, giz, o livro didático e alguns mapas. Hoje, as salas de aula das escolas públicas do

Estado do Paraná contam com TV Pendrive e em cada instituição há pelo menos um

laboratório de informática. No entanto, por mais que se equipem salas de aula com diversos

recursos de mídia, o docente continua sendo o elemento de maior importância no processo

de ensino-aprendizagem. Por isso sua capacidade de interação, sobretudo pelo uso da

linguagem verbal, sua atitude e disposição, argumentação e objetividade interferem

diretamente na qualidade dos resultados de seu trabalho como docente em sala de aula.

A partir da posição que ocupa o docente na interação professor-aluno, o primeiro

exerce um potencial poder de influência, não somente a partir de sua posição como

professor, mas também por sua postura e conhecimento que detém. Consideremos que sua

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exposição e argumentação, pelo uso da linguagem, não têm outro objetivo que

explicar da melhor forma os conteúdos de sua disciplina e convencer sua audiência, seus

interlocutores.

Em sala de aula, um professor é um sujeito que passou pelos estágios do Ensino

Fundamental à Graduação; e um número considerável, dentre esses, dedicou-se à pós-

graduação. E seus interlocutores, no caso de discentes do Ensino Fundamental, não

chegaram sequer à metade dos anos de estudos e leituras de seus docentes, ou então

figuram na primeira terça parte desse estágio. Teoricamente, ninguém escreve para não ser

entendido, mas na prática equívocos ocorrem. Possenti (2001, pp.75-76) deixa clara essa

situação ao afirmar que a heterogeneidade dos falantes e a maleabilidade da língua são

resultado do trabalho desses mesmos sujeitos:

como nem todos os que trabalham por uma língua são iguais, é de se esperar que o produto apresente irregularidades, desigualdades, traços, enfim, da trajetória de cada um dos elementos constituidores de uma língua. (...) Dada esta multiplicidade de recursos desiguais que a língua oferece à atividade do locutor a cada discurso, pode-se legitimamente supor que o locutor escolhe aqueles recursos que mais adequadamente serve a sua finalidade.

Mas é na enunciação ou discurso que o falante exerce concomitantemente duas

ações: manutenção e reação. Possenti (2001; 76) expõe isso da seguinte maneira:

produzir um discurso é continuar agindo com essa língua não só em relação a um interlocutor, mas também sobre a própria língua. No mínimo, a cada vez que um locutor diz uma palavra, está colaborando para que a língua continue mantendo um determinado traço ou, inversamente, para que ela venha a modificar-se (ou, terceira alternativa, para que ela continue a manter duas variantes deste “mesmo” traço).

Na sala de aula, seja qual for a disciplina, a linguagem é o que possibilita, segundo

Koch (1997), “trazer o mundo” para dentro da sala de aula e ao mesmo tempo exportá-lo

para fora da sala. Eis porque “o discurso como prática social” é o princípio norteador do uso

da linguagem, seja ela oral, verbal, por meio de sinais, códigos... E a linguagem de uso no

ambiente pedagógico geralmente é a oral e, às vezes, com o apoio de recursos visuais. É,

pois, sobretudo no ambiente pedagógico, que se realiza a função social da linguagem, pela

formação do sujeito e transmissão do conhecimento historicamente acumulado pela

Humanidade. É pelo uso da linguagem que se traz o mundo para a sala de aula e se exporta

o mundo da sala de aula para a vida futura. Para Koch (1997, p.29), quando se interage por

meio da linguagem, há sempre uma intenção interativa subjacente:

Quando interagimos através da linguagem (...) temos sempre objetivos, fins a serem atingidos; há relações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar, comportamentos que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos atuar sobre o (s) outro (s) de determinada maneira, obter dele(s) determinadas reações (verbais ou não-verbais). É por isso que se pode afirmar que o uso da linguagem é essencialmente

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argumentativo: pretendemos orientar os enunciados que produzimos no sentido de determinadas conclusões (com exclusão de outras). Em outras palavras, procuramos dotar nossos enunciados de determinada força argumentativa.

E a autora complementa que a indicação e orientação argumentativa dos enunciados

se dá por meio de mecanismos, os quais denomina marcas linguísticas da enunciação ou da

argumentação (Idem, ibidem); ou ainda, em determinadas situações, pelos modalizadores .

A denominação operadores argumentativos, segundo a linguista, foi cunhado pelo criador da

Semântica Argumentativa, Ducrot (1987) . Com esse termo o linguista francês faz referência

aos elementos de uma língua cuja função é mostrar a força argumentativa dos enunciados,

a direção (o sentido) para o qual apontam. Ou seja, os enunciados podem ser analisados

sob este aspecto, ou seja, a busca do sentido com que foram produzidos pela enunciação.

Há outros autores, cuja atenção está mais voltada ao texto, e também se interrogam

quanto ao sentido e significado dos enunciados. Em primeiro lugar, um enunciado é um

texto ou discurso como ocorrência oral ou escrita, com um sentido e uma função. Para

Costa Val (1999), uma série de fatores, os quais denomina pragmáticos, contribuem para a

construção de seu sentido. Ainda segundo essa autora, alguns elementos são peculiares a

cada ato comunicativo, tais como as intenções do enunciador, o jogo de imagens mentais

que enunciador e enunciatário fazem ambos de si entre eles. Além disso, para ela, o

contexto sócio-cultural em que se insere o discurso também se constitui num elemento

condicionante de seu sentido, na produção e na recepção, na medida em que delimita os

conhecimentos partilhados pelos interlocutores. Assim, segundo essa autora, um texto será

bem compreendido quando avaliado sob três aspectos: o pragmático, o semântico-

conceitual e o formal. O primeiro aspecto diz respeito ao funcionamento do texto enquanto

atuação informacional e comunicativa; o segundo diz respeito à coerência imanente ao

discurso; e o terceiro diz respeito à coesão do texto (COSTA VAL, 1999).

A coerência é a responsável pelo sentido do texto por não apenas envolver aspectos

lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende da partilha de

conhecimentos e informações entre os interlocutores. Logo, para que um texto seja

compreendido e entendido por seu interlocutor, depende da participação deste, pois

necessariamente precisa ter conhecimentos necessários suficientes para compreendê-lo.

Ou seja, um texto, para ser compreendido, ademais de ser claro em sua produção, depende

da capacidade de pressuposição e inferência do recebedor/interlocutor. Não basta domínio

do código linguístico, mas sim de outros conhecimentos e informações. Mas o domínio da

linguagem verbal é imprescindível e, no caso deste estudo, da linguagem escrita. Por essa

razão, ao serem elaborados enunciados de avaliações para discentes de quinta série,

indivíduos que estão na faixa de dez e onze anos, com não mais de quatro anos de leitura,

há que se ter em conta seu estágio de desenvolvimento para compreensão de certos

conceitos, a possível limitação de seu vocabulário, pois alguns termos que são de uso

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corrente pelos adultos, não o são para essa faixa etária. Num livro didático da 5ª série

(Borgatto, 2007, p.27), já no primeiro capítulo, ao trabalhar-se com o Conto Popular, pede-

se que o aluno identifique “situação inicial, conflito, clímax do conflito e desfecho”, e que o

discente aponte no conto os parágrafos onde essas situações ocorrem. Tem-se que “clímax”

não é um termo de uso comum em seu cotidiano e, embora, o docente explique e localize o

trecho no conto citado, não é um termo que o aluno vá usar frequentemente. Logo, ainda

que se explique o seu significado e o sentido, no caso do conto, o emprego do termo num

enunciado de avaliação pode dificultar a compreensão do que se pede numa avaliação

escrita. Em resumo, ao elaborarem-se enunciados há que se ter em conta a organização do

enunciado e o emprego de vocabulário comum à faixa etária e seu alcance. Mas isso nem

sempre os autores de livros didáticos do Ensino Fundamental têm em conta.

Bakhtin (2003, p.261) inaugura o capítulo que trata dos gêneros textuais ou do

discurso com a afirmação de que “todos os diversos campos da atividade humana estão

ligados ao uso da linguagem”. E o emprego da língua, para ele, realiza-se sob forma de

enunciados, sejam eles orais ou escritos2. A essência da linguagem é, pois, fundamental e

essencialmente referenciação, ou seja, é um falar-sobre o real – físico e abstrato – e

também sobre as atividades humanas, incluídas nelas a própria linguagem. Koch (2005;

p.34-35) recorda, citando uma obra anterior com Marcuschi, que, por meio da linguagem,

atividade cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, produz-se o que chama de

“discursivização” ou “textualização” do mundo.

“... a discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em um simples processo de elaboração de informações, mas em um processo de (re)construção do próprio real. Os objetos do discurso não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-na no próprio processo de interação: a realidade é construída, mantida e alterada não apenas pela forma como nomeamos o mundo mas, acima de tudo, pela forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele.

E assim, também, as aulas, os livros didáticos, as enciclopédias... não fazem outra

coisa que informar, apresentar, discutir, refletir, informar a realidade externa – porque nelas

encontram-se o presente o passado e as projeções e perspectivas futuras – sob forma

organizada de texto, ou discurso. É o que Koch denomina “discursivização”. Da mesma

forma, na elaboração de enunciados está-se tratando da realidade externa via discurso, via

linguagem.

2 Do que se pode inferir pela nota do tradutor, esse termo, em Filosofia da Linguagem, aparece traduzido ora

por “enunciação” ora por “enunciado”. Isso também se deve a que Bakhtin não tenha feito distinção entre esses dois termos. Ele empregava um mesmo termo tanto para o ato de produção do discurso oral quanto para o discurso escrito, o discurso da cultura ou mesmo uma obra já publicada e absorvida por uma cultura.

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Ao que parece, Koch faz da “referenciação” a essência da atividade

discursiva, na medida em que o discurso é um falar-sobre a realidade servindo-se do

material linguístico sob domínio do falante. É possível entrever-se o princípio da autoria, e

por que não o aspecto da criatividade, quando o sujeito “realiza escolhas significativas para

representar estados de coisas com vistas à concretização de sua proposta de sentido”

(KOCH, 2005, p 35). E assim também, acrescenta, ocorreria com as formas de

representação e as formas de remissão textual, cujas escolhas se fazem em função de um

sentido que se quer dizer. Para Bakhtin em sua Estética da Criação Verbal, o enunciado,

embora represente um fenômeno complexo devido às implicações de suas relações – o

locutor, o discurso do outro, os enunciados anteriores, a intenção do discurso ... – não deixa

de ser apenas um elo, um enlace na cadeia da comunicação verbal. Como o outro –

interlocutor – não é tomado como um ente passivo, no ato da enunciação o discurso já é

produzido tendo em conta a resposta, reação do enunciatário. Daí ser o papel do outro

também relevante e considerável no teor do enunciado. Em resumo: a essência do

enunciado é o fato de estar sempre dirigido a alguém, estar sempre voltado ao outro: “o

índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar

voltado par o destinatário” (BAKHTIN, p.320). Então, para ele o estilo do discurso está

diretamente ligado à visão que o locutor-enunciador tem do outro – destinatário-enunciatário

– de quem espera não passividade, mas uma atitude de diálogo, pois ao enunciar prevê

uma resposta.

Se por um lado emprega-se a linguagem para interagir com o outro ou comunicar-se,

por outro lado, a estrutura e organização dos pode favorecer ou dificultar o entendimento por

parte do interlocutor. Ou seja, nem sempre é possível assegurar que o que se tencionava

dizer foi entendido com o mesmo sentido. Em se tratando de um texto num processo

avaliativo, sobretudo como instrumento de mensuração e aferição do processo de ensino-

aprendizagem, um texto mal construído e ambíguo perde seu valor em razão de não cumprir

sua finalidade e eficácia, ao mesmo tempo que interfere no processo pedagógico.

A título de ilustração, observe-se a seguinte questão, representada na figura abaixo:

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Para a resolução do caso representado pela figura, haveria que aplicar-se um

teorema: a soma dos quadrados dos catetos - lados menores - é igual ao quadrado da

hipotenusa – lado maior. Logo, sabendo-se isso, o quadrado de 3 é 9; e o quadrado de 4 é

16. Somando-se esses dois resultados, temos 25. Então o número que multiplicado por ele

mesmo resulta em 25 somente pode ser 5. Ou: 42 + 32 = x2 ->>> x2 = 16 + 9 ->> x2 = 25

Tirando-se a raiz quadrada dos dois elementos, tem-se então: x = 5

Portanto, o que se poderia haver solicitado no enunciado seria algo

aproximadamente como: “Encontre o valor da hipotenusa, representado pelo x” e não

apenas encontre o X.

No caso da questão de matemática envolvendo o Teorema de Pitágoras comentado

anteriormente, para quem elaborou, muito provavelmente para ela estava implícito que, ao

afirmar “encontre o X”, seria o mesmo que “Com base no Teorema de Pitágoras,

considerando os valores atribuídos aos catetos, calcule e encontre o valor de “x” - a

hipotenusa. Assim, ao que parece, não fez mais do que uma imensa economia de palavras,

a seu ver, dispensáveis. E, para o aluno conhecedor do Teorema, a soma dos quadrados

dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa, era de se supor que o que o docente, com a

economia de palavras, tinha a intenção de que se chegasse ao valor da incógnita, o que não

parece seja o caso da resposta dada acima.

Com decorrer do ano letivo o conhecimento que o docente detém sobre seus alunos

vai aumentando; conhece aos poucos seus pontos fortes e suas debilidades. Por isso, em

princípio, quanto mais os conhece melhor poderá avaliá-los. E ao elaborar os enunciados,

em suma suas avaliações o elaborador não espera outra resposta que aquela que ateste a

compreensão através de uma resposta ativa. Mas, às vezes, pela formulação e arranjo do

texto, podem ocorrer lacunas que obstaculizam a interação através da linguagem do

enunciado. Esse ponto será analisado mais adiante, a partir da seleção de alguns

enunciados extraídos das avaliações escritas aplicadas em 2008.

As imagens que constituem nossa memória de uma sala de aula muito provavelmente

se constituem de um professor diante de um quadro-negro, explicando a um grupo de

alunos sentados em fileiras, de frente para docente, ouvindo e às vezes levantando a mão

para um questionamento, uma intervenção por meio de um exemplo vivido. Em resumo: há

interlocutores – docente e alunos – em atividade em torno a um tema, abordado e tratado

numa linguagem, basicamente oral, com auxílio de um livro didático, mapas, um aparelho de

TV, entre outros. Mas basicamente é isso! Assim como a comunicação no cotidiano se dá

em sua forma oral, também na escola se dá privilégio ao ensino, empregando-se

principalmente essa forma de expressão. No entanto, as avaliações são basicamente em

sua forma escrita. Foi-se o tempo da “sabatina3”! O uso mais frequente da forma escrita

3 Avaliação composta de todas as lições dadas na semana, que ocorria sempre aos sábados (Diccionario Español)

12

poderia justificar-se pela praticidade: enquanto que as avaliações orais

demandariam várias aulas para sua realização, na modalidade escrita, em 50 ou 90

minutos, é realizada uma avaliação escrita com todo o grupo de alunos, avaliando-se todos

ao mesmo tempo. No entanto as Diretrizes do Ensino Fundamental fazem um alerta, como

já comentado anteriormente, para que se evite a utilização de um mesmo dispositivo, seja o

caso da avaliação escrita.

Excetuando-se as apresentações de trabalhos em grupos, coletivamente, no Ensino

Fundamental outras modalidades de avaliações orais são raras. Nem sequer as Diretrizes

para Línguas Estrangeiras Modernas indicam essa forma de avaliação. No entanto, para os

portadores de dislexia4, que envolvem entre 5 e 17% da humanidade, as avaliações orais

são as mais indicadas. Porém, se forem escritas, alguns estudos indicam que há

necessidade de serem priorizados alguns itens, tais como enunciados objetivos, claros e

concisos, entre outros5.

Não é preciso recorrer a estudos de linguistas para dar-nos conta do privilégio dado,

em todas as esferas, à comunicação oral em detrimento da comunicação escrita. Por isso

não é estranho que relacionemos a comunicação escrita com os estudos e os registros de

documentos. E não ignoramos que para o seu desenvolvimento demanda-se mais empenho

e dedicação que para o desenvolvimento da comunicação oral.

A língua escrita não é uma simples transcrição do que se fala; está mais subordinada

às normas gramaticais e a regras de organização textual. Portanto, requer mais atenção,

conhecimento e domínio dos recursos linguísticos, pois muitos recursos aos quais se recorre

na oralidade – expressão facial, gestos e entonação – não são disponíveis. Além disso, a

língua escrita é um registro, permanece ao longo do tempo, não tem o caráter efêmero da

língua falada.

Como já dissemos anteriormente, para Bakhtin (2002) todas as esferas da atividade

humana estão sempre relacionadas com a utilização da linguagem. E, para ele, o conceito

de enunciado está na base de seu estudo (Bakthtin 2002, p.279): “A utilização da língua

efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos

integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições

específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas”.

4 A IDA – International Dislexia Asociation - a define como Transtorno de Aprendizagem específico , de origem neurológica caracterizado por dificuldades na precisão e/ou fluidez no reconhecimento de palavras e por falta de habilidade na leitura e na codificação. E as consequências secundarias podem incluir problemas na compreensão leitora, e reduzem a experiência da criança com a leitura, fato que pode impedir o incremento do vocabulário e o desenvolvimento da redes semânticas que são o base do conhecimento. (Fonte: www.dislexia.com)

5 Se possível, deve ser dada prioridade a avaliações orais, para que, em tom de conversa, o disléxico possa dizer o que sabe. Se houver aplicação de interpretação de texto, é imprescindível que ele seja dividido em trechos pequenos. Outro aspecto é privilegiar a avaliação de conceitos e habilidades, não de definições. Também é importante garantir um tempo maior para realização da prova. Além disso, o ideal é que alguém possa ler os enunciados, textos e alternativas, uma questão por vez. Vale destacar que o leitor designado para tal tarefa possa ler com ritmo e entonação adequados.

13

Vimos, anteriormente, que nos escritos de Bakhtin não se estabelecia uma diferença

básica entre enunciado e enunciação, por ser o primeiro o resultado de um ato: a

enunciação. Assim Sella e Busse (2007, p. 23) parecem concordar quando afirmam que ato

de enunciação e produção de um enunciado se identificam, embora para as autoras a

interpretação não se dê apenas na consideração da frase, mas também no efeito resultante

da enunciação: “na verificação da significação da frase e na dos efeitos provocados pela

aparição do enunciado. O interlocutor interpreta um enunciado que lhe é transmitido,

associando os indícios da frase ao contexto da ocorrência”.

4 Os enunciados no contexto desta reflexão

Esta análise atém-se aos enunciados de avaliações escritas por considerá-los como

um fator preponderante, que tem interferência direta nos resultados da avaliação escrita. A

partir do que se pode antever do exposto acima, esta pesquisa tem por objeto avaliações

escritas das disciplinas que empregam esse tipo de avaliação, já aplicadas no primeiro

semestre de 2008 aos alunos de uma escola do Ensino Fundamental, sobre as quais

realizou-se uma análise de cunho mais geral, sem se ater a um determinado elemento

linguístico.

5 Procedimentos metodológicos

A instituição onde o projeto está sendo desenvolvido localiza-se no meio rural, cujos

alunos, em sua maioria, provêm de famílias que se dedicam à agricultura e à pecuária. Ali

existe apenas um grupo por série e o total das quatro séries – 5ª. a 8ª - aproxima-se de uma

centena de alunos que freqüentam o turno matutino. O índice de evasão é próximo a zero e

o de retenção na série tem sido inferior aos dez por cento nos últimos anos. Em sua maioria

os docentes permanecem na instituição de um ano para outro e a troca ou substituição não

chega aos vinte por cento anualmente. De modo geral, as famílias exercem um papel ativo

na vida escolar, pela frequência nas reuniões e presença quando solicitadas.

O material coletado para o desenvolvimento deste estudo constitui-se de enunciados

que norteiam avaliações escritas aplicadas no primeiro e segundo bimestres de 2008.

Foram recolhidas avaliações escritas de todas as disciplinas, exceto Educação Física em

razão de não ter sido realizada avaliação desse tipo no primeiro semestre. Optou-se pela

coleta de material no primeiro semestre em razão de que no momento em que elas foram

elaboradas e aplicadas ainda não se tinha o conhecimento de que seriam objeto de análise,

e seriam utilizadas no projeto a ser desenvolvido e aplicado na escola.

Para amostra de material, de uma mesma avaliação escrita de cada disciplina, foram

coletados três exemplares: de um aluno que figura entre os de menor rendimento de seu

grupo; de outro, considerado mediano; e de um terceiro, cujo aproveitamento esteja entre os

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melhores da sala, representados nos parênteses por A, B ou C. Para a escolha e

identificação desses três indivíduos, foi solicitada a indicação dos professores em atividade

na instituição há mais de dois anos, no período que antecedeu o recesso do mês de julho de

2008, quando todas as avaliações já haviam sido elaboradas e aplicadas e corrigidas. Dentre todas as questões de avaliações aplicadas, para esta análise foram tomadas

aproximadamente duas, para que fosse possível abarcar todas as disciplinas e tornar esta

análise menos extensa e, ao mesmo tempo, trabalhar coletivamente com todos os docentes.

O que se busca apresentar e discutir é o fato de que alguns enunciados de

avaliações podem apresentar lacunas em sua construção que, por sua vez, podem facilitar

ou dificultar a compreensão e interferir no que se espera em termos de resposta. Em razão

disso, dentre todas as avaliações que compõem o material para análise, reflexão e

discussão, de cada disciplina foram aquelas que, em razão de sua constituição, arranjo e

organização dos enunciados tenham provocado um número diferenciado e variado de

respostas. Assim, pois, para efeito do presente trabalho, houve a preocupação de

selecionarem-se as questões que mais representam enunciados lacunares, muito embora o

objetivo inicial tenha sido lidar com a comparação entre as questões de diferentes

disciplinas. Esse intento será objeto de investigação futuramente, pois requer um tempo

maior para a organização de todo o material colhido.

Quando se trata de enunciados relacionados a outras questões presentes na

“prova/avaliação”, essas são também citadas, porque o contexto orienta em parte o

entendimento esperado.

Ao abordar a redação dos enunciados propõe-se em alguns casos uma redação

alternativa, que se torna objeto de discussão com os docentes das diversas disciplinas nos

encontros de grupo, cujas propostas têm a finalidade interferir positivamente ao serem

elaboradas as futuras avaliações escritas. Em razão disso, para essa reflexão e discussão é

imprescindível a maturidade e a disposição para ouvir a opinião do outro que, por sua vez,

pode apresentar um modo de pensar diferente.

6 Uma proposta de análise de redação de enunciados

A seguir é apresentada uma relação de enunciados que fizeram parte de avaliações

escritas do Ensino Fundamental, realizadas no primeiro semestre de 2008. Foram

selecionados apenas alguns dentre eles, os quais servirão de base para esta reflexão. Os

enunciados a seguir relacionados se referem às disciplinas postas aqui em ordem

alfabética, iniciando-se por Artes e finalizando com Português. São apresentados alguns

comentários, além de sugestão de uma proposta alternativa para o enunciado em questão

em alguns casos.

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6.1 Artes - A seguinte questão foi extraída de uma avaliação aplicada na 8ª. série:

1. “O que foi o abstracionismo? Quando aconteceu?

Fonte: Dados da pesquisa R1.Iniciou no século XX na Alemanha. E um desenho que não tem forma própria,

não tem nada certo. Segue as esprecoes de sentimento através de cores e linhas sem coordenação. Uma “loucura” (8IIB - M.A.R)

R2.É uma forma diferente de se trabalhar com uma imagem, expresando nossos sentimentos, nossa imaginação em cada desenho realizado não fazendo cópias, trabalhando com a emoção de cada um. O abstracionismo surgiu no início do século XX. (8IIA – B.R)

R3:Forma de representação que não copia objetos ou outros desenhos é um desenho livre. Aconteceu no século XX. (8IIB – L.S.)

Como a disciplina de Artes – como seu próprio nome expressa – não trata apenas da

Pintura, mas de todas as artes, então o enunciado, para melhor situar ao interlocutor - o

aluno – poderia mencionar que o “Abstracionismo” foi um movimento ocorrido na Pintura ou

Artes Visuais. Assim, ao fazer-se uma questão ao mesmo tempo veicula-se uma

informação. Isso estaria de acordo com as diretrizes do DEB, ao indicar que as avaliações

não devam apenas ter a finalidade de checagem dos conteúdos apreendidos mas também

constituírem-se numa oportunidade de ensino e aprendizagem, estando as avaliações

incluídas no rol de atividades de ensino e não constituir-se numa atividade de verificação e

“cobrança”. Em razão disso, mais relevante do que questionar sobre o tempo e o espaço de

ocorrência do movimento na pintura - onde e quando - poderia ser mais significativo ater-se

às características desse movimento: - forma e cores, texturas, materiais, movimentos, etc -,

pois ele é considerado como uma reação à herança renascentista das Academias de Arte

(Wikipédia.org). Então, o que diferencia um quadro de Pit Pondrian de um pintor

Renascentista não diz respeito apenas à época e ao local senão que a outros elementos.

6.2.Ciências 6.2.1 - A seguinte questão foi extraída de uma avaliação escrita da 6ª série: 1. Diferencie Reprodução Sexuada de Assexuada?

R1: Sexuada é quando se toa o gameta femenino e o gameta masculino formando um novo ser vivo. (6IIA -A.E.S)

R2:Sexuada = com participação de sexo. Assexuada = sem a participação de sexo. (6IIB – L.W)

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R3:Sexuada: reprodução com Gameta. Assexuada: reprodução sem Gameta. (6IIC - A.C.H)

A título de comentário, basicamente a reprodução sexuada é aquela que dá origem a

um ser da mesma espécie, mas com características do macho e da fêmea que lhe deram

origem, ou seja, seus progenitores. Ela se dá pela fusão dos dois gametas (masculino e

feminino) – o que foi expresso na resposta 1 – e não citada na R2. Na resposta 1, ao se

dizer “um novo ser vivo”, poder-se-ia supor, identificar o implícito, ou seja, que aí esteja

subjacente a informação “contendo características de ambos”. Está implícito, subentende-se

a partir da forma verbal “diferencie”, que se apresente ou apresentem diferenças quanto aos

dois modos de produção. Como o enunciado é sucinto, cabe ao interlocutor inferir, extrair via

raciocínio do enunciado: as características que diferenciam as duas formas de reprodução.

Comparando-se as três respostas dadas para a pergunta de Ciências, nas respostas

1 e 3 é apresentado o elemento fundamental na reprodução sexuada: responsável pela

transmissão das características dos progenitores macho e fêmea na reprodução, porém não

é apresentada a implicância desse fato: a transmissão das características dos progenitores

aos novos seres; mas esse elemento está ausente na resposta dois – R2. Logo, do exposto

conclui-se que para a pergunta foram apresentados três respostas, com diferentes

elementos de informação: a participação de gametas, um novo ser (com características de

ambos progenitores) e ser sexuada. Então, poder-se-ia questionar sobre um outro modo:

como formular o enunciado para essa questão e assegurar que o interlocutor entenda que

há elementos fundamentais num e noutro tipo de reprodução e que, por sua vez constituem

a resposta para essa pergunta? Como a pergunta para o nível de compreensão para a faixa

etária dos alunos? Mais ainda, como induzir a relação entre o conhecimento empírico que o

aluno detém com aquele apresentado na sala de aula sobre a reprodução sexuada e

assexuada? Nenhum dos alunos ignora o procedimento para plantar mandioca e cana, ou o

processo de reprodução dos animais em geral.

Os discentes, da 6ª série, a quem foi aplicada essa avaliação, têm em média doze

anos de idade; detêm conhecimento empírico – originado pela experiência do cotidiano,

muito embora não se refiram a ela como “sexuada ou não-sexuada” – e não desconhecem o

fato de que no terreiro de suas casas são necessários galos e galinhas para que sejam

produzidos ovos férteis, que possam gerar pintinhos; e também sabem que filhotes em geral

apresentam características físicas – as mais facilmente identificáveis que as de caráter... -

se devem à herança genética de seus progenitores. Por consequência, também eles

próprios não desconhecem que apresentam características físicas do pai e da mãe, avós,...

No entanto, no momento da avaliação, ou na sala de aula em geral, ao que parece, os

alunos experimentam dificuldades, não conseguem estabelecer uma relação e utilizar-se de

seu conhecimento empírico para ajudar a compreender esses e outros fenômenos, ou seja,

17

relacionar o conhecimento advindo da experiência do cotidiano com aquele

estudado em sala de aula.

6.2.2 - A questão seguinte foi extraída também da avaliação de Ciências, 8ª. série: 3. Verdadeiro ou falso: quais são as propriedades da matéria? (V) Espaço que uma substância ocupa. (F ) Toda matéria do universo é formada por grandes partículas chamada

matéria. (V ) Toda matéria ocupa lugar no espaço. (F ) Toda matéria tem gordura. (V ) Toda matéria do universo é formada por pequenas partículas chamadas

átomos. (V ) Toda matéria tem massa. (8IIB – L.S)

Segundo o que se informa na Wikipédia.org – à qual todos os alunos atualmente têm

acesso via laboratório - sobre as propriedades da matéria, em Física, o termo provém do

latim materia – substância física: “é qualquer coisa que possui massa, ocupa espaço e está

sujeita à inércia; aquilo que forma as coisas e pode ser observado como tal; e é sempre

constituída de partículas elementares”.

Na primeira afirmativa da questão, “espaço” passa a ser equivalente a “matéria”; mas

matéria é a substância e não o espaço; uma propriedade da matéria é “utilizar espaço”. E a

segunda apresenta redundância ao afirmar que matéria é formada por matéria, ao invés de

afirmar que é formada por partículas elementares. Outra propriedade importante, e não

considerada no rol de alternativas, é a “sujeição à inércia”. Mas o espaço não é matéria e

assim a primeira afirmativa pode induzir a uma confusão. Nesse aspecto os livros didáticos

apresentam informações limitadas, o que reduz a possibilidade se não se recorre a outros

meios.

Também nesta questão, como na outra, os alunos detêm conhecimento empírico do

cotidiano, pois tudo o que vêem e experimentam pelo tato constitui-se matéria. Talvez

empreguem mais o conceito genérico de “coisa”, mas o termo “matéria” faz parte de seu

vocabulário. E, no entanto, apresentam dificuldades em estabelecer relação entre os dois

tipos de conhecimento: o da própria experiência do dia-a-dia e o conhecimento científico.

Por exemplo: a propriedade da inércia: um corpo pode ser deslocado, sofrer alteração em

sua forma ou alterar sua natureza, seja no caso da produção do aço, a cerâmica e a

combustão pela queima; a evaporação, solidificação....fusão,..entre outros fatores naturais.

O que se apresenta é o exercício do pensamento, da reflexão, da análise e do raciocínio; o

que parece ocorrer é uma ausência de relação entre conhecimento adquirido pela

experiência – empírico – e aquilo que se trabalha em sala de aula. Então, como elaborar

questões para que isso ocorra? E uma questão que levaria os alunos a pensar poderia ser

um questionamento sobre a luz? Ela é formada de partículas ou por ondas? Então também

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poderia ser matéria? Nesse caso, a pergunta muito provavelmente despertaria a

curiosidade e o interesse pela busca do conhecimento.

6.2.3 - A seguinte questão, também de Ciências, 7ª. série, foi tomada em razão, de sua

forma de elaboração, ou seja, proposição de alternativas para que o aluno assinale a

resposta:

Causada por uma Bactéria que tem preferência por atacar as mucosas dos órgãos sexuais. ( ) Sífilis ( x) Gonorréia ( ) Verruga

No caso de questões com alternativas múltimplas, é aconselhável evitar o uso de

alternativa com parênteses – a.( ) - , pois eles sugerem que haveria mais de uma

alternativa correta, ou seja, o aluno deveria assinalar todas as que estão corretas e não

assinalar as incorretas. Para o elaborador, docente, isso implica que ao optar e utilizar-se

dessa forma, há necessidade de considerar cada uma das questões individualmente. Por

exemplo, ao atribuir-se dez pontos para a questão, sendo três as alternativas, cada acerto

teria pontuação de 3,33; acertando duas, 6,66; e três, 10 pontos. E no caso de serem 4,

dividem-se os dez pontos pelo número de alternativas e assim sucessivamente.

Fonte: Dados da Pesquisa Em resumo, no caso da questão acima, o elaborador/corretor, ao corrigira a avaliação,

considerou como correta porque assinalou o que deveria ter assinalado e deixou de

assinalar o que não deveria. Mas vemos outro caso em que isso não foi considerado, muma

questão de mesma disciplina:

Fonte: Dados da Pesquisa Segundo o que informa a Enciclopédia Universal – wikipedia.org - um dos sintomas

das DSTs é o aparecimento de “verrugas” nos órgãos genitais; e, embora “verruga” não seja

uma doença no gravidade das DSTs, o termo está, sim, relacionado à questão. No entanto,

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a resposta correta indicada não foi considerada em razão de haver assinalado

também uma resposta incorreta.

Redação alternativa para o enunciado no qual se evitaria a dubiedade de respostas:

1) Doença sexualmente transmissível, uma das DSTs mais comuns no mundo – de 10 a 50 casos para cada 1000 habitantes - é causada por uma bactéria que ataca preferencialmente as mucosas dos órgãos sexuais, provocando feridas e sangramento; é também conhecida por blenorragia, porém é mais conhecida por outro nome:

a) Sífilis b) Gonorréia c) Verruga d) herpes e) AIDS E assim, com um enunciado mais estendido não apenas se cobra informação mas

se dá. Mas isso é uma decisão que cabe ao elaborador no momento de elaborar a questão.

Ainda, quanto à forma de apresentar as alternativas, caso se convencionasse a

adoção do critério de uso de parênteses para assinalar a(s) resposta(s) correta(s) e o modo

diferenciado de letra e um parêntese – a) – ajudaria a evitar equívocos. No entanto, ainda

assim, no caso de oferecer múltiplas possibilidades de respostas, haveria necessidade de

alertar explicitamente o aluno no momento de redigir ou elaborar o enunciado sobre isso.

6.3 História 6.3.1 - A seguinte questão foi extraída de uma avaliação escrita de 5ª. série:

6.Represente através de um desenho ou escreva através de palavras como surgiu o fogo e como os homens e mulheres conseguiram dominar o fogo. R1.Surgiu com os homens raspando uma pedra na outra e com o chok dava

fogo. Conseguiam dominar fazendo palha, folha seca, etc (5IIB – S.F)

R2:Eles riscavam em pedras e em madeiras e viam que dava faíscas e descobriram o fogo e para dominá-lo colocavam madeiras e folhas em local fechado (5ª L.I)

R3.Ele surgiu por um graveto um pedasso de pau e precisa de paia e eles vaziam o vogo e vicafa raspando ate pegar fogo para dominar o fogo eles potavam lenha no fogo.

No enunciado da questão acima estão presentes três idéias: primeira, a

representação por meio de palavras ou desenhos; segunda, explicar o surgimento do fogo;

e, terceira, o modo como o homem primitivo obteve esse domínio. Mas há outros elementos

a serem considerados nesse enunciado.

O verbo "dominar", presente nesse enunciado, representa uma força expressiva de

significação e sentido que possivelmente outro sinônimo não o substituísse sem perder em

força expressiva. Por trás do sentido do verbo "dominar" está o contexto e circunstâncias

nas quais vivia o homem primitivo. E o verbo "dominar" permite resgatar o potencial e a

força que representou o "domínio do fogo" como "arma" de sobrevivência. Essa forma verbal

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também expressa o "poder" através do "domínio" pelo homem primitivo, para quem

o fogo não apenas serviu para assar a carne que antes era comida crua, senão que também

aquecê-lo nos invernos; e, além disso, um elemento de segurança que mantinha à distância

feras e outros animais que poderiam oferecer algum perigo. Lembremos de que a "Terra do

Fogo" tem esse nome devido à existência permanente de fogueiras na porção mais distante

ao sul do continente, vistas à noite pelos viajantes europeus; essas mesmas fogueiras que

deram nome à região possibilitavam a sobrevivência aos Mapuches numa região tão

inóspita e inclemente quanto aquela.

Mas voltemos ao significado do fogo, algo talvez complicado de inculcar na cabeça de

adolescentes, e aqui abrimos um parênteses a grande contribuição de Jean-Jaques Arnau

ao produzir "A Guerra do Fogo6" criou o maior e único clássico sobre o assunto. Priscila

Santos, colaboradora do site Obvious, reconhece na obra um dos grandes recursos para os

professores de História nessa produção cinematográfica:

Uma das maiores dificuldades no ensino da pré-história para crianças e adolescentes é estimular o recuo imaginário a um tempo absurdamente remoto e nisto demonstrar que, aparentemente, pequenos eventos naquele tempo e espaço representaram mudanças drásticas no relacionamento dos hominídeos com seus semelhantes e com a natureza ao redor. Como ilustrar a pedra lascada como um avanço tecnológico para pré-adolescentes donos de gadgets que fazem tremer aos mais inovadores canivetes suíços?

A idéia de dar origem ao fogo provavelmente partiu da observação das faíscas das

descargas elétricas nos céus ou pela queda de raios e os incêndios por eles provocados.

Assim, de fato o fogo existia e era visto nas ocasiões em que ocorriam incêndios devido à

descarga elétrica de raios. Mas a criatividade e também a necessidade – talvez isso tenha

consumido séculos – fizeram com que se criasse uma maneira de dar início ao fogo, o que

se convencionou historicamente chamar de “domínio do fogo”.

Voltando à pergunta, da maneira como foi formulada a questão, dá a entender que o

fogo é invenção do homem unicamente; mas o fogo é também um fenômeno da natureza,

nos incêndios provocados pelas intensas descargas elétricas dos raios. Ou seja, o homem

primitivo certamente foi um mero espectador do fenômeno. E Arnnaud escolheu o título

certo para sua película: dominar o foto teve tamanha importância que valia uma guerra para

obtê-lo ou não perdê-lo. E, mais ainda, a obra dá uma lição de como de fato o "domínio do

fogo" colocava em vantagem alguns grupos humanos com relação aos outros, que ainda

não dominava a técnica do atrito para dar início à combustão.

6 A Guerra do Fogo - (La Guerre du Feu, Canadá, França , EUA, 1981) Direção: Jean-Jaques Arnnaud. Fox Films. Longa metragem colorido, 100 minutos.” Estudo profundo e delicado sobre a descoberta do fogo na pré-história. Coube a Burgess criar uma ''linguagem falada'' e ao etnólogo Desmond Morris a linguagem corporal e gestual das tribos beneficiadas pelo fogo. Baseado no livro de J.H. Rosny Sr. (Fonte: www.uol.com.br/pipocas Disponível em 12.12-2008)

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Eis o porquê de nos livros didáticos ocorrer o uso da expressão “domínio do

fogo”, presente também no enunciado: servindo-se de materiais – madeiras, fibras, cipós ou

pedras – o homem primitivo aprendeu sim a fazer surgir – através de faíscas ou pela fricção

de madeiras secas e fibras - dar início ao fogo e a mantê-lo, alimentando a fogueira com

lenha. Logo, na pergunta há duas partes: como surgiu; e como homens e mulheres

conseguiram dominá-lo. Nas respostas dadas, é possível identificar-se o modo ou artifício

descoberto pelo homem primitivo para dar origem ao fogo ou o dispositivo a partir do qual

produziram a primeira faísca.

Ainda nos ateremos ao enunciado: no ato da elaboração a intenção era obter uma

única resposta, na qual “modo de fazer” e “manutenção” estariam implícitos ou ao elaborar a

pergunta seu autor quis referir-se a dois tipos diferentes de informações: como surgiu e a

obtenção do domínio. Logo, essa dúvida poderia ser dirimida desdobrando-se a pergunta

em duas, uma posta na sequência da outra: uma sobre a origem e descoberta; e outra sobre

o modo de se obter o fogo manipulando objetos. Assim, postas separadamente, pensa-se

que diminuiria a probabilidade de que os alunos apenas respondessem parcialmente à

questão e teria assegurado que fossem dadas ambas as respostas. O "esquecimento"

também seria evitado pelo fato de poder visualizá-las separadamente, exigindo uma

resposta para cada uma, posto que o aluno as leria separadamente e daria as respostas em

separado. Ao contrário, ao ler-se a questão, ao que parece lhe vem à memória as imagens –

o que se pode identificar pela sequência descrita nas respostas – do processo de “fazer” o

fogo e como procedia para mantê-lo aceso: acrescentando-lhe lenha.

Eis outra questão, que poderia ser dividida em três, sob o título “Mesopotâmia” e

dividindo-se em a), b) e c), três questões sobre o mesmo tema:

6.3.2 - A questão seguinte refere-se a uma avaliação escrita de História, da 5ª. série: 06.Mesopotâmia: onde se localizava? Como era sua religião? Como foram

seus primeiros registros?

R1.Mesopotâmia é o nome dado pelos antigos gregos ao território situado entre rios tigres e eufrates onde se localizam hoje o Iraque e o Kuwait (5IIB - M. e L.)

R2.Ela se localizava na região do Iraque, eles eram politeístas, cultivavam muitos deuses, entre eles destacava-se Na, deus do Céu, Ent, deus do ar, Enke, deus da água e Ninhurx a deusa mãe da mãe terra, os registros mais antigos foram encontrados em ruínas de um tempo na cidade de Uruk onde hoje se encontra o Iraque. (5IIA – L. I)

R3: Se localiza entre os rios Tigre e Eufrates e suas regiões eram politeístas, ou seja, cultivavam vários deuses. Seus primeiros registros mais antigos foram encontrados em ruínas de um templo na cidade de Uruke, esses registros eram sinais que representavam um som ou uma idéia. Nas escavações, os arqueológicos encontraram textos religiosos, escritos sobre astronomia, além de obras de arte. (5IIB – M. D e S. F)

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A Resposta um – R1 - aborda apenas a “localização”; não respondeu nada sobre a

“religião” ou sobre “registros”, ou seja, a resposta corresponde a um terço do que lhes foi

solicitado na pergunta. A segunda aborda os três itens, assim como a terceira. É possível

que a concentração de três questões em uma só, solicitando-se três dados distintos, tenha

uma parcela de influência no fato de que não tenham sido abordadas as outras duas:

religião e registros. O que se pode concluir é que há menor probabilidade, inclusive

visualmente, de se deixar uma questão sem resposta se estiver posta separadamente. Com

o agrupamento. ao se visualizar a folha preenchida, aparentemente todas têm respostas

completas, embora possa haver, como nesse caso, apenas um terço das informações.

6.4 Língua Inglesa 6.4.1 - A questão seguinte foi retirada da avaliação escrita de Língua Inglesa, 5ª série. Esta

questão está relacionada às duas seguintes, em razão de serem elaboradas com o mesmo

tipo de questão e versarem sobre o mesmo tema:

Fonte: Dados da pesquisa

No enunciado da questão é solicitada uma resposta curta – short answer – seja ela

para confirmar ou negar o que se pergunta. O tema versa sobre as relações de parentesco

da personagem “Karen” que, na figura acima, ocupa a posição central em relação às outras

pessoas de sua família, representadas numa figura posta na sequência do comando do

enunciado. As perguntas de 1 a 4 estão de acordo com a referência de cada indivíduo

identificado, ademais do nome, também por um número. A 5 e a 6 referem-se ao seu irmão

e ao seu pai, respectivamente. Esta questão exige compreensão e testa a habilidade de se

trabalhar com os pronomes. Nesse caso, exige-se habilidade na adequação dos pronomes.

Há que se ter conhecimento dos nomes referentes às relações de parentesco (substantivos)

além de dominar o uso e adequação dos pronomes.

Nas avaliações dos dois bimestres, tomadas para análise, não se encontram

questões sobre compreensão de textos escritos em língua inglesa ou que fossem gravados

em áudio. As avaliações recolhidas para a amostra em geral compõem-se de exercícios

estruturais, cujas respostas se assemelham entre si. O que se poderia questionar é se a

23

opção pela forma estrutural seja suficiente para avaliar habilidades de compreensão e

comunicação na língua estrangeira.

Para melhor exemplificar, vejamos a questão seguinte também com características

semelhantes à anterior. Nela, as respostas podem ser dadas sem que se tenha o domínio

dos significados dos vocábulos que envolvem a questão. Nos enunciados de exercícios

estruturais, cuja finalidade é a fixação pela repetição de estruturas, é fundamental o exemplo

que se dá. Mas o enunciado apresenta a questão 1 sem mencionar que esse número é

também referência ao personagem que leva o número “1” na questão anterior. Assim “he”

(ele) pode referir-se aos dois indivíduos do sexo masculino: o pai e o irmão. Então, pela

presença do número, tem-se que, além do número da questão, deve ser também o número

que representa a figura do pai na questão anterior. Mas um possível e provável equívoco

poderia ser evitado ao explicitar-se no enunciado da questão 1 que a figura apresentada é

base de referência para ambas as questões 1 e 2.

6.4.2 – A questão seguinte também foi extraída de uma avaliação escrita de 5ª. série:

Fonte: Dados da pesquisa

O enunciado não faz referência à figura apresentada na questão 1, onde esse

número identifica a figura do pai; 2, a mãe; 3, a irmã; e 4, o irmão, mas diretamente indica

que as respostas sejam dadas com base no exemplo. Embora o enunciado mencione “a

família de Karen”, nominada no texto da questão 1, o fato de se ter em conta a visualização

da figura ajuda na compreensão das relações de parentesco entre as cinco pessoas. Assim,

ao perguntar-se, na questão 1, “Is he Karen´s brother?” o pronome pessoal de gênero

masculino poderia fazer referência a duas pessoas, o pai e o irmão; e da mesma forma

“she” (ela) – terceira pessoa do singular, feminino - nas questões 2 e 3, poderia fazer

referência à mãe e ao mesmo tempo à irmã. Portanto, torna-se imprescindível ter-se em

conta a figura apresentada na questão 1, pois é ali que o pai é também referenciado pelo

numeral 1 e o irmão, Ted, pelo 4. Acrescenta-se ainda que nessas questões empregam-se

pronomes pessoais tanto nas perguntas quanto nas respostas e assim, para responder

corretamente, basta que se repita a estrutura do exemplo dado, por analogia. Em lugar dos

pronomes, nas perguntas, poderiam ter sido utilizados os nomes do pai, Frank; e do irmão,

Ted nos enunciados. Desta forma, a referência do pronome passaria a ser um nome e não

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apenas um número, pois pai é representado pelo número 1 e o irmão, 4. E ao perguntar-

se “Is he...?” pode haver uma dificuldade de referenciação, ou seja, a qual dos dois

membros do sexo masculino se faz referência pelo uso do pronome “He”.

6.4.3 - A seguinte questão ainda se refere à avaliação escrita de 5ª série:

A próxima questão envolve um diálogo em forma de texto:

Fonte: Dados da Pesquisa Os pronomes demonstrativos servem para indicar, no caso de um diálogo de

apresentação, a posição do que ou de quem se fala em relação aos interlocutores. Neste

caso específico, a indicação das pessoas no espaço, em relação a Cathy, quem realiza, em

primeira pessoa, a apresentação de sua família. Para o leitor do texto, no entanto, falta a

visualização, posto que a questão não apresenta nenhuma figura. E as questões são feitas

na mesma estrutura encontrada no texto. Entendemos que as questões poderiam ser

formuladas de outro modo, como se propõe a seguir, identificando-se e citando-se os nomes

que constam no texto. Isso implicaria entender significados dos vocábulos empregados no

texto e as relações de parentesco ali expressas, assim como entender o que procuram dizer

as frases do exercício.

x. Com base no texto do quadro, preencha os espaços das questões seguintes:

1.Cathy´s mother´s name is.....Jane Hart. 2. Davis Haert…. is Cathy´s father. 3.Cathy´s sister is…Janet Hart… and Phill Hart is… her brother. 4. Cathy is Davis and Jane´s ….daughter. 5. Cathy is Phill Hart´s ….sister.

No entanto, no exemplo da seguinte questão, são requeridas análise e interpretação,

levando-se em consideração o contexto, pois o aluno deverá, ao ler as frases, entendê-las

25

para posteriormente colocar a sequência solicitada. Em resumo, deverá saber os

significados das locuções adverbiais de lugar, ou seja, a situação espacial de uns com

relação aos outros para, em seguida, pô-los em ordem de um a seis, isto é, a ordem dos

alunos dentro do ônibus. Pensa-se que esse tipo de questão foge da estrutura de “siga o

exemplo dado” onde basta repetir as estruturas para dar-se a resposta.

Fonte: Dados da pesquisa 6.5 Geografia 6.5.1 - A questão seguinte foi extraída de uma avaliação aplicada à 5ª. série:

2.Complete as lacunas: a) Paralelos são linhas..............imaginárias................. b) O maior paralelo é o......Equador........localizado na parte mais larga da

Terra. c)Os....meridianos.........são linhas imaginárias.........................que passam

pelos dois pólos, dando a volta completa na Terra; d) os paralelos principais que atravessam o território brasileiro são:

...equador e Trópico de Capricórnio. Enunciados mais fornecerem mais referências e favorecem o entendimento porque

os focalizam no espaço, no tempo ou no âmbito de uma disciplina. Os pesquisadores

PATAKI e ALMOULOUD (2000) fazem uso da Geometria, razão pela qual empregam outra

terminologia, mas que, segundo eles, torna-se mais elucidativa e facilita a compreensão. Os

autores defendem que “Linha do Equador”, “Paralelos” e “Meridianos” não sejam

apresentados como linhas imaginárias, em razão de sua importância para a localização

sobre o Globo Terrestre. Essas linhas representam referências, expressas em graus, sem

as quais não seria tarefa fácil definir um ponto qualquer ou localizar algo ou alguém no meio

do oceano ou em qualquer lugar que seja:

Na terra há referências fundamentais, como os pólos, o Equador, os Meridianos, os paralelos e as direções de rotação. A Terra gira, diariamente, em torno de seu eixo de rotação. Esse eixo intercepta a superfície terrestre em dois pontos chamados Pólo Norte e Pólo Sul. No Globo Terrestre, o Equador é uma circunferência máxima, cujo diâmetro é perpendicular ao eixo de rotação da terra e divide o globo em duas partes iguais: hemisférios Sul e Norte. Existem também várias semi-circunferências máximas, que vão de um pólo ao outro chamados de Meridianos. Um é o antimeridiano do outro. Além disso, há diversas circunferências menores, paralelas ao Equador, que são os paralelos

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terrestres. À direção anti-horária do giro da Terra chama-se Leste e a direção oposta de Oeste. (PATAKI, Irene; ALMOULOUD, Saddo AG. Equador, paralelos e meridianos: apenas linhas imaginárias? GT Educação matemática n. 19, PUC-SP2, sem. 2000. p.11)

Ao trabalhar-se com a noção de “linhas imaginárias” desvinculando-as da noção de

pontos de referência para localização em qualquer ponto do Globo Terrestre, esses conceitos

não se ligam à utilidade de referências, a partir dos quais expressa-se qualquer posição

horizontal. Assim ao se afirmar que paralelos são pontos de referência e informar a sua

função e utilidade para a situação espacial em qualquer lugar do Globo Terrestre torna-se

útil e informativo para os alunos. Tratado sob esse aspecto, uma questão de avaliação se

apresenta não como cobrança, mas numa oportunidade de ensino e aprendizagem. E

formar e informar é papel essencial da escola. Então uma pergunta que abordasse o

assunto “paralelos” poderia ter uma possível formulação:

- Para se indicar a posição de um lugar na superfície da Terra, empregam-se dois valores ou coordenadas......latitude....e......longitude. A primeira coordenada representa o ângulo medido para cima baixo da Linha do Equador. E varia de 0º a 90º Norte e de 0º a 90º Sul.

Ou

- Um ....paralelo........é uma linha circular, paralela à linha do equador, acima ou abaixo dele, cujos pontos estão todos na mesma latitude; um deles localiza-se no Hemisfério Norte e denomina-se....Trópico de Câncer................ e o outro no Hemisfério Sul e denomina-se...Trópico de Capricórnio........ Tendo em conta essa linha referencial, o clima e a vegetação situados em suas proximidades são então chamados de....tropicais......e aquelas acima ou abaixo dessas linhas referencias são chamadas de.....sub-tropicais. 6.5.2 – As seguintes questões foram extraídas de uma avaliação de Geografia aplicada na

8ª. série. Nelas, reconhecemos que empregar conceitos claros e inequívocos é fundamental

e contribui para facilitar ao compreensão; e isso o próprio redator reconhece no texto que

transcreve:

Fonte: Dados da Pesquisa

No entanto, no texto do enunciado confunde-se União Européia com Europa, embora o equívoco cometido, em primeiro plano, parece não interferir na resposta:

27

Fonte: Dados da Pesquisa Eis as respostas dadas à questão sobre o objetivo principal da União Européia:

R1.Reduzir as taxas de impostos. Tem por objetivo da política, social e cultural e econômica.

R2: Único para disputar mercado e ser mais conhecido e “ficar mais rico”.

R3:De quem viajar pelos países da União Européia não precisam pegar vários passaportes, só precisam pegar um passaporte e que eles fazem que as pessoas não tenham tanta incomodação para pegar passaportes para viajar nos 25 países na União Européia.

6.6. Matemática 6.6.1 – A seguinte questão foi extraída de uma avaliação aplicada na 7ª. série, que envolve

interpretação do enunciado e requer a realização de :

1.Qual é a densidade do ar sabendo que um volume de 2000 cm3 de ar tem massa de 2,6 gr? R: D= 0,0013 g/cm3

Fonte: Dados da Pesquisa

O aluno precisa dar a densidade do ar. No enunciado são oferecidos para ele alguns

dados: 2000 cm3 apresentam uma massa de 2,6 gramas. A questão apresenta como

pressuposto que ele saiba o que é a densidade. Esse é um termo que não é de uso no

cotidiano de estudantes do Ensino Fundamental. Em sua resposta consta a fórmula d = m/v;

ou seja, interpretando a fórmula, deduz-se que Densidade7 é o resultado da divisão da

massa pelo volume de algo. Ou seja, a densidade é obtida dividindo-se a massa do corpo

7 Densidade é a relação entre sua massa e seu volume. A densidade é obtida dividindo a massa do corpo pelo seu volume: d = m /V. Por exemplo, a densidade da água é de 1 g/cm3, isto é um pequeno cubo de 1 cm × 1 cm × 1 cm contém 1 g de água. www2.fct.unesp.br/Teia do Saber

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pelo seu volume. Mas isso também implica outros dois conceitos: massa8 e volume9.

Então, massa é a quantidade de matéria que um corpo possui, e pode ser medida em

gramas ou em quilogramas.

A densidade é obtida dividindo a massa do corpo pelo seu volume. O valor da

massa, 2,6 gramas, sendo dividido por 2000 cm3 dá como resultado 0,0013 g/ cm3. E é essa

a resposta dada à pergunta: 0,0013 gramas por centímetro cúbico.

Então a questão poderia ser formulada simplesmente: - Quantos gramas possui um litro de ar, sabendo-se que 2000 cm3 de ar tem

massa de 2,6 g? - Qual é a densidade do ar, tendo por base o a medida de volume em cm3 e em

m3?

Posto desta forma, muitos dos que se equivocaram no resultado da avaliação teriam

acertado, pois todos fizeram o cálculo da fórmula: dividiram o valor da massa (2,6 gr) pelo

valor do volume (2000cm3). Logo, ao que parece a questão busca fixar o conceito de

densidade, cuja base se dá no cotidiano por litro, metro cúbico, segundo a quantidade de

volume que se tenha. Por exemplo: a vazão das Cataratas de Foz do Iguaçu é apresentada

em metros cúbicos por segundo, pois utilizar como parâmetro nesse caso o cm3 daria um

número muito grande. Como as aulas de Física no Ensino Fundamental jamais são dadas

no laboratório, a experiência de volume que se tem a partir do conhecimento empírico é o

litro e o metro cúbico, pois se compram gasolina, azeite, bebidas, óleo em litros ou mililitros;

e paga-se a conta de consumo de água em m3; compram-se areia, pedra, cal,

terra...madeira tendo como parâmetro o metro cúbico. Então, utilizando-se do conhecimento

empírico, a questão acima, não carece de uma fórmula para ser resolvida, bastando para

tanto o raciocínio baseado na Regra de Três, ou seja: 2000 cm3 cúbicos equivalem a uma

massa 2,6 g, então 1000 cm3 equivalem a x.

Assim, se 2000 cm3 de ar equivalem a 2,6 gr; logo 1000 cm3 equivalem à metade

desse valor, ou seja 1000 cm3 equivale a 1,3 g. Como 1000 cm3 equivale a um litro de ar,

então tem-se que um litro de ar tem massa igual a 1,3 g. Assim, se 1000 cm3 possuem

massa de 1,3 g, cada centímetro cúbico terá 0,0013, ou seja, terá esse número dividido por

mil, ou seja, move-se a vírgula três casas à esquerda. Do exposto, a fixação do conceito de

densidade ocorrerá se o raciocínio e a apresentação for apresentada, tendo como base o

volume em litro e não cm3, dado que a experiência visual do cotidiano se dá com o emprego

de tais medidas.

8 Massa é a quantidade de matéria que um objeto possui, medida em gramas (g) ou em quilogramas (kg).

www2.fct.unesp.br 9 Volume é o tamanho do espaço ocupado por um corpo, medido em litros (l), mililitros (ml), centímetros cúbicos

(cm3) ou metros cúbicos (m3). Um centímetro cúbico equivale a um mililitro; 1000 mililitros fazem 1 litro e mil litros ocupam um metro cúbico (www2.fct.unesp.br/ Teia do Saber)

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Empiricamente, que litros de diferentes substâncias apresentam pesos

diferentes, no entanto, quando se fala em “volume”, “densidade” e “massa”, conceitos

fundamentais da Física, ainda que seja em nível do Ensino Fundamental, é comum

apresentarem-se os equívocos. No entanto, a experiência prática de visualização e

experimentação de um litro de água, um litro de gelo e um litro de chumbo, mais que

qualquer exercício de raciocínio, ajudaria a fixar esses três conceitos. A densidade da água

pura é 1,0; água do mar, 1,03; gelo 0,9; ferro, 7,6; cobre, 8,9; prata, 10,5; chumbo, 11,3; e

ouro, 19,3. Ou seja, a massa de um litro de ouro equivale a 19, 3 litros de água.

Na prática do cotidiano é possível experimentar colocando-se um litro de água para

congelar-se num congelador. Como resultado, se verá que parte da água e gelo verteu-se,

ou seja, houve aumento de volume. Esse mesmo litro de gelo ao derreter-se não alcançará

o volume de um litro de água.

6.6.2 – A questão seguinte também foi aplicada na 8ª série, disciplina de Matemática, que

envolve cálculo e raciocínio. O raciocínio lógico compõe-se de duas premissas, ou seja dois

dados, e uma conclusão. E essa somente pode ser concluída a partir de duas informações.

Por isso, ao elaborar-se uma questão pode ser que uma das premissas não tenha sido

levada em consideração e, neste caso, o raciocínio não tem solução. Vamos a um exemplo

disso:

e) Roberto alugou um veículo por 7 dias e rodou 800 km. Quanto ele pagou de aluguel?

R: 570 (A.B. - 7IIA)

f) Joaquim pagou R$315,00 e rodou 500 km. Quantos dias ele usou o carro? R: 3 dias (A.B - 7IIA)

Fonte: Dados da Pesquisa Não se informa, ao que parece, no enunciado, se as questões e) e f) fazem parte de

uma mesma questão, ou seja, se para resolver a questão e) é necessário dispor das

informações da questão f). Assim não se sabe, então, a base de pagamento da locação/

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aluguel do veículo tinha por base o número de dias utilizados ou por quilômetros rodados

ou os dois?

7. Língua Portuguesa

E, por último, uma questão extraída da avaliação escrita da disciplina de Língua

Portuguesa. Nesta questão, associa-se a Língua Padrão como sendo a correta e a coloquial

como a incorreta. Não se faz referência à adequação da linguagem como forma de

comunicação empregada por diferentes indivíduos segundo o meio no qual vivem. Isso

induz à desvalorização dos falantes que se expressam em linguagem coloquial, pois o

“errado” tende ao negativo, assim como o certo tende ao positivo. Posto desta forma, a

verdadeira e útil parece ser a variante padrão.

Eis um texto e o exercício que o segue, que podem bem exemplificar esse fenômeno: - Cê ta sabendo que o Belarmino morreu? - Morreu di quê, homi? - Catarata! - Mais catarata num mata! - É que empurraram ele! (Fonte: Almanaque Brasil de Cultura Popular)

A) Reescrever o texto acima, na linguagem Padrão, ou seja, a escrita correta: Catarata Fatal! - Você está sabendo que o Belarmino morreu? - Morreu de que, homem? - Catarata! - Mas catarata não mata! - É que empurraram ele!

(L.F.B – 5IC)

Fonte: Dados da Pesquisa

Explicitamente, linguagem padrão é tomada como “escrita correta” e, como

consequência, a coloquial passa a ser “incorreta”. Os três alunos que reescreveram o texto

31

não alteraram a forma da última frase: permaneceu o pronome pessoal e não o

oblíquo, este empregado na variante padrão. Ou seja, o uso frequente do pronome pessoal

como complemento está sendo assumido como algo não estranho à linguagem padrão,

tanto para o aluno A, quanto B ou C. E, e inclusive assumido pelo docente que avaliou o

texto e considerou o emprego de “empurraram ele”.

8 Considerações Finais

O que se apresentou aqui de forma bastante breve, diante da complexidade do

assunto, acena para algumas reflexões. A mais significativa reside na necessidade de se

verificar a forma como são elaborados os enunciados de avaliações escritas. Parece que

lacunas, tidas como recuperadas pelos alunos diante das aulas e do próprio co-texto da

prova, nem sempre são acionadas pelos alunos. Por isso, talvez dispositivos de explicitação

ou mesmo de esclarecimento no interior dos enunciados podem auxiliar no processo

interpretativo. Lembramos que tempo para desenvolvimento da presente pesquisa não se

mostrou suficiente para uma discussão mais completa, porém algumas dicas servem de

motivação para um delongada interlocução com os colegas professores.

Por isso, eis alguns conselhos práticos, advindos não apenas desta análise, mas

também da experiência de duas décadas como docente. Ao elaborar-se um enunciado ou

questão de avaliação que propõe, como forma de resposta, múltiplas alternativas,

solicitando-se que o aluno assinale, é aconselhável usar-se o estilo alínea, isto é, letra e

parêntese – ou seja, preferir a( ). Isto porque, ao empregar-se a forma de alíneas, evita-se

que o aluno indique mais que uma resposta; e assim se estabelece uma convenção: de que

para esse tipo de estrutura há sempre apenas uma resposta. Basta lembrar que os

concursos públicos e os de exames de seleção para ingresso nas universidades empregam

essa forma.

No caso de elaborar-se uma questão na qual o número de respostas é variável, com

apresentação de alternativas múltiplas, na qual o elaborador prevê que o número de

respostas corretas pode variar de uma a sua totalidade, é viável o emprego de letra, seguida

de um ponto e ainda os parênteses – “a.( )”. Da mesma forma que para apenas uma

resposta, se estabelece o emprego da alínea – “a)” -, para múltiplas respostas há emprego

de parênteses. Assim, no caso de número variável de respostas o assinalamento se dá com

um “x” no interior dos parênteses e não circulando a letra, o que se referiria ao primeiro

caso. Logo, a diferença na organização dos enunciados facilita o entendimento do que se

requer como resposta à questão apresentada.

Outro caso a considerar-se é o da concentração de várias perguntas numa só. Para

esclarecer sobre o que nos referimos, eis aqui um exemplo: “Onde, quando e em que

civilização foi criada a escrita cuneiforme?” Esta análise tem mostrado que um grande

percentual de avaliados responde parcialmente e apenas uma minoria forneceria as três

32

informações solicitadas. Como é comum que os docentes solicitem que nos alunos façam

uma revisão antes de entregara a avaliação, o fato de haver apresentado já uma resposta,

embora essa seja parcial, pode não ser identificado como tal. Em resumo, no caso de serem

perguntas separadas, embora versassem sobre o mesmo tema, ao visualizar-se

superficialmente as questões, aquela ou aquelas que não apresentassem respostas ainda

assim seriam identificadas e localizadas. Porém, no caso de conjunto de questões, como no

exemplo dado, a identificação somente ocorreria por meio de uma leitura atenta.

E, por último, uma maneira prática, embora nem sempre empregada - e assumo isso

também - por nós docentes, reside na atitude de após, haver elaborado uma avaliação,

sentar-se e pôr-se a respondê-la. Muito dificilmente questões incompletas, não objetivas e

com falta de dados para a resolução passariam despercebidas, sobretudo se essa

checagem, via resolução, for feita em outro momento, não imediatamente após a elaboração

da avaliação.

A título de informação, atualmente o Portal Capes disponibiliza, no endereço

www.periodicos.capes.gov.br, versão em Português e Espanhol, nada menos que 12.531

periódicos com textos completos. Em resumo, essa é uma fonte para pesquisa e busca de

informações científicas que muito poderá contribuir com docentes no momento de recorrer à

fundamentação teórica para os fenômenos que busca explicar em sala de aula. Assim, as

respostas dadas passam a não apenas basear-se em sua própria experiência empírica e

estudo, mas também a calcarem-se em artigos científicos, tal como os que figuram no portal

citado. Além disso, no endereço citado encontram-se artigos nas diversas áreas,

organizados de forma a facilitar o acesso, seja por ordem de autor, título ou base de dados.

As revistas ali ranqueadas apresentam resultados de investigações, pesquisas e estudos e

experiências de cientistas e teóricos de referência no país.

33

REFERÊNCIAS

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BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Tudo é linguagem. São Paulo:

Ática, 2007. BRAIT, Bet (org.) Bakhtin: conceitos-chave, 2.ed. São Paulo: Contexto, 2005.

GARDNER, Howard. La nueva ciencia de la mente. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1987. KOCH, Ingedore G. Villaça. A inter-ação pela linguagem, 3.ed. São Paulo: Contexto, 1997

______. MORATO, Edwiges M.; BENTES, Anna Christina (Orgs). Referenciação e discussão. SP: Contexto, 2005.

LIMA, Elvira. C. A In: Avaliação na escola plural: um debate em processo, cad. 6. Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Educação. 2002.

PATAKI, Irene; ALMOULOUD, Saddo AG. Equador, paralelos e meridianos: apenas linhas imaginárias? GT Educação Matemática N.19, PUC-SP, sem. 2000.

POSSENTI, Sírio. Discurso, etilo e subjetividade, 2 ed. SP: Martins Fontes, 2001. SELLA, Aparecida Feola; ROMAN, Elódia C.; BUSSE, Sanimar. Roteiros de análise

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www2.fct.unesp.br/Teia do Saber Acesso 05.02.2009

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