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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

A REPRESENTAÇÃO DOS ANIMAIS NA LITERATURA: UMA PROPOSTA DE

LEITURA PARA A EJA

Dayse Casarin Barroso Silva1

Jaime dos Reis Sant’Anna2

RESUMO

Este artigo sintetiza os resultados da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica de

mesmo título, desenvolvido com alunos do ensino fundamental da escola CEEBJA – Londrina -

Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos, no período de fevereiro a junho do ano

de 2014. O Projeto teve como principal objetivo incentivar o gosto dos alunos da Educação de Jovens

e Adultos (EJA) pela leitura literária. Além disso, com base na Lei 17.505, de 11/1/2013, que cria a

política estadual de educação ambiental, o trabalho buscou sensibilizá-los para o respeito aos

animais, reconhecendo que eles são criaturas autoconscientes e sencientes, que reagem a estímulos

e interagem com o meio no qual estão inseridos, sentindo e sofrendo com as relações estabelecidas

com o ser humano. Por fim, uma vez que o trabalho privilegiou os textos literários, foi feita a

extrapolação para o simbólico, ou seja: para a representação das condições sociais humanas,

através dos animais. A Estética da Recepção foi utilizada como base teórica de compreensão da

Literatura e, portanto, as atividades foram elaboradas e desenvolvidas a partir das etapas do Método

Recepcional.

Palavras-chave: Leitura. Animais. Literatura. Método Recepcional.

INTRODUÇÃO

O relevante papel que a leitura desempenha na formação, desenvolvimento

e ampliação do conhecimento das pessoas é incontestável. Sabe-se que, sem

acesso à cultura letrada, um indivíduo encontra muito mais dificuldades para exercer

seus direitos de cidadania. Numa perspectiva freireana, a leitura pode capacitar o

cidadão a participar mais ativamente da sociedade, a analisar criticamente a

realidade, a lutar por direitos e desafiar estruturas de poder estabelecidas.

1 Professora PDE 2 Professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e docente da Universidade Estadual de Londrina

Sendo, pois, considerada uma atividade essencial a qualquer área do

conhecimento, no cotidiano escolar é possível perceber como a dificuldade em

leitura ocasiona prejuízo de aprendizagem em todas as disciplinas. Por conseguinte,

ela tem sido exaustivamente defendida por pesquisadores, pais, professores e

demais envolvidos no processo educativo

Apesar das frequentes apologias à leitura, em comparação com países de

primeiro mundo, o Brasil é um país de poucos livros e poucos leitores. Há que se

considerar que a História da Leitura, neste país, é repleta de dificuldades, marcada

pelo tipo de colonização aqui desenvolvido, que evidencia o desinteresse dos

portugueses em estabelecer uma política educacional para os brasileiros. Durante o

período colonial, não dispúnhamos de um aparelho cultural que garantisse a

produção e a circulação da literatura; bibliotecas e escolas eram privilégios de

poucos.

Ainda hoje, no Brasil, país de marcada desigualdade social, a distância que

separa as classes sociais também se faz transparecer na organização dos sistemas

educacionais; onde está a pobreza extrema, está presente o analfabetismo

(GADOTTI, 2014). As estatísticas de leitura lembram a concentração de renda e

terra, neste país, e o acesso ao livro e à leitura, que deveria ser universal, torna-se

restrito.

Neste ponto, constata-se uma contradição fundamental no que se refere ao

acesso ao livro no Brasil: trata-se de um enorme distanciamento existente entre o

discurso em defesa da leitura e as condições concretas para a sua realização.

Assim, a escola pública, voltada para o atendimento à população de baixa renda,

luta contra a carência de recursos materiais e humanos. E é nessas condições

adversas, que professores de escolas públicas realizam sua tarefa de introduzir

crianças, jovens e adultos no universo da cultura letrada.

É importante considerar que a mediação da leitura, nas classes populares, é

feita pela escola ou pela igreja, ao passo que nas classes média e alta é feita pela

família, o que demonstra o quanto a escola é importante espaço de democratização

da leitura aos mais pobres. Por isso, uma das primeiras e talvez a mais importante

tarefa dela seja promover o contato dos educandos com uma diversidade de textos,

especialmente o literário, que é aquele que fala mais diretamente aos sonhos,

anseios e desejos do ser humano.

A partir da consideração da função social da leitura e da literatura, além da

vivência e da prática de ensino da língua portuguesa a alunos(as) da educação de

jovens e adultos, esta pesquisa estabeleceu os seus objetivos. Buscou-se,

inicialmente, incentivar o gosto dos(as) alunos(as) da EJA pela leitura, em especial,

a literária.

Além disso, houve a preocupação de se integrar o projeto com outras áreas

do conhecimento. Assim, a Educação Ambiental (EA), tema tratado na Constituição

Federal (CF) de 1.988 e na recente Lei 17.505, de 11 de janeiro de 2013, que cria a

Política Estadual de Educação Ambiental e o Sistema Ambiental de Educação do

Paraná, foi a escolhida. A lei determina que o tema, antes tratado informalmente,

seja abordado em todas as disciplinas, desde a Educação Infantil até o Ensino

Superior. Dessa maneira, a EA deverá estar contemplada no Projeto Político-

Pedagógico (PPP) de cada instituição de ensino de maneira transversal,

interdisciplinar e transdisciplinar e não como uma disciplina.

Uma vez que a questão ambiental tem sido tema de discussões recentes não

só no Brasil, como também no mundo e que, apesar disso, o respeito aos animais

não parece ter chegado à consciência da maioria das pessoas, estando muito

aquém do desejado, buscou-se levar o aluno a refletir sobre o meio em que vive,

sensibilizando-o a perceber que os animais são seres sencientes, ou seja: possuem

os cinco sentidos, assim como os seres humanos, e, portanto, têm as mesmas

sensações que os seres humanos.

Assim, em conformidade com os pontos anteriormente mencionados, o

Projeto de Intervenção Pedagógica foi desenvolvido, por meio das atividades

propostas na Produção Didático-Pedagógica (Unidade Didática), no primeiro

semestre do ano de 2013, com os(as) alunos(as) do curso de Português

Fundamental do período noturno, da escola CEEBJA – Londrina – Centro Estadual

de Educação Básica para Jovens e Adultos, com idades compreendidas entre 16 e

59 anos de idade.

Para tanto, foram desenvolvidas atividades de leitura e análise de textos

diversos, destacando-se o literário com um tema comum: Animais. Também foi

realizada pesquisa na internet, confecção de cartazes e outras produções de texto.

Por fim, pretendeu-se utilizar os conhecimentos adquiridos na ampliação da

capacidade de análise crítica e reflexiva, identificando-se os conflitos humanos e

sociais por meio da representação zoomórfica e o trabalho culminou com a

representação da peça teatral “Os Saltimbancos”, de Chico Buarque de Hollanda,

em teatro de fantoches, na escola.

A pesquisa em questão foi desenvolvida e implementada dentro da

concepção de projeto proposto pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná,

designado PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), que oportuniza um

tempo de estudo científico a todos os professores do estado do Paraná que

preencham alguns critérios criados por essa secretaria. Considerou-se também, para

o desenvolvimento da pesquisa, comentários e sugestões de quinze professores que

participaram do GTR – Grupo de Trabalho em Rede – no ano de 2014, como forma

de enriquecimento do trabalho.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Assim como outros documentos oficiais, as Diretrizes Curriculares Estaduais

de Língua Portuguesa (DCEs) que se pautam na concepção interacionista da

linguagem, apresentam a leitura, como também a oralidade e a escrita, como

práticas discursivas essenciais ao trabalho de língua portuguesa na sala de aula:

A ação pedagógica referente à linguagem, precisa pautar-se na interlocução, em atividades planejadas que possibilitem ao aluno a leitura e a produção oral e escrita, bem como a reflexão e o uso da Linguagem em diferentes situações. (PARANÁ, 2008, p. 55).

A valorização da leitura já fora defendida por Paulo Freire, conforme trecho a

seguir:

Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos se entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto que continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade, haveria possivelmente um número bastante menor de pós-graduandos falando de sua insegurança ou de sua capacidade de escrever. Se estudar para nós não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices

melhor reveladores da qualidade de nossa educação. (FREIRE, 1993, p. 37)

A necessidade de desenvolvimento da leitura também foi constatada na

prática docente, especialmente na Educação de Jovens e Adultos. Portanto, buscou-

se um projeto que tivesse como objetivo principal a motivação dos alunos para a

leitura. É importante ressaltar que, no caso da EJA, a dificuldade de leitura

compreensiva e até analfabetismo funcional costuma ser frequente, visto que os(as)

educandos(as) são jovens e adultos(as) que não tiveram acesso aos estudos ou não

puderam continuá-lo na idade própria e, normalmente, estão há muito tempo

distanciados da prática da leitura.

Convém citar, neste ponto, a definição da Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), segundo a qual, analfabetos

absolutos são pessoas incapazes de ler e escrever um texto simples e breve sobre

fatos de sua vida cotidiana. Já os chamados analfabetos funcionais são aqueles

que, embora tenham aprendido a ler e a escrever, naquele primeiro nível que a

escola básica lhes possibilitou, ao deixarem a escola, perderam o convívio com a

leitura e a escrita e, com o tempo, tornaram-se incapazes de ler e compreender um

texto com alguma complexidade. Para que isso não ocorra, o mestre Paulo Freire

(Freire, 1993, p. 37) nos alerta, dizendo que a leitura deve começar na pré-escola,

intensificar-se no período da alfabetização e continuar sem jamais parar.

Quando se fala em leitor, é importante observar que se trata daquele que vai

além da simples decodificação dos signos, atividade mecânica que determina uma

postura passiva diante do texto. A decodificação da palavra escrita é uma

necessidade óbvia, porém constitui apenas a primeira etapa do processo da leitura.

A decodificação permite a intelecção, ou seja, a percepção do assunto, do

significado do que foi lido. Em seguida, faz-se a interpretação, que é a continuidade

da “leitura do mundo”, realizada pelo leitor. A interpretação, muitas vezes, extrapola

a letra do texto, pois se baseia na relação entre texto e contexto.

Segundo Freire (1984), “a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na

descodificação pura da palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência

do mundo.” Para ele, há diferença entre promover hábitos de leitura e promover o

ato de ler. Hábitos estão ancorados na repetição mecânica de gestos; atos, na

opção, no exercício da possibilidade humana de articular o agir ao pensar, ao definir,

ao escolher.

Dessa forma, caracterizado como o encontro significativo do leitor com o

documento escrito, o trabalho com leitura na escola ganha uma nova dimensão;

torna-se uma prática que possibilita o exercício da contestação e da criatividade e,

conseqüentemente, constitui-se como uma forma de combate à alienação e como

um instrumento para a educação libertadora do povo brasileiro.

Além disso, convém considerar que não basta ler; é preciso selecionar o que

ler e saber como ler. Ou seja, é importante que se desenvolva na escola uma prática

que leve em conta não apenas a quantidade de livro e de leitura, mas sobretudo a

qualidade dos mesmos.

Candido (1972, p. 804), em seu artigo A Literatura e a Formação do Homem,

fala da “necessidade universal de ficção e fantasia, que de certo é coextensiva ao

homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo,

ao lado da satisfação das necessidades mais elementares”. Segundo ele, a literatura

é uma das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade

universal.

Em outro artigo, intitulado Direitos Humanos e Literatura (CANDIDO, 1989),

ele defende que se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no

universo da ficção e da poesia, a literatura corresponde a uma necessidade

universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. Candido

exalta a função humanizadora da literatura, conforme citação a seguir:

[...] as camadas mais profundas da nossa personalidade podem sofrer um bombardeio poderoso das obras que lemos e que atuam de maneira que não podemos avaliar. [...] Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos de bem e o que chamamos de mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver. (CANDIDO 1972, p. 805-806).

Portanto, despertar para o gosto da leitura os alunos da Educação de Jovens

e Adultos, cuja realidade é, normalmente, distante das práticas de leitura, foi um

desafio. Mais ainda por se optar pela diversidade de gêneros e se privilegiar o

literário, cuja linguagem é carregada de polissemia, o que torna as suas

interpretações e horizontes ilimitados.

Desejava-se encontrar um tema comum aos textos escolhidos e partiu-se da

necessidade de se trabalhar a Educação Ambiental, considerada dever do Estado. O

Caderno de Educação Ambiental, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná

(PARANÁ..., 2008) inclui a Lei n 9.795, de 27 de abril de 1.999, que dispõe sobre a

Educação Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. No Art. 2º

declara: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da

educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis

e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.”

Embora a referida lei tenha sido sancionada em 27 de abril de 1.999, apenas

em 2.002 houve a sua regulamentação, assim como do Órgão Gestor da Política

Nacional de Educação Ambiental, que define as bases para a sua execução. Nota-

se, portanto, o quão inconsistente é a educação ambiental no ambiente político,

ficando na dependência dos interesses de cada representante político e partidário

vigente no âmbito nacional. (MORALES, 2008, p. 27)

O Art. 3º recente da Lei 17.505, de 11 de janeiro de 2013, já citada

anteriormente neste trabalho, diz:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público e à coletividade o compromisso de desenvolver a sustentabilidade, o respeito e a valorização da vida em todas as suas formas de manifestação, na presente e nas futuras gerações.

Assim, em conformidade com os documentos oficiais mencionados e todas as

razões expostas, considerando-se também o Art. 2º da Declaração Universal dos

Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas,

no dia 27 de janeiro de 1978: “Todo o animal tem o direito a ser respeitado”, o

trabalho em questão visou conciliar a leitura à Educação Ambiental, especificamente

com textos cujo tema seja Animais.

Partiu-se da concepção de que a Literatura contribui para a formação de

valores, incluindo-se aí os valores éticos. Dessa maneira, a intenção do trabalho foi

apresentar uma proposta de leitura para alunos da EJA, nível fundamental,

proporcionando momentos de leitura e reflexão de textos literários selecionados.

A base teórica de compreensão da Literatura que sustentou o trabalho foi o

Método Recepcional, das professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de

Aguiar que, por sua vez, partiram dos pressupostos apresentados na Estética da

Recepção, cuja abordagem se volta para o leitor. Nessa concepção, o texto literário

permite múltiplas interpretações, adquire significado quando da sua recepção pelo

leitor. O Método escolhido é amplamente sugerido nas DCEs de Língua Portuguesa

e assim justificado:

[...] o Método Recepcional, o qual é sugerido, nestas Diretrizes, como encaminhamento metodológico para com o trabalho com a Literatura. Optou-se por esse encaminhamento devido ao papel que se atribui ao leitor, uma vez que este é visto como um sujeito ativo no processo de leitura, tendo voz em seu contexto. Além disso, esse método proporciona momentos de debates, reflexões sobre a obra lida, possibilitando ao aluno a ampliação de seus horizontes de expectativas. (PARANÁ, 2008, p. 74).

De acordo com as autoras Bordini e Aguiar (1988), o Método Recepcional

divide-se em cinco etapas: Determinação do Horizonte de Expectativas,

Atendimento do Horizonte de Expectativas, Ruptura do Horizonte de Expectativas,

Questionamento do Horizonte de Expectativas e Ampliação do Horizonte de

Expectativas. Pretendeu-se alcançar um nível de leitura mais amplo, profundo e

crítico do que o educando detinha antes de participar do projeto.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na escola foi

realizada no CEEBJA Londrina (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e

Adultos), no Município de Londrina. Os principais objetivos foram o estímulo à leitura

do(a) aluno(a) da EJA e a conscientização do(a) mesmo(a) sobre a causa animal. A

experiência foi embasada nos pressupostos teóricos das etapas do Método

Recepcional, cujas atividades foram divididas em módulos.

No primeiro módulo, foi determinado o Horizonte de Expectativa dos(as)

alunos(as), no que se refere à leitura de textos literários e sua relação com os

animais. Para isso, foram aplicadas duas atividades.

A primeira delas consistiu em uma pesquisa sobre leitura, feita com um

questionário, para se conhecer um pouco do gosto e da história de leitura dos(as)

alunos(as). Verificou-se que, embora todos(as) considerassem a leitura importante e

a minoria tenha afirmado não gostar de ler, a maioria confessou não praticar a leitura

com muita frequência. Um fato que chamou a atenção foi que a grande maioria dos

estudantes não conhece a biblioteca da escola, o que faz demonstra uma falha no

encaminhamento e estímulo à leitura, na escola.

A segunda atividade consistiu na apresentação de diversas imagens de

animais (cachorro, cavalo, gato e galinha) que seriam trabalhados na unidade, a fim

de que se pudessem sondar os gostos, preferências, atitudes e até preconceitos que

os alunos tivessem sobre os animais. Também foi feita uma conversa informal com

os(as) alunos(as), através da qual se percebeu que muitos tinham animais de

estimação. Entretanto, alguns deles(as) demonstraram preconceito contra gatos,

demonstrado através de frases do senso comum.

Na conclusão do módulo, os alunos foram solicitados a trazer textos que

tivessem como personagens, as espécies de animais apresentadas nas imagens

que lhes foram mostradas.

Na etapa do Atendimento ao Horizonte de Expectativas, ou segundo módulo,

foram lidos e comentados os textos trazidos por alguns alunos. Em seguida, foram

trabalhados, um a um, textos que tinham em comum, além do tema Animais, o

elemento humor, a fim de cativar os alunos para a leitura. Foram eles: Sua Avó, meu

basset, de Sylvia Orthof (ORTHOF, 2003); O velho, o menino e a mulinha, de

Monteiro Lobato (LOBATO, 1983) ; Galinha ao molho pardo, de Fernando Sabino

(SABINO, 1984); O gato curioso e Dono do Pedaço, poemas de Ferreira Gullar

(PALAVRAS, 2001) e Clementina, a gata, de Sylvia Orthof (ORTHOF, 1983). Os(as)

alunos(as) apreciaram os textos, principalmente os da Sylvia Orthof e o de Fernando

Sabino. Talvez pelo fato de os livros terem sido levados para a sala de aula,

os(as)(as) alunos demonstraram curiosidade de ler mais um texto da escritora

Sylvia Orthof e o escolhido por eles foi Um bicho de pé de estimação (ORTHOF,

1983), em cuja leitura encontraram diversão.

Como preparação para a etapa seguinte, foi lido o texto Da utilidade dos

animais, de Carlos Drummond de Andrade (BRAGA, 1994) que também possui

humor e excelente crítica no que se refere à exploração dos animais pelos seres

humanos. O texto suscitou uma boa discussão sobre o tema, na sala de aula. A

respeito desse assunto, pode ser citado Peter Singer, filósofo ativista australiano

que, com o livro Libertação Animal, lançado em 1974, deu início ao debate formal e

acadêmico sobre como as pessoas tratam o animal no dia-a-dia. Para ele, que é a

favor da libertação animal da tirania humana, enxergar os animais como alimento,

roupa, produto para teste, diversão, é degradar sua condição de senciente (que

possuem os cinco sentidos e, portanto, sentem exatamente as mesmas sensações

que os seres humanos), o que rebaixa moralmente o ser humano. Segundo Singer,

na exploração animal não existe grandeza nem superioridade, mas sim, a aplicação

da “lei do mais forte”.

A etapa mais longa do trabalho, a Ruptura do Horizonte de Expectativas, ou

terceiro módulo, foi dividida em três partes. A primeira visou à sensibilização para a

questão animal e foi iniciada com o livro de imagens Um dia, um cão, de Gabrielle

Vincent (VINCENT, 2013), que provocou uma discussão e reflexão sobre as causas

e consequências do abandono de animais. Muitos comentaram que conhecem

histórias reais parecidas com a do livro. A discussão prosseguiu depois que

assistiram ao DVD Vida de cavalos, burros e jegues, do Instituto Nina Rosa. Foram

lidos ainda o conto da escritora paulistana Índigo (Ana Cristina Araújo Ayer de

Oliveira) Gatos não são bola (ÍNDIGO, 2006) e a crônica Obrigada, Noé, de Marina

Colasanti (COLASANTI, 2002), texto que causou grande impacto nos estudantes,

pela maneira contundente que apresenta o sofrimento dos animais. Nesse ponto do

trabalho, cabe citar a visão abolicionista dos animais, inaugurada por Singer, que

critica o uso indiscriminado dos animais na sociedade contemporânea:

O especismo – a palavra não é bonita, mas não consigo pensar num termo melhor – é um preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies. [...] Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter em conta esse sofrimento [...] Assim, o limite da senciência (utilizando este termo como uma forma conveniente, se não estritamente correta, de designar a capacidade de sofrer e/ou, experimentar alegria) é a única fronteira defensável de preocupação relativamente aos interesses dos outros (SINGER, 2004, p. 19-20).

Na segunda parte, o enfoque foi o texto literário, que se diferencia do tipo de

leitura que os alunos costumam realizar. Foram eles: o conto Sarnento, pulguento,

magrinho, uma graça!, de Adriana Falcão (FALCÃO, 2002); os poemas: O Cavalo,

de Ronald Claver (CLAVER, 2003); O Ron-ron do gatinho e A fala do gato, de

Ferreira Gullar (PALAVRAS, 2001); a crônica As hortênsias, a água-viva e o cavalo,

de Marina Colasanti (COLASANTI, 2002) e o conto O gato, a borboleta e o tempo,

de Índigo (ÍNDIGO, 2006). Foi possível perceber que os alunos não encontraram

dificuldade na linguagem da maioria dos textos, exceto no da escritora Marina

Colasanti que possui uma bela prosa poética e cuja leitura teve que ser conduzida

pela professora, cujo vocabulário precisou ser trabalhado, para que se pudesse

alcançar a compreensão pretendida. Foi exibido, ainda, o DVD O gato como ele é,

do Instituto Nina Rosa que, assim como os poemas de Gullar, desconstruiu os

preconceitos contra os gatos, demonstrados claramente no início do trabalho

(primeiro módulo), por alguns alunos.

A terceira parte constituiu-se como ponto alto do trabalho, visto que os textos

selecionados extrapolavam a questão dos animais e apontavam para a reflexão

sobre a própria condição humana, através das metáforas utilizadas nos textos

literários selecionados, que foram: os poemas O bicho, de Manuel Bandeira

(BANDEIRA, 1993) e Os bichinhos e o homem, de Vinícius de Moraes (MORAES,

1991) ; o conto de Clarice Lispector: Uma história de tanto amor (LISPECTOR, 2003)

e, finalmente, o texto teatral Os Saltimbancos, de Chico Buarque (HOLLANDA,

2002). Foi exibido, ainda, o filme (animação) A fuga das galinhas. Por se tratar de

um musical e conter humor, o texto de Chico Buarque foi muito bem aceito pelos

alunos, que fizeram uma leitura dramatizada do mesmo. Através dessa atividade, foi

possível perceber um bom desenvolvimento da leitura oral dos alunos.

O quarto módulo é referente ao Questionamento do Horizonte de

Expectativas e consistiu numa análise comparativa entre os textos trabalhados nos

módulos anteriores, com a finalidade de se verificar quais os textos que exigiram

maiores dificuldades de entendimento. Trata-se de uma reflexão sobre as leituras

feitas até o momento do trabalho e o modo como cada um as fez e que

entendimento tiveram, influenciados pela sua leitura de mundo. Segundo as DCEs

de Língua Portuguesa (2008, p. 75), “o aluno deverá perceber que os textos

oferecidos na etapa anterior (ruptura) trouxeram-lhe mais dificuldades de leitura,

porém garantiram-lhe mais conhecimento, o que ajudou a ampliar seus horizontes.”

No quinto módulo, passou-se para a Ampliação do Horizonte de Expectativas,

a última etapa do Método Recepcional. Nesse ponto, os(as) alunos(as) já haviam

percebido, através das leituras realizadas, que as Artes, entre elas a Literatura, além

do lado estético, possuem um papel social, como por exemplo, levar à reflexão do

papel do ser humano no ecossistema.

Dessa maneira, a turma foi organizada em equipes que realizaram pesquisas

na acerca do tema Guarda Responsável de Animais, produziram cartazes com

frases, poemas e imagens que foram expostas na escola, visando à sensibilização

de toda a comunidade escolar no que concerne ao respeito aos animais.

Além disso, foi realizada uma palestra na escola, por um grupo de pessoas

ligado a uma ONG (Organização não-governamental) de apoio aos animais,

atividade que obteve bastante participação dos(as) alunos(as) não apenas da turma

do curso de Português Fundamental, do projeto, mas também de outras turmas da

escola.

Para encerrar, os(as) alunos(as) aceitaram o convite para apresentar o texto

Os Saltimbancos, em teatro de fantoches, na escola, atividade que foi extremamente

enriquecedora, possibilitando uma excelente interação entre os alunos, além de

proporcionar uma perceptível melhora na leitura oral dos(as) estudantes e ainda

despertá-los para novas leituras. A peça foi apresentada no dia cinco de junho, para

os próprios alunos e alunas da turma, além da direção e equipe pedagógica da

escola, que sugeriu uma nova apresentação na Semana Cultural da escola, a ser

realizada no mês de novembro. Então os alunos se entusiasmaram grandemente

com a ideia, prosseguiram com os ensaios e prepararam uma reapresentação da

peça, em duas sessões, que ocorreram no dia dezenove de novembro e foram

abertas para a comunidade escolar.

É importante considerar a participação de uma ex-aluna do CEEBJA, e atual

estudante de Artes Cênicas na Universidade Estadual de Londrina (UEL), que

auxiliou na montagem e direção da peça e muito contribuiu para a realização do

trabalho, interagindo e colaborando com os(as) alunos(as) e a professora.

Além disso, vale salientar a participação dos(as) professores(as) cursistas do

GTR (Grupo de Trabalho em Rede), da rede estadual, que analisaram e discutiram o

material (Projeto de intervenção pedagógica e Produção Didático-Pedagógica)

produzido. O grupo de quinze professores acompanhou o desenvolvimento da

implementação do projeto, contribuindo com sugestões e o enriquecimento do

trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) possibilitou

a realização deste trabalho, uma vez que o retorno ao universo acadêmico permitiu

a interação com outros profissionais da área, além do embasamento teórico e

metodológico para uma reflexão mais aprofundada da práxis escolar.

A aplicação das atividades da produção didático-pedagógica, fundamentada

no projeto de intervenção pedagógica, permite algumas considerações sobre o

ensino e aprendizagem da leitura e da literatura pelos alunos da EJA, ensino

fundamental, que podem ser pensadas como princípios gerais teóricos e

metodológicos em outras modalidades de ensino. Naturalmente, caberá ao professor

selecionar as atividades, de acordo com o nível de aprendizagem da turma.

Em consonância com a nossa realidade de atuação profissional, tanto o

Projeto de Intervenção Pedagógica quanto a Produção Didático-Pedagógica

(Unidade Didática), proporcionaram a articulação entre teoria e prática, necessária a

todo professor cujo local de pesquisa é o seu próprio local de trabalho.

Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de motivar os(as) alunos(as) da

EJA fundamental para a leitura de textos literários, aliando o ensino da leitura à

Educação Ambiental e, despertando-lhes, assim, a sensibilidade, a responsabilidade

e a mudança de atitude em relação aos seres vivos, instigando-os(as) a novas

descobertas e possibilitando-lhes a ampliação dos conhecimentos.

Durante toda as fases da pesquisa, os(as) alunos(as) desenvolveram

atividades de leitura, interpretação, observação, debate e análise, as quais

propiciaram importantes reflexões sobre o tema. Ao longo da implementação da

Unidade Didádica, os(as) alunos(as) puderam discutir sobre o que leram, para

desenvolver seu poder de argumentação, além de interpretarem o que leram para

colocar em palavras o que aprenderam.

A escolha do Método Recepcional foi importante para que o os objetivos

fossem atingidos, uma vez que ele auxilia o(a) aluno(a) a ampliar seus Horizontes de

Expectativa e, assim, contribui para a formação de leitores críticos e competentes,

mais conscientes de seus deveres e direitos e, consequentemente, cidadãos

capazes de interferir na organização de uma sociedade mais democrática.

Dentre os textos selecionados para o projeto, destaca-se a peça teatral Os

Saltimbancos, de Chico Buarque, cuja leitura proporcionou um bom nível de

consciência crítica aos(às) alunos(as); foi gratificante observar a identificação deles

com os animais-personagens, explorados pelos patrões. Há que se considerar que

os(as) alunos da EJA atendidos pelo projeto que ocorreu no período noturno são,

em sua maioria, trabalhadores. Acredita-se, pois que, no encontro com a literatura,

as pessoas têm a chance de ampliar, enriquecer e transformar as suas experiências

de vida.

Deve-se considerar também, dada a importância da leitura defendida ao longo

deste trabalho, a necessidade premente de se repensar o papel da biblioteca escolar

para que ela atenda, efetivamente, ao processo de ensino-aprendizagem, ao estudo,

à pesquisa, à promoção da leitura e à recriação do conhecimento.

Após a implementação desse trabalho, percebe-se que é possível promover

um trabalho contínuo e planejado, proporcionando mudança de atitude no que

concerne ao ensino de leitura e literatura, contribuindo para a análise crítica e

reflexões e conduzindo os leitores à busca de novos sentidos para alcançar a

qualidade de vida, no meio onde estão inseridos. Entretanto, o trabalho não se

esgota aqui; a prática do professor necessita ser repensada constantemente, a fim

de que se possa redimensionar o ensino/aprendizagem. Para isso, é necessária

uma busca incessante através de estudos, reflexões e ações.

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