os desafios da escola pÚblica paranaense na … · introduÇÃo o presente artigo versa sobre o...

19
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

Upload: buidiep

Post on 21-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

A CAPOEIRA NA ESCOLA: UMA MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA EM AULAS DE

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO

Janaina Closs Salvador Barroso1

Tony Honorato2

RESUMO: Este artigo apresenta as atividades, discussões e análises referentes ao

projeto intitulado “A capoeira na escola: uma mediação pedagógica em aulas de

Educação Física no Ensino Médio”. O projeto é uma das ações da capacitação

ofertada pelo Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná (PDE),

na Universidade Estadual de Londrina (UEL), turma 2014-2015. O trabalho consistiu

em uma pesquisa, aliada à intervenção docente, tendo como problema central o

ensinar a capoeira para escolares possibilitando a ampliação de conhecimentos

produzidos na relação mútua entre professor e alunos. A metodologia adotada contou

com o referencial da mediação pedagógica (FONTANA, 2000) e a população

envolvida foi constituída por estudantes do primeiro ano do ensino médio do Colégio

Estadual Unidade Polo, localizado na cidade de Ibiporã/PR. Como desdobramento,

teve-se uma produção de conhecimento sobre a capoeira considerando as questões

históricas, étnico-raciais, da diversidade e do movimento da cultura corporal.

Palavras-chave: Mediação Pedagógica; Capoeira; Diversidade; Escola.

1 Professora, pesquisadora PDE: Educação Física, Colégio Estadual Unidade Polo, município

de Ibiporã/PR. Núcleo de Educação de Londrina. E-mail: [email protected] 2 Orientador PDE: Professor, Doutor, Departamento de Educação Física, Universidade

Estadual de Londrina (UEL).

INTRODUÇÃO

O presente artigo versa sobre o ensino da Capoeira nas aulas de

Educação Física do Ensino Médio, a proposição da mediação pedagógica foi o

recurso teórico-metodológico utilizado. O trabalho consistiu em uma pesquisa,

aliada à intervenção docente, proposta e praticada no contexto da capacitação

ofertada pelo Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná

(PDE), na Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Destaca-se que o conteúdo lutas é um estruturante na perspectiva das

Diretrizes Curriculares do Estado Paraná (PARANÁ, 2008) e que ao longo de

nossa experiência docente na educação básica, nota-se o crescente interesse

dos escolares pelo conteúdo lutas, bem como o interesse da sociedade, vide o

sucesso mediático e de consumo do UFC (Ultimate Fighting Combate). Assim,

no conjunto das lutas, a capoeira, em foco, é um saber a ser transmitido e

apropriado nas aulas de Educação Física.

No âmbito escolar, pesquisas relativas ao trabalho da capoeira foram

desenvolvidas. Lorio e Darido (2005), considerando uma perspectiva histórica,

indicam que a capoeira já foi compreendida como ginástica nacional, como

método de educação física e como esporte, contudo, alertam, nas escolas

ainda há um distanciamento de suas aulas propriamente ditas. Já Castro Junior

(2002), a partir do constructo histórico-cultural, compreendeu a capoeira como

produção educativa e dissertou sobre a pertinência de aproximar os saberes

dos capoeiristas e os dos professores de educação física, haja vista que são de

origens heterogêneas e de diferentes características pedagógicas, mas juntos

podem enfrentar as questões das diferenças sociais entre os sujeitos

históricos.

Kohl (2007), em uma escola da rede particular de Recife-PE,

desenvolveu o conteúdo lutas, capoeira, buscando produzir situações que

possibilitassem uma proposição superadora para a consolidação de uma

educação cidadã crítica-cultural mediada pela ludicidade, dialogicidade e

intencionalidade. Por sua vez, no Estado do Paraná, Shimitt (2012) e Borgoni

(2012), no contexto do PDE, também estudaram a capoeira na escola. Shimitt

(2012), no Colégio Estadual “Adélia Dionísia Barbosa”, localizado na cidade de

Londrina, tratou a capoeira como conteúdo curricular, sistematizou e seriou o

seu ensino. Já Borgoni (2012) focou na capoeira como forma de discutir as

questões étnico-raciais nas aulas de educação física, objetivando a superação

de conflitos no espaço escolar e o trato do preconceito.

Destaca-se que na escola a capoeira possibilitaria a produção de

conhecimentos sobre uma cultura historicamente formulada, uma construção

da identidade do brasileiro, uma manifestação da cultura corporal de

movimento e uma representação dos valores e tensões vividos pelos grupos

sociais em um tempo e lugar de experiência em sociedade. Contudo, são

inquietantes as dificuldades de conhecimento e pedagógicas vividas por nós

professores no ensino da capoeira para os escolares, isso quando não

limitamos a transmissão de tal saber a colaboração de grupos locais que vão

até as escolas realizar uma apresentação de capoeira circunstanciada.

Urge então a necessidade de aprofundamento dos conhecimentos

referente à capoeira na escola, isso para produzir processos de ensino e

aprendizagem mais significativos, reflexivos e críticos. Desse modo, o objetivo

principal consistiu em produzir, na interação entre professor e alunos do Ensino

Médio, uma mediação pedagógica que possibilitasse a ampliação de

conhecimentos sobre a capoeira nas aulas de educação física escolar.

A intervenção pedagógica, em concomitância com a dinâmica da

pesquisa, ocorreu junto aos alunos do 1º ano do Ensino Médio do Colégio

Estadual Unidade Polo, situado no município de Ibiporã-PR. Tomou-se como

referência o constructo da mediação pedagógica sistematizado por Fontana

(2000), o que possibilitou a produção de conhecimento numa perspectiva

histórico-cultural, utilizando-se de recursos variados e gerando o

aprofundamento e ampliação dos saberes tanto na dimensões conceitual

quanto na vivência dos movimentos corporais da capoeira, como veremos a

seguir.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento da pesquisa foram considerados procedimentos

de investigação e de mediação pedagógica que possibilitassem a produção, a

análise e a reflexão do conteúdo capoeira ofertado sob a perspectiva de uma

pesquisa qualitativa compartilhada com o outro.

Conforme Neves (1996), a pesquisa qualitativa pode ser compreendida

também como a utilização de várias técnicas interpretativas que objetivam

descrever, decodificar, traduzir e expressar aspectos específicos de um

determinado fenômeno do mundo social. Nesse sentido, consideramos a

pertinência de realizar a pesquisa no local da produção dos dados com foco em

um recorte temporal-espacial de um fenômeno potencializado pelo pesquisador

em intervenção docente.

Inicialmente foram planejadas aulas sobre capoeira e sua realimentação

foi compartilhada com os alunos, uma vez que tratamos de produção do

conhecimento que advém das relações recíprocas. Para Fontana (2000), a

reciprocidade é o fato de considerar que há por parte do aluno uma construção

interna de seus conceitos advindos de uma relação externa, ela se situa na

relação entre o processo interpessoal e o intrapessoal.

Tornou-se pertinente o referencial histórico-cultural do desenvolvimento

humano, considerando o processo de conceitualização escolar como uma

prática social dialógica e pedagógica que se sustenta na mediação da palavra

e do movimento corporal.

Ao nos apropriarmos do processo de mediação pedagógica, implicou

também, a partir da perspectiva histórico-cultural (FONTANA, 2000),

compreender a relação escola e sociedade num processo de dimensões

políticas e técnicas. Isto porque, ao difundir o saber social e historicamente

acumulado, há política na prática educativa escolarizada que se deseja eficaz e

se prolongue para além da escola.

Tomamos como objeto de interpretação a atividade de elaboração

conceitual do aluno no contexto escolar, referente ao ensino da capoeira. A

pesquisa atentou-se então à questão de como se desenvolve o processo de

apropriação e elaboração dos conceitos, pelos alunos. Então, para a análise,

passou a ser chave o conceito de internalização.

Para Fontana (2000), no processo de internalização compreendido por

Vygotsky, o sujeito reconstrói internamente os modos de ação externa, nesse

processo a mediação por meio da linguagem se apresenta de forma

fundamental, nela estão expressas as ações, estratégias e conhecimentos do

outro e as condições das interações ocorridas durante o processo. Uma vez

internalizado um conceito, o sujeito passa a ter maiores, e não plenos,

controles de suas ações e comportamentos sociais, o que indica uma maior

autorregulação reorganizadora da atividade mental, dando-o a ação consciente

e elaboração conceitual. Em síntese, a internalização por meio da linguagem é

social e é do nosso mundo interior, e modifica-se na relação com o outro na

tensão do viver em sociedade.

A enunciação, por sua vez, numa perspectiva bakthiana referenciada por

Fontana (2000), é parte de um diálogo social, ininterrupto e ideológico. Pois, há

por parte dos interlocutores referencias das práticas sociais, culturais e

políticas que podem gerar confrontos, conflitos e contra palavras num processo

dialógico formativo do sujeito.

Assim, ao assumirmos a perspectiva histórico-cultural, tendo como base

o conceito de internalização e o de mediação, coube compreender, na teoria e

na vivência docente em sala de aula, o papel do professor-pesquisador

enquanto estratégia metodológica.

O professor-pesquisador é um mediador intencional na elaboração de

conceitos. A ele cabe o afastamento da reprodução ou da seleção fechada de

conteúdos. Ele assumirá como condição fundamental o seu trabalho intelectual

e o lugar de sujeito social para mediar, explicitar, problematizar e analisar o

trabalho na relação com os alunos, escapando do reducionismo da

conceitualização promovida por um único responsável pelo saber. Ainda,

Fontana (2000) destaca que o professor-pesquisador operará na mediação da

problematização e produção conceitual objetivando novas tomadas de

consciência, considerando a visão de homem e a de mundo.

Tendo como lente o constructo teórico-metodológico, ora exposto, o

projeto de pesquisa e de intervenção pedagógica planejou, inicialmente, um

material didático composto por onze aulas, práticas e teóricas, que foram

mediadas nas relações com 159 alunos do primeiro ano, divididos em seis

turmas, da disciplina de Educação Física do Ensino Médio do Colégio Estadual

Unidade Polo, localizado na cidade de Ibiporã, PR.

Aula Tema Mediador Objetivo

1 Apresentação do Projeto Apresentar o projeto e seus objetivos aos alunos, sensibilizando-os para uma produção coletiva; Realizar uma avaliação do conhecimento prévio dos alunos frente aos conceitos capoeira e diversidade.

2 Dimensão histórica da Capoeira Compreender as circunstâncias em que viviam os escravos; Identificar a necessidade de interação cultural nas senzalas; Reconhecer a diversidade cultural frente ao conteúdo Lutas.

3 Capoeira como prática sociocultural

Conhecer as principais características e elementos da capoeira como diversidade cultural presente na sociedade e na escola.

4 Capoeira: conhecendo um Grupo. Conhecer o ambiente onde ocorrem os encontros, aulas de Capoeira.

5 Capoeira: interagindo com o Grupo Sol Dourado.

Identificar os elementos culturais representados por um grupo de capoeira; Registrar as primeiras impressões frente ao Grupo.

6 Capoeira: Vivência prática Demonstrar o conhecimento referente à capoeira. Demonstrar movimentos e relatar experiências em relação à capoeira.

7 Capoeira: Ginga e Esquivas Realizar os movimentos percebendo a variação de ritmos de acordo com a música;

8 Capoeira: Ginga, esquivas, meia lua de frente e martelo.

Realizar movimentos respeitando os limites de cada um; Interagir com o outro, percebendo os potenciais de movimentos.

9 Capoeira: Ginga, esquivas, queda de quatro, meia lua de frente, martelo, benção e aú.

Realizar movimentos respeitando os limites de cada um. Interagir com o outro em forma de jogo.

10 Capoeira: A roda Vivenciar a situação de roda; Reconhecer a roda como elemento fundamental da prática da capoeira; Identificar as relações propiciadas no ambiente da roda.

11 Capoeira: A roda Identificar a hierarquia que fundamenta a formação da roda e sua dinâmica; Jogar capoeira; Expor os conhecimentos elaborados ao longo do projeto.

Quadro 1: Aulas de Capoeira para alunos do Ensino Médio.

O processo de intervenção exigiu logo o primeiro encontro com os

alunos, objetivando assim dialogar sobre a proposta do projeto. No encontro,

além das impressões e expectativas dos alunos materializadas em seus

relatos, o professor-pesquisador, por meio de um instrumento questionário,

mapeou os conhecimentos sobre a capoeira até então apropriados pelos

alunos.

Durante a realização do projeto, as aulas foram teórico-práticas

envolvendo leitura de textos, discussões, vídeos, confecção de painel e

vivências de movimento corporal (ritmos, ginga, golpes, rodas de jogo). Elas

objetivavam a mediação do conceito de capoeira tendo como elementos

fundantes a diversidade, a influência da cultura africana e a escravidão no

Brasil.

A mediação pedagógica também contou, em uma aula, com a

intervenção de um mestre e seus seguidores de capoeira. Na ocasião,

dialogaram com todos sobre as variações da capoeira, as suas músicas e

danças.

Nas últimas aulas foram vivenciadas rodas de jogo de capoeira, com o

intuito apresentar por meio do movimento corporal, depois discutir e analisar o

conhecimento conceitual produzido ao longo do processo da mediação

pedagógica.

Por sua vez, os dados de pesquisa foram sendo elaborados em

concomitância ao processo de intervenção. Contamos com registros

sistematizados no formato de relatórios de aula manuscritos pelos alunos, de

imagens captadas por uma câmera fotográfica e de registro de caderno de

campo do professor-pesquisador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Destacaremos a construção dos conceitos objetivados na mediação

pedagógica, apontando nossa análise a partir dos registros das aulas e dos

relatos dos alunos.

Ao iniciar ações do projeto com os alunos do primeiro ano do Ensino

Médio, na disciplina Educação Física, notamos, logo no primeiro encontro de

apresentação da proposta, o interesse por parte deles, e imediatamente

surgiram algumas interlocuções:

“Muito interessante, é cultura, e está meio que perdida entre nós, achei muito legal, uma intervenção necessária” (Alicia 1º F); “Vamos ter aulas práticas ou ficar nas apresentações?” (Fábio 1º C); “Achei superinteressante, gostei bastante de conhecer um pouco mais dessa cultura tão diversa” (Damaris 1º B).

Foi esclarecido que todo o trabalho seria compartilhado com os alunos,

tendo a noção de reciprocidade como orientadora. Destacamos também, que

alguns deles apresentavam conhecimentos empíricos na capoeira superiores

aos do professor-pesquisador. Observou-se, ainda, a expectativa dos alunos

frente à possibilidade de um trabalho diferente que rompesse com a

superficialidade no trato do conteúdo nas aulas de Educação Física.

Imagem1: Apresentando o projeto – Capoeira na Escola. Registrada por Professora Janaina

A produção do primeiro fundamento, diversidade, eleito para

avançarmos na compreensão da capoeira, se deu por meio de vídeos e de

textos, objetivando discutir a origem da capoeira, seu contexto histórico de

marginalização e seu contexto atual. Segundo as sistematizações de alguns

alunos:

“Nada mais justo aprender capoeira, a única luta que é nossa de verdade, brasileira” (Raiane 1º D); ”Assim podemos conhecer um pouco mais da nossa cultura” (Carol 1ºB); “Na escola aprendemos conteúdos de tantos países, não custa nada estudar os do nosso próprio país” (Braian 1º C).

As atividades propostas proporcionaram situações de discussão,

compreensão, sistematização e experimentação das ações. Em uma das

atividades a sala estava escura, um telão com imagens de escravidão e a

música narrando passagens da vida escrava completavam o cenário, os alunos

imaginaram as condições que os seres humanos eram submetidos, longe de

sua cultura, de seu país, família e, principalmente, sua atitude frente a esta

realidade posta. Ao final, alguns alunos se mostraram muito emocionados e os

sentimentos descritos eram de revolta, ódio, dor, inconformismo. O que causou

uma discussão colocando que a Capoeira, vista com tanta alegria, simbolismo

e cultura, agrega uma história de luta, de marginalização, desigualdade e

preconceito.

Sobre as questões da escravidão, do trabalho, do consumo e da

diversidade étnico racial na contemporaneidade, fez-se uso do filme “Quanto

vale ou é por quilo”. Como foram transmitidas aos alunos algumas cenas, uma

aluna comentou: “Podemos assistir inteiro? Posso levar para os meus pais

verem? Somos negros e nem tinha ideia disso”. (Milena 1º D)

Após a leitura e discussão sobre o filme, um painel foi produzido e

alocado no pátio da escola, contendo a seguinte frase: “Escola, lugar de

diversidade". Além da capoeira, eles se sentiram livres para colocar no painel

outros temas considerados pertinentes. Então, foram lançadas frases e

imagens referentes à inclusão, política, preconceito, questões de gênero e

tecnologia.

Ao ler, discutir, pesquisar, sistematizar e produzir por meio de seus

relatos, a diversidade escolar foi redescoberta, apresentada e mais ainda

constatada como necessária e legítima. Nesse movimento, a capoeira foi

compreendida como algo que deve fazer parte e ser desenvolvida de forma

efetiva, até mesmo para compreender por outros ângulos a identidade do

homem e da sociedade brasileira.

Num outro memento, a proposição foi avançar na construção do

conceito de capoeira. Numa primeira ação os alunos demonstraram seus

conhecimentos em relação aos movimentos corporais da capoeira.

Inicialmente, os que apresentavam certa habilidade motriz demonstraram os

movimentos conhecidos culturalmente, tais como: Macaco, parafuso e parada

de mão. No principio causou certo receio nos demais alunos que acreditavam

não conseguir dominar tais habilidades. Então foi mediado que começássemos

pelos movimentos menos complexos, chegamos a um consenso que seria

possível para envolver a maioria dos participantes da aula e que, no momento

do jogo de capoeira com o outro, todos teriam a liberdade de manifestar

movimentos de acordo com suas habilidades motrizes. Os movimentos

acordados foram: ginga, cocorinha, esquiva lateral, martelo, meia lua de frente,

benção e aú.

Nas aulas que se seguiram a participação dos alunos foi além de nossas

expectativas, todos envolvidos, quer seja na vivência dos movimentos e\ou das

discussões. Sendo que ao final da primeira aula prática, alguns sugeriram

tentar aprender com os colegas mais habilidosos os golpes mais complexos, o

que foi acatado pelo grupo.

Na sequência de aulas práticas, cada um no seu tempo, no seu espaço

foi construindo com o outro a sua ”Capoeira“, sem se preocupar com

movimentos padronizados e perfeitos, o que tornou o trabalho prazeroso,

produtivo e democrático. Ressaltamos que alunos tinham autonomia de tomar

a frente da turma para propor, corrigir e ensinar os demais.

O diálogo corporal proposto pela capoeira, a atenção ao movimento do

outro e o próprio movimento de cada um em relação ao outro, aprofundaram as

relações de aprendizagem e produção, pois o foco não era performance e sim

a compreensão do movimento na relação com outro.

Imagem 2: Professora-pesquisadora e alunos na vivência – Cocorinha. Registrada por Vinícius 1º E

Imagem 3: Vivências do movimento Benção. Registrada por Professora Janaina

Nota-se nas imagens 2 e 3 a presença de escolares sem distinção de

sexos, indicando a capoeira como uma manifestação na qual a diversidade de

gêneros pode compartilhar o mesmo lugar e tempo. Não o bastante, a

padronização do movimento, objetivando a execução perfeita, não foi

proposição da aula, vide a possibilidade de cada um realizar o movimento

conforme suas condições motoras.

Após as aulas de vivências dos movimentos elementares da capoeira,

passamos a um outro momento quando a mediação pedagógica foi

potencializada com a promoção da relação entre nós escolares e o Grupo de

Capoeira Sol Dourado, da cidade de Ibiporã-PR.

A relação foi mediada pela curiosidade, estávamos diante de referências

locais no assunto.

Imagem 4: Interlocuções com o Grupo de Capoeira Sol Dourado. Registrada por Professora Janaina.

Imagem 5: Roda de capoeira com o Grupo Sol Dourado. Registrada por Professora Janaina

A curiosidade e o interesse dos alunos foram sendo sanadas na medida

em que o Grupo Sol Dourado, representado por seu Mestre “Dragão“, o

Sinvaldo Almeida e pelos alunos: “Cabeleira”, “Cacheado”, “Bentinho”, “Viola”,

Antônio e Delci. A partir de seus lugares de experiências, apresentavam o jogo,

as habilidades motoras, as capacidades físicas, a música e a dança. Foi

formativo também o momento que o Grupo sensibilizou os alunos para

cantarem, exercitarem os movimentos e jogarem em roda de capoeira. Nesse

momento, a cada ação os alunos discutiam o que havia sido feito e sua relação

com a história da capoeira, estudada anteriormente. A mediação prosseguiu

através de discussões, feitas pela professora-pesquisadora e pelo Mestre

presente.

Como se observa na imagem 5, mesmo ainda tímidos alguns alunos

participaram de uma roda ao final da aula, outros estavam inseguros e com

receio de participar, pois não queriam “jogar”. Então, a saída produzida foi no

sentido de quem nem jogasse, poderia se envolver por meio do canto, das

palmas, da observação e do apoio aos demais em roda.

Posteriormente a participação do Grupo Sol Dourado, discutimos em

aula as representações e apropriações da experiência:

“Nossa professora, não imaginava que precisava de tanto preparo físico, estou toda quebrada hoje!“. (Silvia 1º A ) “Muito legal os instrumentos, a música, adorei cantar” (Amanda

1º A) “Achei muito difícil, não tive coragem de fazer os exercícios”.

(Rafaela 1º D)

Os relatos demonstram a percepção de que há uma diferença no trato

da Capoeira como conteúdo escolar e como forma sistematizada em um grupo.

Demonstraram ainda que além da questão motriz a capoeira agrega a dança e

a música, elementos fundamentais em sua prática. Por conseguinte, ficava

evidente para todos que compreender a capoeira implicava em uma relação

saber escolar e saberes socialmente produzidos extramuros escolares.

Partimos então para roda, em discussão coletiva combinamos que todos

poderiam usar os golpes aprendidos em aula ou que já soubessem. Aqueles

que não se sentissem a vontade iriam participar nas palmas.

Ao final das ações pedi para que os alunos relatassem suas impressões

em relação ao projeto desenvolvido.

“No começo achei um pouco chato, mesmo sem conhecer, não gostava muito de capoeira. Agora, depois dessas aulas com as explicações, achei interessante”. (Ana Laura 1º D) ”Achei interessante, gostei bastante de conhecer um pouco mais dessa cultura diversa”. (Amanda 1º A) “Foi bom, muitas vezes tem apresentação de roda na escola, mas não participo, por conta de não ter conhecimento e com esse projeto aprendi muito sobre capoeira”. (Jessica Paola 1º E) “Muito bom, pois trouxe um pouco da cultura afro- brasileira para perto de nós.” (Gabriel 1º C) “Foi muito bom, mas nós poderíamos ter feito mais.” (Nicolas 1º C) “Foi um projeto interessante, aprendemos a história, a cultura, o esporte”. (João Marcelo 1º C) “Eu gostei muito do projeto, porque achei uma ideia nova, uma oportunidade de aprender” (Rafael 1º D)

Percebe-se que a mediação pedagógica realizada proporcionou

experiências vividas com o outro no cotidiano escolar, potencializando, desse

modo, a abertura de diferentes horizontes em relação ao processo de

aprendizagem que também foi intencional, planejado e discutido coletivamente.

Então, a capoeira que era um fator de desconforto para nós, no que diz

respeito ao seu ensino para escolares, passou a ser viável pedagogicamente.

E como um dos resultados, temos escolares conhecendo e praticando a

capoeira, mesmo em espaços ressignificados, como se vê imagem:

Imagem 4: Alunos vivenciando a iniciação do jogo de capoeira. Registrada por Professora Janaina

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades e conteúdos foram propostos com a intenção de produzir

uma mediação pedagógica do ensino da Capoeira. Assim, possibilitou um

efetivo envolvimento dos alunos com o conteúdo da capoeira, durante a

construção dos conceitos, compreendendo a capoeira como elemento da

cultura corporal impregnada de sentidos e significados.

Os estudantes foram estimulados a vivenciar os movimentos e discutir a

história da capoeira, bem como ser ouvido e ouvir outro, ver e ser visto pelo

outro na vivência. Desse modo, houve uma intensa relação de troca de

conhecimento, de reconstrução do mesmo a partir das relações estabelecidas

em aula no processo de mediação. Em síntese, os envolvidos perceberam que

não há necessidade de exímia habilidade motora no aprendizado capoeira, que

o diálogo corporal vivenciado em seu jogo sociocultural, respeita as

individualidades e os limites de cada um, que o ”bom capoeira” respeita sua

história e sua cultura em detrimento da exaltação de suas habilidades físico e

técnicas.

Com o estudo espera-se provocar reflexões e ações em torno das lutas,

isto porque é um conteúdo que sofre com a resistência no seu desenvolvimento

das de Educação Física, principalmente quando os professores pensam ser

necessário ser um praticante de capoeira ou de outras modalidades para poder

ensiná-las aos escolares. Ainda, tem-se a mediação pedagógica registrada

como inspiração para uma revisão de nossas formas de ensino, isso para

almejarmos uma educação produzida na relação recíproca com o outro.

Conclui-se que a busca por metodologias de ensino é de suma

importância no processo educacional, cabe ao professor ser um contínuo

pesquisador-docente, consciente de suas ações. Para tanto, é significativo

também ser intencional, relacional, crítico e ultrapassar os muros da escola,

trazendo para a discussão e reflexão temas que permeiam o mundo social,

cultural, político e econômico, procurando trazê-lo a luz do conhecimento.

REFERÊNCIAS

ACORDI, L. de O.; SILVA, B. E. S. da; FALCÃO, J. L. C. As Práticas Corporais e seu Processo de Re-signficação: apresentado os subprojetos de pesquisa. In: SILVA, A. M.; DAMIANI, I. R. (Org.). Práticas Corporais: gênese de um

movimento investigativo em educação física. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005. v. 1, p. 30-41. AREIAS, Almir das. O que é Capoeira. São Paulo: Brasiliense,1984.

BEILLEROT, J. A pesquisa: esboço de uma análise. In: ANDRÉ, M. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 71-90. (Série Prática Pedagógica). BONFIM, Genilson César Soares. A prática da capoeira na educação física e sua Contribuição para a aplicação da lei 10.639 no ambiente Escolar: a capoeira como meio de inclusão social e da Cidadania. In: CONGRESSO NORDESTE DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 3., 2010, Fortaleza. Anais... Disponível em: <http://www.rbceonline.org.br/congressos/index.php/conece/3conece/paper/viewFile/2379/975>. Acessado em: 25 jun. 2014. BORGONI, Jaime Emir. Desafiando o Preconceito Racial: a busca da

cidadania afrodescendente no espaço escolar através do jogo de capoeira. 2012. Disponível em:< http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/ producoes_pde/2012/2012_unioeste_edfis_artigo_jaime_emir_bogorni.pdf >. Acesso em: 23 jul. 2014. BRASIL. Ministério da Cultura. Inventário para registro de salvaguarda da capoeira com patrimônio cultural brasileiro. Brasília. 2007. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=3226>. Acesso em: 25 maio 2014.

BRASIL. Ministério da Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais PCN: Educação Física.. Brasília, 1998. CASTRO JÚNIOR, Luis Vítor. A Pedagogia da Capoeira: olhares (ou toques?) cruzados de velhos mestres e professores de educação física. 2002. 168p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Estado da Bahia, Salvador. CASTRO JÚNIOR, Luis Vitor. Capoeira angola: olhares e toques cruzados entre historicidade e ancestralidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 25, n. 2, p. 143-158, jan. 2004.

CASTRO JÚNIOR, Luis Vitor. Oralidades, discursos e saberes do corpo-capoeira como arte. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, Feira de Santana, v. 9, Ano 9, n. 3, set./ out./ nov./ dez. 2012 . DICIONÁRIO da Capoeira. Disponível em:<http://www.arteculturacapoeira.com. br/site/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=57&Itemid=85>. Acesso em: 31 jul. 2014. FALCÃO, J. L. C. O jogo da capoeira em jogo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 27, n. 2, p. 59-74, jan. 2006. Disponível em: <http://rbceonline.org.br/revista/index.php/RBCE/article/dowload/88/95>. Acesso em: 27 maio 2014. FILME. “Quanto vale ou é por quilo?”. Diretor Sergio Bianchi, 2005. FONSECA, Vívian. A capoeira e o mundo do trabalho: embates acerca da profissionalização. Cadernos AEL, Campinas,v.16, n.28, 2010.Disponível em:

<http://segall.ifch.unicamp.br/publicacoes_ael/index.php/cadernos_ael/article/viewFile/191/199> Acesso em: 13 ago. 2014. FONTANA, Roseli Aparecida Cação. Mediação pedagógica na sala de aula.

3. ed. Campinas, SP: Autores associados. 2000. (Coleção Educação Contemporânea). KOHL, Henrique Gerson. Gingado na prática pedagógica escolar:

expressões lúdicas no que fazer da Educação Física. 2007. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007. LÓRIO, Laércio Schwantes; DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física, capoeira e Educação Física Escolar: possíveis relações. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, Ano 4, n. 4, 2005. MELLO, André da Silva. A história da capoeira: pressuposto para uma abordagem na perspectiva da cultura corporal. 2002. Disponível em:<http://www.oocities.org/br/ capoeiranomade/A_historia_da_ capoeira_na_perspectiva_da_cultura_corporal-Andre_Mello.pdf > Acesso em: 25 maio 2014.

NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa: característica, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em administração, São Paulo, v.1, n. 3, 1996. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Educação Física. Curitiba, 2008.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Livro Didático Público – Educação Física. Curitiba: SEED-PR, 2006. SCHMITT, Márcia Valéria. O conteúdo estruturante lutas: uma proposta metodológica para o Ensino da Capoeira. 2012. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uel_edfis_artigo_marcia_valeria_schmitt.pdf>. Acesso em : 23 jul. 2014.