os desafios da escola pÚblica paranaense na … · contos fantásticos- até a sua transposição...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
1. IDENTIFICAÇÃO
Título: Letramento literário: do conto à peça radiofônica
Autor(a): Professora PDE - Leila Aparecida Keller Mei
Disciplina/Área: Língua Portuguesa
Escola de Implementação do Projeto
e sua localização:
Colégio Estadual Abraham Lincoln – Ensino
Fundamental e Médio
Município da escola: Kaloré – Paraná
Núcleo Regional de Educação: Apucarana
Professor Orientador: Prof. Drª Cláudia Lopes Nascimento Saito
Instituição de Ensino Superior: UEL – Universidade Estadual de Londrina
Relação Interdisciplinar: Artes, História, Educação Física.
Resumo: O letramento literário se apresenta como uma
proposta de iniciação e ampliação da educação
literária cujo objetivo fundamental é o de formar
comunidades de leitores que se iniciam nas
práticas de leitura do texto literário na escola, mas
que irão além dela, porque oportunizarão aos
alunos uma maneira própria de “ver e viver o
mundo”. Portanto, o conhecimento de como esse
mundo é articulado, como ele age sobre nós, não
eliminará seu poder, porque fortalecido se apoiará
no conhecimento que ilumina, fugindo da
escuridão da ignorância. (COSSON, 2007, p.29).
Nesse sentido, esse caderno didático pedagógico
tem por objetivo trabalhar com contos do Realismo
Fantástico e sua transposição para peça
radiofônica, como forma de promover o letramento
literário dos alunos do 8º ano Colégio Estadual
Abraham Lincoln – Ensino Fundamental e Médio,
localizado no município de Kaloré /PR.
Palavras-chave:
Letramento literário; Contos fantásticos; Peça
Radiofônica.
Formato do Material Didático: Caderno Didático Pedagógico
Público:
Alunos do 8º ano do Nível Fundamental da
Educação Básica.
2. TEMA
Letramento literário a partir da adaptação de contos do Realismo Fantástico para o
rádio.
3. TÍTULO
Letramento literário: do conto à peça radiofônica
LEILA APARECIDA KELLER MEI
MARILZA RIOS DE CASTRO TURRA
CADERNO DIDÁTICO PEDAGÓGICO
Letramento literário: do conto à peça radiofônica
UEL - LONDRINA
2013
LEILA APARECIDA KELLER MEI
MARILZA RIOS DE CASTRO TURRA
CADERNO DIDÁTICO PEDAGÓGICO
Letramento literário: do conto à peça radiofônica
Caderno Didático Pedagógico para o
Programa desenvolvimento Educacional
PDE da Secretaria Estadual de Educação do
Paraná – SEED.
Orientadora: Prof. Drª Cláudia Lopes
Nascimento Saito.
UEL - LONDRINA
2013
APRESENTAÇÃO DO CADERNO
Este Caderno Didático-Pedagógico é uma proposta de trabalho com contos do
Realismo Fantástico transpostos para o rádio com o intuito de contribuir para o processo de
letramento literário dos alunos do Ensino Básico da rede pública de ensino do estado do
Paraná. Ele é o resultado de uma das atividades realizadas pelo PDE - Programa de
Desenvolvimento Educacional, que foi desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação
do Estado do Paraná, cujo objetivo é a Formação Continuada dos professores da rede pública
em busca de melhoria para a Educação Básica.
A decisão por trabalhar com uma produção coletiva justifica-se pelo fato das duas
professoras, minhas orientandas do PDE, quererem elaborar um material didático que
contemplasse a adaptação de um texto literário para uma peça radiofônica. Assim, com minha
anuência, as autoras procuraram desenvolver um material que pudesse, posteriormente, ser
adaptado e aplicado por outros professores de língua portuguesa em suas salas de aula.
Durante a sua elaboração, houve uma preocupação constante por parte das professoras
em produzir algo que fosse viável e condizente com a realidade escolar. Dessa forma, não fora
utilizada nenhuma imagem colorida, o que dificultaria que o mesmo pudesse ser xerocopiado
e cedido aos alunos a um baixo custo.
As atividades desenvolvidas, neste Caderno, tiveram como princípio a interatividade e
o dinamismo, uma vez que se destina a alunos dos últimos anos do Ensino Fundamental e
primeiro do Ensino Médio.
A escolha por uma mídia vista como tradicional ocorreu pelo fato das professoras
acreditarem que, por meio da produção de uma peça radiofônica, os estudantes possam
ampliar suas possibilidades de expressão e vivenciar experiências significativas e inovadoras.
Profª Drª Cláudia Lopes Nascimento Saito
ORIENTADORA
PALAVRAS DAS AUTORAS
A você
Como professoras de língua portuguesa que somos, tivemos a oportunidade de
perceber que, no cotidiano escolar de nossos alunos, a leitura literária é muito mais realizada
por obrigação do que por prazer.
Foi pensando nisso, que resolvemos desenvolver atividades que envolvessem a leitura
de um gênero literário bem interessante – o conto fantástico. Entretanto, quisemos ir além e
também proporcionar uma experiência de levar você e seus colegas de sala a desenvolverem
atividades com o texto teatral que resultassem na produção de uma peça radiofônica.
Tivemos um cuidado especial durante a produção deste Caderno Pedagógico.
Queríamos apresentar de forma light conceitos teóricos. Para isso, elaboramos um material
bem interativo, que falasse a sua língua!
Esperamos que goste de nossa proposta! Bom trabalho!
Um abraço!
Profª Leila e Profª Marilza
UNIDADE 1- O Realismo Fantástico
SEÇÃO 1- O Fantástico e o Maravilhoso
SEÇÃO 2- O Realismo Fantástico
UNIDADE 2- O gênero Conto Fantástico
SEÇÃO 1- O conto dentro da esfera literária
SEÇÃO 2- As regularidades do gênero conto fantástico
UNIDADE 3- Da literatura ao rádio
SEÇÃO 1- Adaptação literária:
SEÇÃO 2- O texto teatral e dramático
SEÇÃO 3- O rádio e seu poder
PALAVRAS FINAIS
REFERÊNCIAS
SOBRE AS AUTORAS
O REALISMO FANTÁSTICO
OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
Esta unidade pretende apresentar o conceito de fantástico, procurando distingui-lo do
termo maravilhoso. Também introduzir o Realismo Fantástico por meio de uma leitura
literária prazerosa que leve você a:
Refletir sobre qual a diferença sobre o fantástico e o maravilhoso
Compreender a escola literária denominada Realismo Fantástico
PLANO DE ESTUDO
Seção 1- O Fantástico
Seção 2- O Realismo Fantástico
PARA COMEÇO DE CONVERSA
Vamos começar nosso estudo sobre o Fantástico relembrando algumas cenas que já
vimos, lemos ou assistimos na televisão ou no cinema. Por exemplo, você já ouviu falar
em um homem que foi dormir e, no outro dia, acordou transformado em um inseto? Ou
outro que quando fica muito nervoso se transforma em um monstro verde? Ou mesmo uma
mulher que come tanto, mais tanto, que chega a explodir?
Apostamos que, pelo menos, um deles você se lembra. Não é verdade? Pois bem,
esse projeto que iremos desenvolver partirá da leitura de textos literários - chamados de
contos fantásticos- até a sua transposição para o rádio. Vamos trabalhar com contos de
dois autores de renome José J. Veiga e Murilo Rubião, representantes do Realismo
Fantástico brasileiro, pensando em instrumentalizar você e seus colegas para elaboração de
um texto teatral e, posteriormente, uma peça radiofônica para ser ouvida pela comunidade
escolar ou até mesmo a local.
O FANTÁSTICO
Você, assim como nós, deve ficar fascinado diante do universo do fantástico. Mas,
sabe o que quer dizer fantástico? Para inspirá-lo a começar a pensar no assunto, tente se
lembrar de algum filme, narrativa de ficção, poema ou canção que contenham elementos
do sobrenatural, do fantástico? Pois é, as pessoas cada vez mais têm gostado desse tipo de
leitura, que permite mergulhar num mundo de sonhos, de magia, de fantasia. Não é
mesmo? Você também gosta desse universo maravilhoso?
Por falar em maravilhoso, será que fantástico e maravilhoso querem dizer a mesma
coisa? Vamos descobrir!
SAIBA MAIS!
Acreditamos que, provavelmente, já tenha lido ou ouvido
alguém contar um conto de fadas. Por acaso, durante essas leituras, você ficou
questionando o sono de cem anos da princesa ou o lobo que falava ou os dons mágicos das
fadas? Pois é, nessas narrativas, temos o que chamamos de maravilhoso. Talvez já tenha
ouvido falar nisso, entretanto é sempre bom recordar. O que acha?
Com base em Todorov (2007), entendemos por maravilhoso como sendo o
sobrenatural. Algo perfeitamente possível de acontecer, uma vez que o leitor aceita a
convenção da narrativa, tornando natural a existência de coisas impossíveis de acontecer.
Puxa, que confusão! Maravilho? Fantástico? Tudo parece se tratar da mesma coisa, não
parece? Porém, não é!
Enquanto o maravilhoso diz respeito a acontecimentos sobrenaturais que o leitor
não questiona sua veracidade, mas busca explicação em novas leis da natureza, uma vez
que as leis existentes não dão conta de explicá-los. Já o fantástico é justamente a dúvida
que surge na cabeça do leitor diante de um acontecimento. Será que o fato não é fruto da
imaginação do personagem ou realmente aconteceu?
Para que compreenda melhor o que difere uma definição de outra, vamos recorrer
ao filósofo búlgaro que estudou e escreveu muito sobre o fantástico e o maravilhoso. De
acordo com o senhor Todorov (2007, p.30), o fantástico centra-se na hesitação que o leitor
sente frente à natureza de um acontecimento ficcional. Não se pode decidir, durante a
narrativa, se o acontecimento é de natureza sobrenatural ou se trata de uma ilusão ou
alucinação do personagem. E o maravilhoso é a certeza do acontecimento ser da ordem do
sobrenatural, mas sem causar estranhamento no leitor.
Ficou claro? Caso ainda tenha dificuldades para distinguir estes termos, acesse o
link abaixo e faça a leitura com bastante atenção, tirando suas dúvidas com seu professor e
seus colegas. Na verdade, seria muito bacana levar essa discussão para sala de aula. Que
tal?
http://files.comunidades.net/ramalde/LITERATURA_FANTASTICA.pdf
FIQUE LIGADO!
A fim de contribuir para sua melhor compreensão acerca das narrativas fantásticas,
trouxemos o conceito de um elemento importantíssimo na construção da trama: o de
verossimilhança. Afinal, de que se trata?
Como pudemos ver é por meio da verossimilhança que os fatos, em uma narrativa
de ficção, fazem sentido. Como será que isso acontece nos contos fantásticos?
A verossimilhança nada mais é que a lógica interna do
texto. Como sabemos os acontecimentos da história têm
causa e desencadeiam consequências. Pois bem, tais
acontecimentos não precisam ser verdadeiros, mas ser
verossímeis. Devem levar o leitor a acreditar naquilo que lê,
tendo em vista o universo criado pelo autor.
AGORA É COM VOCÊ!
Vamos para as atividades de leitura e interpretação de texto, pois elas vão nos
ajudar a compreender o que é o fantástico.
O GATO PRETO
Edgar Allan Poe
Não espero nem solicito o crédito do leitor para a tão extraordinária e, no entanto,
tão familiar história que vou contar. Louco seria esperá-lo, num caso cuja evidência até os
meus próprios sentidos se recusam a aceitar. No entanto não estou louco, e com toda a
certeza que não estou a sonhar. Mas porque posso morrer amanhã, quero aliviar hoje o
meu espírito. O meu fim imediato é mostrar ao mundo, simples, sucintamente e sem
comentários, uma série de meros acontecimentos domésticos. Nas suas consequências,
estes acontecimentos aterrorizaram-me, torturaram-me, destruíram-me. No entanto, não
procurarei esclarecê-los. O sentimento que em mim despertaram foi quase exclusivamente
o de terror; a muitos outros parecerão menos terríveis do que extravagantes. Mais tarde,
será possível que se encontre uma inteligência qualquer que reduza a minha fantasia a uma
banalidade. Qualquer inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que
a minha encontrará tão somente nas circunstâncias que relato com terror uma sequência
bastante normal de causas e efeitos.
Já na minha infância era notado pela docilidade e humanidade do meu carácter.
Tão nobre era a ternura do meu coração, que eu acabava por tornar-me num joguete dos
meus companheiros. Tinha uma especial afeição pelos animais e os meus pais permitiam-
me possuir uma grande variedade deles. Com eles passava a maior parte do meu tempo e
nunca me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer e os acariciava. Esta faceta do
meu carácter acentuou-se com os anos, e, quando homem, aí achava uma das minhas
principais fontes de prazer. Quanto àqueles que já tiveram uma afeição por um cão fiel e
sagaz, escusado será preocupar-me com explicar-lhes a natureza ou a intensidade da
compensação que daí se pode tirar. No amor desinteressado de um animal, no sacrifício de
si mesmo, alguma coisa há que vai direito ao coração de quem tão frequentemente pôde
comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade do homem. Casei jovem e tive a
felicidade de achar na minha mulher uma disposição de espírito que não era contrária à
minha. Vendo o meu gosto por animais domésticos, nunca perdia a oportunidade de me
proporcionar alguns exemplares das espécies mais agradáveis. Tínhamos pássaros, peixes
dourados, um lindo cão, coelhos, um macaquinho, e um gato. Este último era um animal
notavelmente forte e belo, completamente preto e excepcionalmente esperto. Quando
falávamos da sua inteligência, a minha mulher, que não era de todo impermeável à
superstição, fazia frequentes alusões à crença popular que considera todos os gatos pretos
como feiticeiras disfarçadas. Não quero dizer que falasse deste assunto sempre a sério, e se
me refiro agora a isto não é por qualquer motivo especial, mas apenas porque me veio à
ideia.
Plutão, assim se chamava o gato, era o meu amigo predileto e companheiro de
brincadeiras. Só eu lhe dava de comer e seguia-me por toda a parte, dentro de casa. Era até
com dificuldade que conseguia impedir que me seguisse na rua.
A nossa amizade durou assim vários anos, durante os quais o meu temperamento e o meu
carácter sofreram uma alteração radical - envergonho-me de confessá-lo - para pior,
devido ao demónio da intemperança. De dia para dia me tornava mais taciturno, mais
irritável, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Permitia-me usar de uma linguagem
brutal com minha mulher. Com o tempo, cheguei até a usar de violência. Evidentemente
que os meus pobres animaizinhos sentiram a transformação do meu carácter. Não só os
desprezava como os tratava mal.
Por Plutão, porém, ainda nutria uma certa consideração que me não deixava
maltratá-lo. Quanto aos outros, não tinha escrúpulos em maltratar os coelhos, o macaco e
até o cão, quando por acaso ou por afeição se atravessavam no meu caminho.
Mas a doença tomava conta de mim - pois que doença se assemelha à do álcool? -
e, por fim, até o próprio Plutão, que estava a ficar velho e, por consequência, um tanto
impertinente, até o próprio Plutão começou a sentir os efeitos do meu carácter perverso.
Certa noite, ao regressar a casa, completamente embriagado, de volta de um dos
tugúrios da cidade, pareceu-me que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele,
horrorizado com a violência do meu gesto, feriu-me ligeiramente na mão com os dentes.
Uma fúria dos demônios imediatamente se apossou de mim. Não me reconhecia. Dir-se-ia
que a minha alma original se evolara do meu corpo num instante e uma ruindade mais do
que demoníaca, saturada de genebras, fazia estremecer cada uma das fibras do meu corpo.
Tirei do bolso do colete um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pelo pescoço
e, deliberadamente, arranquei-lhe um olho da órbita! Queima-me a vergonha e todo eu
estremeço ao escrever esta abominável atrocidade.
Quando, com a manhã, me voltou a razão, quando se dissiparam os vapores da
minha noite de estúrdia, experimentei um sentimento misto de horror e de remorso pelo
crime que tinha cometido. Mas era um sentimento frágil e equívoco e o meu espírito
continuava insensível. Voltei a mergulhar nos excessos, e depressa afoguei no álcool toda
a recordação do ato. Entretanto, o gato curou-se lentamente. A órbita agora vazia
apresentava, na verdade, um aspecto horroroso, mas o animal não aparentava qualquer
sofrimento. Vagueava pela casa como de costume, mas, como seria de esperar, fugia
aterrorizado quando eu me aproximava. Porém, restava-me ainda o suficiente do meu
velho coração para me sentir agravado por esta evidente antipatia da parte de um animal
que outrora tanto gostara de mim.
Em breve este sentimento deu lugar à irritação. E para minha queda final e
irrevogável, o espírito da PERVERSIDADE fez de seguida a sua aparição. Deste espírito
não cura a filosofia. No entanto, não estou mais certo da existência da minha alma do que
do facto que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano; uma dessas
indivisas faculdades primárias, ou sentimentos, que deu uma direção ao carácter do
homem. Quem se não surpreendeu já uma centena de vezes cometendo uma ação néscia ou
vil, pela única razão de saber que a não devia cometer? Não temos nós uma inclinação
perpétua, pese ao melhor do nosso juízo, para violar aquilo que constitui a Lei, só porque
sabemos que o é? E digo que este espírito de perversidade surgiu para minha perda final.
Foi este anseio insondável da alma por se atormentar, por oferecer violência à sua própria
natureza, por fazer o mal só pelo mal, que me forçou a continuar e, finalmente, a consumar
a maldade que infligi ao inofensivo animal.
Certa manhã, a sangue-frio, passei-lhe um nó corredio ao pescoço e enforquei-o no
ramo de uma árvore; enforquei-o com as lágrimas a saltarem-me dos olhos e com o mais
amargo remorso no coração; enforquei-o porque sabia que me tinha tido afeição e porque
sabia que não me tinha dado razão para a torpeza; enforquei-o porque sabia que ao fazê-lo
estava cometendo um pecado, um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal a
ponto de a colocar, se tal fosse possível, mesmo para além do alcance da infinita
misericórdia do Deus Mais Piedoso e Mais Severo.
Na noite do próprio dia em que este ato cruel foi perpetrado, fui acordado do sono
aos gritos de «Fogo!». As cortinas da minha cama estavam em chamas; toda a casa era um
braseiro. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos
escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens materiais foram
destruídos, e daí em diante mergulhei no desespero.
Sou superior à fraqueza de procurar estabelecer uma sequência de causa a efeito
entre a atrocidade e o desastre. Limito-me, porém, a narrar uma cadeia de acontecimentos
e não quero deixar nem um elo sequer incompleto. Nos dias que se sucederam ao incêndio,
visitei as ruínas. As paredes, à exceção de uma, tinham abatido por completo. Esta exceção
era constituída por um tabique interior, não muito espesso, que estava sensivelmente a
meio da casa, e de encontro ao qual antes ficava a cabeceira da minha cama. O reboco
resistira em grande parte à ação do fogo, facto que atribuo a ter sido pouco antes
restaurado. Próximo desta parede juntara-se uma densa multidão e muitas pessoas
pareciam estar a examinar certa zona em particular, com minúcia e grande atenção. A
minha curiosidade foi despertada pelas palavras «estranho», «singular» e outras expressões
semelhantes. Aproximei-me e vi, como se fora gravado em baixo revelo, sobre a superfície
branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem estava desenhada com uma precisão
realmente espantosa. Em volta do pescoço do animal estava uma corda. Mal vi a aparição,
pois nem podia pensar que doutra coisa se tratasse, o meu assombro e o meu terror foram
imensos. Por fim, a reflexão veio em meu auxílio. Lembrei-me que o gato fora enforcado
num jardim junto à casa. Após o alarme de incêndio, O dito jardim fora imediatamente
invadido pela multidão e por alguém que deve ter cortado a corda do gato e o deve ter
lançado para dentro do meu quarto, por uma janela aberta. Isto deve ter sido feito,
provavelmente, com a intenção de me acordar. A queda das outras paredes tinha
comprimido a vítima da minha crueldade na substância do reboco recentemente aplicado e
cuja cal, combinada com as chamas e o amoníaco do cadáver, tinha produzido a imagem
tal como eu a via. Tendo assim satisfeito prontamente a minha razão - que não totalmente
a minha consciência - sobre o facto extraordinário atrás descrito, não deixou este, no
entanto, de causar profunda impressão na minha imaginação.
Durante meses não consegui libertar-me do fantasma do gato, e, durante este
período, voltou-me ao espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, mas que o
não era. Cheguei ao ponto de lamentar a perda do animal e a procurar à minha volta, nos
sórdidos tugúrios que agora frequentava com assiduidade, um outro animal da mesma
espécie e bastante parecido que preenchesse o seu lugar.
Uma noite, estava eu sentado meio aturdido num antro mais do que infamante, a
minha atenção foi despertada por um objeto preto que repousava no topo de um dos
enormes toneis de gin ou de rum que constituíam o principal mobiliário do compartimento.
Havia minutos que olhava para a parte superior do tonel, e o que agora me causava
surpresa era o facto de não me ter apercebido mais cedo do objeto que estava em cima.
Aproximei-me e toquei-lhe com a mão. Era um gato preto, um gato enorme, tão grande
como Plutão e semelhante a ele em todos os aspectos menos num. Plutão não tinha sequer
um único pelo branco no corpo, enquanto este gato tinha uma mancha branca grande, mas
indefinida, que lhe cobria toda a região do peito.
Quando lhe toquei, imediatamente se levantou e ronronou com força, roçou-se pela
minha mão, e parecia contente por tê-lo notado. Era este, pois, o animal que eu procurava.
Imediatamente propus a compra ao dono, mas este nada tinha a reclamar pelo animal, nada
sabia a seu respeito, nunca o tinha visto até então. Continuei a acariciá-lo, e quando me
preparava para ir para casa, o animal mostrou-se disposto a acompanhar-me. Permiti que o
fizesse, inclinando-me de vez em quando para o acariciar enquanto caminhava. Quando
chegou a casa, adaptou-se logo e logo se tornou muito amigo da minha mulher. Pela minha
parte, não tardou em surgir em mim uma antipatia por ele.
Era exatamente o reverso do que eu esperava, mas, não sei como nem por que, a
sua evidente ternura por mim desgostava-me e aborrecia-me.
Lentamente, a pouco e pouco, esses sentimentos de desgosto e de aborrecimento
transformaram-se na amargura do ódio. Evitava o animal; certo sentimento de vergonha e
a lembrança do meu anterior ato de crueldade impediram-me de maltratá-lo fisicamente.
Abstive-me, durante semanas, de maltratá-lo ou exercer sobre ele qualquer violência, mas,
gradualmente, muito gradualmente, cheguei a nutrir por ele um horror indizível e a fugir
silenciosamente da sua odiosa presença como do bafo da peste.
O que aumentou, sem dúvida, o meu ódio pelo animal foi descobrir, na manhã do
dia seguinte a tê-lo trazido para casa, que, tal como Plutão, tinha também sido privado de
um dos seus olhos. Esta circunstância, contudo, mais afeição despertou na minha mulher,
que, como já disse, possuía em alto grau aquele sentimento de humanidade que fora em
tempos característica minha e a fonte de muitos dos meus prazeres mais simples e mais
puros.
Com a minha aversão pelo gato parecia crescer nele a sua preferência por mim.
Seguia os meus passos com uma pertinácia que seria difícil fazer compreender ao leitor.
Sempre que me sentava, enroscava-se debaixo da minha cadeira ou saltava-me para os
joelhos, cobrindo-me com as suas repugnantes carícias. Se me levantava para caminhar,
metia-se me entre os pés e quase me fazia cair ou, fincando as suas garras compridas e
aguçadas no meu roupão, trepava-me até ao peito. Em tais momentos, embora a minha
vontade fosse matá-lo com uma pancada, era impedido de fazê-lo, em parte pela
lembrança do meu crime anterior mas, principalmente, devo desde já confessá-lo, por um
verdadeiro medo do animal. Este medo não era exatamente o receio de um mal físico; no
entanto, é me difícil defini-lo de outro modo. Quase me envergonhava admitir - sim,
mesmo aqui, nesta cela de malfeitor, eu me envergonho de admitir - que o terror e o horror
que o animal me infundia se viam acrescidos de uma das fantasias mais perfeitas que é
possível conceber. Minha mulher tinha-me chamado várias vezes a atenção para o aspecto
da mancha de pelo branco de que já falei e que era a única diferença aparente entre o
estranho animal e aquele que eu tinha eliminado. O leitor lembrar-se-á que esta marca,
embora grande, era, originariamente, bastante indefinida, mas, gradualmente, por fases
quase imperceptíveis e que durante muito tempo a minha razão lutou por rejeitar como
fantasiosas assumira, finalmente, uma rigorosa nitidez de contornos. Era agora a imagem
de um objeto que me repugna mencionar, e por isso eu o odiava e temia acima de tudo, e
ter-me-ia visto livre do monstro se o ousasse. Era agora a imagem de uma coisa
abominável e sinistra: a imagem da forca! Oh!, lúgubre e terrível máquina de horror e de
crime, de agonia e de morte.
Por essa altura, eu era, na verdade, um miserável maior do que toda a miséria
humana. E um bruto animal cujo semelhante eu destruíra com desprezo, um bruto animal
a comandar-me, a mim, um homem, feito à imagem do Altíssimo - oh!, desventura
insuportável. Ah, nem de dia nem de noite, nunca, oh!, nunca mais, conheci a bênção do
repouso! Durante o dia o animal não me deixava um só momento. De noite, a cada hora,
quando despertava dos meus sonhos cheios de indefinível angústia, era para sentir o bafo
quente daquela coisa sobre o meu rosto e o seu peso enorme, encarnação de um pesadelo
que eu não tinha forças para afastar, pesando-me eternamente sobre o coração.
Sob a pressão de tormentos como estes, os fracos resquícios do bem que havia em
mim desapareceram. Só os pensamentos pecaminosos me eram familiares - os mais
sombrios e os mais infames dos pensamentos. A tristeza do meu temperamento aumentou
até se tornar em ódio a tudo e à humanidade inteira. Entretanto, a minha dedicada mulher era
a vítima mais usual e paciente das súbitas, frequentes e incontroláveis explosões de fúria a
que então me abandonava cegamente.
Um dia acompanhou-me, por qualquer afazer doméstico, à cave do velho edifício onde
a nossa pobreza nos forçava a habitar. O gato seguiu-me nas escadas íngremes e quase me
derrubou o que me exasperou até à loucura.
Apoderei-me de um machado, e desvanecendo-se na minha fúria o receio infantil que
até então tinha detido a minha mão, desferi um golpe sobre o animal, que seria fatal se o
tivesse atingido como eu queria. Mas o golpe foi sustido diabolicamente pela mão da minha
mulher. Enraivecido pela sua intromissão, libertei o braço da sua mão e enterrei-lhe o
machado no crânio.
Caiu morta, ali mesmo, sem um queixume.
Consumado este horrível crime, entreguei-me de seguida, com toda a determinação, à
tarefa de esconder o corpo. Sabia que não o podia retirar de casa, quer de dia quer de noite,
sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos. Muitos projetos se atropelaram no meu cérebro.
Em dado momento, cheguei a pensar em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los um
a um pelo fogo. Noutro, decidi abrir uma cova no chão da cave. Depois pensei deitá-lo ao
poço do jardim, ou metê-lo numa caixa como qualquer vulgar mercadoria e arranjar um
carregador para tirá-lo de casa. Por fim, detive-me sobre o que considerei a melhor solução de
todas.
Decidi emparedá-lo na cave como, segundo as narrativas, faziam os monges da Idade
Média às suas vítimas.
A cave parecia convir perfeitamente aos meus intentos. As paredes não tinham sido
feitas com os acabamentos do costume e, recentemente, tinham sido todas rebocadas com uma
argamassa grossa que a humidade ambiente não deixara endurecer. Além do mais, numa das
paredes havia uma saliência causada por uma chaminé falsa ou por uma lareira que tinha sido
entaipada para se assemelhar ao resto da cave. Não duvidei que me seria fácil retirar os tijolos
neste ponto, meter lá dentro o cadáver e tornar a pôr a taipa como antes, de modo que
ninguém pudesse lobrigar qualquer sinal suspeito.
Não me enganei nos meus cálculos. Com o auxílio de um pé-de-cabra retirei
facilmente os tijolos, e depois de colocar cuidadosamente o corpo de encontro à parede
interior, mantive-o naquela posição ao mesmo tempo em que, com certo trabalho, devolvia a
toda a estrutura o seu aspecto primitivo.
Usando de toda a precaução, procurei argamassa, areia e fibras com que preparei
um reboco que se não distinguia do antigo e, com o maior cuidado, cobri os tijolos.
Quando erminei, vi com satisfação que tudo estava certo. A parede não denunciava o
menor sinal de ter sido mexida. Com o maior escrúpulo, apanhei do chão os resíduos.
Olhei em volta, triunfante, e disse para comigo: «Aqui, pelo menos, não foi infrutífero o
meu trabalho”.
A seguir procurei o animal que tinha sido a causa de tanta desgraça, pois que,
finalmente, tinha resolvido matá-lo. Se o tivesse encontrado naquele momento, era fatal o
seu destino. Mas parecia que o astuto animal se alarmara com a violência da minha cólera
anterior e evitou aparecer-me na frente, dado o meu estado de espírito. É impossível
descrever ou imaginar a intensa e aprazível sensação de alívio que a ausência do
detestável animal me trouxe. Não me apareceu durante toda a noite, e deste modo, pelo
menos por uma noite, desde que o trouxera para casa, dormi bem e tranquilamente; sim,
dormi, mesmo com o crime a pesar-me na consciência. Passaram-se o segundo e terceiro
dias e o meu verdugo não aparecia. Mais uma vez respirei como um homem livre. O
monstro, aterrorizado, tinha abandonado a casa para sempre! Nunca mais voltaria a vê-lo!
Suprema felicidade a minha! A culpa da ação tenebrosa inquietava-me pouco.
Fizeram-se alguns interrogatórios que colheram respostas satisfatórias. Fez-se
inclusivamente uma busca, mas, naturalmente, nada se descobriu. Dava como certa a
minha felicidade futura.
No quarto dia após o crime, surgiu inesperadamente em minha casa um grupo de
agentes da Polícia que procederam a uma rigorosa busca. Eu, porém, confiado na
impenetrabilidade do esconderijo, não sentia qualquer embaraço. Os agentes quiseram que
os acompanhasse na sua busca. Não deixaram o mínimo escaninho por investigar. Por fim,
pela terceira ou quarta vez, desceram à cave. Nem um músculo me tremeu. O meu coração
batia calmamente como o coração de quem vive na inocência. Percorri a cave de ponta a
ponta. De braços cruzados no peito, andava descontraído de um lado para o outro. Os
agentes estavam completamente satisfeitos e prontos para partir. O júbilo do meu coração
era demasiado intenso para que o pudesse suster. Ansiava por dizer pelo menos uma
palavra à guisa de triunfo e para tornar duplamente evidente a sua convicção da minha
inocência.
- Senhores - disse por fim, quando iam a subir os degraus. - Estou satisfeito por ter
dissipado as vossas suspeitas. Desejo muita saúde para todos, e um pouco mais de
cortesia. A propósito, esta casa está muito bem construída (e no meu furioso desejo de
dizer qualquer coisa com à-vontade, mal sabia o que estava a dizer). Direi até, que é uma
casa excelentemente construída.
Estas paredes... Vão- se já embora, meus senhores?... Estas paredes estão
solidamente ligadas. - E neste momento, por uma frenética fanfarronice, bati com força,
com uma bengala que tinha na mão, na parede atrás da qual se encontrava o cadáver da
minha querida esposa.
Ah!, que Deus me livre das garras do arquidemônio! Mal tinha o eco das minhas
pancadas mergulhado no silêncio, quando uma voz lhes respondeu de dentro do túmulo:
um gemido, a princípio abafado e entrecortado como o choro de urna criança, que depois
se transformou num prolongado grito sonoro e contínuo, extremamente anormal e
inumano. Um bramido, um uivo, misto de horror e de triunfo, tal como só do inferno
poderia vir, provindo das gargantas conjuntas dos condenados na sua agonia e dos
demónios no gozo da condenação.
Seria insensato falar dos meus pensamentos. Senti-me desfalecer e encostei-me à
parede da frente. Tolhidos pelo terror e pela surpresa, os agentes que subiam a escada
detiveram-se por instantes. Logo a seguir, doze braços vigorosos atacavam a parede. Esta
caiu de um só golpe. O cadáver, já bastante decomposto e coberto de pastas de sangue,
apareceu ereto frente aos circunstantes. Sobre a cabeça, com as vermelhas fauces dilatadas
e o olho solitário chispando, estava o odioso gato cuja astúcia me compelira ao crime e
cuja voz delatora me entregava ao carrasco. Eu tinha emparedado o monstro no túmulo!
https://www.google.com.br/search?q=o+gato+preto+de+allan+poe&espv=210&es_sm
www.terra.com.br/virtualbooks
CONVERSANDO SOBRE O TEXTO
1. Quais são as suas impressões? E a dos seus colegas a respeito do texto que acabaram de
ler?
2. Allan Poe apresenta, no início de seu conto, fatos sugestivos para justificar o gênero e
anunciar o conteúdo temático. Procure identificá-los.
3. O conto aborda várias temáticas: perversidade, maldade, terror e loucura. Dentre estes,
qual você considera mais evidente no conto. Justifique sua resposta.
4. O texto acima é um conto em que há fatos que não ocorrem na realidade. Encontre esses
elementos no conto.
5. Considerando os conceitos de fantástico/ maravilhoso e de verossimilhança, responda as
questões abaixo.
a) Nesse conto, encontramos elementos do fantástico, procure identificá-los no
texto.
b) Releia o quinto parágrafo do conto. Nele está um dos elementos utilizados pelo
autor para tornar o texto verossímil. Qual é esse elemento? Responda fazendo comentários
que justifiquem sua resposta.
PARA REFLETIR!
Você já parou para pensar que muitos textos que lemos foram adaptados para
outros meios: teatro, cinema, televisão? Pois é, o conto que acabou de estudar possui
várias adaptações. Inclusive, uma delas bastante interessante é uma animação produzida
pelo Projeto Escola Animada de Contagem/MG, sob a direção de Cristiane Fariah. Acesse
o link abaixo para assistir esta animação e depois reflita: esta adaptação reproduz fielmente
o conto? Que tal compartilhar suas ideias com seus colegas de sala?
http://www.youtube.com/watch?v=po_T90CthjI
FIQUE LIGADO!
Após a leitura e discussão. Vamos descontrair ouvindo uma música? Então, feche os
olhos!
Mistérios da meia-noite
Zé Ramalho
Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonaram...
Naquele mesmo tempo
No mesmo povoado se entregou
Ao seu amor porquê ?
Não quis ficar como os beatos
Nem mesmo entre Deus
Ou o capeta
Que viveu na feira...
Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonaram
Naquele mesmo tempo
No mesmo povoado se entregou
Ao seu amor por quê?
Não quis ficar como os beatos
Nem mesmo entre Deus
Ou o capeta
Que viveu na feira...
Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada, seu professor...
Naquele mesmo tempo
No mesmo povoado se entregou
Ao seu amor porquê ?
Não quis ficar como os beatos
Nem mesmo entre Deus
Ou o capeta
Que viveu na feira...
Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada, seu professor.
Link: http://www.vagalume.com.br/ze-ramalho/misterios-da-meia-noite.html
Após ouvir a música Mistérios da meia-noite, de Zé Ramalho, trilha sonora
nacional da novela Roque Santeiro, escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva e exibida,
em 1985, pela Rede Globo, faça uma leitura com bastante atenção de sua letra e responda.
O que encontrou de fantástico na letra e na melodia? Será que, se tivéssemos
apenas lido a letra e não ouvido a música na sua totalidade, a atmosfera dos “mistérios da
meia noite” pareceria a mesma? Comente com seus colegas.
ANOTAÇÕES
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PARA COMEÇO DE CONVERSA
Agora que você já sabe um pouco sobre o fantástico, já podemos lhe fazer uma
pergunta. Será que por trás de histórias que envolvem o sobrenatural, o inusitado, o
mágico, também pode existir alguma crítica social? É sobre isso que vamos falar nesta
seção.
O Realismo Fantástico
Para darmos início a essa unidade, procure lembrar-se daqueles escritores, artistas
que sofreram repressões, foram exilados do Brasil ou tiveram suas obras censuradas.
Pensou? Pois é, a literatura fantástica é exatamente dessa época, décadas de 60 e 70, do
século XX, nas quais os países da América Latina, inclusive o Brasil, passavam por
regimes de ditadura. Esse foi um período bastante conturbado e as produções eram, na
verdade, uma resposta às opressões destes processos ditatoriais.
Você já ouviu falar sobre algum texto de Gabriel García Márquez, Jorge Luís
Borges, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa, Murilo Rubião, José J. Veiga.
Você deve estar pensando: - Afinal, quem são esses escritores? Que tipos de
literatura escrevem? Pois bem, eles são os principais representantes do Realismo
Fantástico. Esses escritores encontraram na literatura uma forma de denunciar os
problemas sociais da época. Como já dissemos anteriormente por causa dos regimes de
ditadura, havia uma censura muito grande. Muito do que se escrevia não podia ser
publicado. Logo, a saída para eles abordarem as temáticas sociais foi utilizar o elemento
fantástico ou mágico.
Na verdade, o emprego do sobrenatural seria um pretexto para que os escritores
falassem sobre assuntos que não ousariam dizer na realidade, considerados “proibidos” na
sociedade. (cf. TODOROV, 2004)
Você deve estar se perguntando quais temas estas obras abordam?
Conforme Lourenço e Moura (2009, p. 01), o foco dessas obras são os assuntos
inquietantes do mundo atual, tais como a desigualdade social, a opressão, a burocracia, os
avanços tecnológicos e as angústias existenciais.
Estes temas se inserem dentro da narrativa por meio de acontecimentos fantásticos
que passam a fazer parte da realidade conhecida, do nosso cotidiano. E aí se encontra a
genialidade delas, porque denunciam algo proibido sem ser censurada, a crítica está
camuflada e só um bom leitor, capaz de ler as entrelinhas, consegue percebê-la.
Com essa afirmação, você consegue perceber a importância de ser um leitor crítico,
que possa ler o que não está dito claramente, mas foi colocado ali de propósito para levar o
leitor a refletir? Pense nisso e continue este estudo.
FIQUE LIGADO!
Há pouco você curtiu a música Mistérios da meia-noite de Zé Ramalho. Lembra-se
de qual telenovela ela faz parte da trilha sonora? Talvez não, acho que nem tinha nascido!
É da novela Roque Santeiro. Isso mesmo! Nela tinha um personagem - o Professor
Astromar que virava lobisomem nas noites de lua cheia e assombrava a cidade de Asa
Branca
Ah, sabe a novela Saramandaia, exibida há pouco tempo pela Rede Globo? É
também uma criação de Dias Gomes. Na verdade, a novela que retomou os elementos
fantásticos e conquistou o público atual é uma adaptação da novela de 1976.
Alguns estudiosos de literatura comparam a obra que Gabriel García Márquez
escreveria em 1967 com a de Dias Gomes escrita em 1962. Consideram difícil não
realizar ligações entre a novela e ‘Cem Anos de Solidão’, obra mais famosa do escritor
colombiano, que narra o desenvolvimento da família Buendía ao longo dos anos.
Segundo eles, podemos usar, com tranquilidade, a comparação entre Macondo e
Bole-Bole, as cidades de “Cem Anos de Solidão” e “Saramandaia”, respectivamente.
Ambas são pequenas, com as famílias típicas e com moradores um tanto quanto inusitados,
como um rapaz com asas e uma menina que literalmente esquenta, na novela, e a morte e
retorno à vida de um cigano e uma mulher que sobe aos céus, na obra do escritor
colombiano.
Alguns personagens também possuem características próximas entre as duas obras.
Por exemplo, Tibério Vilar, vivido por Tarcísio Meira, é o patriarca da família que,
misteriosamente, criou raízes após uma vida dedicada à guerra contra a família Rosado. Do
outro lado, no livro de Gabo, associa-se imediatamente o personagem de ‘Saramandaia’ a
José Arcádio Buendía, patriarca da família e que, no final da vida, acabou sendo amarrado
a uma árvore.
Porém, o que mais se assemelha é o realismo fantástico que está presente nas duas
tramas e que é usado, em ambas as obras, para uma crítica social. Enquanto a versão
original da novela criticava veementemente a ditadura militar, o seu remake fala sobre a
ditadura social, que é a da intolerância, do desrespeito à diversidade de opiniões e atitudes.
A vontade dos jovens da novela de mudar a realidade política e corrupta de Bole-
Bole é um espelho da sociedade atual. Está enraizada no mundo em que vivemos.
Enfim, com base nas leituras que realizamos, podemos afirmar que Bole-Bole é a
Macondo brasileira. As duas tramas, com o Brasil em foco na obra televisiva, revelam a
forma como assumimos e vivemos as realidades fantásticas do nosso cotidiano e, de forma
criativa e inusitada, criticam os problemas sociais que cercam a sociedade há décadas e
não a abandonam.
PARA IR MAIS LONGE!
Vale a pena ver!
Que tal passear um pouquinho pelo mundo fantástico da novela Saramandaia?
Acesse o link abaixo e vá clicando nas flechinhas. Bom passeio!
O fantástico mundo de Saramandaia
/Globoespeciaiss3.tvg.globo.com/novelas/saramandaia/o-livro-de-saramandaia/
A NOSSA CONVERSA CHEGA AO FIM
Ao término desta unidade, esperamos que você tenha construído
um conceito de fantástico, pois na próxima unidade, estudaremos o gênero textual “conto
fantástico”, buscando identificar suas características sua função social enquanto forma de
denúncia da realidade vivida.
ANOTAÇÕES
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O GÊNERO CONTO FANTÁSTICO
OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
Esta unidade dedica-se a identificar o conto dentro da esfera literária, apresentar as
regularidades deste gênero e levar você a:
Identificar o conto dentro da esfera literária
Apresentar o gênero discursivo conto fantástico
PLANO DE ESTUDO
Seção 1- O conto dentro da esfera literária
Seção 2- As regularidades do gênero conto fantástico
PARA COMEÇO DE CONVERSA
Caro aluno (a),
Pois bem, já sabemos que a literatura fantástica trabalha com elementos mágicos,
com aquilo que só existe na imaginação. Assim, nesta unidade, trataremos de forma mais
específica o gênero conto fantástico. Entretanto, antes precisamos dar uma relembrada
no conceito de gênero discursivo e de esfera literária.
O CONTO DENTRO DA ESFERA LITERÁRIA
Você se lembra de quando falamos, em sala de aula, sobre os gêneros discursivos
que são enunciados que apresentam uma relativa estabilidade temática, composicional ou
em seu estilo? Também quando falamos da importância de conhecermos diferentes
práticas de linguagem, uma vez que exercemos infinitas práticas sociais em nosso dia-a-
dia?
Como já dissemos em aulas anteriores, a comunicação humana acontece em
diferentes contextos ou esferas. Por exemplo, a do cotidiano, da religião, do jurídico, do
comércio, do saber científico, da escola, entre outras.
Você viu quantas esferas? Pois é, neste Caderno Pedagógico, vamos trabalhar com
uma esfera específica, que é a da criação artística. Esta esfera engloba desde a pintura, a
fotografia, a música, a dança, assim como a literatura e o teatro. São com estas duas
últimas manifestações artísticas que pretendemos desenvolver nossas atividades.
Da esfera da literatura, vamos nos deter ao trabalho com os contos fantásticos. Já
da esfera teatral, nossas atividades serão em torno de três gêneros: o texto teatral, o texto
dramático e a peça radiofônica.
AGORA É COM VOCÊ!
Trouxemos a você um famoso conto fantástico do escritor José J. Veiga. Você já
ouviu falar nesse autor? Então, convém apresentá-lo! Este escritor do interior de Goiás é
visto como um autor de estilo refinado, que não aceitava que suas obras fossem
consideradas fantásticas.
Vivia dizendo que este rótulo de fantástico para suas obras era apenas um
modismo. Estranho, não? Mas o que é inegável é o reconhecimento do valor de suas obras
pela abordagem político-social da época em que o Brasil era governado pela ditadura
militar. José J. Veiga ganhou o prêmio Fábio Prado, título muito disputado pelos escritores
da época.
Agora que chega de apresentações! Ao trabalho! Vamos ler um conto dele que é
muito interessante.
Este texto faz parte do livro Os cavalinhos de Platiplanto. Aliás, mesmo título do
conto que leremos a seguir. Além deste conto, a obra reúne mais (onze) 11 contos que
abordam temas interessantíssimos. É uma ótima opção de leitura! Então, não perca a
oportunidade, vá até a biblioteca de sua escola e conheça esta grande obra da literatura
fantástica brasileira.
Se tem dificuldades para entender textos com linguagem complexa,
é mais um motivo para ir correndo mesmo. Vai adorar ler os textos desse
autor, a linguagem empregada por ele é simples. A narrativa é tão gostosa
de ler que temos a sensação de estar ouvindo alguém contando histórias.
E o conto? Falamos, falamos, porém e o conto? Hum... O conto, ele é muito
intrigante, tem um personagem que deseja muito ter uma coisa. Deseja tanto que...
Vamos ler com bastante atenção para descobrir o que tanto ele ou ela queria. Ah!
Não se esqueça do que já sabe sobre as regularidades do gênero.
OS CAVALINHOS DE PLATIPLANTO
JOSÉ J. VEIGA
O meu primeiro contato com essas simpáticas criaturinhas deu-se quando eu era
muita criança. O meu avô Rubem havia me prometido um cavalinho de sua fazenda do
Chove-chove se eu deixasse lancetarem o meu pé, arruinado com uma estrepada no
brinquedo de pique. Por duas vezes o farmacêutico Osmúsio estivera lá em casa com sua
caixa de ferrinhos para o serviço, mas eu fiz tamanho escarcéu que ele não o chegou a
passar da porta do quarto. Da segunda vez meu pai pediu a Seu Osmúsio que esperasse na
varanda enquanto ia ter uma conversa comigo. Eu sabia bem que espécie de conversa
seria: e aproveitando a vantagem da doença, mal ele caminhou para a cama eu comecei
novamente a chorar e gritar, esperando atrair a simpatia de minha mãe, se possível,
também a de algum vizinho para reforçar. Por sorte vovô ia chegando justamente naquele
momento. Quando vi a barba dele apontar na porta, compreendi que estava salvo pelo
menos por aquela vez: era uma regra assentada lá em casa que ninguém devia contrariar o
vovô Rubém. Em todo caso chorei um pouco mais para consolidar minha vitória, e só
sosseguei quando ele intimou meu pai a sair do quarto.
Vovô sentou-se na beira da cama, pôs o chapéu e a bengala ao meu lado e perguntou
por que era que meu pai estava judiando comigo. Para impressioná-lo melhor eu disse que era
porque não queria deixar seu Osmúsio cortar meu pé.
- Cortar fora? Não era exatamente isso o que eu tinha querido dizer. Mas achei eficaz
confirmar; e por prudência não falei, apenas bati a cabeça.
- Mas que malvados! Então isso se faz? Deixe eu ver.
Vovô tirou os óculos, assentou-os no nariz e começou a fazer um exame demorado de
meu pé.
Olhou-o por cima, por baixo, de lado, apalpou-o e perguntou se doía. Naturalmente eu
não ia dizer que não, e até ainda dei uns gemidos calculados. Ele tirou os óculos, fez uma cara
muito séria e disse:
- Mas nessas coisas, mesmo sendo preciso, quem resolve é o dono da doença. Se você
não disser que pode, eu não deixo ninguém mexer, nem o rei. Você não é mais desses
menininhos de cueiro, que não têm querer. Na festa do Divino você já vai vestir um
parelhinho de calça comprida que eu vou comprar, e vou lhe dar também um cavalinho pra
você acompanhar a folia.
- Com arreio mexicano?
- Com arreio mexicano. Já encomendei ao Felipe. Mas tem uma coisa. Se você não
ficar bom desse pé, não vai poder montar. Eu acho que o jeito é você mandar lancetar logo.
- E se doer?
- Doer? É capaz de doer um pouco, mas não chega aos pés da dor de cortar. Essa sim é
uma dor Mantena. Uma vez no Chove-chove tivemos de cortar um dedo - só um dedo - de um
vaqueiro que tinha apanhado panariz, e ele urinou de dor. E era um homem forçoso,
acostumado a derrubar boi pelo rabo.
Meu avô era um homem que sabia explicar tudo com clareza, sem ralhar e sem tirar a
razão da gente. Foi ele mesmo que chamou Seu Osmúsio, mas deixou que eu desse a ordem.
Naturalmente eu chorei um pouco, não de dor, porque antes ele jogou bastante lança-perfume,
mas de conveniência, porque se eu mostrasse que não estava sentindo nada ele podiam rir de
mim depois.
Enquanto mamãe fazia os curativos eu só pensava no cavalinho que eu ia ganhar.
Todos os dias quando acordava, a primeira coisa que fazia era olhar se o pé estava
desinchando. Seria uma maçada se vovô chegasse com o cavalinho e eu ainda não pudesse
montar. Mamãe dizia que eu não precisava ficar impaciente, a folia ainda estava longe,
assim eu podia até atrasar a cura, mas eu queria tudo depressa.
Mas quando a gente é menino parece que as coisas nunca saem como a gente quer.
Por isso é que acho que a gente devia querer as coisas de frente por mais que quisesse, e
fazer de conta que só queria mais ou menos. Foi de tanto querer o cavalinho, e querer com
força, que eu nunca cheguei a tê-lo.
Meu avô adoeceu e teve que ser levado para longe para tratar, quem levou foi tio
Amâncio. Outro tio, o Torim, que sempre foi muito antipático, ficou tomando conta
Chove-chove. Tio Torim disse que, enquanto ele mandasse, de lá não saía cavalo nenhum
para mim. Eu quis escrever uma carta a vovô dando conta da ruindade, cheguei a rascunhar
uma no caderno, mas mamãe disse que de jeito nenhum eu devia fazer isso: vovô estava
muito doente e podia piorar com a notícia; quando ele voltasse bom, ele mesmo daria o
cavalo sem precisar eu contar nada.
Quando eu voltava da escola e mamãe não precisava de mim, eu ficava sentado
debaixo de uma mangueira no quintal e pensava no cavalinho, nos passeios que ia fazer
com ele, e era tão bom que parecia que eu já era dono. Só faltava um nome bem assentado,
mas era difícil arranjar, eu só lembrava-se de nomes muito batidos, Rex, Corta-vento,
Penacho. Padre Horácio quis ajudar, mas só vinha com nomes bonitos demais, tirados de
livro, um que me lembro foi Pegaso. Isso deu discussão porque Osmúsio, que também lia
muito, disse que certo era Pégaso. Para não me envolver eu disse que não queira nome
difícil.
Um dia fui no Jerupensém com meu pai e vi lá um menino alegrinho, com o cabelo
caído na testa, direitinho como de um poldro. Perguntei o nome dele, ele disse que era
Zibisco. Estipulei logo que o meu cavalinho ia se chamar Zibisco.
O tempo passas e vovô Rubém nada de voltar. De vez em quando chegava uma
carta de tio Amâncio, papai e mamãe ficavam tristes, conversavam coisas de doença que
eu não entendia, mamãe suspirava muito o dia inteiro. Um dia tio Torim foi visitar vovô e
voltou dizendo que tinha comprado o Chove-chuva. Papai ficou indignado, discutiu com
ele, disse que era maroteira, vovô Rubém não estava em condições de assinar papel, que
ele ia contar o caso ao juiz. Desde esse dia tio Torim nunca mais foi lá em casa, quando
vinha à cidade passava por longe.
Depois chegou outra carta, eu vi mamãe chorando no quarto. Quando entrei lá com
desculpa de procurar um brinquedo, ela me chamou e disse que eu não ficasse triste, mas
vovô não ia mais voltar. Perguntei se ele tinha morrido, ela disse que não, mas era como se
tivesse. Perguntei se então a gente não ia poder vê-lo nunca mais, ela disse que podia, mas
não convinha.
- Seu avô está muito mudado, meu filho. Nem parece o mesmo homem - e caiu no
choro de novo.
Eu não entendia por que uma pessoa como meu avô Rubém podia mudar, mas fiquei
com medo e perguntar mais: mas uma coisa eu entendi: o meu cavalinho, nunca mais. Foi a
única vez que chorei por causa dele, não havia consolo que me distraísse.
Não sei se foi nesse dia mesmo, ou poucos dias depois, eu fui sozinho numa fazenda
nova e muito imponente, de um senhor que tratam de major. A gente chegava lá indo por uma
ponte, mas não era ponte de atravessar, era de subir. Tinha uns homens trabalhando nela,
miudinhos lá no alto, no meio de uma porçoeira de vigas de tábuas soltas. Eu subi até uma
certa altura, mas desanimei quando olhei para cima e vi o tantão que faltava. Comecei a
descer devagarinho para não falsear o pé, mas um dos homens me viu e pediu-me que o
ajudasse. Era um serviço que eles precisavam acabar antes que o sol entrasse, porque se os
buracos ficassem abertos de noite muitos gente ia chorar lágrimas de sangue, não sei por que
era assim, mas foi o que ele disse.
Fiquei com medo que isso acontecesse, mas não vi jeito nenhum de ajudar. Eu era
muito pequeno, e só de olhar para cima perdia o fôlego. Eu disse isso ao homem, mas ele riu e
respondeu que eu não estava com medo nenhum, eu estava era imitando os outros. E antes
que eu falasse qualquer coisa, ele pegou um balde cheio de pedrinhas e jogou para mim.
- Vai colocando essas pedrinhas nos lugares, uma depois da outra, sem olhar para cima
nem para baixo, de repente você vê que acabou.
Fiz como ele mandou, só para mostrar que não era fácil como ele dizia - e era verdade!
Antes que eu começasse a me cansar, o serviço estava acabado.
Quando desci pelo outro lado e olhei a ponte enorme e firme, resistindo ao vento e à
chuva, senti uma alegria que até me arrepiou. Meu desejo foi voltar para casa e contar a todo
mundo e trazê-los para verem o que eu tinha feito; mas logo achei que seria perder tempo,
eles acabariam sabendo sem ser preciso eu dizer. Olhei a ponte mais uma vez e segui o meu
caminho, sentindo-me capaz de fazer tudo o que eu bem quisesse.
Parece que eu estava com sorte naquele dia, senão eu não teria encontrado o menino
que tinha medo de tocar bandolim. Ele esta tristinho encostado numa lobeira olhando o
bandolim, parecia querer tocar mas nunca que começava.
- Por que você não toca? - perguntei.
- Eu queria, mas tenho medo.
- Medo de quê?
- Dos bichos-feras.
- Que bichos-feras?
- Aqueles que a gente vê quando toca. Eles vêm correndo, sopram um bafo quente na
gente, ninguém aguenta.
- E se você tocasse de olhos fechados? Via também?
Ele prometeu experimentar, mas só se eu ficasse vigiando: eu disse que vigiava, mas
ele disse que só começava depois que eu jurasse. Não vi mal nenhum, jurei. Ele fechou os
olhinhos e começou a tocar uma toada tão bonita que parecia uma porção de estrelas caindo
dentro da água e tingindo a água de todas as cores.
Por minha vontade eu ficava ouvindo aquele menino a vida inteira; mas estava ficando
tarde e eu tinha ainda muito que andar. Expliquei isso a ele; disse adeus e fui andando.
- Não vai a pé não - disse ele. - Eu vou tocar uma toada para levar você.
Colocou novamente o bandolim em posição, agora sem medo nenhum, e tirou uma
música diferente, vivazinha, que me ergueu para outro morro. Quando a música parou eu
baixei diante de uma cancela novinha, ainda cheirando a oficina de carpinteiro.
- Estão esperando você - disse um moço fardado que abriu a cancela. - O major já
estava nervoso.
O major - um senhor corado, de botas e chapéu grande - estava andando para lá e para
cá na varanda. Quando me viu chegando, jogou o cigarro fora e correi para receber-me.
- Graças a Deus! - disse ele. - Como foi que você escapuliu deles? Vamos entrar.
- Ninguém estava me segurando - respondi.
- É o que você pensa. Então não sabe que os homens de Nestor Gurgel estão com
ordem de pegar você vivo ou morto?
- Meu tio Torim? O que é que ele que comigo?
- É por causa dos cavalos que seu avô encomendou para você. São animais raros,
como não existe lá fora. Seu tio quer tomá-los.
Se meu tio queria tomar os cavalos, era capaz de tomar mesmo. Pensei nisso e
comecei a chorar.
O major riu e disse que não havia motivo para choro, os cavalos não podiam sair
dali, ninguém tinha poder para tirá-los. Se alguém algum dia conseguisse levar um para
outro lugar, ele virava mosquito e voltava voando.
Sendo assim eu quis logo ver esses cavalos fora do comum, experimentar de eram
bons de sela. O major disse que eu não precisava me preocupar, eles faziam tudo que o
dono quisesse, disso não havia dúvida.
- Aliás - disse olhando o relógio - está na hora do banho deles. Venha pra você ver.
Descemos uma calçadinha de pedra-sabão muito escorreguenta e chegamos a um
portãozinho enleado de trepadeiras. O major abriu o trinco e abaixou-se bem para passar.
Eu achei que ele devia fazer um portão mais alto, mas não disse nada, só pensei, porque
estava com pressa para ver os cavalos.
Passamos o portão e entramos num pátio parecido com largo de cavalhada, até
arquibancadas tinhas, só que no meio, em vez de gramado, tinha era uma piscina de
ladrilhos e de água muito limpa. Quando chegamos o pátio estava deserto, não se via
cavalo nem gente. Escolhemos um lugar nas arquibancadas: o major olhou novamente o
relógio e disse:
- Agora escute o sinal.
Um clarim tocou não sei onde e logo começou a aparecer gente saída de detrás de
umas árvores baixinhas que cercavam todo pátio. Num instante as arquibancadas estavam
tomadas de mulheres e crianças no colo, damas de chapéus de pluma, senhores de cartolas
e botina de pelica, meninos de golinhas de revirão, meninas de fita no cabelo e vestidinhos
engomados.
Quando cessaram os gritos, empurrões, choros de meninos, e todos se aquietaram
em seus lugares, ouviu-se novo toque de clarim. A princípio nada aconteceu, e todo
mundo ficou olhando para os lados, fazendo gestos de quem não sabe, levantando-se para
ver melhor.
De repente a assistência inteira soltou uma exclamação se surpresa, como se tivesse
ensaiado antes. Meninos pulavam e gritavam, puxavam os braços de quem estivesse perto,
as meninas levantavam-se e sentavam batendo palminhas. Do meio das árvores iam
aparecendo cavalinhos de todas as cores, pouco maiores do que um bezerro pequeno
vinham animadinhos marchando, de vez em quando olhavam uns para os outros como para
comentar a bonita figura que estavam fazendo. Quando um deles, um vermelhinho,
empinou-se, rinchou e começou um trote dançado, que os outros imitaram, parando de vez
em quando para fazer mesuras à assistência. O trote foi aumentando de velocidade,
aumentando, aumentando, e daí a palco a gente só via um risco colorido e ouvia um zumbido
como de zorra. Isso durou algum tempo, eu até pensei que os cavalinhos tinham sumido no
para sempre, quando então o zumbido foi morrendo, as cores foram se separando, até os
bichinhos apareceram de novo.
O banho foi outro espetáculo que ninguém enjoava de ver. Os cavalinhos pulavam na
água de ponta, de costas e esguichavam água pelas ventas fazendo repuxo.
Todo mundo ficou triste quando o clarim tocou mais uma vez, e os cavalinhos
cessaram as brincadeiras. O vermelhinho novamente tomou a frente e subiu para o lajeado da
beira da piscina, seguido pelos outros, todos sacudiram os corpinhos para escorrer a água e
ficaram brincando no sol para acabar de se enxugar. Depois de tudo o que eu tinha visto, achei
que seria maldade escolher uma deles só para mim. Como é que ele ia viver separado dos
outros? Com quem ia brincar aquelas brincadeiras tão animadas? Eu disse isso ao major, e ele
respondeu que eu não tinha que escolher, todos eram meus.
- Todos eles? - perguntei incrédulo.
- Todos. São ordens de seu avô.
Meu avô Rubém, sempre bom e amigo! Mesmo doente, fazendo tudo para me agradar.
Mas depois fiquei meio triste, porque me lembrei do que o major tinha dito - que ninguém
podia tirá-los dali.
- É verdade - disse ele em confirmação, parece que adivinhando o meu pensamento. -
Levar não pode. Eles só existem aqui em Platiplanto.
Devo ter caído no sono em algum lugar e não vi quando me levaram para casa. Só sei
que de manhã acordei já na minha cama, não acreditei logo porque o meu pensamento ainda
estava longe, mas aos poucos fui chegando. Era mesmo meu quarto - a roupa da escola no
prego atrás da porta, o quadro da santa na parede, os livros na estante de caixote que eu
mesmo fiz, aliás, precisava de pintura.
Pensei muito se devia contar aos outros, e acabei achando que não. Podiam não
acreditar, e ainda rir de mim; e eu queria guardar aquele lugar perfeitinho como vi, para poder
voltar lá quando quisesse, nem que fosse a pensamento.
Fonte: http://litcom2013.blogspot.com.br/p/jose-j-veiga_23.html
Agora que já leu o conto, vamos falar sobre ele? Com nossa ajuda, discuta com
seus colegas pergunta por pergunta. Em seguida, faça anotações no seu caderno:
1) O conto reflete o território da infância. Esse território é marcado por alguns sentimentos.
Que sentimentos são estes?
2) Nesse conto, há a presença do insólito para o universo infantil. Qual fato representa isso?
3) O que representa para o narrador-personagem Platiplanto?
4) No conto, há duas ações que representam a brincadeira no espaço mágico. Quais são essas
ações?
5) No texto, há um episódio que serve de celebração para o narrador-personagem como se
fosse um rito de passagem da vida infantil para uma fase menos infantil. Que episódio é esse?
6) O texto é permeado por elementos simbólicos. Um deles simboliza a passagem para o
distanciamento entre o plano real e o plano do sonho. Que elemento é esse?
7) Qual ação do narrador-personagem representa sair da infância para a maturidade?
8) O major representa uma espécie de guardião, uma força que age em defesa do menino.
Encontre no texto trechos que comprovam isso.
9) Assinale o que for correto tendo em vista a passagem de uma realidade objetiva para um
realismo mágico em Os Cavalinhos de Platiplanto, de José J. Veiga.
a)-Um homem miúdo joga um balde cheio de pedrinhas e pede ajuda ao menino-
narrador.
b)-Encontro com um menino, tocador de bandolim, cuja música tem poder de transportar
o narrador para outro lado do morro.
c)-Em Platiplanto, o menino-narrador encontra o avô e conto-lhe a respeito do roubo dos
animais sagrados.
d)-O narrador descobre que todos os cavalos lhe pertencem, embora não possa levá-los
de Platiplanto.
e)-Platiplanto, local de sonho e da fantasia, revela-se a morada da tragédia e da morte.
10) Você já estudou, na unidade 1, que as obras do Realismo Fantástico tinham por intuito
protestar contra as repressões da ditadura militar daquela época. Considerando que o conto
lido Os cavalinhos de Platiplanto pertence a esse período, releia-o prestando atenção nas
frustações do menino diante do fato de não conseguir o cavalinho prometido pelo avô, associe
estas frustações ao contexto de produção do texto e escreva suas conclusões. Pense! Vamos
conversar sobre quais questões socais estão sendo abordadas neste conto?
ANOTAÇÕES
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PARA COMEÇO DE CONVERSA
Se lhe perguntarem se sabe o que é um conto fantástico, talvez
fique na dúvida. Afinal, esse não é um gênero literário muito citado nos livros didáticos. Por
isso, para a maioria das pessoas, é um tipo de narrativa pouco familiar.
AS REGULARIDADES DO GÊNERO
CONTO FANTÁSTICO
Os contos fantásticos são aqueles que trabalham com a irrealidade, a magia, os fatos
absurdos. São narrativas que materializam e traduzem todo o mundo de desejos, sendo a
realização dos grandes sonhos humanos. Também as temáticas e simbologias estão
relacionadas a um mundo de mistérios e segredos. (HELD, 1980, p. 25)
Nessa narrativa de ficção, o narrador é construído a fim de proporcionar a fruição do
imaginário dos leitores de forma a transportá-los a lugares tenebrosos e medonhos, tentando
envolvê-los de forma bastante particular. Geralmente, ele também exerce o papel de
personagem. Por isso, falamos que ele é um narrador-personagem.
Outra característica marcante deste gênero é a técnica de suspense diante de um
enigma que é sustentado no desenvolvimento da narrativa até o seu desfecho, o que cria certa
expectativa no leitor.
Nessas histórias, os personagens possuem características humanas e limites físicos e
emocionais, mas conseguem enfrentar e resolver os problemas com o auxílio do elemento
mágico. Inclusive, sobre o papel da magia nos contos fantásticos, Zilberman (2009) afirma
que:
No conto fantástico, a magia desempenha um papel
fundamental, estando sua presença associada a uma personagem
que dificilmente ocupa o lugar principal. Eis uma característica
decisiva desse tipo de história: o herói sofre o antagonismo de
seres mais fortes que ele, carecendo do auxílio de uma figura
que usufrui de algum poder, de natureza extraordinária. Para
fazer jus a essa ajuda, porém, o herói precisa mostrar alguma
virtude positiva, que é, seguidamente, de ordem moral, não de
ordem física ou sobrenatural. (...) É possível, pois, entender o
que significa a magia nos contos fantásticos: é a forma
assumida pela fantasia, de que somos dotados, e que nos ajuda a
resolver problemas. (ZILBERMAN, 2009, p.5)
Logo, nos contos fantásticos a magia é utilizada para suavizar as frustrações do mundo
real.
SAIBA MAIS
Como já vimos, o conto fantástico se vale dos elementos da
magia, do sobrenatural para desenrolar sua trama. Mas, você pode estar se perguntando qual a
contribuição desses elementos para a obra? Recorremos às palavras de Todorov (1980) para
elucidar essa dúvida:
Em primeiro lugar, o fantástico produz um efeito particular
sobre o leitor — medo, horror ou simplesmente curiosidade—,
que os outros gêneros ou formas literárias não podem suscitar.
Em segundo lugar, o fantástico serve à narração, mantém o
suspense: a presença de elementos fantásticos permite uma
organização particularmente rodeada da intriga. Por fim, o
fantástico tem uma função a primeira vista tautológica: permite
descrever um universo fantástico, que não tem, por tal razão,
uma realidade exterior à linguagem; a descrição e o descrito não
têm uma natureza diferente. (TODOROV, 1980, p. 50)
Logo, no conto fantástico o sobrenatural comove, assusta ou simplesmente mantém
em suspense ao leitor, o que prende a atenção do mesmo. Entretanto, vale ressaltar
também que essas narrativas abordam assuntos inquietantes para o homem atual, tais
como: os avanços tecnológicos, as angústias existenciais, a opressão, a burocracia, a
desigualdade social, entre outros. Revelando, assim, o nosso cotidiano. (LOURENÇO &
MOURA, 2009)
Gostaríamos muito de saber o que conhece desse gênero antes de passarmos para a
próxima seção desta unidade. Você aceita fazer um teste? Temos certeza que com o que já
aprendeu sobre o Realismo Fantástico, vai tirar de letra!
VAMOS TESTAR SEUS CONHECIMENTOS?
Abaixo colocamos características de vários gêneros da ordem do
narrar. Assim, sua tarefa é identificar quais delas pertencem ao gênero conto.
( ) É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se
passa.
( ) É uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, possui personagens
variadas em torno das quais acontece a história principal e também histórias
paralelas a essa, pode apresentar espaço e tempo variados.
( )Ações que transpassam a realidade e que vão além do humano.
( ) Texto narrativo centrado em um relato referente a um fato ou determinado
acontecimento.
( ) Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho.
( ) O desenvolvimento da trama é sustentado no suspense, a fim de prender a
atenção do leitor.
( ) A habilidade com as palavras é muito importante, principalmente para se
utilizar de alusões ou sugestões, frequentemente presentes nesse tipo de texto.
( ) É um módulo mais compilado do romance e também mais dinâmico, é dividida
em episódios, são contínuos e não têm interrupções.
( ) O protagonista da história possui características humanas e também limites
físicos e emocionais, porém, consegue enfrentar o problema e resolvê-lo com a
ajuda do sobrenatural.
( ) A explicação para os fatos irreais deve estar dentro da própria narrativa.
( ) Representam uma forma de protesto, abordando temas sociais censurados.
( ) Estas histórias terminam com um ensinamento moral de caráter instrutivo.
Trabalhando em equipe
Procure se organizar em um grupo com, aproximadamente, cinco ou quatro colegas.
Leia o conto abaixo e verifique com sua equipe os elementos que constituem esse gênero para
ter certeza se ele é ou não um conto fantástico. Retome as regularidades do gênero.
Após essa tarefa, sua equipe e você devem compartilhar com os colegas de sala. Essa
atividade é importantíssima! A partir dela, começamos a nos preparar para a última atividade
do nosso projeto, que será a transposição de um conto de José J. Veiga ou de Murilo Rubião
para o texto teatral e, em seguida, para a peça radiofônica.
Vamos ler agora um conto muito interessante de Murilo Rubião.
Os dragões
Murilo Rubião
Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos
nossos costumes. Receberam precários ensinamentos e sua formação moral ficou
irremediavelmente comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a chegada deles ao
lugar.
Poucos souberam compreendê-los e a ignorância geral fez com que, antes de
iniciada sua educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a que
poderiam pertencer. A controvérsia inicial foi desencadeada pelo vigário. Convencido de que,
apesar da aparência dócil e meiga, não passavam de enviados do demônio, não me permitiu
educá-los. Ordenou que fossem encerrados numa casa velha, previamente exorcismada, onde
ninguém podia penetrar. Ao se arrepender de seu erro, a polêmica já se alastrara e o velho
gramático negava-lhes a qualidade de dragões, “coisa asiática, de importação europeia”. Um
leitor de jornais, com vagas ideias científicas e um curso ginasial feito pelo meio, falava em
monstros antediluvianos. O povo benzia-se, mencionando mulas-sem-cabeça, lobisomens.
Apenas as crianças, que brincavam furtivamente com os nossos hóspedes,
sabiam que os novos companheiros eram simples dragões. Entretanto, elas não foram ouvidas.
O cansaço e o tempo venceram a teimosia de muitos. Mesmo mantendo suas
convicções, evitavam abordar o assunto.
Dentro em breve, porém, retomariam o tema. Serviu de pretexto uma sugestão
do aproveitamento dos dragões na tração de veículos. A idéia pareceu boa a todos, mas se
desavieram asperamente quando se tratou da partilha dos animais. O número destes era
inferior ao dos pretendentes.
Desejando encerrar a discussão, que se avolumava sem alcançar objetivos
práticos, o padre firmou uma tese: os dragões receberiam nomes na pia batismal e seriam
alfabetizados.
Até aquele instante, eu agira com habilidade, evitando contribuir para
exacerbar os ânimos. E se, nesse momento, faltou-me a calma, o respeito devido ao bom
pároco, devo culpar a insensatez reinante. Irritadíssimo, expandi o meu desagrado:
- São dragões! Não precisam de nomes nem do batismo!
Perplexo com a minha atitude, nunca discrepante das decisões aceitas pela
coletividade, o reverendo deu largas à humildade e abriu mão do batismo. Retribuí o gesto,
resignando-me à exigência dos nomes.
Quando, subtraídos ao abandono em que se encontravam, me foram entregues
para serem educados, compreendi a extensão da minha responsabilidade.
Na maioria, tinham contraído moléstias desconhecidas e em consequência,
diversas vieram a falecer.
Dois sobreviveram, infelizmente os mais corrompidos. Melhor dotados em
astúcia que os irmãos, fugiam, à noite, do casarão e iam se embriagar no botequim. O dono do
bar se divertia vendo-os bêbados, nada cobrava pela bebida que lhes oferecia. A cena, com o
decorrer dos meses, perdeu a graça e o botequineiro passou a negar-lhes álcool. Para
satisfazerem o vício, viram-se forçados a recorrer a pequenos furtos.
No entanto, eu acreditava na possibilidade de reeducá-los e superar a descrença
de todos quanto ao sucesso de minha missão. Valia-me da amizade com o delegado para
retira-los da cadeia, onde eram recolhidos por motivos sempre repetidos: roubo, embriaguez,
desordem.
Como jamais tivesse ensinado a dragões, consumia a maior parte do tempo
indagando pelo passado deles, família e métodos pedagógicos seguidos em sua terra natal.
Reduzido material colhi dos sucessivos interrogatórios a que os submetia. Por terem vindo
jovens para nossa cidade, lembravam-se confusamente de tudo, inclusive da morte da mãe,
que caíra num precipício, logo após a escalada da primeira montanha. Para dificultar a minha
tarefa, ajuntava-se à debilidade da memória dos meus pupilos o seu constante mau humor,
proveniente das noites mal dormidas e ressacas alcoólicas.
O exercício continuado do magistério e a ausência de filhos contribuíram para
que eu lhes dispensasse uma assistência paternal. Do mesmo modo, certa candura que fluía
dos seus olhos obrigava-me a relevar falta que não perdoaria a outros discípulos.
Odorico, o mais velho dos dragões, trouxe-me as maiores contrariedades.
Desastradamente simpático e malicioso, alvoroçava-se todo à presença de saias. Por causa
delas, e principalmente por uma vagabundagem inata, fugia às aulas. As mulheres o achavam
engraçado e houve uma que, apaixonada, largou o esposo para viver com ele.
Tudo fiz para destruir a ligação pecaminosa e não logrei separá-los. Enfrentavam-me
com uma resistência surda e impenetrável. As minhas palavras perdiam o sentido no caminho:
Odorico sorria para Raquel e esta, tranquilizada, debruçava-se novamente sobre a roupa que
lavava.
Pouco tempo depois, ela foi encontrada chorando perto do corpo do amante.
Atribuíram sua morte a tiro fortuito, provavelmente de um caçador de má pontaria. O olhar do
marido desmentia a versão.
Com o desaparecimento de Odorico, eu e minha mulher transferimos o nosso carinho
para o último dos dragões. Empenhamo-nos na sua recuperação e conseguimos, com algum
esforço, afastá-lo da bebida. Nenhum filho talvez compensasse tanto o que conseguimos com
amorosa persistência. Ameno no trato, João aplicava-se aos estudos, ajudava Joana nos
arranjos domésticos, transportava as compras feitas no mercado.
Findo o jantar, ficávamos no alpendre a observar sua alegria, brincando com os
meninos da vizinhança. Carregava-os nas costas, dava cambalhotas.
Regressando, uma noite, da reunião mensal com os pais dos alunos, encontrei minha
mulher preocupada: João acabara de vomitar fogo. Também apreensivo, compreendi que ele
atingira a maioridade.
O fato, longe de torná-lo temido, fez crescer a simpatia que gozava entre as moças e
rapazes do lugar. Só que, agora, demorava-se pouco em casa. Vivia rodeado por grupos
alegres, a reclamarem que lançasse fogo. A admiração de uns, os presentes e convites de
outros, acediam-lhe a vaidade. Nenhuma festa alcançava êxito sem sua presença. Mesmo o
padre não dispensava seu comparecimento às barraquinhas do padroeiro da cidade.
Três meses antes das grandes enchentes que assolaram o município, um
circo de cavalinhos movimentou o povoado, nos deslumbrou com audazes acrobatas,
engraçadíssimos palhaços, leões amestrados e um homem que engolia brasas. Numa das
derradeira exibições do ilusionista, alguns jovens interromperam o espetáculo aos gritos e
palmas rimadas:
- Temos coisa melhor! Temos coisa melhor!
Julgando ser brincadeira dos moços, o anunciador aceitou o desafio:
- Que venha essa coisa melhor!
Sob o desapontamento do pessoal da companhia e os aplausos dos espectadores,
João desceu ao picadeiro e realizou sua costumeira proeza de vomitar fogo.
Já no dia seguinte, recebia várias propostas para trabalhar no circo. Recusou-as,
pois dificilmente algo substituiria o prestígio que desfrutava na localidade. Alimentava
ainda a pretensão de se eleger prefeito municipal.
Isso não se deu. Alguns dias após a partida dos saltimbancos verificou-se a fuga de
João.
Várias e imaginosas versões deram ao seu desaparecimento. Contavam que ele se
tomara de amores por uma das trapezistas, especialmente destacada para seduzi-lo; que se
iniciara em jogos de cartas e retomara o vício da bebida.
Seja qual a razão, depois disso muitos dragões têm passado por nossas estradas. E
por mais que eu e meus alunos, postados na entrada da cidade, insistamos que permaneçam
entre nós, nenhuma resposta recebemos. Formando longas filas, encaminham-se para
outros lugares, indiferentes aos nossos apelos.
CONVERSANDO SOBRE O TEXTO
Depois de ler esse conto de Murilo Rubião, compartilhe com seus colegas, o que
achou de mais interessante nele. Também refletir sobre as regularidades do gênero e como
elas aparecem no texto.
PARA IR MAIS LONGE!
Vale a pena assistir ao filme:
O CORONEL E O LOBISOMEM
Essa comédia brasileira dirigida por Maurício Farias. São 106 minutos
de pura diversão. A história é baseada no livro de José Cândido de Carvalho “O
Coronel e o Lobisomem”.
Nela Ponciano de Azeredo Furtado (Diogo Vilela) narra sua vida como
coronel de patente, fazendeiro que, por direito de herança, luta contra
Pernambuco Nogueira (Selton Mello), seu irmão de criação, para manter as
terras da Fazenda Sobradinho e conquistar o coração da amada prima
Esmeraldina (Ana Paula Arósio).
Para vencer esta batalha, Ponciano enfrenta feras enormes, experimenta a vida boêmia na cidade,
combate agiotas e gatunos, apaixona donzelas ansiosas e, por fim, usa toda a sua artimanha para desencantar
assombrações.
Você pode acessar o filme na íntegra no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=xb0rUTKComY
Bem lembrado! Estamos falando em adaptação de uma obra literária para o cinema.
Portanto, fica uma perguntinha para você. Será que uma adaptação corresponde integralmente
ao texto original? O que você acha? Será que é só tirar do papel e transpor para o cinema, a
televisão, o rádio, a história em quadrinhos ou até mesmo para o teatro, que é a mesma coisa?
É isso que vamos ver na próxima unidade!
E A CONVERSA CHEGA AO FIM!
Que pena! Estava tão interessante o assunto! Ao término desta unidade,
esperamos que tenha gostado muito do que aprendeu sobre o conto fantástico. Agora
convidamos você a estudar a transposição desse gênero para o rádio. Para que juntos
possamos elaborar um texto que dará origem a uma peça radiofônica.
ANOTAÇÕES
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A PEÇA RADIOFÔNICA
OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
Esta unidade pretende apresentar o conceito de adaptação literária, procurando
demonstrar as suas três possibilidades de transposição para outro sistema de linguagem.
Também apresentar o texto teatral para dar subsídios à elaboração da peça radiofônica.
Aprofundar seus conhecimentos sobre a adaptação literária
Identificar as características do gênero texto teatral
Conhecer e realizar o processo de transposição da obra literária para o rádio
PLANO DE ESTUDO
Seção 1- A adaptação literária
Seção 2- O texto teatral e dramático
Seção 3- O rádio e seu poder
PARA COMEÇO DE CONVERSA
Na unidade 2, falamos um pouquinho sobre a adaptação de uma obra literária para o
cinema. Deixamos até algumas questões para serem respondidas aqui nesta unidade.
Diga-nos você acredita que uma adaptação corresponde integralmente ao texto
original? O que você acha? Na verdade, nada substitui a leitura da obra original! Nada
substitui a leitura de forma geral. Ler é imaginar, é sonhar, é viajar sem sair do lugar!
A ADAPTAÇÃO LITERÁRIA
A adaptação literária ou transcodificação nada mais é que transposição de um texto
impresso para outro sistema de linguagem, que pode ser auditivo, visual ou áudio-visual,
sendo veiculado em um meio de comunicação de massa (jornal, rádio, televisão, cinema ou
internet) ou não, como é o caso do teatro.
Portanto, a adaptação de uma obra literária terá como consequência transformações
inevitáveis devido à mudança de veículo, dos contextos diferentes e dos modos de produção.
Sempre o seu resultado é uma nova obra que deve se relacionar de forma coerente com o texto
original.
É importante saber também que dependendo da intenção, o adaptador pode optar por
uma “adaptação literal” ou “adaptação baseada” ou “adaptação livre da obra original”.
Enquanto a primeira é a transposição exata da obra literária, a segunda e a terceira são apenas
parciais. Entretanto, há uma distinção muito grande entre elas. Em uma, o adaptador pode
selecionar o todo ou apenas alguns elementos, na outra, a liberdade de recriação é bem maior.
De acordo com Cabello (2000, p.52), “para se efetuar uma adaptação literária, torna-se
imprescindível, de antemão, o conhecimento pleno da obra original e do código para qual a
obra será transposta, bem como a definição do tipo de adaptação a ser efetuado”.
No nosso caso, o texto original é um conto fantástico escrito que resultará numa obra
sonora - uma peça radiofônica. Logo, as informações que eram escritas deverão ser audíveis e
precisam provocar a criação de imagens mentais.
Pensando nisso, você se lembra de algum texto literário que foi transposto para o
teatro? Na verdade, para nós, fica difícil lembrar. Afinal, nem sempre essas peças vêm para os
teatros das pequenas e médias cidades, ficando mais nas capitais.
Agora, apostamos que de uma obra você se lembra bem. Ela do teatro foi transposta
para o cinema e, em seguida, foi transmitida por uma emissora de televisão brasileira. Esta
peça é o “Auto da Compadecida”!
SAIBA MAIS!
O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que foi
adaptado para o teatro. E, em 1999, de peça teatral virou
película cinematográfica que, logo mais, foi para a
televisão.
Nas duas versões- tanto a do teatro como a do cinema-
foram muito exploradas as peripécias do esperto João Grilo
e seu amigo Chicó, dois heróis populares que encarnavam
a sabedoria dos pobres e fracos contra os ricos e poderosos
com muita proeza.
Assim, como na obra original, a partir de uma visão
religiosa e uma expressão caricata dos personagens, a
https://www.google.com.br/search?q=auto+da+compadecida.
proposta da obra original foi mantida. Assim, num tom de comédia, seus destinatários foram
levados a uma crítica da sociedade brasileira.
A mesma coisa que aconteceu com essa peça aconteceu com outra. Só que do palco foi
direto para a televisão, no formato de telenovela: a peça Odorico, o Bem-Amado, de Dias
Gomes, aquele dramaturgo de que falamos na unidade 2. Essa peça pertence a uma fase em
que a dramaturgia brasileira procurava pesquisar nossa realidade, fazendo uma espécie de
tipificação do nosso povo. Por isso, para o autor:
Odorico Paraguaçu representava um tipo de político que bastante
comum, não só no interior como nas grandes cidades. Com o grau de
demagogia e paranóia variável, mas o processo era o mesmo. (...)
Odoricos provincianos ou citadinos, estaduais ou federais, existem e
continuarão existindo, com maior ou menor extroversão, porque são
frutos, não da prática da democracia, mas da alienação e do
oportunismo dos governantes, eleitos ou nomeados, escolhidos ou
impostos. (GOMES, 1969)
Escrita em 1962, foi encenada pela primeira vez, em 1969, no Teatro Santa Isabel, do
Recife, pelo TAP- Teatro de Amadores de Pernambuco, sob a direção de Alfredo de Oliveira,
com cenários do próprio diretor. A peça era divida em nove quadros. Pode ser considerada
uma das maiores obras do teatro brasileiro.
A comédia traz à discussão a história da cidade de Sucupira e centra-se na figura do
prefeito Odorico Paraguaçu. O chefe do poder executivo do município elege-se com a
promessa de construir um cemitério para a cidade. Sendo assim, quando é eleito ergue a obra
com recursos advindos da educação, do saneamento básico, das coisas mais urgentes para a
população.
Para infelicidade do prefeito, durante dois anos, ninguém morre na cidade. Deste
modo, ele procura de todo jeito achar um cadáver, para justificar os gastos excessivos com o
campo-santo. É, neste contexto, que a história desenrola-se.
http://www.youtube.com/watch?v=0huzZXT-n_g
O Bem Amado (1973) - O discurso de Odorico para prefeito
http://www.youtube.com/watch?v=OMwKOkaHh7Y
http://omeninoquenaomachuca.files.wordpress.com/2013/12/sucupira-itajai-odorico.jpg
TRABALHANDO EM EQUIPE:
Novamente, procure formar sua equipe e tente procurar saber se seus pais ou avós se
lembram da telenovela “O Bem Amado”. Vamos ver o que vocês conseguem trazer de
interessante para a sala de aula. Faça suas anotações abaixo:
ANOTAÇÕES
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PARA COMEÇO DE CONVERSA
Depois dos conhecimentos adquiridos até aqui, acreditamos que esteja preparado para
ir adiante. Finalmente, vamos para esfera artística do teatro. Está preparado para mudar de
ares?
O TEXTO TEATRAL E DRAMÁTICO
O gênero “texto teatral” assemelha-se ao narrativo quanto às características, uma vez
que o mesmo se constitui de fatos, personagens e história (o enredo representado), que sempre
ocorre em um determinado lugar, dispostos em uma sequência linear representada pela
introdução (ou apresentação), complicação, clímax e desfecho.
AS REGULARIDADES DO GÊNERO TEXTO TEATRAL
1. Narrador Normalmente, o narrador é dispensado.
Passa a ser substituído por uma rubrica,
ou seja, por uma voz que narra ou
descreve a situação e os movimentos do
personagem. Essa fala, que não é a fala
do personagem, aparece em itálico, ou
outro tipo de letra ou entre parênteses
como se fosse um narrador intruso,
explicando detalhes ao leitor.
2. Marcas temporais O texto teatral apresenta um emprego
particular do tempo. Como a ação é
representada e não contada por um
narrador (como geralmente ocorre nos
textos narrativos), o texto teatral faz
coincidir o tempo de ficção, ou seja, o
tempo da duração dos fatos, como o
tempo de representação.
3. Marcas espaciais (de lugar) O lugar é marcado bem no início do texto
teatral. Muitas vezes, vem anunciado
pela expressão “cena”.
4. Marcas de pessoa (personagens) Identifica o nome da personagem antes
de sua fala.
5. Marcas das falas (diálogos)
Apresenta discurso direto como estrutura
básica de construção do texto e
desenvolvimento das ações.
6. Linguagem O nível de linguagem é adequado à
personagem e ao contexto.
7. Rubricas
Apresenta rubricas de interpretação e de
movimentos. As “rubricas” funcionam
como a fala do narrador. Geralmente,
essa fala vem em destaque.
8. Segmentação textual Às vezes, apresenta divisão em atos,
quadros ou cenas.
Quadro elaborado a partir de Cereja e Magalhães (2000, p.72)
Para concluir nossos estudos a cerca do texto teatral, não podemos esquecer de dizer
que ele é uma parte de um texto dramático, uma vez que serve para a representação teatral.
Quando um texto teatral é encenado, ele exige outros elementos, como cenário, música, luz,
figurino, maquiagem, gestos, movimentos, etc.
No texto teatral escrito, como mostra o quadro, esses elementos estão indicados nas
rubricas. Ficou claro para você?
Reforçando, então, os conhecimentos passados, podemos compreender as rubricas
como sendo trechos, no texto teatral, que aparecem destacados por estarem entre parênteses
ou serem escritas com letras de tipo diferente, indicando como as personagens devem falar
(rubricas de interpretação). E quanto ao diálogo?
É bom também falarmos disso, pois o diálogo constitui o elemento dominante e
essencial no texto dramático. É nele que se manifestam uma oposição e uma luta de vontades
que caracterizam o conflito, elemento imprescindível, que possibilita à plateia ter expectativas
em relação aos fatos que vê e, consequentemente, prendendo a sua atenção.
A história em si é retratada pelos atores por meio do diálogo, no qual o objetivo maior
pauta-se por promover uma efetiva interação com o público expectador, em que razão e
emoção se fundem a todo o momento, proporcionando prazer e entretenimento.
TRABALHANDO EM EQUIPE
Após a leitura explicativa sobre as características do texto teatral, vamos brincar de
ator e atriz. Você aceita esse desafio?
Trouxemos, para realizar uma atividade de leitura dialogada, o primeiro e segundo
quadro da peça Odorico - O Bem Amado. Afinal, já falamos tanto dela, que você e seus
colegas já devem estar bem familiarizados com o seu enredo. E isso é importantíssimo para
que entrem no clima da história.
Antes de tudo, vamos distribuir os papeis e ler o texto. Aposto que já escolheu o seu!
Então, vamos conhecer os principais personagens que aparecem nesses dois quadros: Chico
Moleza, Dermeval, Mestre Ambrósio, Zelão, Odorico, Dorotéa, Judicéa, Dulcinéa, Dirceu
Borboleta, Neco Pedreira, Vigário, uma velha e seus acompanhantes.
AÇÃO: Sucupira, pequena cidade do litoral baiano.
PRIMEIRO QUADRO
Pequena praça de uma cidadezinha de veraneio do litoral baiano. Há uma grande árvore, um
coreto e uma venda. Sob a árvore, sentado no chão, Chico Moleza dedilha molemente o
violão. Em frente à vendola, Seu Dermeval remenda uma rede de pescar. É um mulato gordo
e bonachão, de idade já avançada. Passa-se meio minuto. Entram Mestre Ambrósio e Zelão
carregando um defunto numa rede. O enterro é acompanhado apenas por uma beata, velhinha,
enrugada como um jenipapo, e um cachorro, um magro vira-lata, que vem amarrado à rede.
Mestre Ambrósio é um velho pescador de tez moreno-avermelhada, curtido do sol.
Musculatura batida, chapelão de palha, calças de algodão branco, sua figura infunde respeito.
Zelão é um negro reluzente, mais moço do que mestre Ambrósio, pescador como ele. Traz
vários amuletos no pescoço e um bom humor constante. A velha reza baixinho enquanto os
dois pescadores avançam até ao centro da cena, com o passo não muito firme, e aí depositam
o féretro. Moleza para de tocar e descobre-se, em sinal de respeito. O apelido o define bem:
gestos lentos, descansados, fala mole, é ele um retrato vivo da cidade, onde a vida passa sem
pressa, ...
MESTRE AMBRÓSIO: Vamos molhar um pouco a goela na venda de seu Dermeval,
Zelão.
ZELÃO É bom.
DERMEVAL {(Indicando o defunto) Mestre Leonel?}.
MESTRE AMBRÓSIO: É. Embarcou coitado.
DERMEVAL: (Dirige-se à venda) No mar?
MESTRE AMBRÓSIO: Qui-o-quê. Janaína quis saber dele não. Esticou em terra
mesmo.
ZELÃO: É de-hoje que não entrava num saveiro. Mal aguentava com um caniço. Quase
cem anos no costado, sabe como é.
MESTRE AMBRÓSIO: Tava que nem saveiro velho, cheio de ostra pelo casco, fazendo
água por todo o lado. Precisava mesmo ir pro estaleiro.
DERMEVAL: Também entornava um bocado.
MESTRE AMBRÓSIO: Pra esquecer. Sabe o que é um mestre de saveiro respeitado
como ele foi chegar ao fim da vida tendo quase que pedir esmolas?
ZELÃO: A gente sempre dava para ele as sobras da pescaria: pititinga, chicharro, peixe
miúdo.
MESTRE AMBRÓSIO: Morreu sem ter dinheiro nem pro caixão.
DERMEVAL: Tinha parente não?
MESTRE AMBRÓSIO: Ter tinha. Botou um bocado de filho no mundo, o falecido, que
a terra lhe seja leve. Mas tudo levantou âncora. Uns foram pra Salvador, outros pra São
Paulo. Por aqui só aparecia mesmo, de vez em quando, a filha mais nova. Uma que caiu
na vida.
ZELÃO: E que pedaço de mau caminho, seu mano! Tenho uma sede nela!
MESTRE AMBRÓSIO Oxente, Zelão, respeita o defunto!
ZELÃO Que o finado me desculpe, mas é mesmo. E um dia eu a pesco um cação de três
metros, boto o dinheiro no bolso e vou me afogar naquelas águas. (Ri.)
MESTRE AMBROSIO Dá mais um porongo. (Dermeval enche os dois copos. Eles
bebem de um trago. Dermeval torna a enchê-los. Enquanto isso, Moleza levanta-se com a
sua característica lentidão, aproxima-se do defunto, descobre-o).
MOLEZA Coisa besta é a vida; ontem tava vivo, hoje tá morto. Que merda!
ZELÃO Vem tomar um mata-bicho, Moleza.
MOLEZA (Vai à venda.). Como foi? (Dermeval serve uma cachaça.)
MESTRE AMBROSIO A gente voltava da pescaria, hoje de manhã, eu mais Zelão,
encontramos ele estendido na praia, o cachorro lambendo a cara.
MOLEZA Lambendo a cara, Mestre Ambrósio?
MESTRE AMBRÓSIO E chorava. Chorava de correr lágrima.
MOLEZA O cachorro?
MESTRE AMBRÓSIO Oxente, gente, já viu defunto chorar?
MOLEZA Nem defunto, nem cachorro.
MESTRE AMBRÓSIO Quero que esta luz me cegue se não é verdade.
ZELÃO Verdade, sim. O bicho parecia que sabia que o velho tinha espichado.
Chorava como gente.
MESTRE AMBRÓSIO De cortar o coração, seu Moleza.
DERMEVAL (Referindo-se à velha) E a velha?
MESTRE AMBRÓSIO Sei lá. Nós viemos, ela veio atrás.
DERMEVAL Será que ela e o velho... ? Zelão solta uma gargalhada imoral.
MESTRE AMBRÓSIO Capaz. Quando era moço, de saia mesmo mestre Leonel só
respeitava padre e santo de andor. (Todos riem.) Vamos se chegando, Zelão, que ainda
temos três léguas pela proa.
DERMEVAL Três léguas. Quando chegarem lá, em vez de um defunto vão ter dois pra
enterrar.
MESTRE AMBRÓSIO Isto é uma terra infeliz, que nem cemitério tem. Pra se enterrar
um defunto é preciso ir a outra cidade.
MOLEZA Não era melhor jogar o corpo no mar?
MESTRE AMBRÓSIO Pra quê? Pra vir dar na praia de manhã?
MOLEZA Jogava bem longe, em alto-mar. Fazia de conta que tinha morrido afogado.
Mestre Leonel, que era pescador, ia se sentir até melhor acomodado.
MESTRE AMBRÓSIO Vinha dar na praia do mesmo jeito. Não vê que se dona Janaína
não quis ele quando era moço, não ia querer agora? Janaína gosta é de gente nova, sadia.
DERMEVAL Falar em Janaína, sabe do caso do sujeito que se encontrou com a mãe-
d'água no meio do mar?
ZELÃO Sei não. Como é?
DERMEVAL Quando ele viu aquele mulherão pela frente, toda nua, mulher do umbigo
pra cima e peixe do umbigo pra baixo, perguntou: “Siá dona, será que vosmicê não tem
uma irmã que seja ao contrário?" Todos riem exageradamente. Estão já bastante bêbedos.
Moleza dedilha o violão.
MOLEZA (Canta:) Dona Janaína princesa que é Filha das águas do Abaité Dona Janaína i
nana ê .
MESTRE AMBRÓSIO, DERMEVAL e ZELÃO (Coro:) I nana ê I nana ê Odorico
entra,
suando por todos os poros. Não é propriamente um belo homem, mas não se lhe pode
negar certo magnetismo pessoal. Demagogo, bem-falante, teatral no mau sentido, sua
palavra prende, sua figura impressiona e convence. Veste um terno branco, chapéu-
panamá.
ODORICO Ah, lá estão! Ainda cheguei a tempo.
DERMEVAL Bom-dia, Coronel Odorico.
ODORICO Bom-dia, minha gente. Ao verem Odorico, Mestre Ambrósio e Zelão deixam
o balcão. Moleza pára de tocar.
MESTRE AMBRÓSIO Bom-dia, Coronel. Fizemos uma parada rápida, pra molhar a
goela. Vamos ter que gramar três léguas.
ODORICO Três léguas. Pra se enterrar um defunto é preciso andar três léguas.
DERMEVAL Um vexame!
MOLEZA Vexame pro defunto: ter que viajar tanto depois de morto.
ODORICO E uma humilhação para a cidade, uma humilhação para todos nós, que aqui
nascemos e que aqui não podemos ser enterrados.
MOLEZA Muito bem dito.
Entram Dorotéa e Judicéa. A primeira é professora do grupo escolar, de maneiras pouco
femininas, com qualidades evidentes de liderança. Paradoxalmente, Odorico exerce sobre
ela terrível fascínio. Também sobre Juju esse fascínio se faz sentir. E isso poderia ser
explicado por diferentes tipos de frustração.
ODORICO Quem ama sua terra deseja nela descansar. Aqui, nesta cidade infeliz,
ninguém pode realizar esse sonho, ninguém pode dormir o sono eterno no seio da terra em
que nasceu. Isto está direito, minha gente?
TODOS Está não!
ODORICO Merecem os nossos mortos esse tratamento?
DOROTÉA e JUJU Merecem não.
Entram Dulcinéa e Dirceu Borboleta, este com uma vara de caçar borboletas e uma
sacola. Odorico exerce sobre ela o mesmo fascínio que sobre suas irmãs Judicéa e
Dorotéa. Quanto a ele, é um tipo fisicamente frágil, de óculos, com ar desligado.
ODORICO (Já passando a um tom de discurso:) Vejam este pobre homem: viveu quase
oitenta anos neste lugar. Aqui nasceu, trabalhou, teve filhos, aqui terminou seus dias.
Nunca se afastou daqui. Agora, em estado de defuntice compulsória, é obrigado a
emigrar; pegam seu corpo e vão sepultar em terra estranha, no meio de gente estranha.
Poderá ele dormir
tranquilamente o sono eterno? Poderá sua alma alcançar a paz?
TODOS Não. Claro que não. Populares são atraídos pelo discurso de Odorico, que se
empolga, sobe ao coreto.
ODORICO Meus conterrâneos: vim de branco para ser mais claro. Esta cidade precisa
ter um cemitério.
TODOS Muito bem! Apoiado!
DOROTÉA Uma cidade que não respeita seus mortos não pode ser respeitada pelos
vivos!
ODORICO Diz muito bem Dona Dorotéa Cajazeira, dedicada professora do nosso grupo
escolar. É incrível que esta cidade, orgulho do nosso Estado pela beleza de sua paisagem,
por seu clima privilegiado, por sua água radioativa, pelo seu azeite-de-dendê, que é o
melhor do mundo, até hoje ainda não tenha onde enterrar seus mortos. Esse prefeito que
aí está...
DOROTÉA, DULCINÉA e JUJU (Vaiam) Uuuuuu!
ODORICO Esse prefeito que aí está, que fez até hoje para satisfazer o maior anseio do
povo desta terra?
DIRCEU Só pensa em construir hotéis para veranistas!
DULCINÉA Engarrafar água para vender aos veranistas!
ODORICO Tudo para os veranistas, pessoas que vêm aqui passar um mês ou dois e
voltam para suas terras, onde, com toda certeza, não falta um cemitério. Mas aqui
também haverá! Aqui também haverá um cemitério!
JUJU (Grita histericamente:) Queremos o nosso cemitério!
DOROTÉA, JUJU, DIRCEU e DULCINÉA Queremos o cemitério! Queremos o
cemitério!
ODORICO E haveremos de tê-lo. Cidadãos sucupiranos! Se eleito nas próximas eleições,
meu primeiro ato como prefeito será ordenar a construção imediata do cemitério
municipal.
TODOS (Aplausos.) Muito bem! Muito bem! Uma faixa surge no meio do povo.
VOTE NUM HOMEM SÉRIO E GANHE SEU CEMITÉRIO
ODORICO Bom governante, minha gente, é aquele que governa com o pé no presente e o
olho no futuro. E o futuro de todos nós é o campo-santo.
MOLEZA O campo-santo.
DULCINÉA Que homem!
DIRCEU (Repreende-a:) Du, tenha modos!
ODORICO Preciso garantir o depois-de-amanhã, para ter paz e tranqüilidade no agora.
Quem é que pode viver em paz mormentemente sabendo que, depois de morto, defunto,
vai ter que defuntar três léguas pra ser enterrado?
MOLEZA É mesmo um pecado!
ODORICO Uma vergonha! Mas eu, Odorico Paraguaçu, vou acabar com essa vergonha.
MESTRE AMBRÓSIO Seu doutor me disculpe, mas desde pequenininho que eu escuto
falar nessa história de cemitério. E a coisa fica sempre na conversa. Todo mundo acha que
deve fazer, mas ninguém faz.
ZELÃO Lá isso é. Entra Neco Pedreira. É o dono dojornaleco da cidade, A Trombeta.
Jovem combativo, algo esclarecido, afora uma certa dose de charlatanismo, é um indivíduo
positivo, um pouco acima da mentalidade da cidade. E a consciência disso lhe produz certa
frustração.
ODORICO Mas eu vou fazer. Os que votaram em mim para vereador sabem que cumpro
o que prometo. Prometi acabar com o futebol no largo da igreja e acabei. Prometi acabar
com o namorismo e o sem-vergonhismo atrás do forte e acabei. Agora prometo acabar com
essa humilhação para a nossa cidade, que é ter que pedir a outro município licença pra
enterrar lá quem morre aqui. E vou cumprir. ,
Neco Pedreira disfarçadamente acende um "espanta-moleque" e o atira no meio da praça.
As mulheres gritam, histericamente. O povo corre.
DOROTÉA É ele! Não podia ser outro!
JUJU Neco Pedreira!
DULCINÉA Cafajeste!
NECO Quem morreu fedeu, Odorico.
JUJU Minha Nossa Senhora, que heresia!
DOROTÉA Com certeza vai escrever isso na sua imunda gazeta..
ODORICO Eu sei que há muita gente que não respeita os mortos, nem acredita em Deus.
Não é para esses ateístas despenitentes que vamos construir o nosso cemitério.
NECO Muito obrigado. Espero que você seja o primeiro a fazer uso dele.
ODORICO (Para os pescadores:) Vamos seguir com o enterro.
MESTRE AMBRÓSIO Vamos lá, Zelão. Pega na proa que eu vou no leme. Zelão e
Ambrósio voltam a carregar o defunto.
MESTRE AMBRÓSIO Tava pesado assim quando a gente veio, Zelão?
ZELÃO Tava não, Mestre Ambrósio.
MESTRE AMBRÓSIO Então o finado engordou.
ZELÃO Acho que sim.
MOLEZA Diz que surra de chicote é bom: a alma sai e o defunto fica mais leve.
ZELÃO Também já ouvi dizer.
MESTRE AMBRÓSIO Vamos indo. Na estrada a gente arranja um cipó e dá um chá de
vara nele.
DIRCEU Você vai, Du?
DULCINÉA Claro. Você não percebe que é importante, Dirceu? Minhas irmãs também
vão.
DIRCEU Eu vou pra casa.
DULCINÉA Fazer o quê?
DIRCEU Deixei as borboletas secando na janela, tenho medo dos gatos...
Dulcinéa faz uma cara de fastio e um e-se ao grupo que vai acompanhar o enterro. O
cortejo se movimenta. O defunto vai à frente, ziguezagueando em sua rede, por mais
esforço que façam Zelão e Ambrósio para caminhar em linha reta. O cão segue, amarrado
à rede. E, mais atrás, a Velha, Odorico, Dorotéa, Juju e Moleza, que tira acordes no violão.
VELHA Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois entre as mulheres,
bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
OS ACOMPANHANTES Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e
na hora da nossa morte, amém. (Saem.)
ERMEVAL Se ele prometer fazer o cemitério aqui em frente da venda, meu voto é dele.
DIRCEU Qual seu interesse nisso?
DERMEVAL Ora, seu Dirceu, gente de velório bebe muito. Pegou muita borboleta hoje?
DIRCEU Só esta. (Mostra.) Veja.
DERMEVAL É bonita.
DIRCEU É rara. Raríssima. É uma Morpho Deidâmea. (Sai.)
DERMEVAL Homem que vive caçando borboleta, a mulher acaba virando mariposa...
(Ri e volta a remendar sua rede.)
NECO (Vai à venda.) Seu Dermeval, me bota aí um engasga-gato.
DERMEVAL (Larga a rede, vai servir a cachaça.) Como vai a gazeta, Dr. Neco?
NECO Mal, seu Dermeval, mal. Numa cidade atrasada, onde não há crimes, desastres,
roubos, onde nem mesmo as mulheres corneiam os maridos, como é que pode haver
imprensa?
SEGUNDO QUADRO Uma sala da prefeitura. O ambiente é modesto. Durante a
mutação, ouve-se um dobrado e vivas a Odorico, "viva o prefeito", etc. Estão em cena
Dorotéa, Juju, Dirceu, Dulcinéa, Vigário e Odorico. Este último, à janela, discursa.
ODORICO Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de Prefeito, aqui estou
para receber a confirmação, ratificação, a autenticação e por que não dizer a sagração do
povo que me elegeu. Aplausos vêm de fora.
ODORICO Eu prometi que o meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção
do cemitério. Aplausos, aos quais se incorporam as personagens em cena.
ODORICO (Continuando o discurso:) Botando de lado os entretantos e partindo prós
finalmente, é uma alegria poder anunciar que prafrentemente vocês já poderão morrer
descansados, tranqüilos e desconstrangidos, na certeza de que vão ser sepultados aqui
mesmo, nesta terra morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim, basta dizer isso
ao padre na hora da extrema-unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o
prometido.
Aplausos. Vivas. Foguetes. A banda volta a tocar. Odorico acena para o povo sorridente,
depois deixa a janela e é imediatamente cercado pelos presentes, que o cumprimentam.
DOROTÉA Parabéns. Foi ótimo o seu discurso.
JUJU Disse o que precisava dizer.
ODORICO Obrigado, obrigado.
DIRCEU De um homem assim é que a gente precisa; vai direto à questão.
DULCINÉA Formidável.
ODORICO Obrigado, obrigado. Conto com vocês.
DOROTÉA Pode contar. Comigo e com minhas irmãs. Queríamos convidar o Prefeito pra
tomar um licorzinho conosco lá em casa esta noite.
ODORICO Licor? De quê?
JUJU De jenipapo.
ODORICO Jenipapo é bom. Sou um jenipapista juramentado.
DOROTÉA Podemos esperá-lo?
ODORICO Podem... vamos comemorar a posse com uma jenipapação.
JUJU (Tem um risinho histérico, que corta de súbito ante o olhar severo de Dorotéa.)
DOROTÉA Então, até mais logo. Você vem, Dulcinéa?
DULCINÉA Dirceu...?
DIRCEU Eu vou ter que ficar. Agora sou secretário do Prefeito... Me espere em casa, bem...
não demoro. Dorotéa, Juju e Dulcinéa saem.
ODORICO Seu Dirceu, o senhor viu todos aqueles processos que eu pedi?
DIRCEU Estão todos separados.
ODORICO Então vá buscar. Vamos trabalhar.
DIRCEU Um instante só. (Sai.)VIGÁRIO O senhor já vai começar a trabalhar?
ODORICO Já. Não sou homem de perder tempo. E vou tratar de assunto de seu interesse: a
construção do cemitério.
VIGÁRIO Sabia que o senhor não ia esquecer as promessas feitas ao eleitorado.
ODORICO Na próxima vez que o senhor vier aqui já quero lhe ralar da inauguração. Aliás, a
Igreja devia ajudar. É uma obra cristã, e que, entrementemente, vai render dividendos para a
paróquia. Benzemento de corpo, encomendação de alma... O Vigário se esquiva.
VIGÁRIO Sabe, coronel... o teto da igreja está ameaçando de vir abaixo. Vou ter que fazer
umas quermesses para arranjar dinheiro...
Entra Dirceu, com vários processos.
DIRCEU Está tudo aqui. O senhor vai examinar agora?
ODORICO Vou. Quero saber logo se há alguma verba para dar início à construção do
cemitério.
DIRCEU (Coloca os processos sobre a mesa.) Nem um tostão. Só déficit.
ODORICO (Folheia os processos.) Não é possível.
DIRCEU A prefeitura tem um terreno...
ODORICO O terreno só não resolve, é preciso dinheiro para o muro, as alamedas, a
capela.
DIRCEU (Examinando um processo:) Parece que há um restinho de verba da água.
ODORICO Da água?
DIRCEU É, para consertar os canos.
ODORICO Diz isso aí?
DIRCEU Não, aqui só fala em obras públicas de urgência.
ODORICO O cemitério também é uma obra pública de urgência. É ou não é?
(Irônico.) De muita urgência.
DIRCEU Há um restinho, pouca coisa...
ODORICO (Anima-se.) Não tem importância, um restinho com mais um restinho, já se
faz um cemiteriozinho.
DIRCEU É da luz. Para aumentar a força.
ODORICO Para que aumentar a força?
VIGÁRIO A luz anda muito fraca, Coronel, quase não se consegue ler.
ODORICO Mas para que ler de noite? Pode-se ler de dia. E depois, uma cidade de
veraneio deve ter luz bem fraca, para que se possa apreciar bem o luar ... A cidade é muito
procurada pelos namorados... O senhor Vigário me perdoe.
DIRCEU Só que esse desvio de verba...
ODORICO É para o bem do município. Tenho certeza que Deus vai aprovar tudo.
VIGÁRIO Quem sabe?... As intenções são boas... E como Deus não é um burocrata...
ODORICO Então vamos escolher o terreno.
DIRCEU A prefeitura só tem um, mas está ocupado.
ODORICO Ocupado? Por quem?
DIRCEU Pelo circo.
ODORICO Ora, o circo que se mude. Chega das palhaçadas de antigamente.
Prafrentemente, vamos tratar de coisas sérias. Pode levar isso daqui. Dirceu sai com os
processos.
ODORICO Quero ver agora o que vão dizer os que acusavam de oportunista, de
demagogista. Quando virem os pedreiros levantando os muros, construindo a capela,
calçando as alamedas vão ficar com cara de Sinhá Mariquinha-cadê-o-frade.
VIGÁRIO Quando o senhor espera inaugurar esse cemitério?
ODORICO Dentro de três meses, com o primeiro enterro, que será custeado pela
municipalidade. (Surge lhe uma ideia.) Podíamos até... Oh, não, oferecer um prêmio não
ficava bem. Mas custear os funerais e dar certa pompa, isso era mais do que justo. Banda
de música, marcha fúnebre. E uma inscrição no mausoléu também, assinalando o
pioneirismo do defunto, o primeiro a ser sepultado em terras de Sucupira.
DULCINÉA (Entra e se assusta com a presença do Vigário.). Desculpe... pensei que o
Prefeito estivesse sozinho...
VIGÁRIO Não está, mas vai ficar. O Prefeito vai me dar licença...
ODORICO Obrigado por sua presença, seu Vigário.
DULCINÉA Sua bênção, seu Vigário.
VIGÁRIO Deus lhe abençoe. (Sai.) Dulcinéa espera o Vigário sair, está muito nervosa.
ODORICO Você voltou...
DULCINÉA Onde está meu marido?
ODORICO Dirceu... está lá pra dentro...
DULCINÉA Preciso muito falar com você... Eu não lhe disse nada... mas estava
apavorada...
ODORICO Com quê? Seu marido!
DULCINÉA Pior... Pensei que estivesse grávida! Mas era rebate falso...
(Dirceu entra nesse momento e Odorico procura disfarçar.)ODORICO Sinto muito, Dona
Dulcinéa, mas seu Dirceu agora é funcionário da Prefeitura, tem que cumprir o expediente.
DIRCEU Du... que houve? Não lhe disse pra me esperar em casa?
DULCINÉA Está bem... é que eu pensei... Desculpe... (Sai.)
DIRCEU Ela veio pedir pro senhor deixar eu sair mais cedo?
ODORICO É, veio... Mas o senhor compreende, mesmo sendo seu padrinho de
casamento, tenho que botar de lado esses considerandos...
DIRCEU Claro... É que ela, coitadinha, se sente muito só quando não está comigo.
ODORICO Já percebi isso... Mas muito em breve ela não vai sentir mais essa solitude...
Quando começarem a nascer os filhos...
(Dirceu faz uma pausa, constrangido.)
DIRCEU Filhos?...
ODORICO É... filhos! Aliás, já está em tempo...
DIRCEU Nós não vamos ter filhos.
ODORICO Oxente, por quê?
DIRCEU Vou lhe confessar uma coisa, Coronel... Porque o senhor é meu padrinho... e
padrinho é como um segundo pai.
ODORICO Claro...
DIRCEU Eu... eu sou irmão oblato... Fiz voto de castidade.
ODORICO Voto de castidade?! E ela sabe disso?... Bom, tem que saber...
DIRCEU Casamos com essa condição. De manter o meu voto.
Disponível em: PDF]texto Teatral: O Bem Amado
Após a leitura desses dois quadros da peça e a divisão dos personagens,
precisamos observar alguns detalhes no texto teatral que são importantes para o
seu desempenho e de seus colegas. Verifique qual é o lugar onde tudo ocorre? Como é a
relação que se estabelece entre Mestre Ambrósio e Zelão? Quais elementos do cenário que
são pontos de referência para os dois personagens. Comente a sua importância na encenação
da peça? Existem trechos que a memória é retratada pelos personagens. Podemos encontrar no
texto passagens que comprovem alguma deficiência na memória?
Esperamos que essa atividade tenha despertado sua atenção para o teatro. De fato, o
teatro traz a “voz” e a “expressão” dos personagens. Personagens estes que retratam a
individualidade de cada um de nós e a tornam pública.
Assim como a vida, o teatro é palco de justiças, injustiças, dor, solidão, alegria, amor,
desesperança, espera. Finalmente, o teatro é palco de todos os sentimentos humanos.
Enquanto houver vida sempre haverá a arte do teatro, a arte de representar a vida, por ela
mesma.
PARA IR MAIS LONGE!
Leitura complementar
Não pare por aqui. Busque mais informação sobre o teatro. Nos links que sugerimos a
seguir, você encontrará rica informação sobre a história do teatro desde os gregos até a
contemporaneidade. Pesquise na internet sobre o teatro. Desfrute de sua pesquisa e boa
leitura!
O teatro brasileiro:
<http://liriah.teatro.vilabol.uol.com.br/historia/teatro_brasileiro.htm>
O teatro do absurdo:
<http://www.passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/teatro/absurdo>
ANOTAÇÕES
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PARA COMEÇO DE CONVERSA
Agora que você já estudou um pouquinho sobre a peça teatral, vamos pensar na sua
transposição para o rádio, no formato de peça radiofônica. Estamos, finalmente, chegando
à reta final. Ufa!
O RÁDIO E SEU PODER
Você pode estar se perguntando por que trabalhar com o rádio? Uma mídia vista
como tradicional ou mesma do passado num mundo coberto de imagens e movimento?
Respondemos que ao lado dos meios de comunicação de massa- a TV, a internet - o
rádio ainda é o veículo de massa de maior prestígio. E isso se dá pelo fato de podermos
fazer uma série de atividades enquanto ouvimos a programação de uma rádio. Não é
verdade?
Vale ressaltar também que, “por sua própria essência, no rádio se faz imaginação
com a voz, cenografia com a música, sonoridade com os efeitos e insinuações com o
silêncio vibrante”. (HAYE, 2003, p. 110)
Utilizar o rádio para apresentar uma peça é uma grande oportunidade de trazer a
linguagem radiofônica para a contemporaneidade, buscando valorizar seu caráter artístico que
faça sentido nos dias de hoje.
É, nesse sentido, que nosso projeto de letramento literário vai culminar na adaptação
de um conto fantástico para o rádio. Isto é, a transposição de um texto literário para uma peça
radiofônica. Nesse momento, queremos que você e seus colegas usem a imaginação. Melhor
dizendo: a voz, os efeitos sonoros especiais. Enfim, todos os recursos para criar uma
atmosfera mágica, fantástica bem própria do Realismo Fantástico.
A PEÇA RADIOFÔNICA
A peça radiofônica ou linguagem radiofônica “é o conjunto de formas sonoras e não
sonoras representadas pelos sistemas expressivos da palavra, da música, dos efeitos sonoros e
do silêncio”. (BALSEBRE, 2005, p. 329)
Klaus Schöning (1980), escritor, diretor e produtor de rádio, afirma que na obra
radiofônica se fundem: a literatura, a música, a arte dramática; sendo ela a realização acústica
de texto e partitura.
No radio drama, o cenário sonoro ou ambientação sonora é um elemento essencial. Na
verdade, insubstituível, funciona como a base para a imaginação do ouvinte, é encarregada de
localizar espacialmente a ação e colocar o ouvinte dentro do mundo da ficção radiofônica.
Esse cenário sonoro pode ser realista ou mais abstrato. Algumas vezes, até podemos
utilizar ruídos do cotidiano ou trilhas musicais. Os ambientes devem tornar-se "visíveis"
através da sonorização. A ambientação sonora tira o caráter estático da "montagem de teatro
gravada" e oferece indicações de espaço diferentes daquelas referidas pela fala dos
personagens. (cf. SPRÍTZER, 2005, p. 6).
Segundo a autora, na peça radiofônica a voz não é um elemento a mais no todo, mas
sim a protagonista onde não existe a cena teatral. Há momentos em que a voz é a senhora da
ação. É, nesse sentido, que enfatiza que “a voz adquire o estatuto de um corpo que ocupa
espaço e se apropria do tempo; cabendo ao ouvinte a oportunidade de entregar ao outro a
tarefa de conduzi-lo pela viagem da escuta”.
FIQUE LIGADO!
Vamos conversar sobre uma música muito famosa, composta e interpretada por Rita
Lee e Roberto de Carvalho no final da década de 1980. Será que você conhece? A música é
Doce Vampiro!
Perceba como ela é sugestiva! Talvez não percebamos isso quando apenas
acompanhamos a sua letra. Por isso, não podemos bater nosso papo sobre ela, sem antes ouvi-
la. Como já deve saber, as músicas apresentam sempre uma letra (plano do conteúdo) e uma
melodia (plano da expressão). Claro, existem aquelas apenas instrumentais que isso não
acontece! Entretanto, neste hit, tanto a letra quanto a melodia completam o seu sentido.
Isto quer dizer que para chegarmos à sua compreensão, temos que considerar tanto o
plano do conteúdo como da expressão. Quer ver como isso acontece? Vamos iniciar nosso
bate papo, apenas lendo a sua letra. Em seguida, vamos acompanhá-la, ouvindo.
Será que é a mesma coisa? É importante para você e seus colegas perceberem como
os sons interferem naquilo que é lido ou falado para que possamos caprichar na produção de
nossa peça radiofônica.
Doce Vampiro
Rita Lee Venha me beijar,
Meu doce vampiro,
Ou ouuuuu
Na luz do luar
Ãh ahãããããh
Venha sugar o calor
De dentro do meu sangue, vermelho
Tão vivo tão eterno, veneno
Que mata sua sede
Que me bebe quente
Como um licor
Brindando a morte, e fazendo amor,
Meu doce vampiro
Ou ouuuuu
Na luz do luar
Ãh ahãããããh
Me acostumei com você
Sempre reclamando, da vida...
Me ferindo, me curando, a ferida...
Mas nada disso importa,
Vou abrir a porta,
Prá você entrar,
Beija minha boca,
Até me matar...
Cha lá lá lá
Ou ouuuuu
Chalá lá lá
Ou ouuuuu...Ou ouuuuu
Ãh ahãããããh
Ou ouuuuu...Ou ouuuuu
Ãh ahãããããh
Ãh ahãããããh
Me acostumei com você,
Sempre reclamando, da vida...
Me ferindo, me curando, a ferida...
Mas nada disso importa,
Vou abrir a porta,
Prá você entrar,
Beija a minha boca,
Até me matar... de amoo
Fonte: http://www.vagalume.com.br/rita-lee/doce-vampiro.html
FALANDO SOBRE A MÚSICA
Durante a audição da música, qual foi a sua percepção? A mesma que teve
quando apenas leu? Que efeitos de sentido as interjeições e as aliterações promoveram na
melodia?
Ouvindo a música, pudemos visualizar a mesma cena de quando apenas a lemos?
Você percebeu que existe uma diferença?
Também será que a melodia revelou outra relação afetiva que se estabeleceu entre o
vampiro e o eu- lírico? Pois bem, quando falamos da transposição de um texto literário para
uma peça radiofônica, devemos pensar com a mesma lógica.
Não se pode apenas considerar o texto teatral (plano do conteúdo), mas também nos
elementos que vão compor o plano de expressão, isto é, a voz, a música, a sonorização
especial, entre outros.
Na peça radiofônica, o texto teatral precisa transmitir por meio dos recursos sonoros o
que é visual na peça teatral. É preciso levar o ouvinte a criar imagens a partir da audição. Para
isso, torna-se imprescindível uma seleção musical criteriosa, definida pela intencionalidade de
elaboração da peça radiofônica. (CABELLO, 2000, p. 8).
A escolha dos elementos sonoros é que dará à peça a ambientação desejada. A
caracterização de espaços, personagens, ações, tempo e o próprio tema dependem destes
elementos para se configurarem.
PARA IR MAIS LONGE!
Andamos pesquisando no YouTube e encontramos uma turminha que fez uma
adaptação livre da peça que vimos anteriormente. São os alunos do 3º ano, da Escola Livre do
Porto, que fica em Cuiabá/MT. Vale a pena dar uma espiada!
www.youtube.com/watch?v=oTzPWyzy-rE
SAIBA MAIS!
Caro aluno, antes de se reunir com seus colegas para por em prática tudo que estudou
até agora, que tal esperar mais um pouquinho e buscar mais conhecimentos?
Primeiro, propomos que você ouça um radio drama. Olha! Que legal! Acesse o link abaixo e
aprecie uma peça radiofônica pronta.
http://radioforumbr.com/category/radio-drama/
Agora, acesse esse outro link e leia as orientações sobre como escrever uma peça de teatro.
Essa tarefa vai te ajudar na hora da produção do seu texto.
http://www.cobra.pages.nom.br/ecp-teatroscript.html
AGORA É COM VOCÊ!
Chegamos à reta final do nosso projeto. Por isso, mãos à obra. Agora que você já
fez todo esse percurso, já está preparado para ler textos de Murilo Rubião e José Veiga
para desenvolver o trabalho a que nos propusemos.
Reúna-se com seus colegas e vá até a biblioteca de sua escola. Escolham apenas um
conto de um dos dois autores citados acima. Juntos leiam com atenção, pois desenvolverão a
atividade de elaboração do texto teatral a partir de um deles que, posteriormente, será
transposto para o rádio. Por isso, pensem bem antes de começar essa tarefa.
Primeiro é preciso discutir com seus colegas o texto, pois há necessidade de que vocês
o interpretem bem. Em seguida, decidam entre vocês qual o tipo de adaptação que querem
fazer.
Lembram-se da 1ª seção, desta unidade, em que falamos de três tipos de adaptação?
Convém voltar e ler o conceito de cada uma delas antes de tomar qualquer decisão. Essa parte
é importantíssima, pois dependendo do tipo de adaptação é que o texto teatral será redigido.
Depois de decidido, a próxima etapa é rever as regularidades do gênero texto teatral
para terem certeza de que não está faltando nada.
Após todo esse processo, decidam quem vai fazer papel de que personagem, pois
chegou o momento da leitura dialogada. Vocês fizeram isso com a peça de Dias Gomes. Aqui
façam o mesmo.
Antes treinem em casa, mas não se esqueçam de serem fieis às rubricas. Também o
quanto a voz e os sons devem ser trabalhados, uma vez que nosso objetivo é chegar à peça
radiofônica.
Abaixo tem uma sugestão de roteirinho a ser seguido. Vejam o que acham.
ROTEIRO DE ELABORAÇÃO DO TEXTO TEATRAL
1). Defina quem representará cada personagem. Lembre-se de que é necessário nomear os
personagens; 2). Pensem nos fatos que serão mais explorados; 3). Elaborem um desfecho que
seja coerente com o início da história; 4). Organizem o texto teatral por meio das falas dos
personagens; 5). Apresentem o nome do personagem antes da fala de cada um; 6). Insiram no
texto as explicações de como os personagens devem proceder. Lembre-se que essa
informação deve ser apresentada no texto entre parênteses. Essas são as rubricas; 7). Pontuem
o texto de forma adequada a fim de contribuir com a interpretação; 8). Ao terminarem de
escrever, releiam o texto, corrijam o que for necessário e, em seguida, solicitem nossa ajuda
para correção; 9).Façam a reescrita do texto de acordo com as nossas orientações;10).
Marquem encontros para ensaiar a apresentação do desfecho criado pelo grupo e apresentem
para a sala.
E A NOSSA CONVERSA CHEGA AO FIM
Ao término desta última unidade, esperamos que se sinta mais
preparado para desenvolver junto a seus colegas a atividade de elaboração da peça radiofônica
e sua execução na rádio.
ANOTAÇÕES
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SOBRE AS AUTORAS
LEILA APARECIDA KELLER MEI
Licenciada em Letras- Português e Espanhol, pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e em Letras- Português/Inglês
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do
Sul/PR (FAFIJAN). É especialista em Língua Portuguesa pela
(FAFIJAN) e Gestão Escolar e Docência no Ensino Superior pela
Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco. Desde 2003, atua
como professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa no
Ensino Fundamental e Médio em escolas da rede pública no
Paraná.
MARILZA RIOS DE CASTRO TURRA
Licenciada em Letras- Português e Espanhol, pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e em Letras- Português/Inglês
pela Faculdade de Filosofia de Jandaia do Sul/PR (FAFIJAN). É
especialista em Língua Portuguesa pelo Centro Universitário do
Norte do Paraná (UNOPAR) e Educação no Campo pela
Faculdade EFICAZ. Desde 1990, atua como professora de Língua
Portuguesa e Língua Inglesa no Ensino Fundamental e Médio em
escolas da rede pública no Paraná.
REFERÊNCIAS
BALSEBRE, Armand. “A linguagem radiofônica”. In: MEDITSCH, Eduardo. Teorias do
Rádio: textos e contextos. Vol. 1. Florianópolis: Editora Insular, 2005.
CABELLO, A. R. G. Adaptação literária em programa radiofônico. Estudos Acadêmicos
UNIBERO, São Paulo - São Paulo, v. I n.11, p. 47-58, 2000.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e interação: uma
proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos. São Paulo: Atual, 2000.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2007.
FRANÇOZO, Patrícia Elaine (dissertação mestrado – A transmutação do literário ao
televisual... USP- orientação Anna Maria Balogh).http://www.ufrgs.br/infotec/teses07-
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HAYE. Ricardo. Outro siglo de radio. Notícias de um médio cautivante. Buenos Airres: La
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PARANÁ, Governo do Estado. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Língua
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SCHÖNING, Klaus. Ouvir peças radiofônicas. Em defesa de uma criança abandonada (1979).
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SILVA, P. R. da. Povo, revolução e Brasil por Dias Gomes (1962-19660). Cad. AEL, v.8,
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http://www.vagalume.com.br/ze-ramalho/misterios-da-meia-noite.html
O fantástico mundo de Saramandaia - loboespeciaiss3.tvg.globo.com/novelas/saramandaia/o-
livro-de-saramandaia/ . Acesso em: 02 dez. 2013
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http://www.passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/teatro/absurdo.[PDF]texto Teatral: O Bem
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