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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

AO MUNDO DA LETURA PARA LEITURA DE MUNDO:

uma viagem pela crônica

Dalila Ferreira de Jesus Santos1

Elisiani Vitória Tiepolo2

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar o trabalho de pesquisa e implementação, voltado aos estudos da

linguagem, mais especificamente da leitura, desenvolvido por meio do PDE 2013/14 – Programa de

Desenvolvimento Educacional da Secretaria do Estado da Educação do Paraná (SEED), em parceria com a

Universidade Federal do Litoral do Paraná sob a orientação da professora: Elisiani Vitória Tiepolo. O público

alvo foram os alunos do segundo ano, do Ensino Médio do Colégio Estadual Professor Francisco Zardo, NRE de

Curitiba. A pesquisa docente teve por objetivo motivar o aluno ao mundo da leitura a partir do gênero crônica.

Para isso, seguiu-se as estratégias dos estudos de Rildo Cosson, autor que estabelece um “esquema”, ou uma metodologia para o “ensino da leitura da literatura”, no qual são fixados quatro passos ou etapas: motivação,

introdução, leitura e interpretação. No ato de motivação, o professor procura estabelecer um contato do aluno

com o tema escolhido, para que este se sinta mais receptivo ao texto que será lido. Logo após, há o momento de

introdução da leitura, ou seja, uma apresentação breve do autor e do contexto da obra, para, então, prosseguir-se

a leitura e a interpretação. As etapas desenvolvidas na implementação, além de trazerem resultados sobre o

conhecimento prévio dos educandos em relação à crônica e à leitura, permitiram que se construísse durante o

estudo um conceito sólido do que é o gênero crônica; além disso, a leitura e as atividades de observação do

cotidiano, sugeridas por esse gênero, impulsionou os alunos à escrita de forma criativa e motivadora. Foi um

despertar para a escrita, leitura e interpretação através de um gênero que instiga a reflexão diante dos

acontecimentos da vida.

Palavras-chave: Leitura. Crônica. Formação de leitores.

Introdução

Em decorrência do perfil de aluno, produto de uma sociedade do imediatismo, onde

tudo parece ser digerido sem ser saboreado, os momentos de leitura tendem ao fracasso

quando não se busca dar sentido a esses momentos, de forma a resgatar a importância de uma

interpretação (leitura) que vai além da decodificação ou, ainda, que busque dar sabor à leitura

que se realiza. José Fernandes de Oliveira, em seu livro de crônicas “Melhores filhos,

Melhores Pais” (2012, p.13), afirma que hoje: “ Perdeu-se a capacidade de pensar, meditar e

assimilar. Rejeita-se tudo que exija estudo, reflexão, leituras profundas e pensamentos.” Se

faz preciso olhar para essa realidade e buscar alternativas que mobilizem o aluno a fazer

reflexões a respeito das leituras que faz, sejam por meio de livros ou da leitura da vida, enfim,

sobre tudo que lhe vem no dia-a-dia, seja pelos meios de comunicação, seja pela leitura, ou

1 Formada em Letras pela UFPR. Professora da SEED, Colégio Estadual Professor Francisco Zardo. 2 Formada em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela UFPR. Professora da UFPR, Setor Litoral.

numa conversa informal.

Aceitar a apatia em relação à leitura e reflexão, seria desprezar as inteligências

múltiplas que cada aluno tem e que estimuladas formam um cidadão consciente de seu papel

transformador da sociedade. Os jovens da geração Y, apesar de demonstrarem tais sintomas

de apatia ao conhecimento e à leitura, fazem parte de seu instinto juvenil à rebeldia, o

comportamento de não se intimidar na repressão, de se aborrecer e se revoltar contra as

injustiças sociais e qualquer tipo de opressão; apesar disso, precisa um professor que o oriente

nas escolhas dos livros que lê, além de permitir a construção de significados.

Infelizmente o aluno não se convenceu do valor da leitura para sua vida. É comum nos

corredores da escola ouvir a fala de que “Os alunos não gostam de ler” e junto com esta

afirmação a pergunta: “Como mudar esta realidade?” A questão é: quem roubou o espírito

crítico dos alunos? Pennac (1993, p 43) afirma que o aluno se desgarrou da leitura).

A partir de uma enquete distribuída para 23 alunos participantes da implementação

pedagógica, as resposta ao desinteresse pela leitura são variados: O aluno L.C. M afirmou que

seu primeiro contato com a leitura foi quando estudou em uma escola particular, onde devia

ler para aproveitamento na prova. Mas, ao sair da escola, parou de ler completamente, apenas

lê uma parte e desiste. O aluno sabe da importância da leitura, mas não se sente atraído por

ela. Já a aluna G.S fez a seguinte fala: “Não me lembro ao certo quando foi meu primeiro

contato com o livro, mas sei que eu não era muito fã de livros. Recebi influências para leituras

de minha irmã e minha mãe, que sempre vinham acompanhadas de frases como: “quem lê tem

o futuro garantido e nem sabe”.

A aluna J.O. contou os resultados que surgiram a partir de um trabalho bem feito com

a indicação de uma leitura em um texto:

“Minha primeira leitura

Logo que aprendi a ler minha professora passou um livro que servia como meta de

leitura, e se chamava: “ A colcha de retalho” essa colcha narrava a história de uma velhinha

que fazia uma colcha com cada retalho que era importante na sua vida.

Depois dessa leitura, a professora fez uma atividade que formou uma colcha de

retalho.

Eu levei um retalho igual ao vestido que minha mãe me fez, era meu vestido mais

confortável e lindo, tirei uma foto para colocar em cima do retalho, sem dúvida foi um livro

que marcou muito minha vida, mais ainda que o Harry Potter ou qualquer outro livro.”

Mas para a maioria de leitores, os livros mais lidos são aqueles que despertam a

imaginação por tratarem de temas sobrenaturais ou ainda como afirmou a aluna G. V: “Prefiro

bruxas e vampiros do que políticos ladrões.Gostei do livro “Nascida à meia-noite” (C. C.

Hunter) porque fala sobre coisas que basicamente não existem, como lobisomens, vampiros,

bruxas, fadas, etc. O livro que estou lendo no momento (Dezesseis Luas), também aborda um

assunto semelhante. Acredito que esse tema me agrada pelo fato de uns anos atrás eu assistir

uma série que trata do mesmo tema (sobrenatural). Gosto disso porque crio uma realidade

completamente diferente do que vemos hoje. Prefiro bruxas e vampiros do que políticos

ladrões.”

A aluna F.M.F.L compreende que a leitura que mais lhe interessa são aquelas que a

faziam viajar e criar um mundo paralelo: “Um dos livros que mais gostei e me recordo muito

bem, contava a história de um menino que seu animal de estimação era um lagarto e também

linha uma nuvem que pairava pela sua, somente cabeça. Bom, o nome não lembro, mas sei

que em cada página eu conseguia viajar e “sair um pouco da Terra”. “Hoje meus gêneros

preferidos são romances e dramas, histórias de superação em geral, histórias que me

comovam.”

Como se pode notar pelas pelos argumentos da maioria dos alunos nos textos escritos,

a leitura tem acontecido entre eles, mas é importante que o professor intermedie, motivando-

os para que não fiquem apenas na leitura dos best sellers, mas oportunize um contato

agradável com a literatura que desperte para o senso crítico, tirando-os da zona de confortode

uma literatura conhecida como “água com açúcar”. Affonso Romano de Sant Anna escreveu

na crônica “Os que nos ensinam a ver” (2011 p. 46), extraída do livro: “Ler o Mundo”, que o

aluno leitor passa a enxergar o mundo por meio de uma “lente de aumento” oferecida pela

ótica dos escritores que leem o mundo e assim são capazes de emprestar a lente destes para ler

com seus próprios olhos.

Marquesi (2005) expõe que a crônica, em si, é um recurso que permite ao aluno

enxergar o mundo de forma criativa, ampliando sua visão de mundo, pois, ao lermos uma

crônica, envolvemo-nos pelo prazer da leitura e pela proximidade com o gênero, o que nos

permite ampliar nosso universo de conhecimento, pois somos instigados à interpretação e,

assim avançamos como leitores.

Uma viagem pela crônica

A escolha do gênero crônica levou em consideração o fato de ser um gênero que nasce

no cotidiano, podendo despertar maior interesse e identificação dos alunos. Além disso,

utiliza elementos literários mais próximos do leitor. Enfim, a crônica é um gênero muito

presente no jornalismo, sendo uma literatura que agrada, pois une a informação com a

subjetividade literária, criando um gênero rico de intertextualidade que pode ser explorado de

maneira rica em sala de aula assim como Moisés (1989) assegura que em toda a crônica os

indícios de reportagem se situam na vizinhança, quando não mescladamente, com o literário:

e é a predominância de uns e de outros que fará tombar o texto para o extremo do Jornalismo

ou da Literatura. Lima (2001) traz a seguinte concepção:

A crônica transita entre estes dois polos, entre ser no jornal e para o jornal.

Diferencia-se do texto jornalístico, por não visar à informação, pois seu

objetivo (declarado ou não) é ultrapassar o mero comentário diário, a

banalidade dos acontecimentos humanos, e atingir a universalização, mesmo

que sua temática se utilize do fait divers e do que se costuma considerar

trivial. (LIMA, 2001, p. 05)

Pensando nisso, o estímulo à leitura da crônica vem ao encontro das necessidades de

aprendizagem do aluno e, consequentemente o instigará à necessidade de expressar-se, expor

seus pensamentos pela oralidade e pela escrita. São Tomás de Aquino já dizia que para que a

comunicação acontecesse era preciso a comunicação, e esta se dá através da oralidade e da

escrita, que precisam ser praticados e propiciados na escola. O escritor Affonso Romano de

Sant´Anna, em entrevista à Biblioteca Pública do Paraná (2013) afirmou que a crônica se

transformou, para ele, num modo necessário de expressão; assim como alguém diz que algo

daria um filme, uma música, ele aprendeu a desentranhar do cotidiano a crônica.

As Diretrizes Curriculares do Estado (DCE, 2008) entendem a leitura como um

processo de produção de sentido que se dá a partir de interações sociais ou relações dialógicas

que acontecem entre o texto e o leitor de forma a conduzir à emancipação humana. Logo,

oportunizar o contato do aluno com a crônica, também é permitir que o aluno descubra o

diálogo que se insere entre ele, o escritor e o mundo e com isso o resgate à leitura torna-se

mais próximo.

O aluno se desgarrou da leitura

Trazer o aluno para o mundo da leitura não é tarefa fácil diante do contexto que a

escola se apresenta: uma instituição em declínio pela qualidade de ensino, como veremos no

depoimento abaixo. A transmissão do conhecimento, e aqui eu diria, da formação do leitor,

precisa ser (re) escrita por nós, pois parece que ainda não encontramos uma forma de

trabalhar a leitura que faça sentido para a vida do aluno. O relato de Aparecida Bonfim, no

jornal de Londrina (2012), mostra que para ela a escola não atingiu os objetivos esperados:

A doméstica Aparecida Bonfim é um exemplo de que aprovação não significa

domínio de conhecimento. Há 10 anos, ela, que tinha abandonado os estudos

na antiga 3 série, voltou a estudar. Em pouco tempo, estava no ensino médio.

“Os professores me aprovaram, só que eu não sabia nada. Na minha sala todos colavam, mas não me sentia confortável com isso. Queria aprender de

verdade, mas não consegui.” Ela lembra que até o inglês, disciplina que não

sabia nada, foi aprovada. A falta de seriedade levou Aparecida a largar os

estudos mais uma vez. (publicado no Jornal de Londrina em 26/07/2012)

A qualidade de ensino nas escolas públicas precisa ser repensada nesse aspecto.

Algumas ações merecem destaque aqui, como forma de nos motivar enquanto

professores. Outro depoimento para ilustrar isso é o ex-jogador de basquete e morador do

Cesarão R.J., Wanderson Geremias ou WG, à Tevê Brasil, dia 07/07/2014, no programa Sem

Censura. Ele contou sobre a necessidade que sentiu em unir literatura e esporte, para poder

suprir as deficiências que as crianças, vindas das escolas públicas apresentavam para se

comunicar. Então, criou o projeto Cultura na cesta. Segundo ele, “Muitos não sabiam ler

direito”. Ele percebeu que a prática da leitura com o esporte foi resistida logo no início, mas

que hoje seus alunos demonstram maior habilidade com a língua.

De fato, a leitura pode modificar a vida das pessoas e seu valor precisa ser resgatado

também nas escolas, nos grupos sociais, na sociedade em geral. Mas, acima de tudo, o

professor formador de opinião precisa ser o maior referencial, situação que não é muito

comum também nas universidades, que formam professores, como colocam a ex-professora

do curso de Letras, aposentada pela UFPR, Marta Morais Costa:

[...] descobrir que 10% dos docentes na universidade declaram não se

interessar pela leitura de jornais causa estranheza e provoca indagações a

respeito dos limites tênues entre a falta de leitura dos jovens e o exemplo

pouco edificante de seus professores. Convém enfatizar, uma vez mais, a

importância do exemplo dado pelo adulto para a formação de leitores. Não é

raro encontrar entre colegas um olhar ou gesto de surpresa quando alguém se refere à notícia do dia ou dá uma informação mais aprofundada sobre um

assunto da atualidade, encontrada no jornal diário.

Em relação à importância do papel do professor, as Diretrizes Curriculares deixam

bem claro:

[...] o professor precisa atuar como mediador, provocando os alunos a

realizarem leituras significativas. Assim, o professor deve dar condições para que o aluno atribua sentidos a sua leitura, visando a um sujeito crítico e

atuante nas práticas de letramento da sociedade. DCE (2008, p.71).

[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas

obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às

conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,

democrática e feliz. DCE (2008, p. 57)

Além da observação de Aparecida Bonfim, na revista em destaque, o ex-aluno de

escola pública, entrevistado por mim, R.V, contribuiu com esta pesquisa ao afirmar que

enquanto estudante percebia que professores tinham dificuldades em debater um assunto da

atualidade. Segundo ele, a causa poderia estar ligada a uma preocupação em cumprir o

currículo. Para ele, o currículo precisa ser aplicado visando às necessidades do momento.

Hoje, apesar de os professores saberem da importância do contato com a leitura,

afirmam que não leem porque falta tempo e então, de que maneira o professor poderá ser

referencial para o resgate da leitura?

Os 10 direitos imprescritíveis do leitor, ditados por Pennac (1993, p.139 ) podem

motivar alunos e professores a ter um olhar diferente para a leitura:

O direito de não ler.

O direito de pular páginas.

O direito de não terminar um livro.

O direito de reler.

O direito de ler qualquer coisa.

O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)

O direito de ler em qualquer lugar.

O direito de ler uma frase aqui e outra ali.

O direito de ler em voz alta.

O direito de calar.

O projeto aqui relatado buscou estratégias que aproximassem o aluno ao mundo da

leitura para uma leitura de mundo, de forma a respeitar e ao mesmo tempo instigá-lo para uma

nova visão a respeito da leitura, a partir de vivências significativas com ela.

Implementação do projeto

O conhecimento da realidade dos alunos, os quais participaram da implementação do

projeto, foi muito importante, embora já se tenha uma noção do perfil desta geração conforme

Maria Luisa M. Xavier (2008):

[...] então, os jovens vão para a escola para se encontrar, para saber onde vão

botar mais uma tatuagem, de que cor vão pintar o cabelo, com quem vão ficar

no fim de semana, qual a banda que está fazendo mais sucesso, quem tem o

último CD do ídolo do momento, entre tantos outros motivos. Essas são

algumas das preocupações da cultura adolescente, da cultura juvenil, que vêm

sendo negadas pela escola. (PEREIRA, 2008, p. 19),

Num primeiro momento, os alunos receberam uma enquete para comprovar o seu

interesse pela leitura. A pergunta realizada pedia que o aluno enumerasse pela ordem como

as informações costumavam chegar até ele. Dentre os itens sugeridos pela pesquisa estavam:

internet, TV, conversa entre amigos, pelos pais, pelo professor, pela leitura de jornais, outros.

A pesquisa obteve este resultado:

Primeiro lugar Internet

Segundo lugar Tv

Terceiro lugar Conversa entre amigos

Quarto lugar Pelos pais

Quinto lugar Pelo professor

Sexto lugar Pela leitura de jornais

Sétimo lugar outros

A leitura de jornal revela que o acesso dos alunos a este meio é quase nulo, pois para

eles há outros meios mais atrativos para o conhecimento. Além disso, o professor, que vem

em quinto lugar, é um indicador de que ainda precisamos levar mais informações ao aluno.

Embora a preocupação dos professores se volte para o cumprimento do currículo, é

importante que temas da atualidade sejam inseridos no planejamento. Mas para que isso

aconteça, o professor precisa estar informado. Pensando nisso, a crônica tende a despertar em

suas linhas uma realidade apresentada de forma criativa pelo fato de re(criar) uma realidade

que muitas vezes lida somente em seu contexto de notícia não atrai o leitor principiante. Além

disso, sua leitura orientada em sala, de forma a perceber as suas características literárias e

linguísticas tendem a formar um leitor crítico.

A internet, que vem em primeiro colocado, indica a necessidade urgente de se

orientar os alunos sobre o bom uso desde recurso, pois nele muitas informações que chegam

podem estar incoerentes com a realidade ou carregadas de ideologias de tom preconceituoso.

Porém, também é possível pensar que é um meio que, bem usado, pode mobilizar uma

sociedade a se conscientizar da importância de seus atos para mudar a realidade, como muito

bem falou o ex-senador Pedro Simon, ao programa Roda Viva, no dia sete de julho de 2014.

Ele declarou sobre a importância de uma sociedade consciente de sua força: “se não houver

pressão social, participação da sociedade, nada vai mudar”. “Atualmente, não sei o que

esperar”. Simon acredita que a força para a política contemporânea virá das redes sociais:

"Temos que trazer a mudança. As redes sociais trouxeram a Lei da Ficha Limpa, aprovada por

unanimidade graças à união social."

Remar contra a antipatia do aluno à leitura é um desafio que todos nós, professores,

precisamos abraçar e não fazer vistas grossas:

[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão,

pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas

obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às

conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,

democrática e feliz. DCE (2008, p. 57)

Um mundo a ser descoberto pela ilusão de ótica

Como forma de preparar os alunos para a observação da realidade e como motivação

ao mundo da crônica, algumas imagens com ilusão de ótica foram mostradas para que cada

aluno pudesse interpretá-la, fazendo as devidas associações com a realidade. A atividade

despertou grande interesse dos alunos que tentavam decifrar a imagem, porém grande parte

apenas decodificava a imagem que estava escondida e não conseguia fazer uma leitura mais

aprofundada, mais detalhista. Exemplo disso foi a imagem de um bebê, cujo contorno nascia

das ramificações de uma árvore. Imediatamente todos diziam ver o bebê, porém só

descreviam a imagem: um bebê, uma árvore, um casal, um lago, mas não conseguiam

relacionar a interdependência entre o homem e a natureza. Revelou-se nesta atividade

dificuldades para refletir a partir de uma imagem, dificuldade para escrever sobre a imagem e

ir além da mensagem que está óbvia. Ou seja, ir além das entrelinhas, situação comum

também na leitura, que muitas vezes o aluno não consegue sair da superficialidade do texto,

do óbvio.

Essa situação vem de encontro com a “sociedade do imediatismo” citada por José

Alves Fernandes (2012, p.13,14) quando afirma que hoje “ Perdeu-se a capacidade de pensar,

meditar e assimilar. Rejeita-se tudo que exija estudo, reflexão, leituras profundas e

pensamentos.” Portanto, levar o aluno a “tirar leite da pedra” numa leitura, vem de encontro

com as necessidades apresentadas entre os alunos: a necessidade de refletir, pensar,

interpretar, contextualizar e tirar conclusões significativas para uma leitura sábia e

significativa .

Enquanto isso, Karl Marx, citado nas DCE (2008) antecipava o rumo de uma

sociedade presa ao capitalismo: “...o capitalismo e a propriedade privada determinam a

alienação dos sentidos e do pensamento, reduzindo-os à dimensão do ter. Portanto, a

emancipação humana plena passa, necessariamente, pelo resgate dos sentidos e do

pensamento. (DCE, p. 23)

Caminhando pelas origens da crônica

A primeira crônica que os alunos tiveram contato foi: “Você quer me irritar” de Mário

Prata (1997, p. 119). Foi realizada a leitura de um trecho desta crônica e, em seguida, um

aluno continuava as ideias contidas na crônica, mas falando das coisas que o irritavam. A

leitura inicial permitiu aos alunos observarem que ela surgiu de uma conversa entre

Melchiades Cunha Junior e o cronista. Vindo ao encontro com a afirmação de que a crônica

surge de situações do cotidiano:

“Meu velho amigo e jornalista Melchiades Cunha Junior, o popular

"Capitão", costuma usar esta frase "Quer me irritar é...", e acrescentar a

irritação do momento. Murilinho Felisberto, mestre da DPZ, sempre que se

encontra comigo, referindo-se ao "Capitão", também vem com o "Quer me

irritar"... Ficou uma brincadeira entre nós três. Na posse do presidente

Fernando Henrique, no Itamaraty, encontrei com o "Capitão" comendo em

pé, como todos, aliás. Lá veio ele: "Quer me irritar é me fazer comer em pé."

Além de descobrir como surge a inspiração da escrita para uma produção de crônica,

os alunos observaram que a linguagem coloquial faz parte da linguagem permitida neste

gênero, portanto a norma culta não é uma obrigação deste gênero, que reproduz a fala das

pessoas. Um bom exemplo é o uso do pronome oblíquo antes do verbo em: “Me irrita...”,

quando dita a norma culta a forma “Irrita-me...”

Na sequência das oficinas os alunos foram preparados para conhecer um livro

misterioso, cujo título era: “Crônica de uma vida anunciada”. Nele não havia nenhuma

crônica. Ele passaria a existir a partir do relato escrito que expressava a experiência de leitor

dos alunos. Os alunos produziram seu texto num diário e, em seguida, algumas crônicas

foram lidas e também contribuíram para a existência do livro:

(Texto 1)

“Não me lembro ao certo quando foi meu primeiro contato com o livro, mas sei que eu

não era muito fã de livros.

Recebi influências para leituras de minha irmã e minha mãe, que sempre vinham

acompanhadas de frases como: “quem lê tem o futuro garantido e nem sabe”.

Meu primeiro livro (comprado especialmente para mim) foi “A Bruxa Salomé”, dado

por minha irmã, mas não sei onde ele se encontra agora. Lembro que o empresti pra escola e a

mesma nunca mais devolveu.

Eu achava maravilhoso quando uma vez por semana, uma professora contava histórias

de um determinado livro. Ela encenava, fazendo vozes e caretas, deixando tudo mais

divertido, cada semana era uma aventura diferente.

Apesar de toda cobrança dentro de casa, o que realmente me fez tentar gostar de livros

foi um filme.

Então li um livro tento todas expectativas positivas possíveis, e desde então não parei

mais.” (G.S)

(Texto 2)

Livro

“Bom eu me lembro como se fosse hoje, o dia em que cheguei em casa da escola, depois de

um longo dia em que estávamos lembrando-nos da segurança no trânsito, e então nos

entregaram um pequeno livrinho, onde nele falava dos perigos do trânsito.

Cheguei em casa, e então fui empolgada contar tudo para minha mãe como de

costume, sentei-me no sofá e então comecei a ler, enquanto minha mãe cozinhava, ela

prestando muita atenção pensou que eu estava apenas lendo os desenhos( como eu fazia), até

que ela decidiu ir conferir e foi até mim, pegou o livro da minha mão e viu que eu realmente

estava lendo.

E assim até hoje, adoro ler, me sinto dentro das histórias, bom é o que eu lembro do

meu primeiro livro.” (Thalita)

A leitura dos textos dos alunos foi enriquecida com a história de leitor de outros

escritores que lhes foram apresentados. Dentre elas, a crônica sobre a experiência de leitora

da ex-professora da UFPR Marta Morais da Costa, (2006, p.36) intitulada: “ Nas bibliotecas

da escola”

Em busca do último sorriso nos arredores do colégio

Para oportunizar a leitura da crônica de Fernando Sabino, os alunos assistiram à curta

metragem da crônica : “A última crônica” e em seguida o texto foi lido na íntegra (1965, p.

174). Percebi o quanto foi importante e motivador para os alunos a descoberta do trabalho de

um cronista ao ir em busca de tema para a produção de uma história. De fato, nesta crônica,

Fernando Sabino consegue enriquecer um fato tão comum, a rotina de uma família, ao

(re)criar uma realidade trazendo para o leitor um mundo repleto de significados e capaz de

nos levar a outros mundos e interpretações de realidades e valores sociais.

Sugeridos pelo comportamento do cronista que caminha em busca de um tema para

escrever sua crônica, os alunos fizeram um passeio aos arredores do colégio para buscarem

um tema e produzirem a sua própria crônica:

(Aluno 1)

O PÁSSARO QUE ME ENCANTOU ( Silêncio! Um pássaro canta!)

Estava na quadra do Colégio Professor Francisco Zardo com a proposta de escrever

uma crônica para a aula de português e ao ouvir o canto dos pássaros pensei logo em

desenvolver minhas ideias.

Havia alguns passarinhos que desenhavam o céu para lá e para cá,outros andavam,

parecia que estavam a procura de comida.

Os pássaros me encantam pela delicadeza do andar e pelo canto que nenhuma pessoa

conseguiria imitar tal nota musical. Neste instante lembrei-me de minha filha, sempre que ela

vê um pássaro, ela faz silêncio e coloca o dedinho indicador sob a boca, como se dissesse:

“pare e escute a melodia!” ou ainda “não assuste o passarinho!” Grande ensinamento, muitos

de nós, adultos, não paramos para ver a beleza presente na natureza.

Os pássaros me trazem um sentimento de liberdade. (K)

(Aluno 2)

O que leva alguém andar com o carro em alta velocidade?

Pressa? Talvez.

É um fugitivo? Nem sempre.

Busca por adrenalina? Pode até ser, mas será que ele tem consciência de que essa boa

sensação, que por sinal é um momento, pode colocar a vida de muitos em risco.

Radares, lombadas, travessias, sinaleiros... De que adianta tudo isso se, por muitas vezes,

o álcool no sangue e no cérebro impede que uma vida ou mais continue?

De que adianta andar tanto pra chegar a lugar algum, ou melhor, à morada eterna.

De que adianta ganhar um racha e perder a liberdade para as grades?

Quantas pessoas já saíram de casa e jamais chegaram ao destino porque alguém bebeu,

perdeu a noção e tirou a vida de um pai de família, um trabalhador honesto, uma médica que

poderia estar salvando vidas agora, uma professora que poderia estar compartilhando seu

saber, um jovem com futuro promissor um casal apaixonado, ou uma criança com tudo pela

frente.

Ninguém sabe o dia de amanhã, mas se for pra que ele não exista, que não seja por essa

atitude violenta e que tem feito muitas vítimas no trânsito. (G.V.G)

(Aluno 3)

O DOCE SORRISO DA VIDA

É tão difícil ver um sorriso sincero e espontâneo hoje em dia que quando surge um isso

nos encanta.

Há alguns dias eu estava dentro de um ônibus, confesso que neste dia estava triste. De

repente o ônibus parou num ponto de um bairro humilde e embarcou uma família,

provavelmente uma família de bolivianos. Observei que no colo da moça que entrava, cujo

rosto estava abatido, tinha uma criança suja e ao seu lado um homem cuja vida não deveria ter

sido muito fácil.

Fiquei comovida ao olhar para aquela família, esqueci meus problemas que

provavelmente eram bem menores que os deles.

Por um instante a criança desceu do colo e como qualquer criança andou e observou o

ônibus ao seu redor. A cobradora conversava com uma mulher que tinha uma caixa de isopor

nas mãos. Esta abriu a caixa tirou um bombom e segurou-o nas mãos. A criança ficou

hipnotizada, o ar de desejo era fácil de ser reconhecido, mas ela ficou quieta, só olhando.

Meus olhos encheram-se de lágrimas ao ver que meu problema era extremamente fútil

diante daquela cena humilde.

A mulher que segurava o bombom, estendeu os braços até a criança, esta ligeiramente

pegou e lançou um sorriso que eu não via há anos. Eu me senti maravilhada e comecei a

valorizar os pequenos gestos, pois são eles que nos trazem grandes sorrisos, grandes

felicidades, e se for ao lado de quem a gente ama, tornam-se ainda inesquecíveis e

inigualáveis. (G.D.O)

(Aluno 4)

CULTURA PARA TODOS

Nada para fazer, então resolvi sair para dar uma volta e aproveitei para dar uma

passada na livraria.

Gosto de dar uma folhada nos livros novos e reler alguns trechos dos meus livros preferidos.

Entrei, sentei para tomar um café e enquanto observava o lugar parei por uns instantes

meus olhos no comportamento de um senhor, ele estava com roupas maltrapilhas e com uma

aparência meio desgastada. Olhei para alguns funcionários com uma ideia meio

preconceituosa, pensando que alguém iria lá pedir para ele se retirar, mas ninguém se atreve.

O Senhor então caminhou até a uma mesa ao meu lado e começou a ler entusiasmado.

Que gosto ele tinha por aquela ação!

Para minha surpresa um funcionário foi até a mesa do senhor e ofereceu-lhe um café.

Na curiosidade chamei e perguntei a um funcionário a respeito dele, a resposta que

obtive foi que ele era um morador de rua e muito conhecido ali na livraria, frequentava o

ambiente e era muito inteligente.

Surpreendi-me e quando já estava indo embora, voltei para cumprimentar aquele

senhor que ficou sem entender nada. Penso que aquele cumprimento era um elogio por ver

alguém que busca na leitura um prazer de vida.

A busca por um tema permitiu aos alunos várias reflexões, além da escrita os textos

dos alunos foram compartilhados numa oficina de leitura das crônicas que foram inspiradoras

a partir da busca por um tema. (F.M)

Esta atividade foi bastante enriquecedora, os alunos descobriram que, a partir de uma

realidade comum, uma caminhada, por exemplo, é possível o registro de uma riqueza de

coisas que passam do banal para o excepcional, e isso acontece quando damos alma ao texto.

Porém esta alma torna-se mais viva, quando e transmitida a outros, portanto, tomou-se o

cuidado de fazer as leituras das melhores crônicas produzidas entre os alunos num momento

especial: surgiu então o sarau da crônica. Neste momento além das crônicas desta oficina,

outras também realizadas no projeto foram lidas.

Laranjas de ontem e de hoje/ filha do jornal

Neste estágio da implementação, os alunos demonstravam compreensão do que era o

gênero crônica, de como ela surge, quais as características do gênero, quais os tipos de

crônicas, além de poderem conhecer um pouco sobre a vida e obras de alguns cronistas.

Com todos estes pré-requisitos, estavam preparados para fazer uma leitura

significativa da crônica de Carlos Heitor Cony: “Laranjas de ontem e hoje”. Passamos pelas

estratégias sugeridas por Rildo Cosson: motivação, introdução, leitura e interpretação.

a) Motivação

Como motivação para o tema, os alunos responderam no diário a seguinte pergunta:

“O que você faria se encontrasse uma carteira cheia de dinheiro e identificada?” Para

refletirem mais, assistiram a uma reportagem sobre honestidade.

Abriu-se um debate que levou a comparar o comportamento do brasileiro com o

estrangeiro. Para finalizar este momento, leu-se “A flor da honestidade”, um conto da China,

que narra que por volta dos anos 250 A. C., um príncipe que precisaria se casar lançou um

desafio: primeiramente entregou às moças presentes na sua festa uma semente; aquela que

cultivasse melhor a semente e retornasse com a mais bela flor, se casaria com ele. Porém, as

semente eram estéreis, e apenas uma moça foi fiel a esse fato. No dia marcado, flores bonitas

chegavam, porém flores compradas. Aquela foi honesta e não trouxe nenhuma flor casou-se

com o príncipe.

Esse conto permitiu um grande debate sobre os valores na formação do cidadão.

b) Introdução

Neste momento, os alunos foram até o laboratório de informática para pesquisarem

sobre a vida e obra de Carlos Heitor Cony. No contato com a Folha de São Paulo, tiveram

também acesso a outras crônicas produzidas pelo jornalista. Além disso, puderam conhecer

outros livros que o escritor produziu em diversos contextos históricos.

Aproveitou-se para contextualizar a crônica no ano de sua publicação (27/07/2004).

Algumas perguntas foram elaboradas para este seguimento como: o que acontecia na política

brasileira neste período? Como as pessoas reagiam diante dos acontecimentos?

E a partir disso puderam constatar que a crônica surge a partir de uma realidade do

cotidiano e que muitas vezes esta realidade repete-se em outros contextos históricos, de forma

mais acentuada ou menos. Com estes dados concluiu-se que a crônica “é filha do jornal”.

c) Leitura

A primeira leitura foi oral, mas antes de iniciar, o título foi discutido a partir da idéia

do que ele transmitia para cada aluno, então foi feita a pergunta: “O que o título do texto

sugere para você?” Após a leitura em voz alta, abriu-se um momento para o vocabulário que

oferecia dificuldades. O problema com o entendimento do vocabulário precisa ser sanado para

não haver o comprometimento do entendimento do texto e intencionalidade do escritor.

Somente a partir deste instante é que os alunos fizeram uma leitura silenciosa para que

compreendessem melhor o texto e pudessem partir para a interpretação do mesmo.

d) Interpretação

A interpretação seguiu as seguintes orientações e questões:

1- Leia a crônica e registre em seu diário o fato do cotidiano que Carlos Heitor Cony ilustrou para

falar do assunto tratado por ele.

2- Selecione os vocábulos que não entender e pesquise no dicionário.

3- Destaque do texto algumas expressões que revelam um diálogo com o leitor.

4- Crie um quadro com as expressões usadas pelo cronista que remetem ao uso da linguagem

coloquial.

5- Nesta crônica há dois tempos: um no passado outro no presente. Explique o significado da

palavra “laranja” para o cronista nestes dois tempos. Justifique sua resposta separando as

expressões associadas para cada tempo e observe o sentido que o poeta quis dar para cada

palavra. (Atividade realizada junto ao coletivo)

6- Agora pesquise no dicionário o significado da palavra laranja. Copie em seu Diário e

responda em qual tempo o cronista usou a expressão laranja conforme a explicação que

encontrou no dicionário.

7- Diferencie a visão de sociedade descrita por Cony ao falar dos Laranjais da Nova Iguaçu

com os imensos laranjais de hoje.

8- Pesquise a origem da expressão “laranja” no seu sentido figurado e pesquise em jornais

outras situações de corrupção, seja na política, no futebol, ou em outras instituições em que é

comum a denominação de “laranja” para alguns casos. Leia o seu texto para a sala, buscando

levantar as hipóteses de quem são os laranjas e o que fazem. Para isso siga as seguintes

perguntas e responda em seu diário:

a. O que aconteceu?

b. Onde?

c. Quando?

d. Quem?

e. Como?

9- Sobre a crônica de Cony, responda:

1- Qual o assunto?

2- Qual o ponto de vista do escritor?

3- Que recursos literários são usados?

4- O que há de comum entre uma notícia e a crônica?

Realizada esta leitura intermediada pelas idéias de Cosson, constatou-se que o trabalho

de leitura tornou-se significativo. Embora o tema sobre corrupção não agrade sempre,

descobriu-se que a crônica consegue re-criar uma realidade de forma brilhante, usando os

recursos que a linguagem literária permite. Sendo assim, também é capaz de falar de uma

coisa séria, sem banalizar ou vulgarizar um assunto, mas enriquecendo-o com a capacidade de

reflexão e uso de uma linguagem poética presentes neste gênero.

Conclusão

Por meio do letramento o cidadão se transforma e também transforma a sociedade. Os

livros trazem histórias que são metáforas da vida. Histórias que recriam uma realidade e

atingem a mente e o coração. Histórias capazes de despertar regiões adormecidas em nós. A

preocupação deste projeto em formar leitores pensantes deu um passo para novos trabalhos

com a leitura dentro da sala de aula. Levar o aluno a adentrar numa história é fazer o resgate

da leitura, esta que se “desgarrou” conforme Pennac (1993) dizia. A riqueza de uma obra

surgirá da análise linguística e estilística que precisa ser mais explorada nos momentos de

leitura. Cada livro, cada história, cada crônica, além de re (criar) uma realidade, criará novas

formas de ver o mundo pela ótica do escritor. A crônica é uma narrativa breve que registra o

circunstancial, cuja linguagem é a soma do estilo literário e do estilo jornalístico. O cronista

pretende, através da crônica, uma provocação, uma atitude enfim, uma resposta no leitor.

A crônica permitiu isso, é um gênero que provoca e estimula algumas percepções,

permite a construção de hipóteses, permite um olhar mais atento das coisas que parecem

banais, mas estão carregadas de significados e reflexões da vida. Além disso, consegue

transformar a língua em linguagem, com a cooperação da poesia e do retrato do cotidiano.

Aproxima o leitor por provocar um diálogo com ele, interage com ele, desperta no leitor

reflexões e opiniões, seja contra ou a favor do que lê. Além de tudo isso, torna-se um gênero

clássico toda vez que reproduz uma realidade que tende a perpetuar-se.

O conhecimento permite ao homem não se perder num mundo que exige o letramento,

num mundo que cobra a informação, a socialização e, consequentemente, a formação de um

cidadão capaz de se defender diante dos vários discursos da sociedade.

A leitura é um processo que precisa ir além da decodificação e da superficialidade dos

fatos, portanto, concluiu-se que as estratégias sugeridas por Rildo Cossom (2009) permitiram

a construção do conhecimento pelo aluno.

Ao finalizar o trabalho com a crônica: “Laranjas de ontem e hoje”, os alunos sentiram-

se instigados com o tema e provocados a ler mais sobre o assunto. Isso me chamou a atenção,

pois o tema “corrupção” adquiriu uma nova roupagem na leitura da crônica escrita por Cony.

Atualmente, a crônica é um dos gêneros mais ricos da literatura brasileira, atingindo

um grau de excelência a ponto de transformar-se na principal porta de entrada da literatura

para boa parte do público leitor. De acordo com Melo (1985):

“ no Brasil, a crônica é o relato poético do real, situada na fronteira entre a

informação da atualidade e a narração literária, portanto, situa-se entre o

jornalismo e a literatura, retratando a vida e as experiências comuns.

Despretensiosa e humanizadora, ajuda a estabelecer ou restabelecer a

dimensão dos acontecimentos e das pessoas, quase sempre com humor. Ela

representa o encontro mais puro com a vida real e com seu cúmplice favorito

– o leitor.”

A implementação do projeto abriu um espaço importante de leitura no meio escolar, e

consequentemente foi além das fronteiras a partir do ensino à distância, o GTR,que envolveu

professores de vários núcleos, a ideia foi disseminada e acredita-se que é um projeto que

tende a resgatar o aluno para o mundo da leitura. A cursista Odete descreveu seu sentimento

como professora a respeito do seu compromisso no ensino da leitura:

“Sabemos que o acesso do aluno às novas tecnologias é muito grande, ele lê muita

coisa na internet, mas é uma leitura superficial, sem interpretação, sem análise

crítica. E quando é para ler um livro acha chato, pois a verdadeira leitura precisa ser

refletida, analisada, compreendida. É assustador, mas o índice de alunos que não

gostam de pensar, interpretar, refletir, analisar está aumentando cada vez mais. E não

me refiro somente à leitura, mas a tudo que exige reflexão, análise, interpretação, criticidade, desempenho, argumentação.

É uma geração muito informada e não formada. Há um grande desinteresse no

verdadeiro aprendizado. Sei que alguma coisa deveria mudar na educação, talvez

novas leis, novas normas, novas médias, novos métodos... Há que se descobrir,

porque quem descobre o valor do estudo se interessa, lê, pesquisa e busca o

conhecimento.Mas infelizmente ainda é a minoria.”(OKF) (terça,25 março

2014,15:36)

Há uma tarefa de resgate como afirma a cursista Maria, mesmo que pareça impossível:

“Verdade. Aqui em minha cidade, é um pouco diferente. Nossa escola fica muito

próximo ao centro e Maringá é uma cidade bastante elitizada, nossos alunos

possuem poder aquisitivo razoável, mas o problema nosso é outro, não menos

difícil: a maioria não tem a cultura da leitura. Os pais, na maioria das vezes,

trabalham muito e se preocupam com o aqui e agora; deixam a cargo da escola a

responsabilidade de formar o leitor, o homem, a mulher... Como já foi dito aqui,

temos um conteúdo enorme pra atender e, mesmo que queiramos, não damos conta

de atender a todas as expectativas deles. Nossa! Eu me viro em cem!. Levo textos

digitados, peço atividades extraclasse de leitura, deixo um pouco o programa e tento

despertar o interesse pela leitura, porque sei que ela é o princípio para todo o aprendizado, mas tem sido difícil. Desistir? Nunca. Mas, graças a Deus e a muitos

colegas que pensam como eu, já temos grandes progressos. Sinto falta mesmo é do

apoio da família.” (M.V.M) seg.31 maço 2014, 20:59

O DCE (2006) nos orienta que a escola é um espaço do confronto e diálogo entre os

conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular. Logo, o incentivo ao

letramento literário permite esta formação integral do aluno, este aluno que acaba atingindo

uma maturidade, passando a ser protagonista do mundo da leitura, pois “leitor maduro é

aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu,

tornando mais profunda a sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1986,

p. 53).

As palavras do professor José Melquíades Ursi(sociologia), aperfeiçoam esta pesquisa

quando ele contribui dizendo:

“Diversão para escrever

Quando a estrutura escolar oferece condições mínimas, se não adequadas,

professores avançam além das dificuldades. Para o sociólogo italiano Domenico Di

Mais “é necessário eliminar a divisão entre escola e vida, para que a criança cresça

produzindo e divertindo-se com a aprendizagem”. Ante a evidência do conceito sociológico nem precisaria solicitar sua contribuição para compreender a validade e

ousadia da professora Dalila Ferreira de Jesus Santos nessa tarefa. Trata-se de

estimular seu trabalho ao observarmos que tirou os alunos do confinamento da sala

de aula para lhe oferecer nas calçadas e praça de Santa Felicidade o ambiente aberto

e criativo, quase como uma diversão, para observar ambientes e comportamentos

geradores da inspiração para compor um texto atraente e vivenciado.

Minha intervenção nesse tema não decorre de solicitação da professora, mas de

atitudes de alunos que mencionaram espontaneamente a iniciativa e descreveram-me

a intenção de seus textos, a partir de observações, mesmo que fosse o

comportamento de um transeunte, ao atirar um bituca ou guimba de cigarro ao chão

frente à expressão incomodada de uma senhora ao presenciar a atitude.”

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997

COSSOM, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009

COSTA, Marta Morais da. Mapa do Mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Editora

Leitura, 2006

DCE. Diretrizes Curriculares Estaduais: Língua Portuguesa. Curitiba: Imprensa Oficial, 2006

46p.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 46. ed. São

Paulo: Cortez, 2005

MARQUESI, S.C Lendo crônicas: perspectiva para a formação de leitores críticos. In:

ANDRADE, C. A. B.; ROSSATO, e. (Orgs). Prática de Escrita: A Crônica- um estímulo à

percepção e à criatividade. São Paulo: Andross, 2005

MELO, José Marques. A opinião no jornalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1985

MOISÉS, Massaud. A criação Literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2003

MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, 1983

OLIVEIRA, José Fernandes. Melhores filhos, melhores pais. São Paulo: Universo dos Livros,

2012. 304p.

PENNAC, Daniel. Como um romance. São Paulo: Rocco, 1996

PRATA, Mario. 100 Crônicas. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997SABINO, Fernando. A

Companheira de Viagem, Editora do Autor – Rio Janeiro, 1965, p. 174

SANT'ANNA, Afonso Romano. Ler o Mundo. São Paulo: Globo, 2011

SABINO, Fernando. A Companheira de Viagem, Editora do Autor – Rio Janeiro, 1965, p. 174.

Referências on line

Entrevista com o basqueteiro Wanderson Geraldo: Publicado em TV Brasil

http://tvbrasil.ebc.com.br acesso em 07/07/2014 -

Entrevista Afonso Romano de Sant Ana

http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteúdo/conteudo.php?conteudo=329 (acesso em

21/04/2013)

Crônica: “Laranjas de ontem e hoje:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult505u159.shtml

Vídeo da crônica: “Ultima crônica” de Fernando Sabino (acesso em 27/11/2013)

http://www.portugues.seed.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=17670

Crônica: “Nós que matamos Tim Lopes” Affonso Romano de Sant Anna (acesso em

27/11/2013)

http://www.umacoisaeoutra.com.br/cultura/affonso3.htm

Site do cronista Carlos Heitor Cony

http://www.carlosheitorcony.com.br/ (acesso em 14/11/2013)