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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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COZINHA NOBRE: A FEIJOADA “AFRICANA” NO BRASIL

GAFFO, Rosimeire Aparecida1

IVANO, Rogério2

RESUMO

Este trabalho foi desenvolvido com os educandos do 8º ano do Colégio Estadual do

Campo José Martí – Ensino Fundamental e Médio, localizado em um Assentamento

de Reforma Agrária no município de Jardim Alegre, norte do Paraná. Ele teve como

objetivo principal levar os educandos a compreenderem as relações históricas da

sociedade brasileira, principalmente as originadas no contexto da escravização dos

africanos. Entre as várias heranças formadas por essa presença, uma das mais

significativas está na culinária, formada por hábitos e saberes de negros, índios e

brancos, que pode ser observada na feijoada, prato celebrado como símbolo da

identidade cultural do país. No entanto, a feijoada é mais complexa que essa

identificação, pois resulta de elementos de cruzamentos diversos. Diante deste

contexto, o trabalho também teve por finalidade não só despertar nos educandos a

curiosidade em relação à forma como a cultura africana contribui para a formação do

que é o Brasil hoje, mas também fazê-los refletir sobre as conflituosas relações

culturais, sociais e econômicas que ainda persistem entre nós.

Palavras-chaves: Alimentação; Identidade; Cultura.

1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná de2014. E-mail:

[email protected] 2 Graduação em História pela Universidade Estadual de Londrina (1993), Mestrado (2000) e

Doutorado (2005) em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina/UEL. E-mail: [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade marcada pelo preconceito e a

discriminação, sobretudo do que é originário da África. Isto ocorre devido as

circunstâncias em que o negro foi trazido para o Brasil e as diversas maneiras

que teve de se sujeitar para poder sobreviver. Mas mesmo liberto, nem o

governo nem a sociedade tiveram preocupação em criar condições dignas de

trabalho, educação e saúde, fato que fez com que os mesmos voltassem a

trabalhar e viver de forma desumana. Diante deste contexto, que ainda

persiste, cabe à escola desenvolver atividades em sala de aula que mostre

para os alunos não só as influências, mas a importância das culturas e saberes

originárias da África para a formação do que é o Brasil. A humanidade é uma

só, com suas diferentes histórias, encontros e desencontros.

O trabalho desenvolvido teve como meta partir da realidade de cada

aluno para entender como acontece a influência de uma sociedade sobre outra.

Isso de deu através da observação das residências de todos os alunos, bem

como de hábitos alimentares. O alimentar-se pode ser revelador de uma série

de conjunturas sociais, econômicas, educacionais, nutricionais e culturais.

Alimentar-se é fruto de saberes, de heranças, de incorporações e também de

desconhecimento.

As atividades tiveram início com uma breve pesquisa sobre o dia a dia

dos alunos do 8º Ano do Colégio Estadual do Campo José Martí, que se

localiza em um Assentamento da Reforma Agrária no município de Jardim

Alegre, Paraná. Baseado na própria permuta de informações, visto que temos

uma diversidade de educandos oriundos de quase todas as regiões brasileiras

e até mesmo do Paraguai, o intuito foi a compreensão de como ocorreu a

miscigenação da culinária até chegar ao que temos hoje.

O projeto foi bem aceito pelos professores, equipe pedagógica e direção

do colégio, bem como pelos professores que fizeram parte do Grupo de

Trabalho em Rede – GTR, desenvolvido no terceiro período do programa PDE.

Como dito acima, o objetivo principal foi, a partir do cotidiano dos educandos,

fazer com que conhecessem e reconhecessem como a cultura africana está

impregnada e transformada na nossa sociedade, embora muitas vezes passe

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despercebida. Este ponto é um grande desafio para a escola e principalmente

para os educadores de história, isto é, valorizar no dia-a-dia as heranças e

dinâmicas culturais dos diferentes grupos sociais que forma a sociedade

brasileira.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nos séculos iniciais da História do Brasil, o campo dominou a cidade. As

atividades agrícolas e extrativas foram mais importantes que as atividades

urbanas. O que cabe ressaltar é que a maior parte do trabalho forçado, seja no

campo ou na cidade, era realizado pelo negro africano que foi trazido para o

Brasil na condição de escravo. Inclusive, tanto nas casas das fazendas como

nas casas das cidades os criados eram escravos, pois, para os brancos

colonizadores, o próprio trabalho era considerado humilhante. O padre Antonil,

que viveu no Brasil no início do século XVIII, descreve bem esse período,

relatando que os escravos eram “os pés e as mãos do senhor”, pois, dava

sustentabilidade a toda riqueza adquirida.

Desta maneira, não podemos ignorar a história do povo negro, sua

colaboração no que é o Brasil hoje. No entanto, esse reconhecimento ainda

necessita ser realizado, pois as heranças e conflitos dessa história ainda não

foram devidamente compreendidos e valorizados pela sociedade brasileira, que

continua a reproduzir uma ordem social e étnica escravocrata. Há uma imensa

tarefa democrática pela frente.

A grande tarefa no campo da educação “há de ser a busca de caminhos e métodos para rever o que se ensina e como se ensinam, nas escolas públicas e privadas, as questões que dizem respeito ao mundo da comunidade negra. A educação é um campo com sequelas profundas de racismo, para não dizer o veículo de comunicação da ideologia branca” (ROCHA, 1998, p. 56)

Para tentar rever esta disparidade entre negros e brancos foi alterada a

Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 para a Lei 10.639 de 9 de janeiro de

2003, através da qual se torna obrigatório a inclusão de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana nos Currículos da Educação Básica, cabendo às escolas a

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responsabilidade de enfrentar os estereótipos e preconceitos que foram

impregnados na sociedade brasileira desde o início da colonização até os dias

atuais.

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná

(PARANÁ, 2008) ressaltam a finalidade da História como a superação das

carências humanas e a formação do pensamento através da produção do

conhecimento, que é adquirido a partir do momento em que existem várias

explicações e interpretações de um determinado fato, e que pode sofrer

alterações nos diferentes contextos de espaço-tempo. A Nova História,

corrente teórico-metodológica de origem francesa, propicia novas abordagens

e amplia os horizontes historiográficos a partir do reconhecimento de diversas

fontes históricas até então não valorizadas.

Por outro lado, segundo os debates pedagógicos recentes, cabe ao

professor conduzir o conhecimento do aluno partindo de sua realidade, do seu

dia a dia, para que o mesmo possa entender como pequenas situações podem

alterar os rumos da “história” e não apenas o que ressaltam muitos livros

didáticos, ou seja, os grandes acontecimentos. Devemos partir do pressuposto

do conhecimento prévio do aluno para a valorização das diferenças e

diversidades das identidades dos grupos que constituem o povo brasileiro. A

disciplina de História deve tentar compreender sentimentos de superioridade e

inferioridade na sociedade e que novas formas de relacionamento entre negros

e não negros sejam estabelecidos.

Sociedade onde pessoas seguem certos valores e julgam as ações humanas dentro de um padrão somente seu. Não se trata mais de algo inerte, mas de uma entidade viva, cheia de auto reflexão e consciência: algo que se soma e se alarga para o futuro e para o passado, num movimento próprio da História (DA MATTA, 2001, p.12)

Desse modo, a nação brasileira não foi construída somente por uma elite

branca que detinha poder político e intelectualidade. Ao contrário, a construção

do que é o Brasil hoje dependeu também dos negros de origem africana que

para cá foram trazidos e que muito contribuíram com seu trabalho e sua cultura

para dar sustentabilidade à ideia de povo brasileiro. Assim, não podemos

apenas estudar o negro visto a partir da escravidão, que deixou marcas

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irreparáveis observadas nos dias atuais. Um exemplo a ser trabalhado na

tentativa de romper com os paradigmas estereotipados é a culinária,

especialmente a feijoada, - visto que ela é considerada um prato símbolo da

nação brasileira -, mesmo se sabendo hoje que também existiu toda uma

camuflagem para que isto ocorresse de maneira que as pessoas não

entendessem o Brasil como um país racista, mas que não deixa de ser

importante para que a partir da culinária possamos analisar a influência dos

africanos no Brasil.

Alimentar-se é um ato vital, sem o qual não há vida possível. Com isso,

o ser humano acaba criando significados para tudo aquilo que é incorporado na

utilização e preparo dos alimentos.

A comida pode marcar um lugar, uma identidade ligada a vários

significados. Podemos observar as cozinhas como um local frequentado

atualmente por todos (e não somente mulheres e empregados), talvez o ponto

mais aconchegante das casas e que permite que cada grupo assinale sua

distinção através do que se prepara para comer. Deste ponto de vista

observamos que no Brasil a influência negra é marcante visto que rompeu

barreiras e se mantém até os dias atuais. O folclorista Câmara Cascudo já

observava:

“A presença europeia de tantos séculos dará matiz sensível na cozinha popular das cidades e grandes vilas africanas. Matiz sensível mas não predominante. Sensível quanto ao emprego de um ou outro condimento, mas ineficiente para transformar ou modificar as bases do cardápio negro inabalável como todo passadio coletivo, natural e congênito como a cor dos olhos” (1988, volume primeiro, p. 194)

Ao pesquisarmos sobre a culinária brasileira nos deparamos com o local

onde os alimentos são transformados em comida: a cozinha. Diferente de

outros países, no Brasil a cozinha é o ambiente que, indiferentemente de seu

tamanho, é o mais frequentado e o mais requisitado, passando também a ser o

local de encontro e desencontros, de afetos e desafetos, de sentimentos e,

acima de tudo, de sociabilidades. Sendo assim, podemos compreender a

riqueza cultural de cada grupo social, pois cada alimento tem um significado

especial para cada um desses grupos que o prepara. E de maneira simplificada

podemos ressaltar que houve muitas trocas de produtos e informações na

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formação da cozinha brasileira, pois, ao se deslocarem de um local para outro,

os grupos levavam suas tendências, ao passo que acabavam incorporando

técnicas e ingredientes utilizados nos novos lugares para onde iam, seja de um

país para outro, ou mesmo dentro do próprio país. Podemos concluir que na

alimentação também ocorreu uma miscigenação.

Com a introdução dos negros africanos na condição de escravos no

Brasil, vamos observar que boa parte dos trabalhos domésticos era por eles

realizada, fato que fará com que ocorra mais ainda um intercâmbio de cultura

entre os povos recém-chegados com os que aqui já habitavam. Um agravante

do sistema escravista é que a alimentação dos escravos é precária, fato que

faz com que eles reinventem novos meios de sobrevivência a partir do que lhes

eram ofertados pelos senhores escravocratas, ou seja, os alimentos que não

serviam para eles era para os escravos uma grande refeição. Câmara Cascudo

(1988, p. 216) relata que “O peixe era alimento preferível nos engenhos, preço

inferior ao da carne, e sempre do gosto da escravaria”.

“Já no Rio de Janeiro a farinha de mandioca figurava inevitavelmente na comida do escravo, ao lado do feijão-preto que assumira realce desde finais do século XVIII. No tempo de [Jean] Debret [viajante e pintor francês] os escravos nas fazendas alimentavam-se com dois punhados de farinha seca, umedecidos na boca pelo sumo de algumas bananas ou laranjas. A alimentação do negro numa propriedade abastada compõe-se de canjica, feijão-preto, toucinho, carne-seca, laranjas, bananas. É permitido, entretanto, ao negro mal alimentado aplicar o produto da venda de suas hortaliças na compra de toucinhos e carne seca. Finalmente, a caça e a pesca, praticadas nas suas horas de lazer, dão-lhe uma possibilidade de alimentação mais suculenta”. (CASCUDO, 1988, p. 223)

A alimentação, de modo geral, era feita de maneira escassa. Os

escravos, para que tivessem uma alimentação mais propicia ao tipo de serviço

que prestavam aos senhores de engenho, tinham que, nas horas de descanso,

buscar alternativas de nutrição, levando em consideração os conhecimentos

que haviam trazido da África tanto quanto com os que adquiriram na “nova

terra”.

Gabriel Soares de Sousa, escrevendo na Bahia, 1570-1587, fala que o escravo já plantava em sua roça frutos e cereais da

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própria preferencia. Modificava, discretamente, o ritmo monótono do cardápio imposto pelo amo. Essa modalidade que se manteve até a abolição, maio de 1888, explica a presença de muita planta africana, obtida sabe Deus como, perpetuado pela simpatia negra no solo brasileiro. (CAMARA CASCUDO, 1988, p. 226).

No Brasil contemporâneo, durante muito tempo a criação da feijoada foi

atribuída aos escravos, porém, estudos recentes comprovam que a mesma

teve influência da culinária portuguesa, que utilizava o cozimento de feijão

branco com algumas carnes e legumes, e do cassoulet francês. A feijoada no

Brasil é considerada um prato característico por unir a gastronomia europeia e

africana, aliada ao feijão preto, que é originária da América do Sul, e que ao

longo do tempo passou por diversas alterações e adaptações.

A cozinha nascida nos engenhos, portanto, tinha muito de indígena, principalmente nos modos de preparo, nos alimentos usados na forma de comê-los, caracterizando-se por uma comida seca, à base de farinha, carne e peixe secos, tubérculos cozidos sem tempero. Mas era uma cozinha feita por negras, que empregavam, por sua vez, outros produtos e temperos diversos dos indígenas, como o coentro e as pimentas encontrados também em suas terras. Todos esses ingredientes, por outro lado, por mais estranhos que fossem, precisavam adequar-se ao paladar português, acostumados a açordas, cozidos e comidas com muito caldo. (PINTO E SILVA, 2005, p. 42).

Sendo assim, podemos perceber que a alimentação era precária e ao

mesmo tempo semelhante tanto para os negros como para os senhores de

engenho, embora os negros precisassem de uma alimentação adequada para

aguentarem o trabalho que exigia muito esforço físico. Quer dizer, a feijoada

que temos nos dias atuais sempre foi um prato saboreado inicialmente pela

elite colonial e não pela classe mais pobre e escravizada. É nesse sentido que

a feijoada, ao contrário do que popularmente se diz, é um prato que é derivado

da mesa dos nobres, de suas técnicas de preparo e cozimento, mas que foi

reinventado na cozinha onde os escravos trabalhavam. Não se trata de restos

e sobras de alimentos, mas uma composição de tradições e novidades, na qual

as trocas culturais e as possibilidades locais se desenvolveram.

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3. METODOLOGIA: DESENVOLVIMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO

A proposta de Intervenção Pedagógica “Cozinha Nobre: A feijoada

“Africana” no Brasil” foi aplicada aos educandos do 8º ano do Colégio Estadual

do Campo José Martí – Ensino Fundamental e Médio, localizado no

Assentamento 8 de Abril, município de Jardim Alegre, Paraná, durante o ano

letivo de 2014.

Para que o educando alcançasse o objetivo central do projeto foi

necessária a realização de algumas atividades, tais como: questionários, aulas

dialogadas, aula com vídeo, confecção de mapas e cadernos de receitas,

preparo da feijoada, que envolveram os educandos no processo ensino-

aprendizagem, despertando nos mesmos o interesse e a compreensão da

importância da herança cultural africana para a sociedade atual.

Cabe ressaltar que para que o projeto tivesse o resultado almejado se

fez necessário que os educadores das disciplinas de geografia, ciências e arte,

equipe pedagógica e direção do colégio também contribuíssem de acordo com

cada especificidade, e o fizeram sem medir esforços por acreditarem que o

trabalho coletivo propicia maior desenvolvimento dos educandos.

A proposta de implementação do projeto teve início com a apresentação

da mesmo ao coletivo do colégio durante reunião pedagógica no início do ano

letivo. Em seguida, foi apresentado aos educandos do 8º ano “A” do período

matutino, que acolheram a proposta com entusiasmo por se tratar de um tema

que esta em evidência na atualidade e que ao mesmo tempo causa certos

embaraços em determinadas situações.

3.1 AÇÕES EXECUTADAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO

Atividade 01 – Questionário Investigativo

Partindo do pressuposto de que para um aprendizado consistente é

necessário ter como base o cotidiano do educando, foram elaboradas questões

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referentes ao tema proposto no projeto, como por exemplo: Qual espaço de

sua casa é mais frequentado pelos familiares com as seguintes alternativas:

cozinha, sala, quartos, garagem/área, quintal/jardim; Após assinalar a questão

acima, justifique sua resposta; Faça um esboço (desenho) de sua casa; Que

tipo de alimentação é a mais comum em sua casa; Você acredita que a

alimentação preparada em sua casa tenha sido influenciada por outras

pessoas ou culturas? Justifique; De que maneira você acredita que os negros

influenciaram na cultura alimentar brasileira. Tais questões serviram para um

levantamento prévio da turma no que diz respeito às questões afro-brasileiras e

também alimentares.

O objetivo desta atividade também era a de perceber se o educando tem

a sensibilidade de relacionar fatos ocorridos na história do Brasil com a sua

própria história.

Atividade 02 – Retrospectiva Histórica

Para que o aluno entendesse o conteúdo que o educador estava se

propondo a ensinar foi necessária uma retrospectiva histórica de como os

africanos foram trazidos e em que condições foram mantidos no Brasil como

escravos. Para isso, o educador, através de tópicos temáticos, de maneira

resumida explicou aos educandos o motivo pelo qual é fundamental o

conhecimento histórico para o reconhecimento da história individual e social de

cada um. Essas aulas foram expositivas e dialogadas, e preparadas no Power

Point com os tópicos a partir dos quais o educador fez seu relato histórico,

além da utilização de ilustrações/imagens para firmar a atenção dos educandos

ao conteúdo que foi abordado.

Para que os educandos compreendessem melhor o conteúdo foi

passado o filme “Amistad” (1997) de Steven Spielberg, que baseado em fatos

reais, relata o drama de um grupo de africanos que foram escravizados.

Durante a viagem para a América se rebelam e tomam posse da embarcação,

porém são levados aos Estados Unidos e julgados como assassinos e

colocados em uma prisão. No filme, compreende-se que a luta pela liberdade

desse grupo de pessoas escravizadas passa a ser a luta pela defesa dos

direitos humanos.

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Atividade 03 - Lei Eusébio de Queiróz

Após a retrospectiva histórica relando os motivos que fizeram com

milhares de pessoas fossem trazidas e mantidas no Brasil como escravas, foi o

momento de trabalhar a Lei Eusébio de Queiróz, que foi uma modificação que

ocorreu em 1850 na legislação escravista brasileira. Tal modificação proibia o

tráfico escravos para o Brasil. Ela não surtiu efeito imediato, porém, com o

tempo provocou uma permuta de escravos entre as regiões brasileiras. Essa

permuta promoveu um intercâmbio na alimentação, que pode ver observado

até os dias atuais, como por exemplo: a presença, em variados pratos e

regiões, do leite de coco, da pimenta malagueta, do milho, do feijão preto e das

carnes salgadas e curadas. Esta atividade foi preparada através de aulas

expositivas no Power Point, com várias ilustrações sobre o assunto.

Trabalhar a Lei Eusébio de Queirós foi importante para que os

educandos compreendessem porque os escravos foram ao longo do processo

escravista sofrendo permutas e que essas influenciaram e influenciam até os

dias atuais os hábitos alimentares e a cultura brasileira de maneira geral.

Atividade 04 – Trabalho em Grupo

Nesta atividade os educandos foram separados em grupo pelo educador

e lhes foram apresentadas diversas atividades relacionadas ao conteúdo

trabalhado como, por exemplo: questões objetivas, cruzadas, questões

dissertativas e caça-palavras.

Tais atividades tiveram como base a chegada dos portugueses no Brasil;

cultivo da cana de açúcar; mão de obra utilizada no cultivo da cana de açúcar;

influência da Inglaterra sobre o fim do tráfico negreiro; Lei Eusébio de Queiróz

e permutas de escravos pelas demais regiões brasileiras.

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Atividade 05 – Origem do Samba

Esta atividade teve como objetivo fazer com que os educandos, de

maneira prazerosa, analisassem letras de músicas, como por exemplo: “A

comida da Filó” e “Batuque na Cozinha” de Martinho da Vila e “Goiabada

Cascão” de Beth Carvalho, que retratam mudanças e permanências na

culinária brasileira.

Esta atividade era para ser desenvolvida no laboratório de informática,

porém, como o colégio esta funcionando nas instalações que recentemente

foram inauguradas, a internet ainda não estava disponível. Para que o objetivo

do trabalho não tivesse lacunas, foram impresso diversos documentos

complementares que abordam a origem do samba para que os educandos

pudessem fazer a pesquisa em sala de aula.

Atividades 06 – Confecção do Caderno de Receitas

Os alunos, com o auxílio dos educadores de Geografia, aprenderem a

localizar no mapa as regiões onde mais se utilizou a mão de obra escrava; de

Ciências, trabalharam a tabela alimentar, que ressaltou a importância dos

alimentos; e de Artes, elaboraram a capa do caderno de receitas com

desenhos que retratam a arte africana. Esta atividade foi desenvolvida de

maneira interdisciplinar, na qual os educandos tiveram aulas expositivas e

dialogadas, bem como realizaram pesquisas com materiais complementares

para terem conhecimento de como nossa culinária passou e passa por

influências as mais variadas possíveis. Depois de feita a pesquisa, cada

educando elaborou um caderno de receitas, que foi entregue às mães, pois a

apresentação do projeto para a comunidade coincidiu com o Dia das Mães.

Atividade 07 – Pesquisa sobre a Origem da Feijoada

Esta atividade tinha como objetivo central a pesquisa no laboratório de

informática, o que não oi possível pelos mesmos motivos acima citados.

Porém, a pesquisa ocorreu em material complementar impresso que a

educadora levou à sala de aula. Através destas pesquisas os educandos

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puderam entender que tanto os escravos como os senhores não tinham tantas

regalias. E assim como nos dias atuais, em que preparamos diversos pratos

influenciados por outros, a feijoada também foi um prato que teve por base

outros pratos de origem portuguesa (cozido), francesa (cassoulet), espanhola

(puchero) e italiana (casoeula).

Depois da pesquisa em sala sobre a origem da feijoada e também dos

ingredientes que compõem a mesma, os educandos realizaram outra pesquisa;

esta, porém, foi diferente e atrativa para eles, pois fomos até um supermercado

da cidade para comprarmos os ingredientes para fazer uma feijoada.

Analisando os preços de cada ingrediente, eles compreenderam que não é um

prato que pode ser preparado por todos nos dias atuais. Quer dizer, a

“nobreza” da feijoada também esta relacionada à capacidade econômica.

Atividade 08 – Apresentação à Comunidade Escolar

Para que a comunidade escolar se sentisse atraída em conhecer o que

foi trabalhado com os educandos, foi preparada uma feijoada para ser servida

após a apresentação do trabalho. A feijoada foi preparada pela educadora

juntamente com os educandos, que puderam perceber os aromas que a

mesma exala durante o seu preparo.

Todas essas experiências foram relatadas pelos educandos durante a

apresentação para a comunidade escolar. Em seguida, foi o momento de

presentear as mães com um caderno de receitas afro-brasileiras. Depois de

realizadas as etapas de apresentação, a feijoada foi servida a todos, e como a

comunidade escolar é uma comunidade dinâmica, tivemos uma roda de samba

composta por educandos, educadores e pais de alunos. A feijoada foi servida

para todos os educandos e comunidade escolar.

O interesse nos permite afirmar que, em uma próxima atividade, ao

invés de servir somente a feijoada, podemos servir vários pratos que são

originários das tradições e saberes africanos, e que muitos de nós conhecemos

apenas os nomes, ou por nomes e modos de preparo diferentes.

Atividade 09 – Avaliação

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A avaliação ocorreu durante toda a implementação do projeto. Foram

realizadas análise de imagens, trabalhos com mapas, discussões em grupos,

interpretação de textos informativos e interpretação de trecho de filme e

música.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O questionário investigativo foi respondido por vinte e dois educandos do

8º ano do Colégio Estadual do Campo José Martí – Ensino Fundamental e

Médio. Essa atividade teve como objetivo realizar uma sondagem prévia sobre

como são os hábitos alimentares dos educandos e se os mesmos entendem a

influência da cultura africana na alimentação e no seu cotidiano.

As primeiras questões indagavam sobre os espaços da casa que são

mais frequentados pelo educando e sua família. Dois espaços foram os mais

indicados: a sala para assistir TV e ficarem em silêncio e a cozinha, que é o

local onde eles podem se alimentar e conversar.

Quando questionados sobre o tipo de alimentação mais comum em suas

casas, os educandos destacaram alguns pratos como: quibebe, sopa

paraguaia (espécie de bolo de milho salgado), feijão preto, pamonha, canjica,

doce de abóbora, porém, não tinham conhecimento da influência africana, pois

relataram que eram “receitas da Vovó”, não conseguindo compreender as

origens das mesmas.

Sobre a questão específica que indagava sobre a influência dos

africanos na cultura alimentar brasileira e no seu cotidiano, foi até difícil de

acreditar em suas respostas, pois até mesmo os que são afro descendentes

não se consideram como tal. Ficou evidente que os educandos, assim como

muitas pessoas na nossa sociedade, não se consideram descendentes dos

africanos por associar a esta etnia um passado de escravidão e massacres, e

que ainda hoje são observados como desprezíveis.

Quando me propus a realizar este trabalho acreditava que na escola

seria diferente, por se tratar de uma escola de assentamento rural, e que não

existissem tantas discriminações. Mas quando comecei a trabalhar tentando

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mostrar todas as heranças deixadas pelos africanos, percebi que os educandos

não se aceitavam como descendentes.

Conclui então que embora existam muitos discursos inflamados

relatando sobre uma possível democracia racial, ainda demanda muito tempo e

esclarecimento das pessoas, começando por nós educadores. Pois, por mais

preparados que somos ou às vezes pensamos que somos, quando nos

deparamos com situações como a que enfrentei, nos sentimos impotentes e

sem ação.

Através deste trabalho ficou explícito que a herança cultural africana no

Brasil ainda não ocupa uma posição de igualdade com as demais, por isso que

para o educando é tão difícil se aceitar como descendente africano. É muito

importante um repensar dos conteúdos que estão sendo trabalhados, assim

como também a postura que esta sendo tomada, pois se observa que fomos e

somos influenciados pela educação, pela mídia, e toda essa influência demora

muito para ser erradicada.

Não se trata apenas de criar leis, mas sim de eliminar atitudes de

preconceitos e investir em uma educação que valorize todas as matrizes que

formaram o Brasil, e não apenas uma educação que tenta mostrar as injustiças

cometidas sobre os negros ou a África como um país pobre, de miséria.

Podemos destacar que a exclusão social, a discriminação tornam as pessoas

incapazes de terem uma vida digna. Diante deste quadro percebemos que para

erradicar o problema de escravidão na contemporaneidade estão faltando no

Brasil políticas que proporcione uma Educação de qualidade, empregos e

reforma agrária. Esse tipo de escravidão é mais desgastante e cruel que a

observada nos primórdios, pois gera violência, desrespeito, violação dos

direitos humanos, liberdade condicionada, péssimas condições de trabalho,

entre outras caraterísticas que são causadas pela impunidade.

5. ESPAÇO VIRTUAL- GTR: INTERAÇÃO DO PROJETO DE

INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA COM PROFESSORES DA REDE

ESTADUAL DE ENSINO

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No terceiro período de atividades realizadas pelo professor PDE/PR –

Programa de Desenvolvimento Educacional ocorreu o Grupo de Trabalho em

Rede (GTR), que teve como finalidade promover a interação dos professores

da rede pública que se interessam pelo tema proposto dentro da linha de

estudo, que é: Diálogos curriculares com a diversidade.

No desenvolvimento do curso os professores interagiram com os

colegas e comigo discorrendo sobre o tema proposto, bem como relatando

suas frustrações e seus anseios quanto a trabalhar com a cultura africana em

sala de aula. Relataram que no cotidiano das escolas se observam discursos

calorosos sobre a importância da cultura africana para a formação da

sociedade brasileira, porém, os mesmos educadores que promovem este tipo

de atividade sem perceber acabam cometendo ações que demostram um

distanciamento entre teoria e prática. Também destacaram que é constante em

sala de aula comentários entre os próprios alunos que destroem tudo o que o

professor tentou falar através de suas aulas. Neste contexto fica explícito que é

necessário trabalhar a importância da cultura africana no Brasil, porém essa

temática é uma necessidade recente nos currículos escolares, antes não havia

necessidade de prioriza-la, e os educadores não tiveram formação acadêmica

e muito menos capacitação para trabalhar a diversidade cultural, e assim com

os educandos sofrem a influência do meio em que vivem.

Todos os cursistas tiveram espaço para exporem suas reflexões e após

todas as etapas do GTR terem sido cumpridas, concluiu-se que grande parte

dos professores aplicaria o projeto em suas escolas por perceberem a

importância de se trabalhar o tema com aulas dinâmicas que envolvam os

educandos e que as mesmas tenham relevância para a formação do indivíduo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta Unidade didática foi fundamentada na ideia de que todo

conhecimento deve partir da realidade do educando, e que os mesmos,

levando em consideração a luta que tiveram e tem para se manter na terra,

pudessem valorizar a herança cultural das matrizes africanas que formam a

Page 17: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA ......1. INTRODUÇÃO Vivemos em uma sociedade marcada pelo preconceito e a discriminação, sobretudo do que é originário da África

diversidade cultural brasileira e que tivessem uma visão mais contextualizada

da própria história.

Um dos objetivos desse projeto foi o envolvimento dos educandos

através da curiosidade com relação a tudo que é originário dos afro-brasileiros

e africanos. Trabalhamos uma ressignificação, um novo olhar e a compreensão

de que pequenas ações de combate ao preconceito e à discriminação poderão

representar no futuro grandes passos rumo à democracia racial.

Percebendo a importância de se trabalhar o tema com os educandos

para vencer as resistências dentro e fora do contexto escolar se torna

necessário uma nova metodologia que enfatize as realizações marcantes da

cultura africana e não só apenas priorize os aspectos negativos que despertam

nos educandos sentimentos de compaixão, pena. Diante do envolvimento dos

educandos e da comunidade escolar neste projeto foi proposto que nos

próximos anos se torne uma constante a realização de atividades que

enfatizem aspectos positivos da cultura africana em nosso meio, pois como

seres humanos temos uma facilidade para nos assemelharmos a tudo o que é

bom e bonito. Só assim as visões equivocada sobre o negro e tudo o que é

proveniente de sua cultura poderão ser desmistificadas.

7. REFERÊNCIAS

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná. Disciplina História, Secretaria de Estado da Educação, Curitiba, 2008. VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. DA MATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. CÂMARA CASCUDO, Luis. História da Alimentação no Brasil. Primeiro Volume. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1988. ROCHA, José Geraldo da. Teologia e Negretude. Santa Maria, Pallotti, 1998. PINTO E SILVA, Paula. Farinha, feijão e carne-seca – Um Tripé Culinário no Brasil Colônia. São Paulo:Editora Senac, 2005.