os conflitos interpessoais na escola e a aprendizagem da...
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Os conflitos interpessoais na
escola e a aprendizagem da
convivência
Telma Vinha
Faculdade de Educação – Unicamp
Que futuro adulto gostaríamos de
formar?
A formação de pessoas autônomas e que
resolvam seus conflitos por meio do
diálogo, está sempre presente nos
objetivos dos professores, nos projetos
pedagógicos das escolas...
• Percepção de um aumento dos conflitos
interpessoais nas escolas – por educadores,
alunos e pais (Leme, 2006; Biondi, 2008)
• tema recorrente na mídia, em reuniões de
estudo e de formação de professores
Perguntamos aos educadores: quais as maiores
dificuldades presentes no cotidiano escolar?
10,17%
48,31%
12,71%12,71%
16,10%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%Ausência de Dificuldades
Indisciplina, agressividade e violência
Relação entre família e escola
Falta de interesse
Dificuldades associadas à metodologia
e/ou preocupação do professor em se
fazer entender
Figura 1: Dificuldades apontadas pelos professores no cotidiano na escola. Tognetta et all, 2010
• O conflito é visto como algo antinatural
• construtivismo: conflito é necessário ao
desenvolvimento
• restrição aos atos e não aos sentimentos
• autorregulação, descentração,
coordenação de perspectivas,
aprendizagem valores e regras
• ênfase no processo
• conflito “pertence” ao envolvido
Charlot (2002) - destaca três tipos diferentes de
violência:
• a violência na escola, aquela que se produz na
instituição como resultado da violência que existe fora
de seus muros
• a violência da escola
• uma violência institucional, simbólica, que os próprios
jovens suportam por meio da maneira como a instituição
e seus agentes o tratam:
• modo de composição das classes, de atribuição de notas,
de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos
injustos, regras abusivas...
• a violência à escola, aquela dirigida diretamente à
instituição e aos que a apresentam
• pesquisas indicam que não há aumento da
incidência de violência “duras” (aquelas que são
reguladas pelo código penal) entre os alunos
• ações que atacam a lei com uso da força ou
ameaça usá-la: lesões, extorsão, tráfico de droga
na escola, agressões físicas, furto
• porém, há o crescimento de pequenas infrações,
agressões, insultos, desrespeito, desobediência às
normas, ou seja, principalmente “incivilidades”
(La Fábrica do Brasil, 2001; Nakayma,1996; Leme, 2006; Debarbieux, 2006;
Lucatto, 2012; Ramos, 2013).
Violência escolar
• Dados do Ministério da Educação (MEC) tabulados
pela Fundação Lemann e pela Meritt Informação
Educacional
• Participantes:
• professores de Língua Portuguesa e Matemática
que dão aulas para alunos de 5º e 9º ano do ensino
fundamental que responderam a questionário
aplicado durante a Prova Brasil
• 2011 - foram 224.743 mil docentes
• 2007 – por volta de 295.000 docentes
• Foram agredidos fisicamente por estudantes dentro de
colégios
• 2011 - 4.195 (1,9%)
• 2007 - 6.677 (2,3%)
• Relataram casos de agressão física contra aluno
cometida por professor na escola em que atuavam
• 2011 - 3.327 (1,5%)
• 2007 - 4.197 (1,62%)
• Relataram que viram alunos frequentaram a escola
portando arma de fogo
• 2011 - 1.929 (0,85%)
• 2007 - 3.247 (1,14%)
• Relataram que houve casos de alunos que entraram
na escola com facas e canivetes
• 2011 - 9.079 (4,04%)
• 2007 - 14.855 (5,17%)
http://www.qedu.org.br/
• Existe sim violência escolar, mas em menor
numero do que o alardeado
• Debarbieux - a violência desorganizadora
surge do “inesperado”
Incivilidades
são as microviolências ou as pequenas agressões do
cotidiano que se repetem constantemente, tais
como:
andar pela sala, incomodar os outros, cochichar, falta
de pontualidade, conversa a margem do que se está
tratando em classe, entretenimento com objetos
impróprios para atividade e momento,
comportamentos irritantes, desordem, enfrentamento,
indelicadeza, barulho, impolidez, apelidos,
zombarias, grosserias, empurrões, levantar, empurrar,
jogar objetos, gargalhar, gritar, demonstrar
indiferença, brincadeira, interrupções...
São atentados cotidianos e recorrentes ao direito
de cada um se ver respeitado ou pequenas
infrações à ordem estabelecida, tais como a falta
de polidez, as transgressões dos códigos de boas
maneiras ou da ordem, diferenciando-as de
condutas criminosas ou delinquentes
a incivilidade não contradiz, nem lei, nem o
regimento interno do estabelecimento, mas as
regras de boa convivência - rompem com
expectativas do que pode estar sendo esperado
como boa conduta social
“... Essa b... de texto aqui?”
“Tira esta porcaria de mochila daqui”.
(7º ano)
A classe com muito ruído, alunos em pé, gritando, não se
escuta uma conversa em tom mais baixo. A professora
vai andando e segurando os braços dos alunos que
estão em pé, abaixando-os fazendo com que se sentem.
Ela se volta para frente da turma e começa a explicar o
conteúdo e dizer que era para fazer a atividade que
estava colocada na lousa, mas o barulho não permite
que seja ouvida, pouquíssimos alunos prestam atenção.
Profª: - Gente, vamos sentar, vamos sentar...
Ninguém a ouve. A classe continua no maior barulho.
Duas alunas se aproximam da professora para
perguntar se a proposta era para ser realizada em
dupla ou individualmente. Ela responde para todos da
classe:
Profª: - Gente, tá escrito na lousa, vocês sabem ler!
Alguns alunos jogam pedacinhos de papel nos outros
colegas. Apesar de ver a brincadeira, a professora
não realiza nenhuma intervenção. Quando os
alunos querem pedir licença para os colegas para
ver o que está escrito na lousa. Gritam:
- LICENÇA!
Ninguém escuta o pedido destes alunos sobre sair da
frente da lousa, ou se os ouvem, ignoram. A maioria
não faz atividade, continua conversando e
brincando com o colega ao lado.
Transgressão
• é o comportamento contrário ao regulamento
interno da escola (mas não ilegal do ponto de vista
da lei):
• abstenção, uso de celular, ficar fora da sala,
cabular aula...
Bullying
• Possui 5 características principais:
• ocorre entre pares – desigualdade de poder
• há intenção do(s) autor(es) em ferir
• são atos repetidos contra um/mais constantes
alvos
• há uma espécie de concordância no alvo sobre o
que pensam dele (por isso há crianças obesas que
são alvos e outras não)
• há um público que prestigia as agressões (os
ataques de bullying são escondidos dos adultos,
mas nunca dos pares)
Pesq.: Você disse que não gosta de algumas coisas na sua sala, o que você
não gosta?
Aluno: Alguns alunos ficam me xingando, outros ficam me batendo, dando
“esses”... como se fala, que a pessoa cai?
Pesq.: Rasteira?
Aluno: Rasteira, isso, exato! Aí a gente cai, ficam xingando, batendo na
gente, entra na sala enchem o saco e a gente não consegue fazer a lição.
Pesq.: E eles xingam de quê?
Aluno: Ah... de gay filho da puta.
Pesq.: E o que você faz quando eles te xingam?
Aluno: Eu falo que vou falar pra coordenadora, eles me ameaçam... então a
gente fica com medo porque a mãe não tem tempo de vir aqui, né?
Pesq.: Como você se sente na hora que te xingam?
Aluno: Ah eu me sinto muito “ruim” porque as pessoas não tem educação
pela gente. Eles querem “se achar” só porque são mais velhos que a
gente... mais maiores né?
(aluno do 7º ano)
Lucatto, 2012
Indisciplina
• são ações e situações variadas, mas que compartilham
alguma forma de desordem nas relações pedagógicas,
capazes de interferir nas condições de aprendizagem
• está relacionada a ruptura do contrato social da
aprendizagem (Garcia, 2006)
• tanto pelo aluno quanto pelo professor
• a indisciplina atravessa a relação professor-aluno
• não engloba somente uma questão de comportamento - o
“bom comportamento” nem sempre é sinal de disciplina,
pois pode indicar apenas uma adaptação aos esquemas da
escola, simples conformidade ou mesmo, apatia diante
das circunstâncias
Em geral encontra-se na escola (e em muitas
pesquisas):
• a indisciplina é tudo aquilo que incomoda o
professor
• só é considerado “disciplina” quando o professor
está desimpedido para “ensinar o conteúdo”
• Estudos demonstram que os educadores se sentem
intimidados e desmotivados diante das constantes
situações de indisciplina, incivilidades e conflitos,
além de despreparados para lidar (Tardeli, 2003; Vinha, 2004;
Tognetta & Vinha, 2007)
• A concepção sobre os conflitos do professor e,
conseqüentemente, o tipo de intervenção realizada,
interfere nas interações entre os alunos e no
desenvolvimento socioafetivo dos mesmos
transmitindo mensagens que dizem respeito à
moralidade
Pesquisas sobre os conflitos interpessoais na
escola (Vinha, 2003; Tognetta e Vinha, 2007)
Independente do tipo de conflito ele é visto como
algo antinatural
“paz é ausência de conflitos”
Esforços em três direções: conter, evitar e
“ignorar”
Daiane começou a brigar na sala de aula
com o Jorge porque ele a chamou
novamente de “cabelo de cerol”.
- Um estava dando tapa no outro, a
professora foi separar, recebeu um tapa
sem querer da Daiane. Então ela foi
suspensa. Afinal, bateu na professora!
Lucatto, 2012
conflitos entre pares:
“brincadeiras da idade”
quando os conflitos (mesmo desrespeitosos)
são vistos como “incivilidades” poucas vezes
são feitas intervenções
(7º ano)
A professora de Matemática começa a aula dizendo que está sem
paciência. Os alunos estavam conversando alto e continuam.
Enquanto coloca uma atividade na lousa, dois alunos começam a
brincar de dar tapas um no outro. Eles dão risadas. De repente um
deles começa a dar canetada na cabeça do outro que diz para
parar. O colega não pára e por fim desfere um tapa no olho do
outro. O colega que recebeu o tapa diz: “me deixa quieto” e
abaixa a cabeça. O agressor se afasta e muda de lugar. Os colegas
que presenciaram dizem:
- Oh, professora, ele deu um tapa no olho dele, é sério!
A professora responde:
- Eles não estavam se provocando lá embaixo? Agora que se virem!
E continua a aula normalmente. O aluno que recebeu o tapa ficou
com o olho vermelho e em silêncio, cabisbaixo, durante toda a
aula.
...um aluno passava e puxava o lápis do colega, dando, em
seguida, um tapa em sua cabeça – (7 º ano). Depoimento:
Às vezes o pessoal começa a fazer a lição aí passa um aluno
correndo, esbarra nos cadernos e aí risca tudo. Dependendo do
que você estava fazendo tem que começar tudo de novo, como
aconteceu comigo, teve uma vez que eu estava fazendo lição na
sala de aula, aí um aluno saiu correndo, e aí foi com tudo com a
mão na minha mesa e eu estava bem no fim já. Aí falei pro
professor:
- Oh ele riscou.
Meu colega respondeu:
- Foi sem querer...
Professor não disse nada.
Aí, eu tive que fazer outro que valia nota.
Lucatto, 2012
• Há tipos diferentes de conflitos interpessoais, com
naturezas distintas que requerem intervenções
também diferenciadas: violência, bullying,
transgressões, incivilidades, indisciplina*, etc.
• independente do tipo de conflito em geral são todos
tratados como (Lucatto, 2012; Licciardi, 2010; Ramos, 2010, Tognetta,
2010):
• “indisciplina” – no sentido de atrapalhar o equilíbrio
da classe e o trabalho com conteúdos (contidos)
“Aqui nesta sala não se fala palavrão! Sua mãe não te
deu educação?”
• incivilidades (ignorados)
(5º ano)
Bom dia mamãe
Por favor conversar com o VIC sobre seu comportamento em
sala pois está brincando na hora de fazer atividades (por
exemplo dando cadernada na cabeça do outro).
Peço sua ajuda e colaboração
Ass. do responsável:________________________
Professora
Bilhete aos pais (Dedeschi, 2012)
• ao visar somente a restauração da harmonia da aula
perdida, o controle da classe ou da sua
“autoridade”, o professor não realiza intervenções
construtivas que auxiliem os alunos a
compreenderem a necessidade do respeito, da
coordenação de perspectiva e sentimentos e do
diálogo na relação entre os iguais.
• com essa atitude, indiretamente, transmite a
mensagem de que o respeito a uma autoridade é
mais importante do que o respeito entre iguais.
Formas de controle diferente nas escolas publicas e
privadas
Ramos, 2010; Dedeschi, 2011; Ferreira e Vinha, 2011
•públicas: indiferença
• incivilidade predomina
•privada: paparicação, excesso de controle
Apesar de intrinsecamente relacionados no cotidiano, a
distinção possibilita intervenções diferenciadas - exemplos:
• briga com agressão física – violência – regulação dos
impulsos (autocontrole) – diálogo - círculos
restaurativos, alunos mediadores
• atrasos constantes – transgressão – conversa individual
– vários alunos: conversa em assembleia
• zoação – respeito - incivilidade – conversa com
envolvidos – grupo: assembleia, tendo o foco na boa
convivência no grupo e contrato social da aprendizagem
• não realização da pesquisa/leitura para trabalho de
grupo - indisciplina - discutir com base no contrato da
aprendizagem (não imposição)
• agressões repetidas contra um aluno – bullying - o olhar
para todos os envolvidos no problema:
• o autor
• ter seus comportamentos sancionados e ser chamado a
reparar
• também precisa de ajuda: não sabe se sensibilizar com a
dor do outro e tem uma hierarquia de valores invertida
• o alvo
• é preciso autorrespeito - precisa de ações que o fortaleçam
• o espectador
• é preciso que se indigne
• ser chamado a participar do problema quando é público
• ter espaços de reflexão para se colocar no lugar do outro.
Jornal Agora São Paulo 10/04/2013
“Crescem casos de violência em escolas estaduais
de SP”
O número de casos de indisciplina, brigas,
vandalismo, furtos, roubos e outros delitos
registrados em escolas estaduais da capital mais
do que dobrou em dois anos. Foram 2.154
ocorrências escolares registradas em 2010,
contra 5.378 casos no ano passado, segundo
dados da Secretaria de Estado da Educação...
http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u1260167.shtml
Pesquisa realizada pela Apeoesp e o Instituto
Data Popular (2013)
• 1.400 docentes de Escolas Estaduais de São Paulo
• Os professores consideram como violência escolar:
• agressão verbal/xingamento 62%
• agressão física 43%
• falta de educação/respeito/valores 33%
• problemas familiares/postura dos pais 20%
• bullying 12%
• mau comport./conflitos entre alunos 11%
• 57% dos professores consideram as escolas em
que atuam um espaço violento
• 95% dos docentes acreditam que os alunos são os
principais autores da violência escolar
(desconsideram a violência da escola)
• A principal causa da violência nas escolas é:
• 74% - a falta de respeito, de valores e de
educação pelos alunos
• 49% - a educação em casa
• 47% - a desestruturação familiar
Estudos sobre a perspectiva dos professores e alunos
sobre os conflitos (Tognetta, Busch,Vidigal, Vinha, 2009; Silva, 2011)
• Estudantes e professores (6º e 9º ano)
• os professores acreditam que frequentemente os
conflitos que ocorrem entre os alunos são
solucionados
• 1/3 dos alunos dizem que muitos conflitos não
são resolvidos
• motivos da não intervenção dos professores
nos desentendimento entre pares (segundo
os alunos):
• desinteresse (“não ligam”)
• “não sabem o que fazer”
• falta de tempo
• conforme vão crescendo os adolescentes
relatam cada vez menos aos adultos os
conflitos que vivenciam entre os pares
• além da vergonha e do receio de serem
censurados ou punidos
• consideram que a forma como os adultos
lidam, em geral, piora o problema, gerando
novos desentendimentos e, não raro,
fazendo com que se sintam expostos, que
decaiam aos olhos dos colegas, provocando
ainda mais vergonha
• A maioria dos jovens consideram que são
frequentes os conflitos com a autoridade (professor, diretor, funcionário)
• a maior parte dos professores considera que
são poucos
• nos conflitos entre adultos e adolescentes:
• os alunos consideram que as soluções são
geralmente unilaterais - satisfatórias
principalmente para apenas um dos envolvidos,
a autoridade
• Tem sido constatado que diante dos conflitos
interpessoais os professores acabam por agir de
maneira intuitiva e improvisada, pautando suas
intervenções principalmente no senso comum
• cada um seu modo utiliza qualquer estratégia que
acredita ser útil para lidar com o problema como:
dar notas baixas, ameaçar, punir, conversar, gritar,
advertir, acusar, censurar, excluir ou até mesmo
ignorar...
• Na prática as intervenções da escola têm surtido
pouquíssimos efeitos
• Os mesmos conflitos ocorrem cotidianamente,
repetem-se ao longo dos meses...
• Não há um planejamento visando a qualidade das
relações interpessoais na escola
• Os educadores parecem não perceber a contradição
entre os objetivos que possuem e a qualidade do
ambiente sociomoral e das intervenções que
predominam nas escolas
• Esses procedimentos em longo prazo trazem
consequências, geralmente opostas as desejadas pela
escola...
O jovem tem apresentado dificuldades para (Rego,
2006; Weber, 2005; Leme, 2006; Vicentin, 2008; Carina, 2008, Menin, 2010)
• emitir opiniões, argumentar e ouvir perspectivas diferentes sem sentir-se ameaçado
• tomar decisões
• identificar e expressar seus sentimentos sem causar dano aos outros
• coordenar perspectivas em ações efetivas
• baixo índice de habilidade social
• resolver seus conflitos de forma cooperativa, respeitosa, justa e satisfatória para os envolvidos
• identificar situações de injustiça
• Dificuldades para utilizar a assertividade como estilo predominante em situações de conflitos
• Deluty - estilos de resolução: submisso, agressivo e assertivo
• a maior tendência é de estilo de resolução submisso
• ex: “não reaja”, “não arranje confusão”; “melhor não dizer nada”
(Leme, 2004, 2006, 2008; Vicentin, 2008; Carina, 2008)
submisso
assertivo
agressivo
submisso/agressivo
assertivo/submisso
assertivo/agressivo
0 10 20 30 40 50 60
%
Estratégias de resolução de conflitos em ambas as
escolas - jovens de 11 e 15 anos de idade - Vinha, Machado e
Massari (2012)
Mais do resolver o problema, deve-se ir além
refletindo profundamente nas causas,
principalmente na qualidade das relações entre as
pessoas na escola, das regras, da forma como se
lidam com os conflitos e do trabalho com o
conhecimento: clima escolar
CONSIDERAÇÕES
Clima escolar (Thiébaud, 2005)
• refere-se às qualidades de vida e de comunicação
percebidas pelos membros uma escola
• corresponde a sua atmosfera, a valores, atitudes e
sentimentos partilhados pelos atores da escola,
assim como a relações sociais e com o
conhecimento
• Essa percepção que os membros da organização têm
de como eles são tratados e os papéis na relação
com os outros é um elemento essencial do bom
funcionamento da escola, influenciando na
qualidade da vida ou da experiência escolar dos
alunos em duas dimensões:
• na aprendizagem/escolarização:
• a motivação, a indisciplina e o rendimento escolar
• na socialização/convivência:
• problemas como os conflitos, a violência física e
verbal entre alunos e entre alunos e professores, o
vandalismo, o roubo, o consumo e venda de
drogas e outros comportamentos de risco
• quando o clima escolar é negativo pode
representar um fator de risco da qualidade de vida
escolar, contribuindo para o sentimento de mal-
estar e favorecer o aparecimento da violência
Janosz, 1998; Thiébaud, 2005; Blaya, 2004; Debarbieux, 2006; Casassus, 2008
O ambiente autoritário, inconsistente ou
omisso, favorece sentimentos de injustiça e
de desrespeito, reações agressivas e
desavenças
Algumas questões são necessárias:
• São comuns situações de desrespeito e
maus tratos entre os alunos?
• Como é a qualidade das relações entre os
professores e alunos?
• Está havendo situações de exposição e críticas
aos estudantes?
• Como a escola tem lidado com os conflitos e
maus tratos?
• Quando os alunos ou adultos se sentem
humilhados, expostos ou injustiçados, quais
espaços possuem na escola para o diálogo, para
colocarem o fato, tendo a certeza de que serão
efetivamente ouvidos e que ações serão tomadas
para restaurar a dignidade, a justiça e o respeito?
É necessário coerência entre os profissionais da
escola com relação a concepção e intervenção nos
conflitos
A qualidade do clima escolar é fundamental para que
estes procedimentos tenham êxito. Para tanto é
necessário:
estabelecer relações de confiança, cooperação e
respeito mútuo (senso de comunidade)
propiciar possibilidades de participação ativa no
conhecimento (experiência de aprendizagem
colaborativa)
oferecer de espaços de participação efetivos
(construção coletiva da organização da convivência na
escola – sentir-se “pertencente”)
É preciso haver também:
clareza e consistências nas regras
• poucas e necessárias
• princípios que as sustentem
• participação dos alunos
clareza, coerência e justiça na aplicação das
sanções (equidade)
• evitar sanções expiatórias
• quando necessário preferir as sanções por
reciprocidade
OS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO
Os oferecimentos de espaços de participação
efetivos visam mediar os conflitos, melhorar o
convívio escolar, favorecer o desenvolvimento da
autonomia e da cooperação, além de prevenir a
violência
os círculos restaurativos (conflitos privados)
as assembleias (conflitos públicos)
Intervenção por meio dos iguais – alunos
protagonistas (supervisionadas): alunos ajudantes,
alunos mediadores...
• Para “melhorar” o problema da violência e
conflitos da escola os educadores sugerem
maior controle, punições e rigor (Malta Campos,
2008; Udemo, 2009)
• 83% defenderam medidas mais duras em
relação ao comportamento dos alunos
• 67,4% disseram que deveria chegar a
haver expulsão de alunos
47% propuseram a contratação de mais
funcionários como inspetores e psicólogos
52% defendem o policiamento intensivo e
permanente
55% sugerem a implantação de projetos de
conscientização e valorização da escola
envolvendo pais, alunos e comunidade em
geral.
Assim, para conter os conflitos:
• aumento de regras, punição e controle
• contratação de mais funcionários
• solicitam o retorno da disciplina de moral/ética
nas escolas
• ética vacina e não remédio – autorregulação
• a escola se isenta de revisão interna – lamenta a
“estrutura” familiar, sociedade, a personalidade
do alunos
Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no
Brasil - (dados de 2008 a 2011)
• 206.000 vítimas de homicídio em 4 anos
• o número de vítimas no Brasil superou os mortos
nos 12 maiores conflitos armados no mundo
entre 2004 e 2007
• ao todo 170.000 mil pessoas morreram nos
confrontos de Iraque, Sudão, Afeganistão,
Colômbia, República Democrática do Congo,
Sri Lanka, Índia, Somália, Nepal, Caxemira,
Paquistão e Israel
http://mapadaviolencia.org.br/mapa2013_jovens.php
• Diferentemente destas regiões, o Brasil não enfrenta
"disputas territoriais, movimentos emancipatórios,
guerras civis, enfrentamentos religiosos, raciais ou
étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas" que
justifiquem o alto número de mortos.
• A dimensão continental do país também não pode
ser apontada como razão para o total de vítimas, já
que "o Brasil, com sua taxa de 27,4 homicídios
por 100 mil habitantes, supera largamente os
índices dos 12 países mais populosos do mundo".
• Uma em cada três mortes juvenis é produto de
disparo de arma de fogo - maior causa de
mortalidade entre os jovens
"A cultura da violência é muito acentuada no
Brasil. A capacidade de negociação dos conflitos é
baixa, a violência é frequentemente usada para a
solução dos problemas. A maioria dos homicídios
no país não está relacionada à droga, e sim a essa
cultura. São crimes banais. E o Estado não
cumpre seu papel de preservar os setores da
sociedade mais vulneráveis: jovens, mulheres,
moradores de periferia."
Waiselfisz (coordenador do estudo)
Causas da violência segundo o Mapa da Violência -
2013
Borges (2011)
• 31 jovens de dois núcleos
• Relatos sobre vítimas de assassinatos que estes
adolescentes conheceram ou ouviram falar
• Obteve 168 respostas diferentes
• 105 vítimas (62,5%) eram conhecidas dos
jovens
• 46 vítimas (27,38%) eram seus parentes
• 14 vítimas (8,33%) eram amigas
• apenas 3 vítimas (1,79%) eram desconhecidas
• É preciso refletir sobre a manutenção deste modelo
de educação que, além de gerar desgastes nas
relações entre professores e alunos, em nada
contribui para que os jovens desenvolvam a
autorregulação moral
• Até quando serão ignoradas estas questões nos
cursos de formação, deixando o professor
despreparado e inseguro para lidar com essas
situações tão presentes em qualquer escola?
Considerações Finais:
• Quando os alunos não podem tomar decisões, nem
mesmo discutir problemas e situações que estão
envolvidos, torna-se mais difícil desenvolver um
sentimento de pertencimento pelo grupo, pelo bem
estar comum, ter um comportamento responsável
• O conflito sempre vai existir... contudo, nas escolas
mais cooperativas, abertas ao diálogo, onde se
estabelece uma relação de respeito mútuo, tais
problemas são lidados de outra forma, reduzindo a
agressividade e favorecendo o desenvolvimento do
autorrespeito e do respeito pelo outro
“O problema não é fazer desaparecer da escola a
agressividade e o conflito, mas regulá-los pela
palavra e não pela violência - ficando bem
entendido que a violência será bem mais
provável, na medida em que a palavra se tornar
impossível.
O que está em jogo é também a capacidade de a
escola e seus agentes suportarem e gerarem
situações conflituosas, sem esmagar os alunos
sob o peso da violência institucional e
simbólica”.
Charlot, 2002