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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA EM MÚSICA
ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA
IURY MATIAS DE SOUSA
OS BENEFÍCIOS DE UMA PRÁTICA DE CONJUNTO NO CONTEXTO DE UM PROJETO SOCIAL
NATAL/RN
2010
IURY MATIAS DE SOUSA
OS BENEFÍCIOS DE UMA PRÁTICA DE CONJUNTO NO CONTEXTO DE UM PROJETO SOCIAL
Monografia apresentada à Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciatura em Música. Orientadora: Profa. Dra. Valéria Lazaro de Carvalho
NATAL/RN
2010
IURY MATIAS DE SOUSA
OS BENEFÍCIOS DE UMA PRÁTICA DE CONJUNTO NO CONTEXT O DE UM PROJETO SOCIAL
Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciatura em Música.
Aprovado em: ____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profª Drª Valéria Lazaro de Carvalho
Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
____________________________________
Profª Msº
Membro Examinador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
_____________________________________
Profº Msº
Membro Examinador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
RESUMO
Esse estudo apresenta o relato de uma experiência realizada com alunos do
Projeto Irmão Lourenço do Centro Marista de Juventude com o objetivo de
verificar os benefícios adquiridos por meio de uma Prática de Conjunto no
contexto de um Projeto Social. Com essa finalidade, tomou-se como objeto de
pesquisa a turma de música e a equipe pedagógica do referido projeto, que foi
investigado por meio de uma pesquisa qualitativa. Como fundamentação
teórica, buscamos estudar pesquisas já realizadas nesse setor, a exemplo de
Schafer, Souza, Queiroz, Kater e Minayo. Analisamos as contribuições dos
resultados obtidos para a educação, formação moral e sociocultural dos alunos
envolvidos, com o intuito de revelar a eficácia dessa atividade, diante das
propostas pedagógicas existentes.
Palavras-chave: Educação Musical, Projeto Social, Cultura.
ABSTRACT
This study presents an account of an experience with students of Lawrence
Brother Project from the Marist Youth Center in Natal-RN, in order to verify the
benefits acquired by a group practice in the context of a social project. For this
purpose, we took as the object of our research the music classroom and the
teaching team of this project, which was investigated by means of a qualitative
research. As background theory, we collected research already conducted in
this area, for instance, Schafer, Souza Queiroz, and Kater Minayo. We
analyzed the contributions of the attained results to education and training and
socio-cultural moral of the students involved in the project, in order to prove the
effectiveness of this activity, given the existing educational proposals.
Keywords: Music Education, Social Project, Culture.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 4 2 EDUCAÇÃO MUSICAL E SUA FUNCIONALIDADE .................................................................... 7 2.1 PROJETOS SOCIAIS................................................................................................................. 10 2.2 EDUCAÇÃO MUSICAL E CULTURA......................................................................................... 12 2.3 MUSICA; SOCIEDADE E CULTURA.......................................................................................... 14 3 ANALISANDO A PRÁTICA DE CONJUNTO NO PROJETO SOCIAL ........................................ 17 3.1 PROJETO SOCIAL CENTRO MARISTA DE JUVENTUDE....................................................... 18 3.2 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO........................................................................................ 22 3.3 ANÁLISE DE DADOS................................................................................................................. 28 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 33 ANEXO.............................................................................................................................................. 35 REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 37
4
1. INTRODUÇÃO
Esse estudo apresenta o relato de uma experiência realizada com alunos
do Projeto Irmão Lourenço do Centro Marista de Juventude, a partir da prática
que realizei por ocasião do estágio na atividade Prática de Ensino do Curso de
Licenciatura em Música da UFRN. Percebi, no início da organização do
planejamento das aulas, que era necessário pensar numa abordagem
pedagógica que alcançasse a realidade dos participantes.
Para realizar o trabalho e estreitar a convivência com os alunos,
despertando o interesse pela música, procurei uma atividade na Educação
Musical, que relacionasse o contexto social dos alunos, com o estudo da
música através da prática instrumental. Considerando o fato de já ter
experiência nessa área, com o mundo profissional, foi idealizada uma prática
em conjunto para a realização deste trabalho.
Prática em conjunto é uma atividade realizada por um determinado grupo
de indivíduos, de acordo com afinidades relacionadas aos objetivos, à utilidade
dessa atividade, à cultura do grupo, etc. Nesse caso, trata-se de alunos de
música, com a finalidade de tocar, promovendo uma atividade musical em
grupo.
Ao longo deste estudo analisaremos as contribuições do projeto para a
educação, formação moral e sociocultural dos alunos envolvidos, com o intuito
de revelar a eficácia dessa atividade, diante das propostas pedagógicas
existentes.
Para fundamentação teórica, pesquisamos sobre o trabalho de
profissionais da educação, filosofia, pesquisa social e educação musical,
trazendo como foco, uma discussão sobre Educação Musical e Projeto Social.
Tivemos como objeto de estudo, as seguintes questões: a Educação Musical
pode contribuir no desenvolvimento de um Projeto Social? Quais contribuições
a Prática de Conjunto pode trazer para o desenvolvimento de um Projeto
Social? Quanto à metodologia, optamos pela observação participante (Minayo,
1993).
5
Inicialmente, o trabalho explana as relações relevantes entre Educação
Musical e Projetos de Ação Social. Contextualizado, em acordo com
Perrenoud, o texto apresenta questões pertinentes ao professor, para um
trabalho consistente e que extraia dos alunos e desperte, nos mesmos,
aspectos necessários para aprender música.
Em conformidade com La Taille (2002), é discutida a importância da
observação dos limites e potencialidades dos alunos, em função do processo
de aprendizagem. O texto mostra que é relevante também, o entendimento do
professor, sobre seus próprios limites e frustrações, quando voltado para o
desenvolvimento do processo de ensino.
A discussão sobre postura política e filosófica, no viés da educação,
sustentada pelas pesquisas de Souza (2008), contribuiu para a compreensão
sobre a produção do conhecimento multidisciplinar no terceiro setor,
fundamentando a relação Música e Projeto Social.
Na abordagem sobre Habilidades e Competências as pesquisas de
Perrenoud (2000) no âmbito educacional, alicerçam o texto. Suas colocações
sobre despertar o desejo de saber e reforçar a decisão de aprender permeiam
o trabalho, que tem como contribuição ainda, uma lista de competências para
ensinar, que norteiam essa prática.
Para reforçar essa discussão, os estudos de Kater (1998) das idéias
Bruner, sobre aspectos necessários para desenvolver um trabalho consistente,
são de grande utilidade, encontrando-se com as idéias de Perrenoud.
No direcionamento da aplicação dessas idéias, que embasam a pesquisa,
a leitura do trabalho de Schafer (1991) é de grande valia. Suas colocações ao
professor sobre ensinar diferentemente e imprimir sua personalidade, baseado
em suas próprias experiências, auxilia a busca por uma proposta didático-
pedagógica consistente, onde os estudos de Bellochio (2003) sobre Gauthier
reforçam essas colocações.
Sobre Projetos Sociais e a Escola Regular de Ensino, é tratada a
importância de compatibilizar a realidade do projeto, suas condições, estrutura
e as transformações do plano de ensino, discutida por Kater, que a ressalta
6
como sendo o grande desafio imposto ao educador musical, em projetos de
ação social.
O texto tem base também, nas idéias de Müller (apud. Kater), sobre as
leituras que criança tira dos posicionamentos das escolas regulares, quando
estas negam o ensino da música em seu plano educacional. Ainda nesse texto,
um pouco da minha experiência com a escola regular na rede privada de
ensino, serviu para discorrer sobre o modo como é vista a música na escola
particular.
Em Educação Musical e Cultura o texto trata das relações do homem com
o mundo, onde ele é influenciado e influencia, a partir de construções sociais e
filosóficas, sua própria cultura. A partir dai é possível compreender o papel do
professor, de acordo com Queiroz (2004), que entende a cultura como o
conjunto de escolhas feitas pelos seres humanos e explica a etnomusicologia e
sua importância.
E o texto sobre Música, relacionada à sociedade e a cultura, que explora
essa relação, com base nos estudos da etnomusicologia, do trabalho de Da
Matta e Napolitano (apud. Queiroz), que releva a importância de reconhecer as
diferentes manifestações da cultura brasileira caracterizando e singularizando
nossa identidade, e se refletindo nas nossas distintas expressões culturais.
Os estudos de Souza (2004) sobre Green e suas pesquisas sobre os
adolescentes e jovens, suas “tribos”, seus costumes, sua forma de enxergar a
música, sua importância cultural, etc., foram muitos úteis para o texto, bem
como, os estudos de Bellochio.
O trabalho de pesquisa social que segue apresenta-se, portanto, em dois
capítulos. O primeiro corresponde à sistematização teórica feita a partir da
exploração de referências de estudos sobre o assunto já realizados. O segundo
capítulo, por sua vez, refere-se à pesquisa feita: a descrição desta, os dados
sobre o Projeto Social, os dados levantados da análise da observação
participante, a análise da entrevista e observação e discussão dos mesmos.
Por fim, o trabalho apresenta considerações sobre a Prática de Conjunto e sua
importância e aplicação como recurso pedagógico, que sugere uma
continuidade de estudos sobre esse assunto.
7
2. A EDUCAÇÃO MUSICAL E SUA FUNCIONALIDADE
É comum em projetos de ação social a presença da música em atuação
prática, como veiculo para o trabalho de integração social, porém direcionando-
se muitas vezes apenas à função artística. Entretanto, mesmo sendo esse um
recurso educativo valioso, sua utilização tem se apresentado como atividade de
lazer ou passatempo, visando preencher o tempo livre dos alunos. Em
contrapartida, é missão principal dos profissionais da educação musical fazer
com que haja interação entre a realidade dos estudantes e uma nova
perspectiva educacional, sociocultural da maneira mais criativa possível. “Criar,
intensificar e diversificar o desejo de aprender”, assim como “favorecer ou
reforçar a decisão de aprender” (Perrenoud, 2000), são estratégias para essa
nova perspectiva.
É função da educação musical desenvolver a capacidade de
compreensão e consciência de si e do mundo, de forma mais ampla,
valorizando aspectos muitas vezes alheios ao cotidiano, assim ajudando a
desenvolver uma visão diferente da realidade, baseando-se em autenticidade e
criatividade. Também há uma contribuição crítica para essa visão, pois é
notório que o contato com novos “ambientes sonoros”, shows, festas, as
próprias experiências em aulas, ensaios em grupo, etc. despertam a percepção
e o olhar crítico dos envolvidos.
Geralmente o trabalho do educador musical está baseado em seu ponto
de vista, dentro dos seus próprios limites e potencialidades. No que concerne à
importância da opinião dos professores sobre as capacidades de seus alunos,
La Taille (2002) faz referência a uma pesquisa que mostrou que essas opiniões
afetam diretamente o desempenho desses alunos. Ou seja, se o aluno é
concebido pelo professor como fraco, é provável que se torne um mau aluno.
Desse modo, sendo o aluno um ser social, a educação torna-se uma
ferramenta que deve objetivar o crescimento constante, não idéias pré-
concebidas que costumam elencar os alunos bons e ruins. O dever da
educação nesse viés de discussão, proposto por La Taille (2002), seria então o
de ajudar a criança a identificar os seus limites e motivá-la a superá-los. Ao
tecer comentários sobre as renovações pedagógicas utilizadas no ensino
8
educacional infantil, mas que podem ser adotadas aos educandos de uma
forma geral, La Taille (2002) afirma que:
Ao procurar adequar o ensino aos interesses dos alunos, buscam o impulso motivacional que ajuda a fazer projetos e crescer; ao procurar uma aprendizagem significativa, respeitam a inteligência da criança e a ajudam na paulatina construção do conhecimento. Todavia, quando restringem o interesse à mera motivação passageira, ao aprender brincando, ao assistir a aulas agradáveis, ao invés de estimular a criança a se desenvolver, referendam suas motivações mais primitivas [...] (LA TAILLE, 2002, p. 33).
Portanto, é necessário desenvolver um processo educativo considerando
a educação musical como formadora de interesse não só pela música, mas
pelas pessoas e pelo mundo no qual vivemos e onde nos desenvolvemos
social e culturalmente, objetivando para esses alunos, a constante superação
de limites. A partir do desenvolvimento desta percepção, agregado ao trabalho
com desconstrução de padrões, novas formulações, equivalências, etc. é
possível recriar valores e atitudes, pensando numa formação global, efetiva e
integradora. Sob esse aspecto, o educador musical se torna uma referência
para os alunos, não só pelo ponto de vista profissional (enquanto professor),
mas também pelo ponto de vista musical e sociocultural, dedicando-se ao
crescimento seu e de seus alunos.
Dentro de uma postura política e concepção filosófica, é possível
perceber que as pessoas, a sociedade, o mundo são transformáveis podendo
ter seu desenvolvimento orientado, inibido ou reforçado. Como Kleber (2008,
org. Souza), sobre a produção do conhecimento multidisciplinar no âmbito do
Terceiro Setor1, aqui relacionado a projetos sociais, coloca; “[...] capazes de
mobilização sociopolítica e, nesse contexto, as práticas musicais podem
redefinir fronteiras culturais e estéticas predominantes”.
1 Terceiro Setor é o conjunto de entidades da sociedade civil, constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público.
9
Cada profissão carrega em si uma responsabilidade e um compromisso
de desempenho junto à sociedade. Em paralelo à missão da formação musical
e do desenvolvimento da musicalidade, deve haver uma preocupação com o
aprimoramento humano dos cidadãos e um trabalho em cima disso, como bem
afirma La Taille, baseado em Piaget:
O indivíduo humano, dotado de um aparato biológico que estabelece limites e possibilidades para seu funcionamento psicológico, interage simultaneamente com o mundo real em que vive e com as formas de organização desse real dadas pela cultura. (LA TAILLE, 1992, p. 30).
Desse modo, sendo o indivíduo humano agente interativo com o mundo
real e as formas de organização dadas pela cultura, tem-se como alternativa
especialmente eficaz e prazerosa da educação musical, no desenvolvimento
individual e de socialização dos indivíduos de uma forma geral. Num trabalho
pedagógico é prioritário: estabelecer vínculo afetivo; flexibilizar o processo
didático-pedagógico; adequar, organizar e equilibrar “liberdade” e “limite”;
intensificar e criar um “ambiente” lúdico, para esclarecer comportamentos,
emoções e sentimentos; desenvolver, através de procedimentos educativos
construtivos e sinceros, a necessidade de valorização individual. Dentro do
processo de construção de competências para ensinar, Perrenoud (2000)
destaca:
• Conceber a administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos.
• Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino. • Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades
de aprendizagem. • Observar e avaliar os alunos em situações de
aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa. • Fazer balanços periódicos de competências e tomar
decisões de progressão. (PERRENOUD, 2000, p. 42)
Estando o educador musical responsável por um trabalho pedagógico
condizente com tais competências, ele deve ser preciso quanto a atributos
fundamentais no exercício pedagógico, também ilustrados por Perrenoud:
10
Ensinar é, portanto, reforçar a decisão de aprender, sem agir como se ela estivesse tomada de uma vez por todas. É não encerrar o aluno em uma concepção do ser sensato e responsável, que não convém nem mesmo à maior parte dos adultos. Ensinar é também estimular o desejo de saber. Só se pode desejar saber [...] quando se concebem esses conhecimentos e seus usos. (PERRENOUD, 2000, p.71).
Quando se trata dos conhecimentos e seus usos, o professor deve
entender-se como responsável pela divulgação e propagação, a fim de instigar
seus alunos a desejar saber. Enquanto educador, em suas aulas, deve ser
entusiasta dos estudantes direcionando-os a querer aprender. O desejo e a
decisão quando somados, estabilizarão o contato entre o professor, os alunos
e os conteúdos.
2.1 PROJETOS SOCIAIS
A educação musical, visando à promoção humana, auxilia os jovens
também a se estruturarem e se organizarem pessoalmente. Ajuda a
experimentarem novas modalidades de relacionamento e a estabelecerem
contato com outros valores e parâmetros de referência. De acordo com Kater
(1998), se faz necessário desenvolver uma postura de trabalho que seja
dinâmica e flexível, compatibilizando a realidade do projeto e as
transformações do plano original, com persistência, determinação e rigor em
perseguir a meta e os objetivos fundamentais originalmente propostos. Esse é
o grande desafio que é imposto ao educador musical em ações junto à
comunidade, como projetos de ação social.
A criança, quando está fazendo e vivendo música em alguma ação social,
vê um mundo que diz que na escola não há espaço para estudar e vivenciar
música, ou seja, o mesmo mundo que oferece “assistência” através de projetos
em música, nega a importância da educação musical no currículo escolar. O
mundo que está dando “atendimento” através de ações sociais é o mesmo que
tira as ciências humanas da escola, como afirma Müller (2004), “A música na
escola não pode ser simplesmente ornamental para animar as festas”, Visconti
11
e Biagioni (apud. Hentschke e Del Bem, 2003, p. 98). É preciso olhar com
atenção para o que não muda faz tempo, para a lógica que se concretizou
como normatividade e se perpetua no tempo, a lógica do mercado.
Assim estaremos sempre vivendo essa ambiguidade de trabalhar em
projetos sociais, e saber que os mesmos, contribuem para o fortalecimento da
ideia de que a escola regular não precisa do ensino de música. Carlos Kater,
apud. Müller (2004) coloca ainda que “é preciso responder com eficiência às
problemáticas de um mundo em constante movimento”, com novos desafios.
Dentro da escola regular de ensino é possível presenciar o tratamento, muitas
vezes banalizado, que é dado à música. Os alunos têm a opção de participar
ou não das aulas de música (quando a escola oferece), fazendo isso muitas
vezes, apenas por interesse em fazer parte da banda, que é um grupo formado
por alunos para tocar em eventos da escola. Em outros momentos a banda é
responsável também, pela trilha sonora das reuniões e eventos relacionados,
sendo utilizadas como mote para promover encontros, festivais, dentre outros,
envolvendo até mesmo eventos competitivos, como concursos de bandas, etc.
o que faz o ensino da música comparar-se a uma atividade esportiva. É
possível encontrar, inclusive, a música tratada como escolinha2, com a
possibilidade ainda, de estar à educação musical, supervisionada pelo setor de
esportes da instituição.
_______________________________________________________________ 2 Escolinha é uma divisão esportiva adotada por algumas instituições de ensino, que representa o estágio inicial da prática de determinado esporte. É seguida hierarquicamente por mais uma ou duas divisões, que tratam de um nível intermediário e um nível avançado.
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Nessas escolas, mesmo com um plano de curso, muitas vezes o
professor é orientado pela coordenação a fazer de suas aulas um atendimento
particular a cada aluno, construindo um planejamento baseado no desejo
individual que cada estudante tem em relação à música. Essa parece ser uma
maneira saudável e vista por algumas instituições, como a melhor forma de
despertar o interesse dos alunos pela educação musical. De acordo com Müller
(2004), como ação social, é necessário um trabalho para a dignificação da
escola, podendo-se perseguir uma educação musical emancipatória, fazendo
diferença enquanto área no currículo e no cotidiano das escolas, o que muito
provavelmente, então, podemos fazer em ações socais.
2.2 EDUCAÇÃO MUSICAL E CULTURA
A cultura é fator determinante na vida do homem e, portanto, ponto crucial
para entendimento do mesmo e suas relações em geral. De acordo com Geertz
(1989) o “homem é um animal amarrado a uma teia de significados que ele
mesmo teceu”. Significados que são construídos a partir das interações sociais.
Nesse contexto, Queiroz (2004) escreve que deve-se “entender cultura como
sendo o conjunto de escolhas feitas pelos humanos, baseados em significados
que eles próprios estabelecem ao se relacionarem com a natureza, com o meio
social e consigo mesmo”. (QUEIROZ, 2004, p.100).
Enquanto educador musical é importante tratar minuciosamente da
formação cultural dos alunos, relevando que cada um terá uma parte de
formação influenciada pelo meio social em que está incluso, sua casa, sua
vizinhança, sua escola – o ambiente escolar – e a outra pelo ambiente em sala
de aula, onde as aulas de música serão responsáveis por boa parte dessa
formação. O trabalho que será realizado com esses alunos será fundamental
para o desenvolvimento cultural deles. O que o professor vai levar para as
aulas, o que pretende ensinar, que músicas irá trabalhar, bem como, a imagem
musical – enquanto profissional da música – que ele representará para seus
alunos.
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Segundo Queiroz (2004), a partir da segunda metade do século XX, com
o estabelecimento de um campo mais específico para o estudo da música e
suas relações com o homem e o contexto em que vive, os estudos de
antropologia relacionando homem e música assumiram características
particulares. Em 1950 surge o termo “etnomusicologia”, cunhado por Jaap
Kunst, sendo a busca de um conceito único para o termo uma tarefa difícil, de
acordo com Lühning apud. Queiroz (2004), que acrescenta que Merriam
(1964), definiu inicialmente como a área que estuda a música na cultura,
ampliando posteriormente o conceito para o estudo da música como cultura.
Assim;
[...] música é, ao mesmo tempo, determinada pela cultura e determinante desta. Por essa perspectiva, podemos conceber a educação musical como um universo de formação de valores, que deve não somente se relacionar com a cultura, mas, sobretudo, compor a sua caracterização, ou seja, desenvolver um ensino da música como cultura. (QUEIROZ, 2004, p. 100).
Essa afirmação agrega à música, a responsabilidade de prescrever a
condição cultural de um grupo, pessoa e/ou sociedade, que deve ser
desenvolvida pela educação musical. A interferência do ensino da música,
quando direcionado a fazer crescer a cultura, melhorá-la, discuti-la,
compreende-la, servirá como meio de dignificação desta – a música – atividade
artística, revelando sua importância para a educação e formação moral da
sociedade. A variedade das abordagens da música dentro do campo da
etnomusicologia e da complexidade da música brasileira mostra que estudos
nessa área, são fundamentais para a compreensão de uma série de questões
relacionadas à pluralidade musical, conceitos e comportamentos que a música
estabelece dentro de cada cultura.
Poder-se-ia pensar na música em relação à cultura, como linguagem
universal, aja vista que não se tem notícia de nenhum grupo cultural que não
utilize a música como meio de expressão e comunicação (Nettl, 1983, apud.
Queiroz). Porém cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e
compreender sua própria música, organizando e/ou desorganizando os códigos
que a constituem. Assim, compreender universalmente todas as músicas do
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mundo não é possível, pois a linguagem musical de cada cultura se adéqua ao
seu sistema singular de códigos. Dessa maneira, é possível e deve ser função
da educação musical, proporcionar a interação com a música de diferentes
contextos culturais, ampliando a dimensão cultural e percepção musical,
fazendo com que o contato com outras linguagens possa ampliar o discurso
musical. Isso vai de encontro ao processo de pluralidade cultural, partindo da
compreensão da singularidade presente em cada cultura, que deve ser
desenvolvida, a fim de entender-se a sociedade no seu determinado contexto,
para que seja possível interagir com outras culturas.
2.3 MÚSICA; SOCIEDADE E CULTURA
É primordial, para compreender a cultura e/ou grupo social, considerar os
tipos de música existentes e como os membros dessa cultura e/ou desse
grupo, vivenciam isso. A relação música e sociedade se tornou foco dos
estudiosos da educação musical e da etnomusicologia. É importante
reconhecer que as diferentes manifestações da cultura brasileira atuando em
conjunto, caracterizam e singularizam a nossa identidade e se refletem nas
nossas distintas expressões culturais, principalmente na música, de acordo
com Da Matta (2001) e Napolitano (2002) apud. Queiroz (2004).
A necessidade de explanar essas manifestações na cultura brasileira, no
enfoque estabelecido por Queiroz, deve ser atendida pela educação musical,
com diligência à construção de uma identidade, promovendo – na mediada do
possível – o contato com a diversidade de gêneros presentes na música
brasileira. Em relação ao que é necessário à sociedade para construção de sua
identidade, e a função da educação musical, é pertinente o comentário de
Souza (2004, p. 8) sobre o mau aproveitamento da música, quando coloca que
“a música ainda aparece como um objeto que pode ser tratado
descontextualizado de sua produção sociocultural”. Essa observação apresenta
a importância sobre como a música pode ser subaproveitada, se for pensada
extra culturalmente. Como alternativa para uma melhor utilização da música
nesse processo, Souza (2004, p.8) baseada em Green, acrescenta que um
15
“entendimento mais ampliado sobre o significado social da música poderia ser
útil para a compreensão das diferentes práticas musicais dos diversos grupos
de estudantes na escola”.
A globalização diminui as fronteiras musicais, e mesmo que perpetuando a hegemonia da cultura dominante, contribui para a divulgação da música popular de diferentes países [...]. (GROSSI, apud. QUEIROZ, 2004, p. 102).
A educação musical é uma arma fundamental na luta contra a
manipulação das massas pela mídia, através dos meios de comunicação,
porém não pode ser responsável por salvar a sociedade, mas sim se tornar
uma alternativa de ampliação da visão musical dos indivíduos. Onde é
interessante observar a impressão cultural agregada à música, fixada –
temporariamente ou não – nos jovens e suas tribos, explicados por Souza em
sua afirmação:
Com os estilos de música eles expressam também sentidos da cultura juvenil, manifestados no vestir, no comportar, no corpo, na linguagem e gestos, revelando a identidade: são pagodeiros, neosertanejos, roqueiros, etc. (SOUZA, 2004, p. 10).
Em função da diminuição das fronteiras musicais gerada pela
globalização, é notório e espantoso, que o jovem vem consumindo cada vez
mais, músicas estrangeiras, encontrando nestas, a melhor opção para o não
consumo da música veiculada pela maior parte da mídia no Brasil. Assim, é
comum encontrar jovens se assumindo como roqueiros, emo3, dentre outros,
adotando um estilo de vida que possibilite negar sua cultura. A música deve ser
pensada como uma área fundamental para a educação dos sentidos humanos,
transcendendo a função de atividade artística/musical em si mesma, segundo
Beyer (1998), Gainza (1988), Schafer (1991; 2001), Paynter (1991) Apud.
Queiroz (2004). Em não havendo a oportunidade de passar por um processo
de sensibilização musical, formal ou informal, o que é evidenciado em literatura
da área da educação musical, uma pessoa ficará a mercê do que é fornecido
16
pelos meios de comunicação de massa, podendo ser positiva ou
negativamente educada por estes. Compreendendo a diversidade musical,
deve-se entender que é necessário o uso de diversas estratégias para o ensino
da música. Assim, esse conjunto de processos informais deve ser observado
com atenção a fim de entender diferentes relações e situações de ensino e
aprendizagem da música, de acordo com Queiroz (2004).
Nenhuma proposta de educação musical vai contemplar todos os
universos musicais existentes em uma cultura. Contudo, o educador vai estar
mais preparado dentro das estratégias metodológicas capazes de abarcar
diferentes dimensões da educação musical, se tiver conhecimento de distintas
perspectivas do ensino e aprendizagem da música. Para isso não só é
importante vivenciar as experiências da docência enquanto aluno da
graduação, em escola regular de ensino e em unidade acadêmica
especializada, mas estar preparado para buscar em si mesmo, respostas para
situações adversas que rondarão a prática docente, onde a afirmação de
Bellochio (2003, p. 20) “o educador musical precisa fazer/pensar música e ter
condições de repensá-la com base em situações experienciadas e
internalizadas no cotidiano de sua prática educativa” reforça essa ideia.
3 Emo ou Emocore (abreviação do inglês emotional hardcore) é um gênero de música derivado do hardcore punk [variação do rock]. O termo foi originalmente dado às bandas do cenário punk de Washington, DC que compunham num lirismo mais emotivo que o habitual. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Emo>. Acesso: 01/12/2010.
17
3. ANALISANDO A PRÁTICA DE CONJUNTO NO PROJETO SOCIAL
A educação musical deve apropriar-se das mais diferentes formas de
abordagem, a fim de se inserir no cotidiano educacional, dando-se a sua
importância sociocultural e considerando sua função artística. Essas
abordagens são apresentadas no contexto acadêmico, de acordo com
propostas pedagógicas, baseadas em teorias e conceitos de estudiosos da
educação musical, sendo o trabalho que será realizado pelos futuros docentes,
ilustrado para os mesmos em seus estágios curriculares. A oportunidade de
fazer observações diárias, anteriormente à execução da Prática de Ensino
prevista no currículo do curso de Licenciatura em Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), despertou o interesse pela busca de
estratégias para uma abordagem pedagógica, que trouxesse uma educação
musical significativa.
A decisão de desenvolver essa pesquisa, portanto, surgiu através da
necessidade de dar sentido, utilidade ao estudo da música, para os alunos de
um Projeto Social, de uma Escola Privada de Ensino, funcionando na mesma,
situada na cidade de Natal/RN. Esse projeto atende adolescentes e jovens em
situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, capacitando-os e
promovendo o desenvolvimento integral dos mesmos e de seus núcleos
familiares, por meio do atendimento socioeducativo, contando também com
processos, esportivos, culturais, formação humana, cidadã e de espiritualidade.
Além de oficinas educativas, como Dança de rua, Artes, Teatro, Música e
Percussão, o Projeto oferece cursos profissionalizantes, curso de inclusão
digital, atividades culturais, recreativas e ecológicas.
Com o objetivo de estudar os benefícios que uma Prática de Conjunto
proporciona a indivíduos no contexto de um Projeto Social, optamos por uma
pesquisa qualitativa, uma vez que se trata da busca de uma compreensão de
processos socioculturais e educacionais, demandando a necessidade de uma
pesquisa mais aberta. Para tanto, as ferramentas de pesquisa adotadas para
levantamento de dados, foram: A observação participante das aulas (Minayo,
1993) e a aplicação e análise de um questionário aberto (Richardson, 2007)
18
direcionado à equipe pedagógica do projeto, sobre as atividades oferecidas
pela oficina de música e o desenvolvimento sociocultural dos alunos, tendo
sido as observações realizadas no ano de 2009.
3.1 O PROJETO SOCIAL CENTRO MARISTA DE JUVENTUDE (CMJ)
Localizado na Rua José de Alencar, 809 Cidade Alta Natal/RN, CEP: 59.
025-140 telefones: 4009-5035/3221-2298, e-mail: [email protected], o
projeto social funciona no colégio Marista de Natal/RN.
Os Centros Maristas de Juventude nasceram como uma forma de efetivar
a opção do Instituto Marista pelos jovens. Com o processo de criação da
Província Marista do Brasil Centro-Norte, os CMJ’s integraram-se às outras
experiências da Pastoral Juvenil Marista (PJM). Cada Centro desenvolve seu
trabalho de formação e acompanhamento com ousadia e sensibilidade,
constituindo-se como uma importante referência para as juventudes nas
dioceses e cidades em que estão inseridos.
O Centro Marista de Juventude de Natal nasceu da necessidade de
formação e capacitação de lideranças jovens e assessores de juventude.
Embora os grupos da Arquidiocese apresentassem essa demanda, não havia
nenhuma entidade que pudesse supri-la.
A partir do conhecimento das experiências dos CMJ’s em Minas Gerais, o
Ir. Iranilson Correia de Lima apresentou, em março de 2004, o projeto do CMJ
de Belo Horizonte a um grupo convidado, formado por professores do Colégio
Marista, representantes de grupos de jovens de escolas, paróquias e da
Pastoral de Juventude Arquidiocesana. O grupo abraçou a proposta e, durante
os meses seguintes, elaborou o projeto do CMJ de Natal.
Com a formação da equipe e tendo como parceiros o Setor de Catequese
e a Pastoral da Juventude da Arquidiocese, o CMJ de Natal deu início às suas
atividades em março de 2005. o objetivo era contribuir na evangelização e
articulação da juventude da Arquidiocese de natal, bem como na formação de
lideranças juvenis e pessoas engajadas na PJ e na Pastoral Catequética.
19
Muitos foram os desafios enfrentados: falta de recursos próprios, pouca
divulgação do Centro nas paróquias e nos grupos de jovens, além da
necessidade de capacitar, cada vez mais, a equipe do CMJ e de criar uma
identidade nos trabalhos desenvolvidos. Para enfrentá-los, buscou-se apoio do
Colégio Marista, do Centro Marista de Eventos e da Arquidiocese de Natal.
No início de 2006, já com uma equipe estruturada, composta por jovens
leigos de diferentes paróquias da Arquidiocese, o CMJ de Natal ampliou suas
atividades, intensificando os cursos nas áreas de Formação, Espiritualidade,
Metodologia e Cidadania. Para atingir toda a área arquidiocesana, tem
procurado fortalecer as parcerias e aumentar sua articulação com a Comissão
Provincial de Evangelização, a Rede Latina e Brasileira de Centros e Institutos,
que os outros CMJ’s fazem parte, como também as Pastorais de Juventude do
Brasil.
A partir do ano de 2007, o Centro amplia seus horizontes com o Projeto
Irmão Lourenço e, posteriormente, o Aprendiz Cidadão que têm,
respectivamente, a perspectiva do trabalho com oficinas educativas, esportivas
e a inserção no mercado de trabalho de adolescentes e jovens. Com essa
ampliação o CMJ percebe as juventudes para além dos aspectos da
evangelização, buscando a efetiva garantia de diretos dos adolescentes e
jovens.
O Centro, como um espaço educativo para adolescentes e jovens, pauta-
se na proposta de reconhecimento dos seus integrantes enquanto sujeitos de
direitos alicerçados na promoção da justiça social e da vida. Para isso, utiliza a
cultura, o esporte, a ética, a formação humana e o trabalho/profissionalização,
como valores e ferramentas para o exercício da cidadania, através das
seguintes atividades: Acompanhamento pedagógico, em parceria com as
escolas públicas dos integrantes do Centro; Acompanhamento psicossocial;
Oficinas e cursos de formação humana, cidadã e de espiritualidade; Oficinas
educativas, como Dança de rua, Artes, Teatro, Música e Percussão; Oficinas
esportivas, como Futebol de areia, futsal, vôlei, Handebol, Atletismo e
basquete; Inclusão Digital; Atividades culturais, recreativas e ecológicas; Curso
profissionalizante em parceria com o SENAC – Aprendiz Cidadão; Assessoria a
grupos juvenis, comunidades, escolas, entidades diversas.
20
A MISSÃO
O Centro Marista de Juventude tem como missão atender e capacitar
adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social,
fundamentada no legado marista, promovendo o desenvolvimento integral dos
mesmos e de seus núcleos familiares por meio do atendimento socioeducativo
e a partir de processos educativos, esportivos, culturais, formação humana,
para que sejam multiplicadores de valores e ações educativas em seus grupos
e comunidades, em vista da construção de uma sociedade sustentável, justa e
solidária.
A VISÃO
Até 2012, ser referência em Natal e Região Nordeste, em capacitação de
lideranças, apoio sócio-educativo em meio aberto, formação profissional e
inclusão digital, reconhecido por:
-Excelência e formação em valores.
-Empreendedorismo nas ações.
-Desenvolvimento do protagonismo juvenil.
- Forte visibilidade na formação das juventudes, na Sociedade, na Igreja e nas
redes de juventudes.
-Efetiva articulação com a comunidade e a sociedade.
-Metodologia e linguagem própria;
PRINCÍPIOS
- Formação integral, centrada em Jesus Cristo e inspirada em Maria;
- Articulação entre fé, cultura e vida;
- Qualidade na formação de jovens multiplicadores;
- Foco em resultados nas áreas de atuação;
21
- Parceria entre Irmãos e Leigos4 (as);
- Voluntariado como exercício do protagonismo;
- Compromisso social, ecológico e com a vida das juventudes;
- Sinal profético de solidariedade e de esperança;
- Uso evangélico dos bens.
Diante dessa preocupação, acreditando que poderia ser a oportunidade
de dar uma boa contribuição para o projeto e para esses jovens, comecei o
trabalho de educação musical com a turma de 2009. Usando o violão – que é o
instrumento que tenho certo domínio – como meio de “comunicação” entre os
alunos e a música, foi desenvolvido um processo que constava de aulas desse
instrumento e prática em conjunto. Das aulas de violão, aspectos fundamentais
a pratica do instrumento; estrutura física do instrumento, postura, história,
exercícios preparatórios etc. Da prática de conjunto, objetivando dar sentido
aos conteúdos estudados no violão e conceitos teóricos básicos de música, foi
trabalhado um repertório de música popular que trouxe desde canções ouvidas
no rádio diariamente até o repertório das preferências dos alunos e até de seus
pais e familiares, tendo como objetivo maior, conhecer a produção musical
brasileira.
_______________________________________________________________ 4 Leigos (do grego "Laos theon", que significa o "Povo de Deus") são os membros da Igreja Católica que não são ordenados, isto é, que não receberam o sacramento da Ordem. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Leigo>. Acesso: 02/12/2010.
22
3.2 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
Ao início das aulas foi realizada uma investigação, através de rodas de
conversa, a fim de conhecer a realidade da turma, o nível dos estudantes, o
contato dos mesmos com a música, etc. As aulas de música basearam-se em
aulas de violão, com o intuito de iniciar os estudos em música, a partir da
prática com um instrumento. Chamou-nos a atenção, a heterogeneidade da
turma no tocante ao nível de conhecimento, onde, havia alunos que tocavam
bem o violão, outros que nunca haviam tido contato com o instrumento, outros
que apresentavam facilidade em cantar, tocar percussão ou bateria. Com isso
observou-se a necessidade de desenvolver uma atividade que aproveitasse
essas características, dentro dos objetivos da educação musical.
A prática de conjunto foi a estratégia pedagógica utilizada para atender a
essa demanda. Dessa forma, haveria uma dinâmica constante nas aulas, com
um trabalho que envolvesse a turma toda, independente do nível técnico de
cada um. A partir daí, mais especificamente nas atividades da prática de
conjunto, foi elaborado um plano de aulas que contemplava e interagia com as
questões sócio educativo culturais presentes na vida desses alunos. As aulas
eram divididas em dois encontros semanais, de uma hora e meia, cada aula.
Havia uma turma no turno da manhã, com aproximadamente dez alunos e
outra no turno da tarde, com doze. Na primeira aula da semana, eles tinham
aulas de violão, na segunda, era o momento da prática de conjunto. A escola
disponibilizava uma sala, uma bateria, alguns instrumentos de percussão,
microfones, caixas amplificadas e o projeto, de acordo com arrecadações da
instituição e doações, possuía violões, contrabaixo, microfones e outros
instrumentos de percussão.
No decorrer das atividades, foi se descobrindo como distribuir as funções
individuais dentro da prática de conjunto a partir da exploração do
conhecimento que cada um trazia previamente, caracterizando a investigação
temática, denominada por Paulo Freire. Esse conhecimento vinha de aulas
particulares, aulas com amigos, buscas na internet, auxílio de revistas de
música, etc. Ainda sobre as categorias do método de Paulo Freire, esse
trabalho encontrou afinidade com a “tematização”, que seria a codificação e
23
decodificação do tema gerador, através de interação entre educador e
educandos, que acontecia durante a elaboração do repertorio e criação dos
arranjos – pois, apesar de ainda não existir embasamento técnico necessário
para discutir ou criar arranjos, as idéias não eram impostas, mas sim sugeridas
e resolvidas mediante diálogo – nos ensaios.
Mais adiante, o processo encontrava-se com a reconstrução do mundo
lido, onde os educandos, depois de reconhecimento (investigação e
valorização do conhecimento que cada um trazia), aprendizagem (aulas) e
análise (individual, fazendo relação com o que foi estudado), se voltavam para
aplicação (atividade prática nos ensaios), momento em que partilhavam do
conhecimento do mundo lido. As músicas trabalhadas foram todas de
compositores da música brasileira, não estranhas aos alunos, porém
contemplando uma parte do acervo nacional que muitos não conheciam ou
evitavam consumir/ouvir, ou sequer, sabiam da existência. Das primeiras aulas
até a primeira apresentação, foram cerca de três meses. Durante esse período,
foram estudados acordes (tríades) maiores e alguns menores, que já faziam
parte das músicas que seriam tocadas na apresentação.
Com três alunos tocando violão, quatro cantando e três tocando
percussão, foram executadas duas músicas. Ambas do repertório popular,
reconhecidas pela turma como pop rock, das bandas Jota Quest e Capital
Inicial, incentivadas pela equipe pedagógica pelo fato de compreender o
contexto da proposta do projeto e por transmitir uma mensagem positiva
através das letras. Tratava-se de um evento fora das dependências da
instituição, numa praça pública e isso causou aos alunos uma boa – e por que
não dizer, interessante – sensação de poder, não de posse, mas de ser capaz.
Como resultado, despertou-se em toda turma um desejo de fazer das próximas
apresentações algo ainda maior, mais elaborado e consequentemente, foi se
desenvolvendo uma consciência de que era necessário estudar e aprender
mais, para que isso se tornasse possível.
A segunda apresentação aconteceu no meio do ano, um mês e meio
depois da primeira e marcava o fim do semestre, contando com as
apresentações das demais oficinas do projeto (teatro, artes plásticas e dança).
Era época do ano em que se comemoravam as festas juninas, assim o
24
repertório estava composto por músicas de forró, de autoria de Luiz Gonzaga,
Dominguinhos, Gilberto Gil. Foram ensaiadas três músicas, que falavam de
maneira irreverente sobre saudade, amor, adolescência, etc. Essa
apresentação aconteceu nas dependências da instituição e foi assistida pelos
pais e familiares dos alunos. No primeiro momento houve uma reação do
público, que se identificou com o repertório e achou de muito bom gosto a
escolha, além do fato de estar assistindo aos seus filhos – parentes e amigos –
tocando músicas do “tempo deles”, com tal destreza, haja vista o pouco tempo
de aulas e ensaios realizados.
Os colegas – alunos do projeto – que assistiam a apresentação reagiram
da mesma forma, com alegria por ver o trabalho dos seus “iguais” e
despertando a partir do evento, algum interesse pelo estudo da música. Ainda
nessa apresentação, pensando nos ambientes sonoros, o professor
desenvolveu com os alunos da oficina de música, a “sonoplastia” da
apresentação da turma de teatro, com percussão corporal produzindo desde
sons da natureza como; vento, praia, pássaros, até barulhos urbanos como;
avião, tiros, sirene de polícia e pessoas correndo. No início do segundo
semestre, com a repercussão da apresentação do encerramento das atividades
do início do ano, o número de alunos para oficina de música aumentou de
maneira que, infelizmente, não houve condição para acolher a todos. O grupo
passou a se apresentar com frequência em eventos do projeto e da instituição
onde o mesmo funcionava. Nesse momento, os ensaios eram mais dinâmicos,
conseguindo acrescentar mais músicas ao repertório a cada encontro, até que
chegou a um número de dez composições entre artistas e grupos brasileiros
como; Herbert Viana, Nando Reis, Raul Seixas, O Rappa, Tribo de Jah, etc.
Assim, foi possível manter a proposta do projeto, contemplando o contexto dos
alunos, sem perder o direcionamento musical e sociocultural, uma vez que era
usado como critério para a escolha das músicas, a sua contribuição musical,
técnica e didático-pedagógica.
É bem verdade que esse repertório não seria observado com carinho, de
um ponto de vista mais tradicional. Entretanto foi possível observar o
desenvolvimento técnico, movido pela prática, bem como o entendimento
acerca dos conteúdos teóricos e o interesse pelo estudo da música, incitados
25
pela identificação com o repertório, em acordo com Souza sobre a impressão
cultural, proporcionada pela música. Essas eram músicas que se aproximavam
da realidade deles, não só porque estavam de acordo com o que eles
costumavam ouvir, mas porque tratavam da realidade, do cotidiano daqueles
jovens. Durante todo o ano foram experimentados muitos gêneros musicais e
artistas brasileiros. Conseguir orientá-los diante do contexto em que se
encontravam, do axé5, da swingueira6, do rebolation7, sem preconceito, mas
com uma “desmistificação” do que eles tinham como única opção para ouvir, já
é uma grande vitória. Através da prática de conjunto, relacionou-se o repertório
proposto pelo professor aos alunos, com músicas do contexto social deles, ou
simplesmente com sua preferência musical. Eles se sentiram a vontade para
opinar sobre quais instrumentos deveriam ser tocados em determinada música,
quem deveria cantar (se menino, ou menina), que parte da música merecia
ênfase, etc. e era notória a empolgação deles quando “aquela” música era
tocada, todos se movimentam (não exatamente como uma dança, mas como
um movimento corporal livre, contextualizado com o que estavam tocando),
cantavam e ao final se parabenizavam o que, dentro de um projeto social,
merece ser observado como um progresso importante no estreitamento da
relação entre eles.
5 Axé ou “axé music”, é um gênero musical surgido no estado da Bahia nos anos noventa, durante as manifestações populares do carnaval de Salvador. O ritmo é advindo do “samba reggae”, gênero da década de oitenta, também baiano, que mistura alguns elementos do samba, com elementos da cultura jamaicana. O Axé se perpetuou de forma a se tornar referência da cultura musical baiana. 6 Swingueira; variação do axé, é caracterizado por uma levada mais lenta. Musicalmente, tem forte influência do pagode, através do cavaco - responsável pelo destaque da harmonia - com linhas melódicas marcantes e percussão com destaque para o repique, que toca no acento característico da música. 7 Rebolation; pronunciado como reboleixon é um estilo de dança proveniente das raves de psy trance no Brasil e divulgada pela Internet que possui como característica a dança sob música eletrônica. No início de 2009, aproveitando-se da polémica dessa dança, um grupo musical brasileiro lançou o hit "Rebolation", que é uma swingueira que logo ganhou destaque nacional.
26
Aja vista alguns que realmente não tinham costume de estudar em casa,
ou tirar dúvidas com o professor, nem mesmo tinham interesse em aprender
música, a experiência vivida na oficina de música no ano de 2009 foi
engrandecedora para esses alunos. Independentemente das condições, todos
queriam fazer parte da “banda” (prática de conjunto) do projeto, pois havia
uma ascensão entre os alunos; dentro de suas funções (guitarrista, vocalista,
baterista, etc.), aqueles que faziam parte da “banda” eram vistos de forma
diferente, tinham certo respeito. Foi possível observar inclusive, que mesmo na
instituição isso acontecia; quem fazia parte de algum dos grupos musicais da
escola, era reconhecido de maneira diferente e isso despertava interesse dos
outros alunos que não tocavam, nem estudavam música.
Em relação às aulas de violão, foi observado um progresso interessante
de cada aluno individualmente. Alguns não conseguiram realmente aprender e
direcionaram seus esforços para outros instrumentos como; canto, percussão,
bateria, etc. e outros que não tocavam nada no começo do ano, do final do
primeiro semestre até o final do ano começaram a tocar músicas do repertório
trabalhado em sala de aula, músicas de sua escolha, desenvolveram o canto –
tocando e cantando ao mesmo tempo – outros começaram a trazer novas
concepções, baseados em vídeos que assistiram, contato com colegas do
bairro, da igreja, etc.
A educação musical deve abranger não somente o ensino da música em
escolas, universidades e aulas específicas em instituições não formais, mas
também deve contemplar o trabalho de outras pessoas que facilitam o acesso
da sociedade à música, sem necessariamente se conceberem como
professores: produtores, compositores, performers, críticos, pessoas da TV, de
cinema e rádio, organizadores de festivais, examinadores e os que fazem
música informalmente e são ativos nas comunidades.
Sobre isso, é possível destacar a influência dessas vivências musicais do
professor nesse trabalho, onde fez das experiências com o mundo dos shows,
trabalhos com compositores, produtores, composições próprias, etc. um
referencial de influência e orientação para os alunos.
É muito forte influência da imagem que o professor de música passa para
eles, quando este é visto tocando em shows, aparecendo na televisão, quando
27
ouvem uma música de sua autoria ou simplesmente uma gravação com
participação sua. Isso foi observado nos alunos, que puderam ter contato com
essa outra faceta da carreira de seu professor, que os influenciou
positivamente, a ponto de desejarem seguir a carreira de músico.
Para desenvolver o aluno, tanto em grupo como individualmente, o professor de música usa competências para ensinar não somente conceitos musicais, mas também algumas habilidades de performance e composição, pois todos são importantes. Para facilitar esse desenvolvimento, o professor precisa ter consciência principalmente de para onde o aluno deve ir, a fim de construir as pontes com elementos sequenciados que levarão o aluno aos resultados previstos. (OLIVEIRA, 2003, p. 93).
Há ainda, o fato de essas experiências fazerem com que perguntas e/ou
duvidas relacionadas que os alunos tenham, sejam tranquilamente
respondidas, fazendo com que se sintam seguros ao perceberem que essas
situações se apresentam como lugar comum ao seu professor. Isso faz dele
não somente um educador, mas também um profissional da área, atuante, que
representa um referencial ainda mais abrangente para os alunos. Só se
aprende quando o que é proposto faz parte do projeto de vida. Em alguns
depoimentos, foi declarado que a música ouvida em casa se limitava a um
grupo musical natalense e dois outros cantores locais, de um gênero que os
alunos (em unanimidade) classificaram como brega8. Outros diziam que o
repertório de sua casa, era fornecido por uma (apenas aquela) rádio local, que
se limitava a tocar os sucessos mais recentes de artistas e grupos de axé,
swingueira, forró, dentre outros. Espantosamente a estrutura, letra e para os
alunos que já tinham algum conhecimento, até mesmo a tonalidade dessas
músicas, eles sabiam seguramente. Muito surpreendeu o que um dos alunos
disse: “[...] a música que toca na minha casa é a do aparelho de som do vizinho
[...]”, alegando ser sua família evangélica e não apreciadora de música, nem
mesmo de música gospel.
_______________________________________________________________ 8 Os alunos nomeavam como brega, músicas do repertório de compositores brasileiros como; Reginaldo Rossi, Amado Batista e os locais; Zezo, Messias Paraguai, dentre outros, ouvidos por seus pais.
28
Foi importante desenvolver uma forma de trabalhar com esses alunos,
que possibilitasse ao mesmo tempo em que ministrasse as aulas, fosse
estabelecendo contato com cada um, dentro de sua realidade, respeitando os
limites de cada um, levando em consideração – a todo o momento – sua
situação de vida, o que acontecia em sua casa, em seu bairro. Num projeto
social o cotidiano de cada aluno faz parte do contexto de ensino em qualquer
ocasião, sob qualquer circunstância, isso faz com que o professor tenha que se
inteirar da estória de todos eles.
3.3 ANÁLISE DOS DADOS
O questionário foi elaborado de acordo com elementos significativos da
educação musical, para a análise do trabalho de prática de conjunto, realizado
na instituição, baseado em uma proposta pedagógica consistente. A fim de
realizar a verificação dos benefícios de uma prática de conjunto no contexto de
um projeto social, bem como do progresso do trabalho de educação musical
realizado e as perspectivas que essa atividade gerou para o Centro Marista de
Juventude, forma entrevistados quatro funcionários da equipe pedagógica do
projeto.
O entrevistado I; o diretor do projeto, entrevistado II; Psicólogo,
entrevistado III; Educador Social do projeto e entrevistado IV; Coordenador
Pedagógico. Sobre qual seria a importância da Educação Musical no projeto
Irmão Lourenço do Centro Marista de Juventude, foi possível constatar que
através da educação musical os alunos puderam desenvolver o apreço pela
música e pelo verdadeiro sentido que traz na vida, além de fazer uma leitura
significativa sobre arte-cultura. Quando proporcionou o contato com a arte e a
cultura, contribuiu para o desenvolvimento de habilidades e competências que
poderão ser utilizadas em todos os aspectos da vida, como, disciplina,
concentração, atenção, persistência pela prática, entre outros, com
desenvolvimento da melhoria da capacidade de relacionamento.
A equipe pedagógica acredita que a música, através de suas letras ajuda
a divulgar a cultura e o senso crítico nas pessoas, levando-as a reflexão de sua
29
prática cotidiana, oferecendo oportunidades aos adolescentes e jovens, quando
possibilita conhecer diferentes estilos musicais. Consideram o exercício de
aprender a diferenciar a música em seu tempo e história, entendendo o
processo de criação, e reconhecendo-se capaz de interagir com essa realidade
artístico-cultural, valioso para o desenvolvimento intelectual dos alunos. O
entrevistado III colocou que “através da música, os adolescentes e jovens, tem
seu olhar mais focado na realidade cultural e social de nosso meio”.
Os entrevistados acreditam que a partir do contato com novos gêneros
musicais, que muitas vezes não são divulgados na mídia, fazem os jovens
adquirir novos hábitos, desenvolver a criticidade, porque muitas vezes a falta
de conhecimento, o não contato com outros estilos musicais levam-nos,
principalmente aqueles mais excluídos, a gostar apenas da musica que é
divulgada pela mídia.
Em relação ao desenvolvimento de atitudes e habilidades favoráveis à
boa convivência em sociedade, que pode ser proporcionada pela Educação
Musical, como mais uma forma de interação social, foi possível afirmar que
houve evolução durante as aulas de Música lecionadas no CMJ. Foi perceptível
um desenvolvimento evidente nos adolescentes. A cada aula notava-se
mudanças no modo de se relacionarem uns com os outros, em aceitar outros
gêneros musicais que não os que costumavam ouvir, como desenvolveram em
cada um, aspectos musicais relevantes.
Destacamos a importância interdisciplinar da música, quando observados
os alunos em relação à atenção e concentração para com as outras oficinas,
na expressão dos sentimentos, na superação da timidez e, para alguns, na
explicitação do desejo de aprofundar-se no estudo de música para uma
possível formação profissional. O entrevistado III destacou: “Pude perceber
isso com o desenvolvimento que muitos deles tiveram e tem até hoje! Cito aqui
o desenvolvimento do aluno BC que iniciou nas aulas do projeto, e hoje faz
parte da Banda Adonai do Colégio Marista de Natal tocando guitarra/violão nas
atividades culturais e religiosas da Escola”.
O entrevistado IV afirma que “as aulas de música proporcionaram uma
melhor convivência entre os adolescentes, bem como uma nova forma de lidar
com seus limites, isso fica claro na medida em que percebemos meninos e
30
meninas que não conseguiam concluir uma etapa naquilo que se colocavam a
fazer e com a aula de música, conseguiram enfrentar as suas dificuldades e
seguir a diante” [...] “jovens que não se achavam capaz de realizar algo e a
música fez com que eles percebessem que eram capazes de muitas coisas”
[...]. Sobre outros benefícios que puderam ser observados durante o período de
aulas de música, o entrevistado I indica o desenvolvimento de habilidades com
os instrumentos, com a voz, interesse pelas aulas de outras oficinas e pelo
projeto como um todo – que é senso comum entre a equipe – entre outros.
O entrevistado II coloca: “Em conversa com alguns pais, foi destacada a
melhoria no comportamento em casa, e a apresentação de uma maior
responsabilidade com os estudos. Destaco, principalmente, a superação da
timidez de alguns adolescentes, e a possiblidade da saída de alguns de
situações de risco. Lembro, ainda, do quanto eles se ajudam mutuamente,
sendo os mais adiantados monitores dos iniciantes, demonstrando humildade e
companheirismo”. Esse comportamento desenvolvido pelos alunos, a partir das
aulas de música, vai de encontro à partilha do mundo lido, segunda etapa do
método Paulo Freire (1963), onde a validade de um conhecimento é dada
socialmente, não individualmente. A educação deve promover o aluno, fazer
com que o mesmo tenha autonomia intelectual. O aluno tem que ser
protagonista, participando de tudo que diz respeito a sua vida.
“Interação, respeito, trabalho em equipe, ajuda ao próximo” [...] “essas e
outras características beneficentes ao crescimento de cada um e cada uma,
foram e são de grande valia neste processo das aulas de música”, coloca o
entrevistado III. A superação da timidez de alguns adolescentes, através da
música e a melhoria do envolvimento com o grupo e o sentimento de pertença,
foram pontos destacados pelo entrevistado IV.
Da importância da educação musical na Escola Regular de Ensino, os
entrevistados demonstraram o reconhecimento da atividade com música, como
item necessário para a Educação Básica. A música, em um trabalho
interdisciplinar, pode contribuir significativamente com a aprendizagem, como
também para desenvolver habilidades que contribuam com a vida cotidiana
daqueles que a usufruem. O entrevistado II coloca que “o ensino da música
contribui para um desenvolvimento pleno das capacidades humanas, das
31
habilidades de aprendizagem, bem como na possibilidade de expressão dos
sentimentos e da criatividade artística”.
Foi destacada a importância da formação cultural, viabilizada pela
educação musical, ressaltando a relação da música, com o ambiente
escola/cultural, como sendo uma condição necessária para a formação social.
Em conformidade com a proposta do projeto social, a oficina de música,
utilizou-se a prática de conjunto como meio de difundir a música, reforçar a
identidade cultural e alimentar o desenvolvimento social.
A partir da análise de dados, coletados da entrevista por meio de
questionário aberto e da observação participante (Minayo, 1993), foi possível
compreender os benefícios dessa prática para os alunos envolvidos e para o
projeto. A observação detectou o desconhecimento e falta de informação dos
alunos, em relação à produção musical brasileira. A prática de conjunto
contribuiu para fixar os conteúdos estudados de forma prazerosa, aprendendo
praticando, tocando. Os ensaios despertaram o olhar crítico dos alunos sobre
seu próprio trabalho, desenvolvendo a partir de experimentações, a capacidade
de análise das atividades.
As apresentações constaram de experiências agradáveis e
desagradáveis, vividas pelos alunos, sob os cuidados do professor, sempre de
forma saudável. Tais experiências fizeram amadurecer o trabalho do grupo,
que passou a demonstrar essa maturidade em seus demais contextos de vida.
A desenvoltura dessa prática no tocante à interdisciplinaridade se deu com
êxito, reconhecida pela equipe pedagógica e pelos demais profissionais do
projeto, como um fato marcante, de acordo com as palavras de um dos
entrevistados; “Quando iniciamos o Projeto Ir. Lourenço, no CMJ, não haviam
aulas de Música. Depois que introduzimos essas aulas, pudemos observar que
os adolescentes e jovens conseguiram evoluir” [...] “na atenção e concentração
com as outras oficinas” [...].
Sobre o desenvolvimento social promovido pela prática de conjunto,
podemos observar que os alunos da oficina de música, passaram a ter um
ótimo relacionamento com os demais colegas, com suas famílias, suas
escolas, etc. Possibilitar a compreensão da função de cada um no grupo – na
banda, como chamado pelos alunos – com a devida importância, atinando para
32
humildade, companheirismo, responsabilidade, foi um trabalho brilhantemente
mediado pela prática de conjunto.
A observação participante mostrou a heterogeneidade dos estudantes,
que vinham de grupos sociais menos favorecidos, com as mais variadas
situações sociais, incluindo situação de risco. A educação musical, no contexto
trabalhado no projeto, mostrou-se – confirmado por declarações dadas na
entrevista – eficaz, apresentando características beneficentes aos alunos. A
participação da turma de música junto à de teatro numa das apresentações,
fazendo a sonoplastia da mesma, os fez enxergar as múltiplas funções e
possibilidades da música, sobre a qual um dos entrevistados faz menção
relacionada, colocando que a mesma, “é educativa em vários aspectos”.
Ainda sobre o repertório trabalhado na prática de conjunto, a
apresentação realizada no mês junino, aproximou a música brasileira, do
contexto dos alunos, com destaque para o que os mesmos conheciam como
forró. Essa proposta pedagógica e seu intuito relacionado são observados pela
equipe do projeto de forma positiva, onde colocam que possibilita; “desenvolver
o apreço pela música e pelo verdadeiro sentido dela na vida”, assim
compreendendo a importância da educação musical, quando confirmam que
faz os alunos desenvolverem; “habilidades e competências que podem ser
utilizadas em todos os aspectos da vida”.
33
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação musical trouxe ao projeto social, um reforço educacional para
formação dos alunos. Enquanto atividade cultural despertou a capacidade de
expressar sentimentos, idéias, meios de alcançar aquilo que almejavam:
desenvolver-se profissionalmente. A música é capaz de construir e interferir
fortemente na cultura de uma sociedade, onde a compreensão sobre os tipos
de música existentes e como os membros dessa sociedade a vivenciam vai
possibilitar o entendimento sobre essa cultura. A educação musical contribuiu e
vai contribuir diretamente para construção da identidade cultural dos alunos do
CMJ.
As experiências proporcionadas pela prática de conjunto mostraram-se
fundamentais para vivenciar situações, despertando a criticidade e promovendo
o desenvolvimento musical, moral, educacional e sociocultural. Também foi
possível relatar o progresso sobre a capacidade de compreensão e consciência
de si e do mundo, valorizando aspectos importantes, que antes não eram
sequer percebidos, presentes em seu cotidiano, desenvolvendo a criatividade e
imprimindo identidade àquilo que fazem. A prática de conjunto promoveu a
emancipação crítica dos jovens, fazendo-os questionar a imposição da mídia,
buscando novas opções musicais, procurando informações relacionadas à
cultura local e nacional. Desenvolveu a consciência da responsabilidade social,
levando os alunos do projeto a tratarem com mais seriedade as questões
políticas, educacionais, ambientais e de cidadania.
No tocante a musicalidade foi impressionante o impulso dado à prática
com os instrumentos e canto, através dos ensaios. Num espaço de tempo
consideravelmente curto, o progresso dos alunos de música era percebido
pelos alunos das outras oficinas e pelos funcionários do CMJ, que agregaram
cada vez mais responsabilidades ao grupo, através de apresentações dentro e
fora da instituição.
A participação dos alunos da oficina de música no espetáculo de fim de
ano revela a condição alcançada por eles através de seus esforços, quando
participaram do espetáculo teatral, sendo responsáveis pela trilha sonora do
34
mesmo, tocando ao vivo, juntamente com os alunos da oficina de percussão –
Projeto Pau e Lata9 – em sincronia com a atuação dos alunos de teatro e os
movimentos dos alunos de dança. Além dessa apresentação o grupo passou a
tocar nos eventos externos do CMJ, onde são realizadas oficinas de curta
duração, onde a prática de conjunto também se mostrou eficaz, e com
atendimentos à comunidade e cursos de formação. A visibilidade do progresso
desses alunos gerou oportunidades de inserções em contextos extraescolares,
como o exemplo dos alunos BC e WS, que conseguiram vagas no Instituto
Waldemar de Almeida para as turmas de violão e percussão. O aluno BC
passou a fazer parte também, da banda do colégio onde funciona o projeto,
como citado anteriormente. A aluna ER levou para igreja que frequenta os
conhecimentos adquiridos durante a prática no projeto, passando a fazer parte
da banda dessa igreja, tocando contrabaixo.
Por fim, embora a prática de conjunto seja aplicada desde o início dos
estudos e formas de ensino coletivo ao longo da história, até os dias atuais,
não se têm percebido sobre esta atividade, os benefícios que ela pode oferecer
à educação musical, com o intuito de dar sentido – para os alunos – ao estudo
da música. Somando-se a essa utilização da prática de conjunto, há ainda,
seus benefícios morais e socioculturais, apresentados nessa pesquisa e que
podem ter seu estudo continuado a fim de acrescentar informações sobre o
tema abordado.
9 O Projeto Pau e Lata, coordenado e ministrado por Danúbio Gomes, desenvolve atividades socioeducativas com crianças, jovens e adultos, de faixa etária entre 7 e 50 anos, em parceria com escolas da rede pública e ONGs. Proporcionando contato com a linguagem musical, o grupo utiliza materiais alternativos como elemento sonoro. <http://programasinapse.wordpress.com/2009/10/20/projeto-pau-e-lata-leva-musica-e-descontracao-a-xv-cientec/>. Acesso: 03/12/2010.
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ANEXO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA EM MÚSICA
ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA
ENTREVISTA PARA A EQUIPE PEDAGÓGICA DO IRMÃO LOURENÇO DO
CENTRO MARISTA DE JUVENTUDE
1. Em sua opinião, qual seria a importância da Educação Musical no
projeto Irmão Lourenço do Centro Marista de Juventude?
2. Você acredita que o ensino da Música contribui para o reconhecimento
da própria cultura, bem como para o desenvolvimento da criticidade em
relação a cultura musical veiculada pelos meios de comunicação de
massa? Por quê?
3. Levando-se em consideração que a Educação Musical, como mais uma
forma de interação social, pode proporcionar o desenvolvimento de
atitudes e habilidades favoráveis à boa convivência em sociedade (lidar
com diferenças, aceitar limites, conviver respeitosamente, aceitar pontos
de vista distintos, dentre outras), pergunta-se:
É possível afirmar que houve evolução durante as aulas de Música
lecionadas no Projeto CMJ? Como pôde perceber?
4. Que outros benefícios puderam ser observados durante o período de
aulas de Música?
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5. Você defenderia a inclusão da Educação Musical na Escola Regular de
Ensino? Por quais motivos?
37
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