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OS ANOS LULA Contribuições para um balanço crítico 2003-2010

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OS ANOS LULAContribuições para um balanço

crítico 2003-2010

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Conselho editorial

Bertha K. BeckerCandido MendesCristovam Buarque Ignacy SachsJurandir Freire CostaLadislau DowborPierre Salama

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OS ANOS LULAContribuições para um balanço

crítico 2003-2010

G a r a m o n d

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Copyright © dos autores, 2010

Direitos reservados para esta edição

Editora Garamond LtdaRua da Estrela, 79 - Rio Comprido - RJ 20251-021 – Rio de Janeiro, BrasilTel/fax: (21) 2504-9211 [email protected]

Revisão Carmem Cacciacarro

Editoração EletrônicaLuiz Oliveira

CapaEstúdio GaramondSobre foto de Sarah and Iain disponível em http://www.flickr.com/photos/sarahandiain/475731563/.

G624a Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. - Rio de Janeiro : Garamond, 2010. 424p.;16x23cm ISBN 978-85-7617-196-6 1. Brasil - Política econômica. 2. Brasil - Política e governo - 2003-. II. Título.

10-4233. CDD: 338.0981 CDU: 338.1(81)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTEDO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Paulo Passarinho .......................................................................................................... 7

ESTRATÉGIAS E MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

João Paulo de Almeida Magalhães ............................................................................ 19

MODELO LIBERAL-PERIFÉRICO E BLOCO DE PODER: POLÍTICA E DINÂMICA MACROECONÔMICA NOS GOVERNOS LULALuiz Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret, Paulo Balanco .......................... 35

ENDIVIDAMENTO DO ESTADO E SETOR FINANCEIRO NO BRASIL: INTERDEPENDÊNCIAS MACROECONÔMICAS E LIMITES ESTRUTURAIS AO DESENVOLVIMENTO

Miguel Bruno .............................................................................................................. 71

INSERÇÃO EXTERNA E VULNERABILIDADE DA ECONOMIA BRASILEIRA NO GOVERNO LULA

Marcelo Dias Carcanholo ......................................................................................... 109

DESENVOLVIMENTO E INSERÇÃO EXTERNA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO 2003-2009 NO BRASIL

Adhemar S. Mineiro .................................................................................................. 133

DESEMPENHO MACROECONÔMICO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA: GOVERNO LULA (2003-10)

Reinaldo Gonçalves .................................................................................................. 161

POLÍTICA INDUSTRIAL DO GOVERNO LULA

Wilson Cano, Ana Lucia Gonçalves da Silva ............................................................ 181

CONSIDERAÇÕES SOBRE ENERGIA E LOGÍSTICA NO BRASIL

Carlos Lessa, Raphael Padula, Gustavo Santos ....................................................... 209

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GOVERNO LULA UM BALANÇO CRÍTICO DA POLÍTICA DE TRANSPORTES

Fernando Mac Dowell .............................................................................................. 229

O BNDES E A REORGANIZAÇÃO DO CAPITALISMO BRASILEIRO: UM DEBATE NECESSÁRIO

Carlos Tautz, Felipe Siston, João Roberto Lopes Pinto, Luciana Badin .................. 249

A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: NÃO REFORMA E CONTRARREFORMA AGRÁRIA NO GOVERNO LULA

Ariovaldo Umbelino de Oliveira ............................................................................... 287

TRABALHO E SINDICALISMO NO GOVERNO LULA

Flávio Tonelli, Antônio Carlos Queiroz .................................................................... 329

A SAÚDE EM BANHO-MARIA

Ligia Bahia................................................................................................................ 351

EDUCAÇÃO NO GOVERNO DE LULA DA SILVA: A RUPTURA QUE NÃO ACONTECEU

Roberto Leher ........................................................................................................... 369

DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

Guilherme C. Delgado .............................................................................................. 413

SOBRE OS AUTORES ................................................................................................ 419

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APRESENTAÇÃO

Paulo Passarinho1

A organização e produção deste livro foi uma iniciativa das entidades de representação dos economistas do Rio de Janeiro – o Conselho Regional de Economia e o Sindicato dos Economistas – e do Centro de Estudos para o Desenvolvimento.

Essas entidades têm longa tradição em acompanhar e se posicionar a respeito da problemática do desenvolvimento brasileiro, e em particular com os rumos da política econômica. Esta tradição nos remete à própria reorganização da categoria dos economistas no Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 70, ainda em plena ditadura.

Naquela época, em meio à reorganização política de vários outros segmentos da sociedade civil, fundamos o Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro e iniciamos o processo de democratização do Conselho Regional e do nosso Sindicato. Em torno do chamado Movimento de Renovação dos Economistas do Rio de Janeiro, procurávamos acima de tudo ampliar os espaços de debate e posicionamento político da nossa categoria em um momento extremamente rico de vitalidade da luta contra o regime militar.

Desde então, sempre nos pautamos pela defesa de um novo modelo econômico para o Brasil, coerente com nossas preocupações com a real democratização do país, a defesa da soberania nacional e de uma concepção de desenvolvimento econômico e social capaz de reduzir as imensas desigualdades que nos marcam.

1 Economista formado pela UFRJ, ex-presidente do Conselho Regional de Economia (exercício de 2009), atual conselheiro da entidade e diretor do Sindicato dos Economistas do R.J. Autor de artigos sobre economia brasileira publicados em jornais e portais da internet, é também apresentador do programa de rádio Faixa Livre, especializado em economia e políticas públicas.

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Uma prova inequívoca do nosso envolvimento e comprometimento em torno dessas bandeiras é a existência e o trabalho ininterrupto que mantivemos com as edições mensais do Jornal dos Economistas ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000 – assim como dezenas de outras atividades, como debates, seminários e livros editados durante todos esses anos.

Além dessa tradição, a organização deste livro também é motivada pela própria natureza do movimento político que fez com que Lula, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados chegassem ao Governo Federal através da eleição presidencial de 2002.

Conforme é de amplo conhecimento, as correntes políticas majoritárias que venceram a eleição presidencial daquele ano sempre sustentaram uma forte crítica às reformas implantadas no Brasil a partir dos governos Collor de Melo, Itamar Franco e FHC.

Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico, baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.

Esse conjunto de reformas – verdadeiras contrarreformas, pelos seus aspectos antinacionais e antipopulares – tiveram o papel de introduzir em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da América Latina.

Paulatina e contínua remoção dos mecanismos de controle sobre os fluxos externos de capital, abertura comercial, privatizações de empresas estatais – como a estratégica Vale do Rio Doce – e de serviços públicos essenciais – como a distribuição de energia elétrica e gás e o setor de telecomunicações, fim, na prática, do monopólio estatal do petróleo ou as mudanças na legislação trabalhista – com o objetivo de facilitar a flexibilização e terceirização das relações de trabalho – foram algumas medidas que, a rigor, ficaram como marcos de uma nova fase que se abriu no Brasil a partir dos anos 90.

Essa fase pode ser caracterizada como a resposta encontrada pelo novo pacto político hegemônico forjado no país, buscando superar os impasses em que a economia e a própria sociedade brasileira se debatiam desde o início da década de 1980, com a crise da dívida externa e o esgotamento da chamada fase de substituição de importações.

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Contudo, assim como as correntes políticas lideradas por Lula, as sucessivas e diferentes direções das entidades representativas dos economistas no Rio de Janeiro sempre se colocaram como frentes de resistência e crítica ao ajuste promovido por esse pacto político dominante a partir dos anos 1990.

Dessa forma, e independentemente das vinculações partidárias dos membros dessas entidades, a vitória eleitoral de Lula em 2002 e a chegada do PT e seus aliados históricos ao Governo Federal, a partir de 2003, nos abriam, naturalmente, uma enorme expectativa em relação às possibilidades que então se descortinavam.

Mais do que isso, assumimos e identificamos que todo o trabalho de crítica permanente – assumido pelas direções das entidades dos economistas do Rio de Janeiro – aos programas governamentais desenvolvidos sob a égide neoliberal, bem como as alternativas que sempre defendemos e divulgamos como as mais adequadas ao nosso país, também reforçavam o amplo movimento político que acabou se tornando vitorioso em 2002.

Portanto, este livro procura avaliar em que medida os compromissos históricos de mudanças estruturais no país, inclusive reafirmados na polêmica Carta aos brasileiros, foram satisfeitos.

Nossa pretensão foi procurar nos reportar ao que experimentamos ao longo desses quase oito anos de governo, dentro de uma visão crítica e independente e a partir de premissas analíticas e proposições que sempre julgamos mais adequadas ao país, e das quais jamais abrimos mão.

Com isso, queremos também reafirmar que não compactuamos e não concordamos com qualquer tipo de silêncio, ou perplexidade, ante os aparentes paradoxos que o mundo da política nos reserva. Ao contrário, assumimos nossas posições com transparência. Queremos explicitamente resistir às tentações de compatibilizar o necessário e permanente exercício da crítica às conveniências e interesses políticos de ocasião. E afastamos a possibilidade de condicionar a crítica a uma estreita – e, em geral, oportunista – concepção de pragmatismo.

O critério que utilizamos para a organização deste trabalho foi o de convidar analistas – com reconhecida competência técnica, notória especialidade, independência crítica e inserção social e política nas áreas de avaliação contempladas – para nos oferecer artigos que apreciassem aspectos da política governamental com abordagens analíticas das estratégias adotadas e análises comparativas.

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Temos assim um conjunto de avaliações que, embora de responsabilidade exclusiva de seus autores, se encaixam no objetivo geral estabelecido para este projeto editorial, que é oferecer uma contribuição crítica acerca do que de fato pode ser apontado como relevante em termos do balanço de diferentes políticas e estratégias do Governo Federal neste período compreendido entre os anos de 2003 e 2010.

Contudo, esse balanço não contempla, naturalmente, o conjunto de responsabilidades inerentes ao Governo Federal, nem tampouco teve essa pretensão.

Queremos registrar, para a posteridade e para outras análises que se façam, algumas contribuições críticas em áreas de alta relevância para a compreensão histórica desse período.

O exercício de avaliação, sabemos, é sempre complexo, parcial e sujeito a subjetividades inerentes à percepção e sensibilidade de cada autor. Entretanto, a escolha dos especialistas convidados procurou privilegiar a independência intelectual e o respaldo profissional e político que a trajetória de cada um deles nos assegura, buscando obter avaliações que fujam às tentações do senso comum ou que se baseiem em aparências que não compreendem a essencialidade dos processos em curso.

Os temas mais contemplados neste conjunto de artigos abordam a problemática macroeconômica como uma decorrência da própria centralidade dessa questão, condicionante em larga medida do conjunto das políticas públicas. Os textos de João Paulo de Almeida Magalhães – Estratégias e modelo de crescimento –, Luis Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret e Paulo Balanco – Modelo liberal-periférico e bloco de poder: política e dinâmica macroeconômica nos governos Lula –, Miguel Bruno – Endividamento do Estado e setor financeiro no Brasil: interdependências macroeconômicas e limites estruturais ao desenvolvimento –, Marcelo Carcanholo – Inserção externa e vulnerabilidade da economia brasileira no governo Lula –, Adhemar Mineiro – Desenvolvimento e inserção externa: algumas considerações sobre o período 2003-2009 no Brasil – e Reinaldo Gonçalves – Desempenho Macroeconômico em perspectiva histórica: Governo Lula (2003-2010) – procuram interpretar e traduzir as principais características e especificidades da dinâmica macroeconômica desses anos dos governos Lula.

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A estratégia industrial, o problema da infraestrutura e a avaliação do mais importante instrumento de financiamento à atividade produtiva no país, que é o BNDES, são contemplados, respectivamente, pelas contribuições de Wilson Cano e Ana Lucia Gonçalves da Silva – Política industrial do Governo Lula –, Carlos Lessa, Gustavo Santos e Raphael Padula – Considerações sobre energia e logística no Brasil –, Fernando Mac Dowell – Política de transportes – e Carlos Tautz, Felipe Siston, João Roberto Lopes Pinto e Luciana Badin – O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário.

As questões agrária e urbana são apreciadas, respectivamente, por Ariovaldo Umbelino – A questão agrária no Brasil – e alguns dos aspectos relacionados à complexa problemática social são abordados nos trabalhos de Flavio Tonelli e Antônio Augusto Queiroz – Trabalho e sindicalismo no Governo Lula –, Ligia Bahia – A saúde em banho-maria –, Roberto Leher – Educação no governo Lula: a ruptura que não aconteceu – e Guilherme Delgado – Desigualdade social no Brasil.

Nosso objetivo inicial, com este projeto editorial, era oferecer uma visão analítica crítica de um número um pouco maior de temas que julgamos igualmente importantes para um trabalho da natureza a que este livro se propõe. Contudo, por razões alheias à nossa vontade, não nos foi possível atingir o conjunto inicialmente imaginado. Porém, temos a certeza de que este livro, com o expressivo número de artigos que reúne, contribuirá de forma relevante para o objetivo a que nos propomos, abordando o importante momento histórico que vivemos.

Afinal, o correto entendimento desse período, que se confunde com a chegada ao Governo Federal de um conjunto de partidos de esquerda, sob a liderança do PT, aliado com forças de centro e de direita, poderá nos ser útil para repensar os inúmeros desafios que continuam a se colocar em nosso horizonte, sem que haja, infelizmente, um mínimo de garantia de uma mudança estrutural que nos leve a alterar os rumos que o país assumiu desde o início dos anos de 1990.

Consideramos que, desde então, nos encontramos em uma quadra histórica marcada por uma acelerada e grave crise de valores e, no plano das perspectivas históricas para o país, em uma perigosa rota de perda de soberania e autonomia sobre os rumos a serem construídos para a nação brasileira.

Os efeitos que a ideologia dominante exerce sobre o conjunto da sociedade são notórios, em particular com a brutal apologia do individualismo e do

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exercício do consumismo como formas de realização humanas. Ao mesmo tempo – e paradoxalmente à evidente e crescente interdependência entre todas as formas de atividades sociais e produtivas – observamos a desvalorização do trabalho coletivo e solidário, como forma de superação dos desafios que as sociedades contemporâneas nos colocam.

No plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.

Mas os impasses que hoje vivemos constituem um fenômeno que tem suas explicações na nossa própria história recente, independentemente das notórias injunções de natureza externa que sofremos.

A marcha da economia brasileira a partir dos anos 1930 é identificada como o início do nosso processo de industrialização tardia. País até então construído predominantemente a partir dos interesses das potências europeias em associação com interesses empresariais locais, a crise de 1929 e a falência de uma economia baseada na exportação de matérias-primas para os países mais desenvolvidos abriram para o Brasil, a partir da chamada Revolução de 1930, uma nova etapa do seu desenvolvimento.

O período que então se inicia, apesar de suas inúmeras turbulências e conflitos – o maior deles representado pelo golpe empresarial-militar de 1964 –, é identificado como de hegemonia do modelo desenvolvimentista. De alguma forma, a ideia do Estado como articulador do esforço para, junto com o capital privado nacional e estrangeiro, empreender o processo de industrialização do país era visto como o caminho mais viável para a superação do nosso subdesenvolvimento pela grande maioria das correntes políticas. A divergência maior se dava justamente em relação ao peso, importância e papel a ser conferido a esses três diferentes entes, em particular em relação ao protagonismo do Estado e do capital estrangeiro.

Como principais polos antagônicos, dentro dessa estratégia desen-volvimentista, encontravam-se, de um lado, o desenvolvimentismo nacionalista – defensor de uma industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimentos estatais; e o desenvolvimentismo não nacionalista, que, por sua vez, defendia um processo de industrialização para o Brasil em ritmo

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compatível ao chamado equilíbrio macroeconômico, com forte participação dos capitais estrangeiros.2

O golpe de 1964 representou a consolidação da vitória desta segunda corrente, com todas as implicações de natureza política que marcam o país até meados dos anos 1980, quando é restabelecido um regime de liberdades democráticas formais, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988.

Entretanto, esse é um momento em que a crise da dívida externa, que explode no início dos anos 1980, ainda se manifesta de forma aguda. Essa referida década, para muitos perdida, encerrou, de fato, aquele ciclo desenvolvimentista iniciado nos anos de 1930 e que, inclusive, teve decisiva influência para o fim da ditadura.

Contudo, ainda não se havia esboçado um novo pacto hegemônico no país, de modo a permitir a superação daquele quadro marcado por um forte processo inflacionário e pela própria crise do Estado.

É neste contexto que um forte movimento social de massas emerge, com o revigoramento da atividade sindical, a criação da CUT, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, da afirmação do processo de construção do PT e de um movimento reivindicativo de massas que acaba por desaguar em forte pressão popular sobre os trabalhos do Congresso Constituinte de 1987 e 1988.

É um momento, portanto, de riqueza da luta social, mas também de disputa indefinida em relação às saídas da crise, inicialmente de natureza econômica, mas agora de inegável dimensão política.

Um bom exemplo dessas profundas contradições pode ser dado pelo resultado político gerado com a promulgação da nova Constituição de 1988.

Os constituintes – pressionados por uma formidável pressão popular – procuram conferir ênfase ao papel do Estado na promoção e financiamento da extensão de direitos sociais. É isso que fez com que Ulisses Guimarães denominasse a nova carta como a Constituição Cidadã. Entretanto, o presidente da República à época, José Sarney, não se sente nem um pouco constrangido em, imediatamente após a promulgação do novo texto constitucional, contra ele investir, em cadeia nacional de rádio e televisão, em decorrência da vinculação

2 Cf. Bielschowsky, R. In: Pensamento econômico brasileiro – O ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.

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constitucional de algumas receitas orçamentárias a determinadas funções de caráter social – saúde, educação, previdência, assistência social.

Enfim, vivíamos uma conjuntura de intensa disputa política, sem que estivesse clara uma nova definição de rumos para o país.

Somente nos anos 1990, e após a eleição e posteriormente ao impedimento de Collor, é que um novo pacto hegemônico começa a se conformar, com a conclusão do processo de renegociação da dívida externa, o lançamento do Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do país, em 1994.

Conforme já destacado, o processo que então se abre impulsiona e consolida uma nova etapa da história econômica, social e política do Brasil.

A adoção da agenda liberalizante ganha hegemonia e sepulta de vez o passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma unidade programática entre os seus diversos setores – bancos, multinacionais e grandes corporações nacionais.

A exitosa estratégia de redução do processo inflacionário confere as condições políticas para se aprofundar o processo de privatizações iniciado no governo Collor, e para se avançar nas mudanças constitucionais, jurídicas e institucionais requeridas pela nova ordem.

Porém, sucessivas crises financeiras se abatem em vários países da periferia, no México (1994), na Ásia (1997), na Rússia (1998), na Argentina (2001), e aqui mesmo no Brasil (1999 e 2002), colocando em xeque o modelo implantado. Além disso, profundos impactos no mundo do trabalho, decorrentes da reestruturação produtiva e de suas consequências negativas sobre o nível de emprego e renda dos trabalhadores, amadureceram as condições para uma derrota política e eleitoral do neoliberalismo e das correntes políticas que o representava.

Mesmo nos momentos de maior força do neoliberalismo, particularmente aqui na América Latina, em meados dos anos 1990, o Brasil e o PT eram vistos pelo mundo afora – especialmente pela esquerda mundial – como uma espécie de retaguarda de resistência e esperança de uma virada política que viria a acontecer a partir dos fracassos econômicos e sociais que o projeto liberal acumulava.

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Afinal, que outro país dispunha de um partido de esquerda enraizado, como o Partido dos Trabalhadores? Qual outro país possuía a força de um movimento de massas organizado como o MST, ou o apoio importante de segmentos médios, críticos das consequências do ajuste liberal realizado, como servidores públicos, estudantes, advogados progressistas ou expressivos setores ligados às igrejas? Que outro país podia contar com uma central sindical como a CUT, com sua força e representatividade? Particularmente, que outro país tinha o privilégio de ter construído uma liderança popular como o ex-retirante, ex-metalúrgico e líder político Luiz Inácio Lula da Silva, com todo o seu carisma e a sua simbologia?

Desse modo, a eleição presidencial de 2002, ao se aproximar – em meio a mais uma forte crise de governabilidade provocada pelo fracasso do modelo dos bancos e transnacionais –, apontava claramente para a objetiva possibilidade de o Brasil se reencontrar com o seu próprio futuro, como uma nação capaz de se reconstruir, com soberania e justiça. Seria a oportunidade de se deixar para trás os programas de ajuste e as políticas macroeconômicas sob inspiração do FMI; de se rever as privatizações levadas a cabo ao longo dos anos 1990; de se repensar o tipo de inserção externa que o país havia experimentado, aprofundando uma medíocre subalternidade às economias mais desenvolvidas.

Entretanto, como é suficientemente de domínio público, a própria crise brasileira de 2002 – produzida justamente pelos setores financistas –, o novo acordo celebrado pelo governo de FHC com o FMI e a forma adotada por Lula e pela sua campanha para construir o que foi chamado de governabilidade colocaram em suspenso as expectativas de mudanças substantivas na política, no modelo econômico e na hegemonia exercida pelo capital financeiro.

Se, eleitoralmente, a esperança havia vencido o medo, na política real a prudência – ou a metamorfose política dos vitoriosos – venceu as esperanças de uma decidida, firme e clara superação do legado neoliberal.

Passados quase oito anos das eleições de 2002, e tendo o governo Lula sido reeleito em 2006, temos agora a oportunidade de realizar o balanço desse período, conforme expresso nos artigos que compõem este livro.

As próximas décadas – em um mundo dominado pela globalização financeira, marcado por uma crise econômica de dimensões inéditas nos centros

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mais desenvolvidos do capitalismo e convivendo com o início do declínio do poder imperial, e até hoje inconteste, dos Estados Unidos – nos colocam graves interrogações.

Em que medida estamos nos preparando para o futuro de tensão e riscos que sempre caracterizam esses momentos históricos de transição da hegemonia do poder global, ou ao menos do padrão de dominação que se construiu a partir do final da Segunda Grande Guerra e, especialmente, após o fim da União Soviética?

Somos um país extremamente rico em diversos recursos minerais estratégicos, incluindo agora o disputadíssimo petróleo, em decorrência da descoberta dos campos do pré-sal; possuímos a Amazônia brasileira, a maior área dessa cobiçada e rica região sul-americana, santuário do maior patrimônio de biodiversidade da Terra; temos, em abundância, água e terras férteis, em meio a um mundo carente de alimentos e do líquido vital aos seres humanos. Além disso, temos um território continental e uma população que se aproxima dos 200 milhões de pessoas. Somos, enfim, um país com plena potencialidade de construir uma sociedade harmônica, com todas as condições de assegurar bem-estar material e acesso à educação, saúde e serviços básicos de ótima qualidade ao conjunto da nossa população.

Contudo, por força do modelo em curso, nos encontramos em acelerado processo de desnacionalização do nosso parque produtivo, em franca trajetória de reprimarização da nossa pauta de exportações, com a continuidade de medidas de liberalização financeira e sem nenhuma autonomia na estratégica área de geração de conhecimentos científicos e tecnológicos que possa atenuar a nossa dependência externa.

Que país, portanto, estamos construindo?

Essa talvez seja a principal pergunta que queremos estimular que seja respondida a partir da contribuição a que este livro se propõe.

Lula encerra os seus dois períodos presidenciais com grande popularidade, relativo crescimento econômico e geração de empregos de baixa remuneração e precária qualificação – mas significativos em relação aos seus mais recentes antecessores. Conta com acentuada projeção internacional junto aos círculos do poder dominante do mundo mais desenvolvido, junto às vozes do mercado, mas também com prestígio em relação aos dirigentes dos países em