ornitorrinco mamífero, pássaro ou réptil? tatuagem ... · fusão dos gelos e a redução da...

31
#136 EDIÇÃO OÁSIS O HOMEM É MESMO O MAIOR RESPONSÁVEL MUDANÇAS CLIMÁTICAS ORNITORRINCO Mamífero, pássaro ou réptil? TATUAGEM: ADEUS ÀS CAVEIRAS E DRAGÕES Agora é Shakespeare e Dante sobre a pele CABEÇA DE AVESTRUZ Os perigos da cegueira voluntária

Upload: lyquynh

Post on 08-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

#136

Edição Oásis

o homEm é mEsmo o maior rEsponsávEl

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ORNITORRINCO mamífero, pássaro

ou réptil?TATUAGEM:

ADEUS ÀS CAVEIRAS E

DRAGÕES agora é shakespeare e

dante sobre a peleCABEÇA DE AVESTRUZ

os perigos da cegueira voluntária

2/31OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

O s relatórios do ipcc sobre o clima e as mudanças climáticas foram publicados com intervalos de 5 a 7 anos um do outro (1990-1995-2001-2007, e agora

em 2013). Cada relatório foi elaborado com base em milhares de estudos científicos efetuados em todo o mundo. Exatamen-te devido ao caráter científico que devem ter os seus relató-rios, o ipcc leva em consideração apenas estudos e pesquisas publicados em revistas definidas , em inglês, peer reviewed: essa expressão, difícil de ser traduzida, indica que os trabalhos, antes de serem publicados, devem ser submetidos a uma revi-são por parte de outros cientistas igualmente abalizados. Esse processo, embora não sendo rápido nem perfeito, apresenta a vantagem de se verificar eventuais erros e conclusões incorre-tas. Essa vantagem é importante, especialmente para um tema tão relevante inclusive para as decisões dos políticos.

a tendência mostrada pela sucessão de relatórios do iPCC é

“O IntergOvernmental Panel On ClImate Change (IPCC), OrganIsmO da OnU qUe analIsa e elabOra Os estUdOs a

resPeItO dO ClIma há maIs de vInte anOs. O qUe devemOs esPerar? POderemOs POr Um fIm às dIsCUssões sObre O PaPel

das atIvIdades hUmanas na fOrmaçãO dO efeItO estUfa? COnsegUIremOs Prever Onde OCOrrerá seCa, fUraCões e

OUtras CatástrOfes meteOrOlógICas?”

OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

3/31

a da “presença” cada vez mais certa das ações do homem no clima do planeta. as atividades da nossa espécie, com efeito, influenciam o clima global: do uso dos combustíveis fósseis à derrubada das florestas, da pecuária à poluição do meio am-biente, praticamente tudo que fazemos contribui para modifi-car o equilíbrio energético do planeta. de acordo com aquilo que está sendo antecipado a respeito do próximo relatório, os pesquisadores aperfeiçoaram seus métodos e suas análises e chegaram à conclusão que, quase seguramente, é o homem o principal culpado pelo aquecimento do planeta. as atividades humanas seriam portanto as principais, e possivelmente as úni-cas, responsáveis pela mudança climática. Confira os resulta-dos deste último relatório do iPCC na nossa matéria de capa.

4/31OáSIS . ambiEntE

AM

BIE

NT

E

MUDANÇAS CLIMÁTICASO homem é mesmo o maior responsável

5/31OáSIS . ambiEntE

s 195 países membros do IPCC aprovaram um novo relatório sobre as mudanças climáticas. O trabalho en-volveu a participação de 859 cientistas de todo o mundo e foi submetido a duas fases de revisões por especialistas selecionados (569 revisores na primeira fase e 800 na segunda).

Esses cientistas assumiram a importan-

te tarefa de analisar e avaliar mais de 9.200 publicações científicas relaciona-das às observações de indicadores cli-máticos, modelos climáticos e projeções climáticas. Considera-se praticamente impossível que no relatório existam con-clusões erradas.

Efeitos antropogênicos na mudan-ça climática

Os conteúdos desse último relatório do IPCC mostram que as evidências cien-tíficas dos efeitos antropogênicos sobre o sistema climático foi se consolidando nos últimos anos. Em outras palavras, pode-se afirmar agora que a ação do ho-mem sobre o clima é evidente e clara.Analistas consideram que neste relató-rio a descrição dos vários aspectos das mudanças climáticas é muito mais con-sistente por estar baseada em:

- uma série bem mais ampla de evidên-cias acompanhadas de uma melhor aná-lise das incertezas inerentes a essas afe-rições; - uma análise mais aprofundada do es-tado do conhecimento científico sobre o efeito das nuvens, dos aerossóis, das radiações cósmicas sobre o sistema cli-mático e do efeito das monções e do

O

O Painel Intergovernamental da mudança Climática (IPCC) –entidade que estuda as mudanças atualmente em curso no clima do planeta – apresentou, a 27 de setembro último, parte do seu novo relatório. Conclusão: o aquecimento global é causado principalmente pelas atividades humanas na superfície da terra

Por: Luis PeLLegrini

fenômeno El Niño/La Niña sobre as mu-danças climáticas em escala regional; - uma análise de um número bem maior de simulações numé-ricas produzidas por uma nova geração de modelos climáticos mais avançados (Ear-th System Models) e que foram conva-lidados a partir de observações (foram avaliados mais de 2 milhões de gigabytes de dados e informa-ções obtidos nessas

simulações);- um conjunto de projeções climáticas tanto de cur-to prazo (2016-2035) quanto de longo prazo (2086-2100).

Além disso, pela primeira vez o relatório apresenta em anexo o Atlas das Projeções Climáticas Globais e Regionais.

As principais conclusões

É “extremamente provável” que mais da metade do aumento observado da temperatura superficial de 1951 a 2010 seja provocado pelo efeito antropo-

gênico sobre o clima (emissões de gases de efeito--estufa, aerossóis e mudanças no uso do solo). Tais fatores provocaram o aquecimento dos oceanos, a fusão dos gelos e a redução da cobertura de neve, a elevação do nível médio dos mares e a modificação de alguns extremos climáticos na segunda metade do século 20.

Temperatura em aumento:

As últimas três décadas foram as mais quentes des-de 1850, quando começaram as aferições termomé-tricas a nível global. O último decênio foi o mais quente. Com base nas análises dos recordes paleo

6/31OáSIS . ambiEntE

climáticos, o período 1983–2012 é muito provavel-mente o período de 30 anos mais quente dos últi-mos 1400 anos. Considerando-se a tendência linear, a temperatura média superficial global aumentou de 0,85 graus centígrados no período entre 1880-2012.

Mudanças também no regime das chuvas

Quanto às precipitações atmosféricas sobre a super-fície do planeta, verificou-se que nas terras emersas a médias latitudes as precipitações aumentaram a partir de 1901, e particularmente a partir de 1951.

A partir de 1950, foram observadas mudanças cada

vez mais importantes na ocorrência de eventos ex-tremos meteorológicos e climáticos. Em nível glo-bal, diminuiu o número de dias e noites frias, e au-mentou o número de dias e noites quentes; - a frequência de ondas de calor aumentou em vas-tas áreas da Europa, Ásia e Austrália.

Aquecimento dos oceanos

É “virtualmente certo”, diz o relatório, que os oce-anos superficiais se aqueceram durante os últimos decênios de 1971 a 2010. Nesse período esse aque-cimento manifestou-se particularmente acentuado, superando 0.11°C/decênio (entre 0,09 e 0,13) nos primeiros 75 metros de profundidade.

Criosfera

Verificou-se também que as calotas glaciares na Groenlândia e na Antártica perderam massa nos úl-timos dois decênios. Os glaciares se reduziram em quase todo o planeta e a diminuição da banquisa ártica está aumentando nos meses de verão. A calo-ta glacial na Groenlândia perdeu massa de maneira muito mais veloz nos últimos anos. A taxa média de diminuição aumentou de 34 Gt/ano em 1992-2001 para 215 Gt/ano em 2002-2011 (Gt = gigatonelada).

Na Antártica, a perda de massa das calotas glaciais aumentou de 30 Gt/ano em 1992-2001 para 147 Gt/ano em 2002-2011. Essa diminuição está concen-trada sobretudo na Península Antártica Setentrio

OáSIS . ambiEntE 7/31

nal e no Mar de Amundsen, na Antártica Ocidental.

O nível do mar

O nível global médio do mar aumentou 0,19 m no período entre 1901-2010. Baseando-se em recons-truções paleoclimáticas, é virtualmente certo que a taxa de aumento do nível global médio marinho se acelerou nos últimos dois séculos. Estima-se que a taxa média de elevação do nível global médio mari-nho seja de 1,7 mm/ano no período 1901-2010 e de 3,2 mm/ano no período 1993-2010.

Gases de efeito estufa e aerossóis

A concentração atmosférica global de CO2 (anidri-do carbônico) aumentou de cerca 40% em relação aos níveis de 1750. Esse aumento é causado pelo uso de combustíveis fósseis, pelo desflorestamento e, em menor medida, pela produção do cimento. Todas as atuais concentrações atmosféricas globais de CO2, metano (CH4), protóxido de azoto (N2O) são maiores do que as concentrações registradas nos cilindros de gelo dos últimos 800 mil anos. As concentrações atmosféricas globais dos gases CO2, CH4, N2O cresceram respectivamente cerca de 40%, 150%, e 20% desde 1750.

O homem é mesmo o maior culpado

A tendência mostrada pela sucessão de relatórios do IPCC é a da “presença” cada vez mais certa das ações do homem no clima do planeta. As atividades

8/31OáSIS . ambiEntE

da nossa espécie, com efeito, influenciam o clima global: do uso dos combustíveis fósseis à derrubada das florestas, da pecuária à poluição do meio am-biente, praticamente tudo que fazemos contribui para modificar o equilíbrio energético do planeta.

De acordo com aquilo que está sendo antecipado a respeito do próximo relatório, os pesquisadores aperfeiçoaram seus métodos e suas análises e che-garam à conclusão que, quase seguramente, é o homem o principal culpado pelo aquecimento do planeta. As atividades humanas seriam portanto as principais, e possivelmente as únicas, responsáveis pela mudança climática.

Quase seguramente? Os mais de 800 autores do “grupo de trabalho 1” (Working group I) do IPCC chegaram a dar um número que representa a pro-babilidade de que a atividade humana seja respon-sável pelo aquecimento global: 95%. A ciência não pode dar certezas absolutas, mas uma probabilida-de assim tão alta significa que os pesquisadores es-tão praticamente certos de que o aumento das tem-peraturas médias planetárias seja devido sobretudo à utilização dos combustíveis fósseis e à derrubada das florestas. Embora 95% do aquecimento seja de-vido ao homem, o 5% restante pode ter outra causa.

Menos certezas

No quinto relatório existem novidades importantes, como os capítulos dedicados às alterações do nível do mar e a fenômenos como El Niño. O trabalho inclui também a correção de alguns erros presen-tes no relatório precedente: em particular, busca-se esclarecer a sorte dos glaciares do Himalaia, que foram considerados como destinados ao desapare-cimento em 2007. Na elaboração do atual relatório os cientistas foram extremamente cautelosos ao delinear como funciona o clima e ao tecer projeções sobre as futuras alterações das temperaturas. Ten-do-se certeza de que maiores aumentos ocorrerão, sem dúvida, estuda-se agora como tais aumentos acontecerão e quais serão as suas consequências.

Que tempo fará no nosso quintal?

Apesar do incremento do número de certezas, o

OáSIS . ambiEntE 9/31

atual relatório do IPCC ainda contem, na opinião de alguns analistas, algumas deficiências. Entre elas, uma análise mais precisa das consequências locais da mudança climática. Se as temperaturas realmente subiram com regularidade (apesar da-quilo que dizem os negacionistas) a complexidade do sistema climático e meteorológico terrestre não permite saber ainda, com precisão, o que aconte-cerá em nível local. Ocorrerão mais furacões, mais secas, mais inundações, mais ondas de calor? Onde poderão acontecer esses eventos catastróficos? A mesma ciência que claramente nos adverte sobre o aquecimento global ainda não sabe apontar em quais lugares esse fenômeno irá golpear com maior ou menor intensidade.

10/31OáSIS . ambiEntE

11/31OáSIS . animal

AN

IMA

lORNITORRINCOMamífero, pássaro ou réptil?

12/31OáSIS . animal

rnitorrinco (Ornithorhyn-cus anatinus) permaneceu um bicho cheio de mistério para os estudiosos duran-te vários séculos: seu bico é como o de um pato, caminha como um reptil, sua cauda chata é como a dos castores,

o pelo é hidro repelente e similar ao das toupeiras. Pertence à ordem dos monotre-mos e é, junto a duas espécies de equid-na, o único mamífero a por ovos. Deles nascem filhotes que são nutridos com o

leite que sugam das tetas das mães. Em resumo, esse animal, exclusivo da Aus-trália oriental, é uma estranha mistura que representa, talvez, o elo de conjun-ção entre mamíferos e repteis. Seu nome (mono = apenas um; trema = orifício) deve-se à presença de uma cloaca, por-ção terminal do intestino, na qual con-fluem tanto o aparelho reprodutor quan-to o aparelho excretor.

Como os castores, as lontras e as nossas ariranhas, o ornitorrinco vive a maior parte do tempo na água, elemento para o qual está perfeitamente adaptado, in-clusive com as patas recobertas por uma forte membrana natatória.

A maior e mais importante particulari-dade do ornitorrinco, no entanto, acaba de ser descoberta e é de natureza gené-tica: ele é o único mamífero conhecido a possuir mais de dois cromossomas se-xuais. O ornitorrinco na verdade possui dez desses cromossomas.

É ovíparo e choca os ovos

Embora altamente especializada, a or-dem dos monotremos é muito primitiva. Durante muito tempo considerada uma ordem “mista” constituída de pássaro

Omas que bicho é esse? perguntaram, espantados, os zoólogos europeus quando conheceram esse curioso animal australiano. ele parece ser um raríssimo exemplo de conjunção evolutiva na qual várias ordens de animais se misturam

Por: equiPe oásis

13/31

e mamífero, ela na verdade não o é. O ornitorrinco separou-se do seu antepassado em comum com as aves há cerca 315 milhões de anos. Apesar disso, ele ainda apresenta algumas semelhanças com as aves, e a maior delas é o fato de ser ovíparo e chocar os ovos.

Uma pesquisa conduzida pelo zoólogo Frank Grüt-zner da Universidade de Adelaide, na Austrália, trouxe novos elementos para a compreensão do enigma evolutivo representado pelo ornitorrinco: se os mamíferos possuem dois cromossomas sexu-ais (X e Y), o ornitorrinco possui dez (5 X e 5 Y, nos machos). Além disso, esses cromossomas se asse-melham muito mais aos cromossomas Z dos pássa-ros do que aos XY dos mamíferos.

Mamífero, pássaro ou reptil?

O ornitorrinco, sem dúvida, é um animal estranho: além de possuir características de mamífero e de

pássaro, possui também algumas semelhanças com os repteis. O poderoso veneno que pode injetar com os esporões localizados nas pernas posteriores, por exemplo, é muito similar ao veneno das serpentes. Nesse caso, provavelmente, acontece uma conver-gência evolutiva (ramos diferentes da árvore evo-lutiva “inventaram”a mesma solução depois de se separarem).

Veja o vídeo aqui.

14/31OáSIS . animal

15/31OáSIS . animal

um exemPLar de equidna

Pesquisador brinca com um fiLhote de equidna

16/31OáSIS . ComPortamEnto

CO

Mp

OR

TA

MEN

TOTATUAGEM: ADEUS ÀS

CAVEIRAS E DRAGÕESAgora é Shakespeare e Dante sobre a pele

17/31OáSIS . ComPortamEnto

18/31OáSIS . ComPortamEnto

á 2 ou 3 décadas, quando a moda da tatuagem foi lançada – ou relançada, como seria mais corre-to dizer, já que ela existe

desde a era das cavernas – eram cavei-ras, sereias, serpentes, dragões, punhais, corações e borboletas. Em resumo, eram desenhos feitos com tecnologia indelével sobre bíceps, peitorais, nas costas, nas partes íntimas: para eles bastavam espa-ços bem pequenos. Mas agora, a última moda em matéria de tatuagem é o “text tattoo”, como é chamado em inglês o tex-to tatuado. Ele em geral precisa de muito

mais espaço. Um slogan, um ditado, um verso, uma letra de rock and roll, gra-vados nas costas, no peito, nas coxas, em qualquer zona do corpo onde exista suficiente espaço aberto. “Sou um livro aberto”, hoje, não é apenas um modo de dizer que mostro com rapidez e clare-za os meus pensamentos. Significa que você pode ler em mim os meus textos preferidos, inscritos na minha pele des-coberta.

Basta observar algumas celebridades para se dar conta disso. Angelina Jolie já mandara tatuar uma oração tailande-sa no ombro esquerdo, e agora tatuou um texto muito longo no braço direito, em árabe! Megan Fox tatuou algumas falas do Rei Lear, de Shakespeare, e Lin-dsay Lohan preferiu tatuar um trecho do Hamlet. O futebolista David Beckham escolheu uma frase latina: “Ut amem et foveam” (Para que eu ame e seja feliz), gravado logo abaixo do nome de sua mu-lher Victoria; Beckham também gravou o moto latino “Perfectio in spiritu” (No espírito da perfeição). Na Itália, algu-mas celebridades não deixam por me-nos: Elisabetta Canalis gravou na pele “I’ll never walk alone” (Nunca andarei sozinha), Nicole Minetti preferiu o bíbli-co “Kyrie eleison”, e o atleta Mario

Hfrases, versos ou inteiros trechos de obras literárias, as novas tatuagens agora são feitas no estilo “text tattoo”. da Inglaterra à Itália a tendência tomou conta do mercado

Por: enrico franceschini, do La rePubbLica

19/31OáSIS . ComPortamEnto

Balotelli ameaça com “I am the punishment of God. If you had not committed great sins, God would not have sent a punishment like me upon you” (Sou a ;punição divina. Se você não tivesse cometido gra-ves pecados, Deus não me teria enviado para te punir”. Belen Rodriguez, preferiu fazer bonitinho: “No llores si me amas, tu sonrisa es mi paz” (Se me amas não chores; o teu sorriso é a minha paz). Imitando os ricos e famosos, nas ruas de Londres a gente comum prefere trechos de obras célebres, como uma do romance “Moby Dick”, de Melville: Para sempre me lembrar quem sou e o que quero da vida”.

Frases célebres no corpo das estrelas

Em recente reportagem sobre o tema, a BBC, tele-visão britânica, observa que a moda do “text tat-too” é mais um sinal da evolução de um fenômeno marginal que se transforma em costume de massa. Antigamente, só marginais e delinquentes faziam tatuagem. Hoje é fácil encontrar pessoas tatuadas. E quem não tem quase sempre gostaria de fazer pelo menos uma. Nos Estados Unidos, 23% da po-pulação tem alguma tatuagem no corpo; 32% dos norte-americanos na faixa etária entre os 30 e os 45 anos são tatuados; no país existem 15 mil “tattoo parlors” - centros autorizados a fazer tatuagens nas pessoas; a atividade implica um giro de negócios que supera 2 bilhões de dólares ao ano. Na Itália, recorde europeu de tatuagens, parece ter desapare-cido o antigo preconceito contra essa forma de dco

OáSIS . ComPortamEnto 20/31

21/31

ração do corpo: é cada vez mais difícil que alguém não seja aceito num emprego por causa de uma ta-tuagem, informa a revistas Forbes.

O único problema das tatuagens de textos pare-ce ser temporal. Se aqueles que tatuam no corpo o nome do amado ou da amada e depois, quando o amor acaba, não sabem o que fazer, as tatuagens literárias criam um problema mais imediato. Nina Jablonsky, antropóloga da Pennsylvania University, autora do livro “Skin, a natural history”( Pele, uma história natural) diz que “É difícil manter compre-ensível durante muitos anos uma escrita feita sobre a pele. Depois de dois anos muitas delas tornam--se ilegíveis”. Sem falar que, como com as pessoas, pode-se perder o amor também por um livro: “Aos 15 anos você pode achar que ‘O jovem Holden’ seja o segredo da tua personalidade. Mas, aos 50, pode também ter mudado de ideia.”

5/5OáSIS . ComPortamEnto 22/31

23/31OáSIS . ComPortamEnto

OáSIS . sabEdoria

SA

BED

OR

IACABEÇA DE AVESTRUZOs perigos da cegueira voluntária

24/31

25/31OáSIS . sabEdoria

ayla Benefield estava ape-nas fazendo seu trabalho - até que ela descobriu um segredo terrível sobre sua cidade que fazia com que a taxa de mortalidade local fosse 80 vezes maior do

que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos. Mas quando ela tentou avisar as

G

muitas pessoas, ao se deparar com um fato grave e ameaçador, preferem adotar a postura do avestruz diante da tempestade: esconder a cabeça num buraco, esperando que a não visão do desastre possa anular os seus efeitos. margaret heffernan fala disso nesta excelente conferência pronunciada no tedVídeo: ted – ideas Worth sPreadingtradução: francisco dubieLa. reVisão: marina muraroLLi

pessoas sobre isso, ela se deparou com uma verdade ainda mais chocante: as pessoas não queriam saber. Numa pales-tra que é parte aula de história e parte um chamado para agir, Margaret He-ffernan demonstra o perigo da “ceguei-ra voluntária” e elogia pessoas comuns como Benefield que estão dispostas a se manifestar.

Margaret Heffernan já foi presidente de cinco empresas diversas. Ela gosta de investigar os padrões humanos de pen-samento – tais como a tendência a evitar conflitos e a assim chamada “cegueira seletiva”, na qual a pessoa só consegue ver aquilo que terríveis.

Em seu livro Willfull Blindness, He-ffernan mostra como as organizações empresariais pensam. E examina tam-bém por que tantos executivos e lideres empresariais frequentemente preferem ignorar o óbvio. Falando das consequên-cias disso, ela cita a própria crise finan-ceira global atualmente em curso, e tam-bém o desastre nuclear de Fukushima, no Japão.

Margaret Heffernan começou sua carrei-ra como produtora de televisão.

OáSIS . sabEdoria 26/31

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

“No canto noroeste dos Estados Unidos, quase na fron-teira canadense, há uma cidadezinha chamada Libby, em Montana, e que está cercada por pinheiros e lagos e uma vida selvagem incrível com essas árvores enormes que alcançam os céus. No meio disso está uma cidadezinha que eu visitei, e parecia meio desolada, um pouco isola-da.E em Libby, Montana, há uma mulher fora do comum chamada Gayla Benefield. Ela sempre se sentiu um pou-co forasteira, apesar de ter vivido a maior parte de sua vida lá, uma mulher da linhagem russa. Ela me contou que quando ia à escola, ela era a única garota que deci-diu fazer desenho industrial.

Mais tarde, ela conseguiu um emprego indo de casa em casa fazendo leituras de consumo - de gás e de luz. E ela fazia esse trabalho no meio do dia, e uma coisa especial prendeu sua atenção, que era, no meio do dia ela en-contrava muitos homens que estavam em casa, de meia idade, de terceira idade, e muitos deles pareciam usar tanques de oxigênio. Ela achou esquisito. Alguns anos depois, o pai dela morreu com 59 anos de idade, cinco dias antes de poder receber sua aposentadoria. Ele havia sido um minerador. Ela pensou que ele devia ter se can-sado com o trabalho.

Mas alguns anos depois, a mãe dela morreu, e isso lhe parecia estranho, pois sua mãe vinha de uma longa li-nhagem de pessoas que pareciam viver para sempre. De fato, o tio de Gayla ainda está vivo hoje, e aprendendo a dançar valsa. Não fazia sentido que a mãe de Gayla morresse tão jovem. Era uma anomalia, e ela continuou a refletir sobre as anomalias. E quando refletiu, outras

vieram à mente. Ela se lembrou, por exemplo, de quando sua mãe quebrou uma perna e foi ao hospi-tal, e fez vários raios-X, e dois deles eram raios-X da perna, o que fazia sentido, mas seis deles eram raios-X do peito, que não faziam sentido.

Ela refletiu e refletiu sobre cada episódio de sua vida e da vida de seus pais, tentando entender o que ela estava vendo.

Ela pensou sobre sua cidade. A cidade tinha uma mina de vermiculita. A vermiculita era usada em condicionadores de solo, para fazer as plantas cres-cerem mais rápido e melhor. A vermiculita era usa-da para isolar os sótãos, em grandes quantidades colocadas debaixo do telhado para manter as casas

OáSIS . sabEdoria

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

margaret heffernan

quentes durante os longos invernos de Montana. A ver-miculita estava nos parques. Estava no campo de futebol. Estava no ringue de patinação.O que ela não sabia até começar a trabalhar nesse problema é que a vermiculita é uma forma muito tóxica de asbesto.

Quando ela decifrou o quebra-cabeças, ela começou a contar a todo mundo sobre o que aconteceu, o que havia acontecido com seus pais e com as pessoas que ela viu com tanques de oxigênio em casa no meio do dia. Mas ela estava realmente assombrada. Ela pensava, quando todo mundo souber, eles vão querer fazer alguma coi-sa, mas na verdade ninguém queria saber. De fato, ela se tornou tão irritante quando continuava a insistir em contar essa história aos seus vizinhos, seus amigos e às outras pessoas da comunidade que, finalmente alguns deles se juntaram e fizeram um adesivo de para-choque,

que orgulhosamente mostravam em seus carros, que dizia: “Sim, eu sou de Libby, Montana, e não, eu não tenho asbestose.”Mas Gayla não parou. Ela continuou a fazer sua pesquisa. A chegada da Internet definitivamente a ajudou. Ela falava com todo mundo que podia. Ela discutia e discutia, e finalmente ela teve um golpe de sorte quando um pesquisador veio para a cidade estudar a história das minas da área, e ela lhe con-tou sua história, e a princípio, é claro, como todo mundo, ele não acreditou nela, mas quando ele vol-tou para Seattle e fez sua própria pesquisa, ele des-cobriu que ela estava certa.

Então agora ela tinha um aliado. Contudo, as pes-soas ainda não queriam saber. Elas diziam coisas como: “Bom, se isso fosse realmente perigoso, al-guém teria nos avisado.” “Se for por isso que todo mundo está morrendo, os médicos teriam nos dito.”Alguns dos homens que faziam trabalhos pe-sados diziam: “Eu não quero ser uma vítima. Eu não posso ser uma vítima, e de qualquer forma, toda indústria tem seus acidentes.”

Mas ainda assim Gayla continuou, e finalmente teve sucesso ao fazer uma agência federal vir para a cidade e examinar os habitantes da cidade - 15 mil pessoas - e o que eles descobriram foi que a cidade tinha uma taxa de mortalidade 80 vezes maior do que qualquer lugar dos Estados Unidos. Isso foi em 2002, e mesmo naquele momento, ninguém levan-tou a mão e disse: “Gayla, olhe no playground onde seus netos estão brincando. É forrado com vermi

OáSIS . artE

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

28/31

culita.”

Isso não era ignorância. Era cegueira voluntária. A ce-gueira voluntária é um conceito legal que significa, se há informação que você pode e você deve saber mas de alguma forma você decide não saber, a lei considera que você é um cego voluntário. Você escolheu não saber. Há muita cegueira voluntária nos dias de hoje. Podemos ver a cegueira voluntária nos bancos, quando milhares de pessoas concederam hipotecas a pessoas que não podiam pagar por elas. Podemos ver em bancos quando taxas de juros foram manipuladas e todo mundo sabia o que estava acontecendo, mas todo mundo ignorou diligente-mente. Podemos ver a cegueira voluntária na Igreja Ca-tólica, onde décadas de abuso infantil foram ignoradas. Podemos ver a cegueira voluntária na véspera da Guerra do Iraque. A cegueira voluntária existe em escalas épicas como essas, e também existe em escalas muito pequenas, nas famílias das pessoas, nas casas das pessoas e nas co-munidades, e especialmente nas organizações e institui-ções. Às companhias que foram avaliadas por cegueira voluntária podem ser feitas questões como: “Há proble-mas no trabalho que as pessoas têm medo de levantar?” E quando os acadêmicos fizeram estudos como esse das corporações nos Estados Unidos, o que eles descobriram foi que 85% das pessoas dizem sim. 85% das pessoas sa-bem que há um problema, mas elas não dizem nada. E quando eu repeti essa pesquisa na Europa, perguntando as mesmas questões, eu encontrei exatamente o mesmo número. 85%. É um bocado de silêncio. É um bocado de cegueira. E o que é realmente interessante é que quando vou à companhias na Suíça, eles me dizem: “Este é um problema só da Suíça.” E quando vou para Alemanha,

eles dizem: “Ah sim, isto é uma doença alemã.”E quando vou para companhias na Inglaterra, eles di-zem: “Ah sim, os ingleses são muito ruins nisso.” E a verdade é que isso é um problema humano. Todos nós somos, sob certas circunstâncias, voluntaria-mente cegos.O que a pesquisa mostra é que algumas pessoas são cegas por medo. Elas têm medo de retaliação. E al-gumas pessoas são cegas pois elas pensam que re-parar em tudo é fútil. Nada vai mudar. Se fizermos um protesto contra a Guerra do Iraque, nada vai mudar, então por que se importar? É melhor não reparar nisso.

E o tema recorrente que encontro o tempo todo é as pessoas dizendo: “Bom, sabe, as pessoas que

OáSIS . sabEdoria

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

reparam, elas são dedos-duros, e todos sabemos o que acontece com elas.”Há esta mitologia profunda sobre os dedos-duros que diz, em primeiro lugar, que eles são malucos. Mas o que descobri viajando pelo mundo e conversando com dedos-duros é que, na verdade, eles são pessoas muito leais e frequentemente conservado-ras. Elas são muito dedicadas com as instituições para as quais trabalham, e a razão delas se manifestarem, a razão delas insistirem em reparar, é porque elas se im-portam muito com a instituição e querem mantê-la sau-dável.E a outra coisa que as pessoas sempre dizem sobre os dedos-duros é: “Bom, não tem saída, pois você pode ver o que acontece com eles. Eles são esmagados. Ninguém gostaria de passar por algo assim.” E ainda assim, quan-do converso com dedos-duros, o tom recorrente que es-cuto é orgulho.

Eu penso em Joe Darby. Todos nos lembramos das fotografias de Abu Ghraib, que chocaram tanto o mundo e nos mostraram o tipo de guerra que esta-va sendo travada no Iraque. Mas eu me pergunto se alguém se lembra de Joe Darby, o bom e obediente soldado que encontrou essas fotografias e as entre-gou. E ele disse: “Sabe, não sou o tipo de cara que dedura as pessoas, mas algumas coisas passam dos limites. A ignorância é uma benção, dizem, mas não podemos tolerar coisas como essa.”

Eu conversei com Steve Bolsin, um médico inglês, que lutou por cinco anos para alertar sobre um pe-rigoso cirurgião que estava matando bebês. E eu perguntei por que ele fez isso, e ele disse: “Bom, na verdade foi minha filha que me motivou a fazer isso. Ela veio a mim numa noite, e ela apenas disse: ‘Pai, você não pode deixar crianças morrerem.’”

Ou penso em Cynthia Thomas, uma filha e espo-sa de militares, que, ao ver seus amigos e parentes voltarem da Guerra do Iraque, ficou tão chocada com suas condições mentais e a recusa das forças armadas em reconhecer e admitir a síndrome de estresse pós-traumático que ela estabeleceu um café no meio de uma vila militar para dar a eles as-sistência legal, psicológica e médica. E quando ela falou comigo, ela disse: “Sabe, Margaret, eu costu-mava dizer que não sabia o que eu queria ser quan-do eu crescesse. Mas eu me encontrei nessa causa, e nunca mais serei a mesma.”

OáSIS . artE

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

30/31

Todos nós aproveitamos tantas liberdades hoje em dia, liberdades conquistadas a muito custo: a liberdade de escrever e publicar sem medo de censura, uma liberdade que não havia aqui na última vez que fui para a Hungria; a liberdade de votar, pela qual as mulheres em parti-cular tiveram de lutar muito; a liberdade de pessoas de diferentes etnias e culturas e orientação sexual viverem da maneira que quiserem. Mas a liberdade não existe se você não usá-la, e o que os dedos-duros fazem, e o que pessoas como Gayla Benefield fazem é usar a liberdade que elas têm. E o que elas estão muito preparadas a fa-zer é reconhecer que sim, isso vai ser uma discussão, e sim, eu vou ter um monte de brigas com meus vizinhos e meus colegas e meus amigos, mas eu vou me virar muito bem neste conflito. Eu vou confrontar meus opositores, pois eles tornam meu argumento melhor e mais forte. Eu posso colaborar com meus oponentes para me tornar melhor no que eu faço. Estas são pessoas de persistência imensa, paciência incrível, e uma determinação absoluta para não ficar cegas nem silenciosas.

Quando fui a Libby, Montana, visitei a clínica de asbes-tose que Gayla Benefield criou, um lugar onde a prin-cípio algumas das pessoas que queriam ajudar e preci-savam de ajuda médica entravam pela porta dos fundos pois não queriam admitir que ela estava certa. Eu fui a um restaurante, e observei os caminhões indo e vin-do pela rodovia, carregando a terra fora dos jardins e a substituindo por solo fresco e não contaminado.

Eu levei minha filha de 12 anos comigo, pois eu queria que ela conhecesse a Gayla. E ela perguntou: “Por que? Qual a importância disso?”

Eu respondi: “Ela não é uma estrela de cinema, e ela não é uma celebridade, e ela não é uma expert, e Gayla é a primeira pessoa que afirmaria que ela não é uma santa. O que é realmente importante sobre a Gayla é que ela é comum. Ela é como você, e ela é como eu. Ela tinha liberdade, e ela estava pronta para usá-la.” Muito obrigada.”

OáSIS . sabEdoria

Tradução integral da palestra de Margaret Heffernan

31/31