origens educ protestant sergipe

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ORIGENS DA EDUCAÇÃO PROTESTANTE EM SERGIPE 1884-1913 ESTER FRAGA VILAS-BÔAS Professora da Rede Estadual de Ensino e Mestranda em Educação da Universidade Federal de Sergipe As produções referentes à prática educativa protestante na historiografia educacional brasileira ainda são tímidas, algumas vezes carregadas nas tintas do espírito teológico e religioso, privilegiando mais a região sudeste, o que surpreende pelo fato do protestantismo ter estado presente quase simultaneamente em grande parte do território nacional. Autores como Fernando de Azevedo e Jorge Nagle 1 , apesar de terem analisado demoradamente a educação brasileira, são tímidos no que se refere à educação protestante. Um estudo mais específico foi desenvolvido por Jether Pereira Ramalho 2 , onde tratou em profundidade sobre a temática e sua relação com a ideologia. Dentre outras pesquisas, destacam-se as obras de Peri Mesquida, Osvaldo Henrique Hack e Leda Rejane A . Sellaro 3 . A historiografia sergipana, quando trata especificamente da educação no Estado, sequer faz referência a presença de instituições educacionais protestantes, como foi o caso da “História da Educação em Sergipe”, de autoria da professora Mª Thetis Nunes 4 , e do livro do professor José Antonio Nunes Mendonça intitulado “A Educação em Sergipe” 5 . O único que fez alusão à Escola Americana foi o Padre Philadelpho em seus livros “História de Laranjeiras” e “Registros de Fatos Históricos de Laranjeiras” 6 , levando-me a concluir que ele retirara aquelas informações dos Livros de Tombo da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Laranjeiras. No entanto, esta característica não é privilégio da historiografia educacional sergipana. A maior parte dos trabalhos sobre educação produzidos no Brasil, a partir da década de 60 deste século, prioriza o período republicano, ignorando quase que completamente a presença protestante no contexto educacional do país. Boa parte das pesquisas desenvolvidas sob a perspectiva da História Nova, principalmente a partir da década de 80, têm revisitado as leituras feitas na História da Educação Brasileira sobretudo com os pioneiros da pedagogia da Escola Nova. Porém, poucos têm levado em consideração a importância da implementação da pedagogia escolanovista nas escolas protestantes. Para Sergipe, o presente trabalho coloca-se como um primeiro debruçar sobre a questão. 1 AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República In FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização brasileira, Tomo III, 2º ed., RJ/SP.DIFEL, 1978. 2 RAMALHO, Jether P. Prática educativa e sociedade. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1976. 3 MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora, EDUFJ, 1994. HACK, Osvaldo H. Protestantismo e educação brasileira. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1985.SELLARO, Leda Rejane A .Educação e religião. Dissertação de Mestrado, UFPE, 1987. 4 NUNES, Mª Thetis. História da educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 1984. 5 MENDONÇA, José A . Nunes. A educação em Sergipe. Aracaju, Livraria Regina, 1958. 6 OLIVEIRA, Vig. Philadelpho J. de. História de Laranjeiras. Aracaju, Segrase, 2ª ed., 1981. Registro de fatos históricos de Laranjeiras. Aracaju, Casa Ávila, 1942.

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A autora apresenta o projeto de educacao protestante no nordeste do Brasil no início do século 20.

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Page 1: Origens Educ Protestant Sergipe

ORIGENS DA EDUCAÇÃO PROTESTANTE EM SERGIPE 1884-1913

ESTER FRAGA VILAS-BÔAS

Professora da Rede Estadual de Ensino e Mestranda em Educação da

Universidade Federal de Sergipe

As produções referentes à prática educativa protestante na historiografia

educacional brasileira ainda são tímidas, algumas vezes carregadas nas tintas do espírito

teológico e religioso, privilegiando mais a região sudeste, o que surpreende pelo fato do

protestantismo ter estado presente quase simultaneamente em grande parte do território

nacional. Autores como Fernando de Azevedo e Jorge Nagle1, apesar de terem analisado

demoradamente a educação brasileira, são tímidos no que se refere à educação

protestante. Um estudo mais específico foi desenvolvido por Jether Pereira Ramalho2,

onde tratou em profundidade sobre a temática e sua relação com a ideologia. Dentre

outras pesquisas, destacam-se as obras de Peri Mesquida, Osvaldo Henrique Hack e

Leda Rejane A . Sellaro3. A historiografia sergipana, quando trata especificamente da educação no Estado, sequer faz

referência a presença de instituições educacionais protestantes, como foi o caso da “História da Educação

em Sergipe”, de autoria da professora Mª Thetis Nunes4, e do livro do professor José Antonio Nunes

Mendonça intitulado “A Educação em Sergipe”5. O único que fez alusão à Escola Americana foi o Padre

Philadelpho em seus livros “História de Laranjeiras” e “Registros de Fatos Históricos de Laranjeiras”6,

levando-me a concluir que ele retirara aquelas informações dos Livros de Tombo da Paróquia Sagrado

Coração de Jesus, em Laranjeiras. No entanto, esta característica não é privilégio da historiografia

educacional sergipana. A maior parte dos trabalhos sobre educação produzidos no Brasil, a partir da

década de 60 deste século, prioriza o período republicano, ignorando quase que completamente a

presença protestante no contexto educacional do país. Boa parte das pesquisas desenvolvidas sob a

perspectiva da História Nova, principalmente a partir da década de 80, têm revisitado as leituras feitas na

História da Educação Brasileira sobretudo com os pioneiros da pedagogia da Escola Nova. Porém, poucos

têm levado em consideração a importância da implementação da pedagogia escolanovista nas escolas

protestantes. Para Sergipe, o presente trabalho coloca-se como um primeiro debruçar sobre a questão.

1 AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República In FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização brasileira, Tomo III, 2º ed., RJ/SP.DIFEL, 1978. 2 RAMALHO, Jether P. Prática educativa e sociedade. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1976. 3 MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora, EDUFJ, 1994. HACK, Osvaldo H. Protestantismo e educação brasileira. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1985.SELLARO, Leda Rejane A .Educação e religião. Dissertação de Mestrado, UFPE, 1987. 4 NUNES, Mª Thetis. História da educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 1984. 5 MENDONÇA, José A . Nunes. A educação em Sergipe. Aracaju, Livraria Regina, 1958. 6 OLIVEIRA, Vig. Philadelpho J. de. História de Laranjeiras. Aracaju, Segrase, 2ª ed., 1981. Registro de fatos históricos de Laranjeiras. Aracaju, Casa Ávila, 1942.

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Note
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/051_ester_fraga.pdf
Page 2: Origens Educ Protestant Sergipe

Numa perspectiva historiográfica, analisarei de que maneira o projeto educacional proposto

pelos presbiterianos – primeira denominação a instalar-se em Sergipe – funcionou como elemento

modificador da realidade educacional sergipana entre 1884 a 1913 – período em que o trabalho

protestante foi exclusivamente dessa denominação. Os questionamentos suscitados pelo estudo

conduziram-me sobretudo à documentação institucional presbiteriana – Livros de Ata da Igreja de

Laranjeiras e da Missão Central do Brasil _, uma vez que as fontes oficiais revelaram-se insuficientes.

Assim, além da busca de documentos manuscritos e impressos, foi necessário recorrer às fontes

iconográficas e orais. Me vali de FEBVRE quando afirma que

“Onde faltam os monumentos escritos, deve a história demandar às línguas mortas os seus segredos... (...) Onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história. (...) A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permitir fabricar o seu mel, na falta de flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas (...). Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve do homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”7.

Durante todo o período colonial brasileiro, foi impossível a implantação do protestantismo no

Brasil, pois, como acontecia na metrópole, aqui o catolicismo romano _ seguindo o modelo ibérico e

expandindo-se nos moldes da Contra-Reforma _ tinha o domínio no setor religioso. Era a religião do

homem brasileiro, inserida no seu cotidiano. Aceitar os princípios da crença protestante implicava em

mudança de padrões culturais e valores éticos não condizentes com seu sistema valorativo. O

protestantismo precisou esperar o surgimento de condições históricas favoráveis para sua definitiva

inserção. O século XIX chegaria trazendo consigo as mudanças históricas que estavam ocorrendo no

mundo; as lutas e anseios dos séculos precedentes que culminaram com as aspirações postas pela

Revolução Francesa. Os avanços da ciência e da tecnologia e, juntamente os ideais liberais, invadiriam o

Brasil através do chamado “espírito da civilização moderna” que exigia a secularização progressiva da

sociedade, pois o avanço científico reclamava a separação da Igreja do Estado. Naquele momento, o

segmento liberal da sociedade brasileira acreditava que o país precisava entrar “ no esquema das nações

mais avançadas” e o caminho era uma educação “voltada mais para a ciência e a técnica”8. Ajustar,

pois, o Brasil à modernidade capitalista foi tarefa que a “intelligentsia” nacional pretendeu consolidar,

tendo na educação o mecanismo inconteste para elevar o país à condição de nação desenvolvida,

disseminando o ensino público no país.

Após um primeiro momento da penetração de imigrantes anglo-saxões, a

implantação da nova religião só veio se efetivar no Brasil na segunda metade do século

XIX com a chegada de imigrantes norte-americanos oriundos de missões das chamadas

denominações históricas – metodistas, congregacionais, presbiterianos e batistas. Estes

7 FEBVRE, Lucien Apud LE GOFF. Jacques. Documento/Monumento. In Enciclopédia Einaudi. Vol. I, p. 98. 8 PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos, p. 74.

Page 3: Origens Educ Protestant Sergipe

instalaram-se e organizaram no país igrejas e escolas com o objetivo de por em prática

principalmente um projeto de expansão cultural na visão de Weber, “um estilo de vida

normativo, baseado e revestido de um ética”9 individualista, conversionista e

excludente.

Naquele período, tensões internas provocadas pela questão da escravidão

dividiram a nação norte-americana também no campo da religião. Em 1837, os

presbiterianos dividiram-se em Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos

(PCUSA) e em Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (PCUS), estabelecendo

posteriormente missões no Brasil. Em 1871, foi formado o primeiro núcleo de

missionários presbiterianos no nordeste vinculados à “Brazil Mission” da Igreja

Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos, com escritório em Nova Iorque. Em 1897 a

“Brazil Mission” dividiu-se em “South Brazil Mission” compreendendo os Estados do

sul do país, e em “Central Brazil Mission”, responsável pela ocupação dos campos da

Bahia e Sergipe, estabelecendo-se em Salvador. Vinte anos depois dessas missões

mandarem seus primeiros representantes para o Brasil, existiam em todos os principais

centros do país colégios protestantes e uma rede de escolas “paroquiais” – escolas

primárias ao lado da igreja _ não só para sua clientela como para aqueles que

professavam outras religiões. Sob a liderança do reverendo William Alfred Waddell, os

missionários da Junta de Nova Iorque organizaram mais de quarenta escolas paroquiais

e alguns colégios na Bahia e em Sergipe.

Na visão dos educadores norte-americanos, o ensino confessional e público

naquele momento, com exceção das escolas privadas, caracterizavam-se por uma prática

educativa essencialmente memorizadora, pois de acordo com Maria Cecília C. C. de

Souza,

“No ambiente contra-reformista em que o catecismo foi instituído, a repetição mecânica era necessária – não se podia aceitar que o catecúmeno reproduzisse com suas próprias palavras e desenvolvesse idéias próprias sobre aquilo que era dogma da fé, sob o risco da heresia.”10

Essa realidade favoreceria a irradiação das escolas protestantes não só nas principais cidades do Império

como também na zona rural. Para AZEVEDO, essas instituições

9 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.37. 10 SOUZA, Maria Cecília C. C. de. Decorar, lembrar e repetir: o significado de práticas escolares na escola brasileira do final do século XIX. In: SOUZA, Cyntia P. (Org.). História da educação: processos, práticas e saberes, p. 83.

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“ provocaram um choque em nosso mundo pedagógico por implicarem uma ruptura com a tradição escolar do país. Onde imperava a intolerância religiosa, ergueu-se o princípio de liberdade de consciência: as escolas estariam abertas a todos sem discriminação de crenças e de culto. Em lugar de separação de meninos e meninas por classes, quando não por escolas diferentes, o que se procurou estabelecer, foi o regime da co-educação. Métodos que faziam mais apelo à inteligência do que à memória, tomavam o lugar às práticas habituais de estudo em voz alta e da decoração que convidavam ao sono nas escolas.(...) Em vez de uma organização rígida baseada na autoridade e na disciplina, uma organização fundada no princípio de liberdade, de compreensão mútua e de colaboração”11.

As tentativas das ações implementadas na área educacional pelos Presidentes da

Província e a ampliação do número de escolas particulares no espaço educacional

sergipano facultariam a organização da primeira escola protestante. Acompanhando o

sistema semelhante ao de “franquia” de seus estabelecimentos escolares, dois anos após

a Missão organizar a primeira igreja presbiteriana em Sergipe, em 1886 inicialmente

instalou a Escola Americana na cidade de Laranjeiras, organizando posteriormente

escolas paroquiais em Aracaju, Estância, Simão Dias, Urubutinga e Frei Paulo. Sob a

direção do baiano e presbiteriano professor Manoel Nunes da Motta, inicialmente a

escola funcionou na andar térreo do “Sobrado dos Protestantes”12, e, além de oferecer os

cursos Primário e Secundário para ambos os sexos, recebia também alunos não crentes

e possuía internatos masculino e feminino. Como as mensalidades eram baixas, as

crianças menos favorecidas podiam frequentá-la. As aulas eram ministradas por

professoras; das disciplinas oferecidas no Secundário constava Aritmética, Geografia,

Inglês, Português, Francês, Prendas e Música (a escola possuía um piano)13.

Na época, os jornais não se reportaram à existência da escola, dando ênfase só

aos polêmicos embates travados entre os católicos e os convertidos à nova fé. Este fato

reportou-me à música que é construída por símbolos, dentre eles notas e pausas. As

primeiras representam os sons que ouvimos e as pausas, os espaços de silêncio,

formando assim uma melodia. Não só o som, mas sua ausência também é música. Como

na música, é preciso aprender a ler na história o propósito da formação e utilização dos

testemunhos escritos, e a ausência deles. O que pode ser lido no silenciamento da

imprensa no que se refere à Escola Americana foi que as investidas feitas pelos

11 AZEVEDO, Fernando de. “Uma interpretação do Instituto Mackenzie”. In: Revista da FLEP (Faculdade de Letras, Educação e Psicologia). Universidade Mackenzie, Ano I, nº 1, novembro de 1997, p. 13. 12 Termo como ficou conhecida na cidade a casa alugada pelos missionários. 13 Livro de Matrícula do Ensino Particular – 1900, p. 08, Arquivo Público do Estado de Sergipe.

Page 5: Origens Educ Protestant Sergipe

missionários na área educacional sergipana provavelmente incomodaram as elites

religiosa, cultural e política. Uma carta da sra. Lily Finley, esposa do missionário

Woodward Edmund Finley, falava “do esforço do padre para desviar os alunos da

escola”14. Já o quase silenciamento por parte das instituições oficiais do Estado, talvez

tenha se dado pelo fato de que geralmente os estabelecimentos particulares não

apresentavam quase nenhuma exposição de suas atividades aos inspetores literários.

A partir de alguns casos localizados por esta pesquisa, é possível afirmar que a

presença das escolas presbiterianas contribuiu para o aperfeiçoamento da oferta de

ensino em Sergipe, com suas práticas pedagógicas escolanovistas e um quadro de

professores tecnicamente preparado além de uma infra-estrutura semelhante às escolas

presbiterianas de São Paulo. A exemplo do que ocorria em outras escolas sob sua

jurisdição, a Missão investiu em dois sergipanos. O primeiro foi Penélope Magalhães

(14/08/1886 – 1982), laranjeirense, futura professora e pianista. Como a Escola

Americana oferecia aulas de música, a menina Penélope logo se interessou a aprender

piano15. Em 1898, convidaram-na para estudar na Califórnia onde fez o curso regular

pedagógico e o de teologia, retornando em 1910 para ensinar no Instituto Ponte Nova,

na Bahia16. Caso semelhante foi o do reverendo Antônio Almeida (1879-1969). A

Missão mandou-o para o Colégio 15 de Novembro, em Garanhuns, e após concluir o

curso de Bacharelado em Teologia, em 1920, ingressou no Union Seminary of

Richmond, nos Estados Unidos, onde especializou-se em Hebraico17. Outro exemplo,

também fruto do trabalho dos missionários presbiterianos, foi a ex-aluna da Escola

Americana em Aracaju Gregória do Prado Dantas (09/05/1884-20/09/1975).

Provavelmente, em 1915, abriu uma escola particular para ambos os sexos, oferecendo

o Curso Primário. Em 1934, o prefeito de Simão Dias, Marcos Ferreira de Jesus, reuniu

14 FERREIRA, Júlio A . História da igreja presbiteriana do Brasil, vol. I, p. 474. 15 Sobre ela a professora Mª Ritta Soares de Andrade escreveu: (...) D. Penélope trouxe para o seu Estado um vasto cabedal, que aqui transfunde altruisticamente a quantos buscam ensinamentos no seu talento e na sua cultura. (...) É um espírito summamente adeantado, e maneja com habilidade o português, o francês, e o inglês – idioma em que é a mestra dos mestres.” ANDRADE, Mª Ritta S. de. A mulher na literatura, pp. 153-154. 16 No início dos anos 30, em Sergipe, o Jardim de Infância Augusto Maynard Gomes foi o primeiro estabelecimento educacional a ser construído em Aracaju seguindo o modelo de educação infantil mais moderno da época e implantando o método de alfabetização mais atual que existia. A professora Penélope foi designada pelo governador Augusto Maynard Gomes para ir a São Paulo e ao Rio de Janeiro verificar a legislação e currículos que se adequariam ao projeto do Jardim, de acordo com os padrões técnicos do Ministério de Educação, sendo sua fundadora e diretora durante vários anos. 17 Ao regressar ao Brasil um ano depois, Antônio Almeida assumiu a direção da Escola Teológica em Recife e, posteriormente, foi um dos fundadores do Seminário Presbiteriano do Norte. Além de professor foi escritor e músico. FERREIRA, E. L. O presbiterianismo em Lagarto, pp. 32-34.

Page 6: Origens Educ Protestant Sergipe

todas as escolas municipais num só local, convidando-a para assumir a direção do

Agrupamento Municipal Escolas Reunidas Augusto Maynard18.

Durante os quatorze anos de funcionamento em Laranjeiras, a Escola Americana

foi frequentada pelos filhos dos donos de engenho. No entanto, em decorrência da seca

que se abatera em Sergipe naquele período muitos deles quebraram, impedindo-os de

mandarem seus filhos para a escola. Este fato contribuiu na decisão da Missão em

transferi-la para Aracaju, e já em 1900, funcionando na Rua Aurora, nº 7, sob a direção

do reverendo Finley, a escola contava com 50 alunos matriculados e dois professores19,

oferecendo internato e externato para ambos os sexos. Foi considerado pelo Diretor da

Instrução Pública, juntamente com o Colégio Brasil, os melhores estabelecimentos

particulares de ensino na época20. Naquele ano, o reverendo Finley publicou no jornal a

lista dos aprovados e dentre eles estavam seu próprio filho e Jackson de Figueiredo,

futuro paladino do pensamento católico, aluno da escola até 190521.

No ano letivo de 1901, a escola tinha um corpo docente de seis professores

(incluindo e uma professora de Prendas e um professor de Música) “pronta a dar uma

educação segundo os últimos métodos pedagógicos a todos os alunos que forem

confiados a seu cuidado”22. Os novos professores eram sergipanos, pois a direção tinha

descartado a hipótese de contratar professores do sul do país, para racionalizar as

despesas, pois, como a crise financeira também se abatera na Missão Central desde

1900, dois anos depois, pessoas das próprias comunidades foram preparadas pelos

missionários para assumirem o ensino de suas escolas paroquiais. Exemplo disso foi a

incoporação do reverendo Walter Cameron Donald (06/01/1883-06/03/1967) no quadro

educacional da Missão a partir de 190423. Ainda em 1903, os missionários foram

novamente remanejados. Finley continuou em Aracaju e Cassius Bixler foi transferido 18 Entrevista feita com sua filha, a sra. Olda do Prado Dantas em 18/07/2000. 19 Minutes of the Meetings of the Central Brazil Mission (1897-1912) – 07/07/1900 – Reunião em São Félix-BA. 20 As anuidades dos curso Primário, Intermediário e Secundário eram, respectivamente, 80$000 réis , 100$000 réis e 120$000 réis. Já o internato, a pensão e o ensino custavam 500$000 réis, sem a lavagem de roupa e a música instrumental, podendo ser efetuados em quatro prestações. O Estado de Sergipe, ano III, nº 418, 10/01/1900. 21 Sobre ele sua filha escreveu: “Quando voltou a Aracaju vindo de Estância, continuou seus estudos com D. Etelvina Amália Siqueira; depois foi para o Colégio Americano, do pastor protestante W. E. Finley. Ali assimilou e decorou trechos inteiros da Bíblia.”. FERNANDES, Cléa A . de F. Jackson de Figueiredo: uma trajetória apaixonada, p. 51. 22 O Estado de Sergipe, nº 672, 30/11/1900, p. 03. 23 Foi professor nas escolas paroquiais das cidades de Aracaju, Laranjeiras, Riachuelo, Estância e Simão Dias. Na década de 1930, lecionou a disciplina Inglês no Colégio Atheneu Sergipense, onde adotava o livro “The English Gymnasial Grammar, Méthod Direct-Expository by Hubert C. Bethel”. Como tinha

Page 7: Origens Educ Protestant Sergipe

de Laranjeiras para Estância, ficando durante dez anos responsável pela expansão do

trabalho no sul do Estado e pela organização de uma escola paroquial naquela cidade24.

Para Nora, com as constantes transformações do mundo moderno, as instituições

sociais para escaparem das ameaças do esquecimento geraram “a obsessão pelos

registros, pelos traços, arquivos, museus, cemitérios, coleções, festas, comemorações,

aniversários, tratados, processos verbais, monumentos – santuários, associações;

processos que dão ilusões de eternidade”25. Entretanto, o que ocorreu com o trabalho

educacional presbiteriano em Sergipe foi o inverso. As atas descreveram os choques

internos travados entre os missionários sobre o tema “educação versus evangelização”,

que, para uma grande parte deles, a primeira era uma estratégia missionária e não um

fim em si. Outra questão foi a avaliação feita pela Missão sobre o empreendimento

educacional no Estado, dando a entender que os resultados não justificavam o

investimento feito, não explicitando as causas da decadência e do posterior fechamento

da escola.

A partir de 1904, a Missão começou a retirar seus representantes de Sergipe.

Com a saída do reverendo Finley e da professora Elizabeth Williamson os internatos da

Escola Americana foram fechados, oferecendo só o Primário. As atas demonstravam o

desequilíbrio do trabalho educacional entre Sergipe e Bahia, denotando a decisão da

Missão em concentrá-lo neste último Estado. Exemplo disso foi a organização de

colégios em Cachoeira, São Félix, Ponte Nova (atual cidade de Wagner) e,

posteriormente, uma escola em Salvador.

Paulatinamente os anúncios sobre a escola de Aracaju começaram a desaparecer

dos jornais e, a partir de 1913, tanto ela como a de Estância deixaram de ser registradas

nos orçamentos da Missão Central do Brasil. É possível que o processo de fechamento

do colégio foi tão conflituoso que não houve um maior cuidado com sua memória, pois

a documentação da instituição presbiteriana a que tive acesso não registrou as causas

que levaram a Missão a desistir do projeto educacional em Sergipe.

“Origens da Educação Protestante em Sergipe” busca refletir e provocar debates

em torno da trajetória e da contribuição das instituições educacionais protestantes no

contexto educacional brasileiro, particularmente em Sergipe. Na reconstituição do

dupla nacionalidade também foi convidado para ser Vice-Cônsul em Sergipe na época da Segunda Guerra Mundial. Entrevista realizada com a sra. Ivonete dos Santos Donald em 04/05/2000. 24 Minutes of the Meetings of the Central Brazil Mission (1904–1938) – 19/12/1904 – Reunião da Missão Central em Estância-SE. 25 NORA, Pierre. Apud FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa, p. 53.

Page 8: Origens Educ Protestant Sergipe

trabalho educacional presbiteriano em terras sergipanas, foi possível dar vida a

personagens que dele fizeram parte através dos vestígios deixados no tempo e no espaço

e assim, projetando-os na tela da história, fazer o pretérito novamente existir.

Page 9: Origens Educ Protestant Sergipe

BIBLIOGRAFIA

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Page 10: Origens Educ Protestant Sergipe

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