origens do conceito de f oton -...

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Origens do Conceito de F´oton Vitor Oguri * UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Dated: 24 de junho de 2015) Inicialmente, apresenta-se a propaga¸ ao da luz dando ˆ enfase ` as ideias do s´ eculo XIX, uma vez que o estudo desses fenˆ omenos muito contribu´ ıram para uma mudan¸ca de paradigma nas explica¸ oes ısicas, a qual foi importante para o desenvolvimento te´ orico da propaga¸ ao luminosa neste s´ eculo. I. A ´ OPTICA GEOM ´ ETRICA Para os antigos gregos, assim como o som estava as- sociado ` aaudi¸c˜ ao, a luz estaria associada ao mecanismo da vis˜ ao. Enquanto os atomistas acreditavam que o olho recebia as imagens como feixes de part´ ıculas de luz pro- venientes dos objetos, os pitag´ oricos sustentavam que o olho enviava raios cont´ ınuos de luz que incidiam sobre os objetos. Preocupando-se apenas com a propaga¸ ao da luz, Eu- clides de Alexandria elabora uma teoria dos fenˆ omenos luminosos fundamentada na Geometria, ignorando a causa dos fenˆ omenos. Quase 2000 anos depois, em 1621, o holandˆ es W. Snell descobre a lei da refra¸ c˜ao, a qual estabelece que as dire¸c˜ oes de um raio de luz ao atravessar a superf´ ıcie de separa¸c˜ ao de dois meios homogˆ eneos e isotr´ opicos est˜ ao relacionadas por sen θ i sen θ r = n sendo θ i e θ r os ˆ angulos de incidˆ encia e de refra¸ ao do feixe em rela¸ ao ` a normal ` a superf´ ıcie, e n,o´ ındice de refra¸c˜ ao relativo dos meios. De um ponto de vista mais fundamental, o ´ ındice de refra¸ ao relaciona as velocidades da luz nos dois meios. Em 1657, o matem´ atico francˆ es P. Fermat deduz as leis da reflex˜ ao e da refra¸c˜ ao, ao adotar o princ´ ıpio de que a natureza sempre atua pelo menor caminho. Em 1666, Newton utiliza a refra¸ ao para decompor a luz solar em raios de v´ arias cores, dando origem a espec- troscopia ´ optica. Em suas palavras: Tendo escurecido meu quarto e feito um pequeno orif´ ıcio na minha cortina, para permitir a entrada de uma quantidade suficiente de luz do Sol, coloquei meu prisma pr´oximo `a entrada de luz, de forma que ela pudesse ser refratada sobre a parede oposta. II. FEN ˆ OMENOS ONDULAT ´ ORIOS Enquanto o o som pode ser caracterizado como o efeito produzido por perturba¸ oes longitudinais da press˜ ao ou da densidade do ar ao movimentar ou interagir com os ımpanos, fazendo-os vibrar com frequˆ encias de 20 Hz a 20 kHz, os fenˆ omenos ´ opticos ora eram considerados como ondulat´ orios, ora como de origem corpuscular. Por n˜ ao acreditar no vazio, o fil´ osofo Ren´ e Descartes, em 1644, compara a propaga¸ ao da luz com a do som atrav´ es de um meio. Descartes considera a luz como uma press˜ ao transmitida atrav´ es de um meio perfeitamente el´ astico, o ´ eter. Esse meio seria t˜ ao rarefeito, que seria capaz de penetrar todos os corpos sem ser percebido. Essa dicotomia persiste at´ e o in´ ıcio do s´ eculo XIX, quando a medi¸c˜ ao da velocidade da luz e a explica¸c˜ ao dos fenˆ omenos de difra¸c˜ ao e de interferˆ encia estabelecem os fenˆ omenos luminosos como ondulat´ orios. Ao final do eculo XIX, a teoria eletromagn´ etica de Maxwell esta- belece tamb´ em que os fenˆ omenos el´ etricos, magn´ eticos e * [email protected]; Departamento de F´ ısica Nuclear e Altas Energias (DFNAE) ´ opticos s˜ ao de mesma natureza, e a luz passa a ser carac- terizada como o efeito produzido por perturba¸ oes dos campos eletromagn´ eticos, com frequˆ encias da ordem de 5 × 10 14 kHz, ou seja, como um fenˆ omeno ondulat´ orio eletromagn´ etico. A. A equa¸ ao de onda de d’Alembert Os fenˆ omenos ac´ usticos se caracterizam pela trans- ferˆ encia de energia de uma regi˜ ao a outra de um meio ıquido, s´ olido ou gasoso, e resultam da comunica¸c˜ ao dos movimentos de vibra¸c˜ ao entre os ´ atomos ou mol´ eculas do meio. Apesar da natureza discreta da mat´ eria, o efeito re- sultante pode ser caracterizado por altera¸c˜ oes ou per- turba¸ oes de algumas propriedades macrosc´ opicas do meio, tais como a densidade e a press˜ ao em um g´ as, ou o deslocamento dos pontos de uma corda el´ astica com rela¸c˜ ao a sua posi¸c˜ ao de equil´ ıbrio. Essas perturba¸ oes do meio, usualmente chamadas on- das, s˜ ao descritas por fun¸ oes cont´ ınuas da posi¸ ao e do tempo, denominadas fun¸ c˜oesdeonda, as quais obedecem a chamada equa¸ c˜ao de onda de d’Alembert,

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Page 1: Origens do Conceito de F oton - dfnae.fis.uerj.brdfnae.fis.uerj.br/~oguri/Oguri_foton_lishep_2015.pdf · da luz nos dois meios. Em 1657, o matem atico franc^es P. Fermat deduz as

Origens do Conceito de Foton

Vitor Oguri∗

UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro(Dated: 24 de junho de 2015)

Inicialmente, apresenta-se a propagacao da luz dando enfase as ideias do seculo XIX, uma vez queo estudo desses fenomenos muito contribuıram para uma mudanca de paradigma nas explicacoesfısicas, a qual foi importante para o desenvolvimento teorico da propagacao luminosa neste seculo.

I. A OPTICA GEOMETRICA

Para os antigos gregos, assim como o som estava as-sociado a audicao, a luz estaria associada ao mecanismoda visao. Enquanto os atomistas acreditavam que o olhorecebia as imagens como feixes de partıculas de luz pro-venientes dos objetos, os pitagoricos sustentavam que oolho enviava raios contınuos de luz que incidiam sobre osobjetos.

Preocupando-se apenas com a propagacao da luz, Eu-clides de Alexandria elabora uma teoria dos fenomenosluminosos fundamentada na Geometria, ignorando acausa dos fenomenos.

Quase 2000 anos depois, em 1621, o holandes W.Snell descobre a lei da refracao, a qual estabelece que asdirecoes de um raio de luz ao atravessar a superfıcie de

separacao de dois meios homogeneos e isotropicos estaorelacionadas por

sen θisen θr

= n

sendo θi e θr os angulos de incidencia e de refracao dofeixe em relacao a normal a superfıcie, e n, o ındice derefracao relativo dos meios. De um ponto de vista maisfundamental, o ındice de refracao relaciona as velocidadesda luz nos dois meios.

Em 1657, o matematico frances P. Fermat deduz as leisda reflexao e da refracao, ao adotar o princıpio de que anatureza sempre atua pelo menor caminho.

Em 1666, Newton utiliza a refracao para decompor aluz solar em raios de varias cores, dando origem a espec-troscopia optica. Em suas palavras:

Tendo escurecido meu quarto e feito um pequeno orifıcio na minha cortina, para permitir a entrada deuma quantidade suficiente de luz do Sol, coloquei meu prisma proximo a entrada de luz, de forma que elapudesse ser refratada sobre a parede oposta.

II. FENOMENOS ONDULATORIOS

Enquanto o o som pode ser caracterizado como o efeitoproduzido por perturbacoes longitudinais da pressao ouda densidade do ar ao movimentar ou interagir com ostımpanos, fazendo-os vibrar com frequencias de 20 Hza 20 kHz, os fenomenos opticos ora eram consideradoscomo ondulatorios, ora como de origem corpuscular.

Por nao acreditar no vazio, o filosofo Rene Descartes,em 1644, compara a propagacao da luz com a do somatraves de um meio. Descartes considera a luz como umapressao transmitida atraves de um meio perfeitamenteelastico, o eter. Esse meio seria tao rarefeito, que seriacapaz de penetrar todos os corpos sem ser percebido.

Essa dicotomia persiste ate o inıcio do seculo XIX,quando a medicao da velocidade da luz e a explicacaodos fenomenos de difracao e de interferencia estabelecemos fenomenos luminosos como ondulatorios. Ao final doseculo XIX, a teoria eletromagnetica de Maxwell esta-belece tambem que os fenomenos eletricos, magneticos e

[email protected]; Departamento de Fısica Nuclear e Altas Energias(DFNAE)

opticos sao de mesma natureza, e a luz passa a ser carac-terizada como o efeito produzido por perturbacoes doscampos eletromagneticos, com frequencias da ordem de5 × 1014 kHz, ou seja, como um fenomeno ondulatorioeletromagnetico.

A. A equacao de onda de d’Alembert

Os fenomenos acusticos se caracterizam pela trans-ferencia de energia de uma regiao a outra de um meiolıquido, solido ou gasoso, e resultam da comunicacao dosmovimentos de vibracao entre os atomos ou moleculas domeio.

Apesar da natureza discreta da materia, o efeito re-sultante pode ser caracterizado por alteracoes ou per-turbacoes de algumas propriedades macroscopicas domeio, tais como a densidade e a pressao em um gas, ouo deslocamento dos pontos de uma corda elastica comrelacao a sua posicao de equilıbrio.

Essas perturbacoes do meio, usualmente chamadas on-das, sao descritas por funcoes contınuas da posicao e dotempo, denominadas funcoes de onda, as quais obedecema chamada equacao de onda de d’Alembert,

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2

∂2

∂x2Ψ(x, t) =

1

v2∂2

∂t2Ψ(x, t) (1)

na qual v uma constante caracterıstica do meio, deno-minada velocidade de propagacao da perturbacao ou daonda, e Ψ(x, t) e a funcao de onda que descreve as va-riacoes de uma grandeza, como o deslocamento de umacorda ou a pressao em um gas, em qualquer instante t eposicao x do meio.

B. Ondas monocromaticas

Um tipo de movimento ondulatorio especial e aquelecaracterizado por ondas monocromaticas, isto e, ondasde perfil periodico e harmonico (Figura 1), por exemplo,do tipo

Ψ(x, t) = A sen 2π(xλ− νt

)onde A e a amplitude da onda, λ e o comprimento deonda (perıodo espacial) e ν a frequencia.

Essa funcao de onda descreve a propagacao de umaonda monocromatica na direcao e sentido positivo do eixox, com velocidade v = λν.

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

-1

-0.5

0

0.5

1

onda em instantes distintos

Figura 1. Perfil de uma onda monocromatica em varios ins-tantes.

Definindo-se o numero de propagacao k = 2π/λ e afrequencia angular ω = 2πν, uma onda monocromaticapode ser expressa tambem como

A sen (kx− ωt+ φ)

onde φ e denominada constante de fase e ω/k = v.De maneira analoga, podem-se utilizar exponenciais

complexas para representar as funcoes de onda como

={Aei(kx− ωt)

}onde = denota a parte imaginaria do termo entre cha-ves. Em geral, na representacao complexa, a constante

de fase e absorvida na amplitude, que se torna, assim,uma quantidade complexa dada por

A = |A|eiφ

A caracterıstica fundamental de uma onda mono-cromatica e a proporcionalidade entre a energia trans-ferida por unidade de tempo e area, denominada intensi-dade da onda (I), e o quadrado do modulo da amplitude,ou seja,

I ∝ A2 (2)

Associada a transferencia de energia deve havertambem transferencia de movimento, ou seja, de momen-tum e, portanto, as ondas tambem exercem pressao aoencontrar a superfıcie de um outro meio em seu cami-nho.

Uma vez que as variacoes da grandeza (deslocamento)descrita pela funcao de onda em uma corda sao trans-versais a direcao de propagacao, diz-se que nela se pro-pagam ondas transversais. Nos gases, a propagacao dosom ocorre por meio de ondas longitudinais, uma vez queas variacoes das grandezas (pressao e densidade) descri-tas pela funcao de onda no gas ocorrem na direcao depropagacao.

C. Ondas estacionarias

Em geral, o movimento ondulatorio estabelecido emuma corda nao e descrito apenas por ondas que se pro-pagam sem obstaculos em apenas um sentido, a menosque a corda seja infinita e nao haja descontinuidades nadensidade, ou vınculos impostos, como a fixacao de seusextremos.

Diferentemente dessas ondas de propagacao, em umacorda de densidade ρ e comprimento L, com extremosfixos, sujeita a uma forca de tensao F , o movimento on-dulatorio resulta da superposicao de duas ondas mono-cromaticas que se propagam em sentidos opostos com ve-locidades de magnitude v, que foram refletidas em seusextremos,

Ψ(x, t) = sen kx cosωt (3)

onde ω/k = v = (F/ρ)1/2.Enquanto a velocidade v nao depende dos vınculos im-

postos a corda (condicoes de contorno), o mesmo naoocorre para o comprimento de onda e para a frequencia,pois a condicao de que a funcao de onda deve se anularno extremo fixo x = L implica que

sen kL = 0 =⇒ kL = nπ (n = 1, 2, 3, . . .)

ou seja,

λn =2π

k=

2L

n=⇒ νn =

v

λn

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Assim, os valores possıveis para o comprimento deonda e para a frequencia constituem um conjunto dis-creto de valores de comprimentos de onda e frequenciasproprias, ou caracterısticas,

{λn, νn} (n = 1, 2, 3, . . .)

que correspondem a um conjunto de ondas estacionariasfundamentias Ψn(x, t), denominadas tambem de modosnormais de vibracao, dadas por

Ψn(x, t) = sen(nπLx)

cos 2πνnt

Devido a linearidade da equacao de d’Alembert, a so-lucao mais geral para as vibracoes da corda vibrante edada pela superposicao linear de ondas estacionarias fun-damentais,

Ψ(x, t) =

∞∑n=1

Cn sen(nπLx)

cos 2πνnt (4)

na qual Cn indica o peso de cada onda estacionaria nasuperposicao que representa a solucao geral.

Calculando-se a energia total de vibracao (ε) da cordavibrante, obtem-se

ε =

∞∑n=1

εn

sendo εn a energia associada a cada onda estacionaria.Ou seja, a energia total e a soma das energias dos mo-

dos normais de vibracoes da corda. Assim, os modosnormais comportam-se como componentes independen-tes pelos quais a energia total se acha distribuıda. Nessesentido, diz-se que a energia de uma onda e transpor-tada por portadores de energia discretos e independen-tes. Esses portadores no caso dos fenomenos acusticosem solidos cristalinos sao denominados fonons.

D. Reflexao e transmissao de ondasmonocromaticas

Seja uma corda semi-infinita, composta de duas secoes,I e II (Figura 2), de densidades ρ1 e ρ2, respectivamente.Inicialmente, a corda e excitada na regiao I, de tal modoque se estabeleca uma onda monocromatica de frequenciaω,

Aeik1xe−iωt (onda incidente)

que se propaga na direcao da regiao II com velocidadev1 = ω/k1.

Ao atingir o ponto de descontinuidade, que divide asduas secoes da corda, uma parte da energia transportadapela onda inicidente e refletida, dando origem a uma ondarefletida de mesma frequencia e velocidade que a inci-dente,

B e−ik1xe−iωt (onda refletida)

Figura 2. Corda vibrante de duas secoes.

e, uma parte e transmitida para a regiao II, por meio dapropagacao de uma onda do tipo

C eik2xe−iωt (onda transmitida)

tambem de mesma frequencia que a incidente, mas comvelocidade v2 = ω/k2 e numero de propagacao distintosda onda incidente.

Segundo a Eq. 2, a potencia de uma onda mono-cromatica pode ser expressa por

P ∝ k A2

Assim, as porcentagens refletidas e transmitidas de ener-gia, dadas pelos coeficientes de reflexao (r) e de trans-missao (t),

r =Prefl

Pinc

e t =Ptrans

P inc

podem ser expressas comor =

(B

A

)2

=

(k1 − k2k1 + k2

)2

=

(v1/v2 − 1

v1/v2 + 1

)2

t = 1− r

III. A LUZ COMO UM FENOMENOONDULATORIO

O debate sobre a natureza corpuscular ou ondulatoriada luz, que se estendeu durante seculos, ficou conhecidacomo a polemica entre Newton e Huygens. Embora New-ton nao tivesse uma opiniao definitiva sobre a naturezada luz, e a despeito do fato de todos os citados serem par-tidarios do mecanicismo, um dos principais pontos dessapolemica envolvia a aceitacao e implicacoes do conceitode vacuo. Como poderiam ocorrer acoes a distancia novazio?

Uma das hipoteses de Newton acerca da natureza daluz era que ela constituıa-se de feixes de corpusculos quese deslocavam mesmo no vacuo. Esses corpusculos pode-riam penetrar em materiais transparentes e eram refleti-dos pelas superfıcies dos materiais opacos.

Foi Huygens quem, em 1670, retomou o ponto de vistaondulatorio para a luz. A concepcao ondulatoria para aluz era compatıvel com a nao aceitacao da ideia de vacuo,pois, em analogia com as ondas sonoras, necessitariam deum meio para se propagarem. Desse modo, Huygens seviu obrigado a resgatar o conceito de um meio no qualocorreriam os fenomenos luminosos: o eter.

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No entanto, mesmo com a descoberta do fısico italianoF. Grimaldi, em 1665, do fenomeno conhecido como di-fracao, no qual se via luz projetada na regiao que deveria

ser exclusivamente de sombra, a aceitacao do carater on-dulatorio da luz nao era compartilhado pela maioria dosfısicos. Sobre a sua descoberta, Grimaldi afirma que

a luz se propaga (...) nao so diretamente, refrativamente e por reflexao, mas tambem em um certo outro modo,difrativamente.

Somente mais tarde, no inıcio do seculo XIX, apos osexperimentos de Young e Fresnel sobre a interferenciae a difracao da luz, e com as medicoes da velocidadede propagacao da luz, feitas por Foucault, a concepcaoondulatoria da luz adquiriu foi aceita pela maioria dosfısicos.

A. Difracao da luz por uma fenda estreita

Originalmente, o termo difracao surgiu para designar ofenomeno que se manifesta sempre que a luz encontra umobjeto ou obstaculo cujas dimensoes sao suficientementepequenas do ponto de vista macroscopico, mas, aindaassim, grandes comparadas ao comprimento de onda daluz. Tal fenomeno nao podia ser explicado pela hipotesede que a luz seria composta de raios que se propagavamem linha reta.

Figura 3. Esquema de difracao por uma fenda estreita.

A difracao por uma fenda estreita de espessura a, ilu-minada por uma fonte de luz de frequencia ν (Fig. 3),resulta da superposicao de uma grande numero de ondasde mesmo comprimento de onda em uma dada regiao doespaco.

Para pontos distantes da fenda, a intensidade (I) daluz observada no anteparo, e dada por

I = I0

(sinβ

β

)2

(5)

onde I0

e a intensidade no centro do anteparo (x = 0) eβ e proporcional a posicao x de um ponto P do anteparo,

ou seja, β = πa

λ

x

D.

Alem do maximo principal em x = 0, a intensidadeapresenta zeros e maximos secundarios (Fig. 4) dados

por

β = ±π,±2π, . . . ⇒ ±nλ = a sen θ (zeros)

e

±(n+

1

2

2= a sen θ (maximos secundarios)

para n = 1, 2, . . .

Figura 4. Intensidade relativa da luz difratada e as franjasclaras e escuras ao longo do anteparo

B. O experimento da dupla fenda de Young

Figura 5. Vista de topo do esquema de interferencia e difracaopor duas fendas.

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No experimento da dupla fenda (Figura 5), como hadois caminhos para a luz se propagar ate o anteparo, opadrao de franjas resulta da superposicao de ondas quealcancam o anteparo por cada um dos dois caminhos.

Nesse caso, a intensidade da luz observada no anteparodepende da diferenca de caminho (δ). Se a diferenca decaminho for um multiplo inteiro do comprimento de ondaλ, ou seja,

δ = nλ n = 0,±1,±2, ... (6)

a interferencia das ondas e construtiva, e a intensidade emaxima.

Por outro lado, quando a diferencca de caminho forigual a um numero ımpar de metade do comprimento deonda a interferencia das ondas e destrutiva, e a intensi-dade e mınima.

Uma vez que as fendas, apesar de estreitas, possuemlargura finita, a intensidade devido a interferencia deduas fendas e modulada pelo padrao de intensidade dadifracao em cada fenda. Assim, a partir da franja centralmais intensa, a intensidade das franjas vai decrescendo,de acordo com a relacao entre a distancia (d) entre asfendas e a largura (a) das fendas (Fig. 6).

Figura 6. Intensidade relativa em funcao da posicao x aolongo do anteparo de um dispositivo de dupla fenda de Young,para fendas nao pontuais (a=d/3). Na parte superior, a linhapontilhada e a curva de intensidade da difracao em cada fenda.Na parte inferior, as franjas de interferencia para uma fenda(difracao) e duas fendas.

Assim, alem dos maximos e zeros devido a inter-ferencia, a intensidade apresenta tambem os zeros devidoa difracao.

IV. A DESCRICAO ELETROMAGNETICA DALUZ

Baseando-se principalmente nas ideias de Faraday so-bre um eter cheio de linhas de forca, que transmitiriaas acoes eletromagneticas, Maxwell, realizou uma dassınteses mais fundamentais na historia da Fısica, pu-blicada em 1865, ao mostrar que todos os fenomenoseletricos, magneticos e opticos podem ser descritos, uni-ficadamente, a partir de um conjunto de equacoes dife-renciais, conhecidas como as equacoes de Maxwell.

A partir dessas equacoes, Maxwell mostrou que as com-ponentes dos campos eletricos e magneticos no vacuoobedecem a equacao de onda de dAlembert, e se pro-pagam com velocidade

c =1

õ

0ε0

(7)

onde ε0

= 8,854×10−12 F/m e a permissividade eletrica,e µ

0= 4π × 10−7 H/m a permeabilidade magnetica do

vacuo.Assim, os campos se propagam no vacuo com veloci-

dade da ordem de c ' 3,0 × 108 m/s, ou seja, igual avelocidade da luz no vacuo.

Em um meio dieletrico (µ ' µ0) (ε > ε0) , os camposobedecem tambem a equacao de onda de d’Alembert, mascom velocidade de propagacao (v) dada por

v =1õ

(8)

Desse modo, a teoria de Maxwell estabelece que oındice de refracao (n) de um meio dieletrico, definido pelarazao entre a velocidade da luz no vacuo (c) e no meio (v)depende das constantes dieletricas e e dado pela relacaode Maxwell,

n =

√ε

ε0(9)

Figura 7. Triedro representando propagacao transversal doscampos eletrico e magnetico.

Uma caracterıstica fundamental da propagacao doscampos eletromagneticos no vacuo, observada experi-mentalmente e deduzida das equacoes de Maxwell, e ocarater transversal das ondas eletromagneticas. Ou seja,

os campos eletrico ~E e magnetico ~B sao perpendicula-

res a direcao de propagacao ~k, em qualquer instante eposicao (Figura 7).

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A Tabela I apresenta um resumo do espectro eletro-magnetico no vacuo, em que a relacao entre o compri-mento de onda (λ) e a frequencia (ν) e dada por λν = c.

Tabela I. Espectro eletromagnetico, destacando-se os diversostipos de radiacao para os quais sao indicadas as ordens degrandeza da frequencia e do comprimento de onda

Do mesmo modo que as ondas monocromaticasacusticas, a intensidade de uma onda eletromagneticamonocromatica e proporcional ao quadrado do moduloda amplitude dos campos.

Ao se atribuir energia e momentum ao campo eletro-magnetico, pode-se concluir tambem que uma onda ele-tromagnetica deve exercer pressao quando absorvida ourefletida por uma superfıcie. De fato, a pressao exercidapela radiacao solar foi medida pelo russo Nikolaievich Le-bedev e pelos americanos Edward Nichols e Gordon Hull,em 1901.

De forma analoga as ondas acusticas estacionarias,considerando que a energia de uma onda eletromagneticaesta distribuıda entre portadores de energia e momentumdiscretos e independentes, a radiacao eletromagneticacomporta-se como um gas capaz de exercer pressao sobreas paredes de uma cavidade.

V. O ESPECTRO DE RADIACAO DO CORPONEGRO

Figura 8. Ilustracao do aparato idealizado por Kirchhoff &Bunsen para observacao de espectros de diversas substancias.

A partir da ideia de Newton de separar as componentes

da luz solar por um prisma, os alemaes Wilhelm Bunsene Gustav Kirchhoff inventam o espectrografo optico (Fi-gura 8), em 1860, e utilizam-no para investigacao da ra-diacao emitida pelos solidos ou gases quando aquecidos.Apos a radiacao passar pelo prisma e projetar os raios lu-minosos de diferentes comprimentos de onda em diferen-tes direcoes, obtem-se o chamado espectro da substanciaque emite a radiacao.

Figura 9. (a) Espectro de emissao do hidrogenio; (b) espectrode absorcao do sodio.

Cada elemento quımico da origem a um espectro deemissao caracterıstico, como se fosse uma especie de “im-pressao digital”do elemento. Esses espectros, projetadosem um anteparo ou visualizados por um microscopio,apresentam-se, em geral, para os gases monoatomicos,como um conjunto de linhas espacadas e paralelas (Fi-gura 9) e, para os gases nao monoatomicos e solidos, comobandas contınuas (Figura 10).

Figura 10. Espectro de bandas de uma gas nao monoatomico.

Por outro lado, quando a luz branca solar, ou a luzemitida pelo filamento de uma lampada incandescente,que incide sobre um gas ou vapor, passa por um prisma,observam-se algumas zonas, raias ou linhas escuras, quecorrespondem as frequencias das radiacoes que foram ab-sorvidas pelo gas. O espectro assim obtido e denominadoespectro de absorcao. Essa absorcao seletiva de energiafoi uma das primeiras evidencias do carater compostodos atomos, e de que esses estavam, de alguma forma,associados a determinadas frequencias caracterısticas.

Em um solido, a distribuicao de energia entre asvarias componentes monocromaticas da radiacao e talque abaixo de 500o a maior parte da energia esta associ-ada a radiacao na regiao do infravermelho (λ ' 100µm), e

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para temperaturas mais elevadas alguma radiacao visıvele emitida. Quanto mais alta a temperatura, maior e ataxa de emissao de energia eletromagnetica.

Essa perda de energia devido a temperatura do corpopode ser compensada de varias maneiras. O corpo podeser iluminado pela luz de uma lampada incandescente oucolocado em contato com uma chama. Na ausencia dequalquer fonte de calor desse tipo, o corpo recebe energiade outros corpos vizinhos e sua energia interna permane-cera constante, quando a taxa de emissao for igual a taxade absorcao de energia.

Os precursores da espectroscopia, Bunsen e Kirchhoff,haviam estabelecido que, apesar de os poderes de ab-sorcao (a), o qual e igual a fracao de energia total daradiacao que e absorvida, e de emissao (I), o qual e aintensidade da radiacao emitida, dependerem da tempe-ratura e de sua natureza, a razao (I/a)λ, para um deter-minado comprimento de onda (λ), so depende da tem-peratura; de outro modo, nao poderia existir o equilıbrioda radiacao no interior de uma cavidade que contivessesubstancias diferentes:(

I

a

(corpo qualquer) = Iλ(T ) (corpo negro)

Por exemplo, para um corpo recoberto de fuligem, a =1 e, para o tungstenio (W), a temperatura de 2 450 K,a = 0, 24 e I = 50 W/cm2.

Nas palavras do proprio Kirchhoff, para raios demesmo comprimento de onda e mesma temperatura, arazao do poder emissivo e de absorcao e a mesma paratodos os corpos. Assim, a intensidade espectral da ra-diacao de um corpo negro e dada por uma funcao uni-versal Iλ(T ), que depende do comprimento de onda (λ)e de sua temperatura T .

Figura 11. Radiacao de corpo negro por uma cavidade.

Conforme mostrado por Kirchhoff, do ponto de vistaexperimental, qualquer cavidade com paredes totalmenterefletoras no interior de um solido que tenha uma pe-quena abertura (Figura 11) se comporta como um corponegro. De fato, toda radiacao vinda do exterior que passepelo orifıcio e refletida varias vezes nas paredes internasate ser totalmente absorvida por elas. Por outro lado,quando o solido se aquece, estas paredes emitem radiacaoeletromagnetica, cuja maior parte permanece no interiorda cavidade. Em equilıbrio termico, atraves de reflexoessucessivas, a energia da radiacao emitida pelas paredes

e igual a absorvida. Por essa razao, a radiacao no inte-rior da cavidade e, portanto, tambem a pequena fracaoda radiacao que dela emerge atraves da abertura devempossuir exatamente a distribuicao espectral de intensi-dade caracterıstica da radiacao do corpo negro.

Os primeiros resultados da analise espectroscopica daemissao da radiacao de corpo negro, obtidos pelo fısicoalemao Friedrich Paschen, em 1894, envolviam compri-mentos de onda relativamente curtos, da ordem de 5µm, na faixa do infravermelho (Figura 12). Dessas ob-servacoes, Paschen e o tambem alemao Wilhelm Wiensugeriram, independentemente, em 1896, uma formulasemiempırica que se ajustava as curvas experimentais dadensidade espectral de energia da radiacao emitida, achamada lei de Wien.

uν ∼ ν3e−aν/T (10)

Figura 12. Distribuicoes espectrais de energia para variastemperaturas.

Em 1900, dois grupos do Physicalish-Technische Reich-sanstalt, de Berlim, constituıdos de Otto Lummer, ErnstPringsheim, Ferdinand Kurlbaum e Heinrich Rubens es-tenderam as observacoes para comprimentos de ondamaiores, inicialmente ate 18 µm e, logo apos, na faixade 30 a 50 µm (Figura 13), a temperaturas entre 200o e1 600o. Os resultados assim obtidos, principalmente porKurlbaum e Rubens, estabeleceram definitivamente que,para essas frequencias menores, bem afastadas da regiaovisıvel, em vez da formula de Wien, a formula recem-proposta por Lord Rayleigh era a que mais adequada-mente se ajustava aos dados.

uν ∼ ν2T (11)

Essa dependencia linear com a temperatura, denomi-nada lei de Rayleigh, foi obtida por Rayleigh em 1900.

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Figura 13. Comparacao da lei de Wien (linha cheia), comos dados de Rubens e Kurlbaum (linha pontilhada), para ra-diacao de comprimento de onda da ordem de 50 µm.

A. Os osciladores de Planck

Foram esses resultados que forcaram Planck a reava-liar seus conceitos e estudos iniciais da radiacao de corponegro, em um classico e frutıfero exemplo de interacaoentre experimento e teoria.

Inicialnente, em meados de 1900, Planck obtem umaformula de interpolacao, cujos limites eram a lei de Ray-leigh (para baixas frequencias) e a lei de Wien (para altasfrequencias). Em seguida, Planck parte em busca de umainterpretacao fısica para a sua lei do espectro da radiacaode corpo negro.

Desde o inıcio, a abordagem de Planck sobre a radiacaode corpo negro baseava-se na Termodinamica e em ummodelo no qual a materia seria constituıda de osciladoreselementares. As vibracoes dos osciladores das paredes dacavidade estariam em equilıbrio termico com a radiacaoeletromagnetica estabelecida em seu interior, modo que aperda de energia de cada oscilador seria compensada pelaabsorcao de energia da radiacao. Desse modo, Planckobteve a relacao entre a densidade espectral de energiauν da radiacao e energia media 〈ε〉 de cada oscilador como

uν =8πν2

c3〈ε〉 (12)

Segundo a lei de Wien, a energia media de cada osciladorseria dada por

〈ε〉 ∼ νe−aν/T (13)

e, segundo a lei de Rayleigh, a energia media seria dadapor

〈ε〉 ∼ T (14)

Com os resultados experimentais dos grupos de Ber-lim, Planck ve-se obrigado a abandonar sua visao sobre

a constituicao da materia e a adotar a abordagem es-tatıstica de Boltzmann para a definicao de entropia deum gas.

B. Rayleigh e os modos de vibracao da radiacao

Rayleigh, ao contrario de Planck, fixou-se na propriaradiacao, estabelecendo que a expressao de Planck,equacao (12), que relaciona a densidade espectral deenergia com a energia media de cada oscilador, eraconsequencia apenas do Eletromagnetismo Classico deMaxwell, apos mostrar que o campo eletromagnetico emuma cavidade era equivalente a um conjunto discreto einfinito de osciladores harmonicos independentes.

Admitindo que o princıpio de equiparticao de energiaseria valido para cada modo normal de vibracao da ra-diacao, a energia media de cada modo seria da ordemde kT , e a densidade espectral de energia dada pela cha-mada lei de Rayleigh, uν ∼ ν2T .

Na verdade, apesar de compatıvel com os resultadosexperimentais de Rubens e Kurlbaum (Figura 13) nodomınio de longos comprimentos de onda (frequenciasbaixas), a expressao de Rayleigh, equacao (11), implicaque

limν→∞

uν(T ) =∞

O fato de que, para altas frequencias, ou seja, parapequenos comprimentos de onda, a densidade de energiada radiacao prevista pela formula de Rayleigh fosse bemmaior que a obtida experimentalmente, tendendo mesmoa valores infinitos (Figura 15), ficou conhecido como “acatastrofe do ultravioleta”, expressao cunhada pelo fısicoaustrıaco Paul Ehrenfest, em 1911. Essa denominacaoreflete o espanto causado pelo insucesso da abordagemclassica de Rayleigh ao problema.

C. A entropia de Boltzmann

A fundamentacao de Planck para a lei do espectro deradiacao do corpo negro apoia-se na interpretacao mi-croscopica da entropia, feita por Boltzmann, em basesestatısticas, ao identificar a entropia S de um sistema deN partıculas, ocupando volume V e tendo energia U , emequilıbrio termico a temperatura T , como uma medidade sua desordem, expressa por

S(N,V, U) ∝ lnG(N,V, U) (15)

onde G(N,V, U) e o numero total de configuracoes mi-croscopicas compatıveis com os vınculos externos impos-tos ao sistema. Na linguagem estatıstica, diz-se que oconjunto de valores (N,V, U) define um macroestado dosistema e G(N,V, U) e o numero de microestados com-patıveis com esse macroestado. Nesse sentido, quanto

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maior o numero de partıculas ou o volume de um sistema,maior o numero total de configuracoes, maior a desordeme, consequentemente, maior a entropia do sistema.

Admitindo que a ocorrencia de cada microestadoseja igualmente provavel, a probabilidade P (N,V, U) deocorrencia de um dado macroestado (N,V, U) e propor-cional ao numero de microestados correspondentes,

P (N,V, U) ∝ G(N,V, U)

Assim, a probabilidade relativa de que qualquerparametro macroscopico (X) que dependa da quanti-dade de materia, como a energia (U), o volume (V ) ou onumero total de partıculas (N), exiba um dado valor emrelacao ao seu valor de equilıbrio (X0) pode ser expressapela variacao da entropia, ou seja,

P (X)

P (X0)

=G(X)

G(X0)

Utilizando-se da interpretacao de Boltzmann, Einstein,em 1905, argumenta que, se o volume V ocupado por umgas ideal com N partıculas e energia U , em equilıbriotermico, for dividido em regioes de volume V

0, o numero

de estados acessıveis a cada partıcula do gas e dado porV/V

0. Para N partıculas independentes, o numero total

(G) desses microestados e proporcional a(V

V0

)NPortanto, a probabilidade relativa de que um gasreduza, espontaneamente, o seu volume a metade,P (V/2)/P (V ) = P1/2, e dada por

P1/2 =G(V/2)

G(V )=

1

2N

Como N ' 1023, esse valor e extremamente pequenoe, nesse sentido, diz-se que o fenomeno e macroscopica-mente irreversıvel.

Ainda segundo Einstein, a variacao da entropia deum gas ideal com N partıculas, em uma transformacaoisotermica, obtida por argumentos puramente proba-bilısticos, a partir da expressao de Botlzmann (Eq. (15),e dada por

∆S ∼ N lnVfVi

onde Vf e Vi sao os volumes final e inicial do gas.

Cabe notar que a arbitrariedade da divisao do volumeV , ou seja, da escolha de um volume V

0, a menos de

um valor absoluto para a entropia nao acarreta nenhumproblema, uma vez que apenas variacoes de entropia saorelevantes para a determinacao de qualquer propriedademacroscopica de um gas.

D. O metodo combinatorial de Boltzmann

No metodo combinatorial de Boltzmann, as relacoesentre as grandezas macroscopicas que caracterizam umsistema sao estabelecidas a partir da definicao de entro-pia.

Para contornar o problema de definir o numero de esta-dos em meios contınuos e possibilitar uma interpretacaoestatıstica da entropia, Boltzmann discretiza o problema,admitindo ainda que as N partıculas de um gas com ener-gia U , embora identicas, seriam distinguıveis e estariamdistribuıdas em M celulas de energia tambem identicas edistinguıveis, cada qual com energia ε. Uma vez que essadivisao e arbitraria, o resultado final nao dependeria dotamanho de cada celula.

Para um conjunto de N osciladores harmonicos uni-dimensionais, em equilıbrio termico a temperatura T , onumero (G) de estados acessıveis a cada um dos oscila-dores que constituem o sistema e dado por

G = MN

Por exemplo, para um conjunto (A,B,C) de N = 3 os-ciladores distinguıveis e M = 2 celulas (α, β) tambemdistinguıveis, obtem-se um total de G = 8 estados dis-tintos para o sistema (Tabela II), todos com a mesmaenergia 3ε.

Tabela II. Distribuicao de tres osciladores distinguıveis porduas celulas distinguıveis

De acordo com Boltzmann, a entropia S, expressao damedida de desordem de um sistema, e proporcional aologaritmo do numero total de estados, ou seja,

S ∝ lnG ∼ N lnM

Definindo-se a energia de cada celula, ε = U/M , e aenergia media das partıculas, 〈ε〉 = U/N , a entropia deum conjunto de N osciladores seria dada por

S ∼ N lnU −N ln ε

onde o ultimo termo depende da escolha do elementode energia, mas nao importa para a determinacao dos

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parametros do sistema, como a energia media, dada por

1

T=

(∂S

∂U

)∼ N

U=⇒ U ∼ NT =⇒ 〈ε〉 ∼ T

E. A lei de Planck e o quantum de energia

Em 1900, Planck modificou o metodo combinatorialde Boltzmann dividindo a energia U de um conjuntode N osciladores, considerando-os ainda identicos e dis-tinguıveis, mas admitindo que as M celulas de ener-gia ε = U/M seriam indistinguıveis. Diferentemente deBoltzmann, faz a distribuicao dos M elementos pelos Nosciladores, obtendo para o numero (G) total de estadosa expressao

G =(N +M − 1)!

M ! (N − 1)!' (N +M)N+M

MMNN

Por exemplo, para um conjunto (A,B,C) de N = 3osciladores distinguıveis e M = 2 celulas (α, β) indistin-guıveis, obtem-se apenas G = 6 estados para o sistema(Tabela III).

Tabela III. Distribuicao de dois elementos de energia indis-tinguıveis por tres osciladores distinguıveis

Para um conjunto (A,B) de N = 2 osciladores dis-tinguıveis e M = 3 celulas (α, β, γ) indistinguıveis,obtem-se G = 4 estados (Tabela IV).

Para quantificar a entropia, Planck introduz uma cons-tante de proporcionalidade na expressao de Boltzmann,e define a entropia como

S = k logG (16)

onde a constante de proporcionalidade k e chamada cons-tante de Boltzmann.

Desse modo, pode-se escrever a entropia do conjunto

Tabela IV. Distribuicao de tres elementos de energia indis-tinguıveis por dois osciladores distinguıveis

de osciladores como

S = k [(N +M) log(N +M)−N logN −M logM ]

= k[N(1 + M

N

)log(1 + M

N

)−N M

N log MN

]= Nk

[(1 +〈ε〉ε

)log

(1 +〈ε〉ε

)− 〈ε〉

εlog〈ε〉ε

]implica que

1

T=

d〈s〉d〈ε〉

=k

εlog

(1 +

ε

〈ε〉

)(17)

ou seja,

〈ε〉 =ε

eε/kT − 1(18)

Para que a energia media nao dependa da divisaode celulas, o elemento de energia nao pode ser ar-bitrario. Comparando-se a equacao (18) com a lei deWien (Eq. (13) no limite de altas frequencias, o elementode energia deve ser proporcional a frequencia, ou seja,

ε ∼ ν

A partir desse resultado, Planck conclui que o elementode energia, ao contrario do que sucedia para a entropiacalculada para celulas distinguıveis, nao e arbitrario, nosentido que possui um valor mınimo determinado pelafrequencia da componente da radiacao emitida, ou seja,deve ser igual a um quantum de energia,

ε = hν

onde a constante de proporcionalidade h passa a ser de-nominada constante de Planck.

Dessa maneira, Planck introduziu e calculou duas cons-tantes universais da Fısica: a constante de Boltzmann (k)e a constante de Planck (h), cujos valores de referenciahoje sao k = (1,380658± 0,000012)× 10−23 J/K

h = (6,62606876± 0,00000052)× 10−34 J.s

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Figura 14. Isotermas das distribuicoes espectrais de energia.

Como exemplo de aplicacao da formula de Planck, umavez que a temperatura da superfıcie do Sol e da ordemde 5 800 K, as curvas da Figura 14 mostram que grandeparte da energia da radiacao solar encontra-se na partevisıvel do espectro (νluz ' 5× 1014 Hz). Por outro lado,como a temperatura do filamento de tungstenio de umalampada nao pode ser maior do que a do seu ponto defusao (3 683 K) compreende-se por que sua eficiencia ebaixa.

Os dois limites assintoticos da lei de Planck implicam:

• hν

kT<< 1 (baixas frequencias)

uν =8πν2

c3kT (formula de Rayleigh)

• hν

kT>> 1 (altas frequencias)

uν =8πhν3

c3e−hν/kT (formula de Wien)

Assim, a formula de Planck para a densidade espectralde energia sintetiza todas as leis e formulas previamenteestabelecidas para a radiacao do corpo negro (Figura 15).

Cabe destacar novamente que, ao deduzir a formula daradiacao de corpo negro, Planck introduziu duas constan-tes universais, a constante de Planck (h) e a constante deBoltzmann (k). A constante de Planck foi determinadapelo norte-americano Robert Millikan, em 1914.

Uma das demonstracoes mais impressionantes do es-pectro de radiacao de corpo negro e da formula de Planck

Figura 15. Comparacao da lei de Planck com as predicoes dasformulas de Rayleigh e Wien.

decorre da chamada radiacao cosmica de fundo, desco-berta em 1965 por Arnold Allan Penzias e Robert Woo-drow Wilson. Essa e uma radiacao isotropica, na faixa demicro-ondas, que permeia todo o espaco, e que, acredita-se, se originou no inıcio da formacao de nosso Universo,com o Big Bang, ocorrido ha cerca de 15 bilhoes de anos,envolvendo a radiacao e algumas partıculas elementares.

Nesse cenario, apos se atingir um equilıbrio termicoinicial, a expansao do Universo causou o resfriamento daradiacao abaixo de 3 000 K, e as partıculas, entao, secombinaram para constituırem os primeiros atomos. Apartir daı, supoe-se que houve pouca interacao entre aradiacao e a materia e, enquanto a materia se condensouem galaxias e estrelas, a radiacao continuou a se resfriar.Essa e hoje a radiacao de fundo que, apos bilhoes de anos,atingiu a temperatura de 2,73 K.

A distribuicao de Planck pode ser ajustada a distri-buicao espectral da radiacao cosmica de fundo correspon-dente a temperatura de 2,73 K, com os dados obtidos dosatelite COBE (Cosmic Background Explorer), em 1989.Outra possibilidade interessante e utiliza-la para por umlimite a dimensionalidade do espaco.

A lei de Planck pode ser generalizada para um espacoa d dimensoes como

uν =2(d− 1)πd/2

Γ(d/2)

(νc

)d h

ehν/kT − 1(19)

Essa formula mostra como a formula de Planck de-pende da dimensionalidade d do espaco. Ela oferece umapossibilidade unica de se impor limites sobre d, fora deum laboratorio, em larga escala, aplicando-a ao espectroda radiacao de fundo. Em 1986, os italianos Anna Grassi,Giorgio Sironi e Giuliano Strini obtiveram, assim, um li-mite superior para a dimensionalidade do espaco,

|d− 3| < 0,02

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Em 2008, F. Caruso e V. Oguri fizeram um ajustedos dados do COBE utilizando a lei de Planck em d di-mensoes (Eq. (19). O resultado e mostrado na figura 16e corresponde ao valor (d−3) = −(0,957±0,006)×10−5.

Figura 16. Comparacao da lei de Planck com a distribuicaoespectral da radiacao cosmica de fundo correspondente a tem-peratura de 2,726 K.

A lei de Planck foi deduzida por Einstein, em 1907, apartir de uma formulacao geral da Fısica Estatıstica, eteve o grande merito de separar, pela primeira vez, os as-pectos estatısticos e dinamicos do problema. Os metodosda Fısica Estatıstica podem ser utilizados em qualquercontexto. Os resultados diferentes, obtidos por Rayleighe Planck, como mostrado por Einstein, nao decorreramda utilizacao de diferentes metodos estatısticos, mas simde diferentes hipoteses acerca de como se calcular o es-pectro de energia do oscilador harmonico. Utilizando-seo espectro contınuo de energia, resultante da MecanicaClassica, obtem-se a formula de Rayleigh. Por outro lado,adotando-se a hipotese de quantizacao da energia, resultaa formula de Planck.

Nesse sentido, a conclusao quase evidente e que asleis da Mecanica Classica deveriam ser modificadas paradescreverem fenomenos que envolvem a dinamica departıculas atomicas. Entretanto, o desenvolvimento daFısica nao ocorreu desse modo. Somente ao final do pri-meiro quarto do seculo XX e que essa hipotese foi propria-mente considerada, e dela emergiu a Mecanica Quantica.

VI. EINSTEIN E A QUANTIZACAO DA LUZ

Para Planck, a hipotese de que a energia de um osci-lador em equilıbrio termico com a radiacao so pudesseser trocada em quantidades discretas, multiplas de umquantum de energia, era um efeito que so se manifestariana interacao de ondas eletromagneticas, confinadas emuma regiao, com a materia. Quem realmente defendeu ahipotese da quantizacao da energia de um oscilador, inde-pendentemente de sua interacao com a radiacao, durantea primeira decada do seculo XX, foi Einstein, em 1907,

ao explicar o comportamento dos calores especıficos dossolidos.

O fato de que o quantum de energia fosse determinadopela frequencia da radiacao emitida ou absorvida pode-ria, ja em 1900, ser atribuıdo a propria natureza da ra-diacao, e levado a conclusao de que a luz monocromatica,de frequencia ν, seria constituıda de corpusculos de ener-gia igual a hν, ou seja, uma volta a visao corpuscularda luz, considerada como um feixe de partıculas. Essafoi a hipotese formulada por Einstein em seu trabalho de1905 sobre a natureza da luz. A partir da lei de Wien,limite da formula de Planck para altas frequencias, e dadefinicao estatıstica de Boltzmann para a entropia.

Apos mostrar que a variacao de entropia de um gasideal com N partıculas correspondente a uma variacaode volume (V2 − V1), em uma transformacao isotermica,ou seja, com energia interna U constante, e dada por

(∆S)U

= Nk lnV2V1

(20)

e considerando que, no limite de altas frequencias e baixadensidade de energia, a densidade espectral de energiada radiacao de corpo negro e dada pela lei de Wien(Equacao. 13), Einstein mostra tambem que para umavariacao de volume (V2−V1) com energia constante U , avariacao de entropia da componente de frequencia ν daradiacao e dada por(

∆S)U

=

(U

)k ln

V2V1

(21)

Comparando as equacoes (20) e (21), Einstein con-cluiu que a componente de frequencia ν da radiacao ele-tromagnetica de um corpo negro comporta-se como umgas ideal com N partıculas, cada uma com energia hν(U = Nhν). Ou seja, estabelece, pela primeira vez, achamada quantizacao do campo eletromagnetico.

O problema da radiacao de corpo negro foi abordadopor Einstein em mais duas ocasioes. Em 1916, intro-duzindo o conceito de emissao espontanea, e em 1924,baseando-se nos trabalhos do fısico indiano Satyandra-nath Bose, quando apresentou as bases para uma abor-dagem estatıstica de gases constituıdos de partıculas in-distinguıveis que pudessem compartilhar os mesmos es-tados quanticos. A partir de entao, essas partıculas, quetem sempre spin inteiro, sao conhecidas como bosons.

A. O efeito fotoeletrico

Admitindo que a propria radiacao fosse constituıda porquanta de energia hν, os fotons, ou seja, atribuindo a luzuma natureza discreta, Einstein explica algumas proprie-dades peculiares dos metais, quando estes sao irradiadoscom luz visıvel e ultravioleta, como a regra de Stokes, aqual estabelece que a frequencia da luz emitida e menorou igual a da luz incidente, e o efeito fotoeletrico.

O fenomeno do efeito fotoeletrico consiste na liberacaode eletrons pela superfıcie de um metal, apos a absorcao

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da energia proveniente da radiacao eletromagnetica inci-dente sobre ele, de tal modo que a energia total da ra-diacao e parcialmente transformada em energia cineticados eletrons expelidos. Esse fenomeno foi observado pelaprimeira vez por Hertz, em 1887, e extensivamente estu-dado por Lenard, em 1902, e Millikan, de 1906 a 1916.

Nos experimentos realizados, um fotocatodo e ilumi-nado por um feixe de luz monocromatica, liberandoeletrons, e a corrente I resultante e, em seguida, anu-lada ajustando-se um potencial retardador ate um valorde corte V .

Figura 17. Esquema de um circuito para observacao do efeitofotoeletrico.

Os principais resultados das observacoes de Lenard po-dem ser resumidos como:

• a ocorrencia da emissao de eletrons nao depende daintensidade da luz incidente;

• havendo a emissao, a corrente e proporcional a in-tensidade da luz, quando a frequencia e o potencialretardador sao mantidos constantes;

• a ocorrencia da emissao depende da frequencia daluz;

• para cada metal ha um limiar de frequencia, abaixodo qual nao ha a emissao;

• para uma determinada frequencia, o potencial decorte independe da intensidade da luz;

• a energia cinetica dos eletrons e o potencial de cortecrescem com a frequencia da luz.

Os resultados de Lenard foram explicados por Eins-tein, em 1905, admitindo que a luz de frequencia ν, emsua interacao com a materia, fosse constituıda por quantade luz de energia ε = hν. De acordo com Einstein, aopenetrar na superfıcie do metal, cada foton interage comum eletron, transmitindo-lhe toda a sua energia. Entre-tanto, para um eletron abandonar a superfıcie do metal,e necessario que ele adquira uma certa quantidade deenergia φ, denominada funcao trabalho. Admitindo quee pouco provavel a absorcao de dois ou mais fotons porum eletron, os eletrons so conseguem abandonar o metal

se hν > φ. Portanto, aqueles que escapam emergem comenergia cinetica maxima εc, dada por

εc = hν − φ

A equacao anterior e compatıvel com o fato de que, ao seaumentar a intensidade da luz, aumentando-se o numerode fotons incidentes, aumenta-se tambem o numero deeletrons emitidos e, portanto, a corrente, mas nao a ener-gia cinetica maxima que cada eletron pode adquirir.

Desse modo, o potencial de corte V , necessario paradeter o fluxo de eletrons, e determinado pela condicaode que a energia potencial eV deva ser igual a energiacinetica maxima dos eletrons ejetados, ou seja,

eV = hν − φ (22)

Em 1914, Millikan estabeleceu de forma definitiva aexpressao linear proposta por Einstein e a utilizou paradeterminar de maneira precisa e acurada a constante dePlanck como

h = 6,57× 10−34 J.s

O argumento utilizado para se obter a equacao de Eins-tein baseou-se na suposicao de que a energia e distribuıdaapenas entre o eletron e o foton. Entretanto, para ha-ver um balanco do momentum, e necessario um terceirocorpo. Esse terceiro corpo e a rede cristalina do metalque absorve uma parte do momentum. Uma vez que arede e muito mais pesada que o eletron, pode-se suportambem que ela recua com energia desprezıvel. Assim,uma caracterıstica do efeito fotoeletrico e ser um pro-cesso que evidencia a transferencia praticamente total daenergia de um foton a um eletron ligado de um atomo deuma rede cristalina.

Apesar de a explicacao do efeito fotoeletrico ter sus-citado grandes polemicas teoricas, o fenomeno foi rapi-damente utilizado pela industria eletronica para o de-senvolvimento de uma serie de componentes sensıveis aluz, chamados elementos fotossensıveis, que se baseiamem dois processos distintos: (i) emissao fotoeletrica; (ii)quebra de ligacoes covalentes em semicondutores devidoa acao dos fotons.

Figura 18. Esquema de uma celula fotoeletrica a vacuo.

Entre os componentes eletronicos da categoria (i) estaoas celulas fotoeletricas e as valvulas fotomultiplicadoras.

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Uma celula fotoeletrica a vacuo e uma valvula cons-tituıda de um catodo fotossensıvel (fotocatodo), degrande area, colocado no interior de um bulbo seladoe de um anodo coletor de eletrons sob a forma de um fioou anel colocado a frente do fotocatodo (Figura 18).

A aplicacao mais utilizada em detectores na Fısica e avalvula fotomultiplicadora, que e constituıda de uma fo-tocelula e de um conjunto de anodos auxiliares (dinodos)que tem a funcao de multiplicar o numero de eletronsfotoemitidos, que, para tal, sao feitos de substancias debaixa funcao trabalho, responsaveis por uma emissao se-cundaria de eletrons em numero bem maior que o inci-dente.

Com relacao aos componentes da categoria (ii), a que-bra de ligacoes covalentes em semicondutores devido aacao dos fotons, chamado efeito fotoeletrico interno, emuito utilizada nas resistencias fotoeletricas, denomina-das LDR, ou em dispositivos que transformam a energialuminosa em eletrica, como os fotometros, que permitemavaliar a intensidade da iluminacao a partir da correnteeletrica. No mesmo processo se baseia o funcionamentodas pilhas solares utilizadas em foguetes espaciais ou emqualquer calculadora eletronica portatil.

Um outro tipo de mecanismo, que prevalece parafotons de energias mais altas, ou seja, radiacoes eletro-magneticas de frequencias maiores que a da luz, como osraios X, ocorre quando apenas uma parte da energia etransferida para o eletron. Nesse caso, o processo – de-nominado efeito Compton – resulta da colisao de fotonscom eletrons praticamente livres na materia. Sua com-preensao se constituiu em um argumento definitivo emfavor da ideia de quantizacao da radiacao, ou seja, daexistencia de fotons.

B. O efeito Compton

Apesar dos importantes trabalhos experimentais eteoricos realizados em Berlim durante a primeira decadado seculo XX, poucos estavam convencidos ou sequer co-nheciam as hipoteses de Planck e de Einstein. Na rea-lidade, as hipoteses de quantizacao de energia e da ra-diacao so eram consideradas por pouquıssimos pesqui-sadores alemaes. Enquanto a quantizacao de energiapassa a ser aceita a partir de 1913, com a teoria de Bohrpara o atomo de hidrogenio, os fotns so seriam defini-tivamente aceitos em 1922, quando o fısico americanoArthur Compton estabelece, definitivamente, que a ra-diacao de curtıssimo comprimento de onda (na regiao deraios X) que ele fazia incidir sobre um alvo de grafite eraespalhada de modo nao explicavel pela teoria classica doEletromagnetismo.

Compton explicou esse fato supondo que a colisao entreo foton e o eletron atomico pudesse ser considerada comouma colisao entre duas partıculas livres, que obedeciam acinematica relativıstica, ou seja, as leis de conservacao daenergia e momentum segundo a Teoria da RelatividadeRestrita de Einstein.

O principal argumento contrario a essa ideia, utilizadopor Lorentz e Bohr, foi o mesmo que os partidarios davisao ondulatoria da luz utilizaram na polemica Newton-Huygens: Como e que partıculas movendo-se como umfeixe poderiam dar lugar a fenomenos como os de inter-ferencia e difracao?

A ideia de se associar, alem da energia, um momen-tum ao foton ja tinha sido considerada por Einstein, mase com Compton que o conceito de foton como partıcula eintegralmente estabelecido. Segundo ele, deve-se admitirque um foton (γ), associado a radiacao monocromatica

de frequencia ν, que se propaga na direcao k, comporta-secomo uma partıcula de massa nula que se move a veloci-dade (c) da luz no vacuo, tal que:

• εγ = hν (energia)

• ~pγ =εγck (momentum)

Figura 19. Espectro da radiacao (raios X) espalhada por umalvo de carbono no Efeito Compton.

Os espectros da radiacao espalhada por alvos de mo-libdenio (Mo) e de grafite, levantados experimentalmentepor Compton, sao mostrados na Figura 19. Nessas figu-ras, o pico da esquerda e o que era esperado teoricamente.De acordo com a teoria classica de Thomson do espalha-mento de raios X, o comprimento de onda da radiacaoespalhada em uma direcao qualquer deve ser igual ao daradiacao incidente (λ).

Page 15: Origens do Conceito de F oton - dfnae.fis.uerj.brdfnae.fis.uerj.br/~oguri/Oguri_foton_lishep_2015.pdf · da luz nos dois meios. Em 1657, o matem atico franc^es P. Fermat deduz as

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A Figura 19 mostra tambem um segundo pico, rela-tivo a um comprimento de onda λ′, que nao e explicadoclassicamente. Dessa forma, Compton descobriu que aradiacao espalhada tem duas componentes, verificandoque os comprimentos de onda dos raios X espalhados saomaiores que o comprimento de onda da radiacao inci-dente. A relacao entre λ′ e λ depende do angulo θ entrea direcao da radiacao espalhada e a direcao da incidente,e e dada pela formula de Compton,

λ′ = λ+A sen2 θ

2(23)

Para chegar a esse resultado e determinar a constanteA, Compton supos que os aspectos cinematicos do pro-cesso de espalhamento de raios X pela materia pudes-sem ser descritos pela colisao elastica entre um foton eum eletron atomico (Figura 20), a qual se aplica a con-servacao de energia e momentum. Como a energia dosfotons de um feixe de raios X e muito maior que a ener-gia de movimento dos eletrons nos atomos, pode-se con-sidera-los, inicialmente, em repouso.

Sejam (εγ , ε0) e (ε′γ , ε), respectivamente, as energias dofoton e do eletron, antes e depois da colisao, ou seja,

εγ = hν =hc

λ

ε0 = mc2e

ε′γ = hν′ =

hc

λ′

ε2 = (pc)2 + (mc2)2

e

fóton espalhado ( )�

fóton incidente ( )�

elétron espalhado (p)

Figura 20. Colisao de um foton com um eletron, inicialmenteem repouso.

Logo, as leis de conservacao da energia e do momentumsao expressas como εγ +mc2 = ε′γ + ε

~pγ = ~pγ′ + ~p

Da conservacao da energia, segue-se que a energia do

eletron pode ser expressa tambem por

ε2 = (εγ−ε′γ+mc2)2 = (εγ − ε′γ)2 + 2(εγ − ε′γ)mc2︸ ︷︷ ︸p2c2

+m2c4

da qual resulta

p2c2 = ε2γ + ε′γ2 − 2εγε

′γ + 2(εγ − ε′γ)mc2 (24)

Figura 21. Diagrama de conservacao do momentum para oefeito Compton.

Da conservacao do momentum, expressa pela Fi-gura 21, resulta

p2 = p′2γ + p2γ − 2p′γpγ cos θ

e levando-se em conta que pγ = εγ/c e p′γ = ε′γ/c, obtem-se

p2c2 = ε2γ + ε′2γ − 2εγε

′γ cos θ (25)

Igualando-se as equacoes (24) e (25), resulta

(εγ − ε′γ)mc2 = εγε′γ(1− cos θ) (26)

ou seja,

1

ε′γ− 1

εγ=

1

mc2(1− cos θ)

Uma vez que εγ = hc/λ e ε′γ = hc/λ′, chega-se arelacao de Compton

λ′ − λ =h

mc(1− cos θ) =

(2h

mc

)sen2 θ

2(27)

O efeito Compton foi, na realidade, a evidencia ex-perimental que faltava para que a comunidade cientıficaadmitisse a existencia do foton como constituinte da luz,colocando um ponto final nessa questao que foi assuntode grande polemica.