orgãos de tubos de antónio xavier machado e cerveira nos açores

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  • 7/23/2019 Orgos de Tubos de Antnio Xavier Machado e Cerveira Nos Aores

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    OS RGOS DE TUBOS DE ANTNIOXAVIER MACHADO E CERVEIRA NOS

    AORES

    Jos Nelson Leonardo Cordeniz

    ___________________________________________________

    Dissertao de Mestrado em Cincias MusicaisMusicologia

    Histrica

    JULHO, 2010

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    Resumo

    Os organeiros Antnio Xavier Machado e Cerveira e Joaquim Antnio PeresFontanes representam o culminar de uma variante portuguesa da tradio organeiraibrica, observada entre os anos de 1780 e 1820. Embora fossem dois construtores quetrabalharam sob uma escola comum, os seus produtos e mtodos distinguem-se. A obrade Machado e Cerveira demarcar-se- na histria pela vasta quantidade produzida, cercade 105 rgos de tubos construdos ao longo de cinquenta anos. So vrios os aspectosque caracterizam o seu conceito produtivo baseado numa aplicao evolutiva da tcnicae da esttica.

    O conjunto de 14 rgos no arquiplago dos Aores, de sua autoria, correspondea uma fonte de maior relevo para a compreenso desta obra pelo seu estado fsico eexistncia da variedade formal e cronolgica. Por conseguinte, estes instrumentosdesempenham o espelho das etapas conceptuais de Machado e Cerveira, representando

    o gosto sonoro vigente naquele tempo.

    PALAVRAS-CHAVE: rgo de tubos, Antnio Xavier Machado e Cerveira, Aores

    Abstract

    The organ builders Antnio Xavier Machado e Cerveira and Joaquim AntnioPeres Fontanes represent the highest point of a Portuguese variant of the Iberiantradition of organ building, which can be seen between the years 1780 and 1820.Although they were two organ builders who worked according to a common school,their products and methods were quite different. Machado e Cerveiras work willdistinguish in history due to the wide quantity that was produced, about 105 pipe organsthat were built in fifty years. There are different aspects that characterise his productiveconcept, based on an evolutionary use of technique and aesthetics.

    The amount of 14 organs that exist in the Azorean archipelago and which werebuilt by him, correspond to one of the most outstanding sources that contribute to theunderstanding of this work due to their physical conservation and the existence offormal and chronological variety. Therefore, these instruments are a true mirror of theconceptual stages of Machado e Cerveira, representing the usual sound taste of thatepoch.

    KEYWORDS: pipe organ, Antnio Xavier Machado e Cerveira, Azores

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    NDICE

    Prembulo..1

    Introduo..3

    I. Os rgos de tubos nos Aores..9

    II. Antnio Xavier Machado e Cerveira......15

    III. Os rgos de tubos de Antnio Xavier Machado e Cerveira nos Aores..24

    III.1.N. 22, 1788.26

    III.2.N. 24, 1790.28

    III.3.N. 38, 1793.....31

    III.4.N. 40, 1793.....34

    III.5.N. 56, 1798.....37

    III.6.N. 66, 1804.40

    III.7.N. 78, 1814.42

    III.8.N. 81, 1815.44

    III.9.N. 94, 1821.46

    III.10.N. 100, 1826.47

    III.11.N. 102, 1828.50

    III.12.N. 104, 1828.53

    III.13.N. 104, 1829.55III.14.S/ N., 1830...57

    Concluso59

    Bibliografia .69

    Anexos 74

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    1

    Prembulo

    O recurso observao e anlise de instrumentos musicais, enquanto ferramenta

    de investigao histrica no mbito das cincias sociais e humanas, consiste numelemento potencializador para a concretizao de leituras sobre estdios tecnolgicos e

    scio-culturais. A identificao das conjunturas que circundam a construo e a prtica

    musical de um instrumento so um contributo para a compreenso da realidade

    envolvente, colaborando para o entendimento do domnio tecnolgico, do contexto

    econmico-comercial e das particularidades estticas da cultura em questo. Na

    sequncia desta vantagem, que os instrumentos musicais oferecem, o rgo de tubos

    torna-se no exemplo de excelncia devido, essencialmente, a dois factores: um dosinstrumentos musicais, utilizados contemporaneamente, mais antigo e a capacidade de

    moldagem tcnica, sonora e visual que lhe adstrita destaca-se perante os outros.

    Com um registo histrico de cerca 23 sculos1de existncia, o desenvolvimento

    dos potenciais tcnicos associados ao rgo de tubos tem sido um dos factores chave

    para a sua longevidade, a aplicao de tecnologias de ponta com fim ao seu

    melhoramento interpretativo, transforma-o, por excelncia, num dos instrumentos mais

    flexveis do ponto de vista sonoro, contribuindo, por outro lado, para um conhecimentotecnolgico do seu tempo. Por conseguinte, a sua moldagem sonora esteve sempre

    sujeita s questes terico-prticas da msica, no que concerne ao temperamento e

    harmonizao, e s questes de gosto local com consequncias ao nvel tmbrico.

    A multidisciplinaridade artstica ser outro factor evidente da realidade

    organeira, para alm das particularidades sonoras, a estrutura que protege a mecnica

    transformada sob os domnios da pintura, escultura e arquitectura. Na maioria dos casos

    cada instrumento nico, comprado por encomenda e todos os parmetros que oconstituem so propriamente escolhidos, para alm da marca pessoal de cada construtor,

    em considerao possibilidade econmica, necessidade tcnica e ao gosto esttico

    (visual/sonoro) do comprador. Todos estes potenciais do manuseamento sonoro e visual

    detido pelo rgo, facilitaram a instaurao de grandes correntes organeiras submetidas

    1A primeira referncia conhecida sobre o rgo de tubos, enquanto detentor das trs seces que odefinem (seco de ar: funo da produo, estabilizao e conduo do ar; consola: responsvel pelo

    encaminhamento do ar em direco aos tubos pretendidos; e tubos), remonta ao hydraulis organis(rgohidrulico) construdo por pelo inventor grego Ctesibius na Alexandria durante o sculo III a.C.

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    a caractersticas estticas referentes s grandes reas culturais, como o caso das

    escolas europeias: francesa, alem, italiana, inglesa e ibrica.

    A agregao dos seus materiais constitutivos, sejam estes assinalados pelo seu

    preo ou sensibilidade, com as afinadas tcnicas e o manuseamento sonoro qualificam-no como um dos instrumentos musicais mais complexos, logo, um dos mais caros.

    Consequentemente, foi dominado pela prpria representatividade de poder ao longo da

    sua histria, ganhando contornos simblicos divinos atravs da complexidade

    tecnolgica e interpretativa de que sujeito, com a intensificao da afirmao do seu

    papel na Igreja a partir do sculo X.

    Se por um lado, o rgo de tubos um espelho do seu tempo, figurando um

    momento histrico conceptualizado por uma situao econmica, uma tendnciaesttica e um domnio tcnico, consiste por outro lado, na reproduo activa do

    evolucionismo destes factores. O instrumento ser sujeito a uma adaptao sonora

    contnua de forma a acompanhar as exigncias dos pblicos posteriores da sua

    construo, e aplicao de componentes tecnolgicos modernos que visem a

    simplificao e a satisfao prtica dos intrpretes, conforme os recursos existentes.

    No contexto da organaria ibrica, definida por um rgo que se caracteriza

    essencialmente pelos princpios tcnicos da existncia de um s teclado partido, umaformulao prpria dos registos e a utilizao de registos palhetados chamada, entre

    outras particularidades, aliado a um repertrio musical caracterstico deste espao com

    incidncia produtiva a partir do sc. XVI, verifica-se uma variao portuguesa desta

    prtica que teve o seu expoente mximo, de produo entre as dcadas de 1780 e a de

    1820 sob a gide dos organeiros Joaquim Antnio Peres Fontanes (1750-ca.1820) e

    Antnio Xavier Machado e Cerveira (1756-1828).

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    Introduo

    Com a observao de um nmero considervel de rgos de tubos histricos em

    Portugal, e perante uma ausncia de uma listagem coesa destes instrumentos, sentiu-se a

    necessidade da realizao de uma aco que levasse identificao e localizao de

    todos os casos. neste sentido que surgiu o projectoLevantamento dos rgos de tubos

    histricos em Portugal, em que participei, enquanto bolseiro de investigao,

    promovido pelo extinto Centro de Estudos de Msica em Portugal da Faculdade de

    Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, coordenado pelo

    Professor Doutor Gerhard Doderer e financiado pela Fundao para a Cincia e

    Tecnologia. Aps a finalizao dos trabalhos de pesquisa e recolha, que o projecto foi

    sujeito, concluiu-se que o pas detinha um nmero superior a setecentos e oitenta rgos

    de tubos, independentemente do seu perodo de construo e estado de conservao.

    Deste total, apenas cerca cinquenta instrumentos foram construdos menos de cem

    anos.

    Apesar da quantidade de rgos de tubos existente em Portugal e da importncia

    histrica que detm, s a partir dos anos de 1970 que se iniciaram estudos sistemticos

    sobre este patrimnio, destacando-se a aco dos investigadores Wesley Jordan e

    Gerhard Doderer. No que a importncia desse patrimnio fosse ignorada

    anteriormente, observa-se, atravs da documentao que chegou at aos nossos dias, que

    pelo menos o gosto portugus se alterou, como exemplo a opinio de Ernesto Vieira a

    propsito da sonoridade dos rgos de Machado e Cerveira, classificando-os de

    brilhantes e estridentes nos cheios, satisfazendo o gosto vulgar da poca que exigia,

    mesmo na igreja, musica alegre e ruidosa e que j no correspondiam aos instrumentos

    modernos cujas tendncias so para adoar os timbres supprimindo de todo os registos

    compostos, diminuindo a palhetaria e augmentando os flautados principalmente nos

    registos graves embora haja quem aprecie estes instrumentos (Vieira 1900:55). Quando

    Vieira faz referncia aos instrumentos modernos, est certamente a referir os rgos de

    esttica sonora francesa, que correspondem s caractersticas por ele enunciadas,

    construdos no seu tempo em Portugal, da autoria de Aristide Cavaill-Coll, em voga na

    poca, bem como a obra de Augusto Claro, tambm influenciada pela mesma corrente.

    Sendo escassa a informao sobre a opinio das entidades culturais, das primeiras

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    dcadas do sculo XX, em relao ao valor da organaria portuguesa (histrica),

    Bettencourt da Cmara refere que Francisco Lacerda ficou responsvel pelo estudo da

    situao dos rgos portugueses (Cmara 1997: 49).

    Em meados do sculo XX2

    registou-se a presena da famlia Sampaio que ficouencarregada de pr algum deste patrimnio em funcionamento, restaurando

    determinados exemplos, sendo a sua aco de destaque a colocao de ventiladores

    elctricos. Apesar do pas no acompanhar o movimento revivalista da organaria antiga,

    que se observou na Europa a partir da dcada de trinta, motivado pelo crculo da

    musicologia alem, em Portugal o interesse sobre a importncia histrica destes

    instrumentos foi aumentado de forma relativa, no esquecendo o papel activo da

    Fundao Calouste Gulbenkian nesta matria e a aco divulgadora da msica antigapor Macrio Santiago Kastner. Na dcada de oitenta afirma-se um perodo de restauro

    incessante atravs dos organeiros Antnio Simes a partir de 1983 e Dinarte Machado

    desde 1987, caracterizando-se pela manuteno das particularidades histricas destes

    instrumentos. A par dos restauros, a divulgao desta obra foi sendo cada vez mais

    regular, destacando-se os congressos, como so exemplo os organizados pela APAO

    (Associao Portuguesa dos Amigos do rgo) e a realizao de diversas publicaes

    dispersas em vrias fontes.

    Fazendo uso do privilgio a propsito do conhecimento bibliogrfico que

    detinha, devido minha participao no projecto doLevantamento dos rgos de tubos

    histricos em Portugal, em que foi necessrio examinar toda a bibliografia encontrada

    sobre rgos em Portugal, conclu que ainda no tinha sido realizada nenhuma

    publicao que apresentasse e analisasse de forma sistemtica os instrumentos

    construdos, durante o auge produtivo da organaria portuguesa, pelos organeiros

    Antnio Xavier Machado e Cerveira e Antnio Joaquim Peres Fontanes. Considerando

    o facto de ser aoriano e desfrutar de um grande interesse pelo patrimnio organeiro,

    apesar de no ter uma formao organstica, mas ter tido uma vida musical activa perto

    de alguns rgos de construo Machado e Cerveira e da regio conter um grupo

    pertinente de obras da sua autoria, fui facilmente levado a escolher este objecto de

    estudo como problemtica de dissertao de mestrado.

    2

    Encontram-se referncias de intervenes, nos instrumentos, que compreendem as dcadas de 1930 at1970.

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    Embora a obra de Machado e Cerveira seja considerada publicamente como um

    culminar da organaria portuguesa, pelos seus cento e cinco instrumentos, no so do

    conhecimento pblico as especificidades que demarcam esta obra num sentido ntegro.

    Encarando o nmero e a variedade formal de instrumentos, em considerao ao leque

    cronolgico produtivo, propus-me realizar um estudo que esclarecesse a

    conceptualizao destes rgos tendo em conta os seguintes aspectos:

    A caracterizao tcnica dos instrumentos.

    A relao da organizao estrutural com o gnero de caixa.

    A identificao de transformaes conceptuais ao nvel da construo.

    A identificao de processos repetitivos, consistindo na aplicao de

    elementos estruturais iguais presentes em diferentes rgos.

    Anlise tmbrica.

    Perante a vastido quantitativa do objecto de anlise em causa e a

    impossibilidade da sua observao completa, optei por utilizar um modelo de estudo de

    caso que se fundamentasse pela variedade formal e cronolgica dos rgos, confinando-

    se ao grupo de instrumentos que possam ser considerados positivos, ou seja, com caixa

    independente ao espao onde se insere. Por conseguinte, a minha escolha incidiu sobre

    os catorze instrumentos da autoria de Machado e Cerveira, que esto nos Aores, por

    corresponderem aos requisitos definidos.

    Com o campo de estudo delimitado, a minha metodologia de trabalho

    desenvolveu-se em duas linhas:

    Pesquisa documental referente problemtica da organaria portuguesa e

    de Machado e Cerveira, bem como, sobre os rgos a serem analisados

    com especial incidncia nos da ilha Terceira por ser onde eu residia e ser

    a ilha que mais instrumentos detm de construo Machado e Cerveira.

    Anlise tcnica aos instrumentos.

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    A anlise tcnica consistiu na obteno metdica de dados que fossem usados

    como elementos identificadores e comparativos de cada instrumento. Estas informaes

    seriam obtidas atravs da observao directa, registadas atravs de medies, anotaes,

    esquemas e fotografias. Os elementos a serem analisados seriam:

    Ano e n. de construo

    Ao nvel da caixa:

    o Gnero

    o Dimenses

    o Aspectos estticos

    Teclado3:

    o mbito

    o Dimenses:

    Do teclado completo

    Comprimento de teclas ( vista e do brao completo)

    Distncia entre teclas.

    Indicao de particularidades pertinentes

    Abreviador:

    o Caractersticas

    Secreto:

    o Dimenses

    o

    Particularidades das vlvulas

    Fole:

    o Dimenses

    o Presso

    Anuladores:

    3Com excepo do rgo n. 66 que foi alterado posteriormente, todos os teclados de Machado e Cerveiraso de suspenso.

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    o Quais so utilizados

    o Processo de aco

    Registos:

    o Identificao

    o Medidas dos tubos4

    o Nmero de filas e respectiva composio5das misturas

    o Disposio dentro da caixa

    Outros acessrios:

    o

    Quaiso Forma de aco

    Tambm foi inicialmente considerado o registo sonoro comparativo dos

    instrumentos, porm, devido s dificuldades tcnicas que esta aco acarreta, acrescida

    pelo aumento de problemticas a serem trabalhadas com consequncia de exceder adimenso limitada deste tipo de dissertao, esta ideia foi posta de lado. Contudo, trata-

    se de um projecto que pretendo realizar futuramente, pois penso, que s deste modo ser

    possvel uma anlise comparativa completa. Esta gravao justifica-se, ainda mais,

    porque, apesar dos instrumentos no possurem a autenticidade sonora absoluta de

    origem devido ao distanciamento histrico, foram restaurados pelo mesmo organeiro o

    que implica uma comunho de critrios sonoros entre eles.

    A observao de todos instrumentos aconteceu nos meses de Julho, Agosto eSetembro de 2008, ao longo das ilhas Terceira, Graciosa, So Jorge, Pico, Faial e So

    Miguel, conseguindo-se registar todos os dados pretendidos com excepo do rgo da

    freguesia das Capelas, na ilha de So Miguel, porque estava desmontado. Agradeo,

    desde j, a disponibilidade de todos os procos e outros responsveis pelos instrumentos

    em questo, em possibilitar o meu acesso e o registo dos rgos, sem a qual no seria

    4 Dados que s poderiam ser obtidos atravs do organeiro que restaurou os instrumentos, dada a suaimpossibilidade de serem registados vista e de no ser praticvel sob consequncia da desafinao dorgo.5Idem.

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    possvel a realizao deste trabalho. Sobre a informao que era apenas possvel de ser

    adquirida atravs do organeiro restaurador, a mesma no chegou a ser obtida.

    Ao nvel da pesquisa bibliogrfica e documental, saliento que a literatura

    incidente na temtica dos rgos e na pessoa de Antnio Xavier Machado e Cerveira bastante escassa e apesar de no ter tido resultados favorveis, tambm como

    consequncia do limite de tempo a que investigao se sujeitou, encontrei algumas

    fontes com exposies alusivas aos rgos na ilha Terceira que se transformaram em

    referncias importantes para a percepo histrica dos rgos desta ilha.

    Consequentemente, o meu trabalho desenvolveu-se apenas nesta bibliografia especfica

    sobre Machado e Cerveira e seus rgos.

    Nesta dissertao apresento como tema principal a exposio analtica dosrgos de tubos organizada numa sequncia cronolgica e comparativa com o objectivo

    do esclarecimento dos processos de construo de Machado e Cerveira ao longo do

    tempo. Trata-se de uma apresentao baseada numa recolha pessoal de dados, geridos e

    pensados na sua autonomia. Embora no tenha obtido as informaes concernentes s

    dimenses dos tubos e composio dos cheios, sendo este um dos pontos principais de

    reflexo projectados para esta dissertao pela importncia que detm na caracterizao

    sonora dos rgos ibricos, foi possvel o enquadramento e a induo concludente generalidade das contingncias encontradas. Contudo, a obra de Antnio Xavier

    Machado e Cerveira s ficar compreendida no seu todo atravs de uma investigao

    aprofundada sobre o repertrio instrumental para rgo do seu tempo, desconhecido na

    sua grande parte, e atravs da noo da formulao prtica da msica litrgica em

    Portugal durante o mesmo perodo histrico.

    Agradeo a prestao do mestre organeiro Manuel Dinarte Machado pelas

    informaes e consideraes dispensadas, bem como, a disponibilidade ininterruptademonstrada pelo Professor Doutor Gerhard Doderer enquanto consultor perito sobre

    problemticas da organaria portuguesa, no conhecimento da realidade da aco

    organeira e de estudos realizados no sculo XX.

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    I. Os rgos de tubos nos Aores

    Os Aores, apesar das dificuldades que a insularidade acarreta, possuem cerca de

    586rgos de tubos (documento 1), sendo a quarta regio do pas que mais instrumentos

    detm (documento 2). Com a excepo dos rgos da freguesia de Guadalupe Ilha

    Graciosa (Jos da Cunha de 1775) e de Santo Antnio Ilha do Pico (Annimo de

    1720) todos os instrumentos localizados nos Aores foram construdos a partir do final

    da dcada de oitenta do sculo XVIII, correspondendo s construes dos organeiros

    Antnio Xavier Machado e Cerveira e Joaquim Antnio Peres Fontanes, este ltimo

    com seis exemplares na regio, se for contabilizado o rgo da Igreja de Santo Anto no

    TopoIlha de So Jorge sem inscrio de autor, ano de 1790, onde, atravs do ano de

    construo e pelas particularidades da caixa, poder indicar a autoria deste organeiro,

    sendo assim o seu primeiro instrumento conhecido na regio. Por conseguinte, est

    patente a questo sobre a ausncia de instrumentos, actualmente, de construo anterior

    aos atrs referidos.

    So vrias as publicaes histricas7 que nos indicam a presena de rgos e

    organistas, bem como outros cargos de mbito musical, nos Aores desde a sua

    povoao provando, deste modo, uma prtica musical litrgica segundo os mesmos

    moldes da que se observava no territrio continental portugus. Depreende-se que o

    facto de inexistirem tais instrumentos seja uma consequncia, em grande parte, de um

    processo de substituio de instrumentos obsoletos, limitados e arcaicos, por novos

    demarcados por um desenvolvimento tcnico e sonoro que no se fazia sentir nos que j

    existiam.

    Numa circunscrio ilha Terceira, a referncia encontrada que se distingue

    pela demarcao da existncia e localizao de rgos de tubos, de um modo geral, o

    6So contabilizados, unicamente, os instrumentos que possuem uma parte significativa do seu corpo e/ouque ainda se localizam no seu espao de referncia. Por exemplo, apresentam-se dois casos que no estoincludos nesta contagem. Uma caixa em armrio construda entre os sculos XVII - XVIII, desprovida demecnica, transformada em roupeiro e que neste momento se situa na ermida de Nossa Senhora da Sade,sob alada do museu de Angra do Herosmo. proveniente da igreja de So Pedro, sabendo-se que esteveanteriormente no Convento de So Gonalo. O outro caso refere-se a um conjunto de componentesconstituintes de um instrumento da autoria de Manuel Serpa Silva de 1894, que esto numa arrecadao

    da igreja da freguesia da Agualva.7 o caso de Saudades da Minha Terra de Gaspar Frutuoso, Fenix Angrense do P.e Manuel LusMaldonado eAnais da Ilha Terceirade Francisco Ferreira Drummod, entre outros.

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    artigo Os rgos das Igrejas da Ilha Terceira publicado no jornalDirio Insular, em

    1970, por Henrique Borba. Uma comunicao que resulta da motivao pessoal do autor

    aps a realizao de uma traduo para portugus de Organs of two islands 8de T.

    Glabenz (1959/60). Sobre os rgos existentes e no existentes, Henrique Borba afirma

    que: se no estou em erro, vieram para a esta Ilha, desde o seu povoamento at hoje, 26

    rgos, 15 dos quais j desapareceram por completo, ficando apenas 11 dispersos pela

    cidade, vila e freguesias rurais (1970: 5). A propsito dos onze rgos existentes, o

    autor identifica-os como sendo os dois rgos da S9; o da Misericrdia de Angra

    (Cerveira, 1829); o da Algualva (Serpa Pinto, 1894), estando de momento

    desmantelado; e ainda outro grupo de instrumentos, situados nos conventos, arrestados

    pela Fazenda Nacional que os vendeu e/ou cedeu, aquando a extino das ordens

    religiosas. So estes, os rgos dos conventos: de So Gonalo (Fontanes, 1793) que se

    mantm no mesmo espao; da Conceio (Fontanes, 1793)10 que est, neste momento,

    na Igreja de Santa Brbara; de So Francisco em Angra (Cerveira n. 22, 1788)

    mantendo-se actualmente no mesmo local; dos Franciscanos na Praia (segundo o autor,

    um Fontanes sem registo de autor e data) que foi para a igreja das Lajes,

    desconhecendo-se actualmente a sua existncia; e o do convento da Luz na Praia

    (Cerveira, 1815 n. 81) que passou para a igreja da Conceio em Angra. Em relao

    aos outros dois, o autor encara a possibilidade de o rgo (Cerveira n. 56, 1798) que

    est na igreja do Colgio (Igreja N. Senhora do Carmo) ser proveniente do convento da

    Graa e o que est na Matriz da Praia (Cerveira n. 40, 1793) ser proveniente dos

    Agostinianos, tambm na Praia.

    Perante este contexto, assinalado pela circulao de instrumentos entre dois

    espaos, observa-se que por outro lado, alm do acto de substituio, atravs de um

    processo de compra directa pelas vias do construtor, com o devido abate do antigo

    instrumento, encontram-se, ainda, outras conjunturas que demarcaram o panorama

    organstico nos Aores que possam propor-se ao esclarecimento da existncia e ao

    respectivo desaparecimento de tais instrumentos. Atravs da anlise do contexto

    8 Este artigo consiste no relato pessoal de Gablenz, um viajante apreciador de rgos de tubos, queanalisou alguns exemplos durante a sua passagem na ilha Terceira e Repblica Dominicana.9Estes dois instrumentos desapareceram num incndio, na S, em 1983. Um da autoria de Joo Nicolau,sob a direco do Padre Serro, com data de 1850, e o outro, de maiores dimenses, annimo, demarcado

    pelas suas caractersticas germnicas, tendo sido oferecido por D. Maria I. O ltimo, inicialmentedestinado S de Macau, acabou por ficar na ilha Terceira devido avaria e paragem do navio que otransportava, tendo sido aproveitada a oportunidade, pelo bispo local, de se pedir o instrumento rainha.10Este instrumento e o de So Gonalo, ambos de 1793, so exemplares gmeos.

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    patrimonial das igrejas receptoras, antes da aquisio dos novos instrumentos, poder-

    se- conhecer a posse de um rgo, e se sim, o fim que lhe foi destinado. Tomando

    como exemplo a igreja de Santa Brbara, na ilha Terceira, o rgo que l existe:

    () feito em 1793 por Antnio Joaquim Peres Fontanes, era do extinto mosteiro das

    Concepcionistas de Angra. A Junta de Parquia resolveu adquiri-lo em sesso de 3 de Fevereiro

    de 1837 e cujo pagamento se realizou em ttulos de dvida pblica. Antes, em 1834, Santa

    Brbara havia comprado um outro11, mais pequeno, da matriz de S. Sebastio, o qual, ento,

    consertado e afinado pelo organista Ferreira Drumond instrumento depois vendido para a

    parquia de S. Mateus, da Calheta, ilha de S. Jorge (Merelim, 1970: 224).

    Partindo deste caso, observa-se um conjunto de situaes que podem ser comuns

    a diferentes rgos.

    Em primeiro lugar, no caso da Matriz de So Sebastio, a venda de um

    instrumento que no compensado pela compra de outro, pois desconhece-

    se esta compra.

    Em segundo lugar, o encerramento de uma instituio, mosteiro das

    Concepcionistas, que leva necessidade de se desfazer de um instrumento

    que levado para outra igreja que j possui um rgo.

    Em terceiro lugar, o rgo original da Matriz de So Sebastio que foi

    vendido, devido aquisio de um melhor, pela igreja de Santa Brbara

    parquia de So Mateus da Calheta, na ilha de So Jorge e que desapareceu

    com o tempo, estando actualmente sem nenhum.

    Todavia, independentemente dos vrios factores que possam ter levado ao

    desaparecimento dos instrumentos em causa, axiomtico que a qualidade e a vasta

    quantidade destes novos instrumentos iniciaram um perodo de extino aos que j

    existiam devido a uma capacidade de produo rpida.

    11O autor refere que tinha sido adquirido para substituir um mais antigo, que estava inutilizado.

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    Considerando o panorama da produo organeira em Portugal continental, aps

    a morte de Fontanes e Machado e Cerveira, o pas enfrenta uma crise ao nvel

    produtivo. Alm do desaparecimento dos dois vultos que dominaram e praticamente

    monopolizaram a organaria em Portugal, durante quatro dcadas (dos anos 90 do sculo

    XVIII at aos anos 20 do sculo XIX), o novo modelo poltico vigente, o liberalismo,

    veio a desfavorecer o nico cliente da organaria: o clero, com incidncia nas ordens

    religiosas. Por conseguinte, alm da capacidade de compra, as condies de

    manuteno/conservao dos instrumentos reduzem-se.

    Contrariamente ao que se observava no cenrio continental, o sculo XIX, ficou

    demarcado pela abundncia da aquisio de novos instrumentos nos dois arquiplagos

    portugueses, Aores e Madeira, atravs de processos distintos. Na Madeira, atravs deuma influncia comercial e cultural inglesa que se fazia sentir nesta altura, foram

    importados volta de duas dezenas de rgos de tubos de fabrico ingls. Por outro lado,

    nos Aores, com a influncia e tendo como modelo os instrumentos Cerveira e

    Fontanes, inicia-se uma prtica organeira de mbito regional.

    Os novos instrumentos aparecem, tendo em conta os que existem hoje em dia,

    pela mo de Sebastio Gomes de Lemos que, segundo declaraes orais do organeiro

    Dinarte Machado, foi oficial de Machado e Cerveira e ainda ter construdoinstrumentos utilizando materiais que restaram do mesmo. Do ponto de visto tcnico, os

    seus instrumentos so cpias de Machado e Cerveira. O primeiro instrumento, de 1848

    na igreja Matriz da Maia em So Miguel, um tpico rgo de armrio Machado e

    Cerveira de doze meios-registos dotado dos habituais estribos anuladores. O outro

    instrumento deste autor, nos Aores, alm do de 1851 em armrio na igreja das

    Manadas em So Jorge, situa-se na igreja Matriz da Ribeira Grande e data de 1855.

    Apresenta-se sob uma estrutura de trs planos de fachada, com palhetas chamada,

    dezasseis meios-registos e estribos anuladores para palhetas e cheios. Ainda se conhece

    outro instrumento deste organeiro na Lourinh, distrito de Lisboa, registado sob o n.

    30, desconhecendo-se o resto da sua obra.

    Aps a obra de Sebastio de Lemos, iniciou-se um perodo produtivo demarcado

    por construtores autctones no seguimento dos mesmos modelos tcnicos, com especial

    ateno no que se refere organizao dos meios-registos, utilizao dos anuladores,

    e, em grosso modo, a manuteno de alguns matizes visuais: aspecto arquitectnicogeral das caixas, organizao dos planos de fachada e palhetas chamada. So exemplo

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    desta fase os construtores Tom Gregrio de Lacerda e Joo Nicolau Ferreira, que se

    demarcou pela quantidade de instrumentos construdos. J no final do sculo XIX at

    primeira dcada do sculo XX, surge-nos uma terceira fase de construo demarcada

    pelo construtor Manuel Serpa da Silva. Embora os seus instrumentos possam possuir

    alguns dos aspectos visuais atrs referidos, organizao da fachada nos caractersticos

    trs planos e a utilizao das palhetas em chamada, os prprios componentes e a

    organizao mecnica, at registao, so importados, sendo na prtica, instrumentos

    norte-americanos.

    Cessada a obra de Manuel Serpa da Silva, a regio deparou-se com a ausncia de

    novos rgos at ao final dos anos oitenta no sculo XX. Ser com a estada de Lus

    Esteves Pereira

    12

    , durante trabalhos de restauro em Angra do Herosmo, que lhe encomendada a construo de um novo instrumento para a nova capela-escola do

    Seminrio Episcopal de Angra do Herosmo. A construo deste pequeno instrumento

    foi concluda, todavia, atravs da obteno de relatos directos de pessoas envolvidas

    neste caso, conhece-se a existncia de confronto pessoal por parte de um responsvel do

    seminrio, na altura, sobre algumas directrizes a propsito desta construo. Como

    resultado final o instrumento foi levado mudez.

    Por fim, na sequncia de um vasto projecto de restaurao dos rgos aorianosa partir dos anos 80, surge uma nova figura no panorama da organaria aoriana, Manuel

    Dinarte Machado, que apresenta o seu primeiro instrumento, e o nico nos Aores13, em

    1993 na S Catedral em Angra do Herosmo. Tratando-se do maior rgo de tubos

    construdo para os Aores tambm, para a regio, o primeiro que se conhece

    encastrado na estrutura arquitectnica da igreja, ou seja, no est subjacente sob uma

    caixa autnoma como habitual nos rgos positivos. Embora o instrumento apresente

    uma configurao visual moderna, esteja dotado de uma pedaleira e de trs seces

    (rgo principal, positivo e de eco (expressivo)) com teclados autnomos, o instrumento

    apresenta-se como um herdeiro da tradio ibrica, veja-se a utilizao da tpica

    registao, conquanto expandida como consequncia do tamanho do instrumento, e da

    tcnica de meio-registo. O organeiro Dinarte Machado detm, no presente momento 9

    construes, destacando-se ainda os rgos das igrejas do Colgio do Funchal e de

    Linda--Velha, onde atravs da utilizao e da noo das distintas particularidades

    12Teve vida activa na reconstruo de rgos de tubos desde os anos 70 at 90.13Alm de um rgo pequeno de estudo que sita no Conservatrio de Msica em Ponta Delgada.

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    tcnicas e sonoras, que definem a escola de organaria portuguesa, legada por Joaquim

    Antnio Peres Fontanes e Antnio Xavier Machado e Cerveira e presentes nas suas

    obras, tornam-no num sucessor directo da afirmao artstica dos respectivos

    organeiros.

    O patrimnio organstico aoriano ainda no se encontra todo restaurado mas

    caminha neste sentido, havendo vrios restauros em decurso. Os instrumentos tocveis

    so utilizados nos servios litrgicos com alguma regularidade, encontrando-se casos

    onde a sua utilizao s acontece em dias de maior importncia, sendo preferido o

    acompanhamento coral atravs de rgos electrnicos. Observam-se ainda outras

    situaes pontuais como inexistncia de organista fixo, em determinadas igrejas, o que

    leva alguns responsveis, detentores de instrumentos por restaurar, incerteza dapertinncia do investimento por no terem ningum que toque o rgo.

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    II. Antnio Xavier Machado e Cerveira

    No meio musical portugus qualquer meno realizada referncia Machado e

    Cerveira, seja caracterizada por uma aproximao superficial ou por um trato de maior

    pormenorizao e complexidade, incontestavelmente demarcada pela noo,

    estimulada ao longo da histria da msica portuguesa e atestada por Ernesto Vieira, de

    ser o mais notavel organeiro portuguez e que maior quantidade de trabalho produziu

    (1900: 52). Apesar da notabilidade alcanada pelo organeiro, j obtida em vida, facto

    que a nica fonte informativa sobre a sua pessoa e obra, de relevo no domnio pblico

    que existiu at aos anos de 1990, alm dos prprios instrumentos, foi a entrada

    Machado e Cerveira (Antnio Xavier) no Dicionrio Biographico de Msicos

    Portuguezes de Ernesto Vieira. Ser nesta dcada, atravs da especial motivao

    causada pela ampla quantidade de restauros que se fez sentir, que se iniciar uma

    sequncia de divulgaes sobre este tema, destacando-se os organeiros Antnio Simes

    e Dinarte Machado e o musiclogo Gerhard Doderer. Porm, no devem ser esquecidas

    as vrias chamadas de ateno que existiram antes desta dcada sobre a especificidade

    e/ou importncia histrica da obra de Machado e Cerveira, seja atravs de publicaes,

    notas de programa de concertos e apresentaes orais, como foi o caso da famliaSampaio (reparadores portugueses de rgos que laboraram em meados do sculo XX),

    o investigador Wesly Jordan, entre outros.

    S no ano de 2008 que se observa um passo proeminente a propsito do

    conhecimento biogrfico de Antnio Xavier Machado e Cerveira com a publicao do

    artigo Geneologia socioprofissional de uma famlia de escultores e organeiros dos scs.

    XVIII e XIX: Os Machados Contributo para o estudo das Artes e Ofcios em

    Portugal da autoria de Ana Paula Tudela. Nesta obra, alm da aluso a propsito dasdivulgaes que mais se destacaram sobre o organeiro at ao momento14, a autora

    desenvolve um percurso biogrfico pormenorizado do mesmo.

    Antnio Xavier Machado e Cerveira nasceu em 1756 em Tamengos, concelho

    de Anadia. filho do escultor e organeiro Manuel Machado Teixeira (1711-1787) e da

    14 Refira-se os textos de Gerhard Doderer sobre os rgos de Mafra, uma comunicao de Dinarte

    Machado apresentada no I Congresso Internacional de rgos Histricos Portugueses e outracomunicao, da autoria de Antnio Simes, apresentada no V Encontro Musicolgico.

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    sua terceira esposa Josefa Lusa Cerveira. Manuel Machado Teixeira, natural de Braga,

    foi para Coimbra no incio da dcada de 20. Desconhecendo-se a sua formao

    organeira, certo que a sua chegada a Coimbra coincide com um perodo marcado por

    uma actividade assinalvel, no que concerne construo de rgos, podendo-se ligar a

    sua aprendizagem e fontes de influncia aos seguintes acontecimentos: em 1722-3

    construdo o rgo da S Nova por Calixto de Barros Pereira; Manuel Benito Gomes de

    Herrera, alm dos trabalhos que realizou no rgo de Santa Cruz entre 1719 e 1726,

    contruiu o rgo da Capela de So Miguel da Universidade em 1732-33 e um dos

    rgos de Santa-Clara-a-Nova na 2. metade da dcada 1740, entre outros; e ainda a

    forte possibilidade de Teodsio Hensberg ter construdo o outro instrumento de Santa-

    Clara-a-Nova nesta mesma altura; no esquecendo a passagem de Joo Fontanes de

    Maqueira volta de 1760. Dada a sua aco no mbito da escultura, ressalta a

    percepo que a sua actividade nos rgos se ter iniciado a partir das caixas dos

    instrumentos. Todavia no se conhecem instrumentos de sua autoria, o primeiro registo

    que se sabe referente a uma encomenda, para uma construo de raz, o caso do rgo

    do Mosteiro dos Jernimos, instrumento de grandes dimenses. A sua actividade at

    aqui, alm da escultura, teria sido desenvolvida unicamente no circuito da afinao e

    arranjo de rgos.

    Ana Tudela afirma que Machado Teixeira permanece em Coimbra na segunda

    metade da dcada de 1780 onde () aceita encomendas da regio, como o caso do

    Mosteiro do Lorvo, em 1795 () (2008: 121), contudo, certo que este exemplar fo i

    concludo pelo filho, Antnio Xavier, em 1795 sob o n. 47. Em relao existncia de

    outras encomendas de Coimbra possvel que estas tambm tenham sido concludas por

    Antnio Xavier, j que se conhece o instrumento de Coves (CantanhedeCoimbra) do

    mesmo ano com o n.46.

    Se sobre a aprendizagem de Machado Teixeira podemos apenas apresentar

    hipteses de quem tero sido seus mestres e influenciadores, j a de Antnio Xavier, o

    nico filho que seguiu a arte da organaria, torna-se bvia que foi realizada com o pai.

    Curiosamente, coloca-se a construo no Mosteiro dos Jernimos como o primeiro

    episdio que se pode reportar sobre ambos enquanto construtores. Isto porque se rgo

    dos Mrtires construdo em 1785 o n. 3 e se o rgo de So Roque foi construdo em

    1784, sendo o nico exemplar anterior que se conhece ao do Mrtires, levanta-se a

    questo de qual ter sido o n.1 ou o n. 2, caso tenha existido algum antes ou depois ao

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    de So Roque. Por conseguinte, ao no se identificar outro instrumento, observa-se uma

    aceitao em pressupor o rgo do Mosteiro dos Jernimos como o n. 1, embora este

    tenha sido assinado pelo pai. Esta suposio j sugerida por Ernesto Vieira, tendo o

    rgo dos Mrtires como referncia absoluta em relao ao ano e ao nmero, embora

    desconhea a existncia do rgo que est em So Roque, sugere a atribuio do n.1 ao

    instrumento de Machado Teixeira e o n. 2 a um outro instrumento, construdo por

    Machado e Cerveira em 1787 tambm nos Jernimos.

    Considerando a carncia de rgos que se fazia sentir em Lisboa nesta altura,

    preciso ver que neste perodo estava-se perante as concluses das reedificaes das

    igrejas afectadas pelo terramoto de 1755; a existncia de apenas um nico organeiro em

    Lisboa, Joaquim Antnio Peres Fontanes; e um incio de carreira ligado ao grande rgodos Jernimos, composto por 4.010 tubos (), 74 registos e 12 pedais de

    combinaes; os folles so em nmero de sete, sendo uma fbrica magestosa,

    ocupando lateralmente todo o comprimento do coro () (Vieira 1900: 53), h a

    convico geral por parte dos vrios autores que com a construo do terceiro

    instrumento, o rgo da Baslica dos Mrtires, Machado e Cerveira ir assegurar

    imediatamente o seu sucesso prolfero. Trata-se de um instrumento mpar no seu

    aspecto, caracterizado pela apoteose da multidisciplinaridade que a organaria detm na

    escultura, destacando-se um efeito tridimensional, atravs do jogo da colocao dos

    planos de tubos fachada, de tal modo, que se supe que ter ainda contado com a

    interveno do pai, ou at mesmo do meio-irmo, o exmio escultor, Joaquim Machado

    de Castro. de no esquecer, tal como indica Ana Tudela, que esta igreja possua o

    estatuto de Colegiada o que atribua autonomia em relao S. Havendo rivalidade

    entre as duas, sugere-se que a escolha de Machado e Cerveira para esta encomenda

    venha em contraposio aos rgos da S15, construdos cerca de trs a cinco anos antes,

    da autoria de Peres Fontanes. Repare-se ainda que o rgo dos Mrtires toma como

    ponto de partida os mesmos princpios da organizao da fachada dos rgos da S

    (documento 3), apesar de ser ligeiramente mais pequeno no nmero de registos, tenta

    ultrapass-los visualmente pelo efeito tridimensional j referido, especialmente, atravs

    de um destaque horizontal em relao parede de fundo e outro vertical a partir da

    15

    O rgo do lado da epstola foi mudado para o Panteo Nacional, trocado por um de construoFlentrop munido de 4 teclados e pedaleira construdo em 1964.

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    utilizao de uma tribuna prpria, elevada em relao ao coro alto. J Ana Tudela

    sugere que a escolha de Cerveira para esta encomenda:

    () ter sido talvez fruto de esforos conjuntos da famlia. O pai, Machado Teixeira, preparouo caminho para Lisboa e o meio-irmo, Machado de Castro, poder muito bem ter feito

    diligncias junto das personalidades com quem privava, como por exemplo o Duque de Lafes,

    que tinha ligaes Baslica dos Mrtires atravs da Irmandade do Santssimo () (2008:

    124).

    A partir daqui, se a obra de Machado e Cerveira seguir um caminho produtivo

    ininterrupto, a sua condio social tambm no ser alheia a esta ascenso. Logo aps amorte de Machado Teixeira, em 1787, os irmos Machado e Cerveira, Francisco Xavier

    e Antnio Xavier, pedem carta de braso de armas de nobreza e fidalguia, para honrar

    a memria do nome dos seus ascendentes, os Machados e os Cerveiras () (Tudela

    2008: 124). Estes irmos foram particularmente privilegiados pela condio econmica

    dos Cerveiras, destacando-se do estatuto, inferior, dos Machados. Por conseguinte,

    entende-se que Antnio Xavier foi favorecido em relao a Joaquim Machado de

    Castro, pois alm de ter acompanhado o pai num estdio mais douto durante a suaformao, esteve desde logo apoiado por factos circunstanciais que caracterizam o

    estatuto dos Cerveiras. Ainda beneficiou, segundo Tudela, do prprio prestgio

    alcanado por Machado de Castro (2008: 139).

    Em 1804 foi condecorado com o Habito de Cristo. Ernesto Vieira atribui a

    obteno deste ttulo na sequncia da realizao dos rgos de Queluz e Mafra, obras

    pelas quais tambm foi nomeado organeiro da casa real. Tudela questiona se a obteno

    do Habito de Cristo resulta directamente do resultado de Mafra. Pondo-se de parte ocaso de Queluz por se desconhecer a data da construo, a obra de Mafra foi uma aco

    conjunta com Joaquim Antnio Peres Fontanes e se a condecorao resultasse da, seria

    sobretudo pela sua coordenao nos trabalhos e no fazendo muito sentido que a

    atribuio da merc tenha antecedido em trs anos a inaugurao dos rgos. Sobre o

    ttulo de organeiro da casa real, afirma que este no consta no Registo Geral de Mercs

    embora se encontre a sua nomeao para organeiro da Santa Igreja Patriacal em

    Dezembro de 1791, pouco tempo antes dos trabalhos em Mafra (2008: 140-141). E a 22de Novembro de 1808, Machado e Cerveira entra para a irmandade de Santa Ceclia,

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    instalada na igreja dos Mrtires desde 1786, onde exerceu com a maior pontualidade e

    zelo, durante os ltimos annos e at poucos mezes antes de fallecer, o cargo de primeiro

    assistente, presidindo a todas as sesses da mesa (Vieira 1900:54).

    A sua morte em 1828 impediu-o de terminar trs instrumentos encomendadospara os Aores. Ser sobre a tutela da viva que o oficial do organeiro, Jos Teodoro

    Correia de Andrade, ir terminar os instrumentos. So estes os dois rgos duplicados

    com o n. 104 e, possivelmente, o de Santa Cruz da Graciosa. Do total destas cento e

    cinco construes, ou cento e seis se for contabilizado este terceiro instrumento que

    parece no ter sido inserido na numerao, conhecida a existncia de cerca 67

    instrumentos em Portugal. Antnio Simes refere ainda a existncia de um rgo de

    Cerveira na Igreja do Carmo, em Belm do Par- Brasil.

    Aspectos da sua obra

    A obra de Machado e Cerveira composta por um conjunto de cerca cento e cinco

    instrumentos (documento 4) responde,per si, celebridade alcanada pelo organeiro emvida e justificou a notoriedade que a histria nos deixou. Comparando as entradas de

    Ernesto Vieira sobre Machado e Cerveira e o seu contemporneo Fontanes, observa-se

    que o texto relacionado com Machado e Cerveira, alm de ter o triplo do tamanho em

    relao ao segundo, desenvolvido pela noo de grandeza atravs da referncia dos

    seguintes pontos: o organeiro que mais construiu; as monumentais construes dos

    Jernimos e Mrtires; a enunciao de vrios instrumentos construdos em Lisboa e

    arredores; os ttulos que obteve; uma caracterizao geral da obra apesar de afirmar queno corresponde esttica sonora do tempo de Vieira. Enquanto sobre Fontanes foca

    que construiu trs dos rgos de Mafra; uma indicao de quatro instrumentos de

    Lisboa; que levou vantagem em relao a Cerveira nos frontispcios e alude ao rgo

    construdo pelo filho e a possvel relao familiar com os outros Fontanes. Joaquim

    Antnio Peres Fontanes no foi to agraciado pela Histria como Machado e Cerveira.

    Apesar da imagem deixada por Cerveira, sobre a fruio dos privilgios sociais que

    obteve e da extenso do seu trabalho, cr-se que pelo facto de Fontanes no ter

    numerado a sua obra, o pblico foi incutindo, com os anos, uma incerteza na percepo

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    da magnitude do seu trabalho. So conhecidos mais de trinta exemplares de sua autoria

    e, apesar de partilharem os mesmos princpios tcnicos de Machado e Cerveira,

    destacam-se na imponncia dos traos barrocos. Comparativamente com Cerveira,

    pouco ainda se sabe sobre si e da sua relao com este. Ao serem os nicos organeiros

    de servio em Lisboa, seria de supor que rivalizassem profissionalmente. Nesta ordem

    de ideias, tambm se questiona em que contexto as suas relaes foram geridas em

    Mafra.

    Na matriz do rgo ibrico, Joaquim Antnio Peres Fontanes e Antnio Xavier

    Machado e Cerveira foram o bero e a expresso clmax do que se entende por escola

    portuguesa de organaria. Atravs do emprego e da afirmao constante ao longo de toda

    a obra de algumas particularidades tcnicas, que no se faziam sentir na organariaibrica, legitimaram, na prtica, a existncia duma escola local, hoje considerada de

    escola portuguesa. Os aspectos que mais se destacam na definio da escola portuguesa

    de organaria so sobretudo a existncia dos pedais anuladores e a organizao muito

    prpria das composies dos registos agudos denominados por smbala, recmbala,

    cheio e composta, apesar destes dois organeiros terem organizaes particulares para

    estes registos.

    claro que a aplicao destas especificidades foi de encontro s necessidadestcnicas e sonoras do repertrio musical da poca. Compreendendo-se a utilidade

    tmbrica e dinmica dos anuladores, seja num contexto de acompanhamento coral ou

    solstico, levando a uma expanso expressiva do instrumento, ainda no se conhece o

    motivo absoluto destas aplicaes. Ou seja, desconhece-se o repertrio para rgo

    interpretado nesta altura devido ignorncia agravada de literatura musical deste

    perodo. Porm, Dinarte Machado distingue o objectivo das especificidades dos

    anuladores de cada organeiro; enquanto os anuladores de Fontanes fecham os registos

    mdios e agudos, tornando os instrumentos mais vlidos para a msica moderna do que

    para a msica antiga do seu tempo, os de Machado e Cerveira apenas fecham os registos

    agudos, tornando os instrumentos igualmente aptos para responderem s necessidades

    das obras antigas e modernas (Tudela 2008: 100-101)16. Cerveira levou avante na

    aplicao dos anuladores, aplicando tambm, de forma geral, nas palhetas de chamada,

    e numa ltima fase, a colocao regular de anuladores nos registos palhetados internos

    16No foi possvel o acesso fonte original.

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    dos instrumentos em armrio. Nos instrumentos n. 100 e n. 102 observa-se ainda a

    existncia de um terceiro anulador com efeito de Eco, que, no caso do n. 102, controla

    a Flauta dEchoe Clarim dEcho(registo interno) da mo direita e a Trompada mo

    esquerda.

    O todo da obra de Machado e Cerveira demarca-se por uma estandardizao de

    processos acompanhados por um desenvolvimento aplicativo. Perante este

    desenvolvimento, Dinarte Machado identifica trs fases distintas de construo

    assinaladas, sobretudo, pela extenso do teclado, aspectos da mecnica, pelas medidas

    dos tubos e pela planificao tonal (Tudela 2008: 99). Sobre a estandardizao dos seus

    instrumentos, observa-se uma continuao de critrios tcnicos, no ignorando as

    mutaes sujeitas s suas fases de construo, que vo definir a obra. Na linha dosrgos positivos, sendo a partir destes que se poder fazer uma observao generalista

    sobre autor porque alm de terem sido construdos em maior nmero consideram-se

    obras de total concepo autnoma por no estarem totalmente dependentes do espao,

    observam-se vrios processos sistemticos. De tal modo que levam a crer que o

    organeiro construa os instrumentos aos grupos pelas semelhanas existentes entre

    instrumentos construdos na mesma altura.

    As caixas dos rgos destacam-se pela manuteno das suas particularidadesfsicas, com especial evidncia nos armrios que so iguais na forma, tendo como

    critrio de aplicao do tipo de caixa o nmero de registos. Geralmente os instrumentos

    que contm at doze meios-registos foram embutidos em estruturas de armrio e os que

    possuem mais de doze meios-registos foram inseridos em caixas que no o modelo de

    armrio, um sistema de caixa aberta, varivel na sua forma, mais trabalhada, dotada de

    uma fachada disposta e com palhetas colocadas chamada. As caixas so inteiramente

    lineares tendo como nica referncia ornamental os pequenos motivos esculturais, que

    se visualizam nas partes superiores dos planos, com fim a tapar o espao deixado em

    aberto pelos tubos. Apesar dos armrios se distinguirem nas dimenses, facto

    dependente altura em que foram construdos, so organizados por um conjunto de trs

    planos de tubos em fachada, normalmente com a parte interna das portas frontais

    pintada com imagens referentes a instrumentos musicais, pressupondo partida a sua

    abertura durante a execuo musical. Encontram-se tambm exemplos de instrumentos

    com a parte interna das portas laterais com as mesmas referncias iconogrficas, o que

    leva a crer, se no for um mero aproveitamento destas portas, que necessrio que

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    estejam abertas durante a execuo. Se assim o for, esta exigncia tem todo o sentido

    acstico, porque se estas portas estavam abertas quando o rgo foi afinado e se

    pretendido obter o efeito sonoro absoluto resultante da afinao, o instrumento deve ser

    posto na mesma posio de afinao. Porm encontram-se excepes do que aqui foi

    referido sobre as caixas, como por exemplo: o rgo n. 40, de 1793, um caso em que

    possuiu dezasseis meios-registos e a caixa dotada de trs planos de fachada com

    tamanho superior aos restantes instrumentos; o n. 16, de 1787, de um perodo inicial,

    tem os tubos da fachada dispostos num culo, em vez dos habituais 3 planos; os rgos

    n. 29, de1790, e o n. 66 de 1804 so exemplares que no possuem qualquer tipo de

    fachada, estando a tubaria exposta ao exterior durante a execuo (reala-se que so

    instrumentos pequenos), o n. 6 tem dez meios-registos e o n. 66 oito meios-registos,

    sendo um dos mais pequenos que se conhece de Machado e Cerveira.

    As outras estruturas maiores, que no os armrios, embora possam variar em

    diferentes aspectos estticos, tm por base a organizao frontal da fachada em trs

    planos, chegando a possuir dois planos laterais de tubos, podendo serem mudos.

    Contudo esta organizao da fachada no se encontra nos rgos da Igreja de Nossa

    Senhora da Consolao - Arrentela, sem n., de 1794, e o n. 83 de 1817, situado na

    Igreja do Santssimo Sacramento Lisboa (documento 5), os tubos da fachada esto

    dispostos num nico plano, dando-se um destaque verticalidade da estrutura. Esta

    opo compreendida numa situao de ausncia de espao lateral, obrigando o

    organeiro a reduzir a largura do instrumento, tal como acontece com o n. 83, sujeito ao

    coro estreito, o que no parece acontecer com o espao fsico do exemplar de 1794. A

    partir dos anos de 1810 observa-se que o plano central das fachadas ganha altitude numa

    forma mais quadrangular, do que a tpica elevao curvilnea tpica existente nas obras

    anos 80 e 90, bem como em Fontanes, alterando-se tambm alguns motivos esculturais.

    As caixas de Cerveira, em contraste com Fontanes, destacam-se pela

    aproximao de uma linha de tendncia neo-clssica. Se o autor se evidenciou pela

    apoteose barroca dos Mrtires, certo que a sua obra tomou contornos mais lineares.

    Enquanto as caixas de Fontanes, de maior ostentao, so demarcadas pela exuberncia,

    ornamentando linhas e aspectos de cariz barroco, encontrando-se tambm esta

    vitalidade nas caixas de armrio que tendem a fugir rigidez dos armrios de Cerveira.

    Todavia, o grande modelo da adopo de moldes neo-clssicos corresponde obra

    conjunta de Machado e Cerveira e Fontanes, os seis rgos de Mafra.

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    Sobre a registao, na falta de dados tcnicos essenciais sua anlise geral, no

    se consegue, aqui, examinar o quanto necessrio. Porm, observa-se que Machado e

    Cerveira utiliza processos sistemticos na seleco e caracterizao sonora conforme os

    instrumentos em causa. O plano tonal desequilibrado ser uma imagem de marca da sua

    sonoridade com grande relevo nos instrumentos pequenos, potencializando o

    dinamismo sonoro atravs do contraste das duas mos. Possuiu uma organizao tpica

    dos cheios, dependente do registo de fundo, marcados pela mobilidade sonora, variando

    na incidncia em diferentes instrumentos. As palhetas tomam contornos personalizados

    e variados, com especial destaque nos instrumentos de armrio, podendo-se encontrar

    umFagotee um Clarimbastante envoltos nos restantes registos ou um Fagotee Obo

    mais incidentes, mas expressivos. Por conseguinte, a procura da expressividade tmbrica

    parece ter sido um motor de trabalho de Antnio Xavier Machado e Cerveira.

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    III. Os rgos de Tubos de Antnio Xavier Machado e Cerveira

    nos Aores

    O conjunto de catorze rgos da autoria de Machado e Cerveira nos Aores

    corresponde a um grupo cativante pela pertinncia do seu estudo. Estes instrumentos

    constituem, na sua reunio, uma fonte de maior relevo para a compreenso da obra de

    Machado e Cerveira. inquestionvel que a perceptibilidade total desta obra ser

    apenas possvel na sua viso global, incluindo todos os seus instrumentos, com vista

    exactido das respostas tcnicas; estticas; sociais e comerciais. No que concerne s

    respostas tcnicas e estticas dever ser utilizado um processo analtico que vise uma

    aproximao especificada sobre os vrios componentes dos instrumentos, decompondo-

    os na acepo tcnica, atravs da medio e caracterizao da organizao dos

    elementos estruturais ao nvel do ar, mecnica e tubos, bem como na acepo esttica

    atravs da anlise: visual, verificando a fisionomia, a dimenso e as caractersticas

    ornamentais, sujeitas aos domnios da escultura e da pintura; e da anlise sonora,

    registando e analisando o aspecto sonoro como resultado da especificidade tcnica,

    relacionando-o com questes de carcter cultural e social, podendo-se aprofundar at s

    problemticas da filologia e morfologia humana. Porm, no se ignorar que as

    particularidades sonoras do construtor possam ter sido adulteradas pelas afinaes e

    restauros.

    No caso de um estudo deste tipo no dever ser esquecida a obra de Joaquim

    Antnio Peres Fontanes, pois entende-se que a sua anlise comparativa responder s

    particularidades objectivas individuais. Ao serem os nicos organeiros do seu tempo, na

    regio de Lisboa, so, atravs das suas marcas, os plos da esfera orgnica do apogeu da

    organaria portuguesa.

    O propsito deste trabalho, o estudo dos rgos de Machado e Cerveira nos

    Aores, pretende ser uma observao sistemtica de um grupo selecto e representativo

    de instrumentos da autoria deste organeiro. A distino deste conjunto demarca-se, em

    primeiro lugar, pela quantidade e pelas datas em que os seus elementos foram

    fabricados, o facto de serem catorze instrumentos pertencentes a diferentes perodos de

    construo de Machado e Cerveira, torna-o uma ferramenta de observao cronolgica

    til. A manuteno das especificidades originais, na sua forma generalizada, que se

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    assiste nos rgos aorianos, consiste numa singularidade no plano nacional. Este facto

    sucedeu, essencialmente, devido inexistncia de pessoas habilitadas e recursos

    econmicos que possibilitassem o manuseamento e a alterao tcnica dos instrumentos

    com objectivo, por exemplo, da sua modernizao. Contudo, de referir que grande

    parte do patrimnio organstico portugus, comparativamente com outros pases,

    manteve-se num estado bastante ntegro, possivelmente devido escassez de meios

    monetrios que permitissem o investimento. Logo, boa parte das alteraes consistiu

    principalmente na colocao de um ventilador elctrico.

    Outra caracterstica destes rgos prende-se com a variedade estrutural, onde os

    dois tipos de caixa esto presentes, sujeitos a configuraes que diversificam na forma,

    dimenso e na composio dos registos, observando-se casos nicos, contribuindo paraa esquematizao dos gneros de rgo realizados pelo construtor. Importa salientar

    que, excepo do n. 56, todos os rgos restaurados foram sujeitos interveno do

    mesmo organeiro, Dinarte Machado, o que contribuiu para uma unificao de processos.

    Por esta razo poder-se- afirmar que os instrumentos ganham certa autenticidade

    perante uma observao comparativa, j que partilham os mesmos critrios tcnicos.

    Por conseguinte, o conjunto de instrumentos da autoria de Antnio Xavier

    Machado e Cerveira nos Aores, consiste num modelo inevitvel de estudo da sua obra,aliado ao contexto dos circuitos comerciais e ao enquadramento scio-litrgico,

    tornando-se por si s num dos paradigmas da cultura portuguesa da dcada de 1780 at

    de 1820.

    Embora esta anlise no tenha atingido a profundidade necessria de alguns

    campos de estudo, inicialmente projectados, pela inexistncia de dados, como o caso

    das dimenses dos tubos e da composio completa dos registos harmnicos

    (cheios/compostos), apresenta-se aqui uma primeira sistematizao genrica destesinstrumentos, com fim a uma perceptibilidade dos seus elementos identificadores.

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    III.1N. 22, 1788

    Localizao: Igreja de Nossa Senhora da Guia -

    Museu de Angra (antigo convento de So

    Francisco)

    Concelho: Angra do Herosmo

    Ilha: Terceira

    Posio:Tribuna, lado evangelho, ao lado do coro

    alto

    Registao

    mbito: D-d1/d#1-r3

    Acessrios:

    Anulador de cheios (2 pisantes)

    Foles: 2 integrados (cunha)Dimenses da Caixa:

    l. de 300 cm.

    x al. (mais de) 307 cm

    O rgo n. 22 corresponde ao primeiro caso da autoria de Machado e Cerveira

    nos Aores e ainda est colocado no seu espao de origem, no extinto convento de SoFrancisco. O instrumento estava a ser sujeito a um processo de restauro, pelo mestre

    organeiro Dinarte Machado, durante a sua anlise, pelo que no foi possvel a sua

    observao. A caixa demarca-se pela tridimensionalidade da forma e cor, obtida atravs

    do efeito de avano da consola contra o abate contnuo do fundo da parte traseira da

    caixa, reforada com a elevao curvilnea dos planos laterais, sendo esta, uma

    especificidade comum na obra dos anos 80 e 90, bem como dos instrumentos de

    Fontanes; confinando com o efeito policromado, uma imagem etrea.

    Trompa (ext.)Sobre SmbalaSmbalaVinte DozenaDezanovenaQuinzenaDozenaFlautado em 6 tapadoFlautado em 6 abertoFlautado 12 tapadoFlautado 12 aberto

    Clarim (ext.)CornetaRsimbalaSimbalaDezanovenaOitava Real, 12, 15FlautimFlauta em 12Flautado em 12 tapadoVoz HumanaFlautado em 12 aberto

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    Caracteristicamente barroca pela postura e linguagem ornamental, a caixa ostenta na

    zona superior a herldica franciscana.

    Sobre a registao, apesar de se ter apenas a sua indicao, observa-se uma

    correspondncia assinalvel entre os registos, das duas mos, na base dos flautados. onico instrumento aoriano com este nvel de correspondncia tanto nos tubos abertos

    como nos fechados, resultando num equilbrio sonoro em ambas opes. Por outro lado,

    ainda no possui o anulador de chamada. O seu teclado comporta o mbito de quatro

    oitavas e uma segunda (D-d1/d#1-r) sendo esta a verso mais pequena do organeiro.

    Observa-se que os foles, novos, esto semi-integrados na caixa, havendo uma

    anexao da caixa que acaba por os cobrir (documento 6), supe-se aqui uma alterao

    s especificidades originais.

    Um facto curioso a referir sobre este instrumento que quando o Liceu de Angra

    estava instalado neste edifcio, at dcada de 1960, eram os alunos quem davam ao

    fole do rgo na missa e era hbito marcarem a sua passagem neste rgo riscando o seu

    nome e respectiva data na caixa, culminando num preenchimento quase total da caixa,

    onde se observam vrias dezenas de marcaes. Uma inscrio de interesse que se

    encontra uma referncia afinao do rgo em 1916, por Thomaz do Canto, mas

    tambm a indicao das restantes afinaes em 1938 e em 1956. Tudo isto parece tersido escrito ao mesmo tempo, questionando se foi o prprio ou no a fazer as indicaes

    pela ltima afinao, como resultado da prtica inscrita no instrumento. Desconhece-se

    qual era a opinio dos rgos directivos da instituio sobre esta realidade, mas

    comprova-se que nada foi feito de forma eficaz que combatesse a aco. Esta situao

    toma contornos mais picarescos quando o processo de restauro entrou em curso, na

    possibilidade do restauro da caixa, uma das figuras responsveis pela instituio

    defendeu que a caixa no devia ser alterada pelo valor social das inscries.

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    III.2N. 24, 1790

    Localizao: Igreja Matriz da Calheta

    Concelho: Calheta

    Ilha: So Jorge

    Posio:Centro do coro alto

    Registao

    mbito: D-d1/d#1-r3

    Acessrios: Anulador de cheios (2 pisantes)

    Fole: 1 integrado (cunha)

    Dimenses da Caixa: l. 172cm x c. 85 cm x al. 309 cm

    O rgo n. 24, de 1790, restaurado em 1991, o primeiro caso de um

    instrumento da autoria de Machado e Cerveira inserido numa estrutura de armrio nos

    Aores. A caixa, quando aberta, distingue-se pela ausncia de uma fachada composta.

    Como se verifica, o interior est exposto, sem um mnimo recurso de enquadramento

    ornamental, o que deixa a seco da tubaria do instrumento completamente visvel.O teclado (documento 7.a.) tem um comprimento de 69,5 cm (D-si1: 48,5cm),

    com 2,3 cm de largura e 12 cm de comprimento por tecla diatnica. As teclas, no seu

    total de brao, medem cerca de 37,5 cm de comprimento, com o ponto de suspenso a

    24 cm de distncia do eixo, e um avano de cerca 4 cm sobre as cromticas. O painel e

    os respectivos rolos do abreviador so de madeira e o secreto tem a dimenso de 117 cm

    de comprimento por 6,5 cm de profundidade e 6,5cm de altura, com a entrada do ar

    colocada na regio aguda. Quanto ao fole, integrado, mede 130 cm por 66,5 cm e

    FagoteClaro, 5f.QuinzenaFlautado 6 tapFlautado 12 tap

    OboCompostas de 22., 4f.Corneta, 3f.Flauta em 6Flauta em 12

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    mantm o sistema de alimentao manual. Em relao aos pedais do anulador de cheios,

    esto suspensos em frente caixa e so constitudos por placas metlicas.

    Os registos do instrumento caracterizam-se, essencialmente, pelo desequilbrio

    existente entre as duas mos. No se presencia a existncia de nenhum flautado na modireita e os da mo esquerda so tapados. Deste modo, a parceria dos flautados de 12 e 6

    palmos, com a mo direita, realizada atravs de duas flautas cnicas de 12 e 6 palmos.

    De um ponto de vista tmbrico no demais desconcertante, caso seja pretendida uma

    unificao sonora de ambas as mos. No obstante, as flautas partilham algumas

    particularidades sonoras com os flautados tapados (sonoridade redonda). No se

    podendo problematizar a composio dos cheios, observe-se a quantidade de filas

    existentes nestes registos: o Claro composto por cinco filas contraposto por umaCornetade apenas 3 filas, um nmero inferior s singularidades tpicas deste registo,

    apesar dos registos no serem utilizados simultaneamente. Todavia, por no se conhecer

    os harmnicos concretos da sua composio, coloca-se a possibilidade da unio da

    Corneta com a Compostas de 22.. A composio da Corneta, em trs filas, parece

    sugerir um complemento em falta a partir das Compostas de 22. para uma

    concretizao completa. Isto , uma Composta de 22., de quatro filas, afirma-se pela

    duplicao dos harmnicos da 8. enquanto uma Corneta constituda pelos harmnicos

    de 8., 5. e 3.. Logo, se esta Cornetade trs filas for formada por duas 5.ase uma 3.,

    ou vice-versa, torna-se claro que a sua realizao plena se concretize atravs da unio

    dos harmnicos de 8. da Compostas de 22..

    A disposio dos registos (documento 7.b.c.) organizada, seguindo a ordem da

    fachada para o fundo do instrumento, dos registos mais agudos para os mais graves,

    com a excepo da Flauta em 12 que aparece antes da Flauta em 6. Sem dvida, o

    organeiro pretende uma incidncia das misturas sobre os flautados e flautas; dos agudos

    sobre os graves17; e uma salvaguarda da Flauta em 6 atrs da de 12 palmos,

    possivelmente para atenuar a sua incidncia. No desconhecimento da composio da

    Corneta no se poder apurar uma razo absoluta para a sua localizao, mas tudo

    indica tratar-se da considerao atrs referida.

    17A predominncia da sonoridade aguda sobre a mais grave uma realidade que tambm se observa da

    organizao interna dos registos cheios, os harmnicos agudos esto dispostos frente dos harmnicosmais graves.

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    O rgo n. 24 o nico caso registado em que se presencia a utilizao de

    palhetas num rgo composto por dez meios-registos, bem como a utilizao de um

    Fagotee Obo num rgo positivo, pelo menos nos Aores. Estes dois registos so, por

    si mesmo, um elemento caracterizante deste instrumento. Os registos de OboeFagote

    demarcam-se pela sonoridade nasalada, caracterstica dos instrumentos que pretendem

    imitar. O facto de estarem ambos fachada mais uma peculiaridade deste instrumento,

    observando-se uma pretenso pela afirmao sonora destes registos, tratando-os como

    autnticos solistas. Apesar da sua incidncia, esto relativamente equilibrados com a

    organizao sonora do instrumento. Veja-se, em primeiro lugar, a opo de serem

    registos com ressoador semi-tapado, o que lhes confere um dinamismo sensvel, mais

    delicado do que a Trompaou Clarim. Cabe-lhes um intimismo intrnseco ao tamanho

    do rgo e especificidade tmbrica/tonal dos registos de 12 e 6 palmos, ou seja, o

    Fagote com os flautados tapados e o Obo com as flautas. Para alm disso, estes

    registos, com especial destaque no Fagote, foram sujeitos a um tratamento prprio,

    conferindo-lhes um temperamento particular nos seus matizes tmbricos, destacando-se

    enquanto indivduos autnomos do rgo.

    Em suma, a sonoridade deste rgo exprime-se pelas misturas penetrantes e por

    uma sonoridade pessoal e enrgica presente nas palhetas.

    de frisar a existncia de suportes metlicos (documento 7.d.) nos lados da

    consola e nas extremidades da zona superior da caixa. Havendo dvidas na sua

    finalidade, os que esto ao lado da consola parecem ser para a colocao de velas 18, os

    outros que esto zona superior, com dimenses semelhantes aos anteriores, talvez

    tenham o mesmo intuito prtico, com o objectivo a iluminar a zona que circunda o

    instrumento.

    18

    Associam-se estas peas, pela sua colocao e aspecto, aos suportes tpicos de velas encontrados nospianos verticais.

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    III.3N. 38, 1793

    Localizao: Igreja de So Mateus da Praia

    Concelho: Santa Cruz

    Ilha: Graciosa

    Posio:Centro do coro alto

    Registao

    mbito: D-d1/d#1-r3

    Acessrios: Anulador de cheios

    (2 pisantes)

    Fole: 1 integrado (cunha)

    Dimenses da Caixa: l. 162 cm x c. 94,5 x al. 307 cm

    A estrutura do rgo n. 38, de 1793, ser o modelo de fabrico de excelncia, no

    que concerne organizao do sistema conceptual do gnero em armrio de Machado e

    Cerveira: uma fachada de trs planos e um conjunto caracterstico de 10 ou 12 meios-

    registos. Nas suas dimenses, esta caixa a mais pequena que se encontra entre as suas

    anlogas de doze meios-registos. Foi restaurado em 1989.

    O teclado (documento 8.a.)mede 68,4 cm de comprimento (D-si1: 47,8 cm).

    Por sua vez, as teclas diatnicas tm 2,2 cm de largura e 11 cm de comprimento,

    havendo um avano de 3,4 cm sobre as cromticas e um comprimento total de brao de

    32 cm, exprimindo uma dimenso pequena. O abreviador de madeira e a aco do

    anulador de cheios realizada atravs de dois pisantes (documento 8.b.), tambm em

    madeira, que surgem por baixo dos ps do organista, funcionando num processo de

    pisto sobre o eixo de balano. O secreto tem 120 cm de comprimento, 8,5 de altura ecerca de 27,5 cm de profundidade, com a entrada do ar sob as vlvulas dos tubos graves,

    FagoteVintedozena, 4f.Dozena e 19., 3f.QuinzenaFlautado 6tapFlautado 12 tap

    ClarimCorneta, 3f.Oitava Real e 15., 4f.Flauta em 12Voz HumanaFlautado 12 ab

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    que seguem a ordem cromtica da mesma forma que os tubos. Passando para o fole, a

    suas dimenses indicam 127,5 cm de comprimento por 61,5 cm de largura.

    A organizao dos registos, que se observa neste exemplo, to caracterstica

    deste modelo de instrumento de Machado e Cerveira, assinala-se novamente pelodesequilbrio entre as duas mos. A base sonora assegurada por um Flautado12 tapado

    na mo esquerda contrastada com um Flautadoabertona mo direita. A utilizao do

    registoFlautado 12 tapadocomo base, da mo esquerda, compreendida pela limitao

    do tamanho das caixas. Se no caso do rgo n. 24 o construtor optou por colocar uma

    flauta a solo, como fundo da mo direita, tanto conveniente pelas especificidades

    sonoras que partilha com o Flautado tapado, como pelas suas caractersticas solsticas,

    aqui foi aplicado umFlautado 12 aberto, que contrasta com o tapado da mo esquerda,embora tambm se presencie aFlauta. Com dependncia noFlautado 12 aberto, a Voz

    Humanaser outro registo que marca uma presena contnua, considerando-se o mais

    peculiar, entre as flautas e flautados, pelo dinamismo vibratrio provocado. Outro

    aspecto prende-se com a ausncia de paralelismo do Flautado 6 tapado ao nvel da

    oitava homnima na mo direita, tanto o Flautado como a Flauta desta mo tm 12

    palmos. Consequentemente, devido ausncia de um registo de 6 palmos na mo

    direita, no possvel a realizao de uma sonoridade intermdia entre os registos de 12

    palmos e as misturas, fazendo com que o instrumento toque relativamente piano ou

    forte. Com a ausncia do Claro, aDozena e 19., outra presena constante de Machado

    e Cerveira na mo esquerda, surge como acessrio de acompanhamento pertinente pela

    riqueza harmnica que as suas quintas oferecem.

    A disposio dos registos (documento 8.c.)no interior do rgomantm como

    objectivo o destaque das misturas, sobre os registos flautados, atravs do seu avano

    frontal, no interior do instrumento, tal como se observa no exemplo anterior. A Oitava

    Real e 15 e a Corneta so registos bastante penetrantes na sua intensidade sob a

    perspectiva do organista, veja-se que a caixa pequena e a cabea do intrprete est

    colocada em frente fachada, ao nvel dos tubos. Para constituir a fachada, Machado e

    Cerveira seleccionou tubos da Quinzenada e da VozHumana. Note-se que a Corneta

    ainda apresenta a diminuta composio em trs filas.

    O rgo, data da pesquisa efectuada para este estudo, no tinha os registos

    palhetados colocados. Por no ser possvel a sua anlise sonora, a colocao destesregistos na zona traseira responde, partida, a uma integrao com o instrumento. A

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    utilizao do Clarimresultar, em contraste ao Obodo rgo n. 28, como resposta

    existncia do Flautado aberto. Observe-se que os dois registos compartilham

    caractersticas adstritas aos seus princpios tmbricos e tonais, ou seja, pela sua afinao

    e abertura sonora.

    Na sua generalidade, este instrumento define-se, comparando com o anterior,

    no/a:

    Acepo da caixa, um armrio com uma fachada composta por trs

    planos.

    Reduo do tamanho do teclado embora usufruam o mesmo mbito.

    Aumento de dez para doze meios-registos.

    Manuteno dos registosFagoteeFlautadostapadosna mo esquerda e

    o emprego de Dezanovena e Vintedozena, na mo esquerda, e do

    Clarim,Flautado abertoe VozHumanana mo direita.

    Manuteno do critrio da disposio dos registos e o recuo do

    posicionamento das palhetas.

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    III.4N. 40, 1793

    Localizao: Igreja Matriz da Praia da Vitria

    Concelho: Praia da Vitria

    Ilha: Terceira

    Posio:Zona frontal da igreja, lado da epstola

    Registao

    mbito: D-d1/d#1-r3

    Acessrios: Anulador de cheios

    (2 pisantes)

    Fole: 1 integrado (cunha)

    Dimenses da Caixa: l. 175 cm x c. 110,5 cm x al. 344 cm

    O rgon.40 de Machado e Cerveira, construdo em 1793, distingue-se como

    um dos maiores instrumentos inserido num armrio de que se tenha registo nas suas

    construes. Restaurado em 1991, dotado de algumas particularidades, na perspectiva

    global da obra deste construtor, como o caso visvel da caixa que ostenta uma fachada

    de maior ostentao no seu tamanho do que as observadas nos restantes armrios.

    Mantendo o mbito dos antecessores, o teclado mede 68 cm de comprimento

    (D-si1: 48 cm) e as suas teclas diatnicas tm um avano cerca de 4,5 cm sobre das

    cromticas, 2,3 cm de largura por 11,5 cm de comprimento e um total de brao de 31

    cm com o ponto de suspenso a 17 cm do eixo. O fole integrado apresenta as dimenses

    de 74,5 cm por 152 cm de comprimento. Sobre o secreto, registam-se 130 cm de

    comprimento por 9 cm de altura e uma profundidade de 27,5 cm. Mantm ainda os

    pisantes do anulador de cheios em forma de pisto.

    FagoteSmbala, 4f.Claro, 4f.Dozena e 19., 3f.QuinzenaOitava RealFlautado 6tapFlautado 12 tap

    ClarimCorneta, 4f.Compostas de 22., 5f.Oitava Real e 15., 4f.FlautimFlauta em 12Voz HumanaFlautado 12 ab

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    A registao deste instrumento expandida por sequncia regular, fazendo um

    uso total dos oito registos nas duas mos, sendo que os mesmos afectam todos os

    mbitos de oitava na mo direita, at Composta de 22.. A particularidade desta

    composio de registos reside na existncia de uma peculiar Oitava Real na mo

    esquerda, colocada na fachada. Este registo de mo esquerda, nada tpico neste gnero

    de instrumentos deste perodo, destaca-se pela clareza da emisso sonora adveniente do

    seu posicionamento. Considerando o facto da existncia e da colocao daOitava Real,

    numa fachada que no tpica de Cerveira, sugere-se aqui a possibilidade desta aco

    ser o resultado da necessidade de colmatar o preenchimento deste espao. Ou seja, pelo

    facto de nunca se ter observado o uso deste registo na mo esquerda, na ordem dos seis

    palmos aberto, e ainda com a coincidncia da caixa que no se enquadra na obra de

    Machado e Cerveira, induz-se que a explicao da utilizao deste registo assenta na

    necessidade de compor a fachada, pois o nico que tem as dimenses mnimas para o

    preenchimento exigido. Independentemente das causas que levaram realizao da

    configurao desta fachada, facto que a quantidade de registos que se observam neste

    rgo pouco comum, ainda mais por estarem concentrados num armrio. De facto,

    com 16 meios-registos j se pode considerar um instrumento com alguma envergadura,

    veja-se o n.32, de 1791, na Baslica da Estrela em Lisboa, com apenas 14 meios-

    registos, inserido numa caixa trabalhada com trs planos frontais e um cada lado.

    Concluindo, trata-se de um caso paradigmtico pela sua excepo, no se sabendo ao

    certo a razo, notrio que esta aplicao acarreta menos custos ao comprador, e pela

    excluso fisionmica tpica em Machado em Cerveira, interroga-se at que ponto se

    pode tratar de um aproveitamento de caixa.

    A envergadura deste instrumento tambm notria na composio das misturas,

    alm do Claro,da Smbala, ambos de quatro filas, e da tpica Dozena e 19.de trs

    filas na mo esquerda, a mo direita, para alm da Oitava Real e 15., constituda por

    uma Composta de 22., de cinco filas, e por uma Cornetacom 4 filas. Desde os dois

    ltimos rgos aqui analisados observa-se um reforo de uma fila nestes dois registos.

    Em relao disposio interna do instrumento, presencia-se a alterao dos

    princpios dinmicos que se faziam sentir at aqui, a prevalncia das misturas sobre os

    flautados, e dos registos agudos sobre os graves, foi invertida (documento 9.a.). Os

    tubos flautados aparecem agora frente das misturas, todos estes ordenados dos mais

    graves para os agudos. Porm, oFlautimexceptua nesta organizao, colocado atrs da

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    Corneta, o construtor pretende destac-lo da sua seco tmbrica devido sua incidncia

    sonora. A alterao da disposio dos registos constitui uma reforma da concepo da

    imagem sonora, o organeiro abandona o realce das misturas em prol dos tubos

    flautados, alterando a postura caracteristicamente mordente que se fazia nos outros

    rgos. Todavia, esta problemtica, no parece habitar apenas na questo daquilo que

    fica frente. A presente organizao de registos ainda ostenta a particularidade da

    disposio das palhetas que foram colocadas nas faces laterais do instrumento

    (documento 9.b.). Para as palhetas serem afinadas necessrio que se abram as portas

    laterais, logo, se so afinadas com as portas laterais abertas, devem-se manter abertas

    durante a execuo do instrumento para que se mantenham as particularidades

    consequentes da afinao. Deste modo, o desempenho acstico distingue-se dos outros

    instrumentos, o som no analisvel unicamente pela emisso frontal invs dinmica

    tridimensional que aqui se observa.

    As palhetas, nesta disposio, esto sujeitas a uma nova dimenso, apesar de

    estarem no interior do instrumento, devido qualidade intrnseca da abertura das portas

    laterais, consideram-se autnticos registos de fachada. Na sequncia do tamanho do

    instrumento, j considervel, visvel a necessidade do destaque que se pretende dar a

    estes registos, da mesma forma que Machado e Cerveira colocou palhetas fachada do

    rgo da Baslica da Estrela com apenas 14 meios-registos. Apesar de eminentes, o

    Fagote e o Clarim no se fazem sentir como palhetas de fachada comuns, a

    particularidade da colocao vertical dos tubos suaviza o seu som de forma a dar-lhes

    competncias tanto de solistas, como de elementos integrantes no conjunto global do

    instrumento.

    As problemticas vigentes no rgo n.40 so significantes para a compreenso

    dos processos de construo de Machado e Cerveira, no se tratando de meras

    contingncias, renem um conjunto de aspectos que comprovam a utilizao de

    mtodos progressivos de trabalho, da a sua pertinncia do seu estudo. Esta obra deve

    ser vista como uma parcela de espelho do esprito evolutivo do compositor, assinalando

    um perodo reestruturado da sua vida19, indica um ponto de viragem na organaria

    observada nos Aores.

    19

    Veja-se a nomeao para organeiro da Santa Patriarcal no fim do ano de 1791, o incio das construesde Mafra e a concluso do rgo do Convento de Lorvo em 1795.

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    III.5N. 56, 1798

    Localizao: Igreja de N.saS.rado Carmo (Colgio)

    Concelho: Angra do Herosmo

    Ilha: Terceira

    Posio:Centro do coro alto.

    Registao

    mbito: D-d1/d#1-f3

    Acessrios:

    Anulador de cheios (2 pisantes);

    Anulador de palhetas (2 pisantes);

    Tambores em D e F

    Fole: 1 externo (cunha)

    Dimenses da Caixa: l. 272 cm x c. 157 cm x al. 404 cm

    O rgo n. 56, construdo em 1798, foi restaurado em 1988 por Lus Esteves

    Pereira e sujeito a uma harmonizao posterior por parte de Dinarte Machado. A caixa,

    distinta por no estar pintada, impe-se pela dimenso e simplificao da sua forma,

    alm dos vrios motivos florais esculpidos ao longo dos vrtices, e os ornamentais que

    se encontram na zona superior, apresenta os traos basilares de uma estrutura de

    armrio. O abandono do traado dinmico, esteticamente barroco, nos instrumentos

    desta dimenso deu uso a uma aproximao aos princpios neo-clssicos atravs da

    aplicao das linhas direitas. Por conseguinte, esta caixa apresenta-se como um dos

    casos paradigmticos deste princpio, a inoperncia do seu corpo e a esttica vertical da

    Trompa de Batalha (hor.)SmbalaClaroVintedozenaDezanovenaQuinzenaFlautado 6 tapFlautado 6 abFlautado 12 tap

    Flautado 12 ab

    Clarim (hor.)SmbalaCorneta RealCompostas de 22.Oitava RealFlautimFlauta travessaFlauta em 12Voz Humana

    Flautado 12 ab

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    fachada representam a anttese estrutural dos grandes rgos portugueses,

    tridimensionais, do sculo XVIII, pela sua quadratura. Os planos laterais que se

    observam so constitudos por tubos mudos.

    O teclado (documento 10.a.), ornamentado sob dois espelhos, mantm o estadooriginal com capas em marfim e as cromticas feitas de pau-preto, sujeito ao

    alargamento do mbito at f3 perante os seus antecessores, mede 76 cm de

    comprimento (D-si1: 50 cm) com as teclas diatnicas a medirem 11,7 cm de

    comprimento por 1,9 cm de largura e 4,5 cm de avano sobre as cromticas. O brao

    mede 36 cm na sua totalidade. Sobre o secreto, observa-se a substituio dos rolos em

    madeira por alavancas de metal (documento 10.b.). Assiste-se aplicao do novo

    anulador de palhetas (documento 10.c.) com a aco realizada sobre dois pisantes, tantopara os cheios como para as palhetas, na forma de pedal, embutidos na caixa. O nico

    fole, externo, mede 180 cm de comprimento por 89 cm de comprimento, deste modo,

    no se mantm o sistema manual de alimentao de ar. Sobre o secreto, registam-se

    198,5 cm de comprimento, 11 cm de altura e 33 cm de profundidade com a entrada sob

    a zona da mo esquerda. A sequncia das vlvulas feita no esquema diatnico a partir

    do centro de cada mo, compondo a disposio da tubaria em torres.

    O conjunto de registos que aqui se observa oferece um leque variado de escolha,influenciado pelo tamanho do instrumento, no se sujeita s particularidades de

    confronto tonal obrigatrio de registos distintos que to bem caracterizam os

    instrumentos mais pequenos. Faa-se a aluso s tpicas palhetas chamada, habituais

    nos instrumentos desta dimenso, o Clarim e aTrompa de Batalha.

    No sendo possvel uma esquematizao ntegra da disposio interna da

    registao (documento 10.d.) adianta-se que est ordenada no sentido dos tubos

    flautados para as misturas, com o realce das flautas atrs da fachada. O procedimento,que estava vigente nos instrumentos anteriores, da composio das misturas com a

    colocao dos harmnicos agudos frente inverte-se, observando-se agora a

    predominncia dos harmnicos graves na estrutura interna das misturas. Este passo

    insere-se numa reformulao global da concepo sonora