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REBECA TRINDADE ROCHA MOHR ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR: ESTUDO DE CASO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA SALVADOR 2005

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REBECA TRINDADE ROCHA MOHR

ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR: EST UDO DE CASO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA

SALVADOR 2005

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REBECA TRINDADE ROCHA MOHR

ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR: EST UDO DE CASO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA

Monografia apresentada no curso de graduação de Ciências Econômicas da Universidade

Federal da Bahia como requisito para obtenção do grau de bacharel em Economia

Orientador: Ihering Guedes Alcoforado de Carvalho

SALVADOR 2005

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Rebeca Trindade Rocha Mohr

Organização e financiamento do terceiro setor: Estudo de caso Liceu de Artes e Ofícios

da Bahia

Aprovada em dezembro de 2005

Orientador: __________________________________________________ Prof. Me. Ihering Guedes Alcoforado de Carvalho Faculdade de Economia da UFBA

__________________________________________________ Lívio Andrade Wanderley Prof. Dr. da Faculdade de Economia da UFBA

___________________________________________________ Antônio Ferreira Leal Filho Prof. Me. da Faculdade de Direito da UCSAL

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que colaboraram de formas diversas para que esta monografia pudesse

ser concluída.

Agradeço, sobretudo,

A Deus, que me deu a vida;

A meu esposo, Sharif Mohr, pelo amor e dedicação;

Aos meus pais, pela compreensão e apoio;

Aos meus irmãos, pelo carinho;

A Renata Rocha, Iraildes Trindade Rocha e Ruydemberg Trindade, pela crítica à redação;

A meu orientador, Prof. Ihering de Carvalho, pelo conhecimento;

A Sergio Souto que me apresentou o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e tornou viável a

realização deste trabalho;

A Áurea Carvalho, pela paciência e boa vontade;

E a todos os colegas e professores.

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RESUMO

Observa-se o crescimento do número de organizações privadas com objetivos sociais que

não visam lucros, as denominadas organizações do terceiro setor. Grande parte destas

instituições desenvolve atividades que não geram receita para se manter, sendo necessário

captar recursos externos. O crescimento do terceiro setor e a realocação dos recursos

provenientes das agências internacionais, antes os maiores investidores das organizações

sem fins lucrativos brasileiras, fizeram com que houvesse um aumento na competição por

financiadores no Brasil. Diante dos impasses apresentados, o presente trabalho propõe-se

a enfatizar o financiamento do terceiro setor, empregando um estudo de caso que aborda

a captação de recursos do Liceu de Artes e Ofício da Bahia, instituição dedicada a jovens

em situação de vulnerabilidade social e uma referência na área de educação no Estado.

Palavras-Chaves: terceiro setor, organizações sem fins lucrativos, captação de recursos,

financiamento do terceiro setor.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABONG - Associação Brasileira de Organizações-não-governamentais

ABCR - Associação Brasileira de Captadores de Recursos

ADVB - Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil

CEARTE - Centro de Arte e Tecnologia Educacional

EBAL - Empresa Baiana de Alimentos S.A

EGBA - Empresa Gráfica da Bahia

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional

GIFE - Grupo de Institutos Fundações e Empresas

LAG - Liceu Artes Gráficas

LMM - Liceu Móveis e Madeira

LMRP - Liceu Manutenção e Recuperação Predial

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

ONGs - Organizações-não-governamentais

OSCIPs - Organizações de Sociedade Civil de Interesse Público

OS - Organizações Sociais

PIB - Produto Interno Bruto

SEC - Secretária de Educação

SETRADS – Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social

UFBA - Universidade Federal da Bahia

UCSAL - Universidade Católica de Salvador

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APRESENTAÇÃO

A opção em desenvolver o trabalho sobre as organizações sem fins lucrativos é resultado

da pretensão de canalizar os conhecimentos em Economia para uma atividade mais

humana, voltada para melhora das condições da população necessitada.

O terceiro setor também merece destaque devido ao seu potencial de crescimento e

criação de novos empregos, além de sua inquestionável capacidade em atuar nas áreas

sociais face à reforma do Estado. No entanto, as instituições deste setor no Brasil vêm

enfrentando sérias dificuldades para captar recursos e manter suas atividades. Mais do

que nunca o terceiro setor e seu financiamento precisam ser objetos centrais de debates e

estudos para que este problema seja contornado.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9 1.1 OBJETO 10 1.2 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS 11

2 WELFARE STATE E O DESENVOLVIMENTO DO TERCEIRO SETOR

14

2.1 WELFARE STATE E SEUS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS 14 2.2 CRISE DO WELFARE STATE 15 2.3 REFORMA DO ESTADO E O TERCEIRO SETOR 16 2.4 BRASIL: CONSIDERAÇÕES 18

3 TERCEIRO SETOR 20 3.1 MODELO DE TRÊS SETORES 20 3.2 ORGANIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR 21 3.2.1 Ideologia das Organizações do Terceiro Setor 23 3.3 FALHAS DE MERCADO: EXTERNALIDADES E BENS PÚBLICOS 24 3.3.1 Externalidades 24 3.3.2 Bens Públicos 25 3.3.3 Terceiro Setor e Falhas de Mercado 25 3.4 LEGISLAÇÃO REGULADORA DO TERCEIRO SETOR 26 3.4.1 Legislação Brasileira 27 3.4.2 Incentivos á Captação de Recursos 29 3.5 FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR 30 3.5.1 Crise do Financiamento 32

4 LICEU DE ARTES E OFÍCIO DA BAHIA 34 4.1 ORGANIZAÇÃO DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA 35 4.1.1 Unidades Produtivas 36 4.1.2 Unidade Educacional 37 4.2 FINANCIAMENTO DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA 40 4.2.1 Gestão do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia 40 4.2.2 Diagnóstico da Gestão do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia 45 4.2.3 Captação de Recursos do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia 47 4.2.4 Análise da Captação de Recursos do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia 50

CONCLUSÃO 53

REFERÊNCIAS 58

APÊNDICE A 62

APÊNDICE B 63

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1 INTRODUÇÃO

O terceiro setor designa um conjunto diversificado de organizações de natureza privada -

ainda que não visem lucros - e com fins públicos, - embora não façam parte do governo -,

agrupadas em uma mesma legislação reguladora. Esta denominação esclarece que o

Estado corresponde ao primeiro setor e o mercado, ao segundo. O terceiro setor possui

características de ambos.

Não é possível afirmar com precisão a origem do terceiro setor, embora não haja dúvidas

quanto ao crescimento das entidades dessa natureza nas últimas décadas do século XX. A

partir da queda do Welfare State no final da década de 70 - que exigiu uma reestruturação

do Estado, limitando seu papel nas questões sociais -, observa-se reemergência das

organizações civis sem fins lucrativos, que vêm desempenhando um papel de destaque.

Pretende-se enfocar especificamente o atual terceiro setor que surgiu em um contexto

político e econômico diferente, com assistência e cooperação internacional, embora se

mantenha os ideais e a cultura institucional tradicionais. No Brasil, a fase moderna do

terceiro setor surge no período do regime militar como forma de afirmação da sociedade

civil e valorização dos ideais democráticos.

O presente trabalho corresponde a um estudo de caso que contempla o financiamento do

Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, enfatizando o ano de 2004. O Liceu é uma

organização sem fins lucrativos que atua na área de educação, há mais de 130 anos. Suas

ações são direcionadas especialmente aos jovens carentes. A instituição foi escolhida

porque se encontra estabelecida na sociedade baiana, atua na oferta de serviços públicos,

é uma referência no terceiro setor regional e, o mais admirável, vem apresentando

alternativas para a manutenção de suas atividades, através da comercialização de bens e

serviços.

A importância conferida a esta temática ocorre pela necessidade das organizações do

terceiro setor em obter financiamento. A grande maioria não é auto-sustentável - pelo fato

de desenvolver atividades não rentáveis como a oferta de bens públicos ou de bens

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geradores de externalidades -, tornando a falta de recursos o maior problema do

segmento.

O resultado da pesquisa será significativo para as organizações sem fins lucrativos, que

dotadas de conhecimento sobre o tema, poderão desenvolver estratégias eficientes de

captação de recursos. A pesquisa também será útil para acrescentar informações e dados

sobre o Liceu de Artes e Ofício da Bahia.

O trabalho apresenta mais quatro capítulos, além deste primeiro. Os capítulos dois e três

têm como objetivo inteirar o leitor sobre o terceiro setor. Para tanto, no segundo capítulo

será apresentado o contexto do desenvolvimento do terceiro setor atual que surge no

ambiente da crise do Estado.

Já o terceiro capítulo parte do conceito de terceiro setor, tratando de aspectos como suas

ideologias e funções e apresentando o modelo de três setores. Posteriormente, define

falhas de mercado, bens públicos e externalidades - por serem conceitos relacionados aos

bens e serviços oferecidos pelas ONGs - e enfatiza a atuação das entidades civis sem fins

lucrativos no sentido de corrigir estas ineficiências de mercado. Este capítulo expõe,

ainda, os aspectos gerais da legislação reguladora destas organizações no Brasil,

destacando os incentivos à captação de recursos. Por fim, o financiamento do terceiro

setor é abordado, apresentando suas diferentes formas e sua crise no Brasil.

O quarto capítulo, por sua vez, apresenta o Liceu de Artes e Ofício da Bahia, descrevendo

sua história, suas ações e suas características organizacionais. Este capítulo se completa

com a exposição e análise dos dados obtidos por meio da pesquisa de campo onde é

discorrido o financiamento da organização. A síntese do trabalho, as principais

descobertas, as observações e considerações finais serão elementos presentes no quinto e

último capítulo.

1.1 OBJETO

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O objeto desta pesquisa é o financiamento do Liceu de Artes e Ofício da Bahia. Pretende-

se analisar os fatores responsáveis pelo padrão atual de financiamento do Liceu,

investigando suas alterações recentes. As estratégias de captação de recursos da

instituição também serão estudadas.

1.2 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS

Adotou-se como estratégia de pesquisa o estudo de caso por ser considerado o mais

adequado para os objetivos propostos, apresentando as suas três condições apropriadas: a

forma da questão de pesquisa, a falta de controle por parte do pesquisador sobre os

eventos comportamentais e o foco em acontecimentos contemporâneos. O estudo de caso

é uma investigação empírica que envolve condições contextuais. Esta estratégia é

bastante abrangente, tem características de planejamento e adota a coleta e a análise de

dados (YIN, 2001, p. 32-33).

O estudo é descritivo, expõe aspectos de determinada realidade para uma posterior

análise. Caracterizado como único, o estudo de caso tem como intenção a coleta de

informações sobre a unidade. Como métodos de trabalho, foram empregados a pesquisa

documental e telematizada, além de entrevistas qualitativas.

Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a temática estudada, no qual se

empregou consideravelmente a análise documental, por ser uma fonte bastante confiável

e expressiva para obter dados. A pesquisa on-line também foi utilizada, em virtude da

rapidez e facilidade de acesso às informações.

Na realização do estudo de campo, adotou-se como instrumentos de pesquisa entrevistas

qualitativas e pesquisa documental e on-line. A coleta de dados foi iniciada na segunda

quinzena do mês de outubro do ano de 2005, partindo do levantamento de informações

sobre a instituição através de pesquisas no site oficial. Posteriormente, a organização foi

contatada, sendo viabilizada uma visita, no dia 19 de outubro, com intuito de conhecer

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suas instalações e atividades. As entrevistas qualitativas, por sua vez, realizadas no final

do mês de outubro e ao longo de novembro, concluíram o estudo.

Estas entrevistas foram divididas em duas partes. A primeira busca a obtenção de

informações gerais sobre o Liceu e a segunda se volta aos aspectos econômico-

financeiros, enfatizando o padrão do financiamento. São sujeitos da pesquisa

representantes, presidentes, diretores e profissionais responsáveis pela administração da

entidade.

Não foi possível obter dados contábeis do Liceu visto que, segundo a contadora da

instituição, Itamar Santos, estes possuem caráter confidencial e o acesso dependeria da

solicitação, através de ofício da Universidade Federal da Bahia, a ser aprovada pelo

superintendente da instituição, Romel Brandão, o que não ocorreu até o período de

conclusão do trabalho, devido à greve dos servidores públicos daquela instituição de

ensino.

O Liceu não apresentou relatórios com informações detalhadas sobre a gestão financeira.

Apenas dados esparsos relativos à captação de recursos foram disponibilizados a partir do

ano de 2002. Como se não bastasse, o pessoal ligado administração da entidade estudada

não tinha uma visão critica, holística, nem analítica do financiamento da mesma. Apesar

dos problemas enfrentados, o estudo foi concluído de maneira satisfatória e os principais

assuntos relacionados ao tema foram levantados e discutidos.

A apresentação e discussão dos dados empíricos centram-se em dois aspectos: a gestão

do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia - uma vez que a instituição administra uma receita

própria - e a captação de recursos externos, também adotada como alternativa à

manutenção do Liceu. Características organizacionais, estratégias de captação de

recursos, qualidade dos projetos, área de atuação, público-alvo e notoriedade da

instituição são os aspectos que mais influenciam o padrão de financiamento.

É importante salientar que, por se tratar de um estudo de caso, as variáveis que são

importantes para o processo de captação de recursos do Liceu não serão necessariamente

relevantes para o financiamento de outras organizações do terceiro setor. Entretanto, o

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exemplo aqui debatido pode ser utilizado como referência, uma vez que aspectos

estruturais como a legislação, a cultura, a história, o Estado, envolvem todas as

organizações de sociedade civil sem fins lucrativos.

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2 WELFARE STATE E O DESENVOLVIMENTO DO TERCEIRO SETOR

O crescimento do terceiro setor e a sua atual importância para economia mundial está

atrelado a um determinado contexto político e social, propiciador de sua evolução. Faz-se

necessário destacar o papel do Estado e sua influência no desenvolvimento social.

O Welfare State, modelo de governo caracterizado pela centralização das políticas

públicas e pelo aumento da responsabilidade do governo no provimento de serviços

sociais, restringiu a atuação das organizações da sociedade civil devido à forte

intervenção do setor público nas questões sociais. Assim, com a crise deste modelo, a

partir da década de 70, tornou-se imprescindível uma reestruturação do Estado baseada

na descentralização e redução do intervencionismo, resultando num maior destaque ao

papel do terceiro setor.

As instituições filantrópicas, porém, remontam a épocas distantes na história mundial. No

Brasil, a filantropia se inicia no período colonial, por intermédio das santas casas e

institutos de beneficência, influenciada pela igreja católica. Já no final do século XX,

essas organizações cresceram e passaram a ter um papel de destaque no país.

2.1 WELFARE STATE E SEUS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS

O Welfare State correspondeu a um modelo de governo caracterizado pelo aumento da

responsabilidade do Estado no provimento de serviços sociais e pela maior intervenção

na economia, a fim de garantir o seu crescimento e o pleno emprego. Decisivamente

influenciado pela teoria keynesiana, o Welfare State foi aplicado nos países

desenvolvidos por governos social-democratas no período de pós-guerra, como

alternativa à crise de super produção.

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A adoção do Welfare State fez com que as economias capitalistas vivenciassem um

período de crescimento econômico, conjugado aos ideais de segurança e justiça social.

Sua aplicação se deu de maneira diferenciada entre os países que o adotaram. Segundo

Esping-Andersen (1995, p. 84), existem basicamente três grupos de regime de Welfare

State: o liberal, o conservador e o social-democrata.

a) Liberal: foi implantado nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Baseava-se na oferta

de políticas assistenciais de forma seletiva, beneficiando os comprovadamente pobres.

Além disso, o mercado atuava na rede básica de proteção pública. O Estado não

intervinha de forma direta no mercado, apenas complementava a iniciativa privada.

b) Conservador: recebe este nome por valorizar a preservação da família tradicional.

Destacou-se em países da Europa Ocidental como Áustria, França, Alemanha e Itália.

Assim como o modelo liberal, os benefícios eram seletivos, pois o regime não pretendia

ser universal. Apresentou deficiência nos serviços sociais. O Estado deu suporte e

viabilizou o mercado.

c) Social democrata: foi implantado nos países escandinavos. Destaca-se pela forte

intervenção do Estado no mercado e na vida social e pela expansão do emprego no setor

público. Foi um regime universal, os serviços sociais eram amplos e os programas

assistenciais eram generosos.

A maior intervenção do Estado nas questões sociais refletiu no terceiro setor, na medida

em que a competição no oferecimento de serviços públicos aumentava, restringindo a

responsabilidade do indivíduo com relação às questões sociais, de acordo os autores

americanos como Wuthnow e Berger & Neuhaus, citados por Coelho (2000, p.37). A

autora acredita que o setor voluntário não era de fato tão expressivo para atender

plenamente as demandas sociais, mas se ocupava destas parcialmente.

2.2 CRISE DO WELFARE STATE

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O Wefare State entra em colapso no final da década de 70. Este período foi marcado pela

crise do petróleo e pela desordem do sistema financeiro mundial, que provocou um baixo

crescimento econômico e recessão. Os estudiosos mais conservadores vêem a crise do

Welfare State como endógena: o sistema seria diretamente responsável pelo aumento da

taxa de desemprego, aceleração da inflação e queda nos investimentos. Já os progressistas

consideram que as políticas devem ser ajustadas diante das novas demandas sociais sem

reduzir o Estado de Bem-Estar.

A crise do Wefare State é de caráter financeiro-fiscal, proveniente da redução da

arrecadação em um período de encolhimento da economia e aumento das necessidades

sociais. Diversos autores apresentam a perspectiva de que a perda da arrecadação se deu

em função do aumento da informalidade do trabalho, da evasão fiscal, além dos elevados

gastos sociais sem retorno e inversão da estrutura etária da sociedade, com crescimento

da população idosa.

Por outro lado, de acordo com o estudioso do terceiro setor Montaño (2002, p. 216), o

fundamento da crise fiscal do Estado está relacionado com mau uso político e econômico

das autoridades. O autor apresenta os seguintes fatores para a crise fiscal: pagamento da

dívida pública (interna e externa), renúncia fiscal, hiperfaturamento de obras, resgate de

empresas falidas, clientelismo político, vendas subvencionadas de empresas estatais

subavaliadas, corrupção, empréstimos ao setor produtivo com retorno corroído pela

inflação, altas taxas de juros ao capital financeiro e construção de infra-estrutura publica

em benefício do capital comercial e produtivo.

Para o economista James O'Connor (apud MONTAÑO, 2002, p.217), a crise fiscal tem

como conseqüência a crise de legitimidade. A centralização e a burocratização das

estatais reduziram a eficácia dos programas sociais e ampliaram os gastos públicos. A

ineficiência das ações do governo abalou a opinião pública, resultando na redução da

confiança, relativa à sua capacidade de solucionar os problemas sociais.

Como alternativa à superação da crise do Welfare State, a reforma do governo e a relação

deste com a sociedade e com o mercado foram colocadas em primeiro plano. Fez-se

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necessária uma reestruturação do Estado baseada na descentralização e na limitação do

seu papel.

2.3 REFORMA DO ESTADO E O TERCEIRO SETOR

Como alternativa à crise fiscal, o Estado passa a ser objeto de reforma. Este processo

propunha a construção de um governo mais eficiente, o que significou uma mudança na

atuação das esferas pública e privada.

A reforma do Estado criou um modelo de governo mais enxuto e descentralizado, com

instituições mais ágeis e que terceirizavam parte dos serviços. Coube ao setor público

criar condições econômicas e políticas para que a iniciativa privada pudesse responder às

necessidades sociais. A partir daí, a sociedade civil começa a participar mais ativamente

na solução de questões sociais e o papel das organizações do terceiro setor volta a ser

questionado (COELHO, 2000, p. 45-56).

A procura mundial por alternativas para a crise do Estado de Bem-Estar fez com que o

movimento de reforma emergisse do consenso de Washington, durante a década de 90,

liderado pelos Estados centrais com o apoio de instituições financeiras multilaterais.

Foram apresentadas propostas de políticas que propunham o ajustamento estrutural, o

controle do déficit público e da inflação, privatizações, desregulamentações e redução da

atuação do setor público nas questões sociais. Estas medidas foram desastrosas no plano

social o que exigiu mudanças profundas na condução do processo de reformulação

(SANTOS, 1998, p.3-5).

A questão social passou a fazer parte da pauta de políticas por meio da democracia e da

cidadania. O regime democrático se baseia nos ideais de liberdade e soberania popular. Já

a cidadania está relacionada ao princípio de que o indivíduo tem direitos - cuja garantia é

de responsabilidade do Estado, e deveres para com este e com a sociedade. O terceiro

setor será um instrumento de exercício destes ideais.

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Durante a década de 80, assistimos a reemergência do terceiro setor, como uma nova

estratégia de assistência social diante da reforma do Estado. O terceiro setor emergiu com

igual força tanto nos países centrais como nos países periféricos com apoio financeiro das

organizações multilaterais (SANTOS, 1998, p.5/6).

De fato, as organizações da sociedade civil apresentam características que favorecem a

sua atuação nas questões sociais, por serem mais flexíveis do que o governo burocrata e

atuarem de maneira inovadora e junto às comunidades locais, provendo os serviços

públicos de maneira mais eficiente. Além disto, estas organizações incorporam valores

como altruísmo, solidariedade e responsabilidade dos indivíduos na resolução dos

problemas sociais. Santos sugere que o terceiro setor deve ser considerado o elemento de

maior importância na reforma do Estado por apresentar estas características (1998, p.13-

17).

2.4 BRASIL: CONSIDERAÇÕES

A história do voluntariado no Brasil está ligada a sua origem colonial. Neste período, o

relacionamento próximo entre o império e a igreja foi extremamente importante para o

desenvolvimento da filantropia, pois a igreja católica estabeleceu escolas, hospitais e

assistência social como um plano estratégico para ter acesso à população (LANDIM,

1993, p.2).

No século XIX, o Governo começou assumir a provisão dos serviços públicos. Com a

proclamação da república, a separação entre Estado e Igreja foi institucionalizada,

implicando na suspensão do fornecimento de recursos estatais para as instituições

religiosas. No final do século XIX, essas entidades mudaram seus perfis e cresceram nas

maiores cidades do país. Passaram a ser grupos organizados com interesses políticos e

profissionais a nível regional e nacional (LANDIM, 1993, p.2/3).

No Brasil não existiu o Welfare State de fato, porém a sua influência se fez sentir. O país

desenvolveu políticas que objetivavam a universalização dos direitos sociais, destacando

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a rede pública de previdência social que se estendia a toda população. Entretanto, o

sistema funcionava mal e apresentava diversos problemas (COELHO, 2002, p.37).

Elói Chaves, responsável pela implantação do sistema previdenciário na década de 20,

representa o marco do Estado de Bem-Estar que só vai se consolidar na era Vargas. O

governo de Getúlio Vargas avançou no controle estatal de diversas atividades como a

indústria de base e a exploração de petróleo e minérios. Este período foi marcado,

também, pelos avanços nas políticas sociais, destacando a implantação de uma ampla

legislação trabalhista. Durante a ditadura militar, entre 1964 e 1978, o Brasil também

apresentou características do Estado de Bem-Estar, marcado por um regime de

crescimento baseado na substituição de importação associado a um amplo, porém

perverso, sistema de proteção social (FARIA, 2002, p.9/10).

O Brasil também sofreu uma crise de Estado, acentuada no final do regime militar,

marcando o fim do modelo desenvolvimentista e centralizado, baseado na substituição

das importações. Segundo o sociólogo Vilmar Evangelista Faria, as principais razões para

o insucesso do Estado de Bem-Estar brasileiro foram a desorganização, o aumento dos

serviços públicos, a hiperinflação controlada e o crescimento da pobreza e da

desigualdade (FARIA, 2002, p.10).

O diretor do programa da América Latina e Caribe da Fundação Kellog, Andrés

Thompson, pondera que no caso da América Latina, incluindo o Brasil, as ONGs

surgiram com um grande potencial nas décadas de 60 e 70, período dos regimes militares.

O significado da força destas organizações nesta fase devia-se ao fato que elas

representavam ações políticas contrárias ao autoritarismo, correspondendo uma nova

forma de participação social que defendiam os valores democráticos e se preocupavam

com as necessidades da população excluída, além de possuir total autonomia em relação

ao Estado. Com o processo de redemocratização política na década de 80, as ONGs

mantiveram o seu papel de destaque, devido à redução de programas sociais (IOSCHPE

(org).,1997, p.43/44).

Por outro lado, a teórica Landim (1993, p.6) afirma que, em 1964, o governo centralizou

e reformou a educação, os serviços de saúde e a assistência social. Desta forma, o terceiro

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setor não teria uma participação ativa neste período. Segundo a autora, somente após a

ditadura é que pode ser observado o crescimento do terceiro setor.

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3 TERCEIRO SETOR

O termo terceiro setor passou a ser utilizado recentemente para designar as organizações

de sociedade civil com fins públicos e que não objetivam lucro, apresentando

características dos dois primeiros setores. Este conceito originou-se nos Estados Unidos,

tornando-se popular devido à sua utilização por pesquisadores como Alan Wolfe e Lister

Salamon. Esta denominação implica que o Estado corresponda ao segundo setor, e o

mercado, ao primeiro.

Segundo a pesquisadora Coelho (2000, p.61) o termo mais empregado no Brasil é

"organizações não-governamentais", que, entretanto, corresponde apenas a um conjunto

de organizações que fazem parte do terceiro setor. A expressão terceiro setor foi utilizada

pela primeira vez no Brasil por Rubem César Fernandes e Leilah Landim. O termo

também foi primeiramente utilizado no país para se referir apenas às fundações e

institutos de origem empresarial (FALCONER; VILELA, 2001, p.28).

O administrador Falconer (2003, p.01/02) afirma que o terceiro setor corresponde à

expressão mais aceita para definir as iniciativas sociais voltadas para desenvolvimento de

bens e serviços públicos. Este autor acredita que esta expressão sugere igualdade em

relação aos outros setores sociais: Estado e mercado.

Os teóricos Lester Salamon e Helmuth Anheir, citados por Coelho (2000, p.60/61), com o

objetivo de sistematizar melhor as organizações que fazem parte deste setor, apresentam

características comuns a estas organizações: formais, privadas, autônomas e envolvem a

participação de voluntários. Existe uma diversidade de organizações que apresentam

estas particularidades, abrangendo associações comunitárias e profissionais, ONGs,

entidades beneficentes, fundações, movimentos sociais, etc.

3.1 MODELO DE TRÊS SETORES

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No modelo dos três setores, desenvolvido por alguns autores americanos, as atividades da

sociedade estariam divididas em três setores. O mercado corresponde ao primeiro setor, o

governo corresponde ao segundo e as atividades que não visam lucro, ao terceiro. No

Brasil, o mercado corresponde ao segundo setor e o Estado é considerado o primeiro.

A ação do Estado é legitimada e organizada por poderes coercitivos. As atividades do

mercado envolvem trocas de bens e serviços objetivando o lucro e são baseadas nos

mecanismos de preços. Já as atividades do terceiro setor não são coercitivas nem voltadas

para o lucro, são direcionadas ao atendimento das necessidades coletivas e em alguns

casos públicas (COELHO, 2000, p.39-45). O terceiro setor, para a autora, expressa uma

alternativa para as desvantagens tanto no mercado quanto do governo, com as suas

burocracias inoperantes.

O teórico brasileiro Rubem César Fernadez enfatiza a complementaridade desses três

setores. O Estado limita e regula as ações privadas e o sistema legal, instituído e mantido

pelo governo, define os limites das ações voluntárias e regulamenta por normas de

aceitação universal das atividades do terceiro setor. A propriedade privada é a base de

sustentação da autonomia da sociedade civil ante o Estado, uma vez que a autonomia do

mercado implica na autonomia das organizações da sociedade civil. O terceiro setor não

existiria em países socialistas totalitários onde a maquina estatal absorvia toda a vida

pública (IOSCHPE (org.) 1997, p.29-32).

A princípio, os serviços públicos deveriam ser ofertados pela ação governamental. O

Estado deve ser o mais eficaz possível na execução destes serviços, embora nada impeça

que estes sejam trabalhados pela iniciativa privada, sendo estes exatamente às áreas de

atuação das organizações da sociedade civil. O mercado atua em áreas de interesse

coletivo que correspondem a investimentos lucrativos e não conseguem satisfazer e

atender a todas as necessidades manifestadas. A atuação do terceiro setor, portanto, dá

condições e viabiliza o mercado.

3.2 ORGANIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR

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A importância das organizações do terceiro setor está atrelada à natureza de sua

atividade. O papel desempenhado por estas instituições vem crescendo e tornando mais

relevante tanto no âmbito econômico, quanto no desenvolvimento e execução de políticas

sociais. Também se destacam por representar valores como participação democrática,

exercício da cidadania e responsabilidade social.

Segundo o procurador geral de justiça do Distrito Federal e Territórios, Sabo Paes (2003,

p.90), a função destas organizações é o atendimento de alguma necessidade social ou a

defesa de direitos. Desenvolvem diversas atividades que abrangem desde a defesa dos

direitos humanos, assistência à saúde, apoio às populações carentes, educação, cidadania,

defesa dos direitos das minorias, até a proteção do meio ambiente.

Os países anglo-saxônicos distinguem o terceiro setor em duas categorias. A primeira

categoria é formada por organizações de interesse público, ou seja, que desenvolvem

atividades que beneficiam a sociedade como um todo. A segunda compreende

organizações de ajuda mútua ou auto-ajuda, que defendem interesses coletivos,

envolvendo um grupo restrito de pessoas. Fazem parte desta categoria associações de

moradores, clubes sociais, entre outras (SABO PAES, 2003, p.90).

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de

organizações sem fins lucrativos é superior a 250 mil e o terceiro setor movimenta R$ 12

bilhões por ano, o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) (ALVARES,

2002). Este segmento no Brasil ainda tem enorme potencial de crescimento, visto que em

países da Europa e nos Estados Unidos da América, a participação deste setor no PIB é

expressivamente superior à brasileira.

O terceiro setor é o segmento que mais tem crescido no ocidente. Embora corresponda à

metade do tamanho do governo em termos de empregabilidade e volume de recursos, tem

crescido duas vezes mais do que os outros dois setores em termos de geração de

empregos (COMUNIDADE SOLIDÁRIA, 1998, p.61). As organizações de sociedade

civil sem fins lucrativos são capazes de absorver grande parte desta demanda, tendo em

vista que são prestadoras de serviços sendo o setor atualmente o maior responsável pela

oferta de postos de trabalho.

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O economista Jeremy Rifkin também destaca a importância do terceiro setor, afirmando

que a revolução tecnológica provocou um aumento significativo na produtividade se

contrapondo com a redução do trabalho humano nos setores tradicionais da economia.

Como a sociedade estaria se tornando cada vez mais bipolar, o aumento da produção e

redução dos custos entraria em contraste com a redução do mercado. Desta forma, o

terceiro setor surge com grande capacidade de revitalizar a sociedade, oferecendo

serviços públicos. Rifkin também acredita na capacidade do terceiro setor em absorver

mão de obra, devido à automatização da indústria e agricultura e à redução do estado

(IOSCHPE (org.),1997, p.13-23).

3.2.1 Ideologia das Organizações do Terceiro Setor

As divergências acerca da ideologia das organizações da sociedade civil merecem

destaque. Segundo Santos (1998, p.6), o terceiro setor tem raízes ideológicas

heterogêneas que vão do socialismo ao liberalismo a depender do contexto econômico.

Alguns estudiosos acreditam que o terceiro setor é um instrumento do neoliberalismo

que evitaria possíveis crises do Capitalismo provocadas pelas explosões sociais, além de

contribuir para a consolidação de um Estado mínimo, através da transferência de parte da

responsabilidade governamental para a sociedade civil. Há ainda quem acredite que as

organizações de sociedade civil representem um novo campo de luta esquerda. Para

outros, porém, representa o desenvolvimento de uma sociedade mais humana,

preocupada com os anseios da população.

Thonson apresenta claramente as divergências dos intelectuais acerca do terceiro setor:

em declarações à revista La Magma, da Argentina (12/06/1996) a

secretária de Estado dos recursos naturais e ambiente humano,

engenheira María Julia Alsogaray, acusou as ONGs

(organizações não governamentais) defensoras do meio ambiente

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de serem um novo campo de luta da esquerda, já que a ideologia

marxista foi derrotada com a queda do Muro de Berlim. Por

outro lado, ainda que com vários argumentos em comum, o

reconhecido professor da Universidade de Binghamton, de Nova

York, James Petras, opina que as ONGs são um instrumento do

Neoliberalismo"encarregadas de diminuir o perigo das explosões

sociais". Ele também acusa as ONGs de incentivar "um novo tipo

de colonialismo e dependência cultural e econômica", já que os

seus projetos são planejados ou, pelo menos aprovados, de

acordo com as normas prioritárias dos centros imperialistas ou

das suas instituições". De acordo com esta visão, isto faz com

que "o verdadeiro efeito da proliferação das ONGs seja o de

fragmentar as comunidades pobres e transformá-las em grupos

setoriais ou sub setoriais incapazes de ver os seus problemas

sociais". Assim como a engenheira Alsogaray, Petras argumenta

que a proliferação das ONGs se deve à ação dos pós-marxistas.

(IOSCHPE (org.), 1997. p.41/42)

3.3 FALHAS DE MERCADO: EXTERNALIDADES E BENS PÚBLICOS

As políticas governamentais justificam-se como medida de corrigir as ineficiências de

mercado: concorrência imperfeita, externalidades e bens públicos. Pretende-se neste

tópico definir externalidades e bens públicos, elucidar a atuação do terceiro setor como

uma alternativa de ofertar bens públicos ou que promovam externalidades positivas de

maneira eficiente e, finalmente, apontar os serviços do Liceu neste contexto.

3.3.1 Externalidades

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O conceito de externalidades se refere aos impactos das ações de um agente econômico

sobre o bem estar de outros agentes não-participantes da ação, podendo ser positivas ou

negativas. As externalidades criam falhas de mercado – que são imperfeições no sistema

de preços que impedem a alocação eficiente dos recursos – o preço e a quantidade

produzida e consumida não correspondem. Em casos de ineficiências de mercado, torna-

se necessário a introdução de uma regulação governamental (PINDYCK; RUBENFELD,

2002, p.632-635).

As externalidades positivas beneficiam produtores, compradores, ou ambos através de

uma atividade produtiva, sem que o preço de mercado sofra alguma conseqüência. As

externalidades negativas, por sua vez, são custos gerados pela ação de um agente

econômico que atingem outros agentes não envolvidos na atividade (PINDYCK;

RUBENFELD, 2002, p.631-632).

3.3.2 Bens Públicos

Existem condições em que o mercado não pode ofertar ou não tem condição de cobrar o

preço adequado, como é o caso da oferta de bens públicos. Estes bens apresentam duas

características principais: não exclusividade e não disputabilidade. O requisito de não

exclusividade pressupõe o não-impedimento do consumo do bem pelas pessoas, tornando

inviável a cobrança pela sua utilização. Para que seja configurada a não disputabilidade,

por sua vez, é necessário que o uso de determinado bem por um consumidor não afete a

oportunidade de seu consumo por outra pessoa. O custo marginal de produção é zero para

qualquer consumidor adicional. Um exemplo clássico de um bem não exclusivo e não

disputável é a defesa nacional (PINDYCK; RUBENFELD, 2002, p.655-656).

Uma vez que os benefícios da oferta de bens e serviços públicos alcançam toda

sociedade, os indivíduos não têm qualquer incentivo para pagar por sua utilização. O seu

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valor é subestimado pela coletividade. As famílias tendem a consumir sem qualquer ônus,

havendo, portanto, o estímulo à atuação como caronas1. O bem público pode ser ofertado

de maneira eficiente apenas pelo Estado ou através de subsídio, sendo custeado

compulsoriamente pela sociedade mediante o pagamento de tributos (PINDYCK;

RUBENFELD, 2002 p. 658).

3.3.3 Terceiro Setor e Falhas de Mercado

O estudo dos economistas Pindyck e Rubenfeld (2002) não considera, entretanto, que

algumas organizações do terceiro setor oferecem bens públicos. No entanto, percebe-se

que as organizações ambientalistas ao desenvolver campanhas de educação ambiental

geram benefícios à sociedade como um todo. Outro exemplo são as entidades que atuam

na área de saúde pública, especificamente com campanhas de prevenção de doenças, não

havendo algum impedimento para o seu consumo pela coletividade.

As organizações do terceiro setor também atuam no sentido de corrigirem falhas de

mercado na presença de externalidades positivas quando ofertam bens públicos. Estas

entidades não visam a obtenção de lucro via comercialização ou produção e, assim como

o governo, disponibilizam para a coletividade bens e serviços públicos de forma eficiente.

As atividades deste setor são financiadas voluntariamente por agentes da sociedade.

Existem bens que, embora não sejam públicos - o que implicaria inevitavelmente na não

exclusividade e não disputabilidade -, são oferecidos publicamente pelo governo por

acarretar em externalidades positivas. Estes bens podem ser exclusivos e não disputáveis,

disputáveis e não exclusivos e , até mesmo, disputáveis e exclusivos (PINDYCK;

RUBENFELD, 2002, p.655-656).

1 Também conhecido como free riders, os caronas são consumidores ou produtores que não pagam por um bem não exclusivo na expectativa de que outros o farão (PINDYCK, 2002 p. 658).

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O caso aqui tratado, o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, oferece serviços na área de

educação, apresentando características de disputabilidade e de exclusividade. Os serviços

são oferecidos a um grupo restrito da comunidade, que são os jovens de escolas públicas

que demonstrem aptidões e habilidades pré-estabelecidas pelo modelo educacional,

sendo, portanto, exclusivo. O serviço é disputável em termos de consumo, pois há um

custo marginal positivo para seu beneficiado adicional, uma vez que os outros

beneficiados receberiam menor atenção à medida que aumenta o número de participantes

das oficinas.

3.4 LEGISLAÇÃO REGULADORA DO TERCEIRO SETOR

A intensificação do interesse da sociedade civil sobre as entidades do terceiro setor

passou a exigir estruturação no seu funcionamento e consequentemente, uma legislação

mais específica, para se adequar à realidade complexa e cada vez mais diversificada.

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, uma definição legal para o terceiro setor,

ressentindo, inclusive de uma legislação sistematizada e moderna para servir de estímulo

aos atores sociais. Constitui um avanço significativo a edição das leis 9.608/98 e

9.740/99, porém tornam-se necessárias normas relativas à execução e financiamento,

dentre outras.

Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália e Nova

Zelândia (de formação protestante) e os países do norte da Europa, Inglaterra, Noruega,

Alemanha, Áustria, Suíça dispõem de legislações complexas e sofisticadas. Países como

a Itália, Espanha e Portugal dispõem de uma legislação recente, enquanto a França não

dispõe, como no Brasil, de uma legislação específica.

3.4.1 Legislação Brasileira

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O Brasil Colonial viveu sob a égide das Ordenações Afonsinas e Manuelinas que já

previam as entidades de "mão morta", mas somente em 10 de setembro de 1903 é que a

primeira lei foi editada - a de nº 173 - que conferia personalidade jurídica às entidades

com fins literários, científicos e religiosos. Em 1912, a Nova Consolidação do Direito

Civil de Carlos de Carvalho já reconhecia a existência de entidades do terceiro setor -

"pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades civis, religiosas, pias, moraes,

scientificas ou litterarias, associações de utilidade pública e as fundações, comtanto que

tenham patrimônio". Em 1916, o Código Civil consolidou na legislação já codificada,

abarcando a figura das entidades sem fins lucrativos (RAFAEL, 1997, p.68-72).

A partir da década de 30, quando os programas paternalistas assumiram importante papel,

foram editadas leis para regular subvenções, isenções e concessão de títulos e registros. A

Lei 91 de 1935 criou a "Declaração de Utilidade Pública", que inicialmente tratava-se de

título honorífico a entidades que servissem "desinteressadamente à coletividade".

Posteriormente, leis e atos administrativos passaram a exigir tal título para receber

doações dedutíveis do imposto de renda, para pleitear doações em bens da administração

pública, autarquias, fundações. A Constituição de 1934 ampliou a destinação das

subvenções para estabelecimentos de saúde, educação, cultura e assistência. A Lei 119/35

criou um conselho ligado à Presidência da República para análise das instituições que

seriam beneficiadas, possivelmente o embrião do Conselho Nacional de Serviço Social

(Sposati, 1994:60), criado em 1938 pela Lei 525. Este Conselho foi reformulado em 1943

para centralizar e fiscalizar as obras sociais públicas e privadas (INSTITUTO SOUZA

CRUZ, 2003).

Dezenas de textos legais se seguiram, sempre ampliando os benefícios das entidades

privadas, dentre elas a Lei 1493/51, que disciplinou a transferência de fundos públicos a

entidades privadas "de caráter assistencial ou cultural". A Constituição de 1946 e a de

1967 mantiveram a tradição da garantia de incentivos fiscais às instituições sem fins

lucrativos, aliás, o que ainda se mantém na Constituição de 1988, que concebe a

assistência social como um direito do Cidadão, com recursos do orçamento e da

seguridade social (id., ibid.).

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O Conselho Nacional de Serviço Social foi transferido em 1990 para o Ministério da

Ação Social, sendo posteriormente extinto e substituído pelo atual Conselho Nacional de

Ação Social - órgão paritário na composição entre o Governo e a sociedade civil - ligado

ao Ministério da Assistência e Previdência Social. O Conselho trouxe profundas

mudanças na concepção de assistência a lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)

(Lei 8742/93), que prevê a obrigatoriedade da inscrição municipal da entidade de

assistência social no Conselho Municipal de Assistência (id., ibid.).

Recentemente, foram sancionadas a Lei 9.637 de 15 de maio de 1998 - Organizações

Sociais e a Lei 9.790 de 23 de março de 1999 - Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público, esta última resultado de amplas discussões entre o aparelho do estado

e a sociedade civil, na sede do Conselho da Comunidade Solidária, órgão ligado à

Presidência da República. Estas leis representaram um avanço significativo para o setor

(SABO PAES, 2002, p.100-115).

Segundo o autor José Eduardo Sabo Paes (2002, p. 100-115), as Organizações Sociais

(OS) cuja parceria com o poder público é formalizada com o contrato de gestão, são

entidades cujas atividades são direcionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao

desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à

saúde. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) se relacionam

com o Poder Público através de um vínculo de cooperação entre as partes, denominado

pela lei respectiva de Termos de Parceria. Englobam as OSCIPs as pessoas jurídicas de

direito privado sem fins lucrativos, integrantes do terceiro setor que têm fins

comunitários ou fomentam e executam atividades de interesse público.

3.4.2 Incentivos á Captação de Recursos

A constituição em vigor reconhece a importância da colaboração da iniciativa privada na

execução de tarefas eminentemente públicas e mantém a tradição de incentivos às

organizações de sociedade civil. Para obter o título ou declaração de utilidade pública que

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lhes proporcionam o status de filantropia, as entidades do terceiro setor devem cumprir

diversas exigências. Neste caso são concedidos isenção, dedução de impostos e acesso a

convênios e subvenções (COELHO, 2000, p.92). As instituições também podem obter o

certificado de entidade filantrópica o que as insentarão de contribuição patronal à

seguridade social (SABO PAES, 2002, p.139). O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia,

instituição estudada pelo presente trabalho, dispõe do certificado de entidade filantrópica.

A legislação reguladora do terceiro setor é caracterizada por incentivar a captação de

recursos, destacando a imunidade fiscal, as subvenções, os auxílios, os convênios os

contratos, os patrocínio e as doações.

a) imunidade fiscal: o artigo 150 da Constituição Federal veda à União, aos Estados e

aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das entidades

sem fins lucrativos (COELHO,2000, p. 92).

b) auxílios e subvenções: correspondem a formas de captação de recurso através da

alocação do orçamento geral dos diferentes âmbitos administrativos (estadual, federal e

municipal). Destinam as empresas, sociedades de economia mista e organizações

privadas sem fins lucrativos que atuem nas áreas de assistência social, médica e

educacional (SABO PAES, 2002, p. 475).

Para receber o benefício, as instituições devem cumprir os requisitos previstos na Lei de

Diretrizes Orçamentária (Lei nº10.524/2002) nos seus artigos 30, 31 e 32. Os recursos

federais são repassados para fundos nacionais que se responsabilizam pela sua

distribuição. Os recursos estaduais, por sua vez, são administrados pelo Conselho

Estadual de Auxílios e Subvenções.

c) doações e patrocínios: são transferências gratuitas, em caráter definitivo à pessoa

física ou jurídica, de numerário, bens ou serviços para a realização de projetos. As duas

formas de transferência, doação e patrocínio, se distinguem, pois na primeira é vedado o

uso de publicidade para a divulgação do ato e a instituição beneficiária será aquela sem

fins lucrativos, e na segunda há uma finalidade promocional e institucional de

propaganda e não apenas as entidades sem fins lucrativos podem ser beneficiadas. O

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conceito de doação e patrocínio é importante para determinar as parcelas dedutíveis do

imposto de renda devido (SABO PAES, 2002, p. 468/469).

d) contratos e convênios: contrato é todo acordo bilateral de caráter que estabelece

obrigações e vantagens recíprocas. A teoria geral dos contratos é a mesma tanto para

contratos privados - civis e comerciais - quanto para contratos públicos - contratos

administrativos e acordos internacionais. O contrato administrativo se diferencia dos

demais pela exigência de prévia licitação e a imposição de cláusulas exorbitantes do

Direito Comum. Convênios são acordos firmados por entidades públicas de qualquer

espécie, ou entre estas e as organizações do terceiro setor, caracterizados pelo fato das

partes apresentarem objetivos comuns. O convênio se distingue do contrato porque no

primeiro, os interesses das partes se coincidem, enquanto que no segundo, os interesses

das partes se divergem (SABO PAES, 2002, p.478 - 482).

3.5 FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR

O terceiro setor pode se auto-sustentar por meio da renda proveniente da venda de

serviços ou produtos. Também pode ser mantido por fontes de financiamento procedente

dos setores público e privado da sociedade nacional e internacional. Os principais

exemplos de doadores são embaixadas, fundações, institutos, empresas privadas,

indivíduos, organismos internacionais e órgãos federais, estaduais e municipais.

O Estado obtém benefícios ao financiar as organizações sem fins lucrativos, uma vez que

ambos possuem a mesma área de atuação e o terceiro setor administra bens e serviços

públicos com maior eficiência e a menores custos. Destacam-se como destino dos

recursos públicos, instituições que atuam na área de saúde e, em menor grau,

organizações voltadas para crianças e adolescentes e questões de gênero. Esta constatação

ressalta o papel do terceiro setor de complementação e, às vezes, de substituição do

Estado (HOROCHOVSKI, 2003, p 122.).

Com a reforma estatal, os fundos públicos deveriam ser a principal fonte de

financiamento do terceiro setor. Entretanto, o acesso aos recursos do governo se depara

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com problemas como o clientelismo, a grande quantidade de exigências para ser

qualificada como OSCIPs, a descontinuidade das política públicas e a falta de

transparência na contratação das organizações do terceiro setor por parte do Estado.

O mercado também encontra vantagens na parceria com o terceiro setor ao adotar a

responsabilidade social. Responsabilidade social corresponde à atuação das empresas

privadas no âmbito da sociedade e do meio ambiente, atendendo de forma indireta e em

longo prazo aos interesses da empresa. Falconer (2003, p.6) afirma que a "cidadania

empresarial"2 é um requisito essencial para assegurar sustentabilidade das empresas por

contribuir para a formação de uma imagem positiva da organização, além de

proporcionar o crescimento e fortalecimento dos mercados futuros.

Contudo, a captação de recursos junto ao setor privado é dificultada pela falta de tradição

do segmento empresarial em investir em ações sociais. Até pouco tempo atrás as

organizações do terceiro setor ignoravam as empresas privadas e estas se sentiam

desobrigadas de responsabilidades no âmbito social.

Dentro do terceiro setor existe um grupo de organizações que doam recursos para

projetos e programas de interesse social desenvolvidos pela sociedade civil. Segundo

Falconer e Vilela (2001, p. 16), estas organizações são denominadas, em inglês, de

grantmaker e caracterizadas por serem auto-sustentáveis, autônomas e nacionais. As

grantmaker estão diretamente ligadas a grupos da elite econômica como empresas,

empresários, governo, religiões organizadas e outros. Devido ao seu papel de

financiadoras e a sua visibilidade pública, são cortejadas pelas demais instituições do

terceiro setor e desempenham uma função importante na sustentação deste segmento, o

qual passa a desenvolver sua própria capacidade de geração de recursos.

De acordo com declarações das próprias fundações e entidades empresariais, a qualidade

dos projetos supera os problemas relativos aos recursos exigidos pelas organizações que

buscam financiamento (CARVALHO, 2002). Lis Hirano (apud CARVALHO, 2002),

assistente de programação da Fundação Kellog, aponta como principais entraves para

2 Termo utilizado para designer o papel de responsabilidade social e ambiental das empresas (FALCONER, 1999)

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aprovação de projetos a falta de boas idéias, esclarecimento e detalhamento sobre as

propostas e, principalmente, o desconhecimento sobre a filosofia das fundações doadoras.

3.5.1 Crise do Financiamento

Como já foi salientado antes, o crescimento do terceiro setor brasileiro vem gerando

problemas de sustentabilidade dessas organizações. Como as fontes de financiamento não

cresceram, o aumento do número de entidades provocou uma maior concorrência por

recursos.

Em palestra recente em Nova York, na Universidade Columbia, o diretor da Fundação

Ford, Larry Cox (apud ROSSETI, 2003), afirmou que o crescimento do número de

organizações-não-governamentais vai de encontro à diminuição nos recursos. A

Fundação Ford, por exemplo, perdeu nos últimos três anos US$ 6 bilhões de seus fundos

(que caíram de US$ 15 bilhões para US$ 9 bilhões), devido ao estouro da bolha acionária

O terceiro setor da América Latina vem crescendo desde a década de 70, basicamente

com o apoio de fundações e organizações internacionais multilaterais. A partir da década

de 90, este padrão de financiamento entrou em crise, já que os recursos passaram a ser

destinado para o Leste Europeu, África e Oriente Médio, devido aos crescentes conflitos

nessas regiões. Damien Harzard (apud BANDEIRA, 2004), diretor regional da ABONG

Nordeste 2, afirma que as agências européias chegaram a ser responsáveis por cerca de

80% dos recursos destinados as instituições do terceiro setor brasileiro, sendo que o

restante era proveniente do governo e das fundações empresariais.

A jornalista Bia Barbosa (2003), em artigo denominado “Financiadores cortam verbas

para ONGs na América Latina”, aborda a crise do financiamento do terceiro setor,

concluindo que as agências internacionais perceberam que, à medida que a América

Latina se democratiza, há uma consolidação do terceiro setor destes países, passando,

inclusive, a influenciar nas políticas públicas. Isso demonstra a capacidade das

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organizações da sociedade civil em conseguir recursos perante o setor privado e o

governo nacional, uma vez que seu crescimento na região trouxe uma maior participação

nas decisões políticas e o aumento do número de empresas que investem neste setor. A

autora também afirma que só os "projetos intersetoriais"3 e as organizações que

trabalham com a criação de redes têm vantagens na hora de obter recursos internacionais,

uma vez que os benefícios destas ações são ampliados.

Observa-se que, com o crescimento do terceiro setor e a realocação dos recursos

provenientes das agências internacionais, a competição entre as organizações da

sociedade civil na busca de fontes de financiamento aumentou e a captação de recursos se

tornou cada vez mais difícil no Brasil. Com a volatilidade dos financiamentos neste setor,

cabe a cada uma das entidades fornecer seus bens e serviços com a maior eficiência

possível e expor as suas metas e objetivos, quantificando os resultados. Devido ao

aumento da competitividade na busca de recursos, os agentes financiadores passaram a

exigir a elaboração de propostas de viabilidade econômico-financeira ou de auto-

sustentação, além de indicadores de resultados alcançados.

4 LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA

O Liceu de Artes e Ofício da Bahia é uma instituição que desenvolve ações na área de

educação utilizando como instrumento a arte. O Liceu atua no estado da Bahia e tem os

adolescentes em situação de vulnerabilidade social como principal público-alvo.

O Liceu foi criado em outubro de 1872 com o propósito de cobrir a lacuna sócio-

econômica no contexto do abolicionismo. O propósito era minimizar as desigualdades

por meio da oferta de educação, arte e trabalho aos jovens em situação de vulnerabilidade

social. A entidade foi fundada por ex-escravos, sob forma de associação, com o objetivo

3 Programas que privilegiam a construção de ponte entre os setores público e privado (BARBOSA, 2003)

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de criar uma instituição previdenciária, educacional, profissionalizante e cultural, que

repercutisse em melhores oportunidades para seus descendentes (SANTANA, 2005).

A historiadora Maria das Graças Leal define o contexto de criação do Liceu:

Na década de 60 do século XIX, a Bahia vivia o início do

processo de liberalização do trabalho escravo. Os cativos que

foram lutar na guerra do Paraguai voltaram com ideais

libertários. O projeto de criar o Liceu atendia esse ideal (apud

SANTANA, 2005).

Depois que o império deu permissão às camadas populares de terem acesso à educação, o

que até o início do século XIX era admitido apenas para as elites, passaram a existir

entidades desta categoria. O imperador Pedro II, influenciado pelos ideais positivistas e

liberais, incentivou a abertura de Liceus nas principais capitais. No ano de sua criação, o

Liceu de Artes e Ofícios da Bahia era composto por 178 sócios, em sua maioria artistas,

operários, bacharéis, funcionários públicos, médicos e professores. A entidade possuía

caráter abolicionista e funcionava por meio de normas rígidas (id., ibid.).

A instituição foi fortemente associada à formação de um mercado profissional através do

modelo pedagógico fundamentado na relação mestre aprendiz. O Liceu oferecia ofícios

como gráfica, marcenaria e mecânica. O enfoque artístico da organização implicou na

criação de obras, exposições e um ambiente favorável a discussões de estética,

influenciando na concepção da Escola de Belas Artes (SOLISLUNA..., 2005).

A aceleração dos processos industriais durante o século XX alterou o padrão de trabalho,

levando o Liceu a rever o seu modelo pedagógico e atualizá-lo diante da introdução do

ensino industrial profissionalizante (id., ibid.).

No ano de 1968, um incêndio atingiu a sede histórica do Liceu, o Paço do Saldanha. O

edifício, que teve sua construção iniciada no final do século XVII, é um patrimônio

histórico brasileiro, tombado em 1936 pelo Instituto de do Patrimônio Histórico Artístico

Nacional (IPHAN). O Paço do Saldanha que abrigou o Liceu desde 1875, sediou oficinas

produtivas, um museu, uma pinacoteca e uma biblioteca. Vinte anos depois da tragédia, o

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Liceu em parceria com organismos públicos e privados começou um processo minucioso

de reconstituição e restauração do famoso imóvel (id., ibid.).

4.1 ORGANIZAÇÃO DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DA BAHIA

Atualmente, a estrutura do Liceu é composta pela Assembléia Geral Ordinária, pelos

Conselhos Administrativo e Fiscal, e pela Administração. Esta última se divide em

Superintendências Geral e Operacional, à qual estão subordinados o Centro de Arte e

Tecnologia Educacional (CEARTE) e as unidades produtivas, Liceu Artes Gráficas

(LAG), Liceu Manutenção e Recuperação Predial (LMRP) e Liceu Móveis e Madeira

(LMM) 4 (CARVALHO, 2005a).

A Assembléia Geral Ordinária é formada pelos associados que se encontram uma vez ao

ano, geralmente no mês de abril, para que os Conselhos Fiscal e Administrativo prestem

contas das operações e das ações que foram realizadas no ano anterior. O Conselho

Administrativo se reúne quatro vezes ao ano para acompanhar a ações da instituição.

Com o objetivo de prestar contas ao Conselho Administrativo das ações que foram

realizadas, os gerentes da Superintendência Geral se congregam mensalmente. A

Superintendência Operacional, anteriormente denominada de Centro de Apoio e

Logística, trabalha junto a Superintendência Geral, dando suporte contábil e

administrativo (id., ibid.).

O Liceu dispunha de 706 funcionários em tempo integral em maio deste ano. O número

deve-se, especialmente às unidades produtivas. A dificuldade de identificar a quantidade

exata de funcionários resulta, principalmente, da alta rotatividade característica da

unidade produtiva Liceu Manutenção e Recuperação Predial. Ademais, o Liceu conta

com a participação de, em média, 10 voluntários (id., ibid.).

4 As unidades do Liceu possuem dupla natureza, estando divididas em unidades produtivas, completamente desvinculadas de ação social e o CEARTE, centro cultural e educacional que busca o cumprimento da missão social da instituição de educar pela arte.

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4.1.1 Unidades Produtivas

O Liceu sedia atualmente três unidades negociais que geram parte dos recursos que

mantêm o Programa Educacional. As unidades produtivas têm moldes empresariais e

operam nas áreas de movelaria, artes gráficas e conservação predial, oferecendo serviços

e produtos de qualidade e com valor social agregado, pela finalidade sócio-educativa a

que se destinam (SOLISLUNA..., 2005).

O Liceu Artes Gráficas (LAG) foi criado em 1878, apenas seis anos após a fundação da

organização. A unidade, que dispõe de um parque gráfico atualizado e de uma equipe de

profissionais qualificados, oferece produtos editoriais, promocionais, de papelaria,

reprografia e encadernação. A sua ação está atrelada as esferas social, educacional e

cultural, tendo como principais clientes secretarias, órgãos públicos e instituições

culturais, além do segmento empresarial (id., ibid.).

O Liceu Móveis e Madeira (LMM), criado em 1884, vem sofrendo um processo de

modernização técnica e gerencial. Além de atender a demanda empresarial por móveis

para escritórios, a oficina é uma das maiores produtoras de mobiliário escolar do

Nordeste do Brasil (id., ibid.).

O Liceu Manutenção e Recuperação Predial (LMRP), fundado em 1990, oferece uma

série de serviços como manutenção preventiva e corretiva, recuperação predial,

construção e reforma. Ao longo dos anos acumulou experiência técnica e hoje conta com

a demanda do setor público e das empresas (id., ibid.).

4.1.2 Unidade Educacional

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O modelo educacional do Liceu exprime o compromisso de contribuir para a inclusão

social de adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade pessoal e social. O

Programa Arte, Talento e Cidadania, implementado em 2002, corresponde a uma

proposta de educação não-formal de complementação escolar e conteúdo

profissionalizante. Estruturada em quatro pilares da educação: aprender a ser, aprender a

conviver, aprender a conhecer e aprender a fazer, o modelo incita o auto-conhecimento,

confiança e a descoberta das potencialidades e promove o convívio social e consciência

de cada um como parte da sociedade (SOLISLUNA..., 2003). O Centro de Arte e

Tecnologia Educacional (CEARTE) desenvolve e acompanha todos os programas do

modelo educacional e também é responsável pela captação de recursos externos.

a) Ações Educacionais: são oferecidas a jovens de escolas públicas e abarcam a

Formação de Liderança Jovem, Iniciação nos Ofícios das Artes e Habilitação Artístico-

Profissional. O Liceu também oferece serviços a públicos diferenciados através dos

Projetos Especiais e da Liceu Escola de Informática (id., ibid.).

A Oficina de Formação de Liderança Jovem tem como propósito a formação de jovens

mobilizadores culturais aptos a atuarem como lideranças em suas comunidades e escolas,

na expectativa de transformar a realidade local. Os participantes identificam e trabalham

com as referências culturais da sua comunidade a fim de promover o fortalecimento

desses grupos e motivar a sua atuação na comunidade em projetos de interesse coletivo.

Na primeira etapa da oficina são trabalhados conteúdos de natureza social, ética e

estética, propondo o desenvolvimento de capacidade para o exercício da liderança. Na

sua etapa final, os participantes com acompanhamento técnico-pedagógico colocam em

prática o episódio de multiplicação nos bairros (id., ibid.).

Na sua primeira edição, a oficina contou com a parceria do Instituto Credicard. O

programa 'Jovens Escolhas em Rede com o Futuro', que o instituto desenvolve com

organizações do terceiro setor de três Estados, fundamentou os princípios e a

metodologia dessa ação (id., ibid.).

A Iniciação nos Ofícios das Artes tem como objetivo proporcionar aos jovens condições

básicas para o ingresso no mercado das artes, cultura, turismo e lazer. A proposta é

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desenvolver a criatividade de cada participante e, com isso, contribuir para a qualificação

desses setores (id., ibid.).

A primeira fase da oficina consiste em identificar jovens com potencial para

desenvolverem habilidades artísticas. Após a seleção, e de acordo com as aptidões

individuais observadas, são iniciadas as oficinas que abrangem: teatro de rua, oficina de

preparação de ator, oficina de preparação de dançarino, técnicas de espetáculo (áudio,

iluminação, contra-regra), produção cultural, restauração nas áreas de azulejaria, móveis

e papel, fotografia, vídeo e design (id., ibid.).

Os Grupos Artísticos, por sua vez, contribuem para que o Liceu disponha

permanentemente de companhias de artes cênicas constituídas por jovens artistas capazes

de produzir e disseminar coreografias e peças de teatro a diversos públicos. As

companhias são: o Grupo de Teatro do Liceu, Grupo de Dança do Liceu e o Grupo de

Música do Liceu (id., ibid.).

A seleção de talentos, etapa preliminar da formação dos grupos artísticos, é voltada para

adolescentes de escolas públicas que comprovadamente tenham desenvolvido

anteriormente atividades artístico-culturais, priorizando aqueles que realizaram alguma

introdução nas artes cênicas. A participação nos grupos possibilitará aos jovens talentos

definir seus futuros projetos de vida com maior fundamento prático-teórico e a adotar

alternativas como o acesso à universidade ou a atuação em grupos artísticos (id., ibid.).

A Escola de Informática, criada em novembro de 2000, representa uma alternativa

proposta do Liceu ao desafio da inclusão digital. A escola disponibiliza para outros

públicos equipamentos e orientação técnica para a iniciação da informática. Essa ação é

desenvolvida em parceria com a Comunidade Solidária, a, Rede Jovem e o Comitê para a

Democratização da Cidadania (id., ibid.).

b) Ação Cultural: o Liceu apresenta uma vocação cultural comprovada ao longo de mais

de um século, estimulado por representar uma alternativa de incremento do mercado da

artes, cultura e lazer na Bahia e pela sua localização no centro histórico de Salvador, um

pólo cultural ativo. Mesmo produzindo cultura em todas as suas atividades, a organização

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promove ações designadamente culturais que têm se voltado recentemente para os

campos de artes visuais, preservação de acervos de azulejaria portuguesa, literatura e

debate de idéias (SOLISLUNA..., 2005).

No campo das artes visuais, o Liceu atualmente promove e apóia eventos através do

relacionamento com os artistas plásticos baianos, abrangendo a arte conceitual ou

contemporânea, esculturas, pinturas e fotografia, dentre outras. As últimas exposições

realizadas no Paço do Saldanha exibiram as diversidades de estéticas, de linguagens e de

técnicas que marcam as artes visuais na Bahia (id., ibid.).

A arte da azulejaria, atrelada ao compromisso antigo do Liceu de preservação do

patrimônio cultural baiano, só passou a ter um caráter técnico-profissional durante as

obras de restauração do Paço do Saldanha, no final da década de 80. A partir daí, a

instituição dispõe permanentemente de uma equipe de profissionais especializados na

restauração de peças deterioradas pela ação do tempo ou atingidas por acidentes (id.,

ibid.).

O Liceu ainda apóia eventos literários com diversidades temáticas que envolvem:

pesquisa histórica, o relato de viagem, reflexões sobre o terceiro setor, ensaios sobre a

juventude, mercado de trabalho, novas tecnologias e estudos sobre a questão étnica (id.,

ibid.).

Os debates têm feito parte dos eventos do Liceu, tanto por iniciativa própria quanto de

terceiros. As discussões merecem destaque por promoverem a difusão de idéias e a

reflexão, legitimando a diversidade de opiniões (id., ibid.).

c) Biblioteca Manoel Victorino: o Liceu apresenta em suas instalações a Biblioteca

Manuel Victorino como fonte de informações técnicas e culturais. A biblioteca, composta

de um acervo de 3.000 volumes, oferece ao público um conjunto variado de impressos

que abrange enciclopédias, livros, revistas e jornais relacionados a temáticas variadas,

com ênfase em educação, adolescência, cultura, arte e cidadania. O espaço também

dispõe de terminais de computador onde o usuário pode conectar-se ao acervo da rede

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mundial de informações, incluindo os bancos de dados internacionais e bibliotecas do

Brasil e do mundo (SOLISLUNA..., 2005).

4.2 FINANCIAMENTO DO LICEU DE ARTES E OFÍCIO DA BAHIA

O financiamento do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia se diferencia da grande maioria

das organizações sem fins lucrativos. A instituição dispõe de unidades produtivas

comprometidas com a sua auto-sustentação e, simultaneamente, conta com o apoio da

esfera privada e pública, que complementa a sua receita para manutenção de suas

atividades.

A fim de facilitar a compreensão do financiamento do Liceu, a gestão financeira e a

captação de recursos da instituição são trabalhadas separadamente. O conteúdo da

apresentação e discussão envolve a administração dos recursos próprios, os principais

aspectos econômico-financeiros das unidades do Liceu, as principais fontes de recursos,

as estratégias de captação de recursos e os critérios considerados relevantes pela

instituição para a seleção de projetos e obtenção de novos colaboradores.

4.2.1 Gestão do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

Gestão é uma função comum a todo tipo de organização - o meio para se conduzir a

missão (DRUCKER, 1994, p.67). Trata-se de um conjunto de atividades e funções que

envolvem pessoas e recursos necessários para se atingir os objetivos. A gestão é eficaz

quando alcança as metas, e eficiente quando os resultados são obtidos com a melhor

alocação dos recursos. As principais atividades da gestão são: planejamento, definição,

liderança e controle.

O ato de planejar pressupõe definir, antecipadamente, ações e objetivos da instituição.

Liderar é estimular e fazer com que os integrantes da organização desenvolvam

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qualidades sempre com o intuito de alcançar o cumprimento da missão. Controlar, por

sua vez, está associado ao monitoramento e evolução quantitativa e qualitativa dos

resultados da entidade.

O desempenho deve ser planejado a partir da missão que, por sua vez, define os

resultados para todos os públicos envolvidos. As organizações sem fins lucrativos

trabalham com vários grupos - os funcionários, os financiadores, os beneficiados, os

associados e gestores - que possuem interesses divergentes. Para formular um plano, os

objetivos de cada grupo devem ser levantados, e seu sucesso depende do acordo entre

todos estes públicos a respeito da metas a longo prazo. A curto prazo, seria impossível

integrar todos os interesses (DRUCKER,1994, p.80 - 81).

Os resultados de uma instituição sem fins lucrativos são mais difíceis de mensurar do que

os de uma empresa, visto que para esta lucros e prejuízos, embora não sejam suficientes,

são medidas concretas. Já as instituições do terceiro setor oferecem seus serviços á

sociedade, tendo como produto as mudanças nas pessoas. Estas organizações se deparam

com a dificuldade de determinar os resultados antes mesmo de definir os meios para

mensurá-los. Além disso, a atuação deve possuir o intuito de operacionalizar suas

missões (DRUCKER,1994, p.79 - 82).

Outro problema característico da gestão de instituições do terceiro setor é o conflito entre

a causa moral e a causa econômica. A causa moral é um bem absoluto, associado aos

objetivos das instituições sem fins lucrativos. Já a causa econômica consiste na alocação

de recursos escassos de maneira eficiente, a fim de atingir resultados satisfatórios. Uma

vez que existem mais causas morais do que meios para atingir suas finalidades, os

recursos devem ser aplicados da melhor forma possível (DRUCKER,1994, p.82).

O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia tem uma gestão excêntrica. As unidades negociais

revertem a verba provenientes da comercialização de serviços e bens para a realização

da missão da entidade de educar jovens para a vida pela arte. Os recursos procedentes da

receita própria variam de 70% a 80% do montante movimentado pela instituição. O

restante provém de fontes de financiamento do setor privado nacional e internacional e do

setor público nacional, a depender das oscilações no mercado de captação de recursos. O

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Liceu tem acesso a recursos públicos através de convênios, além de ter alguns órgãos do

governo como os principais clientes das unidades produtivas da instituição

(CARVALHO, 2005b).

A organização estudada tem como finalidade social a oferta de serviços ligados à

educação e à arte, cuja manutenção a partir de recursos próprios seria, a princípio,

inviável. Apesar de ter um alto retorno, a educação não pode financiar suas próprias

atividades, pois os seus benefícios se dão apenas a longo prazo e são revertido em favor

da sociedade como um todo.

No entanto, o Liceu conseguiu desde seus primórdios, simultaneamente, se auto-

sustentar e atender aos seus objetivos sociais, ao associar a educação ao aprendizado de

um ofício. Atualmente, as atividades educativas são promovidas de maneira dissociadas

das atividades produtivas, mas as unidades negociais continuam mantendo parcialmente o

modelo educacional.

A instituição não tem historicamente uma cultura de captação de recursos. Esta atividade

é bastante recente na instituição, tendo em vista que surge com a crise das unidades

produtivas em 2002. O Liceu sempre teve como objetivo a auto-sustentabilidade -

objetivo do Liceu de ser mantido através da produção das unidades negociais. O seu

cumprimento não foi possível devido à limitação destas ao enfrentar concorrência do

setor privado e por apresentar sérias dificuldades financeiras (CARVALHO, 2005b).

O superintendente da entidade, Romel Brandão, em ata da Assembléia Geral Ordinária de

11 de maio de 2005, identifica os principais aspectos econômico-financeiros das

unidades. Segue abaixo a sua descrição:

O Liceu Artes Gráficas (LAG) enfrenta obstáculos como falta de capital de giro, baixo

faturamento, alta inadimplência, defasagem tecnológica e terceirização da impressão. Os

dois últimos comprometem significativamente a lucratividade e eficiência na prestação

dos serviços da unidade. A transferência de toda a unidade produtiva para a fábrica LMM

em Simões Filho e a reavaliação do quadro funcional foram medidas adotadas para a

redução de custos (LICEU DE ARTES..., 2005).

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O LAG apresentou como ponto positivo no ano de 2004, a manutenção dos contratos

com a Secretaria de Educação (SEC) e a Empresa Gráfica da Bahia (EGBA). A

probabilidade de trabalhar com cooperativas e empresas prestadoras de serviços, a opção

por focalizar a área de acabamento, o aumento da receita para cinco milhões de reais,

além da aquisição de novas máquinas foram apresentadas como metas da unidade para o

ano de 2005 (id., ibid.).

O Liceu Móveis e Madeira (LMM), por sua vez, também deparou com dificuldades como

a redução das encomendas por parte da SEC, falta de capital de giro e falta de capital para

compra de novos equipamentos. Como alternativas para a crise financeira, destacam-se a

redução de custos fixos e a reavaliação do quadro funcional. Dentre os aspectos positivos

da unidade, estão a estruturação da área de vendas, a inauguração da Loja na Paulo VI e o

lançamento de duas linhas residenciais - o que implicará no aumento do seu mercado

consumidor (id., ibid.).

Os objetivos do LMM para 2005 envolvem o alcance de um faturamento de sete milhões

de reais e a aquisição de máquinas para a produção seriada das linhas residenciais - que

atualmente são produzidas artesanalmente. A unidade negocial também busca a

ampliação das exportações, uma vez que dois lotes da linha escolar já foram destinados

ao mercado angolano (id., ibid.).

A situação não é diferente para o Liceu Manutenção e Recuperação Predial (LMRP) que

tem a falta de capital de giro como principal dificuldade. A redução de custos fixos com

transferência desta unidade para a fabrica da LMM, a reavaliação do quadro funcional

foram alternativas para redução dos gastos. O ponto positivo do ano anterior se constitui

na focalização na manutenção predial (id., ibid.).

A receita da LMRP foi consideravelmente reduzida, após a decisão de extinguir a

terceirização e fornecer apenas o que a unidade tem capacidade. A receita da LMRP, que

era de dezesseis milhões de reais em 2003, foi consideravelmente reduzida para cinco

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milhões de reais em 2004. Somente o contrato com a Empresa Baiana de Alimentos S. A.

(EBAL) e o SOS CAB5 representava doze milhões de reais (id., ibid.).

O ano de 2004 foi paradoxalmente positivo para o Centro de Arte e Tecnologia

Educacional (CEARTE) que alcançou um grande resultado, através da gestão de recursos

limitados, R$3.255.715,05. O Liceu conseguiu atender, através de suas ações, 87.070

beneficiados diretos, resultado 150% superior ao ano anterior, 2003. Outro impacto foram

56 aprovações no vestibular dos jovens favorecidos pelo Programa Educacional. A

instituição assegurou a estes jovens bolsas sociais, transportes, entre outros benefícios

(id., ibid.).

Entretanto, é importante salientar que as aprovações no vestibular sofrem influência das

mudanças nas políticas educacionais de nível superior, como a introdução de cotas para

alunos de escola pública e de programas como FazUniversitário6 e PROUNI7.

A organização atuou, ainda, de forma satisfatória na inserção e acompanhamento de 53

jovens no mercado de trabalho. O programa educacional apresentou um significativo

aumento de 14% captação de recursos no ano de 2004 em relação a 2003 (LICEU DE...,

2005). No mesmo ano, os recursos captados para operacionalizar o programa educacional

era 4% proveniente dos repasses do governo, 14% derivados das unidades produtivas e

82% procedente do mercado (CARVALHO, 2005b).

As metas gerais da unidade consistem em aumentar as ações educativas e culturais nas

comunidades em que a instituição atua. Entre elas podemos destacar o oferecimento de

mecanismos de apoio para que os jovens tenham acesso, permaneçam e concluam o

ensino superior; desenvolvimento de uma rede de comunicação efetiva com potenciais

parceiros para a captação de recursos; promoção da inserção de 10% dos jovens

proveniente dos grupos e oficinas no mercado de trabalho; constituição uma rede que

5 Programa de prestação de serviços de reparo e manutenção de pequeno porte nos prédios públicos do estado da Bahia. 6 Programa do governo do estado da Bahia que disponibiliza bolsas de estudo de nível superior para alunos provenientes da rede pública. As instituições de nível superior credenciadas têm como contrapartida a insenção de tributos. 7 Programa Universidade para Todos da esfera federal que apresenta as mesmas diretrizes do FazUniversitário.

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congregue agentes políticos e ONGs a fim de estimular o intercâmbio de experiências e

influenciar nas políticas públicas; inserção da comunidade do centro histórico no

programa através de parcerias com a Associação de Moradores e outras entidades que

atuam na região (LICEU DE ARTES..., 2005).

Como metas internas, destacam-se projetos para a melhoria da estrutura e organização do

CEARTE, objetivando aumentar a receita; melhorar a qualidade dos serviços e atender o

maior número possível de jovens. Ações como a implantação de uma estrutura

complementar de apoio ao educando, o aperfeiçoamento do modelo de gestão, dos

procedimentos organizacionais e dos mecanismos de comunicação interna e externa,

além do desenvolvimento de projetos que abordam sexualidade e etnia são os objetivos

internos da unidade para curto prazo (id., ibid.).

O CEARTE teve uma redução de 32% do seu quadro pessoal e significativos cortes do

programa. Em conseqüência disto, o Programa para 2005 será drasticamente reduzido,

apresentando uma previsão de 57.006 atendidos (id., ibid.).

O Demonstrativo de Resultados do Liceu Consolidado - ou seja, o conjunto das unidades

LMM, LMRP, LAG, CEARTE e a Administração Central - apresentou um resultado

negativo de R$ 2.856.182,57. Segundo o ex-associado David de Oliveira Leite, em ata da

Assembléia Geral Ordinária de 11 de maio de 2005, a instituição vem apresentando

prejuízos por três anos consecutivos, enquanto um teto de treze mil e quinhentos reais é

mantido. O ano de 2004 foi marcado pelo corte de gastos através da centralização das

unidades negociais e suporte financeiro na sede produtiva em Simões Filho e a redução

do número de funcionários.

As metas do Liceu para este ano se relacionam principalmente ao fortalecimento da

sustentabilidade, envolvendo a adequação dos custos ao tamanho da receita, a busca de

financiamento para compra de máquinas e equipamentos, a negociação para o

recebimento de passivos da prefeitura municipal de Camaçari de um milhão e duzentos

mil reais e de Salvador de quatrocentos mil reais e alcance do faturamento de 20 milhões

de reais (id., ibid.).

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4.2.2 Diagnóstico da Gestão do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia enfrenta atualmente uma séria crise financeira que

compromete a sustentabilidade e o crescimento da sua função educacional. As unidades

produtivas, dissociadas do modelo educacional, lidam com graves problemas financeiros,

enquanto o CEARTE dribla os desafios para captar recursos visando complementar a

receita do programa educacional.

Devido à falta de investimento para a melhoria da prestação de seus serviços, o LMM, o

LAG e o LMRP não conseguiram acompanhar os seus concorrentes do mercado privado

e se encontram esgotados, com limitações em suas capacidades produtivas. As receitas

das unidades negociais, além de cobrir suas despesas, mantém o programa educacional, o

que dificulta o acúmulo de recursos para investimento e capital de giro. O Liceu opta por

endividar-se para viabilizar a compra de máquinas, equipamentos e melhoria da infra-

estrutura e, até mesmos, para saldar seus compromissos.

Ademais, as unidades negociais do Liceu estão condicionadas ao setor público. Esta

dependência implica em baixa lucratividade, falta de estímulo para competitividade e

descapitalização. O governo, através do procedimento de licitação, opta pela contratação

de bens e serviços mais baratos, o que afeta a lucratividade das unidades. A morosidade

no repasse dos recursos face a burocracia inerente ao Estado, acarreta atrasos do

pagamento de serviços e bens contratados, deixando a instituição sem capital de giro.

Não obstante, a relação com o governo é imprescindível para manutenção do Liceu, já

que suas unidades produtivas não têm competitividade suficiente para atuar no mercado

privado e o Estado não preza pela qualidade dos bens e serviços contratados.

O Liceu adotou medidas que comprometeram os interesses de seu pessoal e apresentaram

um custo social elevado - a reavaliação do quadro de pessoal, através da demissão de

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funcionários. Constata-se também a insatisfação dos associados em relação à divergência

salarial, estatuto e cargos do ‘organograma de uma estrutura invisível’8.

A manutenção de um teto salarial muito elevado afeta de forma significativa orçamento

do Liceu. O ex-associado David de Oliveira Leite, em ata da Assembléia Geral Ordinária

de 11 de maio de 2005, afirma que a manutenção do salário em um teto de treze mil e

quinhentos de um colaborador corresponde a um gasto de aproximadamente duzentos mil

reais ao ano, o que daria para manter sessenta colaboradores a um piso salarial de

trezentos e oitenta reais.

Embora tenha reduzido significativamente a receita da LMRP, a extinção da terceirização

dos serviços foi uma medida positiva, sendo a maior parte dos serviços oferecida ao

governo, há, inevitavelmente, atraso do pagamento e fixação de preços abaixo da média.

A contratação de serviços de terceiros, portanto, representava uma alternativa muito

onerosa para atender a demanda pelos serviços de recuperação e manutenção predial.

Constata-se a necessidade do Liceu fazer uma reavaliação do teto salarial e desenvolver

estratégias para ampliar seus mercados consumidores - a fim de diminuir a dependência

do Estado - como primeiro passo para sair da crise financeira.

No último ano, a organização apresentou um alto prejuízo que se contrapõe ao ótimo

resultado social, alcançando o maior número de beneficiados da história da instituição.

Entretanto, não se pode afirmar que o Liceu encontra-se em uma situação favorável, pois

a crise financeira que a organização enfrenta, caso persista, comprometerá o

cumprimento da sua missão no futuro.

4.2.3 Captação de Recursos do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

8 O ex-associado David de Oliveira Leite, em ata da Assembléia Geral Ordinária de 11 de maio de 2005, caracteriza como cargos do ‘organograma de uma estrutura invisível’ os altos postos ocupados sem legitimidade e sem o desempenho de função específica.

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A captação de recursos é conseqüência de um bom planejamento através do

estabelecimento de cronogramas, metas, prazos, orçamento, projeto e marketing. A

organização necessita primeiramente definir a estratégia e o tipo de recurso a ser captado

que pode ser financeiro, humano, técnico, infra-estrutura física, imagem. O plano precisa

identificar potenciais financiadores e conhecer a sua missão, objetivos, metas, áreas de

atuação, público-alvo e porte, antes de colocar em prática suas estratégias (PRÓSPERO,

2005). O presente trabalho se atém apenas à captação de recursos financeiros.

Comumente, as organizações pequenas tendem a terceirizar os serviços de captação de

recursos através da contratação de um consultor. As entidades maiores, por sua vez,

dispõem de um departamento específico de captação ou centralizam as atividades desta

área em um funcionário. O captador deve preferencialmente trabalhar internamente e de

forma integral na instituição. Desta forma, o relacionamento entre o financiador seria

mantido e fortalecido ao longo do tempo. A cobrança de comissões transmite uma

imagem negativa da instituição aos colaboradores, os quais entendem que o profissional

está ganhando em cima do projeto. A remuneração deve corresponder às

responsabilidades e qualificações do captador, definida previamente por contrato

(PRÓSPERO, 2005).

De acordo com a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), o captador

deve ser ético, honesto, reservado com relação às informações, comprometido com a

missão e a sustentabilidade da instituição, além de respeitar e conhecer a legislação

vigente. Este profissional deve ainda ter uma relação afetiva com a causa da organização,

o que implicaria em características como sensibilidade, paciência, persistência e

criatividade (id., ibid.).

A captação de recursos do Liceu é feita basicamente através da elaboração de projetos

que são encaminhados a institutos, fundações e empresas privadas interessados. Os

coordenadores são responsáveis pelos projetos de suas respectivas áreas. A vantagem da

descentralização do setor de captação de recursos deve-se ao caráter interdisciplinar desta

atividade, exigindo uma equipe de educadores que estão envolvidos nos serviços

prestados diretamente aos beneficiados. Uma profissional do Liceu é responsável pelo

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atendimento dos representantes dos financiadores e pela preparação dos projetos e

relatórios. Apesar de não existir um setor exclusivo de captação de recursos, o Liceu tem

intenção de estruturar um departamento específico para obter novas fontes de

financiamento (CARVALHO, 2005b).

A credibilidade da instituição, a transparência na prestação dos serviços e de contas, a

qualidade da infra-estrutura física, a qualificação do pessoal, qualidade dos projetos e o

empenho para alcançar a missão do Liceu são os aspectos considerados relevantes pela

instituição na hora de pleitear recursos (id., ibid.).

O Liceu, no ano de 2002, além dos recursos próprios, contava com o auxílio da Fundação

Odebrecht, do Instituto C&A, do Itaú Cultural e da Microsoft, além da Fundação

Credicard e do Banco do Brasil. A Microsoft era a única organização estrangeira que

financiava o Liceu. Segundo a assessora da gerência Áurea Carvalho as doações da

Microsoft viabilizaram a concretização da Escola de Informática (id., ibid.).

As unidades produtivas do Liceu, a Petrobrás Social, o Instituto Credicard, o Instituto

Ayrton Senna, a Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social (SETRAD)

e a Secretaria de Educação (SEC) foram os principais financiadores durante 2003. Este

ano não houve colaborador internacional. A captação de recursos externos no período foi

bastante limitada, tendo como maior contribuição R$210.000,00 da Petrobrás Social.

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Convênios com o Governo

2%Doações do Setor Privado

Nacional 70%

Doações do Setor Privado Internacional

0%

Repasses das Unidades Produtivas

28%

GRÁFICO 1 – Fontes de Recursos do CEARTE em 2003

Fonte: (CARVALHO, 2005b).

Em 2004, o Liceu teve como principais colaboradores: o Instituto Credicard, o Instituto

Ayrton Senna, a Petrobrás Social, a Fundação Kellogg, o Banco do Brasil, a SEC, além

das unidades negociais. A Petrobrás Social foi novamente a maior financiador externo do

Liceu no ano 2004, que forneceu quinhentos mil reais, seguido da Fundação Kellogg que

destinou R$245.850,00 (id., ibid.).

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Repasses das Unidades Produtivas

14%

Convênios com o Governo

4%

Doações do Setor Privado

Nacional 74%

Doações do Setor Privado Internacional

8%

GRÁFICO 2 - Fontes de Recursos do CEARTE em 2004

Fonte: (CARVALHO, 2005b).

4.2.4 Análise da Captação de Recursos do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia adotou eficazmente como estratégia de captação de

recursos a busca por doações e patrocínios de institutos e fundações empresariais. A

entidade ocupa uma posição de vantagem ao prestar serviços de educação a jovens, o que

corresponde exatamente à área de atuação e ao público favorito destes financiadores.

Segundo pesquisa realizada pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) a

grande maioria das organizações associadas - 85% delas - tem como principal área de

atuação a educação. Destacam-se jovens e adolescentes como beneficiados escolhidos

por 71% dos participantes do GIFE. A pesquisa de responsabilidade social da Associação

dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) também revelou que a

educação é a área de atuação preferida pela maioria das empresas, seguido do meio

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ambiente, cultura, saúde e qualificação. O jovem, a comunidade em geral e a criança são

os púbicos-alvos mais contemplados pelos projetos (PRÓSPERO, 2005).

Os Institutos e Fundações empresariais favoráveis às causas defendidas pela instituição

podem direcionar seus recursos para estes projetos, uma vez que o Liceu é uma

organização centenária que tem o reconhecimento de toda a sociedade e dispõe de uma

infra-estrutura física e de profissionais qualificados. Os financiadores querem que os seus

recursos sejam destinados às ações, as quais lhes foram propostas e como contrapartida a

instituição deve oferecer provas de que os recursos serão dedicados a estes fins.

O Liceu apresenta todos os pré-requisitos para dispor de um bom serviço de captação:

possui como responsável pelas questões relacionadas a este fim, um funcionário interno

que trabalha em tempo integral, recebe uma remuneração fixa e está emocionalmente

empenhado na consecução da missão do Liceu. A qualidade da estratégia de captação do

Liceu de Artes e Ofícios pode ser comprovada pelo seu desempenho. O ano de 2004 teve

uma melhora significativa na captação de recursos, mesmo com cortes nos gastos, houve

um acréscimo de 14% do montante de recursos pleiteados externamente em relação ao

ano de 2003. Entretanto, observa-se a necessidade de profissionalizar o serviço de

captação de recursos do Liceu, uma vez que a instituição não dispõe de um plano de

captação de recursos com estudo detalhado da atividade e o estabelecimento de metas

definidas.

Em 2002, quando o Liceu contava com o apoio da Fundação Odebrecht, do Instituto

C&A, do Itaú Cultural, da Microsoft, da Fundação Credicard e do Banco do Brasil, a

Microsoft representava a única organização estrangeira que financiava o Liceu. No ano

de 2003, o Liceu não recebeu recursos externos, a captação foi baseada no setor privado e

público nacional. Já, durante o ano de 2004 o Liceu teve a Fundação Kellogg como única

colaboradora estrangeira, contrapondo com quatro instituições nacionais; a Petrobrás

Social, o Instituto Credicard, o Instituto Ayrton Senna e o Banco do Brasil. Com relação

ao montante de recursos, a maior parcela também é proveniente do setor privado nacional

nos três períodos.

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A captação de recursos do Liceu é baseada no auxílio financeiro do setor privado

nacional, e em menor grau, do setor privado internacional e do setor público nacional.

Não foi possível detectar uma mudança recente no padrão da captação de recursos do

Liceu porque pleitear financiamento externo não fazia parte da tradição da instituição,

que sempre sonhou com sua auto-sustentabilidade financeira. O Liceu começou a investir

na captação de recursos em 2002, como alternativa para a crise financeira das unidades.

Não é possível afirmar se a crise do terceiro setor brasileiro fundamentada nas fontes

estrangeiras de financiamento atingiu o Liceu, uma vez que a captação de recursos é

fenômeno recente na instituição. No entanto, pode-se deduzir que houve uma realocação

destes capitais, diante da inexpressividade da participação dos recursos externos no

financiamento desta instituição. Como, atualmente, o Liceu está priorizando a captação

de recursos, seria um provável destinatário dos recursos internacionais, devido ao seu

porte, reconhecimento e efetivos benefícios sociais auferidos ao longo de mais de um

século.

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5 CONCLUSÃO

O termo terceiro setor passou a ser utilizado recentemente para designar as organizações

de sociedade civil com fins públicos e que não objetivam lucro, apresentando

características dos dois primeiros setores. Até então, a sociedade estava dividida apenas

entre o setor público e o privado. Hoje, o terceiro setor coexiste com o Estado e o

Mercado, movimentando um número crescente de recursos materiais e humanos,

objetivando o desenvolvimento social.

O terceiro setor corresponde ao setor da sociedade que mais tem adquirido importância

econômica e social nos últimos tempos por representar uma alternativa de geração de

empregos e de prestar serviços nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, cultura,

direitos humanos, entre outros. No entanto, este setor está passando por uma crise do seu

financiamento no Brasil.

De fato, na década de 70, o terceiro setor brasileiro contava com forte apoio da

cooperação internacional, mas este padrão de financiamento entra em crise nos anos 90,

tornando-se necessário buscar alternativas de captação de recursos, trabalhar para o

fortalecimento organizacional e criar condições para sua sustentabilidade a longo prazo.

A escassez das fontes de financiamento representa atualmente um dos grandes problemas

do terceiro setor, uma vez que houve um acirramento da concorrência, diante do aumento

do número destas organizações.

Isto não é diferente para o Liceu de Artes e Ofício da Bahia - instituição contemplada

pelo presente trabalho - que tem encontrado diversas dificuldades para financiar suas

atividades. Recentemente, o Liceu se mantém através de convênios com órgãos do

governo, captação de recursos junto ao setor privado nacional e internacional, e também

da venda de bens e serviços.

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A organização estudada recebeu em 2004 recursos do governo através de convênios, que

representam 4% do faturamento do programa educacional. A baixa participação dos

recursos financeiros do governo, no Brasil, é conseqüência da falta de políticas públicas

que privilegiem as parcerias entre o setor público e privado. O Liceu é uma instituição

centenária e reconhecida, que oferta serviços de educação, a princípio, de

responsabilidade do Estado, merecendo maior atenção do poder público.

Seria mais econômico para o governo financiar as organizações sem fins lucrativos, já

que as mesmas prestam serviços públicos a preços menores. Ademais, o crescimento

deste setor, aliado à eficiência na solução dos problemas sociais torna cada vez mais

urgente a implantação de políticas públicas nas diversas áreas e o aumento dos incentivos

fiscais para as empresas e pessoas físicas em favor das organizações, cuja importância

reside na promoção do desenvolvimento humano em nosso país.

O que mais chama a atenção é a grande participação do setor privado nacional no

financiamento das ações sociais do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia no período de 2004

- igual a 74%. Os institutos e fundações empresariais favoráveis às causas defendidas

pela instituição financiam seus projetos sociais, gerando o aumento do volume de

recursos canalizados, o que denota um aumento da conscientização das empresas

privadas nacionais no que diz respeito a responsabilidade social.

Em contrapartida, permanece a crise do padrão de financiamento baseado nos recursos

estrangeiros na receita do Liceu - no ano de 2004, encontrava-se no patamar de 8% - o

que leva a deduzir que está havendo uma evasão de recursos internacionais para outras

regiões.

Os lucros auferidos pelo Liceu através da venda de produtos e da prestação de serviços

das unidades produtivas são revertidos para o programa educacional. Em 2004, a receita

do CEARTE, proveniente dos recursos próprios, representou 14% do total movimentado

pelo programa educacional. Este baixo resultado deve-se à crise financeira que as

unidades negociais enfrentam atualmente, influenciada pela dissociação da atividade

produtiva da ação social. As unidades produtivas funcionam basicamente como empresas

privadas, se diferenciando apenas pela finalidade social da instituição, e não apresentam

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sustentabilidade, na medida em que suas reservas de capital não são redirecionadas para o

próprio empreendimento.

A geração de receita a partir de atividades comerciais é possível e viável, mas deve ser

um recurso complementar, pois além de ser uma fonte de renda arriscada, a obtenção do

lucro em beneficio da causa social pode vir a desvirtuar a missão. As organizações sem

fins lucrativos devem procurar fontes mais seguras como as empresas estabelecidas e o

governo.

A introdução de um planejamento estratégico (PE) seria uma alternativa para melhorar a

gestão do Liceu. O teórico Philip Kotler (apud ALDAY, 2000) conceitua o planejamento

estratégico como uma metodologia gerencial que permite estabelecer a direção a ser

seguida pela organização, visando um maior grau de interação com o macro-ambiente e o

micro-ambiente. Atualmente só as instituições que adotam planejamento e gestão

estratégica conseguem se estabelecer no mercado, uma vez que esta é uma medida para

as organizações se ajustarem à nova conjuntura, pelas mudanças rápidas e freqüentes.

O Liceu não tem um foco, tornando a sua administração extremamente complexa. A

organização é formada por três unidades produtivas e pelo programa educacional,

envolvendo várias atividades. Uma alternativa para direcionar os objetivos da instituição

seria a extinção da(s) unidade(s) menos produtiva(s), identificada(s) através da

implantação do planejamento estratégico, que avaliaria aspectos como produtividade,

competitividade, necessidade de financiamento, mercado consumidor, concorrentes entre

outros. Desta forma, os recursos financeiros e humanos estariam voltados para a(s)

unidade(s) com maior potencial de crescimento que se especializariam no sentido de

ofertar produtos e serviços com maior qualidade, além de desenvolver estratégias para

ampliar seus mercados consumidores.

Outra alternativa proposta, seria a extinção das atuais unidades produtivas e

transformação de algumas atividades do programa educacional, selecionadas a partir da

análise do macro e micro-ambiente, em unidades negociais, conjugando novamente a

auto-sustentação com a finalidade social. A Iniciação nos Ofícios das Artes, por exemplo,

abrange oficinas teatro de rua, de preparação de ator, de preparação de dançarino,

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técnicas de espetáculo (áudio, iluminação, contra-regra), produção cultural, restauração

nas áreas de azulejaria, móveis e papel, fotografia, vídeo e design que são serviços de

maior valor agregado dos mercados das artes, cultura, turismo e lazer, que seriam

excelentes opções para se tornarem unidades negociais.

Não está sendo econômico para o Liceu manter as unidades produtivas que apresentam

problemas financeiros, já que estas desviam seus lucros para financiar o programa social,

inviabilizando o investimento. A associação da função produtiva com a finalidade social

é extremamente importante para o desempenho de uma organização do terceiro setor

porque, neste caso, a manutenção da atividade produtiva representa continuidade da ação

social e os lucros serão destinados para melhorar o seu desempenho, repercutindo no

aumento da produção e, consequentemente, ampliação da ação social.

Embora econômica, a iniciativa de eliminar a(s) unidade(s) negociais opõe-se à questão

moral da instituição que atualmente atua no sentido de minimizar o desemprego, além de

desconsiderar a tradição e reconhecimento das unidades mais antigas.

Existe uma dicotomia na gestão das organizações sem fins lucrativos que ficou evidente

no estudo de caso. As organizações do terceiro setor não podem mensurar o seu

desempenho por não se basearem nos conceitos de lucro e prejuízo. Além disso, não

existe, como na empresa privada, a figura do proprietário ou acionista que controla e

cobra bons resultados de maneira incisiva. Os beneficiados pelas instituições do terceiro

setor não têm controle sobre a administração da instituição, tampouco acesso às suas

contas. Já as pessoas ligadas à gestão das entidades do terceiro setor não têm o lucro

como interesse direto. Estas características resultam em um desvirtuamento na realização

das atividades, havendo uma tendência à ineficiência do pessoal e da gestão das entidades

sem fins lucrativos.

Entretanto, as organizações do terceiro setor medem seus resultados em termos de

benefícios sociais. Estes são elevados por serem diretos e indiretos, com presença de

externalidades positivas. O benefício direto está relacionado à realização da missão, ou

seja, à concretização das atividades ou também ao aproveitamento de beneficiados no

quadro de pessoal. O benefício indireto, por sua vez, surge após a concretização das

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ações. No caso do Liceu, trata-se da formação de indivíduos mais politizadas, ativos e

conscientes do seu papel na sociedade, visto que muitos jovens favorecidos pelo

programa educacional do Liceu se tornarão lideranças, influenciando a opinião das

pessoas das comunidades em que atuam.

Este trabalho não tem um caráter conclusivo. No entanto pretende abrir uma discussão

para se buscar novas formas de gerir e administrar as organizações do terceiro setor. As

organizações sem fins lucrativos apresentam diversas dificuldades para alcançar uma

gestão eficiente por não possuir as mesmas diretrizes das empresas privadas. Devem

apoderar-se parcialmente de aspectos de empresas privadas - sempre levando em conta

sua função social - a fim de desenvolver mecanismos de atingir uma maior produtividade

do seu pessoal e aumentar o número de pessoas favorecidas. Enfim, as organizações do

terceiro setor devem almejar a oferta eficiente de seus serviços.

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YIN, Robert. Estudo de caso: Planejamentos e métodos. Porto Alegre. Bookman, 2001.

APÊNDICE A

UFBA - Universidade Federal da Bahia FCE - Faculdade de Ciências Econômicas Pesquisa de Conclusão de Curso Orientador - Ihering Guedes Alcoforado Orientanda - Rebeca T. R. Mohr

Liceu de Artes e Ofícios da Bahia Natureza Jurídica: Associação Assessora da gerência: Áurea Carvalho Endereço: Rua Guedes de Brito, 14 Centro Histórico

CEP 40020-260 Salvador – BA Telefone: 3321-9159 www.liceu.org.br

Ano de fundação: 1872 Montante de recursos utilizados no ano 2004: O programa educacional do Liceu de Artes e Ofícios movimentou e utilizou R$3.255.713,05 Números de doações concedidas ao Liceu no ano 2004: Não informou Principais fontes de recursos Nacionais (92%) Receita própria através da venda de bens ou serviços (14%) Repasses do Governo (4%) Doações de institutos e fundações empresariais (74%)

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Internacionais (8%) Doações de outras organizações do terceiro setor no exterior (8%) Estratégias de captação de recursos adotadas pela instituição Elaboração de projetos destinados ao setor privado nacional e internacional Critério considerado pelo doador para credenciar uma instituição segundo o Liceu Credibilidade, transparência na prestação dos serviços e de contas, qualidade da infra-estrutura física, qualificação do pessoal, qualidade dos projetos e empenho para alcançar a missão Critério utilizado pelo doador para selecionar um projeto segundo o Liceu Todos os elementos apontados acima, mais a qualidade do projeto APÊNDICE B

UFBA - Universidade Federal da Bahia FCE - Faculdade de Ciências Econômicas Pesquisa de Conclusão de Curso Orientador - Ihering Guedes Alcoforado Orientanda - Rebeca T. R. Mohr

Liceu de Artes e Ofícios da Bahia Natureza Jurídica: Associação Assessora da gerência: Áurea Carvalho Endereço: Rua Guedes de Brito, 14 Centro Histórico

CEP 40020-260 Salvador – BA Telefone: 3321-9159 www.liceu.org.br

Ano de fundação: 1872 Missão Educar o jovem para vida pela arte Público-alvo Jovens Áreas de atuação Educação, treinamento, arte e cultura Número de beneficiados 87.070

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Estrutura organizacional Assembléia Geral Ordinária, Conselhos Administrativo e Fiscal, e Administração. Esta última, por sua vez, se divide em Superintendências Geral e Operacional, Centro de Arte e Tecnologia Educacional (CEARTE) e as unidades produtivas, Liceu Artes Gráficas (LAG), Liceu Manutenção e Recuperação Predial (LMRP) e Liceu Móveis e Madeira (LMM) Número de funcionários 706 em tempo integral 10 voluntários