ordens religioso-militares

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  1  JOSÉ PEREIRA MALVEIRO GUERREIRO ORDENS RELIGIOSO-MILITARES.  BELLUM JUSTUM. CONSIDERAÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS SOBRE O CONTEXTO HISTÓRICO DA OUTORGA DO FORAL DE GARVÃO Professor: Henrique Pinto Universidade Lusófona De Humanidades E Tecnologias Departamento De Humanidades LISBOA 2011 

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JOSÉ PEREIRA MALVEIRO GUERREIRO

ORDENS RELIGIOSO-MILITARES.

 BELLUM JUSTUM.

CONSIDERAÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS SOBRE

O CONTEXTO HISTÓRICO DA OUTORGA DO

FORAL DE GARVÃO

Professor: Henrique Pinto

Universidade Lusófona De Humanidades E Tecnologias

Departamento De Humanidades

LISBOA

2011 

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JOSÉ PEREIRA MALVEIRO GUERREIRO

ORDENS RELIGIOSO-MILITARES.

 BELLUM JUSTUM.

CONSIDERAÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS SOBREO CONTEXTO HISTÓRICO DA OUTORGA DO

FORAL DE GARVÃO

Universidade Lusófona De Humanidades E Tecnologias

Departamento De Humanidades

LISBOA

2011

Trabalho apresentado para a cadeira de “IgrejasCristãs e Cristianismo”, no curso de Mestrado emCiências da Religião, conferido pela Universidadelusófona de Humanidades e Tecnologias..

Professor: Henrique Pinto 

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Resumo

Este trabalho debruça-se sobre a as condições históricas e sócio-económicas do

 princípio da nacionalidade, que levaram às necessidades de defesa e povoamento do reino

e, às respectivas outorgas das cartas foralengas, pela ordem militar de Santiago, às

 povoações de fronteira como o caso do extinto concelho medieval de Garvão.

Aborda o problema da segurança dos peregrinos que se dirigiam à terra santa em

  procissão ao santo sepulcro, daí o nascimento das ordens militares, primeiro numa

 postura de assistência, depois numa postura defensiva: logo militar, e a sua legitimação

através dos próprios escritos das escrituras sagradas que condenavam a violência.

Pretende-se entender, também, as cruzadas num contexto mais ocidental como a península Ibérica e a visão agostiniana acerca de guerra justa. A Igreja vai ao longo da

Idade Média construindo uma ideia sobre a guerra que vai se diferenciar da pregação dos

 primeiros cristãos.

A reflexão agostiniana em muito vai ser responsável por essa mudança, a

concepção do miles Christi, o cavaleiro de Cristo vai ser formulada desde o século IV até

meados do século X, e como os conceitos de Agostinho e de Bernardo sobre a guerra

 justa vão chegar até ao papa Inocêncio III para justificar as cruzadas.

Palavras chave: Ordens militares, Guerra justa, Santo Agostinho, Foral, Garvão,

Concelhos.

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Índice

Resumo

Introdução .................................................................................................. 5

Capítulo 1. - Contexto Histórico

1.1. Factores Sócio-económicos ………………............…………. 7

1.2. . Cruzadas e Ordens religioso-militares ………………….….. 8

1.3. Bellum Justum – A retórica legitimadora ………………….. 10

Capítulo 2. – Contexto Ibérico

2.1. Ordens religioso-militares em Portugal ……………….....… 132.2. A ordem de Santiago em Portugal ……………………......... 14

Conclusão .................................................................................................. 16

Bibliografia ............................................................................................... 17

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 INTRODUÇÃO

Este trabalho representa o início da pesquisa feita para a dissertação de mestrado aser apresentado no final do segundo ciclo em Ciências da Religião.

Apesar da dissertação não tratar especificamente sobre as ordens militares ou

sobre o movimento cruzadístico que se desenvolveu na Europa, para a recuperação dos

lugares santos na Palestina, a sua compreensão, e dos conceitos que justificavam a guerra

  justa na visão agostiniana, é importante para perceber o enquadramento geral e em que

condições históricas foi outorgado o Foral à vila de Garvão.

Tal compreensão será adaptada posteriormente na Baixa Idade Média, quando o

  papa Inocêncio III usará as ideias de Santo Agostinho para justificar os motivos que

levou às cruzadas. 

Uma das consequências mais imediatas da conquista de Jerusalém, em 1099, foi a

constituição de ordens religioso-militares de cavalaria. Após a conquista da Cidade Santa,

os maometanos permaneceram senhores das vastas regiões que a circundavam, tornando

as rotas de peregrinos inseguras. As primeiras ordens de cunho religioso e militar – a dos

Templários, a dos Hospitalários de São João de Jerusalém, a do Santo Sepulcro, a dos

Cavaleiros Teutônicos – tiveram, todas, origem na dedicação de cavaleiros europeus em prosseguir o cumprimento de seu voto ou propósito de cruzada, protegendo os peregrinos

e também assistindo-os nas suas doenças.

Entendia-se que, obrigando-se por voto e desempenhando as suas actividades

militares por dedicação religiosa, a prática da vida militar era consagrada, era santificada.

A guerra, portanto, era um facto que não excluía a santificação do guerreiro de

Deus. Por ser considerada natural pela sociedade de então, a Igreja Católica teve extrema

dificuldade para controlar a belicosidade dos europeus. São bem conhecidas as operaçõesda Pax Dei, as Tréguas de Deus, a sacralização da cavalaria e, por fim, já no âmbito das

Cruzadas, a instituição das ordens militares de Cavalaria.

Pouco a pouco, a Igreja lapidou a sua doutrina acerca das noções de guerra justa e

de guerra santa, não ensinou o pacifismo às culturas bárbaras que, após as grandes

invasões do século V, se mesclaram à cultura romana. Pelo contrário: ensinou-lhes o

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ideal da   guerra justa, o ideal do guerreiro cristão, o ideal da Cavalaria. Na realidade, a

Igreja sempre viu com bons olhos a condição militar, embora geralmente se suponha que

o Cristianismo, no seu início, tenha sido uma religião eminentemente pacifista e somente

 pouco a pouco tenha desenvolvido, no decurso dos séculos, a teoria da guerra justa, e a

sua justificação teológica, no âmbito das Cruzadas, das Ordens militares, recorrendo

inicialmente à fundamentação bíblica.

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CAPÍTULO 1 - Contexto Histórico

1. 1. Factores Sócio-económicos.

A sociedade na transição do século XI para o século XIII era marcada por 

  profundas alterações no mundo cristão: um forte crescimento demográfico, marcava a

sociedade europeia (Marques, 1997)1: na terra santa a defesa do santo sepulcro e dos

  peregrinos exigia medidas defensivas por parte dos cristãos contra os infiéis, que

ameaçavam os lugares santos; na península ibérica processava-se um movimento de

reconquista; nos países pós-Pirenéus. A par do aumento demográfico, observava-se uma

certa instabilidade provocada pelos filhos segundogénitos, afastados da linha sucessiva e

de qualquer herança, reservada ao filho mais velho, segundo o exemplo da sucessãorégia, unilinear e masculina, restava-lhes somente a via clerical ou militar.

(…) em Outubro de 1234, o pontífice concedia indulgências de cruzadas a todos

aqueles que o ajudassem na sua luta contra os sarracenos e na ocupação de terras

abandonadas que por ele ( D. Sancho II ) fossem conquistadas”. 2(Cunha, 1991)

“Pese embora que no ano de 1241 a 18 de Fevereiro, a santa sé tenha exortado os

 portugueses, principalmente os nobres, a concederem ao rei o seu auxílio na luta contra

os muçulmanos, com indulgências e remimento de pecados em tudo idênticas àsoutorgadas aos que iam à terra santa, (…)3

(Cunha, 1991) 

A reconquista aos infiéis na península Ibérica promovida pelos vários reinos

cristãos, descendentes do reino visigótico que se tinham refugiado nas montanhas a norte

da península, não só reclamando um espaço territorial ancestral mas unida numa fé

comum, tinha todos os condimentos para a ajuda das cruzadas e da vinda de cavaleiros

 pós-Pirenéus afastados da linha linhagística4 cujo caso mais paradigmático, em relação ao

1 Marques A. (1997).  História de Portugal: das origens ao renascimento. Lisboa: Editorial Presença. P.150 e seguintes.2 José Mattoso, “D. Sancho II, o Capelo”, in: Cunha, M. (1991).  A Ordem Militar de Santiago (das origens

a 1327). Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à Faculdade de Letras do Porto. Porto.P. 73.3 Transcrita em vernáculo na crónica de D. Sancho II, in: Cunha, M. (1991).  A Ordem Militar de Santiago

(das origens a 1327). P. 73. 4 Esta classe de nobres, segundogénitos, iriam, igualmente, no reinado de D. Afonso III, desempenhar umaacção importante nas pretensões ao trono pelo Conde de Bolonha, futuro D. Afonso III em oposição ao seuirmão D. Sancho II.

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futuro reino de Portugal, encontra-se na figura do conde D. Henrique de Borgonha,5 pai

de D Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal.

Se o aumento populacional a que se assistia, por esta altura, na Europa e o

afastamento dos filhos segundogénitos da herança familiar explica as cruzadas, a

confirmar-se a extensão desse crescimento demográfico à Península Ibérica, teremos, por 

estes motivos, de colocar a própria fundação da identidade nacional nestes factores. Se a

  pressão demográfica, vinda do norte, misturou gentes com origem em várias

  procedências, moldou assim o conceito de nacionalidade, não deixará, também, de

absorver politicamente e culturalmente o Centro e Sul na unidade política em formação

“Portucale”. Apesar das diferenças culturais entre um Norte Cristão e um Sul Islamizado,

a progressão deste movimento unificador, e a consolidação não só territorial, mas

essencialmente religioso-cultural, dinamizada pelo rei, absorve, inevitavelmente, asassimetrias regionais encontradas no território, mesmo para aqueles nascidos longe do

espaço onde teve origem este movimento de reconquista.6(Mattoso, 1995) 

1. 2. Cruzadas e Ordens religioso-militares

A fundação das ordens religioso-militares encontra-se, originalmente, na

necessidade de assistência aos peregrinos que visitavam a terra Santa, principalmente

depois da primeira cruzada e da conquista de Jerusalém em 1099, assistiu-se àconstituição de ordens militares-religiosas na terra santa.

Este novo conceito de milícia-cristã conciliava as necessidades tanto assistenciais

como defensivas nesta nova figura do monge-cavaleiro, cujo conceito de uma posição

meramente assistêncial evoluíram para uma posição de defesa e posteriormente para a

conquista territorial como se veio a observar nas cruzadas, onde de facto se poderá

encontrar o ideal deste monges-cavaleiros e em cujo contexto global cruzadistico não se

 poderão desassociar.

“(…) esta nova função guerreira acaba por ser aceite, ao longo do séculoXII, quando o protagonismo dos freires resultava na defesa dos lugares

5 Nasceu em Dijon por volta de 1057, e faleceu em 1114 na cidade de Astorga. Quarto filho do duqueHenrique de Borgonha e de Sibila, era igualmente neto de Roberto I, duque de Borgonha-Baixa, e bisnetodo rei da França, Roberto.6 Mattoso, J. (1995).  Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). Lisboa:Estampa. P. 13, 14 e 26.

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santos da ameaça do Islão e na reconquista territorial em cenários maisocidentais, como, por exemplo, na península Ibérica.”7 (Fernandes, 2002)

As Ordens monástico militares, oriundas do movimento de Cruzada, personificam

a conciliação do ideal monástico com a cavalaria. Tratavam-se de ordens religiosas, algo

similares às ordens monásticas no seu modo de viver, mas com a função especial de

 proteger dos ataques islâmicos os peregrinos que se dirigiam à Terra Santa ou de prestar 

assistência aqueles que dela necessitavam, tal como acontecia no caso específico da

Ordem do Hospital.

Incorporam desta forma, dois conceitos distintos e aparentemente contraditórios:

uma vertente monástica associada a uma acção guerreira. Atendendo à sua perspectiva

monástica, os freires vivem sob uma regra, estão dependentes de uma casa-conventual,

 juram votos de pobreza, castidade e obediência. Contudo, na sua vertente guerreira, estesmiles Christi consagram-se à Guerra Santa, constituindo uma força militar permanente

que colabora com a monarquia, de acordo com a conjuntura do reino que os enquadra e

com a política régia que animava a luta contra o infiel. Estas características contribuem

de forma decisiva para a definição destas instituições.

Assim, a análise das Ordens Militares não pode nunca ser separada do contexto

em que nascem - as Cruzadas -, entendidas estas, não somente numa perspectiva marcada

 pela expansão territorial, mas também, como um instrumento ao serviço de um Papado,que não esconde as suas pretensões hegemónicas no universo feudal.

Entre as primeiras Ordens Militares contam-se as do Hospital e do Templo criadas

na Terra Santa para auxiliar os peregrinos. Apesar de partilharem a antiguidade de

formação, os seus princípios fundacionais não são exactamente os mesmos.

Os Hospitalários, depois de uma primeira fase de existência, foram formalmente

reconhecidos por bula de 1113, não se dedicando, nos seus primórdios, ao ofício da

guerra, dado que privilegiavam uma faceta assistencial de apoio aos peregrinos em

 jornada à Terra Santa. Por seu lado, a Ordem do Templo é fundada em Jerusalém, cerca

de 1119, por um grupo de cavaleiros que aí se dirigiam em peregrinação, tendo tomado

votos de pobreza, castidade e obediência, pela remissão dos seus pecados e tendo como

7 Fernandes, M. (2002). A Ordem Militar de Santiago no século XIV . Dissertação de mestrado em HistóriaMedieval e do Renascimento, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto. P. 32.

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missão defender os peregrinos de ataques dos salteadores. Segundo S. Bernardo de

Clairvaux no seu   De laude novae militiae, redigido em 1128, os Templários

representavam «um novo tipo de cavalaria, desconhecida até então no mundo secular»,

travando um duplo conflito com a carne e com as forças invisíveis do mal e representando

uma combinação única das figuras de cavaleiro e de monge.

O atenuar das fronteiras existentes entre o mundo bélico e o mundo religioso,

surge com a intervenção na luta contra o Infiel da Ordem do Templo, e mais tarde com a

dos Hospitalários, criadas ab initio   para funções guerreiras e assistenciais,

respectivamente.

Estes institutos internacionais são em breve seguidos pelo estabelecimento das

Ordens Ibéricas. Na verdade, a criação na Península Ibérica de Ordens Religiosas e

Militares com os mesmos fins das criadas na Palestina, ou simplesmente a introduçãonesta região daquelas já aí existentes, contribuiu para fortalecer o ideal e os objectivos da

Cruzada, subjacentes ao processo da Reconquista. Instituídas no século XII, as Ordens

militares rapidamente encontraram condições favoráveis para o seu desenvolvimento,

essencialmente em reinos onde a oposição entre cristãos e muçulmanos criavam situações

de conflito. Neste contexto, também na Península Ibérica vão exercer a sua actuação,

tendo proliferado de forma rápida sob o olhar atento e protector dos monarcas.

1. 3. Bellum Justum – A retórica legitimadora.

Esta evolução de uma religião que nas palavras dos primeiros patriarcas

condenava o uso da violência e da guerra, para a justificação moral, em nome de Deus, da

“Guerra Santa”, contrariava as escrituras cristãs primitivas.

De facto várias são as passagens existentes tanto na Bíblia como noutros escritos,

considerados sagrados para os cristãos, a condenarem o uso da violência e da guerra. Se

 por um lado esta condenação se pode encontrar em Mateus V, 38-42; e Lucas VI, 27-36

5-39: “Digo-vos que não resistais ao mal, mas se alguém te bater na tua face direita,

apresenta-lhe também a outra” ou em Mateus 5-9: “Bem-aventurados os pacíficos,

 porque serão chamados filhos de Deus” ou em Mateus 26-52: “Põe a tua espada no seu

lugar, porque todos os que tomarem espada morrerão à espada”, também é nos mesmos

livros sagrados tanto no Novo como no Antigo Testamento, que se encontra a justificação

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 para a guerra e o emprego da violência. Na Bíblia, são frequentes as referências ao uso da

violência como em Mateus 11-12: “O Reino de Deus adquire-se pela força, são os

violentos que o conquistam”, ou em Mateus 10-34: “Não julgueis que vim trazer a paz à

Terra; não vim trazer a paz, mas a espada”.

Logo a partir do século IV, com a consolidação do cristianismo assegurada e o

estabelecimento do papado em Roma, observou-se ao longo de vários anos e de vários

concílios a moldagem da religião cristã, pelo menos a que vinha de Roma, às

necessidades mais mundanas dos homens que a representavam, já não era só os proveitos

do conforto espiritual que estava em causa, agora, era também preciso assegurar a

 primazia do Vaticano no plano temporal.

Assim, se o cristianismo inicial assentava a sua base doutrinal numa postura

 pacifista, depois da consolidação do poder cristão e do papado em Roma, esta posturairia-se alterar, tornava-se, agora, necessário justificar militarmente não só a defesa de

Roma fase às ameaças das tribos barbaras europeias como inclusivamente expandir o

cristianismo e defender os locais considerados sagrados pelos cristãos.

Os teóricos da Igreja, nomeadamente Santo Agostinho8 considerado um dos

doutores da igreja e cujos escritos influenciou e moldou a religião cristã nos séculos

seguintes, encontraram nos próprios livros sagrados referencias para a justificação moral

da guerra santa e da violência, tanto numa postura defensiva como ofensiva.De facto Santo Agostinho (354-430), primeiramente contra o uso da violência,

  posteriormente preconiza a guerra justa, talvez traumatizado pela tomada de Roma por 

Alarico, onde se encontrava. Se no seu livro Contra Fausto, Santo Agostinho aborda a

questão da guerra, já na obra posterior  A Cidade de Deus defende claramente a guerra

contra os pagãos, sendo a guerra a forma de extinguir os infiéis e alcançar a paz, e afirma

que: “Entre os verdadeiros adoradores de Deus, até as guerras são pacíficas, pois é o

desejo a paz que os move, e não a cobiça ou a crueldade, para que sejam freados os maus

e favorecidos os bons”.

8 É como Bispo de Hipona que Santo Agostinho (354-430) desenvolve uma intensa actividade pastoral eintelectual que irão marcar o mundo cristão. Filho de mãe cristã começa por abraçar o maniqueísmo(filosofia religiosa que surgiu na Pérsia no século III, divide o mundo entre o bem e o mal) e o cepticismo(corrente filosófica originária da Grécia antiga que coloca em questão se o saber adquirido e a certezaabsoluta são possíveis) e só mais tarde em 387 se converte e é baptizado na religião cristã, já com 33 anos.

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Os fundamentos teóricos de Santo Agostinho foram mais tarde recuperados e

reforçados para justificar a guerra santa, tanto Bernardo de Claraval (1090-1153) como

São Tomás de Aquino (1225-1274), justificam teologicamente o movimento cruzadistico

com fundamentação bíblica e as ordens religioso-militares no conceito de guerra justa,

num movimento de conquista que se vinha a afirmar e precisava de justificação pelo

 papado para implementar as cruzadas. .

  Nas pinturas do Apocalipse de Lorvão é a espada ou a cruz que corta ascabeças? Símbolo humano de retenção e sacrifício, a cruz virou espada,espada que retalha e crucifica, que abre os braços e logo crava o ferro?9 (Coelho, 1986).

9 Coelho, A. (1986). Comunas ou Concelhos, 2º edição. Lisboa: Caminho. Prólogo.

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CAPÍTULO 2.

2.1. Ordens religioso-militares em Portugal

O processo de reconquista na península Ibérica, que opunha cristãos e

muçulmanos, criou as condições favoráveis, não só, para o estabelecimento das ordens

religioso-militares já existentes na terra santa, como inclusivamente da criação de outras

ordens religioso-militares de cariz tanto peninsular como nacional. A ordem de Santiago

oficialmente fundada no reino de Leão a 1 de Agosto de 1170 com sede em Uclés, terá, já

em 1172, passado, um ramo desta ordem, para Portugal, havendo noticia da sua presença

com a doação de várias castelos e praças na linha defensiva do Tejo.

A dependência do ramo português da ordem de Santiago à sede no reino de Leão,não deixou de preocupar os reis portugueses que viam nesta dependência uma falta de

fidelidade, de facto a posse, por ordens e mestres dependentes doutros reinos

 peninsulares, de territórios e castelos reclamados pelo rei português, numa altura em que

disputava as fronteiras das terras conquistadas aos muçulmanos, punha em causa a

fidelidade destas ordens religioso-militares principalmente em épocas de crise e conflito

como as varias vezes que opuseram os reis portugueses aos outros reinos ibéricos.

Apesar da só em 17 de Junho de 1453 a bula papal   Ex Apostolice Sedis, desvincular o ramo português da ordem de Santiago à sua casa-mãe em Uclés,

efectivamente já há muito os reis portugueses procuravam a independência do ramo

 português da ordem face a Leão, tendo, durante o reinado de D. Dinis, obtido do papa

  Nicolau IV em, 1288, a capacidade para nomear mestre próprio através da bula

 Pastoralis officii, inclusivamente, em 1284, o mesmo rei D. Dinis, já tinha nomeado um

cavaleiro da sua confiança para o comando da importante comenda-mor de Mértola, no

seguimento de um efectivo controle destas Ordens Religios-Militares, de aproximação ao

 poder régio e de uma efectiva estratégia de defesa dos territórios conquistados, quer em

relação ao Muçulmanos quer em relação aos outros reinos peninsulares. Estas alterações

de facto ditaram a independência do ramo português face a leão e ao alinhamento da

ordem com o monarca português, como ficou demonstrado na crise entre o rei D. Dinis e

o seu filho, o futuro D. Afonso VI, em que Castela apoia o pretendente e a ordem o

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monarca e posteriormente no apoio dado a D. Afonso VI nas crises com Castela. Este

apoio veio-se a mostrar fundamental na defesa das pretensões portuguesas na crise de

1383/8510 que opôs o Mestre de Avis às pretensões Leonesas/castelhanas ao trono

 português apesar de primeiramente a ordem de Santiago apoiar D. Beatriz, esposa do rei

de leão e portanto às pretensões castelhanas.

2.2. A ordem de Santiago em Portugal

A actuação da Ordem religioso-militar de Santiago em Portugal, vocacionada para

e reconquista cristã da Península Ibérica, pauta-se tanto pela defesa dos territórios

conquistados como na expansão territorial para sul. Mercê de inúmeras doações pelos

monarcas portugueses é nos campos do sul que a ordem de Santiago vai desenvolver uma

série de conquistas e, através de doações régias, expandir, principalmente a partir de  Navas de Tolosa11, os seus já vastos territórios. A atribuição do foral a várias terras,

incluindo Garvão, demonstra, claramente, a hegemonia desta ordem militar e a sua

importância no povoamento, administração e consolidação territorial. A posição da

Ordem religioso-militar de Santiago vai-se reforçando ao sabor da reconquista com

doações territoriais e privilégios nomeadamente a nomeação de procuradores e juízes nas

terras da ordem e poderes jurisdicional, cível e crime, assim como a proibição dos

corregedores reais entrarem nas terras da ordem sem autorização destas. É assim neste10 A crise de sucessão ao trono português (conhecida como crise de 1383/1385) deu-se pelo facto da únicaherdeira ao reino de Portugal, D. Beatriz, filha de D. Fernando, estar casada com o rei D. João I de Castela.Apesar do acordo de casamento, celebrado em Salvaterra de Magos, prever a independência de Portugal eD. Leonor Teles (viúva de D. Fernando) ficar como regente do reino até o filho de D. Beatriz (neto de D.Fernando) completar catorze anos, D. Leonor, após a morte de D. Fernando manda aclamar (em desacordocom o tratado) D. Beatriz como rainha de Portugal, o que provoca o descontentamento geral no reino e aaclamação de D. João, (futuro D. João I) Mestre de Avis, como regedor e defensor do reino, à frente decujo exercito se encontrava o Condestável D. Nuno Álvares Pereira.11

 Segundo certos autores, nomeadamente Anísio Miguel De Sousa Saraiva, (A formação de Um Território, de

Uma Fronteira e de Uma Identidade: A Margem Esquerda do Guadiana em Tempos Medievais),“A vitória

alcançada, em 1212, na batalha das Naves de Tolosa, pela expedição liderada pelo exército castelhano

apoiado pelos seus congéneres leoneses, aragoneses, navarros, portugueses e de além-Pirenéus,consubstancia esse momento de viragem. Na verdade, o sucesso esmagador desta empresa ditou adesagregação do império e o enfraquecimento das ofensivas almóadas, abrindo assim caminho ao

relançamento da Reconquista, o que de facto foi positivamente aproveitado por Leão e Castela, mas não

 por Portugal.” Contudo é inegável que o enfraquecimento das hostes muçulmanas facilitou as aspirações eas conquistas territoriais dos portugueses no Alentejo, com a reconquista definitiva de vários lugares antes perdidos para os muçulmanos, nomeadamente Alcácer do Sal em 1217. Apesar de, contudo, o rei portuguêsD. Afonso II, talvez devido à sua enfermidade, tenha sido o rei que menos beneficiou directamente com avitoria cristã de Naves de Tolosa, não deixou de conceder grandes domínios fronteiriços às ordens militares para reforçar a salvaguardar a defesa do reino.

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quadro sócio-político que em Fevereiro de 1267, sendo mestre da Ordem de Santiago, D.

Paio Peres Correia conjuntamente com João Raimundo, Comendador de Mértola, se

outorga a carta de Foral de Garvão em cujas armas figura a cruz espatária.

Em 23 de Maio de 1320, por bula do papa João XXII a D. Dinis, concedia-lhe o

direito de cobrar a dízima de todas as igrejas do reino incluindo as da Ordem de Santiago:

assim a igreja de Garvão era taxada em 540 libras anuais; Ourique, igreja de Santa Maria,

210 libras e igual valor de 210 libras para a igreja de S. Salvador de Ourique; Panoias e

Torredões, taxada em 240 libras.12 (Cunha, 1991)

12 Cunha, M. (1991). A Ordem Militar de Santiago (das origens a 1327). P. 236/238. 

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Conclusão

A partir do estudo de Agostinho compreendesse a formação do ideal da guerra justa.

Traçando uma tripla defesa da comunidade, uma autoridade legítima e uma guerra

movida com justiça, Agostinho desenvolveu uma teoria que atravessou todo o período

medieval. A defesa das cruzadas pelo papa Inocêncio III, representa um ponto de inflexão

e uma série de diferenças em relação aos seus antecessores, assenta essencialmente na

argumentação agostiniana da guerra justa e na doutrina das ordens militares.

Alicerçada em uma sólida base bíblica e fundamentada na tradição dos mártires da

Igreja – ela própria construída no “sangue de seus mártires” – a guerra nunca foi um tema

estranho ao pensamento medieval cristão, venerava-se e venera-se muito mais os santos

guerreiros do que propriamente os santos pensadores.O papa Inocêncio III será um dos maiores responsáveis pela mudança que se

observou no seio da Igreja. De facto os papas que se seguiram, tanto Inocêncio IV como

Bonifácio VIII, manifestarão um forte desejo de conjugar o poder temporal e poder 

secular nas suas mãos. Este  plenitudo potestatis vai dar a Inocêncio III a capacidade de

interferir em uma série de assuntos que até há pouco tempo antes não fazia parte do

alcance da cúria papal: apontamento de líderes em determinadas províncias, mobilização

de homens para a formação de um exército, cobrança de novas taxas.Uma das medidas tomadas por Inocêncio III e que será ratificada no IV Concílio

de Latrão é a mudança na designação do título papal: de “vigário de Pedro” passa a ser 

“vigário de Cristo”. Com isso muda-se o espectro da figura papal: o papa não é mais o

representante da Igreja fundada por Pedro, o primeiro entre os apóstolos de Cristo; agora

ele é o próprio representante de Cristo na terra.

É o retorno ao princípio agostiniano de uma autoridade capaz de legitimar uma

guerra justa, assim nenhum rei poderia contestar o representante de Cristo já que o seu

 poder ultrapassa o plano terreno.

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