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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA COMO PRESSUPOSTOS À DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E A
CONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA FRENTE AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
CAROLIN PINHEIRO XAVIER
DECLARAÇÃO
“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.
ITAJAÍ (SC), 08 de novembro de 2010.
___________________________________________ Professor Orientador: Carlos Roberto da Silva.
UNIVALI – Campus Itajaí-SC
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA COMO PRESSUPOSTOS À DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E A
CONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA FRENTE AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
CAROLIN PINHEIRO XAVIER
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professor Msc. Carlos Roberto da Silva
Itajaí (SC), novembro de 2010
AGRADECIMENTO
A deus, por permitir que eu não fraquejasse diante dos obstáculos enfrentados no decorrer desta
jornada.
Aos meus pais, Virgilio e Evani que sempre me incentivaram nos meus estudos e pela educação
que puderam me proporcionar.
Às minhas queridas irmãs, Thais e Pâmela, que me apoiaram e sempre me ajudaram com o objetivo de
realizar a escolha certa.
Ao meu namorado, Andrei, pelo apoio, estímulo, e compreensão nesta importante fase da minha vida.
Ao Professor Carlos Roberto da Silva, pelo incentivo ao tema estudado, por toda a ajuda e pelos
momentos de dedicação e aprendizado que me proporcionou durante a monografia.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Virgilio e Evani, que em nenhum momento mediram esforços para a realização dos
meus sonhos.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), novembro, 2010
Carolin Pinheiro Xavier Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Carolin Pinheiro Xavier, sob o título
“Ordem Pública e Econômica como pressupostos à decretação da Prisão Preventiva
e a constitucionalidade da medida frente ao Princípio da Presunção de Inocência”,
foi submetida em 22 de novembro à banca examinadora composta pelos seguintes
professores: Esp. Guilherme Augusto Corrêa Rehder, e aprovada com a nota
______ (____________________).
Itajaí, 22 de novembro de 2010
Carlos Roberto da Silva Orientador e Presidente da Banca
Professor Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo CP Código Penal CPP Código de Processo Penal STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Prisão Preventiva
“Prisão cautelar de natureza processual decretada pelo juiz durante o inquérito
policial ou processo criminal, antes do transito em julgado, sempre que estiverem
preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores”. 1
Ordem Pública
“[...] entende-se por ordem pública a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o
indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais, sem que se consiga
surpreende-lo em estado de flagrância; se estives fazendo apologia de crime, ou
incitando ao crime, ou se reunindo em quadrilha ou bando, haverá perturbação da
ordem publica”.2
Ordem Econômica
“É uma espécie de gênero anterior (garantia da ordem pública). Nesse caso, visa-se,
com a decretação da prisão preventiva, impedir que o agente causador de seriíssimo
abalo à situação econômico-financeiro de uma instituição financeira ou mesmo de
órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a
impunidade reinante nessa área.” 3
Presunção de Inocência
“A constituição federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de
1 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 266. 2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2009. p.623 e 624. 3 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p.604.
9
inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia
processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.” 4
4 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.188.
10
SUMÁRIO
SUMÁRIO .........................................................................................10
RESUMO...........................................................................................12
INTRODUÇÃO ..................................................................................13
CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................16
DIREITO DE PUNIR..........................................................................16
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA .............................................................. 16
1.2 PERÍODO DAS VINGANÇAS E PERÍODO HUMANITÁRIO.......................... 17
1.3 SURGIMENTO DAS PRISÕES ...................................................................... 23
1.4.SISTEMAS PENITÉNCIARIOS...................................................................... 26
1.5 DAS ESPÉCIES DA PENA............................................................................. 30
CAPÍTULO 2 ......................................... ............................................32
PRISÕES PROVISÓRIAS.................................................................32
2.1 PRISÕES PROVISÓRIAS.............................................................................. 32
2.1.1 PRISÃO EM FLAGRANTE ................................................................................. 33
2.1.2 PRISÃO TEMPORÁRIA......................................... ..................................... 39
2.1.3 PRISÃO PREVENTIVA ............................................................................... 44
CAPÍTULO 3 ......................................... ............................................56
A PRISÃO PREVENTIVA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ......................................................................................56
11
3.1 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ............................................. 56
3.2 OS REQUISITOS DE ORDEM PÚBLICA E ORDEM ECONÔMICA COMO FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. .................................................... 61
3.3 A CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM RAZÃO DE OFENSA À ORDEM PÚBLICA E ECÔMICA. ................................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................... ...............................75
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS...................... .....................76
RESUMO
A presente monografia tem como propósito estudar as
modalidades de prisões provisórias existentes no ordenamento jurídico pátrio, quais
sejam: prisão em flagrante, prisão temporária e, como foco principal, a prisão
preventiva, analisando seus pressupostos ordem pública e econômica, em relação
ao Princípio Constitucional da Presunção de Inocência. Sob este prisma, a
Constituição Federal estabelece que somente se justificará o cerceamento da
liberdade do individuo com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Entretanto, a lei prevê a possibilidade de privação de liberdade antes do julgamento
da sentença penal condenatória definitiva. É o caso da denominada prisão
preventiva, que somente poderá ser decretada quando houver a prova da existência
do crime e indícios suficientes de autoria. Comprovada a existência do crime e
havendo indícios suficientes de autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada
como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Nesse sentido,
considerando o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, que aponta no
sentido de fiel ninguém poderá ser declarado culpado antes do trânsito em julgado
da sentença penal condenatória, o posicionamento majoritário doutrinário e
jurisprudencial entende que uma vez preenchidos os requisitos necessários à
decretação da prisão preventiva, não há afronta ao Princípio Constitucional antes
citado.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto estudar as
modalidades de prisão cautelar, tendo como foco principal a prisão preventiva
prevista no ordenamento jurídico pátrio, bem como seus requisitos ordem pública e
ordem econômica como pressupostos à decretação dessa espécie de prisão
provisória, relacionando-a com o Princípio Constitucional da Presunção de
Inocência.
O seu objetivo é compreender a prisão preventiva e seus
pressupostos ordem pública e ordem econômica, para verificar a constitucionalidade
desta prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e se tal
situação afronta ou não o Princípio da Presunção de Inocência.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da evolução
histórica da pena, seu conceito e sua aplicação, de acordo com o conceito vivido
pela sociedade, do surgimento das prisões, e, por fim, dos sistemas penitenciários e
das espécies de pena previstas em nossa legislação.
No Capítulo 2, tratando das modalidades de prisões provisórias
existentes no ordenamento jurídico pátrio, com destaque à prisão em flagrante,
prisão temporária e prisão preventiva, com o objetivo de compreender a
classificação das mesmas e analisando as peculiaridades de cada uma delas de
forma isolada, além de destacar os aspectos mais relevantes acerca do cabimento e
decretação dessas medidas.
No Capítulo 3, tratando dos requisitos ordem pública e ordem
econômica como pressupostos à decretação da prisão preventiva, e a
constitucionalidade desse antecipado cumprimento de pena, antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, analisando conforme entendimento
doutrinário e jurisprudencial se tal situação acarreta ou não afronta ao Princípio da
Presunção de Inocência.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
14
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os
requisitos ordem pública e econômica como pressupostos para a decretação da
prisão preventiva e a constitucionalidade da medida frente ao principio da presunção
de inocência.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
São indispensáveis para a decretação da prisão preventiva a
prova da existência do crime, os indícios suficientes de autoria e um dos requisitos
ordem pública ou ordem econômica conforme o artigo 312 do Código de Processo
Penal,
Desde que respeitados os pressupostos e requisitos
autorizadores da prisão preventiva, bem como, se demonstrada a necessidade de
efetivação da medida cautelar para a conveniência da instrução ou aplicação da lei
penal, constata-se que a decretação da prisão preventiva não viola o Princípio da
Presunção de Inocência.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação5 foi utilizado o Método Indutivo6, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano7, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa
Bibliográfica11.
5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
6 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.
7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
8 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.
15
9 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD,
Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 10 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.
11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.
CAPÍTULO 1
DIREITO DE PUNIR
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA
Etimologicamente, o termo pena procede do latim (poema),
porém com derivação do grego (poine) significando dor, castigo, punição, expiação,
penitência, sofrimento, trabalho, fadiga, submissão, vingança e recompensa. 12
A pena surge como necessária reação de defesa dos
interesses dos indivíduos, e mais tarde, também, do grupo, do clã, da tribo, que
precisava ser protegida de ataques.
Segundo Odete Maria de Oliveira13:
[...] a pena é uma instituição muito antiga, cujo surgimento se registra nos primórdios da civilização, já que cada povo e todo o período histórico sempre tiveram seu questionamento penal, inicialmente, como uma manifestação de simples reação natural do homem primitivo para a conservação de sua espécie, sua moral e sua integridade, após, como um meio de retribuição e de intimidação, através das formas mais cruéis e sofisticadas de punição, até nossos dias, quando pretende-se afirmar como uma função terapêutica e recuperadora.
O homem primitivo, assim que passou a viver em grupo, sentiu
necessidade de reprimir aquele que tivesse agredido algum interesse de seus
membros e também punir o estranho que tivesse colocado contra alguém valor
individual ou coletivo.
Portanto, observa-se que as penas tiveram, primitivamente,
forte conteúdo religioso, pois a paz era originaria dos deuses e, tendo sido violada,
impunha-se a vingança, o castigo, contra seu agressor. 12 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. 2. ed. revista e ampliada, Florianópolis:
UFSC, 1996. p. 21 13 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 21
17
1.2 PERÍODO DAS VINGANÇAS E PERÍODO HUMANITÁRIO
Este tópico apresenta a evolução da pena na Idade Antiga
(vingança privada, vingança individual, vingança coletiva, vingança da paz social,
vingança do sangue, vingança limitada, composição e vingança divina), na Idade
Média (período da vingança pública) e no período humanitário.
A primeira fase da evolução do Direito Penal, denominada
Vingança privada, mostra um “Direito Penal” praticado pelo próprio ofendido, a quem
ficava reservado o direito de voltar-se contra o ofensor, sem nenhuma limitação.
Segundo Odete Maria de Oliveira14:
[...] era uma reação puramente instintiva do ofendido. A satisfação do lesado contra quem lhe causara um mal. Tal satisfação vinha, naturalmente, constituir nova ofensa, que deixava de ser punida pela inexistência de uma autoridade competente.
Na visão de Noronha15:
[...] a reação à agressão devia ser regra. A princípio, reação do individuo contra o individuo, depois, não só dele como de seu grupo, para, mais tarde, já o conglomerado social colocar-se ao lado destes. É quando então se pode falar propriamente em vingança privada, pois, até ai, a reação era puramente pessoal, sem intervenção ou auxilio dos estranhos.
Ocorre também, que quando um dos membros do grupo
praticava algum crime, não só o acusado respondia pelo mal cometido, mais sim, o
clã ou a tribo que pertencia arcava com as conseqüências.
A respeito da Vingança Coletiva Odete16 afirma:
[...] não é só a acusado que deve reparar o mal cometido, mas, se ele faltar, o clã, de que ele mesmo faz parte, arca com as conseqüências. [...] esse tipo de pena se colocava ao lado do vingador, exercendo uma vingança coletiva e singular, manifestada de forma ilimitada, com excessos, sem sistema nem lógica.
14 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 22. 15 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal . São Paulo: Saraiva, 1999. p. 126. 16 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 43 e 22.
18
Essa modalidade de pena era considerada uma vingança
desproporcionada, que constituía um grave prejuízo para todo o grupo.
Com o surgimento da sociedade de estrutura familiar, surgiram
duas formas de penalidades, a primeira conhecida como vingança da paz, onde a
penalidade se expressava sob a forma de privação social, e a segunda conhecida
como vingança do sangue.
Sendo assim, Oliveira17 afirma:
[...] O membro do mesmo grupo que cometia um delito era expulso da tribo ou da comunidade da paz, sem armas nem alimentos e ninguém podia auxiliá-lo, mas persegui-lo. Era atingido, também, seu patrimônio. [...] Ainda, dentro da sociedade de estrutura familiar, era conhecido outro tipo de pena, vingança pelo sangue do crime praticado. O delito era praticado por membro de outro grupo, por um estranho. “não raro a vingança do sangue provocava a retaliação contra grupos familiares inteiros, dizimando-os e destruindo tudo aquilo que lhes pertencesses.”
Surgiu no período neolítico, mais precisamente na segunda
idade da pedra, a vingança limitada. Nesse sentido, entende Maria Odete de
Oliveira18 que a Vingança Limitada:
[...] representava uma grande conquista, pois estabelecia uma proporcionalidade entre a ação e a reação do delito cometido e da pena imposta. Da vingança, até então ilimitada, passou-se para a vingança limitada e a pena punia o mal, a retribuição era de igual para igual, impondo ao delinqüente o mesmo dano ou mal por ele causado, através de aplicação do famoso primeiro talião: “oculum pro óculo – dentem pro dente. [...] Usavam, com freqüência, a castração para os crimes contra os costumes, a ablação para os crimes de difamação, a morte para os casos de homicídio. “olho por olho, o resultado era a sequeira parcial de duas pessoas; Braço por braço, a conseqüência era a invalidez de dois homens, enfraquecendo-se o grupo frente aos inimigos externos”
Enfatiza Noronha19:
[...] se alguém tirar um olho a outro outrem, perdera também um olho; se um construtor construí-se uma casa e esta desabasse sobre o
17 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 22 e 23 18 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.23. 19 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal . p. 125.
19
proprietário, matando-o, aquele morreria, mas, se ruísse sobre o filho do dono do prédio, o filho do construtor perderia a vida.
A lei de Talião surgiu como forma mais racional do que as
outras formas de vingança punitiva, mas não era reconhecida propriamente como
um gênero de pena. Porém, sua importância lhe é devida por ser a primeira fórmula
de justiça penal.
Acrescenta Odete Maria de Oliveira20:
Como o talião material não podia ser aplicado a todos os crimes, tais como aqueles praticados por omissão ou contra a propriedade, surgiu o talião simbólico, uma nova modalidade de pena de grande expressão, porém de menor rigor. [...] No Brasil, o talião simbólico encontrava-se inserido no livro V, das Ordenações Filipinas e vigiu enquanto vigoravam as Ordenações do Reino de Portugal, estendendo-se até o advento do primeiro Código Criminal do Império, datado de 1830.
Com o passar dos tempos e com a evolução dos povos,
verificou-se novo progresso no período da vingança privada, adotando-se uma forma
mais moderada de pena, a chamada composição.
Em relação à composição Odete Maria de Oliveira21 afirma:
O delinqüente poderia comprar a impunidade do ofendido, ou de seus parentes, com dinheiro, armas, ou utensílios e gado, não havendo, então sofrimento físico pessoal, mas uma reparação material proporcionalmente correspondente. O sentimento e a vingança impulsionavam a justiça e determinavam que a mesma fosse realizada. Como o talião, o sistema de composição não é considerado, ainda, um verdadeiro gênero de pena.
Esse foi o período conhecido como da vingança privada,
chamado sentimental, porque era o sentimento que provocava e demandava a
justiça.
Nessa fase, não existia ainda um Estado, mas apenas famílias,
clãs e tribos, com um nível muito baixo de organização.
20 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 24. 21 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.24.
20
Com isso, no período da vingança privada, o próprio ofendido,
ou alguém por ele, exercia o direito de punir, aplicando ao agressor penas
extremamente severas e absolutamente desproporcionais.
Na mediada em que às sociedades se desenvolvem, instalasse
um poder social, baseado nas religiões, que passa a controlar melhor as relações
sócias, modificando-se paulatinamente a natureza da sanção penal.
O segundo período pelo qual passou a pena é conhecido como
período da Vingança Divina, que surgiu com o desenvolvimento das sociedades
primitivas, não se tratando de uma vingança particular, mas sim da vingança dos
Deuses, onde a religião era o próprio direito, sendo o delito uma ofensa à divindade.
Segundo Teles22:
Á medida que as sociedades primitivas se desenvolvem, instala-se um poder social, baseado nas religiões, que passa a controlar melhor as relações sociais, e vai modificando-se paulatinamente a natureza da sanção penal. Então, já não se trata da vingança do particular, do interesse individual, mas da vingança dos deuses, cuja ira há de ser aplacada com o castigo daquele que desatendeu sua vontade.
Na visão de Noronha23:
Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que denomina repressão é a satisfação divina, ofendida pelo crime. Pune-se com o rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido.
Um dos principais Códigos da época foi o da Índia, conhecido
como Código de Manu, que tinha por escopo a purificação da alma do criminoso
através do castigo, para que pudesse alcançar a bem aventurança.
Com a evolução da civilização, as leis já não podiam ser
aceitas como simples costumes sagrados, reveladas e sancionadas pelos Deuses.
22 TELES, Ney Moura. Direito penal . 11 ed. LED, São Paulo, 1996. p. 55. 23 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal . p. 125.
21
Fortalecida a autoridade pública, tornou-se forte o Estado, com
competência para sobrepor-se, chamando para si o exercício da pena, tirando da
mão do ofendido e da vitima, ou de sua família, tal titularidade.
A pena tornou-se um dever jurídico, passando do privado ao
público, perdendo seu fundamento religioso para assumir uma finalidade
eminentemente política. Os crimes mais graves eram resolvidos pelo povo, reunindo
em comício, “provocatio ad populum”;
Nesse sentido, Foucault24 escreveu:
Na execução de pena mais regular no respeito mais exatos das normas jurídicas, reinam as forças ativas da vindita. A punição tem, então, uma função jurídica política. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante. Ele a restaura manifestando-a em todo o seu brilho. A execução pública, por rápida e cotidiana que seja, se insere em toda a série dos grandes rituais do poder restaurado (coroação, entrada do rei numa conquista, submissão dos súditos revoltados). Por cima do crime que desprezou o soberano, ela exibe aos olhos de todos uma força invencível. Sua finalidade é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um extremo, a dessimetria entre os súditos, que ousou violar a lei e o soberano todo poderoso, que fez valer a sua força.
Odete Maria de Oliveira25, afirma:
[...] A tortura era bastante empregada não só como meio de procedimento, mas como forma de penalidade: arrancavam-se ou furavam-se a língua, faziam-se incisões nos lábios, amputavam-se as orelhas, o nariz e os órgãos genitais, marcavam-se com ferro quente, fustigavam-se com bastões, usavam-se a chibata, a canga, a roda, etc.
As penas em via de regra, eram cruéis e o próprio exagero na
crueldade gerava extremo sofrimento ao condenado, levando-o muitas vezes a
morte, independentemente do tipo de delito cometido.
Afirma Bitencourt26:
24 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. p. 42. 25 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.35. 26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10 ed. São Paulo: Saraiva
2006. p.47.
22
As leis em vigor inspiravam-se em idéias e procedimentos de excessiva crueldade, prodigalizando os castigos corporais e a pena capital. O direito era um instrumento gerador de privilégios, o que permitia aos juizes, dentro do mais desmedido arbítrio, julgar os homens de acordo com a sua condição social. Inclusive os criminalistas mais famosos da época defendiam em suas obras procedimentos e instituições que respondiam a dureza de um rigoroso sistema repressivo.
Não se admitindo tanta crueldade em razão das penas
aplicadas, surge então na segunda metade do século XVIII, o período Humanitário.
No que tange o período Humanitário, menciona João José
Leal27:
Na segunda metade do séc. XVIII, consolida-se a corrente de pensamento contrária à crueldade e aos absurdos que se cometiam em nome do Direito Penal absolutista. As idéias político- filosóficas e jurídicas emergentes já não admitiam que o Direito Pena pudesse utilizar-se de tanta freqüência e de forma tão abusiva, dos castigos corporais, dos suplícios os mais diversos, dos trabalhos forçados e da pena de morte.
Surge assim, segundo Odete28, “[...] um movimento de
protesto, formado por juristas, magistrados, parlamentares, filósofos, legisladores e
técnicos do Direito, que pregava a moderação das punições e sua proporcionalidade
com o crime".
O movimento humanitário contou com a contribuição das
divulgações das teorias defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os
princípios da dignidade do homem.
Os filósofos que obtiveram maior destaque no período
humanitário foram Cesare de Beccaria, John Howard e Jeremias Bentham.
Foi Cesare Beccaria quem mais se destacou com a publicação
de seu livro “Dos Delitos e das Penas”, inspirado nas idéias defendias por
Montesquieu, Rousseau, Voltire e Locks.
27 LEAL, João José.Direito Penal Geral . 3 ed. Florianópolis: Editora OAB/SC, 2004. p.57. 28 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 39.
23
Menciona Cezar Roberto Bitencourt29 a respeito de Cesare
Beccaria:
Beccaria tinha uma concepção utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado, celebrando a máxima de que “é melhor prevenir delitos que castigá-los”. Não se subordinava a idéia do útil ao justo, mas ao contrario, subordinava-se à idéia do justo ao útil. Defendia a proporcionalidade da pena e a sua humanização. O objetivo preventivo geral, segundo Beccaria, não precisava ser obtido através do terror, como tradicionalmente se fazia, mas com a eficácia de certeza da punição. Nunca admitiu a vingança como fundamento do ius puniendi.
Acrescenta João José Leal30 a respeito de Cesare Beccaria:
Defendeu diversas idéias que, para a época, eram verdadeiramente revolucionarias: leis claras e precisas, dispensando com isto a possibilidade de interpretação arbitraria por parte dos juizes; revogação de todas as penas e castigos cruéis; pena severa apenas o suficiente para garantir a segurança social; abolição da pena de morte, que somente seria reservada para casos excepcionais; necessidade de lei anterior definindo o crime e cominando a pena, etc.
Em suma, o movimento humanitário que teve como maior
destaque o filósofo Cesare Beccaria, que foi o grande responsável pelas críticas às
cruéis punições, como suplícios ao condenado. A punição deixou de ser uma cena
de terror sobre o corpo do condenado, passando a ter o objetivo de punir o suficiente
para obter certeza da punição e garantir a segurança social.
Desse modo, foi possível compreender os diferentes estágios
de evolução histórica da pena, seu conceito e sua aplicação, de acordo com o
conceito vivido pela sociedade. A importância desse estudo se revela à medida em
que é importante a compreensão de que o cumprimento de uma prisão provisória
também significa cumprimento, de forma antecipada, de uma pena, de uma sansão
estatal.
1.3 SURGIMENTO DAS PRISÕES
No que tange ao surgimento das prisões, Oliveira31 afirma:
29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p.50. 30 LEAL, João José.Direito Penal Geral . p.58.
24
Sabe-se muito pouco das prisões primitivas. Como as condições econômicas e sociais da época não permitiam a construção de estabelecimentos penais adequados, usavam-se os mais variados sistemas de aprisionamento. Eram utilizados até buracos em forma de fossas, onde o condenado era remetido para ser exposto e lhe aplicarem suplícios. Lá apodrecia na imundice, no meio de vermes.
Já na visão de Roberto Lyra32, a prisão, inicialmente, era
somente para os animais, dessa forma o autor afirma:
[...] quando se decidiu colocar os homens na prisão decidiu-se também dar a ele um tratamento igual ao dado a um animal. Prende-se o animal para que ele não pratique a mal contra o homem, e prende-se o homem para que ele não pratique o mal contra seu semelhante.
O mesmo autor acrescenta:
[...] a prisão destinava-se aos animais irracionais. Depois os homens passaram a ser presos de qualquer forma, sendo amarrados pelo pescoço, pelos pés e pelas mãos, sendo tratados como animais irracionais. O aumento da população que se encontrava na situação de prisão exigiu nova modalidade de se manterem as pessoas sem liberdade, por isso as cavernas naturais, os túmulos e as fossas começaram a servir de local para as prisões, até que muralhas começaram a ser construídas e assim surgiram os edifícios prisionais. 33
Tendo seu surgimento na idade média, a pena de prisão era
utilizada para que os faltosos obtivessem uma reclusão solitária, para que se
arrependessem da falta cometida, podendo assim, reconciliarem com deus ao
mesmo tempo em que eram punidos.
Nesse aspecto afirma Mirabete34:
A pena de prisão teve sua origem nos mosteiros da Idade Media, “como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem ás suas celas para se dedicarem, em silêncio, á meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se assim com Deus”. Essa idéia inspirou a construção da primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, a hause
31 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.39. 32 ROBERTO LYRA in CARVALHO, Jefferson Moreira de. Prisão e liberdade provisória . São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 7. 33 ROBERTO LYRA in CARVALHO, Jefferson Moreira de. Prisão e liberdade provisória . p. 7. 34 MIRABETE, Julio Fabrrini. Manual de Direito Penal . Vol. 1 São Paulo: Atlas, 2007. p. 250
25
of Correction, construída em Londres entre 1550 e 1552, difundindo-se de modo marcante no século XVIII.
Conforme Odete35:
Para evitar a Pena de morte, a Igreja já utilizava, no sec. V, a pena de prisão, punindo o clero através da segregação que estimulava o arrependimento. O faltoso era recolhido à cela para uma reclusão solitária, chamando a esta penitência, “in pacem”. Era visitado somente pelo seu confessor ou diretor espiritual, pois a pena tinha duplo sentido, proporcionar o arrependimento para a reconciliação com Deus ao mesmo tempo que punia.
A mesma autora acrescenta que, “As prisões eram geralmente
subterrâneas, infectas e repelentes. Tais estabelecimentos, verdadeiras masmorras
do desespero e da fome, se abarrotavam de condenados, criando situações
tenebrosas e insuportáveis”. 36
Neste mesmo sentindo, menciona Mariano Ruiz Funes, citando
Prins37:
Os detidos são amontoados confusamente numa promiscuidade intolerável; achando-se submetidos ao regime mais duro, sofrem penas disciplinares corporais e são obrigados a trabalhos penosos. Só recebem alimentação mínima (pão e água). A falta de ar, alimentação e dos cuidados higiênicos mais elementares é tal que as febres infecciosas se propagam no interior das prisões, dizima, os reclusos e se transmitem para fora, produzindo verdadeiros danos à população livre.
Os prisioneiros eram ali jogados e completamente
abandonados sofrendo cruéis e indesejáveis torturas.
Verificou-se, então, que a pena de prisão teve sua origem nos
mosteiros da Idade Média, com punições impostas ao clero através da segregação
para que obtivessem uma reclusão solitária. As prisões eram geralmente
subterrâneas, onde os detidos eram amontoados, sofrendo indesejáveis penas
corporais e não possuindo alimento e nem higiene pessoal adequada.
35 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 35. 36 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 46 37 MARIANO RUIZ FUNES in OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.46.
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1.4.SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
São conhecidos os seguintes sistemas penitenciários: o
sistema Panótico, o sistema filadélfico, o sistema Auburniano, o sistema de
Montesinos, o sistema progressivo Inglês e o sistema progressivo Irlandês.
O sistema Panótico era conhecido como um tipo de prisão
celular, caracterizada pela forma radical, em que uma só pessoa podia exercer em
qualquer momento, de um posto de observação, a vigilância dos interiores das
celas.
Segundo Foucault38:
O panótico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O principio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; está é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas tem duas janelas, uma para o interior correspondente ás janelas da torre, outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário, um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recordando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas janelas, tantos pequenos teatros, em que cada autor esta sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panótico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes de suas três funções: - trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprime-se as outras duas. A plena luz e olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.
Conforme Odete39, “A primeira penitenciária panótica foi
construída nos Estados Unidos, em 1800, na cidade de Richmond, Virginia. Em
1826 foi construída a penitenciária panótica de Pittsburg, em Pensilvânia e, em
1919, a penitenciaria de Stateville.”
Surgiu na Filadélfia, no ano de 1970, onde o sistema era
conhecido como “Solitary Confinement”, e o catolicismo empregado exercia grande
38 FOUCAULT in OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.49. 39 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.50.
27
influência nos presos. O sistema era chamado também de Pensilvânico, celular ou
de Filadélfia. O sistema Pensilvânico buscava garantir a reflexão do condenado.
Acreditava-se que o indivíduo repensasse sua vida, analisasse seus erros.
Como ressalta Foucault40:
Sozinho em sua cela o detento esta entregue a si mesmo; no silêncio de suas paixões e do mundo que o cerca, ele desce a sua consciência, interrogo-a e sente despertar em si o sentimento moral que nunca perece inteiramente no coração do homem.
O sistema pensilvânico obedecia alguns procedimentos
fundamentais. A respeito deles João Farias Junior41 menciona os seguintes:
a) o condenado chegava a prisão, tomava banho, era examinado pelo medico, após vendados os seus olhos, vestiam-lhe uniforme; b) encaminhado á presença do diretor onde recebia as instruções sobre a disciplina da prisão; c) em seguida era levado á cela, desvendados os olhos, permanecendo na mais absoluta solidão, dia e noite, sem cama, banco ou assento, com direito ao estritamente necessário para suportar a vida. Muitos se suicidavam. Outros viçavam loucos ou adoeciam; d) o nome era substituído por número, aposto no alto da porta e no uniforme; e) a comida era fornecida uma vez por dia, só pela manha; f) era proibido ver, ouvir ou falar com alguém; g) a ociosidade era completa; h) o estabelecimento penitenciário de forma radical, com muros altos e torres distribuídas em seu contorno, tinha regime celular.
O sistema pensilvânico, pela sua forma rígida foi muito
criticado, pois além de ser extremamente severo, impedia a ressocialização do
condenado. Para substituí-lo foi criado o sistema Auburn.
Do fracasso do sistema filadélfico, resulta no surgimento de um
novo sistema, denominado de sistema de Auburn. Foi em 1821 em New York, que
surgiu um regime de comunidade durante o dia e isolamento noturno.
A respeito do sistema Auburn, Foucault42 completa:
40 FOUCAULT in OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 51. 41 JOÃO FARIAS JUNIOR in OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.51. 42 FOUCAULT in OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.53.
28
[...] prescreve a cela individual durante a noite, o trabalho e as refeições em comum, mas sob a regra do silêncio absoluto, os detentos só podem falar com os guardas, com a permissão destes e em voz baixa. [...] mais que manter os condenados (a sete chaves como uma fera em sua jaula), deve-se associá-lo aos outros, fazê-los participar em comum de exercícios úteis, obrigá-los em comum o bons hábitos, prevenindo o contágio moral por uma vigilância ativa e mantendo o recolhimento pela regra do silêncio. Esta regra habitua o detento a (considerar a lei como um preceito sagrado cuja a infração acarreta um mal justo e legitimo). Assim, jogo de isolamento, da reunião sem comunicação e da lei garantida por um controle ininterrupto, deve requalificar o criminoso como individuo social: ele o treina para uma (atividade útil e resignada), devolvendo-lhes hábitos de sociabilidade.
Por um lado o sistema de Filadélfia tinha como objetivo a
transformação do criminoso em homem bom e de alma pura através da reflexão de
sues atos, por outro lado, o sistema de Alburn tinha como objetivo condicionar o
apenado pelo trabalho, disciplina e o isolamento através do silêncio e da falta de
comunicação.
Um dos grandes críticos do sistema de Auburn foi o Coronel
Manoel Montesinos y Molina. Concretizou suas idéias a partir de 1834, quando foi
nomeado diretor do presídio de San Agustín, em Valência.
O sistema espanhol de Montesinos criou uma forma de
trabalho remunerado para o preso não ser explorado e suprimiu os castigos
corporais.
Segundo Odete43, “[...] sua funcionabilidade era comparada a
de um estabelecimento de segurança mínima, onde, surpreendentemente, eram
baixos os números de evasões”.
Em 1846 na Inglaterra, surge um novo sistema conhecido
como progressivo, atribuído a um capitão da Marinha Real Inglesa, Alexander
Maconochie
O capitão iniciou um trabalho que modificou a vida dos presos
vindos da Inglaterra, em condições desumanas.
43 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 54.
29
Segundo Oliveira44, Maconochie introduziu uma grande
inovação no sistema penitenciário, conhecido como “Mark system’’, ou seja:
Sistema de velas. Segundo esse sistema, a duração da pena não era determinada exclusivamente pela sentença condenatória, mas dependia da boa conduta e preso, de seu trabalho produzido e da gravidade do delito. O condenado recebia marcas ou vales quando seu comportamento era positivo e os perdia quando não se comportava bem.
Em relação ao tempo de duração da pena Odete45 afirma que
era cumprido em três períodos:
a)período da prova, com isolamento celular completo, do tipo pensilvânico; b) período com isolamento celular noturno e trabalho comum durante o dia, com rigoroso silêncio, do tipo auburniano; c) período da comunidade, com benefícios da liberdade condicional.
Esse sistema, que nasceu na Austrália, e que foi aplicado na
Inglaterra, ficou conhecido como sistema progressivo Inglês.
Em relação ao sistema progressivo Irlandês, que foi adotado na
Irlanda por Walter Crofton, afirma Odete46:
[...] consistia em transferir o recluso para as prisões intermediarias, com suave regime de vigilância, sem uniforme, com permissão para conversar, saídas dentro de um certo raio, trabalho externo no campo, objetivando o preparo do condenado para o retorno a vida, na sociedade.
O sistema progressivo Irlandês, segundo a mesma autora
organiza-se em quatro períodos, sendo eles:
No primeiro período, o prisioneiro fica sujeito à observação, durante o máximo de três meses; no segundo período, é submetido ao trabalho comum, mantido o isolamento noturno; no terceiro período, o preso é encaminhado para um estabelecimento semi-abeto ou colônia agrícola e no quarto período, recebe a concessão da liberdade condicional.47
44 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.55. 45 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.55. 46 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.56 47 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p.56
30
Após as considerações acerca dos sistemas penitenciários,
necessárias para o presente estudo, afim de que se compreendesse a evolução dos
modelos de prisões ao longo da historia, o tópico seguinte do presente trabalho
abordará as espécies de penas segundo a legislação penal brasileira em vigor.
1.5 DAS ESPÉCIES DA PENA
O Código Penal especifica quais as espécies de pena
aplicadas ao direito penal pátrio em seu artigo 32. As penas são: (I) privativa de
liberdade; (II) restritivas de direito; e (III) de multa.
Para esta pesquisa o foco principal é a pena privativa de
liberdade, em especial os requisitos ordem pública e econômica como pressupostos
para a decretação da prisão preventiva.
As penas privativas de liberdade classificam-se em: reclusão e
detenção. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi – aberto
e aberto. A de detenção, em regime aberto e semi–aberto, salvo a necessidade de
transferência a regime fechado.
Conforme o artigo 33, § 1° do Código Penal 48, considera - se:
Art. 33, § 1°. a) regime fechado – a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. b) regime semi-aberto – a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. c) regime aberto – a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
O artigo 33, § 2° do Código Penal 49 estabelece que as penas
privativas de liberdade devam ser executadas em forma progressiva, segundo o
mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses
de transferência a regime mais rigoroso:
48 BRASIL. Código Penal. Lei n. 2.848, de dezembro de 1940. Casa Civil. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848compilado.htm > Acesso 01/11/2010. 49 BRASIL. Código Penal. Lei n. 2.848, de dezembro de 1940. Casa Civil. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848compilado.htm > Acesso 01/11/2010.
31
Art. 33, § 2° . a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente , cuja pena seja igual ou superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá desde o princípio, cumpri-la em regime semi- aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos , poderá, desde o início , cumpri-la em regime aberto.
Da análise deste parágrafo, Mirabete50 menciona:
Diz-se que é obrigatório o regime fechado ao condenado à pena superior a oito anos (§ 2°, a). Essa regra, porem, sofre a exceção já prevista no caput, ou seja, de que não se pode iniciar o cumprimento da pena e de detenção em regime fechado. Nesse caso, é evidente que o condenado à pena de detenção superior a oito anos (§ 2°, b), seja reincidente ou não, deverá iniciar seu cumprimento em regime semi-aberto. De outro lado, sendo aplicada pena de reclusão ao reincidente, obrigatoriamente deverá ser imposto o regime inicial fechado, já que o regime semi-aberto e aberto, para inicio de cumprimento da pena, só são admitidos aos não-reincidentes (§ 2°, b e c).
Após as considerações acerca da evolução histórica da pena,
do surgimento das prisões, dos sistemas penitenciários e das espécies de pena
previstas em nossa legislação, no capítulo seguinte será tratado o tema relacionado
às prisões provisórias, com o objetivo de ser bem compreendida a classificação das
mesmas e sua finalidade, para que se alcance o debate acerca da
constitucionalidade desse antecipado cumprimento de pena, antes do trânsito em
julgado da sentença penal, e se tal situação acarreta ou não afronta ao princípio
constitucional da presunção de inocência.
50 MIRABETE, Julio Fabrrini. Manual de Direito Penal . p. 257.
CAPÍTULO 2
PRISÕES PROVISÓRIAS
2.1 PRISÕES PROVISÓRIAS
O termo prisão designa a privação da liberdade do individuo,
por motivo ilícito ou por ordem legal, mediante clausura, ou seja, a prisão em sentido
jurídico é a privação da liberdade de locomoção do direito de ir e vir, por motivo
ilícito ou por ordem legal.
A prisão classifica-se em duas modalidades, a prisão pena
(penal), e a prisão sem pena (processual penal, civil, administrativa e disciplinar).
A prisão pena, segundo Bonfim51:
É aquela que decorre de sentença condenatória transitada em julgado, que aplica pena privativa de liberdade. Em nosso sistema, a prisão-pena somente existe no âmbito do direito penal, sendo, portanto, de afirmar que a prisão-pena no Brasil é aquela decorrente de sentença condenatória penal transitada em julgado.
O mesmo autor52 menciona que a prisão sem pena, “é a que
não decorre de sentença condenatória transitada em julgado, não constituído pena
no sentido técnico jurídico".
A doutrina identifica quatro espécies de prisão sem pena:
prisão civil; prisão administrativa, prisão disciplinar e a prisão processual (provisória
ou cautelar).
A prisão civil, segundo o artigo 5º, LXVII da Constituição
Federal, somente é decretada em casos de devedor de alimentos e de depositário
infiel.
51 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 397. 52 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.397.
33
Já a prisão administrativa, segundo Mirabete53, “[...] após a
constituição de 1988 só pode ser decretada por autoridade judiciária, é prevista pelo
Código de Processo Penal e leis especiais”.
Por fim, a prisão disciplinar, como menciona o mesmo autor,
[...] “é permitida na própria Constituição para as transgressões militares e crimes
propriamente militares. A prisão processual penal, também denominada prisão
cautelar ou prisão provisória”.54 (art. 5º, LXI, da CF).
A prisão processual penal, também denominada prisão cautelar
ou prisão provisória, subdivide-se em três modalidades: prisão em flagrante, prisão
preventiva e prisão temporária.
2.1.1 Prisão em Flagrante
Relativamente, à origem da palavra flagrante, Tourinho filho55
esclarece que:
Flagrante, do latim flagrans, flagrantis (do verbo flagrare, queimar), significa ardente, que está em chamas, que arde, que esta crepitando. Daí a expressão flagrante delito, para significar o delito no instante mesmo da sua preparação, o delito que está sendo cometido, que ainda está ardendo... O “delito surpreendido em plena crepitação [...]”.
Sobre o tema, Mirabete56 afirma que:
A palavra flagrante é derivada do latim flagrare (queimar) e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante, resplandecente), que no léxico, é evidente, notório, visível, manifesto. Em sentido jurídico, flagrante é uma qualidade do delito, é o delito que esta sendo cometido, praticado, é o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão de seu autor, sem mandado, por ser considerado a “certeza visual do crime [...]”
No mesmo sentido, Capez57 entende que:
53 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . 18 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.361. 54 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.361 e 362. 55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . 17 rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2005 p.435 56 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 374.
34
O termo flagrante provém do latim flagrare, que significa queimar, arder. É o crime que ainda queima, isto é, que esta sendo cometido ou acabou de sê-lo. Na conhecida lição de Hélio Tornaghi, “flagrante é, portanto, o que esta a queimar, e em sentido figurado, o que está a acontecer”
O mesmo autor destaca que é, “[...] portanto medida restritiva
de liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independente
de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo
após ter cometido, um crime ou uma contravenção”58.
A prisão em flagrante é aquela realizada nas hipóteses
legalmente previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal.
O artigo 302 do Código de Processo Penal59, por sua vez,
dispõe que:
Art. 302 . Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pala autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele autor da infração.
Quanto á situação que se encontra o agente no momento da
sua captura, Bonfim60 afirma que “[...] podem-se identificar três modalidades de
flagrante: flagrante próprio; flagrante impróprio e flagrante presumido”.
No que tange ao flagrante próprio, Tourinho Filho61 destaca
que:
“Diz-se flagrante em sentido próprio quando o agente é
surpreendido praticando a infração penal, isto é, surpreendido no instante mesmo da
pratica da infração, ou então, quando acaba de cometê-la”.
57 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.251. 58 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.251 59 BRASIL. Código de Processo Penal. Lei n. 3.689 de outubro de 1941. Casa Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso . 23 maio 2010 60 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p. 405. 61 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.453.
35
Conforme Bonfim62:
“Flagrante próprio (também chamado de perfeito, real ou
propriamente dito). É a situação em que o agente é surpreendido: (i) no instante em
que está cometendo a infração ou (ii) no momento em que acabou de cometê-la.”
Sobre o mesmo aspecto, Capez63 menciona:
Fragrante próprio (também chamado de propriamente dito, real ou verdadeiro): é aquele em que o agente é surpreendido cometendo uma infração penal ou quando acaba de cometê-la (CPP, art. 302, I e II). Nesta ultima hipótese, devemos interpretar a expressão “acaba de cometê-la” de forma restritiva, no sentido de uma absoluta imediatidade, ou seja, o agente deve ser encontrado imediatamente após o cometimento da infração penal (sem qualquer intervalo de tempo).
Já na visão de Mirabete64, a lei equiparou duas situações
diversas, mas em dispositivos diversos:
[...] a de quem é surpreendido no ato de execução do crime (desfechando golpes na vitima, destruindo coisa alheia, subtraindo coisa alheia etc.) e a de quem já esgotou os atos de execução, causando o resultado jurídico, de dano ou de perigo (morte, lesões, dano material etc.), encontrando-se ainda no local do fato ou nas suas proximidades em situação indicativa de que cometeu o ilícito (portanto a arma homicida, com as vestes manchadas de sangue etc.).
O mesmo autor acrescenta que “[...] a lei considera também
quase flagrante delito quem é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido
ou por outra pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração”. 65
Nesse sentido, Capez66 afirma:
Flagrante impróprio (também chamado de irreal ou quase-flagrante): ocorre quando o agente é perseguido, logo após cometer o ilícito, em situação que faça presumir ser o autor da infração (CPP, art. 302, III). No flagrante impróprio, a expressão “logo após” não tem o mesmo
62 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p. 405. 63 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.252. 64 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.377. 65 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.376. 66 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.252.
36
rigor do inciso precedente (“acaba de cometê-la”). Admite um intervalo de tempo maior entre a pratica do delito, a apuração dos fatos e o inicio da perseguição. Assim, “logo após” compreende todo o espaço de tempo necessário para a polícia chegar ao local, colher as provas de elucidadoras da ocorrência do delito e dar inicio à perseguição do autor.
Sendo assim, o flagrante impróprio ocorre quando o agente é
perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer outra pessoa,
em situação que faça presumir ser ele o autor da infração.
O flagrante presumido (ficto ou assimilado) conforme destaca
Capez67, “[...] o agente é preso, logo depois de cometer a infração, com
instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da
infração (CPP, art. 302, IV)”.
Mirabete68, analisando a matéria, leciona que:
[...] Não é necessário no caso que haja perseguição, mas sim que a pessoa seja encontrada logo depois da pratica do ilícito com coisas que traduzem um veemente indicio da autoria ou participação do crime. A pessoa não é “perseguida”, mas “encontrada”, pouco importando se por puro acaso, ou se foi procurado após investigações. Para a configuração da flagrância presumida nada mais exige do que estar o presumível delinqüente na posse de coisas que o indigitem como autor de um delito acabado de cometer.
Existe controvérsia acerca das expressões logo após e logo
depois, mencionadas no artigo 302, III e IV do Código de Processo Penal. Embora
ambas as expressões possuam o mesmo significado, a doutrina tem entendido que
o “logo depois”, do flagrante presumido, comporta um lapso temporal maior do que
“logo após” do flagrante impróprio.
Nesse sentido Bonfim69 afirma que:
[...] há controvérsia acerca da existência ou não de diferença de sentido entre uma e outra expressão (logo após, em contraposição a logo depois). De um lado, entende-se que as expressões são sinônimas, indicando um decurso mínimo de tempo, quase imediato.
67 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. p.252. 68 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 377. 69 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.406.
37
De outro, sustenta-se que a expressão logo depois representa um lapso temporal menos exíguo que logo após.
No mesmo sentido Mirabete70 afirma:
É necessário para a caracterização do flagrante presumido que a prisão ocorra “logo depois” do crime. Embora essa expressão, no léxico, seja sinônima de “logo após”, tem-se admitido que há uma situação de fato que admite um maior elastério ao juiz na apreciação da hipótese. Considerando-se o interesse da repressão dos crimes, há maior margem na discricionariedade da apreciação do elemento cronológico quando o agente é encontrado com objetos indicativos do crime, o que permite estender o prazo a varias horas ou, considerando-se o problema do repouso noturno, até o dia seguinte.
Portanto, no flagrante presumido não há necessidade de
perseguição, mas sim que o agente logo depois de cometer a infração, seja
encontrado com objetos que traduzem ser ele o autor do delito.
No que tange as formalidades da prisão em flagrante, Bonfim71
“afirma 4 tipos de formalidades, sendo elas: em providências preliminares, na
lavratura do auto de prisão em flagrante, entrega da nota de culpa e a comunicação
ao juiz competente”.
Em relação às providências preliminares o mesmo autor
menciona que, “preliminarmente à lavratura do auto, deve a prisão ser comunicada à
Família do preso ou à pessoa por ele indicada, bem como deve ser cientificado do
direito à assistência de um advogado (art. 5, LXII e LXIII, da CF)”. 72
No que tange à lavratura do auto de prisão em flagrante,
Bonfim73 menciona que, “assim que a autoridade tiver conhecimento da prisão em
flagrante, seja porque ela mesma tenha presenciado a pratica de delito, lavrar-se-á o
auto de prisão em flagrante (art. 304 e 307 do CPP)”.
O auto de Prisão em flagrante é peça formal que tem por
função documentar a prisão em flagrante.
70 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.376. 71 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.409. 72 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.409. 73 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.409.
38
O Código de Processo Penal prevê a lavratura do auto de
prisão em flagrante em duas hipóteses, diferenciando a situação em que o preso é
levado à presença da autoridade daquela em que a própria autoridade venha a
presenciar o flagrante, ou quando contra ela cometer a pratica delituosa.
Em relação à prisão na presença da autoridade, Bonfim74
afirma que:
Quando a infração penal for praticada na presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, não haverá condutor. O auto conterá a narração dos fatos, a voz da prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas. O auto será assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas. Finda a lavratura do auto de prisão em flagrante, será remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não for ele a própria autoridade que houver presidido o ato (art.307 do CPP). Neste caso, o juiz estará impedido de presidir a ação penal.
Em relação à prisão sem a presença da autoridade, o mesmo
autor afirma:
Se o preso é detido sem a presença da autoridade, deverá ser a ela apresentado. Nesse caso, serão ouvidos, seguindo a ordem legal, o condutor, as testemunhas e, por fim, o conduzido (art. 304 do CPP). Se tiver presente, o ofendido também deve ser ouvido. Aplicam-se ao interrogatório do conduzido as regras pertinentes ao interrogatório judicial, no que couber (art. 185 a 195 do CPP). 75
Bonfim76 acrescenta que “[...] Com a reunião das peças (oitiva
do condutor, testemunhas e interrogatório do preso), será lavrado o auto e o
conduzido recolhido à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança”.
O mesmo autor afirma que em relação à nota de culpa, “[...]
nada mais é do que o documento que informa ao preso a razão da sua prisão e a
identidade de quem a prendeu (art. 5º, LXIV, da CF)”. 77
74 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.409. 75 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.411. 76 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 411. 77 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.412.
39
Até 24 (vinte e quatro) horas após a prisão, deverá ser dada a
nota de culpa ao preso, discriminando o motivo da prisão, sem a necessidade de
indicar com perfeição formal o dispositivo em que o conduzido se encontra incurso.
Lavrado o auto de prisão em flagrante, à prisão deverá ser
imediatamente comunicada ao juiz competente.
Em relação ao prazo para a comunicação da prisão em
flagrante ao juiz, Bonfim78 afirma:
[...] A Lei n. 1.449, de janeiro de 2007, alterou o artigo 306 do CPP que, em seu §1, passou a vigorar com a seguinte redação: ”Dentro em 24 h (vinte e quatro hora) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante, acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria publica”.
Portando, o prazo máximo que a autoridade policial tem para
remeter o auto de prisão em flagrante ao juiz é de 24 (vinte e quatro) horas.
Em suma, a prisão em flagrante corresponde à modalidade de
prisão provisória efetuada no momento em que o crime esta sendo cometido; acaba
de ser praticado; é perseguido logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer pessoa, em situação que o faça presumir ser o autor da infração; é
encontrado logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis, que façam
presumir ser ele o autor da infração. O próximo item terá como objeto de pesquisa a
prisão temporária.
2.1.2 PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária foi criada pela Medida Provisória n. 111, de
24 de novembro de 1989, sendo convertida na Lei n. 7960, de 21 de dezembro de
1989.
Conforme Mirabete79, “A prisão temporária, não se trata porem
de medida exclusiva da legislação brasileira, pois a adotam, entre outros países,
Portugal, Espanha, França, Estados Unidos etc.”.
78 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p.412.
40
Para Nucci80, “A prisão temporária é uma modalidade de prisão
cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se
tratar de apuração de infração penal de natureza grave”.
No mesmo sentido, Mirabete81 afirma que a prisão temporária,
“[...] trata-se de medida acauteladora, de restrição da liberdade de locomoção, por
tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes
graves, durante o inquérito policial”.
A respeito do inquérito policial, o mesmo autor assim afirma:
O inquérito policial é todo o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da pratica de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como o auto de flagrante, exames periciais etc. Seu destinatário imediato é o Ministério Público (no caso de crime que se apura mediante ação penal publica) ou o ofendido (nas hipóteses de ação penal privada), que com ele formam sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou queixa. O destinatário mediato é o juiz, que nele também pode encontrar fundamento para julgar. 82
Sendo o inquérito policial um instrumento usualmente adotado
na investigação processual, a prisão temporária somente será decretada pelo juiz
durante o inquérito policial, para reunir elementos necessários para a apuração da
prática delituosa, restringindo assim a liberdade de locomoção do individuo.
A prisão temporária encontra-se prevista no artigo 1º da lei
n.7960, de 21 de dezembro 198983, é cabível nos seguintes casos:
Artigo 1º : Caberá prisão temporária: I- quando imprescindível para as investigações do Inquérito Policial; II- quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
79 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p. 397 e 398. 80 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . 5 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p.606. 81 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p. 398. 82 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 60. 83 BRASIL. Lei n. 7.960 de dezembro de 1984 . Disponível em <http://www.planalto.gov.br>Acesso.
01/11/2010.
41
III- quando houver fundadas razoes, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°) ; j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n. 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986).
No que tange aos fundamentos da prisão temporária,
Mirabete84 acrescenta que será permitida a prisão temporária:
[...] quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (art. 1, inc.II). Destina-se a norma, ainda, a possibilitar o bom andamento do inquérito policial, que ficaria prejudicado pelo desaparecimento do indiciado, difícil de ser localizado por não ter residência determinada ou por não conhecer sua verdadeira identidade.
No mesmo sentido, Tourinho Filho85 afirma que “A doutrina e o
direito pretoriano deixaram de lado a interpretação gramatical o texto legal,
restringindo a medida odiosa apenas àqueles crimes enumerados no inc. III
supracitados”. Em fase dessa interpretação, temos que:
1) a prisão temporária deverá ficar contida no circulo restrito daquelas infrações elencadas no inc. III do art. 1 do citado diploma; 2) o juiz somente poderá decretá-la, mercê de uma representação da autoridade Policial ou de um requerimento do Ministério Publico,
84 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p. 398 e 399. 85 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.487
42
quando houver fundadas razões pertinentes à autoria ou participação; 3) é preciso se demonstre seja a medida imprescindível às investigações policiais, ou 4) não tenha o indiciado residência fixa ou, ainda que a possua domicílio certo, não forneça elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;86
Como já mencionado, nos termos do artigo 2º da lei n. 7960, a
prisão temporária pode ser decretada em face da representação da autoridade
policial ou de requerimento do Ministério Público.
A prisão temporária somente será decretada pelo juiz durante o
inquérito policial, nunca durante a ação penal.
Se tratando a prisão provisória de uma medida realizada
durante o inquérito policial, não se prevê a possibilidade de decretação de ofício pelo
juiz.
Consoante entendimento, Rangel 87afirma:
A prisão temporária somente poderá ser decretada (como toda e qualquer prisão) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, porém não poderá ser decretada, ex officio, pelo juiz, pois, pela redação do artigo 2º, caput, somente em fase de representação as autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público. [...]
No mesmo sentido, Mirabete88 acrescenta que:
Não pode o Magistrado determinar, sem pedido, a custodia que é sempre condicionada à iniciativa da autoridade policial ou do Ministério Público. Apresentada a representação da autoridade policial, o juiz antes de decidir, deve ouvir o Ministério Público que opina livremente, favor ou não da representação, não vinculando seu parecer a decisão do magistrado.
Conforme Mirabete89, “O juiz tem o prazo de 24 (vinte e quatro)
horas contado a partir de recebimento da representação ou do requerimento para
decidir sobre a prisão, em despacho fundamentado, sob pena de nulidade”.
86 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p.487. 87 RANGEL, Paulo. Direito processual Penal . 2007. p. 653. 88 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 401.
43
Ainda nesse sentido, dispõe Rangel90:
É imperativo constitucional (Cf. art. 93, IX) que todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário devam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. É o Princípio da Motivação das decisões judiciais. Desta forma, o despacho que decretar a prisão temporária deve, efetivamente, mostrar a existência do periculum in mora (periculum libertatis) e do fumus boni iuris (fumus comissi delicti), sob pena de ser atacado via Habeas Corpus, por manifesta ilegal. [...]
O mandado de prisão deve ser expedido em duas vias, uma
das quais deve ser entregue ao indiciado, servindo como nota de culpa.
O juiz poderá de ofício determinar esclarecimentos da
autoridade policial, determinando as medidas cabíveis. Desta forma Mirabete91
afirma que:
[...] Quanto da decretação da prisão ou, depois de ter sido ela efetuada, o juiz poderá de ofício, ou a requerimento do Ministério Público e do advogado, determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito. São providências facultativas em que o magistrado pode obter novos esclarecimentos sobre os fatos, verificar a necessidade ou conveniência da medida, para mantê-la ou não, e assegurar-se também de que não houve constrangimento ilegal contra o preso, determinando as medidas cabíveis diante dos esclarecimentos obtidos e do resultado do exame de corpo de delito.
As determinações solicitadas de ofício pelo juiz para
esclarecimentos a respeito do preso não são obrigatória, sendo providências
meramente facultativas.
No que tange ao prazo referente à prisão temporária, Bonfim92
considera que há dois prazos diversos previstos na legislação:
Tratando-se dos crimes previstos no rol da lei n. 7960\89, o prazo de duração será de 5 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.Cuidando-se de crimes hediondos, pratica da tortura, trafico ilícito de substâncias
89 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 401. 90 RANGEL, Paulo. Direito processual Penal . 2007. p. 653. 91 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p.402. 92 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.424.
44
entorpecentes e drogas afins e terrorismo, o prazo será de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.
Sob pena de dar ensejo a constrangimento ilegal, deve ser
fundamentada a prorrogação da medida sempre em caso de extrema e comprovada
necessidade.
Segundo o artigo 3º da lei, o preso temporário deverá
permanecer, obrigatoriamente, separado dos demais detentos.
Com fulcro no artigo 2º da lei, decorrido o prazo de detenção, o
preso deverá ser posto em liberdade, independentemente da expedição de alvará de
soltura, caso não tenha sido decretada sua prisão preventiva.
Considerando o exposto, nota-se que a espécie de prisão
cautelar conhecida como prisão temporária, possui como objetivo principal a
liberdade do acusado, por tempo determinado, a qual se faz necessária para
assegurar as investigações nos crimes de natureza grave, durante a fase do
inquérito policial ou instrução criminal, desde que respeitados os requisitos
autorizados em lei.
Após discorrer a respeito da prisão temporária, o tópico a
seguir abordará sobre a prisão preventiva, destacando os aspectos mais relevantes.
2.1.3 PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva é a espécie do gênero “prisão cautelar de
natureza processual”. È medida constritiva da liberdade do indiciado ou acusado.
Existem críticas que apontam a prisão preventiva como um mal
necessário, neste sentido menciona Tourinho Filho93:
Sem embargo das críticas que fazem à prisão que antecede à condenação definitiva, o certo é que todas as legislações a admitem como um “mal necessário”, como dizia o grande Flamand: “É uma dessas dolorosas necessidades sociais, perante as quais somos forçados a nos inclinar”
93 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.501.
45
Neste mesmo raciocínio, acrescenta Mirabete94:
[...] Embora se façam críticas ao instituto da prisão preventiva, já que suprime a liberdade do individuo antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, causando ao eventual inocente a desmoralização e a depressão aos seus sentimentos de dignidade, é ele previsto tradicionalmente em nossa ordem jurídica como em todos os países civilizados. Considerada um mal necessário, uma fatal necessidade, uma dolorosa necessidade social perante a qual todos devem se inclinar justifica-se prisão preventiva por ter como objetivo a garantia da ordem pública, a preservação da instrução criminal e a fiel execução da pena. Mas como ato de coação processual e, portanto, medida extremada de exceção, só se justifica em situações especificas, em casos especiais onde a segregação preventiva, embora um mal seja indispensável.
Pelas razões expostas, este “mal necessário”, embora receba
críticas a respeito do constrangimento do individuo em ser, antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória restrito a sua liberdade, esta devidamente
prevista no ordenamento jurídico, sendo necessário para a garantia da ordem
pública, da econômica, a preservação da instrução criminal e a fiel execução da
pena.
Juridicamente prisão preventiva pode ser conceituada,
segundo Nucci95 como “Medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou
réu por razões de necessidade, respeitado os requisitos estabelecidos em lei”.
Para Capez96, “Prisão cautelar de natureza processual
decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou processo criminal, antes do trânsito
em julgado, sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os
motivos autorizadores”.
De igual modo, Bonfim97 acrescenta:
Modalidade de prisão provisória, decretada pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, por representação do delegado de polícia ou de ofício, em qualquer momento da persecução penal, para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por convencimento da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
94 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.389. 95 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . p.604. 96 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.266. 97 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.416.
46
Na legislação anterior, a prisão preventiva era obrigatória para
determinadas hipóteses, hoje a lei processual determina a prisão preventiva uma
medida facultativa, devendo ser decretada somente quando necessária, segundo os
requisitos estabelecidos em lei.
A prisão preventiva somente poderá ser decretada quando
houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Segundo Mirabete98, “[...] a primeira existência, refere-se à
materialidade do crime, ou seja, à existência do corpo de delito que prova a
ocorrência do fato criminoso”.
A prova da existência do crime é a materialidade, isto é, a
certeza de que ocorreu uma infração penal, mediante laudos de exame de corpo de
delito, documentos, prova testemunhal e etc.
A lei exige prova da existência do crime, não basta somente
mera suspeita, é preciso que haja prova da materialidade delitiva.
Desta mesma forma, afirma Mirabete99 que “Exigindo-se
“prova” da existência do crime, não se justifica a decretação da prisão preventiva
diante da mera suspeita ou indícios da ocorrência de ilícito penal”.
Exige-se ainda para a decretação da prisão preventiva “indícios
suficientes de autoria”.
Conforme menciona Bonfim100, “Os indícios suficientes de
autoria constituem elementos idôneos, convincentes, capazes de criar no espírito do
juiz a convicção provisória de que o imputado é autor da infração.”
Diante dessa afirmação Mirabete101 afirma:
Não é necessária que sejam indícios concludentes e unívocos, como se exige para a condenação; a suficiência dos indícios de autoria é
98 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 390. 99 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 390. 100 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.416. 101 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 390.
47
verificação confiada ao prudente arbítrio do magistrado, não exigindo regras gerais ou padrões específicos que a definam.
Neste mesmo sentido, a lição de Borges da Rosa102: “[...]
devem ser tais que gerem a convicção de que foi o acusado o autor da infração,
embora não haja certeza disto. No entanto eles devem ser suficientes para
tranqüilizar a consciência do juiz.”
Para verificar se o acusado é autor da infração penal, é
necessário que o juiz verifique se há “fumus boni iuris”, desta forma Mirabete103
afirma que, “[...] em resumo, é necessário que o juiz apure se há “fumus boni iuris”,
ou seja, a “fumaça do bom direito” que aponte o acusado como autor da infração
penal”.
Já na visão de Bonfim104, “A presença do “fumus boni iuris”
(existência de prova da materialidade e indícios de autoria), entretanto, não é
suficiente para que seja decretada a prisão preventiva do acusado ou do indicado”.
Provada a existência do crime e havendo indícios suficientes
de autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal.
Em relação à garantia da ordem pública e da ordem
econômica, será explanado no próximo capítulo.
Para que se possa decretar a prisão preventiva do imputado,
não basta apenas estarem presentes os pressupostos discriminados em lei, sendo
necessárias para a decretação da prisão preventiva as hipóteses previstas no artigo
313 do Código de Processo Penal. Em todas as hipóteses, é requisito de
admissibilidade da prisão preventiva que a conduta do imputado ao acusado
constitua crime doloso.
Mirabete105 conceitua dolo:
102 BORGES DA ROSA in TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.502. 103 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 390. 104 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.419.
48
Como a conduta é um comportamento voluntário e o conteúdo da vontade seu fim, este é inseparável da ação. Assim, no comportamento que causa um resultado é indispensável verificar-se o conteúdo da vontade do autor do fato, ou seja, o fim que estava contido na ação. Toda a ação consciente é dirigida pela consciência do que se quer e pela decisão de querer realizá-la, ou seja, pala vontade. Como a vontade é o querer alguma coisa, o dolo é a vontade dirigida à realização do tipo penal. São elementos do dolo, portanto, a consciência (do fato: conduta, resultado, nexo causal) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo a fim de que o agente possa ser considerado como autor de um fato típico. O dolo porem, não inclui apenas o objetivo do agente, mas também os meios empregados e as conseqüências secundárias de seu comportamento. Há duas fases na conduta: uma interna e outra externa. A interna opera-se no pensamento do autor - e, se não passa disso, é penalmente indiferente – e a externa é a exteriorização dessa vontade. Caso o sujeito pratique a conduta nessas condições, age com dolo e a ele se podem atribuir o fato e suas conseqüências diretas, ainda aquelas não tenham sido objeto da ação. Daí o conceito legal de dolo, fundado na teoria da vontade, que inclui não só querer o resultado, mas também assumir o risco de produzi-lo.
Desta maneira, preenchido esse requisito, a medida será
possível, segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal106, nos seguintes
casos:
Art. 311 : a) se a pena prevista para o delito imputado é de reclusão; b) se o crime for punido com pena de detenção e: (i) apura-se que o indiciado é vadio ou (ii) o imputado não indicar elementos para esclarecer sua identidade, em caso de haver duvida quanto a esta; c) se o réu for reincidente em crime doloso, ou seja, tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no artigo 64, I, do Código Penal; d) se o crime envolver violência domestica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Desta forma tourinho filho107 explica as hipóteses previstas no
artigo supra mencionado:
a) nos crimes punidos com reclusão. “Do direito penal comum, a pena de reclusão é a mais severa de todas e, por isso mesmo, reservada para os delitos mais graves.”
105 MIRABETE, Julio Fabrrini. Código Penal Interpretado. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.301. 106 BRASIL. Código de Processo Penal. Lei n. 3.689 de outubro d e 1941. Casa Civil. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm>Acesso . 01/11/2010. 107 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.517 e 518.
49
b) Nos crimes punidos com detenção, quando se apura que o indiciado é vadio, ou havendo duvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la. “Os crimes apenados com detenção são aqueles menos expressivos; entretanto, a despeito ser a infração apenada com detenção, se ficar apurado, nos autos, que o indiciado é vadio.”
Nucci108 afirma que “quando o réu for vadio, aquele que mesmo
podendo e tendo oportunidade, insiste na ociosidade, evitando o trabalho, estando
presentes os requisitos do artigo 312, decretar-lhe a prisão”.
E havendo dúvida sobre a sua identidade, Tourinho Filho109
afirma que “[...] ainda que ele não o seja, e sem embargo de ser a infração punida
com detenção, poder-se-á decretar-lhe a preventiva quando, havendo duvida sobre
a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la”.
Se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em
sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto do inc. I do art. 64 do Código
Penal, Tourinho filho110 afirma:
Versa o inc. III do art. 313 do CPP sobre o reincidente em crimes dolosos. Pouco importa a natureza da infração. Desde que o indiciado tenha sido condenado, definitivamente, por crime doloso, cometendo outro da mesma ou de natureza diversa, a medida coercitiva poderá ser tomada. O dispositivo legal em apreço ressalva, apenas, esteja prescrita a reincidência. De fato, reza o inc. I do art. 64 do CP: “para efeito de reincidência...não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, não ocorre a revogação”.
Assim, segundo a legislação brasileira, permite-se a prisão
preventiva em todos os crimes dolosos mencionados no artigo 313 do Código de
Processo Penal.
Por outro lado, a prisão preventiva não poderá ser decretada
se ocorrer à hipótese do artigo 314 do Código de Processo Penal111. In verbis:
108 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . p.616. 109 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.523. 110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.523. 111 BRASIL. Código de Processo Penal. Lei n. 3.689 de outubro de 1941. Casa Civil. Disponível em
50
Artigo 314: A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal.
Tourinho filho112 afirma:
Assim, se o juiz encontrar, nos autos do inquérito ou mesmo do processo, provas que o convençam de que o réu agiu em legitima defesa própria ou de terceiro, em estado de necessidade, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de um direito, não pode decretar seu encarceramento provisório.
Consoante entendimento de Bonfim113
Se a conduta imputada ao acusado consistir apenas em contravenção penal; se houver prova de que o acusado agiu acobertado por alguma causa excludente de ilicitude (legitima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito) – art. 314 do CPP. Outrossim, se o juiz verificar, pelas provas dos autos, que o agente cometeu crime sob coação moral irresistível ou erro de proibição (causas de exclusão da culpabilidade), também não deve determinar sua prisão.
Da mesma forma afirma Mirabete114:
Utilizando-se a lei da palavra “crime”, não se permite a prisão preventiva em processo em que se apura mera contravenção. Também não se permite a custodia, embora não haja dispositivo expresso, nos casos em que o réu se livra solto, independentemente de fiança, já que nesse caso nem mesmo se permite o recolhimento em caso de prisão em flagrante. Por fim, nos termos do artigo 314, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do artigo 19, I, II ou III, do Código Penal. Refere-se a lei às excludentes da ilicitude, ou seja, o estado de necessidade, a legitima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, previstas agora no artigo 23, I, II e III, do Código Penal, diante da reforma estabelecida na Parte Geral pela lei n. 7.209\84.
Assim, não será permitida a prisão preventiva em processo que
se apura contravenção penal e, e também nos casos de ter o agente praticado fatos
no estado de necessidade, legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal e no
exercício regular do direito, ou seja, nos casos de excludentes da ilicitude.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm>Acesso . 01/11/2010
112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.523. 113 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.420. 114 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 393.
51
A decretação da prisão preventiva ocorrerá conforme o artigo
311 do Código de Processo Penal.
Sendo assim, leciona Tourinho filho115:
Tal como prescreve o art. 311 do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal. Dizendo a lei que a medida somente poderá ser decretada ante a prova da existência do crime e de indícios suficientes da autoria, e como esses elementos indispensáveis se colhem durante o inquérito ou na instrução, frisou o legislador que a prisão poderá ser decretada naquele momento, isto é, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução. Explica muito bem Camara Leal: “Compreende-se que, sem os elementos de informação do inquérito, não poderá haver prova suficiente que justifique a medida da prisão preventiva” (comentários, cit., 2, p.265), concluindo assim, não poder ser decretada antes da persecução policial.
No mesmo sentido Mirabete116 destaca que:
A custodia preventiva, conforme o artigo 311, 1º parte, pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, tanto nos casos de ação pública quanto de ação privada, desde que presentes os pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade previstos em lei. Não há qualquer obstáculo à decretação da medida antes da conclusão do inquérito policial. Já se decidiu como propriedade, que mesmo a inexistência do inquérito policial não impede a prisão preventiva se fundamentada em peças informativas demonstrativas da existência do crime e indícios da autoria apresentados com o requerimento do Ministério Público de decretação da medida.
Ainda, segundo o artigo 311 do Código de Processo Penal, o
mesmo autor acrescenta que “[...] o juiz pode decretar a prisão preventiva de ofício,
a requerimento do Ministério Público ou do querelante ou mediante representação
da autoridade policial”. 117
Em relação à decretação da prisão preventiva de ofício,
Nucci118 afirma que:
115 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.498. 116 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 393. 117 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 394. 118 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . p.605.
52
É mais uma mostra de que o juiz, no processo penal brasileiro, afasta-se de sua posição de absoluta imparcialidade, invadindo seara alheia, que é a do órgão acusatório, decretando medida cautelar de segregação sem que qualquer das partes, envolvidas no processo, tenha solicitado [...].
Segundo Mirabete119, relativamente na prisão preventiva:
Nada impede que o juiz, de ofício ou provocado, decrete a custodia logo após ter anulado o auto de prisão em flagrante delito. Tal só não é possível se houver o relaxamento do flagrante por excesso de prazo na instrução, já que, nessa hipótese, o recolhimento constitui constrangimento ilegal.
Sendo assim, é certo que não pode o réu permanecer preso
preventivamente por prazo indeterminado, sob pena de caracterizar constrangimento
ilegal. Assim decretada à prisão preventiva, não se permitem longos prazos, pois a
lei estabelece limites.
Sobre este aspecto, dispõe Bonfim120 que:
O inquérito policial devera ser concluído em até 10 dias se o imputado se encontrar preso em flagrante ou preventivamente (art. 10 do CPP); a denúncia deverá ser oferecida até 5 dias após o recebimento dos autos pelo Ministério Público (art. 46).Etc. Excedendo-se os prazos referidos sem que os atos determinados tenham sido praticados, torna-se ilegal a prisão preventiva, devendo o juiz determinar a sua revogação.
A respeito do prazo de duração da prisão preventiva, o mesmo
autor esclarece que:
O prazo de 81 dias foi adotado em sede legal, constando na lei n. 9.034\95. Dispondo sobre os crimes por organizações criminosas, que são considerados de maior complexidade, parte da doutrina passou a entender que o prazo aplicar-se-ia a todos os casos de prisão cautelar em que não houvesse prazo determinado. 121
Dispõe o artigo 315 do Código de Processo Penal122, In verbis:
119 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.394. 120 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p. 420 e 421. 121 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 421. 122 BRASIL. Código de Processo Penal. Lei n. 3.689 de outubro de 1941. Casa Civil. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm>Acesso . 01/11/2010
53
Artigo 315: O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva, será sempre fundamentado.
Segundo o entendimento de Mirabete123:
Exige-se que a autoridade judiciária esclareça em seu despacho qual ou quais fundamentos existentes para a decretação da excepcional medida que é a custódia preventiva. Sem a exposição de fundamentos suficientes à determinação, em que se mencionem os mínimos requisitos exigidos pela lei, há constrangimento ilegal à liberdade de locomoção que enseja, por falta de fundamentação ou sua deficiência, o deferimento de pedido de habeas corpus.
No mesmo sentido, Tourinho filho124 destaca:
A decisão que denegar ou decretar a prisão preventiva será sempre fundamentada, isto é, deve o juiz realçar as provas da existência do crime (ou da sua inexistência, na hipótese de denegação), bem como os indícios de autoria (ou insuficientes, quando denegar o pedido).
Ainda sobre a fundamentação, Mirabete125 acrescenta que “[...]
é indispensável que se fundamente em fatos concretos que lhe proporcione
fomentos, e não em meras suposições”.
Para Bonfim126, “A prisão preventiva poderá, no curso do
processo, ser revogada caso se verifique a falta ou a cessação do motivo que a
ensejou”.
Em relação à revogação da prisão preventiva, Mirabete127
destaca que:
A prisão preventiva apresenta o caráter rebus sic stantibus, podendo ser revogada conforme o estado da causa. Dispõe o artigo 316 que o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que subsista. Não mais presentes os fatores que recomendam a custódia preventiva, não deve ela ser mantida só porque a autoria está suficientemente provada e a materialidade da infração demonstrada. [...]
123 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p. 395. 124 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.499. 125 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p. 395 126 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.420. 127 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p. 396.
54
Tourinho Filho128 afirma:
O art. 316 diz que o juiz poderá revogar. É claro que o poderá, ai, não tem nem pode ter o sentido de mera faculdade. Cumpre ao Magistrado, apenas, constatar, com circunspeção, se os motivos que a ditaram desapareceram. Em caso positivo, outro caminho não poderá trilhar se não o da revogação. [...]
Com relação à apresentação espontânea do acusado, prevista
nos termos do art. 317 do Código de Processo Penal, não impedira a decretação da
prisão preventiva, quando a lei o autorizar.
Diante do exposto, Bonfim129 afirma:
Nos termos do art. 317, a apresentação espontânea do acusado à autoridade não impede a decretação da prisão preventiva, quando a lei autorizar. A determinação em sentido posto poderia ensejar a inaplicabilidade da medida, uma vez que bastaria ao acusado, para se livrar da prisão, apresentar-se após o seu decreto. É certo, entretanto, que o comparecimento espontâneo pode denotar a desnecessidade de que se decrete tal medida, o que ficará a critério do juiz da causa.
Finalmente, com relação ao artigo 318 do Código de Processo
Penal, o mesmo autor menciona:
[...] com relação ao quem se tiver apresentado espontaneamente à prisão, confessado o crime de autoria ignorada ou imputada a outrem, não terá efeito suspensivo à apelação interposta de eventual sentença absolutória, ainda nos casos em que o código lhe atribuir tal efeito. Observa a doutrina que na atualidade dispositivo não tem aplicação, pois assim que for absolvido, o acusado será posto em liberdade, independentemente de sua anterior apresentação e confissão. 130
Nas palavras de Mirabete131, “[...] trata-se da hipótese em que
se vislumbra arrependimento do agente que colabora com a justiça ao confessar o
ilícito. Mas o beneficio só pode ser conhecido se a autoria era ignorada ou havia erro
na imputação à terceiro.”
128 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.525. 129 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p.422. 130 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p.422. 131 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal . p.397.
55
Considerando o exposto, a prisão preventiva corresponde à
espécie de prisão cautelar, decretada durante o inquérito policial ou a instrução
criminal, a qual deve ser respeitados seus pressupostos, bem como os requisitos
legais acerca do seu cabimento, para que a medida possa ser efetiva.
Após as considerações acerca das espécies de prisões
provisórias, constantes no ordenamento processual penal brasileiro, esta pesquisa,
como antes já destacado, no capítulo seguinte abordará sobre ordem pública e
econômica como pressupostos á decretação da prisão preventiva, e a
constitucionalidade da medida frente ao Princípio da Presunção de Inocência.
CAPÍTULO 3
A PRISÃO PREVENTIVA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
3.1 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Princípio, etimologicamente, segundo Nucci132 “significa
‘causa primaria, momento em que algo tem origem, elemento predominante na
constituição de um corpo orgânico’. Preceito, regra, fonte de uma ação”.
No período medieval era dever do acusado pelo Estado, provar
sua inocência. Conforme menciona Gomes Filho133:
Considerava-se o acusado culpado pela opinião pública, desde a acusação, restando-lhe dissolver os indícios que sobre si pesavam. Decorrência dessa lógica era possibilidade de impor medidas de restrição à liberdade pessoal do acusado durante o processo.
O Princípio da Presunção de Inocência, ou da não
culpabilidade, encontra a sua base teórica no Iluminismo. Surgiu em contraposição
ao sistema inquisitorial do direito canônico-germânico, em que o acusado não era
provido de nenhuma garantia. Tal garantia nasceu da necessidade de proteção do
individuo em face do Estado absolutista, que pregava a presunção da culpabilidade.
A origem moderna do Princípio da Presunção de Inocência
remonta à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que
preconizava:
Art. 9º . “todo acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não
132 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . p.53. 133 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória : medida de exceção no direito criminal
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p.132.
57
necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela lei.” 134
Como bem leciona Bonfim135, o Princípio da Presunção de
Inocência foi positivado pela primeira vez no artigo 9º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão em 1789, com inspiração dos ideais iluministas.
Posteriormente, tal preceito foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de
Direitos e Deveres de 1948 bem como, no artigo 11 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, na Assembléia das Nações Unidas.
O artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem136
transcreve:
Art. 11 . “Toda pessoa acusada de um ato delituoso presume-
se inocente até que sua culpa venha ser apurada no curso do processo público,
durante o qual se lhe assegurem todas as garantias necessárias à defesa”.
A Presunção de Inocência, consagrada a partir de Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo Martins137:
È instituto que impõe restrições à consideração da culpabilidade de alguém, de forma a impedir que se possa dizer que alguém é culpado, e contra ele aplicar a sanção antecipadamente, sem que se tenha percorrido todo o iter necessário para sua declaração, por intermédio do processo-crime revestido nas garantias constitucionais, culminando com a prolação de sentença criminal condenatória, contra qual não caiba mais recurso.
O Princípio da Presunção de Inocência foi recepcionado pala
Constituição Federal de 1988. Em relação a sua recepção, Tourinho Filho138 afirma
134 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em
<http://educacao.uol.com.br/histori. jhtm> Acesso. 02/11/2010
135 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.76.
136 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em< http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/dezembro/dia-da-declaracao-universal-dos-direitos-do-homem.php> Acesso. 02/11/2010
137 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória : medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p.49.
138 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . 31 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 63.
58
que: “pela primeira vez o princípio da presunção de inocência, tal como proclamado
pela Declaração Universal, é consagrado em texto constitucional”.
O Princípio da Presunção de Inocência é conhecido como
Princípio do Estado de Inocência ou da Não Culpabilidade. A constituição federal139
estabelece este princípio em seu artigo 5º, LVII, In verbis:
Artigo 5º, LVII: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Do mesmo modo, afirma Moraes140:
A constituição federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.
O mesmo autor afirma que “A presunção de inocência é uma
presunção juris tantum, que exige para ser afastada a existência de um mínimo
necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a
garantia da ampla defesa.” 141
Para Tourinho Filho142, o Princípio da Presunção de Inocência,
nada mais é do “que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor
ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre”.
De acordo com Mirabete143:
A Constituição Federal não ‘declara’ a inocência, mais declara que ‘ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória’, ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declara culpado.
139 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 02/11/2010.
140 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.188. 141 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. V ed. São Paulo: Atlas,
2003. p. 269. 142 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.63 143 MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. p.45.
59
Já no entendimento Paulo Rangel144:
Ousamos, aqui, mais uma vez, divergir de parte na doutrina. [...]. Não adotamos a terminologia presunção de inocência, pois, se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, também não pode ser presumidamente inocente. A Constituição não presume a inocência, mais declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5, LVII). Entre outras palavras, uma coisa é a certeza da culpa outra bem diferente, é a presunção da culpa. Ou, se preferirem a sentença da inocência ou a presunção da inocência.
Portanto, o Princípio da Presunção de Inocência,
consubstancia-se no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença
judicial com o trânsito em julgado, ao termino do devido processo penal.
Segundo Moraes145, podemos apontar três exigências
decorrentes da previsão constitucional da presunção de inocência:
1. O ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (provas diabólicas); 2. Necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; 3. Absoluta independência funcional do magistrado na valoração livre das provas.
No mesmo sentido, Fernando Capez146, menciona que o
Princípio da Presunção de Inocência desdobra-se em três aspectos, sendo eles:
a)no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b)no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver duvida; c)no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à analise da necessidade da prisão processual.
144 RANGEL. Paulo. Direito processual penal . 16 ed. ver. Ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2009, p. 916. 145 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais : teoria geral. p.270. 146 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.267.
60
Com relação à prova penal, o Princípio da Presunção de
Inocência determina que o ônus da prova incumbirá sempre a acusação, não
precisando o réu provar sua inocência. Como bem leciona Nucci147:
Tem com garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe a acusação e não á defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado- juiz, a culpa do réu.
No mesmo sentido menciona Bonfim148:
“O Princípio do Estado de Inocência refere-se sempre aos
fatos, já que implica que seja ônus da acusação demonstra a ocorrência do delito
(actori incumbit probatio), e demonstrar que o acusado é, efetivamente, autor do fato
delituoso”.
O mesmo autor afirma que o Princípio na Presunção de
Inocência não é absoluto, pois:
[...] nos casos em que não for provada a existência do fato, não existir prova de ter concorrido para a prática da infração penal ou não existir prova suficientemente segura para fundamentar o juízo condenatório (art. 386, II, V e VII, do CPP), será o juiz obrigado a absolver o acusado, não se lhe podendo imputar a culpa por presunção. 149
Portanto, segundo Bastos150:
A presunção de inocência é um constante no Estado de Direito. Ela chega mesmo a tangenciar a obviedade. Seria um farto pesado para o cidadão o poder ver-se colhido por uma situação em que fosse tido liminarmente como culpado, cabendo-lhe, se o consegui-se fazer demonstração da sua inocência. Uma tal ordem de coisas levaria ao império do arbítrio e da injustiça. A regra, pois, da qual todos se beneficiam é de serem tidos por inocentes até prova em contrario.
147 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p.81. 148 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.78 e 79. 149 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.78. 150 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: medida de exceção no direito criminal
brasileiro. p. 53.
61
Assim, somente após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória é possível tratar o réu como culpado, fazendo incidir todas as
conseqüências jurídicas da infração penal.
Após as considerações acerca do Princípio da Presunção de
Inocência, no item seguinte serão abordados os requisitos de ordem pública e ordem
econômica como fundamentos da prisão preventiva, com o propósito de se
estabelecer uma compreensão sobre a constitucionalidade dessa modalidade de
prisão provisória.
3.2 OS REQUISITOS DE ORDEM PÚBLICA E ORDEM ECONÔMIC A COMO
FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
Para a decretação da prisão preventiva, como já mencionado
no capitulo anterior, é indispensável à prova da existência do crime, os indícios
suficientes de autoria e uma das situações descritas no artigo 312 do Código de
Processo Penal.
Como a prisão preventiva é de natureza cautelar, também
devem estar atendidos dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum libertatis.
O fumus boni iuris, como já visto no capitulo anterior,
demonstra-se pela prova da existência do crime (materialidade) e de indícios
suficientes de autoria. Já o periculum libertatis (perigo da liberdade) é demonstrado
pelo preenchimento de uma das quatro hipóteses previstas pelo art. 312 do CPP, as
quais podem ser divididas em dois grupos: hipóteses instrumentais, que já foram
abordadas no capitulo anterior, e hipóteses de proteção da coletividade, que serão
abordadas neste item, que são á garantia de ordem pública e garantia da ordem
econômica.
62
Primeiramente segundo Nucci151 vale destacar que, “garantia
da ordem pública deve ser visualizada pelo trinômio gravidade da infração +
repercussão social + periculosidade do agente”.
A hipótese de interpretação mais ampla e insegura na
avaliação da necessidade da prisão preventiva, é a garantia da ordem pública.
Ainda em relação à garantia da ordem pública, Nucci152 afirma:
Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela pratica de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando aqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.
Na visão de Tourinho Filho153,
[...] entende-se por ordem pública a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais, sem que se consiga surpreende-lo em estado de flagrância; se estives fazendo apologia de crime, ou incitando ao crime, ou se reunindo em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública.
Já nas palavras de Bonfim154:
O significado da expressão “garantia da ordem pública” não é pacífico na doutrina e na jurisprudência. Buscando a manutenção da paz no corpo social, a lei visa impedir que o réu volte a delinqüir durante a investigação ou instrução criminal (periculosidade). Pretende, também, resguardar a própria credibilidade da justiça, reafirmando a validade e a autoridade da ordem jurídica, posta em chegue pela conduta criminosa e por sua repercussão na sociedade.
Consoante entendimento do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina155:
151 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. p.602. 152 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.602 153 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.623 e 624. 154 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.79.
63
[...] No conceito de ordem pública não se visa apenas prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser revelada pela sensibilidade do Juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa. (Habeas corpus n. 01.000139-5, de São Miguel do Oeste, Relator Des. Nilton Macedo Machado, Câmara de Férias, julgado em 24/1/2001) (HC n. 2006.032440-3, da Capital, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 19/9/2006).
Portanto, a expressão garantia da ordem pública, representa a
tranqüilidade que deve existir no meio social, impedindo assim que o agente solto
continue a delinqüir durante a instrução ou investigação criminal, perturbando essa
paz no convívio social.
Em relação à periculosidade do réu, a mesma tem sido
apontada como o fator preponderante para a custódia cautelar.
Em outras palavras Nucci156 afirma que o “[...] fator responsável
pela repercussão social que a prática de um crime adquire é a periculosidade
demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela analise de seus antecedentes e
pela maneira de execução do crime”.
Assim, a periculosidade do agente, desde que aferida a partir
das circunstâncias em que o crime foi cometido, é suficiente para fundamentar o
decreto de prisão preventiva.
Nucci157 exemplifica:
[...] que um simples estelionato, cometido por uma pessoa primaria, sem antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas, no caso de um latrocínio, com certeza repercute negativamente no seio social, demonstrando que as pessoas honestas podem ser atingidas a qualquer tempo, pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu patrimônio, gerando assim, intranqüilidade.
E acrescenta que um delito grave:
155 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina . Hábeas Corpus n. 2006.032440-3, da Capital,
rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 19/9/2006. Disponível em <http:// http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/index.action> Acesso em 20/10/2010
156 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.603. 157 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.602 e 603.
64
[...] normalmente são todos os que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa - associado à repercussão causada em sociedade, gerando intranqüilidade, além de se estar diante de pessoa reincidente ou com péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da prisão preventiva. 158
A expressão clamor público, que expressa à garantia da ordem
pública, torna-se uma questão controversa e de difícil analise. Segundo Nucci159:
Crimes que ganham destaque na mídia podem comover multidões e provocar, de certo modo, abalo à credibilidade da Justiça e do sistema penal. Não se pode, naturalmente, considerar que publicações feitas pela imprensa sirvam de base exclusiva para a decretação da prisão preventiva. Entretanto, não menos verdadeiro é o fato de que o abalo emocional pode dissipar-se pela sociedade, quando o agente ou a vitima é a pessoa conhecida, fazendo com que os olhos se voltem ao destino dado ao autor do crime.
O mesmo autor afirma que “nesse aspecto, a decretação da
prisão preventiva pode ser uma necessidade para a garantia de ordem pública, pois
se aguarda uma providência do judiciário como resposta a um delito grave,
envolvendo pessoa conhecida”. 160
Por outro lado, o clamor público, sozinho, não é o bastante, por
si só, para autorizar a decretação da prisão preventiva.
Em relação a esse aspecto Tourinho Filho161 menciona que o
STF e o STJ entendem que o clamor público isoladamente não autoriza a
decretação da prisão preventiva, sendo assim, vejamos o entendimento de ambos:
O STF cimeiro, do nosso Poder Judiciário, em decisão magnífica, observou: “o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da pratica da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu,
158 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. p.603. 159 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.609. 160 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.603. 161 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.625.
65
não sendo licito pretender-se, nessa matéria, for incabível, a aplicação analógica do que se contem no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes. A acusação penal por crime hediondo não justifica, só por si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou réu” (HC 80.719/ SP,Rel. Min. Celso de Mello, DJU,28-9-2001).
O STJ segui-lhe a mesma esteira: “o decreto cautelar é medida excepcional não obrigatória, cabendo à autoridade judiciária competente decidir da conveniência ou não de sua imposição, em despacho devidamente fundamentado, apontando as provas da existência do crime e do envolvimento da pessoa do indiciado ou acusado, além de demonstrar, com base em elementos de fato, a necessidade da custodia. O clamor público que justifique a adoção de medidas necessárias para garantia da ordem pública há de ser espontâneo e imediato, constituído-se em manifestação pronta de revolta da coletividade à atitude tida como socialmente afrontadora. Convocações feitas para manifesto em carreatas e passeatas, com hora e local previamente marcados, através de chamamentos publicados pela imprensa local, não legitimam a imposição da preventiva, com base no mencionado clamor público. Inexistindo justificações plausíveis para a mantença da custodia cautelar, não subsiste a premissa da necessidade da prisão para garantia da aplicação da lei penal e/ou da ordem publica” (RHC 4.724/PR, BJU, 26-2-1996, p. 4031).
Lima162 acrescenta que o clamor público, “pode ter o sentido de
vingança ou revolta, mormente numa época em que os meios de comunicação em
muito influem na formação da opinião pública, que pode, assim, ser facilmente
manipulada por interesse privados”.
Como visto, predomina o entendimento segundo o qual o
clamor público por si só não autoriza o decreto de prisão preventiva.
Portanto a garantia da ordem pública visa buscar a paz e a
tranqüilidade no meio social, impedindo, através da prisão preventiva, que o agente
solto continue a delinqüir durante a investigação ou instrução criminal, garantindo a
credibilidade da justiça, em crimes que provoquem grande clamor público.
162 LIMA. Marcellus Polastri. Tutela Cautelar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 260.
66
Em relação à garantia de ordem econômica, é permitida a
prisão preventiva, segundo as hipóteses trazidas pela lei n. 8.884, de 11-6-1994163,
conhecida como lei Antitruste, que em seu artigo 20 menciona in verbis:
Artigo20: Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, tenham por objetivo ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II- dominar mercado relevante de bens ou serviços; III- aumentar arbitrariamente os lucros; IV- exercer de forma abusiva posição dominante.
A lei fez uma alteração no artigo 312 do Código de Processo
Penal para instituir entre as hipóteses de cabimento da prisão preventiva a "garantia
da ordem econômica".
No que tange à garantia da ordem econômica Nucci164 afirma:
É uma espécie de gênero anterior (garantia da ordem pública). Nesse caso, visa-se, com a decretação da prisão preventiva, impedir que o agente, causador de seriíssimo abalo à situação econômico-financeiro de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área.
Acrescenta Bonfim165 “[...] que o encarceramento visa impedir
que o indiciado ou réu continue sua atividade prejudicial à ordem econômica e
financeira. Busca, também, salvaguardar a credibilidade da justiça, afastando a
sensação de impunidade”.
Como mencionado na garantia de ordem pública, a garantia da
ordem econômica, segundo Nucci166, deve também ser visualizada pelo trinômio
gravidade da infração + repercussão social + periculosidade do agente, “[...] de
maneira a garantir que a sociedade fique tranqüila pela atuação do Judiciário no
163BRASIL.Lei8.884,de11-6-1994 .Disponível em <http://www.procon.pr.gov.br> Acesso em
02/11/2010 164 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.604. 165 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. p.458. 166 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal . p.604.
67
combate à criminalidade invisível de muitos empresários e administradores de
valores, especialmente os do setor público”.
Para a garantia da ordem econômica, Lima167 exemplifica o
“comerciante que açambarca, sonega, destrói ou inutiliza bens de produção ou de
consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente,
a concorrência”.
Em relação à decretação da prisão preventiva para a garantia
da ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal168 assim decidiu:
HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM 21.06.07. PACIENTE PRESO EM VIRTUDE DE CONDENAÇÃO EM OUTRA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DE SUPOSTA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA QUE SE ALICERÇA NOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1.A exigência de fundamentação do decreto judicial de prisão cautelar, seja temporária ou preventiva, bem como do indeferimento do pedido de liberdade provisória, tem atualmente o inegável respaldo da doutrina jurídica mais autorizada e da Jurisprudência dos Tribunais do País, sendo, em regra, inaceitável que a só gravidade do crime imputada à pessoa seja suficiente para justificar a sua segregação, antes de a decisão condenatória penal transitar em julgado, em face do princípio da presunção de inocência. 2.Sendo induvidosa, porém, a ocorrência do crime e presentes suficientes indícios de autoria, não há ilegalidade na decisão que determina a custódia cautelar do paciente, se presentes os temores receados pelo art. 312 do CPP. 3.In casu, além da materialidade do delito e de indíciossuficientes de autoria, a decretação da constrição cautelarfundou-se, primordialmente, na necessidade de preservar a ordem pública e econômica, evidenciada no grande poder de reestruturação e de organização do grupo criminoso, bem como na conseqüente possibilidade de retorno à prática das atividades criminosas, que permitiram a reciclagem de milhões de reais obtidos com o narcotráfico e que revelam possuir a organização criminosa uma estrutura altamente complexa e estável, detentora de um poder econômico elevado, além de possuir atuação interestadual, conexões
167 LIMA. Marcellus Polastri. Tutela Cautelar no Processo Penal. p. 261. 168 BRASIL. Superior Tribunal Federal . Processual Penal. Hábeas Corpus Liberatório. Hábeas
Corpus n. 96235 / GO, da 5ª Turma. Data de julgamento 20 de novembro de 2008. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> Acesso em 20/10/2010
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internacionais, diversificação nos métodos de lavagem de capitais, prática criminosa reiterada e integrantes residentes no exterior. 4.Ademais, o decreto de prisão preventiva, além de consignar a necessidade de preservar a ordem econômica, em razão do (a) sofisticado esquema voltado à reciclagem de dinheiro, utilizando-se de empresas fictícias e testas-de-ferro, (b) do grande volume de dinheiro movimentado, (c) da constante utilização do sistema bancário para tal movimentação e (d) da quantidade de bens adquiridos, também amparou-se no risco efetivo de fuga do paciente para Portugal, seu País de origem, com o qual sempre manteve fortíssimas relações. 5.A preservação da ordem pública não se restringe às medidas preventivas da irrupção de conflitos e tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinqüência. 6.Inexiste nulidade em virtude de ter sido adotado o parecer do Ministério Público em primeira instância, como razões de decidir, máxime quando este baseou-se em fundamentos concretos e legítimos para fundamentar a prisão preventiva, como ocorre no caso em tela. 7.Parecer do MPF pela denegação da ordem. 8.Ordem denegada.
Portanto, preenchido um dos requisitos de ordem pública ou da
ordem econômica, que objetiva de uma maneira geral a tranqüilidade no meio social,
é cabível a decretação da prisão preventiva.
O próximo item do presente trabalho, a partir dos conceitos
supra que elucidaram os requisitos necessários à decretação da prisão autos da
sentença, abordará acerca da constitucionalidade da prisão preventiva decretada em
razão de ofensa à ordem pública ou econômica, e se tal situação acarreta ou não
afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.
3.3 A CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DECR ETADA EM
RAZÃO DE OFENSA À ORDEM PÚBLICA E ECÔMICA.
Como abordado no primeiro item, o Princípio da Presunção de
Inocência está previsto no artigo 5° da Constituiçã o Federal169, o qual dispõe que
169 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>Acesso em: 02/11/2010.
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“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”. Por conseguinte, a pessoa acusada é presumida inocente até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Primeiramente, é de grande importância entender que a prisão
anterior à condenação não pode ser utilizada como forma antecipada de aplicação
da pena, pois o aprisionamento provisório de qualquer espécie não se confunde, não
tem o propósito, não é aceito como antecipação da pena.
Neste aspecto, afirma Fernando de Almeida Pedroso170, “[...]
são interesses e proteção sociais, e não uma antecipação de uma condenação, que
se constituem no fundamento exponencial da espécie em exame da custodia
provisória”.
E acrescenta Barreto171:
A exigência do fim processual da privação de liberdade implica que a prisão provisória apenas pode ser utilizada para garantia do processo penal, de forma que não pode ter característica substantiva, de imposição antecipada da pena. Ela deve representar um meio para a obtenção de um fim, que apenas será alcançado com a sentença penal.
E afirma lima172:
[...] o que não pode é a cautelar prisional se traduzir em uma antecipação de pena, ou seja: impor-se a sanção penal a quem ainda não foi considerado culpado de forma irrecorrível e, assim, por conseqüência, está se justifica para fins de assegura os fins do procedimento penal e, o que é importante consignar, sempre que a medida seja necessária.
Conforme Antonio Magalhães Gomes Filho173:
170 FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO in MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória :
medida de exceção no direito criminal brasileiro. p.100. 171 BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e prisão provisória em casos de furto : da
presunção de inocência à antecipação da pena. São Paulo: IBCCRIM, 2007. p. 34. 172 LIMA. Marcellus Polastri. Tutela Cautelar no Processo Penal. p. 208. 173 ANTÔNIO MAGALHAÊS GOMES FILHO in LIMA. Marcellus Polastri. Tutela Cautelar no
Processo Penal. p. 208.
70
A luz da presunção de inocência, não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição, ou que constituem corolário automático da imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória, em que a imposição na medida independe da verificação concreta do periculum libertatis.
Portanto, a prisão anterior à condenação não pode ser utilizada
como forma de antecipação da aplicação da pena, devendo obter um fim que será
apenas alcançado com a sentença penal.
Por garantia de ordem pública e ordem econômica entende-se
que a prisão preventiva será necessária para que se alcance a tranqüilidade no meio
social, impedindo que o agente solto continue a delinqüir durante a investigação ou
instrução criminal.
Para não haver ilegalidade com a prisão provisória, é
necessário que estejam presentes o fumus boni iuris e periculum in mora, além da
devida fundamentação do magistrado, para que possa haver a constrição da
liberdade do individuo.
Em decorrência do Princípio da Presunção de Inocência deve-
se concluir que a prisão do acusado antes da sentença definitiva, só deve existir se
preenchidos os requisitos e pressupostos que autorizam a prisão preventiva,
descritos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Nesse aspecto a jurisprudência174 entende:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECISÃO FUNDAMENTADA. RÉU ESTRANGEIRO E SEM RESIDÊNCIA FIXA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A prisão preventiva calcada na periculosidade e na continuidade delitiva está justificada para garantia da ordem pública. Precedentes do eg. Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente justificou de maneira fundamentada a necessidade de mantê-lo custodiado cautelarmente, bem como demonstrou a presença dos pressupostos
174 BRASIL. Tribunal de Justiça . Recurso Criminal n 2010.045620-8, da 2ª Câmara. Data de julgamento 14 de outubro de 2010. Disponível em < http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/index.action> Disponível em 20/10/2010.
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autorizadores da decretação da prisão preventiva do ora paciente, nos termos em que descritos no art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Havendo prova da existência de crime e indícios suficientes de autoria, basta a presença de apenas um dos pressupostos do art. 312, do Código de Processo Penal, para a decretação/manutenção da prisão preventiva. 4. Não há se falar em constrangimento ilegal pela falta de fundamentação do decreto prisional, se restou demonstrada a necessidade da medida constritiva, como garantia da ordem pública, com expressa menção a dados concretos do processo. 5. O paciente é estrangeiro, não comprovando possuir ocupação definida, nem residência fixa no distrito da culpa, circunstâncias que corroboram a manutenção da prisão cautelar para garantir a aplicação da lei penal, tendo em vista que é perfeitamente previsível que solto possa evadir-se do distrito da culpa, dada sua condição de estrangeiro, sem vínculo com o Brasil. 6. Constrangimento ilegal não verificado.
Sendo assim, havendo prova da existência do crime, indícios
suficientes de autoria e um dos pressupostos previsto no artigo 312 do Código de
Processo Penal, pode ser decretada a prisão cautelar.
Conforme elucidado, o objetivo deste trabalho está em verificar
se a decretação da prisão preventiva, tendo como pressupostos a ordem pública e
econômica ofende ou não o Princípio da Presunção de Inocência.
A respeito desta ofensa, a súmula 9 do STJ175 dispõe:
Súmula 9: A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.
Nas palavras de Capez176: “[...] nem poderia ser diferente, já
que a própria Constituição admite a prisão provisória nos casos de flagrante (CF, art.
5, LXI) e crimes inafiançáveis (CF, art. 5, XLIII) e autoriza, a contrario sensu, o
legislador a proibir a liberdade provisória (CF, 5, LXVI)” ;
A respeito deste aspecto, acrescenta Moraes177:
175 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 09. Disponível em <http://www.stj.jus.br> Acesso
em 06/11/2010. 176 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal . p.26. 177 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais : teoria geral. p.267.
72
A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu estatus libertatis. Dessa forma, permanecem validas as prisões temporárias, preventivas, por pronuncia e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgados.
Afirma Fernando capez:
[..] a prisão preventiva, bem como todas as demais modalidades de prisão provisória, não afronta o principio constitucional do estado de inocência, mas desde que a decisão seja fundamentada e estejam presentes os requisitos da tutela cautelar (comprovação do perigo da demora de se aguardar o transito em julgado, para só então prender o acusado.
Acrescenta Ishida178:
Cumpre notar que tal principio não encontra incompatibilidade com a prisão para apelar. O fundamento principal é de que a cautelaridade (como garantia da ação principal) continua a ser mantida. Isso significa que o juiz decide ou não se vai manter o réu preso (art. 387, parágrafo único). Não é porque é presumivelmente inocente que não pode aguardar o recurso preso. Não mais se exige como condição para apelar o recolhimento à prisão.
Portanto, desde que a decisão da prisão seja fundamentada e
estejam presentes os requisitos da tutela cautelar, a prisão preventiva como todas
as demais modalidades de prisão provisória, não afrontam o Princípio da Presunção
de Inocência.
Relativamente à prisão preventiva em face do Princípio da
Presunção de Inocência, Bonfim179 entende que: “a prisão preventiva é medida
constritiva de liberdade do indiciado ou acusado. Mesmo assim, é compatível com o
principio da não culpabilidade, previsto na constituição federal. [..]”
178 ISHIDA, Valter Kenji: Processo Penal – São Paulo: atlas, 2009 pg. 35 e 36. 179 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal . p.385.
73
Sobre este aspecto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina180,
assim decidiu:
Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/2006, ART. 33, CAPUT) - PRISÃO EM FLAGRANTE - PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA DEFERIDO NA ORIGEM - INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - VEDAÇÃO DO BENEFÍCIO PELA LEI N. 11.343/2006 (ART. 44) - NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA - CONCRETA POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO CRIMINOSA - EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - EXEGESE DO ART. 312 DO CPP - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - INOCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE SER O PACIENTE PRIMÁRIO, COM BONS ANTECEDENTES, RESIDÊNCIA FIXA E TRABALHO LÍCITO - FATORES QUE NÃO OBSTAM A MANUTENÇÃO EM CÁRCERE - RECURSO PROVIDO. I - A legitimação da PRISÃO CAUTELAR , como medida excepcional que é, depende, cumulativamente, da existência do crime e de indícios de autoria, bem como da presença de qualquer das situações descritas no art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou, para assegurar a aplicação da lei penal), afigurando-se indispensável, ainda, estar fundada em razões idôneas a justificar a adoção dessa providência, cuja necessidade deve ser verificada no plano concreto, pena de violação ao disposto no art. 93, IX da CF/88. II - Diante dos princípios constitucionais da ampla defesa e da PRESUNÇÃO de INOCÊNCIA (CF/88, art. 5º, inc. XXXIX, LV e LVII), mesmo em se tratando de persecução criminal relativa ao tráfico ilícito de entorpecentes, a vedação à liberdade provisória positivada no art 44 da Lei n. 11.343/2006, por si só, não basta para a manutenção da segregação, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, da presença dos requisitos autorizadores da PRISÃO preventiva descritos no art. 312 do Código de Processo Penal. III - Justifica-se O encarceramento CAUTELAR na hipótese de constatados indícios de autoria e prova da materialidade, e verificada a necessidade do recolhimento do réu para garantia da ordem pública, nos moldes do art. 312 do Código de Processo Penal. IV - A manutenção da custódia CAUTELAR do recorrido não FERE O PRINCÍPIO constitucional da PRESUNÇÃO de INOCÊNCIA, pois devidamente contemplados, no caso em tela, os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, tratando-se de hipótese ressalvada pelo próprio constituinte originário (CF/88, art. 5º, LXI), desde que suas razões venham expressamente fundamentadas pela autoridade competente. V - A despeito da primariedade do réu, além do fato de este ser desprovido de maus antecedentes, tenha residência fixa e emprego estabelecido, a segregação se impõe como forma de proteger, de
180 BRASIL. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n 2010.045620-8, da 2ª Câmara. Data de julgamento 14 de outubro de 2010. Disponível em < http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/index.action> Disponivel em 20/10/2010.
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maneira preventiva, a sociedade ameaçada com a liberdade daqueles que lhe vêm agredindo, segundo os fortes indícios de autoria trazidos à baila.
Portanto, a prisão preventiva conforme entendimento
majoritário, não afronta o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, desde
que estejam presentes os requisitos ordem pública ou econômica previstos no artigo
312 do Código Penal.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado deste trabalho é fruto de uma pesquisa acerca das
modalidades de prisões provisórias, em especial a prisão preventiva prevista no
ordenamento jurídico pátrio, bem como seus requisitos ordem pública e ordem
econômica como pressupostos à decretação dessa espécie de prisão cautelar,
relacionando-a com o Princípio da Presunção de Inocência,
Conforme elucidado no primeiro capítulo, foi possível verificar a
evolução histórica da pena, seu conceito e sua aplicação, de acordo com o conceito
vivido pela sociedade, o surgimento das prisões e suas condições precárias
aplicadas aos detentos, e, por fim, os sistemas penitenciários e suas espécies de
pena previstas no ordenamento jurídico pátrio.
Partindo para o segundo capítulo, foram abordadas as
modalidades de prisões provisórias existentes no ordenamento jurídico pátrio, com
ênfase à prisão em flagrante, à prisão temporária e a prisão preventiva, suas
classificações e seus aspectos mais relevantes acerca do seu cabimento e da sua
decretação.
No terceiro e último capítulo, foi possível verificar o Princípio da
Presunção de Inocência, seu conceito e sua aplicabilidade, os requisitos ordem
pública e ordem econômica, seu conceito e sua aplicação, de acordo com o
ordenamento jurídico pátrio, e a decretação da prisão preventiva frente à
constitucionalidade do Princípio da Presunção de Inocência.
Em relação à primeira hipótese apresentada na presente
pesquisa, constatou-se confirmada, haja vista que para a decretação da prisão
preventiva, são indispensáveis a prova da existência do crime, os indícios suficientes
de autoria e um dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
A respeito da segunda hipótese, verificou-se confirmada
também, pois respeitados os pressupostos e requisitos que autorizam a prisão
preventiva, constatou-se que a decretação da mesma não viola o Princípio da
Presunção de Inocência.
76
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