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103 Pratta, E. M. M. & Santos, M. A. (2007). Adolescência: Relacionamento familiar e futuro ______________________________________ Disponível em www .scielo.br/p aideia____________________________________ _______________________________________________________________________________ Opiniões dos adolescentes do ensino médio sobre o relacionamento familiar e seus planos para o futuro Elisângela Maria Machado Pratta Manoel Antônio dos Santos Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil Resumo: Este estudo objetivou levantar pontos positivos e negativos do relacionamento familiar segundo a opinião de adolescentes usuários e não usuários de substâncias psicoativas, bem como identificar os planos que esses grupos apresentam para o futuro. Participaram 568 adolescentes que responderam a um questionário de auto-preenchimento. As análises envolveram a descrição da distribuição das variáveis e a aplicação do teste qui-quadrado. Os resultados mostraram que, no que se refere aos pontos positivos e negativos do relacionamento familiar, foram destacados aspectos referentes à “dinâmica familiar”. Quanto aos pontos negativos, no grupo de adolescentes que já utilizaram ou utilizam drogas, o principal tema foi a “falta de diálogo” na família. Por fim, os principais planos para o futuro que os adolescentes de ambos os grupos apresentaram envolvem questões referentes à família e à preparação e atuação profissional. Esses dados fornecem informações relevantes para o planejamento de estratégias preventivas ao uso de drogas na adolescência. Palavras-chave: Uso de drogas. Adolescência. Família. Diálogo. Futuro. Opinions of high schoolers about family relationship and their plans for the future Abstract: The aim of this study was to survey the positive and negative points within the family relationship according to the opinion of drug addicted and non-drug addicted adolescents and to identify the plans they have for their future. 568 adolescents answered a self-filling questionnaire. The analysis of distribution of variables and chi-square test showed as positive points that the “family dynamics” were highlighted. Regarding to the negative points, among the addicted adolescents, the major issue was the “lack of dialogue” within the family. Regarding the main plans for the future, adolescents from both groups mentioned family and professional preparation and performance. This data presents significant information for the development of preventive strategies against the drug addiction during adolescence. Keywords: Drug addiction. Adolescence. Family. Dialogue. Future. Opiniones de los adolescentes del bachillerato sobre el relacionamiento famili- ar y sus planes para el futuro Resumen: El objetivo fue identificar los puntos positivos y negativos del relacionamiento familiar, según la opinión de adolescentes usuarios y no usuarios de substancias psicoactivas, identificando sus planes para el futuro. 568 adolescentes respondieron un cuestionario de auto-respuesta. Los análisis de la descripción de las variables y del test qui-cuadrado, mostraron que con relación a los puntos positivos se destacaron aspectos relacionados con la “dinámica familiar”. El punto negativos indicado por los adolescentes usuarios de drogas fue la “falta de dialogo” en la familia. Finalmente, los planes para el futuro que los adolecentes de ambos grupos se referían a la familia y preparación profesional. Tornando relevantes estas informaciones para la programación de estrategias preventivas al uso de drogas en la adolescencia. Palabras clave: Uso de drogas. Adolescencia. Familia. Dialogo. Futuro.

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103Pratta, E. M. M. & Santos, M. A. (2007). Adolescência: Relacionamento familiar e futuro______________________________________Disponível em www.scielo.br/paideia____________________________________

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Opiniões dos adolescentes do ensino médio sobre o relacionamento familiar eseus planos para o futuro

Elisângela Maria Machado PrattaManoel Antônio dos Santos

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil

Resumo: Este estudo objetivou levantar pontos positivos e negativos do relacionamento familiarsegundo a opinião de adolescentes usuários e não usuários de substâncias psicoativas, bem comoidentificar os planos que esses grupos apresentam para o futuro. Participaram 568 adolescentesque responderam a um questionário de auto-preenchimento. As análises envolveram a descriçãoda distribuição das variáveis e a aplicação do teste qui-quadrado. Os resultados mostraram que,no que se refere aos pontos positivos e negativos do relacionamento familiar, foram destacadosaspectos referentes à “dinâmica familiar”. Quanto aos pontos negativos, no grupo de adolescentesque já utilizaram ou utilizam drogas, o principal tema foi a “falta de diálogo” na família. Por fim,os principais planos para o futuro que os adolescentes de ambos os grupos apresentaram envolvemquestões referentes à família e à preparação e atuação profissional. Esses dados forneceminformações relevantes para o planejamento de estratégias preventivas ao uso de drogas naadolescência.

Palavras-chave: Uso de drogas. Adolescência. Família. Diálogo. Futuro.

Opinions of high schoolers about family relationship and their plans for the futureAbstract: The aim of this study was to survey the positive and negative points within the familyrelationship according to the opinion of drug addicted and non-drug addicted adolescents and toidentify the plans they have for their future. 568 adolescents answered a self-filling questionnaire.The analysis of distribution of variables and chi-square test showed as positive points that the“family dynamics” were highlighted. Regarding to the negative points, among the addictedadolescents, the major issue was the “lack of dialogue” within the family. Regarding the mainplans for the future, adolescents from both groups mentioned family and professional preparationand performance. This data presents significant information for the development of preventivestrategies against the drug addiction during adolescence.

Keywords: Drug addiction. Adolescence. Family. Dialogue. Future.

Opiniones de los adolescentes del bachillerato sobre el relacionamiento famili-ar y sus planes para el futuro

Resumen: El objetivo fue identificar los puntos positivos y negativos del relacionamiento familiar,según la opinión de adolescentes usuarios y no usuarios de substancias psicoactivas, identificandosus planes para el futuro. 568 adolescentes respondieron un cuestionario de auto-respuesta. Losanálisis de la descripción de las variables y del test qui-cuadrado, mostraron que con relación alos puntos positivos se destacaron aspectos relacionados con la “dinámica familiar”. El puntonegativos indicado por los adolescentes usuarios de drogas fue la “falta de dialogo” en la familia.Finalmente, los planes para el futuro que los adolecentes de ambos grupos se referían a la familiay preparación profesional. Tornando relevantes estas informaciones para la programación deestrategias preventivas al uso de drogas en la adolescencia.

Palabras clave: Uso de drogas. Adolescencia. Familia. Dialogo. Futuro.

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Introdução

A família corresponde a uma instituição queexerce uma influência significativa durante todo oprocesso de desenvolvimento do indivíduo, sendoencarada, geralmente, como um grupo que apresentauma organização complexa e que está inserido emum contexto social mais amplo, mantendo com esteconstante interação (Biasoli-Alves, 2004).

Sendo assim, é na família que se dimensiona etêm início as práticas da educação e da socializaçãodas crianças (Antón, 1998; Schenker & Minayo,2003), estabelecendo-se formas e limites para asrelações que são mantidas entre as gerações maisnovas e mais velhas (Simionato-Tozo & Biasoli-Alves, 1998). É a partir do processo socializador queo indivíduo elabora sua identidade e subjetividade(Romanelli, 2002), adquirindo, no interior da família,os valores, as normas, as crenças, as idéias, osmodelos e os padrões comportamentais necessáriospara sua atuação social (Antón, 1998). A famíliaapresenta, também, um papel relevante em relação àconservação e mudança de hábitos, costumes ecomportamentos entre os membros que a compõeme entre as gerações (Suárez & Galera, 2004).

Refletindo sobre a importância da família parao desenvolvimento dos indivíduos, faz-se necessáriopontuar que as influências exercidas por essainstituição variam de acordo com as transformaçõesinerentes ao próprio âmbito familiar, as quais exigemadaptações constantes nas relações estabelecidasentre os membros que constituem a mesma (Sudbrack,2001). Isso porque a familia, como grupo social,também passa por um ciclo vital, que é dinâmico econstituído por determinadas etapas, marcadas tantopor eventos críticos previsíveis (casamento,adolescência dos filhos), quanto por eventos críticosnão previsíveis (doenças, perdas). Taisacontecimentos apresentam grande impacto nocontexto familiar, provocando uma crise que afeta,direta ou indiretamente, a todos os seus membros,como acontece, por exemplo, no período daadolescência, considerado como um estágio do ciclovital familiar que provoca intensas mudançasrelacionais, especialmente entre pais e filhos(Sudbrack, 2001), pois paralelamente àstransformações dos próprios jovens, a família passa

por uma etapa de intensas mudanças em seu padrãode funcionamento (Pedrebon, 2002).

Isso geralmente acontece pois, segundoCerveny e Berthoud (2001), pais e filhos encontram-se em momentos diferentes de transformação, ou seja,os adolescentes costumam questionar valores e regrasfamiliares, preocupando-se intensamente com ofuturo, enquanto seus pais se encontram em umaetapa de questionamento profissional, de reflexão ede transformação, também repensando o futuro. Épossível pontuar, então, que existe um cruzamentoentre o ciclo vital da família e o de seus membros,sendo que cada etapa envolve processos emocionaisde transição, bem como mudanças primordiais paradar seguimento ao desenvolvimento tanto individualquanto familiar (Carter & McGoldrick, 1995;Simionato-Tozo, 2000).

Encarada como uma fase do Ciclo de VidaFamiliar, a adolescência apresenta algumas tarefasparticulares, que envolvem todos os membros dafamília (Penso & Sudbrack, 2004). Assim, pode-sedizer que esta etapa se constitui, para o indivíduo quea vivencia, como uma fase de transição da infânciapara a idade adulta, evoluindo de um estado de intensadependência para uma condição de autonomiapessoal (Silva & Mattos, 2004) e de uma condiçãode necessidade de controle externo para oautocontrole (Biasoli-Alves, 2001), sendo tal momentomarcado por uma série de rápidas e intensas mudançasevolutivas nos sistemas biológicos, psicológicos e sociais(Marturano, Elias & Campos, 2004).

A adolescência corresponde a um período dedescobertas dos próprios limites, de curiosidade porexperiências novas, de questionamentos dos valorese das normas familiares e de grande adesão aosvalores e normas referentes ao grupo de amigos, derupturas e de aprendizados, sendo uma etapacaracterizada pela necessidade de integração social,pela busca da auto-afirmação e da independênciaindividual e definição da identidade sexual (Schencker& Minayo, 2003; Silva & Mattos, 2004).

Na travessia desse processo os adultosdesempenham um papel central, uma vez queoferecem a base inicial ao indivíduo, no que dizrespeito às regras e normas essenciais para o convívioem sociedade, bem como atuam como modelos

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introjetados, geralmente como ideais, cujas atitudese comportamentos serão transmitidos (Biasoli-Alves,2001). Além disso, a importância da família para ojovem repousa também na possibilidade de manter,nessa etapa, o eixo de referências simbólicas que aorganização familiar representa, como lugar de apego,proteção, segurança, valores e informaçõesconfiáveis, sendo necessário que, para operar essafunção, a família abra espaço para esse “outro” queestá se consolidando (Sarti, 2004). Assim, énecessário que a família opere como fonte de apoioe de limites para o adolescente, mas que tambémapresente maior flexibilidade das fronteiras e dospapéis familiares, além de legitimar o princípio danegociação nas interações e uma nova modulaçãoda autoridade parental (Penso & Sudbrack, 2004).

É necessário ressaltar ainda que o processode transição adolescente não afeta apenas osindivíduos que estão passando por esse período, mastambém as pessoas que convivem diretamente comos mesmos, principalmente a família, constituindo-se,portanto, como um processo freqüentemente difícil edoloroso tanto para os adolescentes quanto para seuspais. Isso porque as grandes mudanças oriundasdessa etapa propiciam o surgimento de fatores equestões que repercutem sobre o jovem e sua família(Santos, 2005). Assim, esse período dodesenvolvimento apresenta algumas condiçõesespeciais para a emergência de uma série deproblemas e conflitos que não raro eclodem dentrodo contexto familiar (Antón, 1998), sendo que muitosestudos enfatizam que há um aumento das brigas edisputas entre pais e filhos durante os anos daadolescência (Wagner, Falcke, Silveira & Mosmann,2002), uma vez que a necessidade de negociaçãoconstante, inerente a essa etapa, aumenta o potencialde conflitos entre as gerações (Marturano & cols.,2004). Entretanto, segundo essas mesmas autoras,um conflito bem negociado pode levar ao crescimento,tanto para os filhos quanto para os pais.

Nesse sentido, muitas famílias adotamestratégias específicas de resolução de conflitos,buscando adaptarem-se às transformações dos filhosadolescentes e às mudanças da própria família, bemcomo dos próprios pais. Esses recursos envolvemcompartilhar os problemas com o adolescente,flexibilizando as fronteiras, depositar confiança no

filho, preocupar-se em orientar, oferecer modelos edialogar (Cerveny & Berthoud, 2001). Essaadequação, portanto, depende da capacidade dos paisem equilibrar a supervisão da qual o adolescente aindanecessita com a concessão da independência que omesmo busca (Marturano & cols., 2004).

Além disso, estudos apontam que, a despeitodas dificuldades enfrentadas, a família continuaatuando nessa etapa da vida como um referencialimportante para o adolescente, o que se reflete nasavaliações que os jovens fazem sobre orelacionamento entre pais e filhos, do que gostam edo que não gostam na família (Ribeiro, 1992), bemcomo nos planos e escolhas que os mesmosapresentam para o futuro, uma vez que entre suaspreocupações a constituição de família e aprofissionalização ganham destaque (Wagner, Falcke& Meza, 1997).

Nesse contexto, em um estudo realizado porRibeiro (1992), constatou-se que, entre os aspectosque os adolescentes mais apreciam na família, o temamais freqüente foi “união”, seguido por “amizade”,“amor” e “sinceridade”. Por outro lado, Wagner ecols. (1997), em um estudo com 60 adolescentes de12 a 17 anos provenientes de famílias originais ereconstituídas, obtiveram dados semelhantes: osadolescentes ressaltaram o “companheirismo/união”e a “afeição” como sendo os aspectos maisvalorizados por eles no âmbito familiar, seguidos pelaquestão da “liberdade”.

Uma questão que pode ser formulada, quandolevamos em consideração os índices alarmantes deuso de drogas na adolescência, é: como se configuramesses elementos no caso dos adolescentes que utilizamou já utilizaram substâncias psicoativas?

Esse é um tema que merece atenção, uma vezque estudos têm apontado que, atualmente, o consumode drogas por adolescentes apresenta altas taxas deprevalência, ocorrendo cada vez mais em etapaprecoce (Carranza & Pedrão, 2005; Toscano Jr,2001), ressaltando-se também que o primeiro contatocom a droga geralmente ocorre na adolescência, umavez que essa fase é marcada por muitas e profundasmudanças tanto físicas quanto psíquicas, que tornamo adolescente mais vulnerável (De Micheli &Formigoni, 2000; Rebolledo, Medina & Pillon 2004;

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Rodriguez & Luis, 2004; Schenker & Minayo, 2005;Silva & Mattos, 2004).

Entretanto, apesar de os adolescentes seremencarados como um grupo de risco, no que diz respeitoao uso de substâncias psicoativas, a literatura, nogeral, aponta que os motivos que podem levá-los autilizar drogas são variados. Nesse sentido, segundoSchenker e Minayo (2005), os fatores de risco e deproteção em relação ao uso de drogas estãorelacionados a seis domínios da vida (o individual, ofamiliar, o escolar, o midiático, os amigos e acomunidade de convivência), que apresentamrelações entre si. No caso do domínio familiar,aspectos como fortes vínculos, o estabelecimento deregras e limites claros e coerentes, o monitoramentoe a supervisão, o apoio e a comunicação sãoconsiderados como fatores que protegem oadolescente do uso de drogas.

Dessa maneira, torna-se importantecompreender como o adolescente que já utilizou ouutiliza substâncias psicoativas avalia o relacionamentofamiliar, bem como o que o mesmo planeja para oseu futuro, uma vez que esses elementos podemcontribuir para a elaboração de estratégias que visemo fortalecimento dos fatores de proteção ao usoabusivo de drogas no ambiente familiar. Com basenessas considerações, o presente estudo objetivou:a) levantar os pontos positivos e negativos dorelacionamento com os pais, segundo a opinião deadolescentes usuários e não usuários de drogas; b)identificar os planos que os adolescentes de ambosos grupos apresentam para o futuro; c) verificar seexistem diferenças significativas entre os envolvidosno que diz respeito à avaliação do relacionamentocom os pais e aos planos dos mesmos para o futuro.

Materiais e método

Esse estudo teve como população-alvoadolescentes inseridos no ensino médio da cidade deSão Carlos. Para a condução da pesquisa foiselecionada uma amostra, obtida de forma sistemáticaem dois estágios. No primeiro foram sorteadas asescolas e, no segundo estágio, levantadas as turmasdentre as que haviam sido previamente sorteadas.Assim, participaram desse estudo 568 adolescentesde ambos os sexos (45,1% do sexo masculino e54,9% do feminino) com idades variando entre 14 e

20 anos, de diferentes camadas sociais, que estavamcursando o ensino médio em escolas públicas eprivadas da cidade de São Carlos, SP, devidamenteautorizados pelos pais ou responsáveis que assinaramum Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.Da totalidade de adolescentes recrutados foramconsiderados, para fins de análise, aqueles que játinham feito ou estavam fazendo uso de substânciaspsicoativas, exceto álcool e tabaco (n=134) e aquelesque nunca utilizaram nenhum tipo de substânciapsicoativa (n=57).

O instrumento para a coleta de dados eraanônimo e de auto-preenchimento, tendo sidopreviamente testado em um estudo piloto com afinalidade de corrigir as imperfeições e definir oprocedimento de coleta de dados. Esse instrumento,denominado “Adolescente e família: caracterizaçãodos relacionamentos interpessoais”, é composto porcinco questões fechadas e quatro abertas, que versamsobre o relacionamento com os pais, os aspectospositivos e negativos observados pelos adolescentesno seu relacionamento com eles e os seus planos parao futuro. Destaca-se que as cinco questões fechadasforam selecionadas do “Questionário sobre o Uso deDrogas” desenvolvido por Galduróz, Noto e Carlini(1997) e aplicado a estudantes do ensino fundamentale médio de dez capitais brasileiras. Por outro lado, asquestões abertas foram elaboradas exclusivamentepara o presente estudo.

A aplicação do questionário deu-secoletivamente em sala de aula, sem a presença doprofessor, em dias previamente agendados com aescola, os professores e os alunos, sendo distribuídossimultaneamente e sem determinação do tempo paratérmino de seu preenchimento. Com a finalidade degarantir o sigilo das respostas os adolescentesdepositavam o questionário preenchido em uma urnalacrada.

Os dados coletados foram analisadosestatisticamente, utilizando-se para tanto o programaSPSS (Statistical Package for the Social Sciences),versão 10.0, efetuando-se os seguintes cálculos: a)levantamento das freqüências absoluta e relativa paraas variáveis em questão; b) cálculo do Qui-quadrado.

No caso das questões abertas que envolviama indicação dos pontos positivos e negativos

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observados pelos adolescentes no relacionamentocom os pais, os dados obtidos foram trabalhados pormeio de Análise de Conteúdo, buscando integrarcategorias previamente descritas na literatura sobrea temática em foco com as informações trazidas pelosparticipantes (Olabuenaga, 1996). Para tanto foiutilizado como referencial de análise o sistema decategorias de significado desenvolvido por Ribeiro(1992), em um estudo que tinha por finalidade verificaro relacionamento familiar por meio da percepção dosadolescentes sobre a relação com seus pais e orelacionamento conjugal (ou seja, de seus pais). Sendoassim, as categorias empregadas foram: dinâmica dafamília, aspectos afetivos, membros da família,aspectos éticos-morais, situações de lazer, aspectosutilitários da família e concepção mística. Além dessasmostrou-se necessário o desenvolvimento de novascategorias, uma vez que muitas das respostasencontradas não se enquadravam em nenhuma dasanteriormente definidas.

Em relação aos pontos negativos utilizaram-se as mesmas categorias para a classificação dasrespostas, ressaltando-se, nesse caso, os aspectos emfalta ou que não eram adequados, segundo apercepção dos adolescentes, em cada uma delas. Porexemplo, na categoria “dinâmica familiar” foraminseridos temas como desunião, falta de diálogo,dificuldades de relacionamento. Esse procedimentofoi adotado para cada uma das categorias utilizadasno estudo, destacando-se que, também no caso dospontos negativos, foi necessário desenvolver novascategorias.

Por outro lado, as questões referentes ao que“pode ser melhorado no relacionamento dosadolescentes com os pais para este ser mais positivo”e “sobre os planos dos adolescentes para o futuro”,inseridas no instrumento de coleta de dados, foramanalisadas buscando-se, primeiramente, realizar umacategorização das respostas, utilizando-se ametodologia de Análise de Conteúdo TemáticaFreqüencial de Bardin (1977).

ResultadosAs Tabelas 1 e 2 apresentam os dados sobre

os pontos positivos e negativos que os adolescentesevidenciaram sobre seu relacionamento com os pais.Em linhas gerais, verificou-se uma grande

variabilidade de respostas apresentadas pelos doisgrupos participantes do estudo. É importante destacarque, nesse caso, o número de respostas ultrapassouo de respondentes, pois os mesmos poderiam citarmais de um ponto positivo no relacionamento delescom os pais.

A Tabela 1 apresenta as categorias de respostaencontradas no que diz respeito aos pontos positivosdo relacionamento com os pais.

Os dados retratados na Tabela 1 mostram queos principais pontos positivos citados pelosadolescentes encontram-se na categoria “dinâmicafamiliar”, tanto para o grupo de usuários quanto parao de não usuários (93,2% e 98,2% respectivamente),na qual estão inseridos temas como união,relacionamento e comunicação na família.

Em seguida os principais pontos positivosdestacados no relacionamento familiar recaem,segundo as opiniões dos dois grupos de adolescentes,sobre os “aspectos afetivos”, cujos temas envolvemelementos como amizade, amor, carinho,

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compreensão, dedicação. Foram observadasdiferenças significativas entre os dois grupos no quese refere a esse aspecto (p<0,05), sendo que osadolescentes não usuários ressaltam mais os aspectosafetivos do relacionamento familiar como tendo valorpositivo do que os usuários.

Em terceiro lugar aparece a categoria“aspectos éticos-morais”, com 29% de indicaçõespara o grupo de adolescentes usuários e 17,5% parao de não usuários, envolvendo temas comohonestidade, respeito, lealdade, confiança esinceridade.

É interessante destacar que, no grupo deusuários, no que se refere à categoria “dinâmicafamiliar”, o tema que obteve a maior freqüência deindicações foi “diálogo” (54,5%). Por outro lado, nacategoria “aspectos afetivos”, o tema que apresentoumaior freqüência de respostas para esse grupo foi“compreensão”, seguido por “amizade” (22,4%) e“amor” (16,4%). Para o grupo de não usuários, nacategoria “dinâmica familiar” a temática com maiorfreqüência foi “diálogo” (52,6%), enquanto que nade “aspectos afetivos” o destaque apareceu para ostemas “amizade” (26,3%) e “amor” (17,5%).

A Tabela 2, por sua vez, apresenta ascategorias de respostas referentes aos pontosnegativos indicados pelos adolescentes sobre o seurelacionamento com os pais.

Na Tabela 2 é possível constatar, novamente,grande variabilidade de respostas. Entretanto, éimportante destacar que essa diversidade foi maiorpara o grupo de adolescentes usuários do que para ode não usuários.

Em ambos os grupos a categoria que apresentouas maiores freqüências foi “dinâmica familiar” (52,2%para o grupo de usuários e 47,4% para o de nãousuários), ou seja, os principais pontos negativosobservados pelos adolescentes no relacionamento comseus pais incluíam: problemas de relacionamento, faltade diálogo, de união, de proximidade, de atenção.Dentro dessa categoría, o tema com maior freqüênciapara o grupo de usuários foi a “falta de diálogo” (44%),seguido por “brigas” (30%). No caso dos não usuários,os temas destacados foram “severidade” (26,3%) e“brigas’ (15,7%).

A segunda categoria com maior freqüência derespostas para ambos os grupos foi “aspectos ético-

morais”; ou seja, os adolescentes avaliaram comopontos negativos: autoritarismo, falta de respeito, deconfiança, de responsabilidade, de paciencia, entreoutros. Para os usuários, os temas destacadosincluíram: “autoritarismo” e “controle”, enquanto queno de não usuários aparecereu o “autoritarismo”,seguido por “mentiras”.

Na comparação entre os dois grupos verificou-se serem estatisticamente significativas as diferençasna categoria “aspectos afetivos” (p<0,05), indicandoque os usuários ressaltaram mais pontos negativosdo relacionamento com os pais (como, por exemplo,falta de amor, de companheirismo, de amizade, entreoutros) do que os adolescentes do grupo de nãousuários.

Os resultados apresentados na Tabela 3buscam retratar as opiniões dos adolescentesparticipantes do estudo a respeito do que poderia sermelhorado no relacionamento deles com os pais nodia-a-dia.

Observando-se os dados descritos na Tabela3 verifica-se que a categoria mais freqüente para ogrupo de usuários é a da “dinâmica familiar” (31,3%)

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e que os principais pontos a serem melhorados seriam:o diálogo, a compreensão e o tempo que passam juntos.

Ainda no que se refere a essa categoria, opercentual obtido para os usuários foi significan-temente maior quando comparado ao índice verificadopara o grupo de não usuários (31,3% e 21%, respecti-vamente) (p<0,05), o que indica que, para os usuários,diferentemente do que se observa com os nãousuários, os pontos que necessitam ser melhoradosno relacionamento com os pais referem-se mais aaspectos da dinâmica familiar.

Os adolescentes não usuários, por sua vez,apresentaram uma porcentagem significativamentemaior na categoria “nada” (p<0,05). Ou seja, não vêemnecessidade de melhorar algo no relacionamento comos pais, uma vez que se consideram contentes esatisfeitos com eles, diferentemente do que severificou no grupo de adolescentes usuários.

Por fim, a Tabela 4 apresenta o levantamentodos planos dos adolescentes para o futuro.

Os dados descritos na Tabela 4 mostram queos principais planos dos adolescentes envolvem

questões referentes à família e à preparaçãoprofissional, com vistas ao ingresso no mundo dotrabalho. Para o grupo de usuários a categoria commaior freqüência foi “fazer faculdade e construirfamília” (40,4%). Por outro lado, os não usuáriosdestacaram a categoria “fazer faculdade/estudar”(33,3%). E essas duas categorias apresentaramdiferenças significativas entre os dois grupos deadolescentes (p<0,01).

Destaque-se, ainda, que a categoria “ter umaprofissão/emprego”, apesar de indicar freqüênciasbaixas, apresentou diferenças significativas entre osdois grupos de adolescentes, sendo o percentual parao grupo de não usuários significantemente maior doque para o de usuários (14% e 4,5%, respec-tivamente).

Na categoria “outros” foram agrupadas asrespostas dadas pelos adolescentes que nãopuderam ser encaixadas nas demais categorias eque apresentaram uma freqüência igual a um. Nessacategoria residual foram inseridas respostas taiscomo: amor, melhorar a cada dia, morar com a mãe,entre outras.

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Discussão

Refletindo sobre os dados apresentados,nota-se que a categoria “dinâmica familiar” foi aque apresentou as maiores freqüências para ambosos grupos, tanto no que se refere aos pontospositivos quanto em relação aos negativos dorelacionamento dos adolescentes com os pais. Osdois grupos – usuários e não usuários desubstâncias psicoativas – apontaram a presençado diálogo como uma característica positiva norelacionamento familiar, contudo, principalmentepara os usuários, parece que esse veículo aindanão é explorado em toda a sua amplitude, uma vezque eles apontam a “falta de diálogo” como aspectonegativo desse relacionamento. Essa visãoapresentada pelos adolescentes do presente estudotraz insumos importantes para a reflexão,principalmente no que concerne ao valor atribuídoao diálogo no contexto familiar.

O relacionamento pautado no diálogo aparececomo um componente fundamental na dinâmicafamiliar, uma vez que funciona como um dos meios,possivelmente o primordial, para que as relações entrepais e filhos alcancem uma qualidade mais satisfatóriae sejam saudáveis (Wagner & cols., 2002).Entretanto, o diálogo entre pais e filhos deve funcionarcomo uma troca e não ser encarado como exigência,“cobrança” ou controle da vida do adolescente, umavez que, dependendo do tipo de comunicaçãoprevalente no contexto familiar, os adolescentes irãoconversar com os pais sobre temas específicos, ouseja, tenderão a filtrar as informações que querempassar ou obter deles. Por exemplo, se a comunicaçãoé fechada, caracterizada pelo exercício excessivo daautoridade, a tendência é que pais e filhos conversemsobre assuntos banais do cotidiano, como escola,alimentação, diversão. Por outro lado, se acomunicação for aberta, os membros familiarespodem expor sentimentos e questionamentos sem sesentirem ameaçados, conversando sobre temasdiferenciados e até mesmo pessoais (Wagner,Carpenedo, Melo & Silveira, 2005).

O adolescente tem grande necessidade de seexpressar, expor suas ideáis e questionar, e é noâmbito familiar que, muitas vezes, procura estabeleceressa troca. A falta de comunicação e de compreensão

pode prejudicar seu bem-estar, distanciando os filhosdo ambiente familiar (Antón, 1998; Costa, Teixeira& Gomes, 2000).

Por outro lado, por meio do diálogo os membrosda família tornam-se mais próximos e íntimos, o quetransmite segurança tanto aos pais (pois estão atentosao dia-a-dia dos filhos), quanto aos adolescentes (quese sentem seguros e valorizados), pois, mantendo umarelação mais próxima, é mais fácil para os paisdetectarem mudanças no comportamento dos filhos.Wagner e cols (2005) ressaltam que bons níveis decomunicação entre pais e filhos podem funcionarcomo elemento importante na redução de problemascomportamentais típicos dos adolescentes. Essaproximidade possibilita também maior manifestaçãode aspectos afetivos, ou seja, elementos como amor,carinho, atenção, dedicação e preocupação tornam-se presentes no cotidiano de uma maneira maisintensa. Para o adolescente é importante perceberque os pais têm interesse sobre suas atividades, bemcomo preocupações, medos, receios, enfim, emrelação à sua vida de um modo geral. Assim, podeperceber que sua vida tem significado para o outro.

Os pais, fazendo uso do diálogo desde cedo,podem orientar constantemente os filhos a respeitodas mais variadas temáticas, impondo limites clarosa serem levados em consideração, mas tambémexpondo seus sentimentos, aspectos que podemfuncionar como fatores de proteção em relação aoconsumo de substâncias psicoativas pelosadolescentes (Schenker & Minayo, 2003).

Complementando essa questão, é interessanteressaltar que, na perspectiva dos usuários, elementoscomo diálogo, compreensão e tempo de convivênciacom os pais são os principais pontos da dinâmicafamiliar que devem ser melhorados. A literaturaaponta que, no que concerne ao tempo de convivência,pais e filhos adolescentes tendem a interagir e arealizar menos coisas juntos fora de casa do que antes(Marturano & cols., 2004). Os dados do presenteestudo revelaram que esse é um ponto que necessitaser revisto pelas famílias, porque uma convivênciamais próxima é fundamental nessa etapa dodesenvolvimento. Além disso, a preocupação emdividir momentos, planejar e compartilhar atividadesdentro e fora do ambiente familiar são elementos que

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111Pratta, E. M. M. & Santos, M. A. (2007). Adolescência: Relacionamento familiar e futuro

podem levar à manutenção de um bom vínculo einteração com os pais, o que, segundo Schenker eMinayo (2005), funcionaria como fatores de proteçãofrente ao uso de drogas na adolescência.

Quanto aos planos dos adolescentes para ofuturo, os dados revelaram que os mesmos envolvemquestões referentes à família e à preparação e atuaçãoprofissional, destacando-se a importância que elesatribuem à formação acadêmica para o seu futuro.

Esses dados caminham na direção dos queforam obtidos em outros estudos, que buscaramavaliar os projetos de adolescentes para o seu futuro,como o de Wagner e cols. (1997), no qual as trêsprincipais categorias de planos foram: realizaçãoprofissional (30% de indicações), ser feliz (26,1%) erealização pessoal (25,5%).

O estudo de Oliveira, Sá, Fischer, Martins eTeixeira (2001) revelou também dados que apontamnessa direção. Os resultados mostraram umadimensão de futuro entre os jovens, associada àrepresentação que eles têm da educação comoelemento central em suas vidas, indicando que oestudo é visto como um facilitador da ascensão social,seja esta garantida por melhor emprego ou profissão,ou assegurada por um elemento abstrato, como “seralguém na vida” – frase possivelmente associada àbusca de sucesso financeiro.

Coutinho e cols. (2005) também identificaram,em seu estudo, uma relação entre escola e futuro,apresentada de duas formas pelos jovens: algunsressaltando-a como muito importante, por trazer aperspectiva de uma vida melhor e proporcionar umbom futuro, outros percebendo-a negativamente epreocupando-se mais com o trabalhar no futuro, nãodemonstrando intenção de buscar a qualificaçãoprofissional por meio dos estudos. Além disso, essavalorização dos estudos pelos adolescentes pode terinfluência dos próprios pais, o que necessitaria sermais explorado em pesquisas futuras, pois os pais,em suas conversas diárias com os filhos, podemressaltar a importância do estudar, discutindo suasvivências, facilidades e dificuldades, buscandoconscientizar os adolescentes de que a educaçãoformal é um caminho seguro para conseguir o que sedeseja na vida.

Destacando ainda a questão do modelo familiar,é necessário pontuar que a geração que atualmenteencontra-se na adolescência está sendo educada porpais que, geralmente, vivenciam uma rotina de papéismúltiplos, executando tarefas fora e dentro doambiente familiar. Ou seja, hoje pai e mãe atuam nomercado de trabalho, por necessidade ou por buscada realização profissional. A família fornece modelose influencia diretamente os padrões de conduta dosindivíduos, principalmente se estes estiverem “emprocesso de desenvolvimento, tentando definir oscontornos de sua identidade e organizar seu sistemade valores” (Avi & Santos, 2000), como ocorretipicamente no período da adolescência.

Esse aspecto vai ao encontro do conhecimentoestabelecido na literatura, uma vez que a família, alémde influenciar diretamente na aquisição de crenças evalores, tem um papel central na construção dosplanos de vida que o adolescente define para si, oque pode ser explicado pelo fato de que, normalmente,é no seio da organização familiar que o projeto pessoaltem início e é dela que o jovem vai sair em busca darealização de seus sonhos e objetivos (Santos, 2005).Portanto, os adolescentes apresentam projetos de vidaque remetem a questões comuns que, de certa forma,se repetem de uma geração para outra (Wagner &cols., 1997), como os planos envolvendo a formaçãoda família e o campo profissional. Porém, estetambém é um dado que necessitaria ser melhorexplorado em pesquisas futuras.

É interessante notar que no grupo deadolescentes usuários a categoria que se destacounos planos para o futuro foi “fazer faculdade econstituir família”, enquanto que para os não usuáriosa mais freqüente foi “fazer faculdade/estudar”. Pode-se inferir, então, que os usuários planejam seu futuropautados prioritariamente por valores que pertencemà esfera familiar e do trabalho, uma vez que estes,possivelmente, representam para eles a conquista decerta estabilidade e segurança, elementosconsiderados como os únicos caminhos para saídada instabilidade e ameaça de exclusão em que vivem(Coutinho & cols., 2005).

Considerações finais

É interessante notar que os dados obtidos, tantono que diz respeito aos pontos positivos e negativos,

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quanto aos aspectos que necessitam ser melhorados,ressaltam a importância do diálogo e da compreensãodentro do contexto familiar. Isto indica a importânciade novos estudos que busquem aprofundar a questãoda comunicação na família, tanto de adolescentesusuários quanto de não usuários de substânciaspsicoativas, uma vez que o diálogo, o estabelecimentode limites e a confiança são componentesfundamentais no processo de desenvolvimento doindivíduo, particularmente na etapa da adolescência.

Além disso, a comunicação, aliada a outroselementos do contexto familiar (vínculos sólidos eseguros, confiança, proximidade afetiva) correspondea um instrumento importante para que as relaçõesentre pais e filhos sejam satisfatórias e saudáveis, epara que os pais exerçam sua função de educadoresatuando junto aos adolescentes de forma preventiva,principalmente no que diz respeito ao engajamentoem comportamentos de risco, como o uso desubstâncias psicoativas.

A literatura aponta que aspectos do contextofamiliar podem funcionar como fatores de risco e deproteção em relação ao uso de drogas naadolescência. Toscano Jr. (2001) ressalta queproblemas de relacionamento entre pais e filhos,relações afetivas precárias, ausência de regras enormas claras dentro do contexto familiar e o uso dedrogas pelos pais, podem atuar como fatores de riscopara o envolvimento do adolescente com substânciaspsicoativas, e acrescenta ainda as situações deconflitos permanentes, dificuldades de comunicaçãoe a falta de monitoramento constante dos filhos porparte dos pais.

Sendo assim, é importante que, ao longo doprocesso evolutivo, o indivíduo possa compartilharseus medos, angústias e dúvidas com os pais, umavez que a família exerce um papel primordial nodesenvolvimento humano. Ter o apoio e acompreensão dos familiares é um requisitofundamental para o bem-estar psicológico do indivíduoque atravessa esse período conturbado e marcadopor transformações rápidas e intensas. Assim, destaca-se que a atuação dos pais no dia-a-dia, se adequada,pode ter uma função preventiva eficaz para muitosproblemas, inclusive no que se refere ao uso abusivode substâncias psicoativas (Antón, 1998). Esse autorafirma que criar situações de comunicação eaproveitar os momentos de convivência com os filhos,

seja em um passeio, jogos, diversão ou situações derelaxamento, pode contribuir para o desenvolvimentode um clima de confiança e fluidez de comunicaçãoque facilitaria o debate de temas, dilemas, problemase pontos de vista entre pais e filhos.

Frente a esses dados, nota-se também aimportância de novas pesquisas que enfatizem aquestão do papel desempenhado pela convivênciafamiliar no que diz respeito à propensão ou inibiçãodo consumo de substâncias psicoativas entre osadolescentes. São necessários mais estudos visandocompreender o papel da família enquanto ambienteque pode apresentar tanto fatores de risco quanto deproteção no que se refere ao uso de drogas. Assim, énecessário identificar não só quais são esses fatores,mas também como reduzir os de risco e maximizaros de proteção. Nesse sentido, outro ponto importantea ser explorado é a avaliação da percepção dofuncionamento familiar tanto na visão do adolescente,considernado-se os diversos padrões de consumo desubstâncias, quanto na perspectiva dos pais, pois essesdados podem trazer contribuições importantes parao planejamento de futuras intervenções de caráterpreventivo.

Os planos para o futuro revelaram uma ênfaseforte dada pelos adolescentes a duas questõescentrais: estudar e constituir uma família. A buscapela continuidade dos estudos, representada pelodesejo de ingressar em um curso superior, demonstraa valorização atribuída à qualificação profissional comoestratégia legítima para alcançar melhores condiçõesde vida. Entretanto, seria interessante em pesquisasfuturas avaliar como os adolescentes de ambos osgrupos (usuários e não usuários) percebem suas reaischances de realizar suas metas no futuro, tanto emrelação à escolaridade e ao trabalho, quanto no quese refere a outras conquistas, como saúde, vidaafetiva, realização pessoal, casa própria, entre outroselementos comumente associados à qualidade devida, evidenciando-se os aspectos que legitimam essapercepção.

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Endereço para Correspondência:

Elisângela Maria Machado Pratta. RuaEpiscopal, 2474, ap. 154 A, Vila Lutfalla II, 13560-580, São Carlos–SP, Brasil. E-mail:[email protected]

Artigo recebido em 31/07/2006.

Aceito para publicação em 16/04/2007.

Agência de fomento: CAPES

Trabalho baseado na Dissertação de Mestradointitulada: “Adolescência, drogadição e família:Caracterização do padrão de consumo de substânciaspsicoativas e avaliação da percepção dos pais emadolescentes do ensino médio”, defendida em 2003junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologiada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras deRibeirão Preto-SP, USP.

Elisângela Maria Machado Pratta é Mestreem Ciências, Área de Concentração: Psicologia eDoutoranda pelo Programa de Pós-graduação emPsicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrasde Ribeirão Preto-SP, USP.

Manoel Antônio dos Santos é Doutor emPsicologia Clínica e Professor Doutor doDepartamento de Psicologia e Educação daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de RibeirãoPreto-SP, USP.