operários reclamam de humilhação

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B.2 DIÁRIOcapital PORTO VELHO-RO . SEGUNDA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2011 FOTOS/RONI CARVALHO No Sesi, um dos alojamen- tos dos trabalhadores de Ji- rau, a situação aparentemente tranquila revela algumas defi- ciências. Quando a reportagem do Diário da Amazônia chega ao local, logo é cercada por um grupo de trabalhadores, querendo saber se é a respon- sável “pela lista do ônibus”. Eles se referem a “um papel” onde estão sendo anotados os nomes de cada um deles, com a cidade de origem, para que sejam encaminhados aos ôni- bus e voos. Ao saber que se trata jornalistas, o foco muda. Muitos se aproximam pedindo para falar. Um deles é Francisco Go- mes. Vindo de São Luís/MA há apenas 20 dias, ele faz parte de um grupo do Esta- do e afirma que não recebeu previsão para ir embora. “Eles falam pra gente esperar. Espe- rar? Passei a noite sem dormir, os colchões não dão pra todo mundo”. A sujeira do ambien- te também vira reclamação: “Você tá achando aqui sujo? Agora tá é limpo. Quando começa a chegar reportagem eles limpam”, afirma. Outro trabalhador que procurou o Diário foi Cláudio Silva. Ele também faz parte do grupo dos maranhenses e tra- balha na construção da usina há um ano. Sua indignação era com o fato das pessoas terem os transformado em bandidos. “O comércio aqui perto fechou as portas porque acham que a gente é saqueador. Eu não sou bandido. Tenho quatro filhos e vim de longe pra dar uma vida melhor pra eles”. Cláudio diz que assim que a situação acalmar vai voltar para conti- nuar trabalhando na constru- ção, afinal quer “criar os filhos com dinheiro honesto”. O companheiro também ratifica a indignação: “Sou pai de família. Não saí de casa pra ser escoltado pela polícia. Vim buscar dinheiro pra sustentar minha família e to voltando sem nenhum centavo. É pra isso que vão buscar a gente no nordeste?”. Outro grupo, com traba- lhadores da Bahia, não quis se identificar. Mas afirma que as reclamações têm funda- mento. Um deles conta que a comida não é suficiente e que muitos tiram dinheiro do bolso para poder se alimen- tar: “Eu não tenho dinheiro. Ontem peguei o meu colchão e vendi ali na frente por R$ 20 e foi com esse dinheiro que eu almocei”. HUMILHANTE Um rapaz, de aparente- mente 25 anos, não se diz surpreso pelo tratamento “hu- milhante”. Ele conta que na obra não era diferente. “Eu já vi colegas sendo espancados e foi por causa de outra briga dessa que começou tudo isso”. O rapaz ainda afirma que eram obrigados a trabalhar mesmo debaixo de chuva. “Até com solda a gente trabalha na chuva. Eles não tão nem aí se vamos levar choque e morrer, eles querem é que o serviço renda”. Outra reclamação é a respeito do atendimento médi- co dos alojamentos em Jirau. “O ambulatório não funciona. O único remédio que tem lá é pra dor de cabeça”, afirma. Os trabalhadores nos re- velam outra situação dentro dos alojamentos: o tráfico de drogas. De acordo com o gru- po, o comércio de entorpe- centes acontecia livremente. “Tinha operário que ganhava 3 mil por semana só vendendo droga. Aqui tem bandido tam- bém. Mas não podem achar que todo mundo é”. Para evitar confusão, policiais militares fazem ronda no ginásio do Sesi, onde os trabalhadores estão alojados JIRAU. No alojamento improvisado no ginásio do Sesi, os trabalhadores se ajeitam como podem. Operários reclamam de humilhação Em coletiva de imprensa, na manhã de sábado, repre- sentantes do Ministério Públi- co Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho apresentaram as decisões tomadas um dia an- tes relativas à situação dos trabalhadores da Usina de Ji- rau, alojados em Porto Velho. Além da questão traba- lhista, os representantes destacaram a preocupação com a segurança dos traba- lhadores e da população. Para isso, três providências foram tomadas: todos os ór- gãos de segurança do Estado estão trabalhando para que a segurança seja garantida, a vigilância sanitária foi acio- nada para conferir as condi- ções em que os trabalhado- res estão alojados e, por fim, foram programadas reuniões com as empresas para tentar definir meios de resolver as questões trabalhistas. O representante do Mi- nistério Público do Trabalho, procurador Francisco Cruz, afirmou que desde o início dos conflitos o MPT tem agido para tentar minimizar os pro- blemas: “Queremos preservar os direitos dos trabalhadores, garantir que eles continuem sendo remunerados indepen- dente da suspensão temporá- ria das atividades e assegurar o deslocamento aos locais de origem e o retorno, quando as atividades forem restabe- lecidas, sem nenhum ônus, não só da Camargo Corrêa, mas também das empresas terceirizadas”. SEM ABANDONO Alexandre Santiago, pro- motor de Justiça do Ministé- rio Público Estadual, afirmou que os MPs resolveram unir forças para garantir que os direitos dos trabalhadores, que podem estar sendo viola- dos, tenham reforço. Alexan- dre destacou que nesse pri- meiro momento, a prioridade é garantir que a situação seja acalmada, mas que, poste- riormente, será feita uma in- vestigação detalhada sobre as causas do incidente. “As obras da usina devem prosseguir, MPS COBRAM PROVIDÊNCIAS LARISSA TEZZARI [email protected] @DiarioAmazonia Reginaldo Trindade, pro- curador da República, ressal- tou a “preocupação maciça das instituições da Justiça com o grave problema que está acontecendo”. O procura- dor afirma que na reunião de sexta-feira (18) foram ouvidos representantes dos trabalha- dores e, partir dos relatos, os MPs definiram quatro linhas de ação, baseados em quatro eixos centrais de problemas que serão encaminhadas à em- presa empregadora da hidre- létrica: garantir alimentação e alojamento dignos, retorno adequado e rápido para as cidades de origem dos traba- lhadores, garantia dos direitos trabalhistas e o ressarcimento de bens e pertences pessoais, eventualmente perdidos. LINHAS DE AÇÃO Trabalhadores dizem que refeição é insuficiente Reginaldo Trindade, procurador da República mas dentro de condições que, fatos como esse, não voltem a acontecer”, ratificando que o objetivo é “garantir con- dições para que Porto Velho não fique abandonado após a construção das usinas”. A desembargadora do Tri- bunal Regional do Trabalho, Vânia Abensur garantiu que a Justiça do Trabalho está dan- do assistência. “O momento é de pacificação. Vamos con- tinuar nos alojamentos, por- que o que falta é informação a esses trabalhadores”. A Camargo Corrêa, cons- trutora de Jirau, afirma que grande parte do contingente de trabalhadores retirados do canteiro de obras de Ji- rau já iniciou o retorno tem- porário para suas casas. So- mente neste final de semana foram fretados 12 voos para o embarque de mais de dois mil funcionários. Mais de 300 ônibus complementam o transporte de mais de oito mil pessoas que passaram pe- los quatro centros de triagem instalados em Porto Velho. Segundo a empresa, todos os compromissos contratuais estão sendo rigorosamente honrados, como salários, ho- ras-extras e benefícios. Os be- nefícios estão de acordo com o estabelecido coletivamente com o sindicato da categoria e com a legislação, incluindo CONSTRUTORA DIZ QUE CUMPRE ACORDOS cesta básica, plano de saúde e participação nos resultados. Para desfazer qualquer dú- vida, a empresa iniciou, em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores de Rondônia, um mapeamento de possíveis insatisfações e reivindicações dos trabalhadores da obra em Jirau. A Camargo Corrêa ainda não tem previsão de quando as obras de Jirau serão reto- madas. Esse atraso pode pre- judir o início de operação da usina, previsto para março do ano que vem. Segundo o pre- sidente do Consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), Victor Paranhos, ainda não se sabe a dimensão do impacto que a paralisação deve causar no cumprimento do cronogra- ma, o que ainda está sendo levantado. A UHE Jirau terá capacida- de instalada de 3.450 Mega- watts (MW) e energia assegu- rada superior a dois mil MW médios, suficientes para abas- tecer mais de 10 milhões de casas. SANTO ANTÔNIO O Consórcio Construtor Santo Antônio suspendeu na sexta-feira os trabalhos no canteiro de obras, com o ob- jetivo de evitar possíveis mo- tins, como os que ocorreram em Jirau. Segundo a empresa, hoje será avaliado o retorno dos trabalhos. SEM PREVISÃO DE RETORNO Homens se acomodam como podem

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Operários da Usina Hidrelétrica Jirau reclamam de humilhação.

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B.2 DIÁRIOcapitalPorto Velho-ro . SEGUNDA-fEIRA, 21 DE MARÇO DE 2011

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No Sesi, um dos alojamen-tos dos trabalhadores de Ji-rau, a situação aparentemente tranquila revela algumas defi-ciências. Quando a reportagem do Diário da Amazônia chega ao local, logo é cercada por um grupo de trabalhadores, querendo saber se é a respon-sável “pela lista do ônibus”. Eles se referem a “um papel” onde estão sendo anotados os nomes de cada um deles, com a cidade de origem, para que sejam encaminhados aos ôni-

bus e voos. Ao saber que se trata jornalistas, o foco muda. Muitos se aproximam pedindo para falar.

Um deles é Francisco Go-mes. Vindo de São Luís/MA há apenas 20 dias, ele faz parte de um grupo do Esta-do e afirma que não recebeu previsão para ir embora. “Eles falam pra gente esperar. Espe-rar? Passei a noite sem dormir, os colchões não dão pra todo mundo”. A sujeira do ambien-te também vira reclamação: “Você tá achando aqui sujo? Agora tá é limpo. Quando começa a chegar reportagem eles limpam”, afirma.

Outro trabalhador que procurou o Diário foi Cláudio Silva. Ele também faz parte do grupo dos maranhenses e tra-balha na construção da usina há um ano. Sua indignação era com o fato das pessoas terem os transformado em bandidos. “O comércio aqui perto fechou as portas porque acham que a gente é saqueador. Eu não sou bandido. Tenho quatro filhos e vim de longe pra dar uma vida melhor pra eles”. Cláudio diz que assim que a situação acalmar vai voltar para conti-nuar trabalhando na constru-ção, afinal quer “criar os filhos com dinheiro honesto”.

O companheiro também ratifica a indignação: “Sou pai de família. Não saí de casa pra ser escoltado pela polícia. Vim buscar dinheiro pra sustentar minha família e to voltando sem nenhum centavo. É pra isso que vão buscar a gente no nordeste?”.

Outro grupo, com traba-lhadores da Bahia, não quis se identificar. Mas afirma que as reclamações têm funda-mento. Um deles conta que a comida não é suficiente e que muitos tiram dinheiro do bolso para poder se alimen-tar: “Eu não tenho dinheiro. Ontem peguei o meu colchão

e vendi ali na frente por R$ 20 e foi com esse dinheiro que eu almocei”.

HUMILHANTE

Um rapaz, de aparente-mente 25 anos, não se diz surpreso pelo tratamento “hu-milhante”. Ele conta que na obra não era diferente. “Eu já vi colegas sendo espancados e foi por causa de outra briga dessa que começou tudo isso”. O rapaz ainda afirma que eram obrigados a trabalhar mesmo debaixo de chuva. “Até com solda a gente trabalha na chuva. Eles não tão nem aí se

vamos levar choque e morrer, eles querem é que o serviço renda”. Outra reclamação é a respeito do atendimento médi-co dos alojamentos em Jirau. “O ambulatório não funciona. O único remédio que tem lá é pra dor de cabeça”, afirma.

Os trabalhadores nos re-velam outra situação dentro dos alojamentos: o tráfico de drogas. De acordo com o gru-po, o comércio de entorpe-centes acontecia livremente. “Tinha operário que ganhava 3 mil por semana só vendendo droga. Aqui tem bandido tam-bém. Mas não podem achar que todo mundo é”.

Para evitar confusão, policiais militares fazem ronda no ginásio do Sesi, onde os trabalhadores estão alojados

JIRAU. No alojamento improvisado no ginásio do Sesi, os trabalhadores se ajeitam como podem.

Operários reclamam de humilhação

Em coletiva de imprensa, na manhã de sábado, repre-sentantes do Ministério Públi-co Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho apresentaram as decisões tomadas um dia an-tes relativas à situação dos trabalhadores da Usina de Ji-rau, alojados em Porto Velho.

Além da questão traba-lhista, os representantes destacaram a preocupação com a segurança dos traba-lhadores e da população. Para isso, três providências foram tomadas: todos os ór-gãos de segurança do Estado estão trabalhando para que a segurança seja garantida, a vigilância sanitária foi acio-nada para conferir as condi-ções em que os trabalhado-res estão alojados e, por fim, foram programadas reuniões com as empresas para tentar definir meios de resolver as questões trabalhistas.

O representante do Mi-nistério Público do Trabalho, procurador Francisco Cruz, afirmou que desde o início dos conflitos o MPT tem agido

para tentar minimizar os pro-blemas: “Queremos preservar os direitos dos trabalhadores, garantir que eles continuem sendo remunerados indepen-dente da suspensão temporá-ria das atividades e assegurar o deslocamento aos locais de origem e o retorno, quando as atividades forem restabe-lecidas, sem nenhum ônus, não só da Camargo Corrêa, mas também das empresas terceirizadas”.

SEM ABANDONO

Alexandre Santiago, pro-motor de Justiça do Ministé-rio Público Estadual, afirmou que os MPs resolveram unir forças para garantir que os direitos dos trabalhadores, que podem estar sendo viola-dos, tenham reforço. Alexan-dre destacou que nesse pri-meiro momento, a prioridade é garantir que a situação seja acalmada, mas que, poste-riormente, será feita uma in-vestigação detalhada sobre as causas do incidente. “As obras da usina devem prosseguir,

MPS cOBRAM PROvIDêNcIAS

LARISSA TEZZARI [email protected] @Diarioamazonia

Reginaldo Trindade, pro-curador da República, ressal-tou a “preocupação maciça das instituições da Justiça com o grave problema que está acontecendo”. O procura-dor afirma que na reunião de sexta-feira (18) foram ouvidos representantes dos trabalha-dores e, partir dos relatos, os MPs definiram quatro linhas de ação, baseados em quatro eixos centrais de problemas que serão encaminhadas à em-presa empregadora da hidre-létrica: garantir alimentação e alojamento dignos, retorno adequado e rápido para as cidades de origem dos traba-lhadores, garantia dos direitos trabalhistas e o ressarcimento de bens e pertences pessoais, eventualmente perdidos.

LINHAS DE AÇÃO

Trabalhadores dizem que refeição é insuficiente

Reginaldo Trindade, procurador da República

mas dentro de condições que, fatos como esse, não voltem a acontecer”, ratificando que o objetivo é “garantir con-dições para que Porto Velho não fique abandonado após a construção das usinas”.

A desembargadora do Tri-

bunal Regional do Trabalho, Vânia Abensur garantiu que a Justiça do Trabalho está dan-do assistência. “O momento é de pacificação. Vamos con-tinuar nos alojamentos, por-que o que falta é informação a esses trabalhadores”.

A Camargo Corrêa, cons-trutora de Jirau, afirma que grande parte do contingente de trabalhadores retirados do canteiro de obras de Ji-rau já iniciou o retorno tem-porário para suas casas. So-mente neste final de semana foram fretados 12 voos para o embarque de mais de dois mil funcionários. Mais de 300 ônibus complementam o transporte de mais de oito mil pessoas que passaram pe-los quatro centros de triagem instalados em Porto Velho.

Segundo a empresa, todos os compromissos contratuais estão sendo rigorosamente honrados, como salários, ho-ras-extras e benefícios. Os be-nefícios estão de acordo com o estabelecido coletivamente com o sindicato da categoria e com a legislação, incluindo

cONSTRUTORA DIZ QUE cUMPRE AcORDOS

cesta básica, plano de saúde e participação nos resultados.

Para desfazer qualquer dú-vida, a empresa iniciou, em conjunto com o Sindicato dos

Trabalhadores de Rondônia, um mapeamento de possíveis insatisfações e reivindicações dos trabalhadores da obra em Jirau.

A Camargo Corrêa ainda não tem previsão de quando as obras de Jirau serão reto-madas. Esse atraso pode pre-judir o início de operação da usina, previsto para março do ano que vem. Segundo o pre-sidente do Consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), Victor Paranhos, ainda não se sabe a dimensão do impacto que a paralisação deve causar no cumprimento do cronogra-ma, o que ainda está sendo levantado.

A UHE Jirau terá capacida-de instalada de 3.450 Mega-

watts (MW) e energia assegu-rada superior a dois mil MW médios, suficientes para abas-tecer mais de 10 milhões de casas.

SANTO ANTÔNIO

O Consórcio Construtor Santo Antônio suspendeu na sexta-feira os trabalhos no canteiro de obras, com o ob-jetivo de evitar possíveis mo-tins, como os que ocorreram em Jirau. Segundo a empresa, hoje será avaliado o retorno dos trabalhos.

SEM PREvISÃO DE RETORNO

Homens se acomodam como podem