omissão

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Omissão É noite e chove. Um choro imenso Escorre das paredes Vitraliza o alcatrão E tremelicam às vezes Os candeeiros da estação. Nas arcadas do edifício O ferro envernizou-se Da humidade arrepiada E dois pedintes andrajosos Mancham a fachada Do painel de azulejos. É alegre o mural E, lavado por completo, Ganhou o brilho da estreia. Destoa ali a pobreza. Fica a noite mais feia No frio encolher da tristeza. Da minha varanda Vejo isto, aquecido, E ouço o tiritar constante Das gordas bagas de água. Angustia-me o instante Encharcam-se-me os olhos de mágoa. Mas é lá fora Nas arcadas da estação Coladas ao painel às cores Da cidade desenhada Que se acoitam as dores Da solidão descorada. Apequenam-se ainda Sob o capote velho. E na varanda aquecida Sinto frio e desconsolo. Puxo, então, a manta preferida A tapar-me dos pés ao colo. 4-11-14

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poesia sobre a realidade do nosso tempo

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Page 1: Omissão

Omissão

É noite e chove.Um choro imensoEscorre das paredesVitraliza o alcatrãoE tremelicam às vezesOs candeeiros da estação.

Nas arcadas do edifícioO ferro envernizou-se Da humidade arrepiadaE dois pedintes andrajososMancham a fachadaDo painel de azulejos.

É alegre o muralE, lavado por completo,Ganhou o brilho da estreia.Destoa ali a pobreza.Fica a noite mais feiaNo frio encolher da tristeza.

Da minha varanda Vejo isto, aquecido,E ouço o tiritar constanteDas gordas bagas de água.Angustia-me o instanteEncharcam-se-me os olhos de mágoa.

Mas é lá foraNas arcadas da estaçãoColadas ao painel às coresDa cidade desenhadaQue se acoitam as doresDa solidão descorada.

Apequenam-se aindaSob o capote velho.E na varanda aquecidaSinto frio e desconsolo.Puxo, então, a manta preferidaA tapar-me dos pés ao colo.

4-11-14