oliveira, brites & munhoz. o papel do ministério da defesa na política externa brasileira para a...

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49 Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 49 - 66, 2 o sem. 2010 O papel do Ministério da Defesa na política externa brasileira para a América do Sul The role of the Ministry of Defense in Brazilian foreign policy towards South America Guilherme Ziebell de Oliveira Pedro Vinícius Pereira Brites Athos Munhoz Resumo Este artigo estuda o papel desempenhado pelo Ministério da Defesa do Brasil na política externa do país para a América do Sul. Primeiramente, há uma análise dos antecedentes e da criação do Mi- nistério da Defesa, em 1999, e sua evolução até o presente. Segue-se uma seção sobre as políticas externa e de defesa do governo Lula, abordando- -se a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Bran- co de Defesa, em fase de discussão e produção. Analisa-se, também, a atuação do Ministério da Defesa sob o comando de Nelson Jobim, bem como os impactos de sua saída do cargo. Fica claro que a criação do Ministério representou, sobretudo, mesmo que sem sucesso imediato, a institucionalização do novo papel buscado para as Forças Armadas no cenário político interno e na política externa brasileira. Palavras-chave: Ministério da Defesa; Política externa brasileira; América do Sul; Estratégia Na- cional de Defesa; Livro Branco de Defesa Nacional. Abstract This article examines the role played by the Minis- try of Defense in Brazilian foreign policy towards South America. Firstly, there is an analysis of the background and creation of the Ministry of Defen- se in 1999, and its evolution to the present. The following section focuses on the foreign and de- fense policies of the Lula government, addressing the National Defense Strategy and the Defense White Paper, currently in stage of discussion and production. It also analyzes the role of the Mi- nistry of Defense under Nelson Jobim, as well as the impact of his departure from office. It is clear that the creation of the Ministry has represented, although without immediate success, the institu- tionalization of the new role sought for the armed forces in both the internal political scenario and Brazilian foreign policy. Key words: Ministry of Defense; Brazilian foreign policy; South America; National Defense Strategy; National Defense White Paper.

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Análise do papel do ministério da defesa na política externa brasileira para a América do Sul.

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  • 49 Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 49 - 66, 2o sem. 2010

    O papel do Ministrio da Defesa na poltica externa brasileira para a Amrica do Sul

    The role of the Ministry of Defense in Brazilian foreign policy towards South America

    Guilherme Ziebell de OliveiraPedro Vincius Pereira Brites

    Athos Munhoz

    ResumoEste artigo estuda o papel desempenhado pelo Ministrio da Defesa do Brasil na poltica externa do pas para a Amrica do Sul. Primeiramente, h uma anlise dos antecedentes e da criao do Mi-nistrio da Defesa, em 1999, e sua evoluo at o presente. Segue-se uma seo sobre as polticas externa e de defesa do governo Lula, abordando--se a Estratgia Nacional de Defesa e o Livro Bran-co de Defesa, em fase de discusso e produo. Analisa-se, tambm, a atuao do Ministrio da Defesa sob o comando de Nelson Jobim, bem como os impactos de sua sada do cargo. Fica claro que a criao do Ministrio representou, sobretudo, mesmo que sem sucesso imediato, a institucionalizao do novo papel buscado para as Foras Armadas no cenrio poltico interno e na poltica externa brasileira.Palavras-chave: Ministrio da Defesa; Poltica externa brasileira; Amrica do Sul; Estratgia Na-cional de Defesa; Livro Branco de Defesa Nacional.

    AbstractThis article examines the role played by the Minis-try of Defense in Brazilian foreign policy towards South America. Firstly, there is an analysis of the background and creation of the Ministry of Defen-se in 1999, and its evolution to the present. The following section focuses on the foreign and de-fense policies of the Lula government, addressing the National Defense Strategy and the Defense White Paper, currently in stage of discussion and production. It also analyzes the role of the Mi-nistry of Defense under Nelson Jobim, as well as the impact of his departure from office. It is clear that the creation of the Ministry has represented, although without immediate success, the institu-tionalization of the new role sought for the armed forces in both the internal political scenario and Brazilian foreign policy.Key words: Ministry of Defense; Brazilian foreign policy; South America; National Defense Strategy; National Defense White Paper.

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    ste trabalho tem como objetivo analisar o papel do Ministrio da Defesa na formulao e execuo da poltica externa brasileira. Para tanto, busca discutir o seu perfil institucional, sua relao com o Ministrio das Relaes Exteriores (MRE) e suas principais inicia-tivas recentes.

    Assim, procura-se verificar se o Ministrio da Defesa (MD) de-veria exercer um papel ativo na gesto da poltica externa e em que medida, enquanto instituio, ele pode contribuir para a insero externa brasileira, especificamente no mbito sul-americano. Para isso, este trabalho se valer de uma anlise histrica do MD, visan-do construo de um quadro analtico-estrutural que nos permi-ta perceber as limitaes e possibilidades do ministrio enquanto agente de poltica externa. Afinal, o Ministrio da Defesa um dos grandes rgos institucionais brasileiros capazes de interferir na esfera externa, e, alm disso, o ministrio habilitado a reintegrar as Foras Armadas agenda poltica civil ps-regime militar.

    A criao do Ministrio da Defesa, em 1999, resulta de um movimento que se inicia no final dos anos 1980. Com o fim da Guerra Fria, as Foras Armadas sofriam com a falta de objetivo. Tendo em vista que no havia mais a bipolarizao que outrora nor-teara a disposio geopoltica dos pases e a consequente necessida-de de uma presena militar ativa, os militares foram colocados em uma espcie de ostracismo, sem um papel atuante na nova agenda democrtica brasileira (FUCCILE, 2006). Os questionamentos que decorriam desse novo panorama buscavam definir o novo papel das Foras Armadas. As respostas iam desde a extino, passando por combate ao crime organizado (trfico de drogas, contrabando de armas), pela realizao de obras de infraestrutura, at uma re-organizao atendendo a um novo emprego estratgico. Porm, para que houvesse uma redefinio do papel militar, seria neces-srio superar, ou contornar, os problemas histricos das relaes entre civis e militares.1

    A primeira resposta a esse problema comeou a ser dada com a utilizao de fora militar na resoluo de problemticas inter-nas.2 Essa nova fase, verificada no primeiro mandato do presidente

    1. No abordaremos aqui o problema das relaes entre civis e militares. Para uma me-lhor compreenso sugerimos a obra de Celso Castro e Maria Celina DAraujo, intitulada Militares e poltica na Nova Repblica. 2. Um marco desse novo emprego do aparato militar a Operao Rio, realizada en-tre o fim de 1994 e o incio de 1995, para combater o narcotrfico e o contrabando de armas nos morros do Rio de Janeiro.

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    Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), representou um pon-to de inflexo na crise de identidade enfrentada pelos militares. Alm disso, comeou a estabelecer bases para a futura criao do Ministrio da Defesa. Apesar de configurar uma mudana radical na histria das relaes entre civis e militares, a criao do MD no conseguiu, inicialmente, defini-lo como um rgo de planejamento estratgico nem um rgo de articulao entre as Foras Armadas e a agenda governamental de poltica externa (ZAVERUCHA, 2005). Essa conjuntura de indefinio, que persistiu por alguns anos, co-meou a mudar significativamente a partir da chegada de Nelson Jobim ao Ministrio, quando se conseguiu uma melhora na intera-o entre as Foras Armadas e a agenda governamental especial-mente em relao pauta externa.

    Destarte, no intuito de analisar o papel do Ministrio da De-fesa na formulao e execuo da poltica externa nacional, o tra-balho ser dividido da seguinte maneira: na primeira seo sero analisados os primeiros anos do MD, no contexto do governo Fer-nando Henrique Cardoso; em um segundo momento, o foco ser nos primeiros anos do governo Lula, e as mudanas na conduo da poltica externa at a chegada de Jobim ao MD. Aps essa anlise, verificar-se- o perfil do novo ministro at a sua sada, e as mudan-as ocasionadas pela ascenso do governo Dilma e a nomeao de Celso Amorim para o cargo de ministro da Defesa. Por fim, a partir da anlise realizada, a ltima seo identificar as possibilidades e limitaes do MD como agente da poltica externa. Conclui-se que o ministrio, atuando em conjunto com o Ministrio das Relaes Exteriores, fundamental na conduo da agenda externa brasi-leira para a Amrica do Sul o que pode ser verificado atravs das recentes iniciativas, tais como a Estratgia Nacional de Defesa e a elaborao do Livro Branco de Defesa Nacional.

    A poltica externa do governo Fernando Henrique Cardoso

    possvel constatar a existncia de duas fases na poltica ex-terna do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que Silva chama de otimismo liberal e globalizao assimtrica, divididos principalmente pela crise financeira e cambial de 1998-9 (SILVA, 2008). Na primeira fase, as polticas foram inicialmente marcadas por uma linha neoliberal, caracterizada por medidas de ajuste fis-

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    cal e abertura econmica. Alm disso, o deficit comercial do Brasil no perodo demandava a atrao de investimentos externos, funda-mental para financiar esse deficit. No campo externo, tratava-se, ento, de priorizar a economia em detrimento da poltica (ALSINA JNIOR, 2003, p. 59). Nesse sentido, a poltica externa consistia na defesa do multilateralismo globalista e de valores ocidentais, como a democracia e o liberalismo econmico. O pas buscou se aproximar principalmente dos pases desenvolvidos e construir uma boa imagem internacional.

    A fuga de capitais, consequncia das crises asitica e russa, no entanto, forou o governo a uma inflexo no apenas na sua poltica econmica, mas tambm na poltica externa, alterando sua percepo sobre a globalizao econmica. Se antes era elogiada, aps a crise ela passou a ser tratada como um processo assimtrico e prejudicial (SILVA, 2008).

    Poltica externa de FHC para a Amrica do Sul

    Durante seus primeiros anos, o governo FHC, especialmente at o ano de 1999, teve na integrao comercial, caracterizada pelo Mercosul, sua prioridade na Amrica do Sul. Entretanto, a deciso do Brasil de flexibilizar unilateralmente seu cmbio afetou de forma negativa as relaes com a Argentina e os demais pases do bloco, de tal modo que o comrcio intrabloco caiu metade depois de 1999 (ALMEIDA, 2011).

    Como resposta crise do Mercosul e desconfiana com rela-o globalizao, o pas ampliou, em termos geogrficos e subs-tantivos, o escopo da integrao regional e, por outro lado, reduziu o espao prioritrio de atuao poltica. Dessa forma, a Amrica do Sul tornou-se efetivamente o foco principal da poltica externa brasileira. A 1 Reunio de Presidentes da Amrica do Sul e a cria-o da Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Sul-Americana (Iirsa), em 2000, apontando a importncia da infraestrutura para a integrao das economias regionais, refletem essas mudanas (VI-ZENTINI, 2005). O Brasil tambm atuou para garantir a estabilida-de dos governos na regio, como demonstrado nas crises polticas no Paraguai e na Venezuela e na defesa da autodeterminao quan-do da terceira eleio de Fujimori no Peru, bem como na incluso da clusula democrtica no Mercosul (VIGEVANI; OLIVEIRA; CIN-TRA, 2004).

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    Polticas para a defesa e coordenao com a poltica externa

    A atuao do governo FHC nessa rea foi incipiente. Embora tenha tido o mrito de levar a cabo o lanamento da Poltica de Defesa Nacional (PDN), do Conselho de Relaes Exteriores e De-fesa Nacional (Creden) e a criao do Ministrio da Defesa (MD), o relacionamento entre governo e militares no foi coordenado, tam-pouco harmonioso (ZAVERUCHA, 2005).

    Alm disso, embora a coordenao entre a poltica externa e a poltica de defesa fosse expressa como desejvel, a poltica externa praticada pelo governo Fernando Henrique Cardoso fortemente influenciada pelo pensamento institucionalista e pela priorizao do econmico sobre o poltico no atribua carter determinante s Foras Armadas no papel internacional do pas. Assim, o princi-pal campo de atuao dos militares na poltica externa brasileira foi a participao em operaes de paz (ALSINA JNIOR, 2003).

    PDN, Creden: antecedentes da criao do Ministrio da Defesa

    Embora a criao do Ministrio da Defesa tenha sido uma das propostas da campanha do ento candidato Presidncia Fernan-do Henrique Cardoso, em 1994, sua efetivao ocorreu apenas em 1999. possvel afirmar que a resistncia dos militares em aceitar o controle civil foi decisiva para protelar a criao do MD (ALSINA JNIOR, 2003). Ao longo desse perodo, o governo federal buscou, por outros meios, ampliar a discusso sobre defesa no Brasil.

    Em 1996, houve o lanamento do Creden, que reunia os mi-nistros das Foras Armadas (Marinha, Exrcito, Aeronutica e Es-tado-Maior das Foras Armadas), da Casa Civil, Casa Militar, Rela-es Exteriores, Justia e da Secretaria de Assuntos Estratgicos, buscando expandir o locus de discusso sobre defesa e segurana nacionais. Por determinao do presidente, o Creden elabora a Po-ltica de Defesa Nacional, aprovada no final do mesmo ano.

    Embora haja crticas PDN, como o fato de no ser propria-mente um documento de defesa (ALSINA JNIOR, 2003), foi pio-neiro na coordenao entre poltica externa e poltica de defesa, oferecendo uma viso do papel da defesa no projeto nacional, e lan-ava a base para a cooperao regional nesse campo, mesmo que fosse muito genrico (FERNANDES, 2006).

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    Aps essa fase inicial, ainda durante o governo Fernando Hen-rique Cardoso, h a adoo de uma agenda militar especfica, com destaque para a revitalizao de projetos como o Sivam, o Calha Norte e o submarino nuclear. Todas essas aes ajudaram a inte-grar as Foras Armadas organicidade do governo.

    O processo de criao do Ministrio da Defesa foi conduzido pelo ministro-chefe do Estado-Maior das Foras Armadas, o general Benedito Onofre Leonel. A resistncia dos militares ao controle ci-vil e a falta de coordenao entre o comando civil do ministrio e os comandantes das respectivas Foras Armadas atravancaram sua atu-ao. O resultado, portanto, foi a fragilidade do Ministrio (ZAVE-RUCHA, 2005). Assim, lcio lvares e Geraldo Quinto, os primei-ros ministros da Defesa, tiveram dificuldades na conduo da pasta. lvares desgastou-se por denncias de corrupo e foi demitido dias aps um incidente envolvendo soldados do Exrcito e jornalistas na praia de Copacabana. Geraldo Quinto assumiu e adotou uma polti-ca de low profile, procurando no confrontar os militares e, em alguns casos, at mesmo defender posies dos militares contra o governo. Quinto saiu do cargo bem relacionado com os militares, mas perma-necia a situao de esvaziamento e inoperncia do Ministrio.

    A poltica externa do governo Lula

    O governo de Lus Incio Lula da Silva (2003-2010) adotou uma postura, em termos externos, divergente da poltica externa de ca-rter bilateral que preponderara na dcada de 1990 (PECEQUILO, 2008). Sua poltica foi marcada por uma diplomacia multilateral, ar-ticulada por uma aproximao com os pases do eixo Sul, e de dilogo no eixo Norte/Sul. Essa nova agenda de poltica externa recolocou a Amrica do Sul como uma de suas prioridades e, dessa forma, algu-mas iniciativas foram tomadas, ou revisadas, dentre elas a reviso do plano estratgico (2004-2012) da Organizao do Tratado de Coope-rao Amaznica. Alm disso, conforme os discursos do ex-presiden-te Lula, a integrao sul-americana tornava-se prioridade, seja em termos polticos, econmicos, de infraestrutura, de energia ou mi-litares. Ainda assim, durante o seu primeiro mandato (2003-2006), o Ministrio da Defesa manteve a falta de legitimidade herdada do perodo anterior. A incapacidade dos ministros da Defesa do governo Lula, bem como dos setores militares de se aproximarem, contribuiu para a manuteno do status do Ministrio.

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    Nelson Jobim frente da Defesa

    O cenrio de falta de legitimidade do Ministrio da Defesa co-meou a mudar a partir da crise area iniciada em 2006,3 que culmi-nou com a queda do ento ministro Waldir Pires e com a ascenso de Nelson Jobim ao cargo, com a misso de acabar com o caos areo e de realizar uma reforma no sistema de controle de voos (OLIVEIRA, 2009). O novo ministro assumiu com um discurso de consolidao da pasta, buscando uma reestruturao da organizao e a adeso dos militares. Com isso, o Ministrio da Defesa passou a ser mais atuante na agenda de poltica externa do governo brasileiro.

    Verificou-se, a partir (e ao longo) do segundo mandato do governo Lula, um aprofundamento da importncia da Amrica do Sul para a poltica externa brasileira. A criao da Unio de Naes Sul-americanas (Unasul) e do Conselho Sul-americano de Defesa (CSD), ambos em 2008, so exemplos claros dessa evoluo. Assim, alm de um engajamento natural do Ministrio das Relaes Exte-riores nessa nova fase, o esforo teria de compreender mais reas do governo brasileiro. Um dos esforos que deveria ser empreendi-do seria aquele relativo integrao dos militares na elaborao e execuo dessa agenda. A chamada diplomacia militar, que a priori seria encabeada pelo Ministrio da Defesa, constituiria um im-portante canal de dialogo no mbito sul-americano4 (MEDEIROS FILHO, 2009). O Ministrio da Defesa, portanto, deveria aliar-se agenda sul-americana de integrao, pois, assim, alm de contri-buir para a execuo da poltica externa do governo Lula, serviria para pr fim crise de identidade sofrida pelos militares desde a instituio da nova fase da Repblica.

    A partir disso, alguns importantes eixos relacionados a essa te-mtica foram estabelecidos: a publicao do Cenrios para o Exr-cito Brasileiro em 20225 de 2005, a Estratgia Nacional de Defesa

    3. Essa crise, chamada de apago areo, iniciou-se por ocasio do acidente com o voo da Gol 1907, e teve o seu pice em 2007, com o acidente envolvendo um avio da TAM no aeroporto de Congonhas, em So Paulo, em que todos os passageiros morreram.

    4. Segundo Oscar Medeiros, cogita-se que a inexistncia de conflitos militares tradicio-nais deva-se cooperao entre as Foras Armadas da regio.

    5. Documento que busca identificar as diferentes imagens que o ambiente externo pode vir a ter at o ano 2022, bem como capacitar o Ministrio da Defesa e as Foras Armadas a decidir sobre possibilidades futuras, definindo estratgias, a fim de alterar, a seu favor, probabilidades de ocorrncia de acontecimentos abrangidos por sua esfera de competncia; e/ou prepar-los para enfrentar (ou aproveitar) acontecimentos fora de sua competncia (BRASIL, 2006).

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    (2008) e a elaborao do Livro Branco de Defesa (ainda em curso), bem como os projetos FX-2, Sinamob e de produo de submarinos nucleares. Essas iniciativas so exemplos, no s da importncia do Ministrio da Defesa na agenda de poltica externa brasileira (e tam-bm sul-americana), mas tambm de uma busca por maior articu-lao entre os setores civil e militar nacionais. Alm disso, todos os projetos esto voltados, direta ou indiretamente, para o reaparelha-mento e/ou modernizao das Foras Armadas brasileiras, reforan-do a maior relevncia dada atualmente questo. Para compreender-mos melhor a importncia e o papel do Ministrio da Defesa nesses ltimos anos, analisaremos na prxima seo o perfil da Estratgia Nacional de Defesa e do Livro Branco de Defesa, bem como a relao entre eles, alm de outros projetos desenvolvidos no perodo.

    A Estratgia Nacional de Defesa

    Elaborada por uma ao interministerial, presidida pelo Minis-trio da Defesa e coordenada pela Secretaria de Assuntos Estratgi-cos, a Estratgia Nacional de Defesa (END) um documento que tem por objetivo nortear as aes do Estado brasileiro visando moder-nizao e ao reaparelhamento das suas Foras Armadas. Em 2007, foi criado pelo presidente Lula um grupo de trabalho interministerial que, alm do Ministrio da Defesa e da Secretaria de Assuntos Estra-tgicos, contou com a participao dos Ministrios do Oramento e Gesto, do Planejamento, da Fazenda e de Cincia e Tecnologia, alm da participao dos comandantes das Foras Armadas e de membros da sociedade civil, sobretudo aqueles com reconhecido saber no campo da Defesa (BRASIL, 2008), e que foi incumbido da elabora-o da END. Em dezembro de 2008, o documento final foi aprovado pelo presidente Lula e a END entrou em vigor.

    A Estratgia se foca em aes de mdio e longo prazo, que tm por objetivo a modernizao da defesa nacional. Para alcan-ar esse objetivo, portanto, as aes so estruturadas em trs eixos principais (reorganizao das Foras Armadas, reviso da poltica de composio dos efetivos das Foras Armadas e reestruturao da indstria nacional de material de defesa), sempre consideran-do que a estratgia nacional de defesa inseparvel da estratgia nacional de desenvolvimento (BRASIL, 2008). Esses trs eixos tm como objetivo garantir uma maior integrao entre Marinha, Exrcito e Aeronutica (tornando as trs foras capazes de atuar em

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    rede e, assim, assegurando o monitoramento paralelo do territ-rio, do espao areo e das guas jurisdicionais brasileiras), garantir autossuficincia tecnolgica e autonomia nacional em termos de aparelhamento das Foras Armadas e realizar uma reestruturao no servio militar do pas, garantindo que todas as classes sociais estejam representadas nas Foras Armadas.

    Dessa forma, diversas diretrizes so enunciadas como pontos fundamentais para consecuo dos objetivos da END. Entre essas, podemos destacar como principais: a priorizao da defesa da re-gio amaznica; a melhor distribuio das Foras Armadas no ter-ritrio nacional, de forma a proteger melhor o conjunto do territ-rio (e especialmente as reas consideradas mais sensveis: Norte, Oeste e Atlntico Sul) sem, entretanto, descuidar das fronteiras; a preparao dos efetivos militares para que, nos termos da Cons-tituio Federal, realizem misses de garantia da lei e da ordem; o estmulo integrao da Amrica do Sul; e uma reestruturao no comando das Foras Armadas, dando maiores poderes ao Minist-rio da Defesa (alm de ter como objetivo o aumento da participao de atores civis nos postos dirigentes deste). Apesar de as diretrizes serem bastante diferentes entre si, todas possuem um eixo comum: a defesa de atitudes que aumentem a ou que se baseiem na inde-pendncia tecnolgica do pas.

    Em seguida, a END apresenta as atitudes a serem tomadas em cada uma das trs foras (Exrcito, Marinha e Aeronutica), bem como em relao aos setores tecnolgicos estratgicos (espacial, ciberntico e nuclear) e reestruturao da indstria nacional de material de defesa e ao servio militar obrigatrio, estabelecendo metas e objetivos para cada um desses pontos. Pretende-se, atra-vs destes, fazer uma melhor utilizao e preparao dos efetivos militares brasileiros, cada vez mais representativos da sociedade brasileira, alm de garantir a independncia tecnolgica do pas e gerenciar melhor os recursos destinados pesquisa e desenvolvi-mento na rea de tecnologia de defesa.

    Na sua segunda metade, a END busca explicitar as medidas que sero tomadas para a sua efetiva implementao. Assim, fei-ta uma anlise dos principais aspectos positivos e das principais vulnerabilidades da defesa nacional atualmente, o que permite in-dicar as principais oportunidades a serem exploradas para viabili-zar a implantao da END. Entre essas medidas, as principais so a possibilidade de um maior envolvimento da sociedade civil nas

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    questes de defesa (uma vez que esta se encontra ainda bastante distante do tema), a necessidade de regularizao e continuidade na alocao dos recursos do oramento para a defesa (evitando-se, assim, a obsolescncia do equipamento em uso) e o condiciona-mento da compra de produtos de defesa no exterior transferncia tecnolgica significativa ao Brasil. Na ltima parte do documento, so enunciadas as aes estratgicas a serem adotadas em diversas reas6 com o objetivo de orientar a implementao da Estratgia Nacional de Defesa.

    O Livro Branco de Defesa Nacional

    No ano de 2010, foi alterada a Lei Complementar n 97, de 1999 (BRASIL, 1999), que dispe sobre as normas gerais para a organizao, o preparo e o emprego das Foras Armadas. Ela pas-sou assim, entre outros, a prever a elaborao de um Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), documento que expressa a viso e as atitudes tomadas pelo governo em relao defesa nacional. Para a elaborao do LBDN, a exemplo da criao da EDN, foi criado um grupo interministerial de trabalho que, em conjunto com o Minis-trio da Defesa, deveria realizar, ao longo de 2011 e 2012, o le-vantamento de todos os assuntos relacionados defesa nacional a serem inseridos no livro. Alm disso, uma srie de seminrios em todas as regies do pas, workshops e oficinas temticas foram re-alizados ao longo de 2011, com o objetivo de tratar o tema com especialistas, civis e militares, enriquecendo assim a produo do LBDN, mas tambm de aproximar a sociedade civil da discusso. A previso que at novembro de 2012 o livro esteja concludo e possa ser lanado.

    O objetivo do governo com o lanamento do LBDN publi-car, como o fazem outros pases, um documento pblico que con-tenha anlises realizadas pelo governo sobre a segurana, interna e externa, do pas, bem como seus projetos de implementao das polticas de defesa. Alm disso, o LBDN deve conter uma descrio ampla das capacidades das Foras Armadas, incluindo-se a seus oramentos e equipamentos, bem como as projees de gastos e aquisies para o futuro.

    6. Cincia e tecnologia, recursos humanos, ensino, mobilizao, logstica, indstria de material de defesa, comando e controle, adestramento, inteligncia de defesa, doutrina de operaes conjuntas, operaes de paz, infraestrutura, garantia da lei e da ordem, estabilidade regional, insero internacional, segurana nacional.

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    END versus LBDN

    A END representa um avano em relao aos documentos de Poltica Nacional de Defesa anteriores a ela (BRASIL, 2005). Alm de fixar as bases para a consolidao do poder civil na direo da defesa nacional, com a determinao dos papis que cabem nes-se processo aos civis e ao brao militar (JOBIM, 2009), a END aborda temas at ento pouco (ou nada) explorados em docu-mentos pblicos, como a composio organizacional e as prticas operacionais das Foras Armadas, e tambm suas capacidades e os meios necessrios para assegurar sua efetividade. Alm disso, ao longo de todo o documento fica clara a preocupao de seus elaboradores com o contexto internacional e, sobretudo, sub-re-gional. Assim, a END prope que haja um estmulo integrao sul-americana, o que reduziria as possibilidades de conflitos na regio, alm de aumentar a dimenso do mercado regional de tec-nologia de defesa, contribuindo assim para a indstria e para a defesa nacional.

    Assim, conforme afirma Hector Luis Saint-Pierre:

    A importncia do documento que tornou pblica a END reside em sua prpria existncia: pela primeira vez o Brasil expe para o mundo seu pensamento estratgico para a defesa; suas percepes regionais, hemisfricas e mundiais; suas hipteses de emprego das foras e os planos de ativao dos meios; suas preocupaes com o desenvolvimento cientfico-tecnolgico autnomo e da indstria para a defesa. (SAINT-PIERRE, 2010, p. 17)

    Contudo, apesar de todas as suas virtudes, a END peca por no ter sido fruto de um grande debate nacional, pois, apesar de ter como objetivo aproximar a sociedade civil dos temas de defesa nacional, a elaborao do documento no contou com grande par-ticipao de intelectuais e especialistas civis. nesse sentido que o LBDN tem sua importncia reforada. Alm de possuir um projeto de elaborao muito mais rebuscado, contando com a participao de diversas camadas da sociedade, pretende-se que o Livro Branco cubra as lacunas deixadas pelas polticas e pela estratgia anterio-res. Ainda, espera-se que a publicao desse documento aproxime a sociedade civil dos temas de defesa, alm de deixar claro para ela e para a comunidade internacional, atravs de dados concretos re-lativos a oramento e capacidades (equipamentos e efetivos), bem como de projees para o futuro, quais so as intenes do governo brasileiro em relao segurana do pas.

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    Guilherme Ziebell de Oliveira et al.

    Projeto FX-2

    O projeto de renovao da frota area militar brasileira teve in-cio ainda no governo FHC. O Projeto F-X selecionou, dentre diver-sos concorrentes, trs finalistas, o francs Dassault Mirage 2000-5, o sueco SAAB JAS-39 Gripen e o russo Sukhoi Su-35. Contudo, dada a proximidade com as eleies presidenciais, em 2002, as decises foram postergadas, ficando a cargo do governo seguinte (MORAIS, 2010). Quando o governo Lula assumiu, o Projeto F-X foi encerra-do em razo, principalmente, da prioridade dada consolidao das polticas sociais frente s questes securitrias e de defesa.

    J no segundo mandato do governo Lula, a descoberta das re-servas de petrleo do pr-sal, aliada ao evidente sucateamento do aparelhamento militar brasileiro, levaram o governo ao relanamen-to da concorrncia, desta vez sob o nome de Projeto FX-2, para que fossem escolhidos e comprados 36 caas. Novamente, trs finalistas foram escolhidos (o F/A-18E/F Super Hornet estadunidense, o Das-sault Rafale francs e o SAAB Gripen NG sueco), mas a escolha e com-pra definitiva dos caas no foram, at agora, efetuadas.

    Sinamob

    O Sistema Nacional de Mobilizao (Sinamob), lanado em 2007 pela Lei n 11.631 (BRASIL, 2007), composto por um con-junto de rgos que atuam integrados e de modo ordenado, e que tem como objetivo o planejamento e a realizao das diferentes fa-ses da mobilizao e da desmobilizao nacional. O sistema es-truturado em direes setoriais, responsveis pelas necessidades de mobilizao nacional nas reas poltica, econmica, social, psi-colgica, de segurana e inteligncia, de defesa civil, de cincia e tecnologia e militar.

    No ano seguinte, o governo lanou o Decreto n 6592/08 (BRASIL, 2008), que regulamenta a lei de criao do Sinamob. Esse decreto mostra uma nova postura brasileira em termos de poltica externa e de defesa. Nele so estabelecidos novos limites de atua-o brasileira na defesa de seus interesses, ampliando as possibili-dades de intervenes sobre agresses, alm do prprio conceito de agresso estrangeira:

    So parmetros para a qualificao da expresso agresso estran-geira, dentre outros, ameaas ou atos lesivos soberania nacio-

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    nal, integridade territorial, ao povo brasileiro ou s instituies nacionais, ainda que no signifiquem invaso ao territrio nacional. (BRASIL, 2008. Destaque nosso)

    O governo Dilma e a sada de Jobim

    O incio do governo de Dilma Rousseff demonstrou que a con-tinuidade em relao ao governo Lula iria prevalecer. No mbito da poltica externa, apesar da sada de Celso Amorim aps oito anos como chanceler, as diretrizes bsicas que guiaram a atuao brasi-leira na Amrica do Sul foram mantidas. O ministro escolhido para substituir Amorim foi Antonio Patriota,7 que, com perfil mais dis-creto do que o do seu antecessor, manteve a postura de aproxima-o e dilogo com os pases do subcontinente sul-americano.

    Logo nos primeiros meses de seu governo, Dilma enfrentou a sada de Nelson Jobim8 do Ministrio da Defesa. primeira vista, essa sada pareceu simbolizar uma ruptura com os avanos obtidos durante os ltimos anos de governo Lula, especialmente quando o escolhido para suced-lo foi o ex-chanceler Celso Amorim. Todos os fantasmas acerca do relacionamento entre militares e diplomatas voltaram tona, e remeteram aos perodos mais incertos de funcio-namento do MD. Entretanto, a escolha de Celso Amorim represen-tou no s uma opo por algum forte publicamente, mas a escolha de algum inegavelmente alinhado com a poltica externa brasileira e que poderia facilitar a integrao das agendas ministeriais.

    Alm da rivalidade histrica entre militares e diplomatas, a promulgao da lei que estabeleceu a Comisso da Verdade,9 cujo objetivo examinar e esclarecer possveis violaes de direitos hu-manos durante o perodo do regime militar, gerou certa animosi-dade entre os militares e o governo. Apesar de o resultado social e poltico ainda ser imprevisvel, criou-se uma situao de desconfor-to para o novo ministro. Dado esse panorama, a presidente decidiu adotar a mesma atitude que Lula adotara para fortalecer Jobim. Essa operao de fortalecimento do ministro ter duas frentes: de

    7. Antonio Patriota ocupou cargos de confiana durante a chancelaria de Amorim. Alm de secretrio-geral das Relaes Exteriores, foi o embaixador brasileiro em Wa-shington (2007-2009).

    8. A sada de Nelson Jobim deveu-se, em grande medida, repercusso pblica de de-claraes polmicas feitas pelo ento ministro acerca de colegas de governo, pondo em xeque seu alinhamento poltico com o governo Dilma.

    9. A Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011.

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    um lado, a liberao de recursos para a pasta; e de outro, sinais po-lticos que no deixem dvidas aos militares da ativa10 de que Amo-rim o nico interlocutor da categoria que ter acesso presidncia para negociar, tanto soldos, quanto o prprio reaparelhamento das Foras Armadas.11

    O quadro descrito remete ao fato de que o MD ainda sofre al-gumas dificuldades histricas. A postura do governo Dilma, entre-tanto, a de buscar fortalecer o papel das Foras Armadas, e do pr-prio ministro, dado que a conduo do ministrio tem se mostrado dependente da personalidade do titular da pasta. A integrao da agenda do Itamaraty e do MD, que pode ser facilitada por Amorim, apesar de ser passo fundamental no xito do projeto brasileiro, ain-da est vinculada fortemente s questes de dilogo interno entre civis e militares.

    Consideraes finais

    A coordenao entre poltica externa e poltica de defesa no uma caracterstica tradicional do Estado brasileiro, ao menos no que concerne ao perodo aps o governo militar. Mesmo a criao do Ministrio da Defesa, em 1999, no usualmente identificada como parte de uma estratgia mais ampla em termos de poltica exterior, mas sim de questes de poltica interna como o controle civil sobre as Foras Armadas, a reintegrao dos militares ao pro-cesso democrtico e sua sada do ostracismo.

    Entretanto, no podemos descartar, como afirma Silva, o pa-pel da criao da poltica de defesa nacional, ainda em 1996, como ferramenta poltica com dupla funo: a de avanar na subordina-o da caserna ao poder civil e apontar para a mudana das bases conceituais em que se assentava a preparao militar, vinculando-o agenda externa (SILVA, 2008, p. 320). A criao do Ministrio da Defesa foi, portanto, a institucionalizao do novo papel buscado para as Foras Armadas no cenrio poltico brasileiro.

    Isso no significa que houve uma maior coordenao entre as polticas externa e de defesa ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente porque a resistncia em considerar o uso

    10. O ncleo-duro das reaes criao da Comisso da Verdade emergiu entre os mi-litares da reserva.

    11. O oramento federal de 2012 prev um aumento dos recursos liberados para o MD. Em 2012, 64 bilhes de reais foram destinados ao Ministrio da Defesa, enquanto no ano anterior foram designados cerca de 61 bilhes (EXMAN et al., 2012).

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    da fora nas relaes internacionais diminua a percepo da im-portncia das Foras Armadas, bem como estava em andamento uma redefinio da prpria poltica externa brasileira. Buscou-se expandir os temas e o espao geogrfico da cooperao, fato com-provado pela primeira reunio de presidentes da Amrica do Sul e a criao da Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), em 2000.

    Contudo, por fatores como a difcil relao do governo com os militares e o ostracismo no qual os militares e a rea de defesa estiveram no Brasil desde o fim do governo militar, o Ministrio da Defesa s recentemente conseguiu fortalecer sua participao na discusso sobre poltica externa. O papel do ministro Nelson Jobim como um dos principais defensores da criao do Conselho Sul-Americano de Defesa mostrou um avano no alinhamento en-tre seu Ministrio e a agenda externa dos governos Lula e Dilma, voltados para o fortalecimento da integrao regional, representa-do no projeto da Unasul.

    Como identificou Soares de Lima (BRASIL, 2011), a coopera-o na rea de defesa pode gerar spillovers positivos como a integra-o das bases industriais de defesa dos pases sul-americanos, bem como a definio de agendas de defesa e segurana coletivas, mais identificadas com os problemas dos pases sul-americanos e menos com as questes interamericanas (BRASIL, 2011).

    A integrao das bases industriais de defesa importante em trs sentidos: primeiro, ao constituir uma oportunidade econmica para a regio, pela gerao de emprego e renda; segundo, pela possi-bilidade de canalizar investimentos em pesquisa e desenvolvimen-to e produo de tecnologia militar (ou at dual), no dependendo de tecnologias externas, facilitando a exportao de itens militares para outros pases e, por fim, ao garantir maior transparncia com relao aos gastos, quantidade e classificao de itens utilizados pe-las Foras Armadas da regio. Em ltima instncia, possvel argu-mentar que a cooperao entre as Foras Armadas seria facilitada pela estandardizao dos equipamentos militares.

    A definio de polticas de defesa e segurana coletivas tem a funo de dar coeso ao processo de integrao poltica e institu-cional, atravs da deliberao conjunta sobre os temas supracita-dos. Nesse cenrio, um Ministrio da Defesa forte, integrado aos processos decisrios nacionais e regionais e capaz tecnicamente e institucionalmente de atuar conforme essas polticas funda-

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    mental para o sucesso desse processo. A maioria dessas proposies ainda est no campo das possibilidades, mas o governo brasileiro parece disposto a aceitar que o concerto da rea de defesa no s com a poltica externa tender a facilitar um processo de integrao regional bem-sucedido, com desenvolvimento industrial e tecnol-gico do pas e da Amrica do Sul.

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