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Olhar De Professor

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Olhar DeProfessor

Amauri Ap. B. de Oliveira (UEM)Antônio Chizzotti (PUC-SP)Berenice Corsetti (UNISINOS)Carlos Roberto Jamil Cury (PUC-MG)Célia Finck Brandt (UEPG)Dionísio Burak (UNICENTRO)Elisabete Maria Garbin (UFRGS)Elisabete M. A. Pereira (UNICAMP)Emília Freitas de Lima (UFSCar)Georfrávia Montoza Alvarenga (UEL)Ilma Passos Alencastro Veiga (UnB)Ivani Catarina Arantes Fazenda (PUC-SP)Jaime Giolo (UPF)Jefferson Mainardes (UEPG)José Carlos Libâneo (UCG)José Luis Sanfelice (UNICAMP)Júlio Emílio Diniz Pereira (UFMG)Leide Mara Schmidt (UEPG)Lucinea Aparecida de Rezende (UEL)Maria Antônia de Souza (UEPG)

Maria da Graça N. Mizukami (UFsCar)Maria Eulina Pessoa de Carvalho (UFPB)Maria Isabel Moura Nascimento (UEPG)Maria José Dozza Subtil (UEPG)Mariná Holzmann Ribas (UEPG)Marlene Araujo de Carvalho (FSA/UFPI)Myrtes Alonso (PUC-SP)Nídia Nacib Pontuschka (USP)Núria Hanglei Cacete (USP)Oswaldo Alonso Rays (UPF)Pura Lúcia Oliver Martins (PUC-PR)Rejane Aurora Mion (UEPG)Rosilda Baron Martins (CESCAGE)Silvia Christina Madrid Finck (UEPG)Teresa Jussara Luporini (UNICS)Valeska Fortes de Oliveira (UFSM)Vera M. Nigro Souza Placco (PUC-SP)Wanda Pacheco Santos (UNICENTRO)Yoshie Ussami Ferrari Leite (UNESP)

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL

Angel I. Pérez-Gómez(Universidad de Málaga)

Glória Ladson-Billings(University of Madison)

Idália Sá-Chaves (Universidade de Aveiro)Ingrid Lunt (University of London)Kenneth Zeichner (University of Madison)Michael Reiss (University of London)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

REITOR

VICE-REITOR

CHEFE DO DEPARTAMENTO DE MÉTODOS ETÉCNICAS DE ENSINO

COORDENAÇÃO EDITORIAL

REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA

REVISÃO DE LÍNGUA INGLESA

NORMALIZAÇÃO

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

CRIAÇÃO DA CAPA

COLABORAÇÃO

João Carlos GomesCarlos Luciano Sant’ana Vargas

Hermínia Regina Bugeste MarinhoBeatriz Gomes NadalClícia Bührer MartinsHein Leonard BowlesThaisa de AndradeMaria Luzia Fernandes BertholinoCláudia Gomes FonsecaÁlvaro Fonseca Jr.Hermínia Regina Bugeste Marinho

CONSULTORES AD HOC NESTA EDIÇÃO

Aline Cacilda Koteski Emílio (UEPG)Anete Abramowicz (UFSCAR)

Marina Graziela Feldmann (PUC-SP)Neusi Ap. Navas Berbel (UEL)

Olhar DeProfessor

ISSN 1518-5648

Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino

SP)

Os textos publicados na revista são deinteira responsabilidade de seus autores.

Tiragem700 exemplares

Ficha catalográfica elaborada na UEPG/BICEN

Olhar de professor. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Ponta Grossa, Pr., v.1, n.1, jan./jul. (1998-).

Semestral

Anual de 1998-2003; Semestral 2004- ISSN 1518-5648

1.Educação – periódicos.I.Universidade Estadual dePonta Grossa. Departamento de Métodos e Técnicas deEnsino.

CDD 370

REVISTA INDEXADA EM

CIBEC (Centro de Informação e Biblioteca em Educação), do INEPEDUBASE (Base Nacional de Artigos de Periódicos, Eventos e Relatórios

da Área da Educação), da UNICAMPCLASE (Base de Datos Bibliográfica de Revistas de Ciencias Sociales y

Humanidades), da Universidad Nacional Autônoma de México

INFORMAÇÕES / DISTRIBUIÇÃO / PERMUTAS

Revista Olhar de ProfessorUniversidade Estadual de Ponta Grossa

Departamento de Métodos e Técnicas de EnsinoPraça Santos Andrade, no 1 Bloco B, Sala 104

84010-919 – Ponta Grossa – ParanáFone/fax: (42) 3220-3344

Email: [email protected]://www.uepg.br/olhardeprofessorEmail permutas: intercâ[email protected]

2007

Pede-se permutaExchanged Requested

VENDAS

Editora e Livrarias UEPGFone/fax: (42) 3220-3744

Email: [email protected]://www.uepg.br/editora

Apresentação.................................................................

A Pedagogia em questão: entrevista comJosé Carlos LibâneoJosé Carlos Libâneo......................................................

As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia:uma expressão da epistemologia da práticaMarli de Fátima Rodrigues e Acácia Zeneida Kuenzer.........

La formación docente en la sociedad del conocimiento yla información: avances y temas pendientesCarlos Marcelo Garcia......................................................

Aprendizagem da docência em curso a distância:a versão dos professoresMaria Elizabete Souza Couto e Emília Freitas de Lima.........

Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos ere/estruturações no processo de desenvolvimentoprofissionalAdemar da Silva e Denise M. Margonari ........................

A Educação Física e o Esporte em escolas públicas deensino fundamental (terceiro e quarto ciclos): análise docotidiano do professor e perspectivas de mudanças noensinoSilvia Christina Madrid Finck........................................

Informática na educação: vantagens e empecilhosCristine Isabel Simão e Mariná Holzmann Ribas..................

Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobreo trabalho docente e o ofício do aluno no contexto atualWanderson Ferreira Alvez..............................................

SUMÁRIO

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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docenteCelia Maria Haas..........................................................

A família do educando com dificuldade de aprendizagem:um estudo de representações sociaisFátima Aparecida Maglio Colus e Rita de Cássia PereiraLima ...........................................................................

Competência para fazer face à violência: definindo acompetência inter-relacional do(a) educador(a) no manejoda violência na escolaFernando Cézar Bezerra de Andrade..................................

Avaliação em dois tempos no trabalho com o textoThomas Massao Fairchild...............................................

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SUMMARY

Presentation.................................................................

Pedagogy course in question:interview with José Carlos LibâneoJosé Carlos Libâneo......................................................

Curricular guidelines for the Pedagogy Course:an expression of practice epistemologyMarli de Fátima Rodrigues and Acácia Zeneida Kuenzer.......

Teacher education in the knowledge and informationsociety: advancements and pending themesCarlos Marcelo Garcia......................................................

Learning to teach in a distance course: Teacher´sopinionsMaria Elizabete Souza Couto and Emília Freitas de Lima......

Beginning in service English Language Teachers: conflictsand restructuring in the process of professionaldevelopmentAdemar da Silva and Denise M. Margonari ........................

Physical Education and Sports in Public Schools in thethird and fourth cycles of basic education: analysis ofteacher’s routine and perspectives for changes in teachingSilvia Christina Madrid Finck........................................

Computer science in education: advantages and difficultiesCristine Isabel Simão and Mariná Holzmann Ribas.............

When teaching is not the most important: reflections aboutteachers´ work and students’ role in the current contextWanderson Ferreira Alvez..............................................

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Interdisciplinarity: a new teaching approachCelia Maria Haas..........................................................

The family of the student with learning difficulties:a study of social representationsFátima Aparecida Maglio Colus e Rita de Cássia PereiraLima ...........................................................................

Competence to face violence: a definition of the educator’sinterrelational competence in dealing with violence inschoolsFernando Cézar Bezerra de Andrade..................................

Two-step evaluation in a text-centered classThomas Massao Fairchild...............................................

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9Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 9-10, 2007.

Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>

APRESENTAÇÃO

A Olhar de Professor vem conquistando muitos avanços e seconstituindo num veículo de produção de conhecimento na medidaem que publica artigos, muitos deles resultados de pesquisas que abor-dam temáticas emergentes na educação.

Neste número a revista publica trabalhos que estimulam o de-bate sobre questões pontuais da educação brasileira em que se desta-ca uma entrevista com o Prof. José Carlos Libâneo na qual ele discorresobre o atual movimento de reformulação dos Cursos de Pedagogia,defendendo seu posicionamento de que a centralidade da formaçãode pedagogos docentes e pedagogos não-docentes deve ser a pedago-gia entendida como campo teórico que congrega as demais ciências daeducação, tendo as práticas educativas como objeto de estudo. Desta-que também para o artigo das Profs. Acácia Zeneida Kuenzer e Marlide Fátima Rodrigues, que analisam as atuais políticas de formação deprofessores e pedagogos, criticando sua conotação pragmática etecnicista, pela ênfase que colocam na dimensão instrumentalizadorado conhecimento, atendendo a uma concepção que privilegia a práti-ca em detrimento da teoria: a epistemologia da prática. Segundo aanálise das autoras, essa base epistemológica tem fornecido o suportepara a defesa da centralidade na docência, resultando na redução docampo epistemológico da Pedagogia segundo as atuais diretrizes.

As contribuições destes autores recebem um comentário especi-al neste editorial em razão do momento de reformulação curricularpor que passam os Cursos de Pedagogia em todo o país e, principal-mente, pelo fato de que as idéias defendidas pelo Prof. José CarlosLibâneo e pela Prof. Acácia Zeneida Kuenzer, entre outros, vêm servin-do como importante fonte de fundamentação para estudos e discus-sões, suscitando, provavelmente, divergências de concepções eposicionamentos entre os professores que lecionam nos Cursos dePedagogia e que, neste momento histórico, têm a responsabilidade dedecidir sobre os rumos do Curso em suas Instituições.

Olhar de Professor representa hoje no espaço acadêmico um

veículo que contém um referencial de maturidade intelectual, envol-

vendo professores e pesquisadores de instituições do Estado do Paraná,

10Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 9-10, 2007.

Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>

do Brasil e de outros países. Vale destacar que, na avaliação da ANPED

realizada em fevereiro deste ano, a revista foi incluída na tabela Qualis

como periódico nacional, o que indica o aperfeiçoamento do periódico

tendo em vista os critérios pelos quais foi avaliado: tradição do peri-

ódico e sua inserção na área, política editorial que apresenta o foco

claramente direcionado para questões educacionais, demonstrado na

tematização de questões contemporâneas, trazendo contribuições ino-

vadoras à pesquisa educacional por meio de artigos de interesse am-

plo, e constituindo-se, assim, em referência na área. Também foram

considerados outros indicadores, tais como a diversificação e qualifi-

cação dos autores, dos editores, dos pareceristas e dos conselheiros.

Esta avaliação tão positiva da Olhar de Professor se dá em paralelo

ao fechamento do primeiro triênio de trabalho desta coordenação edi-

torial, com o apoio sempre presente do Conselho Editorial e a confian-

ça da comunidade acadêmica, bem como com a estrutura e o apoio

oferecidos pelo DEMET e pela Editora da UEPG.

Coordenação Editorial

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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >

José Carlos Libâneo

A PEDAGOGIA EM QUESTÃO:ENTREVISTA COM JOSÉ CARLOS LIBÂNEO*

PEDAGOGY COURSE IN QUESTION:INTERVIEW WITH JOSÉ CARLOS LIBÂNEO**

José Carlos LIBÂNEO***

Marli: O curso de Pedagogia foi criado para formar técnicos da educaçãoe o professor para a Escola Normal, e passou a conceder o direito aomagistério primário e a formar o especialista em educação a partir de1969. Como o senhor vê a mudança de concepção e de estrutura docurso deste período e os argumentos teóricos que levaram a uma propos-ta de redução do curso de Pedagogia à formação de professores para asséries iniciais, defendida pelo Movimento de Reformulação dos Cursosde Pedagogia, atualmente ANFOPE (Associação Nacional pela Formaçãode Profissionais da Educação)?

Libâneo: O que sabemos disso, pela história da educação, é que em1939 o curso de Pedagogia foi criado para formar técnicos de educa-ção e licenciados em Pedagogia em nível superior, enquanto os profes-sores para o antigo Ensino Primário eram formados em Curso Normal.É nos anos 1960 que surge a aspiração de certos setores do campo da

* Entrevista realizada em abril de 2005, em Goiânia, por Marli de Fátima Rodrigues, por ocasião dodesenvolvimento da tese de doutorado intitulada: “Da Racionalidade Técnica à ‘Nova’ Epistemologia daPrática: a proposta de formação de professores e pedagogos nas políticas oficiais atuais”, defendida emjulho de 2005, na Universidade Federal do Paraná sob a orientação da Professora Doutora AcáciaZeneida Kuenzer. O propósito, ao entrevistar intelectuais que participaram da construção da trajetória doscursos de formação de professores e pedagogos e que estão ativamente envolvidos com essa discussão, foio de identificar como eles se colocam em relação às propostas atuais de políticas de formação.** Interview conducted in April 2005 in Goiânia, by Marli de Fátima Rodrigues, during the developmentof her doctoral thesis entitled: “From Technical Rationality to the ‘ New ‘ Epistemology of Practice: theproposal of teacher education in current official politics”, defended in July 2005 at the Paraná FederalUniversity under the supervision of Doctor Acácia Zeneida Kuenzer. The purpose of interviewing intellectualsthat participated in the construction of teacher education courses and teachers who are actively involvedin this discussion was to identify their opinions about current politics of teacher education.*** Graduado em Filosofia. Mestre em Filosofia da Educação pela PUC-SP. Doutor em Filosofia eHistória da Educação pela PUC-SP. Professor da Universidade Católica de Goiás. E-mail:[email protected]

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

educação de defender a formação dos professores das séries iniciaisdo Ensino Fundamental no curso de Pedagogia em nível superior. Pelaminha lembrança, a primeira menção explícita a esse assunto na legis-lação está no Parecer anexo à Res. 251/62, do conselheiro Valnir Cha-gas. Essa resolução estabelecia para o curso de Pedagogia a função deformar especialistas e os professores para os Cursos Normais, e o pa-recer anexo à Resolução previa a possibilidade de formar o professorprimário em nível superior. Nesse mesmo ano, são fixadas também,através de parecer, as matérias pedagógicas para os cursos de licenci-atura para a formação de professores para o antigo Ginásio e o EnsinoMédio. Depois veio o Parecer 252, de 1969, definindo a estruturacurricular para o curso de Pedagogia, reforçando sua função de formarprofessores para o Ensino Normal e formar especialistas para as fun-ções de orientação educacional, administração escolar, supervisão etc.Aqui aparece a célebre orientação do parecer, “quem pode o mais podeo menos”, pela qual o licenciado na habilitação para o magistério noEnsino Normal poderia lecionar nas séries iniciais. Outro fato impor-tante foi a elaboração de Valnir Chagas de indicações encaminhadasao Conselho Federal de Educação em 1976, que tinham a ver com aimplantação da LDB 5692/71. Inclusive, havia uma indicação quetratava da formação do professor das séries iniciais em nível superior.Essas indicações, caso fossem homologadas, teriam provocado umamexida muito grande no sistema de formação de professores e especia-listas, mas não foram aprovadas, e Valnir Chagas se aposentou do CFE.

Mas penso que houve um período bem pontual, o final dosanos 1970 e início da década de 1980, que marca o início da campa-nha pela transformação do curso de Pedagogia num curso de forma-ção de professores. O arrefecimento do controle político e da censurapelos militares, junto com resistências dos setores de esquerda orga-nizados, favoreceu a produção de pesquisas e publicações no campoda educação contra práticas autoritárias e ideológicas no regime mili-tar. Disso resultou a realização, em São Paulo, na PUC, da I Conferên-cia Brasileira de Educação (CBE), quando já existia o chamado ComitêPró-Participação na formação do educador, com a participação de nomesexpressivos das faculdades de Educação. O que movia esse comitêeram as críticas ao Parecer 252/69 e às indicações de Valnir Chagas,tidos como tecnicistas, destinados a consolidar a educação tecnicistabaseada na racionalidade técnica, na busca de eficiência e produtivi-

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José Carlos Libâneo

dade, contra uma educação crítica e transformadora. Havia um alvoparalelo das críticas, que era a Lei 5.540, que regulava todo o ensinosuperior na perspectiva tecnicista.

Refiro-me a esses fatos para situar melhor a resposta à sua per-gunta. O que quero acentuar, no movimento pela reformulação doscursos de formação de educador iniciado por volta dos anos 1980, éque por detrás desses fatos havia um forte peso da discussão políticae ideológica no meio educacional. Não foi casual que a base de susten-tação teórica das críticas era o marxismo, em alta no meio educacio-nal à época, e, especialmente, a tese da divisão social do trabalho nasociedade capitalista, que se reproduzia na escola na forma de divi-são técnica do trabalho na escola, portanto, separação entre teoria eprática, fragmentação da formação do pedagogo (especialista versusprofessor), enfim, a separação entre o pedagogo especialista e o traba-lho docente. Eu acho que aí está o ponto básico da minha resposta, ameu ver está aí a origem das mudanças na natureza e concepção docurso de Pedagogia.

Nessa época, parte significativa dos participantes do movimen-to pró-reformulação dos cursos de Pedagogia propugnava a elimina-ção das habilitações e a manutenção, nas faculdades de Educação,apenas do curso de formação de professores para as séries iniciais doque se chamava, à época, ensino de 1º grau. Essa história é bastanteconhecida. Algumas universidades adotaram essa mudança, outrasmantiveram o modelo curricular da Resolução 252/69, outras adota-ram um sistema híbrido. O que eu acho importante destacar são osargumentos teóricos que levaram a essa proposta de redução do cursode Pedagogia à formação de professores para as séries iniciais, bandei-ra assumida pelo movimento pela reformulação dos cursos de Pedago-gia, mais tarde denominado de ANFOPE.

O raciocínio é bastante simples. Na sociedade capitalista há adivisão social do trabalho, em que os lugares na produção são ocupa-dos por duas classes sociais antagônicas, uma que se ocupa do traba-lho intelectual, outra do trabalho manual, uma classe social que pen-sa, outra que faz o trabalho físico. A conseqüência concreta disso é acisão entre o trabalhador e os meios ou instrumentos de trabalho, emque esses meios são providos pelos gestores do processo de produção.Essa oposição fundada na divisão do trabalho, constituindo a expli-cação primeira e mais abrangente da desigualdade social. Essa divi-são social do trabalho, expressão das relações capitalistas de produ-

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

ção, e que se manifesta na organização do processo de trabalho, sereproduz em todas as instâncias da sociedade, inclusive nas escolas,onde haveria dois segmentos de trabalhadores opostos entre si, osespecialistas (diretor, coordenador pedagógico) e os professores. Ouseja, tal como na fábrica, também na escola ocorre a divisão técnicado trabalho, levando à fragmentação do trabalho pedagógico, isto é,dividindo as tarefas escolares entre os que pensam e os que fazem,entre os que controlam e os que executam, instaurando a desigualda-de na escola e promovendo a desqualificação do trabalho dos profes-sores. E como se elimina essa fragmentação? Eliminando a divisão detarefas que está na base da fragmentação do trabalho pedagógico etransformando todos os profissionais da escola em professores. Foinatural, daí, chegar à tese da docência como base do currículo deformação dos educadores. Este mote difundiu-se amplamente no meioda intelectualidade do campo da educação, até virar senso comum.Com isso, veio junto a supressão das habilitações do curso de Pedago-gia. Há uma série de decorrências desta tese, mas uma delas, e queexplica muita coisa desse debate sobre formação do educador, é a afir-mação de que a função da escola é a de produzir trabalhadores pormeio de uma determinada forma de organização do processo de traba-lho, inteiramente igual ao processo de trabalho capitalista. Ou seja,por ser um local de trabalho capitalista, a escola incorpora as caracte-rísticas do processo de trabalho capitalista na fábrica. Da minha par-te, nunca estive à vontade em relação a essa afirmação. É claro que háligação entre o sistema de produção capitalista e as funções das esco-las, e que nas escolas e outras instituições sociais há elementos doprocesso capitalista de organização do trabalho. Mas, não se podededuzir disso que a escola seja, ipso facto, local de trabalho capitalis-ta. Se isto fosse possível, a escola seria considerada como um lugar deprodução de mercadorias, valendo aí o raciocínio segundo o qual aprodução de trabalhadores (o que faz a escola) seria idêntica ao pro-cesso de produção de mercadorias. Em verdade, os professores epedagogos especialistas que atuam na escola não são agentes diretosdo capital, e nem os alunos, mercadorias a serem produzidas. E éabsurdo acreditar, por exemplo, que um coordenador pedagógico sejana escola o representante das classes dominantes para explorar o pro-fessor. A meu ver, no raciocínio que explica as desigualdades sociaisbásicas pela divisão do trabalho, professores e pedagogos especialis-tas se encontram no mesmo lugar social.

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José Carlos Libâneo

Além do mais, é verdade que divisão do trabalho produz adesigualdade social, mas há outras desigualdades geradas no interi-or da escola, como a exclusão de crianças que não conseguem apren-der, o insucesso na aprendizagem por causa de uma professoradespreparada, formas de discriminação social, etc. Penso que nasatuais condições de funcionamento da escola, a divisão técnica dotrabalho expressa na suposta fragmentação entre o trabalho de espe-cialistas e professores não constitui o problema central, ao contrá-rio, pode ser uma necessidade, pois um especialista profissional-mente preparado poderá fazer justiça no enfrentamento das desi-gualdades promovidas pela escola, como são as práticas de exclusãosocial, de exclusão pedagógica, de marginalização cultural, de dis-criminação racial, de produção do fracasso escolar, etc. Eu perguntoo que é pior: a escola ter uma coordenadora pedagógica com forma-ção específica, capaz de prestar um auxílio efetivo às professoras egarantir melhores condições de êxito escolar dos alunos ou deixarque um aluno fracasse na aprendizagem porque não há ninguém naescola capacitado e com formação específica para ajudar a professo-ra a melhorar seu trabalho, repercutindo assim na ampliação daschances de inclusão dos alunos?

Uma visão um pouco diferente, ainda no campo da esquerda,começou a ser formada quando um grupo de educadores criou aANDE, Associação Nacional de Educação. Esse grupo tinha um pen-samento que insistia no caráter mecanicista daquela tese e afirmavaa necessidade de se pensar por contradição, ou seja, a escola serveao capital, mas ela pode servir também aos trabalhadores. Foi daíque surgiu um outro posicionamento, que dizia que a escola cumpre,sim, papéis efetivos no funcionamento do capitalismo e que sua orga-nização interna poderia conter elementos do processo capitalista deorganização do trabalho. Entretanto, não se poderia deduzir dissoque a escola seria um local de trabalho capitalista. Se isto fosse pos-sível, a escola seria considerada como um lugar de produção de mer-cadorias, valendo aí o raciocínio segundo o qual a produção de tra-balhadores (o que faz a escola) seria idêntica ao processo de produ-ção de mercadorias. Há que se considerar que os professores, comotambém os especialistas que atuam na escola, não são agentes dire-tos do capital, e nem os alunos, mercadorias a serem produzidas.Isso leva a distinguir produção de coisas e produção de seres huma-nos como processos não idênticos, ainda que estruturas

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

organizacionais planejadas para que uma possa estar a serviço deoutra. Além do mais, se convém ao capitalista produzir trabalhado-res assalariados automatizados, isso não significa que a subjetivida-de do trabalhador seja sempre subjugada em função do capital. Oque ocorre, pois, é que o trabalho escolar tem sua especificidade,ainda que não descolada dos seus vínculos com a organização sociale econômica da sociedade. O trabalho pedagógico escolar tem umanatureza não-material, não se aplicando a ele, de modo pleno, omodo de produção capitalista, ou seja, o conhecimento enquantoobjeto de trabalho na escola é inseparável no ato de produção, e estacapacidade potencial ninguém retira da pessoa que conhece. Issosignifica que os resultados do processo de trabalho escolar, bem comoas formas de organização interna, não estão pré-ordenados pelo ca-pital. Ou seja, se há uma especificidade do trabalho pedagógico es-colar, há também uma especificidade das formas de organização dotrabalho pedagógico, por mais que estas possam ser permeadas porinfluxos da organização geral do funcionamento do capitalismo.

Essas posições estiveram presentes no debate nestes últimos20 anos; defensores de um lado mudaram para outro, mas é certoque a posição da ANFOPE prevaleceu, ou seja, contra a supostafragmentação do trabalho pedagógico na escola e a favor da tese dadocência como base da formação dos educadores. Essa foi a tese queficou, embora eu continue acreditando que boa parte dos adeptos daposição da ANFOPE desconhece as premissas teóricas que estão pordetrás dela.

Marli: Como o senhor vê isso hoje?

Libâneo: Continuo me opondo a esse modo de ver as coisas e lamentoque o mote da ANFOPE tenha virado quase consenso na cabeça doscolegas das faculdades de Educação, de que o curso de Pedagogia é ocurso de formar professores das séries iniciais. Conforme tenho argu-mentado, a Pedagogia, antes de ser um curso, é um campo de conhe-cimento. Não se trata de insistir se ela é ou não uma ciência, mas queela tem um corpo teórico, um conjunto de conceitos que, mesmo nãosendo precisos e claros, formam uma base teórica para lidar com aprática educacional. Ou seja, o conhecimento pedagógico se define

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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >

José Carlos Libâneo

pelo campo empírico que é a realidade educativa, tem métodos deinvestigação que permitem a elaboração sistemática de resultadosválidos, a explicação e compreensão dessa realidade para a transfor-mação da prática. Nesse sentido, a Pedagogia tem uma tradiçãoepistemológica, tem uma história, tem uma longa produção que come-ça na antiguidade, é sistematizada no catolicismo e no protestantis-mo, temos no século XVI Comenius, mais tarde Rousseau, Herbart,Pestalozzi. Na segunda metade do século XIX, surge na Europa omovimento da educação nova, com repercussões no mundo todo, eque teve um representante norte-americano brilhante, que foi JohnDewey. Desenvolvi este percurso da ciência pedagógica na minha tesede doutorado e há quase 20 anos leciono em cursos de pós-graduaçãoa disciplina Teorias da Educação. Nas primeiras décadas do séculoXX, os pioneiros da educação nova trouxeram as idéias de Deweypara o Brasil, interrompendo a hegemonia da pedagogia católica eherbartiana. Eu penso que o enfraquecimento da ciência pedagógicano pensamento brasileiro, o enfraquecimento do campo teórico da pe-dagogia, começa ai. O poder de influência dos pioneiros na legislaçãoeducacional, desde a década de 1920, foi muito forte, numa direçãocientificista. Uma visão cientificista tem a ver com o caráter objetivodas coisas, com o mensurável, com o que é científico. Como a pedago-gia, na visão católica ou herbartiana, tem a ver com finalidades, obje-tivos, valores, ela não teria cientificidade; esses elementos não seriampassíveis de serem considerados pela ciência. Privilegia-se, daí pordiante, a ciência da educação, não a pedagogia. O campo científicopassa a ser a educação, não a pedagogia. Não é casual que as faculda-des foram denominadas “faculdades de educação”, não faculdades depedagogia. A perspectiva do marxismo, que é também humanista, decerta forma se encontra com a posição católica herbartiana, no senti-do de que a prática educativa é sempre intencional, ela implica finali-dades, formas organizativas, expectativas definidas de formação dosindivíduos. Então, eu defendo que a pedagogia é a teoria e a práticada educação, a pedagogia é o campo cientifico que faz uma reflexãosistemática sobre a prática educativa, a educação, que é o objeto deestudo da pedagogia. Para mim, o movimento pela reformulação doscursos de formação de educadores, depois transformado em ANFOPE,a despeito de fazer questão de declarar sua afiliação ao marxismo, naverdade segue a tradição iniciada pelos pioneiros da educação nova.

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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>

A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

Marli: Foi esta a posição adotada pelo conselheiro Valnir Chagas, e meparece que a tradição da ANFOPE é a mesma. O senhor concorda que aANFOPE, muitas vezes vai na linha do que critica?

Libâneo: Claro, eu já afirmei muitas vezes isso. Os documentos daANFOPE começam com uma abordagem totalizante da educação naperspectiva marxista, com uma visão ampliada do educativo, mas aíesse campo vai reduzindo, reduzindo, e chega na tese da identificaçãode pedagogia com docência. De uma perspectiva marxista, acaba ado-tando a perspectiva cientificista dos pioneiros.

Marli: E qual seria a contribuição da ANFOPE nesses vinte e poucosanos de atuação, até mesmo no sentido de definir uma identidade para ocurso de Pedagogia?

Libâneo: A ANFOPE começou como movimento democrático, agregan-do várias posições, mas foi se tornando cada vez mais fechada, e eususpeito que isso ocorreu por uma mistura de posições ideológicascom posições acadêmicas, de forma que ela transformou-se mais nummovimento político do que num movimento de reflexão teórica, hojeempenhada muito mais em sustentar a mística de uma militância doque em sustentar teses teóricas. Todos sabemos que há na esquerdamúltiplas posições, múltiplas interpretações, e a ANFOPE tomou umadessas posições e quer fazer valer que esse lado é o único certo. Se elatem um mérito, foi exatamente este: conseguir criar em torno de umaidéia, uma mística, para alimentar motivações da militância, e esseprojeto foi bem-sucedido. A gente sabe, pela experiência dos partidospolíticos de esquerda, que fazer luta política com base na militância éaltamente eficaz, por causa da mística do coletivo. Há uma assem-bléia, a militância está lá, tem a maioria, e vence a votação. Então, euafirmo que a força da ANFOPE é a militância, mas eu não sei dizer sesuas posições são realmente hegemônicas, porque há muitopatrulhamento. Quem é contra a tese, por exemplo, da identificaçãodo trabalho pedagógico com o trabalho docente não tem movimentoorganizado, não tem militância organizada, então fica parecendo queas posições da ANFOPE são hegemônicas no meio educacional.

Resumindo, o papel efetivo da ANFOPE foi fazer a cabeça das

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José Carlos Libâneo

pessoas, mas no lado operacional ela não fez acontecer nada. Nuncavi a ANFOPE formular uma resolução, definindo o que quer e comoquer, para se transformar em norma legal. As experiências que exis-tem, criadas com base no ideário da ANFOPE, foram feitas por conces-são do CNE em resolução que autorizava experiências alternativas emrelação ao parecer 252/69. A ANFOPE não contribuiu para definiridentidade ao curso de Pedagogia, ao contrário, contribuiu para que ocurso de pedagogia perdesse sua identidade. Ao firmar-se na premissada reprodução na escola da divisão social e técnica do trabalho, pas-sou a combater as habilitações, supostamente por provocarem a frag-mentação do trabalho pedagógico, e inventou a idéia da docência comobase da formação de todos os educadores. Minha opinião sobre isso éconhecida. Sou contrário a essas duas idéias, porque elas não têmsuporte nem empírico nem teórico. Fui diretor de escola, coordenadorpedagógico, e minha experiência é muito positiva e por isso valorizomuito a coordenação pedagógica de escola, acho que a organização e agestão de uma escola são muito importantes para o seu funcionamen-to. Os pedagogos da minha geração também valorizavam muito a atu-ação pedagógica na escola por meio do diretor e da coordenação peda-gógica. Havia a Associação Nacional de Supervisores, Associação Na-cional de Orientadores, Associação Nacional de Administração Esco-lar, eram associações que reuniam mil a mil e quinhentas pessoas noscongressos. E ai veio a contestação das habilitações como expressãoda divisão técnica do trabalho, do uso da técnica como exploração dotrabalhador, você teria na escola o diretor e o coordenador, que pen-sam, e o professor, que executa. Eu sempre achei isso um grande equí-voco, que é a aplicação mecânica das relações capitalistas de produ-ção no âmbito da empresa nas práticas escolares. É a mesma coisaque você dizer que coordenador pedagógico é classe dominante e oprofessor, classe dominada, professor é classe dominante e aluno, clas-se dominada. As coisas não são assim. Como já falei, compreendomuito bem o papel da escola enquanto reprodução do capital, que osistema dominante funcionaliza a escola a seu serviço, mas não pode-mos deduzir disso que a escola seja um local de trabalho capitalista.No entanto, é isso que a ANFOPE defende, ou seja, a divisão social dotrabalho se materializa na divisão técnica do trabalho, resultando nafragmentação do trabalho pedagógico. Foi em nome disso que se deu aeliminação das habilitações, a transformação do curso de Pedagogia

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

em uma licenciatura e a orientação curricular baseada na docência,interferindo, a meu ver, de forma negativa, nos currículos de formaçãotanto de especialistas quanto de professores. Convém registrar queessa orientação prevaleceu principalmente em cursos mais novos, semmaior expressão em âmbito nacional. Por exemplo, a FEUSP não aca-bou com as habilitações, nem a Federal do Paraná, nem a UNICAMP,ou seja, em muitas instituições com mais tradição chegou-se a carac-terizar o curso de Pedagogia como formação para a docência, mas nãocortaram-se as habilitações. Mas, sem dúvida, continua havendo umpeso forte do discurso da ANFOPE, que, como eu disse, se transfor-mou logo em um discurso político de defesa de espaço político e deconquistas que seus militantes chamam de “conquistas históricas”.Esse discurso afetou os currículos de formação num primeiro momen-to, num segundo momento isso descaracterizou os estudos sistemáti-cos da pedagogia, do ponto de vista institucional levou as secretariasde educação a eliminar o cargo de coordenador pedagógico nas esco-las, como ocorreu, por exemplo, em Goiás, e logo se percebeu que assecretarias de educação fizeram isso não por uma adesão ao discursoda ANFOPE, mas porque tirar o especialista da escola representavabarateamento do custo da estrutura do sistema por ser muito maisbarato continuar pagando um professor que se candidatava e exerciaessa função. Enfim, as associações de diretores, de supervisores, fo-ram destruídas, apenas a dos diretores funciona hoje, com outra de-nominação e com outras finalidades, a ANPAE. Tudo isso sabemosque está recheado de conotações políticas, de interesses de grupos,interesses hegemônicos. De qualquer forma, o prejuízo desse discursopara as escolas públicas é enorme, porque por um lado tivemos umagrande expansão das matrículas, houve uma modificação da clientelaescolar, democratização do acesso, por outro lado, em pleno momentodessa democratização, as crianças encontraram uma estrutura de ges-tão extremamente frágil, em que foi desmontada uma estrutura deatendimento ao professor e aos alunos e que favorecia a qualidade daaprendizagem escolar, sem que tivesse sido colocado nada no lugar.Ao invés disso, instituiu-se um sistema de organização pedagógica ede avaliação inteiramente fluido, em que diretores e coordenadorespedagógicos são pressionados a abdicar de suas tarefas para não se-rem taxados de autoritários, de controladores do trabalho dos profes-sores. Enfim, eu acho que houve uma confusão ideológica muito gran-

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José Carlos Libâneo

de nisso tudo. É claro que essas coisas têm que ser compreendidasnum contexto social e econômico e político, no início dos anos 1980começávamos a sair de uma ditadura militar. Eu compreendo isso mui-to bem, nós saímos de um regime autoritário militar, então a sociedadee o setor de educação, especialmente, precisavam denunciar esseautoritarismo, havia de fato uma estrutura de gestão um tanto pesa-da, mas aí a vara curvou-se demasiado para o outro lado. Tudo issopode ser explicado por um contexto peculiar da vida brasileira, masisso não justifica uma explicação teórica do funcionamento da escoladistanciada da realidade empírica, uma análise determinista e simplistados processos de gestão, que é bem mais uma tendência a ajustar arealidade a uma teoria do que o contrário.

Marli: Diante da criação do Curso Normal Superior, na LDBEN 9.394/96, como fica o curso de Pedagogia que forma também para a docênciana educação infantil e nas séries inicias do Ensino Fundamental? Nãohaveria a superposição de funções? Como o senhor vê essa questão?

Libâneo: Acho que essa pergunta tem duas respostas, uma do lado dalegislação oficial, outra do lado das associações de educadores. A le-gislação oficial foi coerente com a LDB ao criar o Curso Normal Supe-rior, os ISE e as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. Falta-vam as diretrizes curriculares para a pedagogia, a pedagogia tal qualaparece no art. 64 da LDB, e é isso que teria que ser feito no projeto deResolução das Diretrizes. Embora sejam admissíveis críticas a essalegislação, o fato é que definem a formação de professores de educaçãoinfantil e da 1a. a 4a. como licenciatura, o que acho correto, e define aformação de professores para 5a a 8a e Ensino Médio como licenciatu-ras específicas independentes do bacharelado. O que faz o InstitutoSuperior de Educação? Ele põe em prática o quê? Aquilo que muitosde nós defendemos há muitos anos, que é uma estrutura curricularúnica e específica para a formação de professores, algo que Selma Pi-menta e eu já denominamos de Centro de Formação de Professores.Formar um professor de química no instituto de química é difícil por-que ninguém lá está a fim de formar professor de química. Então,vamos montar uma estrutura própria para formar professores, essa éa idéia dos ISE. Não é que eu esteja a defender os ISE separados da

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

via universitária, mas a questão tem outros complicadores, envolveinteresses políticos, corporativos, etc.

Conforme já falei, a proposta das associações, como a ANFOPEe o Forumdir, parte a meu ver de uma premissa errada, que é a identi-ficação entre pedagogia e licenciatura. A proposta da ANFOPE tem aver com uma noção de pedagogia já alimentada entre os pioneiros daeducação nova, que tem a ver com o seguinte raciocínio: pedagogia éensinar crianças, portanto, quem faz pedagogia é aquele que ensinacrianças, pedagogo é aquele que ensina crianças. É essa a lógica queestá incrustada na cabeça das pessoas. Mas há aí um problema: se apedagogia é a formação de licenciados para a educação infantil e séri-es iniciais, então ele é um curso normal superior. Por quê, então, aANFOPE recusa o ensino normal superior? De pouco adianta argu-mentar que o normal superior é da política neoliberal, porque a estru-tura curricular acaba sendo a mesma daquela que querem chamar“curso de pedagogia”. Outra coisa a se pensar é a seguinte: se cursode Pedagogia é para formar professores, por que professores de 5a. a8a. séries e do Ensino Médio também não são do curso de Pedagogia?Mas se a ANFOPE aceitar isso, ela teria que assumir uma estrutura deformação de professores muito parecida com os ISE. Em outras pala-vras, se entendermos que a licenciatura de 1ª a 4ª e licenciatura de 5ªa 8ª e Ensino Médio compõem um sistema de formação de professoresda Educação Básica, então a argumentação que tem sido feita contraos Institutos Superiores de Educação não procede. Outra confusão: hádois documentos mais ou menos recentes, um que são as DiretrizesCurriculares da Formação de Professores da Educação Básica, e outroque é a resolução sobre duração e carga horária dos cursos de formaçãode professores da Educação Básica. Ora, eles abrangem a formação deprofessores da Educação infantil até o Ensino Médio. Então as diretri-zes curriculares para a licenciatura de Educação Infantil e séries inici-ais já existem. Nesse caso, a Resolução das Diretrizes para o curso dePedagogia, do jeito que está, gera uma duplicação da legislação, querdizer, não está resolvendo o problema, ela está criando um outro.

Meu entendimento é de que, se é retirada a característica daPedagogia enquanto um curso de estudos sistemáticos de educação,de formação teórica e de formação específica para os pedagogos espe-cialistas, o curso de Pedagogia se transforma em licenciatura, e nessecaso não há necessidade de se manter uma Faculdade de Educação,

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José Carlos Libâneo

não há necessidade de ela existir, a não ser que as licenciaturas vol-tassem todas para a Faculdade de Educação, ainda que neste caso elativesse que montar uma estrutura curricular muito parecida com oque consta da Resolução do Instituto Superior de Educação.

Marli: O senhor acha que a formação de profissionais docentes e não-docentes deve ser feita em percursos curriculares diferentes ou integra-dos?

Libâneo: É uma pergunta que está no centro da polêmica, devido atoda a força hegemônica do grupo da ANFOPE, que é contra a forma-ção em separado do especialista. Primeiro, estou absolutamente con-vencido de que as escolas necessitam de uma estrutura de organiza-ção e de gestão de escola, basicamente o diretor e o coordenador peda-gógico, que desempenham funções necessárias e importantíssimas, asquais requerem um nível de aprofundamento de estudos de maiorcomplexidade. A segunda coisa é que sou realmente favorável à forma-ção específica do especialista. Não vejo como formar no mesmo curso,em 2800 horas no mínimo, o professor, o pesquisador e o gestor parausar o linguajar do pessoal da ANFOPE. Acho isso uma falta de sensode realidade. Terceira questão: como é que você vai formar coordena-dor pedagógico que não tenha experiência de escola, conforme o art.67? Eu não acho necessária experiência prévia para alguém ser dire-tor de escola ou coordenador pedagógico. A minha defesa do percursode projeto pedagógico próprio, currículo próprio para a coordenaçãopedagógica e direção de escola é de que você pode suprir o conheci-mento de escola mediante as práticas de estágio, de maneira que vocêpode colocar esse supervisor e esse coordenador pedagógico em esco-las para acompanhar, da mesma maneira que são feitos os estágiospara professores. Veja bem, um aluno que faz Administração de Em-presas será um administrador de empresas. Ele precisa de experiênciaprévia em empresa para administrar empresa? Um aluno que faz En-fermagem, pode-se exigir dele, para se formar, que tenha tido experiên-cia prévia de enfermagem?

Marli: O senhor defende que esta formação seja feita no bacharelado? Essaformação no bacharelado supõe uma formação anterior na licenciatura?

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

Libâneo: A resposta foi dada na pergunta anterior. Na minha concep-ção, a formação do bacharel não supõe formação prévia na licenciaturanem experiência prévia de magistério. A experiência, a parte práticadessa formação, deve ser resolvida no âmbito do currículo, por meio dedisciplinas e do estágio. Eu sei que a experiência prévia está legalmenteexigida na LDB, mas acho isso uma coisa meio forçada. Do que adiantaum sujeito ter dois anos de experiência para ser coordenador pedagógi-co? Em que isso garantirá melhor formação? É uma posição um tantoantiga, atrelada àquela idéia da oposição entre o pensar e o fazer, ou deque você aprende coisas fazendo. Entendo, portanto, que a formaçãodesse pedagogo para desempenhar atividades na pesquisa educacio-nal, esse pedagogo que poderá atuar na direção de escola, coordena-ção, planejamento e avaliação educacional, informática educativa, co-municação e produção de mídias, materiais didáticos, gestão de educa-ção especial, pedagogia empresarial, animação cultural, psicopedagogia,etc., quer dizer, isso caracteriza o pedagogo stricto sensu, o especialistadeve ser formado num curso específico, tendo no final as habilitações.

Marli: Essa proposta não é bastante pretensiosa, como garantir subsídiosteóricos para a formação/atuação deste profissional?

Libâneo: Eu trabalho com essa idéia de que a especificidade do peda-gógico está no processo de transmissão ou comunicação e internalizaçãode saberes e modos de ação. Isso é o genérico. O que é o peculiar dapedagogia: saberes e modos de ação. Esses saberes e modos de açãonão estão só na escola, mas eles contêm elementos que são comuns,então a partir de um bloco de estudos teóricos comuns nós teríamosque partir para as habilitações. A palavra “habilitações” é cheia decomplicações semânticas e ideológicas. O pessoal das associações con-denou a palavra “habilitação”, como já condenou outras. Outro dia umcolega me censurou porque uso a palavra “tarefa”, e tarefa é uma pala-vra tecnicista. Acho isso de um primarismo sem tamanho, mesmo por-que, lá pelas tantas, esse pessoal se descuida e fala em habilitações.Ora, todas as profissões trabalham com habilitações, como fariam aMedicina ou a Engenharia, não fossem as habilitações? Porque na pe-dagogia não podem existir habilitações?

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José Carlos Libâneo

Marli: Na sua opinião, o curso de Pedagogia deve manter a centralidadena docência ou nas ciências da educação?

Libâneo: É claro que a centralidade da formação de pedagogos docen-tes e pedagogos não-docentes deve ser a pedagogia. Não gosto de falarem ciências da educação, falo em pedagogia como campo teórico quecongrega as demais ciências da educação. Não que não existam asciências da educação, claro que existe a sociologia da educação, apsicologia da educação, a economia da educação, etc. Meu raciocínioé o seguinte: o campo de estudos, o campo científico da problemáticaeducacional, este campo científico chama-se pedagogia. E o objeto deestudo da pedagogia são as práticas educativas. As práticas educativassão múltiplas na sociedade; uma delas é a educação escolar e, portan-to, a docência é uma modalidade de trabalho pedagógico, então uso eabuso de uma frase que é a seguinte: “todo trabalho docente é traba-lho pedagógico, nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente”.Por conseqüência, a docência é uma modalidade peculiar de trabalhopedagógico; portanto, conceitualmente, o pedagógico é mais amplo, éum conceito de mais extensão do que o conceito de docência. Eu negointeiramente o mote da ANFOPE, por isso eu o inverto: a base daformação de todo profissional da educação é a formação pedagógica.Se a formação de professores deve ser feita integralmente numa facul-dade de Pedagogia, então temos no curso de Pedagogia o bachareladocom habilitações e um Centro de Formação de Professores da Educa-ção Básica, ou seja, as licenciaturas, com percursos curriculares dis-tintos. Enfim, não há como assegurar a pedagogia enquanto campoespecífico se você não fizer um percurso curricular paralelo.

Marli: Ao colocar a formação do bacharel e do licenciado não se mantéma dicotomia entre formação específica e formação pedagógica?

Libâneo: O bacharelado e a licenciatura são dois cursos, com percur-sos paralelos; se dicotomia são duas coisas distintas, então hádicotomia mesmo. É claro que o que há de comum é a atividadeeducativa e podemos até falar, a escola, mas há o currículo de forma-ção específica do especialista e a formação específica do professor,assim como a formação pedagógica para o especialista e a formação

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

pedagógica para o professor. Não vejo problema nisso. E insisto mais

uma vez: não há nenhuma teoria sólida que justifique a idéia corrente

de que ter especialista e professor na escola representa fragmentação

do trabalho pedagógico. A divisão técnica do trabalho é requisito de

qualquer instituição, a começar pela família. Ela não é, por si mesma,

geradora de desigualdade. A escola é uma instituição que possui ad-

ministradores, técnicos, escriturários, professores, cada um com pa-

péis na divisão do trabalho. Refiro-me, portanto, a distintas especia-

lidades profissionais, habilitações profissionais. Um diretor de esco-

la, um reitor de universidade, um diretor de faculdade, a rigor, não

precisam ser professores. Alguém pode fazer um curso para ser diretor

de escola porque deseja exercer profissionalmente a atividade de ad-

ministrar escolas. Alguém quer ser professor, faz um curso para ser

professor. Não vejo nenhum absurdo nisso. Outra coisa é dizer que

um diretor de escola tem funções pedagógicas. Claro que tem, é claro

que um diretor de escola é um educador, assim como o secretário é

educador, o servente é educador, a merendeira é educadora. Ou seja,

todos realizam tarefas eminentemente pedagógicas, mas não necessa-

riamente docentes.

Com formação específica, é possível formar o especialista para

trabalhar na Educação Básica. Não é possível para formar o especia-

lista (o gestor, como quer a ANFOPE) para a Educação Básica num

curso cuja característica é formar licenciados para lecionar em classes

de educação infantil e séries iniciais. Como é que esse pedagogo espe-

cialista irá trabalhar com 5ª a 8ª se a formação básica dele é só para a

1ª a 4ª? Vamos tomar uma situação fictícia: chega na escola um coor-

denador pedagógico que formou-se como professor ou fez pós-gradua-ção lato sensu depois da licenciatura de 1ª a 4ª; aí o professor de Quími-ca vai dizer o seguinte: você vai trabalhar comigo química, mas a basede sua formação é o quê? Qual é a competência que você tem paratrabalhar comigo? Minha resposta é a seguinte: esse profissionalpedagogo, o especialista, vai se especializar num âmbito da escola queé o âmbito da organização e gestão curricular e pedagógica. Ele é umespecialista nisso, assim como o professor é especialista em Química.São dois tipos de especialistas, o especialista docente e o especialistada coordenação pedagógica. O professor de Química, por pressuposto,

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José Carlos Libâneo

conhece o conteúdo da Química, o processo investigativo da Química ecomo ensinar Química. E o pedagogo conhece as teorias da aprendiza-gem, o processo do conhecimento, entende das características da crian-ça que aprende, características psicológicas, as teorias da didática. Oque nós vamos fazer no dia-a-dia da escola é uma troca de especialida-des. O confronto ou o compartilhamento das especialidades vai se darno âmbito da prática. E como é que ele vai obter a prática? Ele vai obtera prática no estudo das disciplinas específicas, no estágio e, depois, noexercício profissional. Todo mundo aprende efetivamente a profissãono exercício profissional.

Marli: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Profes-sores para a Educação Básica fundamentam-se numa concepção de pro-fessor como prático-reflexivo e no desenvolvimento de competências. Quaisas implicações para os cursos de formação de professores diante de polí-ticas que defendem a supervalorização de saberes da experiência e naformação por competências como determinantes na trajetória profissio-nal do professor?

Libâneo: A minha resposta a essa questão vai além dos discursos emvigor na nossa área. No início da onda reflexiva me entusiasmei com odiscurso do professor reflexivo, mas eu logo vi que era um caminhoque não combinava com a lógica dos meus estudos anteriores. Aquifaço um parênteses para fazer uma crítica à nossa área, que é essatendência incontida para os modismos. Embarcamos com muita faci-lidade em discursos muito atraentes, em discursos novos e não vamosfundo na crítica, não vamos fundo em saber qual é a origem dessesdiscursos, onde é que eles estão assentados, qual é a baseepistemológica desse discurso. A metáfora do professor reflexivo gerouum discurso muito atraente, porque ele pegava precisamente numachave que combinava ao mesmo tempo com Paulo Freire e o marxismo,

por conta do mote ação-reflexão-ação, que tanto combinava com um

pensamento mais espiritualista como com um pensamento de base

marxista. Só que indo mais fundo, verifica-se que ele surgiu num con-

texto claramente do pensamento neoliberal. Lendo de uma maneira

mais aprofundada depois a gente vai descobrir que ele está assentado

em Dewey, que é um pensamento pragmático, uma filosofia pragmáti-

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

ca, que acaba sendo reduzido ao refrão ação-reflexão-ação, que tam-

bém está na pedagogia jesuítica, na pedagogia de Freire, em propostas

marxistas, etc. Tudo isso forma um sentido na cabeça das pessoas, do

professorado, e se o pesquisador não é muito atento, ele acaba embar-

cando nisso sem saber qual é a origem teórica. Então, em algum mo-

mento eu me perguntava, eu quero ser pragmático ou quero continuar

na tradição marxista? Porque toda a fundamentação teórica do pro-

fessor reflexivo está no pragmatismo de Dewey. Bem, eu estou esca-

pando um pouco da sua pergunta, então vou dizer o seguinte, eu

trabalho hoje com uma corrente chamada teoria histórico-cultural da

atividade, que é uma teoria formulada por Leontiev, com base em

Vigotsky, depois desenvolvida por Davídov, que trabalha especifica-

mente a atividade de aprendizagem. E a Teoria da Atividade tem uma

fundamentação fortemente marxista, e isso leva a entender que a baseda definição de uma profissão está na atividade. Atividade humanano geral e depois nas atividades que vão se desdobrando. É a ativida-de de aprendizagem, atividade artística, atividade científica, ativida-de esportiva, etc. Mas a idéia é de que a profissão se define melhorquanto mais você definir o que é a sua atividade. Você analisa a ativi-dade enquanto tal, situada num sistema de atividades mais global dasociedade, implicando as exigências econômicas, culturais que sãopostas, e você pode chegar a partir daí na definição daquilo que carac-teriza uma atividade, ou vamos dizer daquilo que se pode chamar de

competências. E aí entra todo um mundo de confusões, quer dizer, o

Perrenoud, aqui no Brasil, a Guiomar Namo de Melo e outros, tam-

bém partem do perfil profissional, da identidade profissional do pro-

fessor, mas por um outro caminho, que foi o caminho exatamente do

profissional reflexivo, da epistemologia da prática, etc. O meu caminho

também fala de competências, mas como sinônimo de formação

omnilateral, formação politécnica, visando uma unidade na ação hu-

mana entre capacidades intelectuais e práticas, num sistema de ativi-

dades que envolve a subjetividade, o contexto e a intervenção

participativa das pessoas.

Voltando à sua pergunta, acho difícil responder em poucas pa-

lavras, mas a visão economicista e empresarial de competências com

toda a certeza contribui para o aligeiramento e o esvaziamento da

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José Carlos Libâneo

formação, e aí que é difícil a gente lidar com esses problemas, porque

eu posso pensar em competências na perspectiva da teoria histórico-

cultural da atividade, mas quando chega no operacional,

freqüentemente as perspectivas se confundem. Bom, mas admitindo

essa procedência das críticas que são feitas a essa concepção

economicista de competências, por outro lado eu gostaria de estar

afirmando a necessidade de, primeiro, termos um rol de característi-cas que definem a profissionalidade do professor, e podemos chamarisso de competências, desde que a entendamos numa dimensão maisampliada, numa dimensão mais humanista, mais dialética. Segundo:entre as competências profissionais de professor teríamos necessaria-mente de situar o que se poderia chamar de capacidades e habilidadesdo professor, de procedimentos. Então eu hoje estou defendendo que aformação de professor necessita que se tenha explicitado aquelas práti-cas e aquelas ações e operações para usar o linguajar da teoria da ativi-dade que são requeridas no exercício profissional. Em terceiro lugar: oque precisa estar muito claro na minha concepção é que a atividade deaprendizagem é a atividade dominante no Ensino Fundamental. A ati-vidade de aprendizagem é a principal tarefa do professor, quer dizer, oque o professor faz é orientar as atividades de aprendizagem. O que éensino? São as condições e formas pelos quais você ajuda, orienta,assessora a aprendizagem do aluno. O que é essencial na atividade daaprendizagem? O conhecimento teórico-científico. Para ir mais além dapergunta que você faz, que é o tema das competências e da superaçãodo professor reflexivo, o tipo de linha que eu venho trabalhando estáme levando a considerar três aspectos cruciais na formação de profes-sores: primeiramente, a formação teórica, depois o “saber fazer”, pois otrabalho do professor é uma atividade eminentemente prática, não téc-nica, e ele precisa ter instrumentos de trabalho, ele precisa serinstrumentalizado para trabalhar. E, finalmente, a formação para con-siderar as questões do marco sociocultural e institucional em que se dáo exercício da profissão, tanto o sociocultural mais global quanto osociocultural incrustado na escola, que é o entendimento de que aspráticas socioculturais e institucionais também educam, elas influenci-am as aprendizagens que envolvem um tipo de aprendizagemparticipativa.

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

ADENDO DE JOSÉ CARLOS LIBÂNEO À ENTREVISTA, APÓSA HOMOLOGAÇAO DAS DIRETRIZES

Libâneo: As diretrizes aprovadas em 2006 apenas confirmam a análi-se que pretendi fazer nessa entrevista. Obviamente mantenho as mes-mas críticas, porque nada mudou. Conforme me manifestei nos últi-mos artigos publicados nas revistas Educação e Sociedade do CEDES eCadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, a resolução man-tém as posições tradicionalmente defendidas pela ANFOPE, que sa-crificam a pedagogia como campo cientifico e campo profissional. Aresolução do CNE dispõe em seus artigos 2º e 4º que o curso de Peda-gogia é um curso de formação inicial de professores para exercer fun-ções de magistério. Portanto, mantém o entendimento estreito de quepedagogo é o profissional que ensina na Educação Infantil e nos anosiniciais do Ensino Fundamental. Além disso, estabelece, absurdamen-te, que são também professores todos os profissionais que atuam nagestão e organização de sistemas de ensino, na coordenação, na elabo-ração e execução de projetos, na avaliação de sistemas, na pesquisa edifusão científica. Em relação a essas duas questões, minha posição éamplamente conhecida. Primeiro: por razões lógico-conceituais, o cur-so de Pedagogia pode incluir o curso de formação de professores deEducação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, mas nãoser reduzido a ele. Segundo: não tem nenhuma sustentação teórica,nem pela epistemologia nem pela tradição da teoria pedagógica, aafirmação de que a base da formação do pedagogo é a docência. Oraciocínio mais límpido diz que o campo da pedagogia é a reflexãosobre as práticas educativas, em sua diversidade, uma delas o ensino,ou seja, a docência. É simplesmente absurdo dizer que um coordena-dor pedagógico exerce, nessa função, o magistério; que o planejadorda educação exerce magistério; que o especialista em avaliação estáexercendo o magistério; que o pesquisador exerce o magistério. Pode-mos dizer que esses profissionais são pedagogos, mas docentes, não.Resulta, portanto, num imenso empobrecimento do campo cientifico eprofissional da pedagogia atribuir a denominação “pedagogo” apenasaos professores que exercem o magistério na Educação Infantil e nosanos iniciais do Ensino Fundamental.

Conforme já tive oportunidade de escrever, basta uma breveanálise do conteúdo da resolução para se constatar sua inconsistên-cia teórica. Começa pela falta de uma conceituação clara de pedago-

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José Carlos Libâneo

gia. O texto estabelece a que se destina o curso, as modalidades deformação, as competências do egresso, mas não explicita a natureza eo objeto do campo do conhecimento pedagógico. Sem definir pedago-gia e docência, logo no artigo 2º introduz a conceituação de docêncianos seguintes termos:

Compreende-se docência como ação educativa e processo peda-gógico metódico e intencional, construído (sic) em relações soci-ais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitose objetivos da Pedagogia [...]

Esse artigo é o único momento da resolução em que se dá uma

definição de termos. Mas é fácil observar que essa definição é

logicamente insustentável, pois define o termo principal pelo secun-

dário, ou seja, a pedagogia aparece como um conceito subordinado à

docência ou, no mínimo, docência sendo identificada com a pedago-

gia. Ao postularem essa identificação, os legisladores desconheceram

toda a tradição teórica e a estrutura lógico-conceitual da ciência pe-

dagógica. Dessa insuficiência conceitual decorre a confusão elementar

entre o campo científico e seu objeto, entre pedagogia e docência, en-

tre ação educativa e ação docente e, afinal, a redução do curso de

Pedagogia ao curso de formação de professores.

Há mais imprecisões conceituais. Por exemplo, no mesmo artigo

2º afirma-se que “o curso de Pedagogia [...] propiciará o planejamen-

to, execução e avaliação de atividades educativas”. A pedagogia, nes-

sa frase, já não tem mais como objeto a docência, mas as atividades

educativas. Afinal, qual o conceito de pedagogia da resolução? Logo àfrente, no artigo 4º, são definidas como atividades docentes.

A insuficiência conceitual leva a definições operacionais muitopouco convincentes do ponto de vista teórico, e o exemplo mais pa-tente é a definição de atividades docentes, tal como consta no pará-grafo único do artigo 4º: o planejamento, a execução, a coordenaçãode projetos e experiências educativas e a produção e difusão do co-nhecimento científico-tecnológico do campo educacional. Ou seja,quaisquer atividades profissionais realizadas no campo da educação,ligadas à escola ou extra-escolares, são atividades docentes. Ou seja,o planejador da educação, o especialista em avaliação, o animador

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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo

cultural, o pesquisador, o editor de livros, todos eles estariam nessasatividades exercendo docência (são docentes). Em suma, é patente aconfusão que o texto provoca ao não diferenciar campos científicos,setores profissionais, áreas de atuação, ou seja, uma mínima divisãotécnica do trabalho necessária em qualquer âmbito científico ou pro-fissional, sem o que a prática profissional pode tornar-se inconsisten-te e sem qualidade.

Em boa parte decorrentes dessas insuficiências de base, sãoverificadas outras:

a) O art. 5º descreve as competências necessárias aos egressosdo curso de Pedagogia como dezesseis atribuições do docente. Sãodescrições em que se misturam objetivos, conteúdos, recomendaçõesmorais, gerando superposições e imprecisões quanto ao perfil do egresso.

b) O art. 2º, § 2º, e o art. 3º apresentam orientações desconexassobre a formação, distintas ou sobrepostas às competências dopedagogo mencionadas do art. 5.

c) Nos artigos 2º e 4º, que estão repetidos, são criadas cincomodalidades de magistério, a saber: Educação Infantil, Anos Iniciaisdo Ensino Fundamental, Cursos de Ensino Médio na modalidadeNormal, Cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoioescolar, outras áreas que requerem conhecimentos pedagógicos. Sãocinco as modalidades formativas, mas em todo o texto há referênciaapenas a duas, Educação Infantil e Anos Iniciais. Faltam orientaçõesquanto ao percurso curricular e às modalidades de diplomação. Nãose esclarece se são percursos curriculares separados ou se há umabase comum que depois se ramifica em habilitações (o texto não men-ciona o termo “habilitações”, nem outro equivalente). Do mesmo modo,o artigo que trata da formação dos profissionais da educação paraadministração, planejamento, supervisão, etc. (art. 64 da Lei n. 9.394/96) em nível de pós-graduação está inteiramente desconectado dosdemais artigos, deixando dúvidas aos dirigentes de cursos de forma-ção. Além disso, a resolução ignora a prescrição legal da LDBEN deque essa formação deve ser feita também em cursos de graduação emPedagogia.

d) O artigo 6º define a estrutura curricular em três blocos: nú-cleo de estudos básicos, núcleo de aprofundamento e diversificaçãode estudos, núcleo de estudos integradores, onde supostamente seincluem disciplinas e atividades curriculares, mas isto não está sufi-cientemente claro devido à redação confusa e à imprecisão.

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José Carlos Libâneo

e) O art. 9º exclui toda e qualquer outra modalidade de forma-ção inicial que não sejam as estabelecidas na Resolução. O art. 10determina a extinção de todas as habilitações existentes; o art. 14estabelece a formação de especialistas em cursos de pós-graduação; oart. 11 mantém o Curso Normal Superior.

Em conclusão, a Resolução do CNE expressa uma concepçãosimplista, reducionista, da pedagogia e do exercício profissional dopedagogo, decorrente de precária fundamentação teórica, de impreci-sões conceituais, de desconsideração dos vários âmbitos de atuaçãocientífica e profissional do campo educacional. A resolução, aliás, nãofez mais do que seguir a tradição do discurso da ANFOPE. Após quin-ze anos de discussões e polêmicas, ela não contribui para a unidadedo sistema de formação, não avança no formato da formação de edu-cadores necessários para a escola de hoje, não ajuda na elevação daqualidade dessa formação e, assim, afeta aspirações de elevação donível científico e cultural dos alunos das escolas de Ensino Funda-mental.

Encaminhado em: jun/07

Aceito em: jun/07

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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer

AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA OCURSO DE PEDAGOGIA: UMA EXPRESSÃODA EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA

CURRICULAR GUIDELINES FOR THEPEDAGOGY COURSE: AN EXPRESSIONOF PRACTICE EPISTEMOLOGY

Marli de Fátima RODRIGUES*

Acácia Zeneida KUENZER**

Resumo: O presente artigo apresenta reflexão desenvol-vida acerca das concepções e debates que permearam aaprovação do Parecer 05/2005, em 13 de dezembro, peloConselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, quetrata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Cursode Pedagogia, Licenciatura. Nesta análise foi possívelconstatar que as políticas atuais de formação de profes-sores e pedagogos estão assentadas numa visão pragmá-tica e tecnicista de formação do educador, pela ênfaseque colocam na dimensão instrumentalizadora do conhe-cimento, atendendo a uma concepção que privilegia aprática em detrimento da teoria: a epistemologia da prá-tica. Essa base epistemológica tem fornecido o suportepara a defesa da centralidade na docência, resultandona redução do campo epistemológico da Pedagogia se-gundo as atuais diretrizes.

Palavras-Chave: Reformas educacionais. Curso de Peda-gogia. Epistemologia da Prática. Relação Teoria e Prática.Práxis.

* Pedagoga. Mestre em Educação pela UFRJ. Doutora em Educação pela UFPR. E-mail:[email protected]

** Pedagoga. Mestre em Educação pela PUC-RS. Doutora em Educação: História, Política e Sociedadepela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. E-mail:[email protected]

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

Abstract: The present article presents a reflection aboutthe conceptions and debates that involved the approvalof the bill 05/2005 on December 13th, by the specialcouncil of the National Education Council that isresponsible for the National Curricular Guidelines for thePedagogy Course, Teacher Education Degree. The analysisallowed us to notice that the current politics for teachereducation are based on a pragmatic and technicist viewof teacher education as they give emphasis to the instru-mental dimension of knowledge, which privileges practiceover theory: the practice epistemology. Thisepistemological basis has been providing support to thecentrality in teaching, which results in the reduction ofthe epistemological field of Pedagogy according to thecurrent guidelines.

Keywords: Educational reforms. Pedagogy Course.Practice Epistemology. Relation Theory and Practice.Práxis.

À GUISA DE INTRODUÇÃO: É O FIM DO DEBATE?

O Parecer 05/2005, aprovado por unanimidade pelo ConselhoPleno do Conselho Nacional de Educação em 13 de dezembro, ao pro-por as Diretrizes Curriculares Nacionais Nacionais para o Curso dePedagogia, apresenta uma solução, mesmo que provisória, para umacontrovérsia que vem se arrastando nos últimos 25 anos, sem pers-pectiva de negociação e muito menos de consenso.

Ao exercer sua função reguladora, na impossibilidade da cons-trução de uma solução negociada, o CNE decide-se por uma das posi-ções controversas, com o que naturalmente reacende o debate, sempresalutar e necessário em uma sociedade que se pretende democrática.

Embora não estejam explícitos, o texto e o contexto levam a crerque dois critérios, dentre outros, orientaram a decisão: o da maioria,o que nem sempre é sinônimo de verdade, e o da racionalização buro-crática, uma vez que cada vez mais se avolumam processos de criaçãode cursos nos mais diversos formatos e se replicam os pedidos de

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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer

apostilamento de habilitações por aqueles que cursaram uma especia-lidade e argumentam sobre sua capacidade para a docência ou cursa-ram apenas uma das habilitações relativas à licenciatura em Educa-ção Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Da mesma forma que o critério anteriormente citado, o daracionalidade burocrática também não é garantia de adequação política,uma vez que nem sempre a simplificação dos procedimentos responde àsdemandas sociais, particularmente nos momentos em que a dinamicidadedas relações sociais e produtivas exige a formulação, no plano coletivo,de novas propostas de formação humana, para cuja construção a liber-dade para experimentar a diversidade é condição necessária.

É importante observar que, não obstante a pretensão de encer-rar, pelo menos por um tempo, a discussão, não há garantia de que talocorra, posto que nos dias em que escrevemos este texto, na primeiradezena de fevereiro, a resolução proposta, aprovada por unanimida-de, ainda não foi homologada.

Uma das causas prováveis – neste país, quando se trata de leis,nunca se sabe ao certo por que as coisas acontecem ou não acontecem– pode ser a declaração de voto apresentada por dois conselheiros,que apontam contradições entre o texto aprovado e o Art. 64 da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Trata-se daResolução 02/02, que estabelece a duração dos cursos de licenciatu-ra, incluindo Educação Infantil e séries iniciais com 2800 horas, sen-do 800 horas de práticas, incluindo os estágios, e 200 horas de ativi-dades complementares. O novo Parecer, diferentemente, estabelece 3200horas, sendo 300 para estágios e 100 horas de atividades comple-mentares. Embora muitos de nós consideremos esta mudança umaadequação necessária, há que se registrar a manifesta incompatibili-dade entre os dois documentos.

Há, ainda, um terceiro voto em separado, no qual o conselheirodestaca a importância da manutenção dos pareceres e da resoluçãoque instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçãode Professores para a Educação Básica, em nível superior, curso delicenciatura, graduação plena com o que, não revogada a Resolução01/99, que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, passama conviver três alternativas de formação para a mesma finalidade, asquais, embora guardem pontos comuns, apresentam divergências.

Dentre elas, destacamos a duração, já apontada, e por incrívelque isto possa parecer, uma maior flexibilização na organização das

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

propostas, uma vez que tanto a Resolução 01/99 quanto a Resolução01/02 admitem a possibilidade de uma única habilitação, de Educa-ção Infantil ou séries iniciais, que poderão ser complementadas, aten-dendo ao espírito das Diretrizes Curriculares Nacionais no tocante àoferta de percursos mais curtos que permitam uma inserção mais rá-pida no mercado de trabalho. É evidente que esta posição precisa sercriticamente considerada, em face do risco do aligeiramento da forma-ção, a favorecer a sua mercantilização. Contudo, em face da novaproposta, que apresenta como única alternativa a dupla habilitação,acrescida da qualificação para docência no Ensino Médio, na área deeducação, é preciso que se analise se este problema foi adequadamen-te equacionado. A nós parece que o aligeiramento continua, provavel-mente mais acentuado, dada a ampliação das competências constan-tes do perfil do licenciado nos termos do Parecer 05/05.

A Resolução 01/99 contempla, ainda, no Art. 6 § 1º, a possibi-lidade da oferta, a critério da instituição, da preparação específica emáreas de atuação profissional, tais como educação para portadores denecessidades especiais, educação de jovens e adultos e de comunida-des indígenas, entre outras.

Na mesma linha, a Resolução 01/02, resguardada aespecificidade da licenciatura com percurso próprio, enfatiza, no Art.14, a flexibilidade necessária para que cada instituição construa pro-jetos inovadores e próprios, desde que sejam observados os eixosintegradores. E, embora não se refira a ênfases, apontando antes anecessidade de que o professor tenha conhecimentos mais amplos queabranjam as diferentes culturas, fases de desenvolvimento e níveis deescolaridade, não as veda. Observe-se que os objetos das Resoluções01/99 e 02/02 são distintos, referindo-se a primeira à organização enatureza dos espaços formativos e a segunda, às diretrizes curriculares.Em conseqüência, procedidos os ajustes sobre a duração já levados aefeito, estas resoluções têm caráter complementar.

O que se reitera com a análise do contido nestas resoluções éque elas não vedam a habilitação única ou mesmo a possibilidade deconstruir percursos mais específicos a partir de uma base comum,dependendo das opções da instituição, complementadas por escolhasdo aluno por meio da flexibilização curricular, sempre lembrando oprincípio fundante das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cur-sos de Graduação em geral: a diferenciação dos percursos curriculares.Não se trata aqui de discutir o mérito destas resoluções no que tange

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à flexibilização, mas apenas apontar que há contradições de fundoentre estas e o novo parecer.

Há que se observar, no entanto, que a contradição mais eviden-te a ser enfrentada é a que diz respeito à duração. Note-se que a Reso-lução 01/99, tão duramente criticada por induzir, entre outras ques-tões, o aligeiramento da formação, propunha 3200 horas de formação,permitindo uma única habilitação, no que teve artigos revogados paraadequar-se às 2800 horas propostas pela Resolução 02/02. Agora, aproposta de resolução recém-aprovada volta às 3200 horas, com signi-ficativas mudanças (no nosso entender necessárias) na carga horáriadestinada às práticas e aos estágios, que passa de 800 para 300 horas,e também nas atividades complementares, que passam a ter 100 horas.Observe-se, contudo, que a Resolução 01/99, no seu Art. 9, em vigor,propõe, tal como a 02/02, 800 horas de prática.

Em resumo, três mudanças relativas à duração no curto perío-do de cinco anos, sendo que duas continuarão a ter efeitos legais casoseja aprovada a nova resolução tal como está. Isto significa duas al-ternativas de curso, com duração e formas de organização (Curso Nor-mal Superior ou Pedagogia) distintas, para a mesma finalidade, à es-colha do administrador, segundo suas conveniências. Nada impedi-ria, e o voto em separado do conselheiro Francisco Aparecido Cordãoressaltando a importância da manutenção da Resolução 01/02 refor-ça esta possibilidade, que permanecessem todas as modalidades, emnome da flexibilização, podendo as instituições optar pelas ofertasmais convenientes. Estas são geralmente determinadas pelo mercado,e as propostas mais curtas, mais práticas e mais flexíveis podem serplanejadas de modo a reduzir o custo, sendo mais atrativas para osetor privado.

É bom lembrar que foi exatamente isto o que aconteceu por oca-sião da negociação ocorrida durante a elaboração do Decreto 5154/04, que regulamenta a educação profissional, quando foi decisiva aparticipação do mesmo conselheiro. A proposta inicial, de revogaçãodo Decreto 2208/97, foi substituída pela revogação apenas do artigoque vedava a oferta do curso médio integrado à educação profissio-nal, com o que permaneceram todas as modalidades propostas pelodecreto anterior, acrescidas da nova possibilidade. Assim, o novo de-creto, ao revogar o anterior, o fez incorporando-o, de modo a assegurara continuidade das ofertas que vinham sendo feitas pelo setor priva-do de educação profissional.

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

Outra questão a apontar, ainda, do ponto de vista da coerênciadas normas, é a contida no voto em separado do conselheiro PauloMonteiro Vieira Braga Barone, quando aponta o que chama de contra-dição intrínseca no que se refere à definição do pedagogo, através daespecificação de apenas uma modalidade de formação:

Essa definição, que afirma inicialmente ser o Pedagogo o profes-sor de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Funda-mental, reveste em seguida este profissional de atributos adicio-nais que deformam consideravelmente o seu perfil. Talvez a solu-ção para esta contradição lógica fosse a admissão de um espec-tro mais amplo de modalidades de formação, como o bacharela-do, não previsto no Parecer (Conselheiro Paulo Monteiro VieiraBraga Barone, Parecer 5/2005 – Diretrizes Curriculares Nacio-nais para o Curso de Pedagogia de 13 de dezembro de 2005).

Com relação a esta contradição intrínseca apontada pelo con-selheiro, há pelo menos duas dimensões a discutir: o disposto peloMEC nas orientações dadas às comissões de especialistas responsá-veis pela elaboração das propostas de diretrizes curriculares para oscursos de graduação e a definição de ação docente apresentada peloParecer 05/05.

Sobre o primeiro ponto, há que se observar que o Edital 04/97da Secretaria de Ensino Superior do MEC apresentou, entre outrascategorias, a flexibilização dos percursos pedagógicos como a razão deser da substituição dos currículos mínimos pelas diretrizes curriculares,para, ao superar o engessamento, melhor responder à dinamicidadedas mudanças no mundo do trabalho. Neste edital o MEC chegou adefender, no limite, a possibilidade de “cada curso ser um percurso”,ou seja, nenhuma uniformidade.

Exageros e equívocos à parte, a concepção que orientou as comis-sões de especialistas, que fizeram valer sua experiência, foi a de admitirmúltiplas possibilidades de organização curricular, de modo a atender,principalmente, às novas necessidades que as mudanças ocorridas navida social e produtiva têm trazido. No campo da Pedagogia, estasmudanças abriram novas possibilidades de atuação dos profissionaisda educação, docentes e não docentes, no trabalho, nas organizaçõesnão governamentais, nos meios de comunicação, nos sindicatos, nospartidos, nos movimentos sociais e nos vários espaços que têm sidoabertos no setor de serviços para atender às demandas sociais.

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Com o reconhecimento da especificidade do campo de atuaçãodo pedagogo, veio também a indicação dos seus limites, instando oscursos a construírem percursos interdisciplinares que articulassem osconhecimentos relativos ao trabalho pedagógico aos campos de ou-tras ciências, de modo a formar profissionais de educação com novosperfis, capazes, por exemplo, de atuar com as novas tecnologias, comas diferentes mídias e linguagens, com a participação social, com olazer, com programas de inclusão dos culturalmente diversos, dosportadores de necessidades especiais, e outras inúmeras possibilida-des formativas que a vida social e produtiva tem demandado em de-corrência do regime de acumulação flexível.

Essa gama de possibilidades abertas pela prática social e produ-tiva foi simplesmente fechada pela nova proposta, que reduz o pedagogoao professor de Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamen-tal, nos cursos de Ensino Médio, modalidade Normal, e Educação Pro-fissional para os técnico-administrativos das escolas e sistemas de en-sino. Ao invés de flexibilidade para experimentar novas possibilidades,a redução pelo enrijecimento. Define-se exclusivamente o pedagogo comoprofessor, limitado as qualificações profissionais já citadas. Fecha-se apossibilidade para a formação, em outros percursos na graduação, dopedagogo unitário, por exemplo, como faz a Universidade Federal doParaná, competente para atuar tanto na docência quanto na gestão daescola e do sistema de ensino, cuja inserção no mercado de trabalhotem sido considerável. Ou do pedagogo do trabalho, ou do pedagogosocial, ou do pedagogo capacitado para atuar em projetos de inclusãosocial, quer dos culturalmente diferentes, quer dos portadores de ne-cessidades especiais.

Sobre o segundo ponto, o Parecer 05/05 amplia demasiadamen-te a concepção de ação docente, provavelmente para rebater as críticasque vinham sendo feitas à redução do campo epistemológico da Peda-gogia que a centralidade nesta categoria determinava e, ao mesmo tem-po, produzir uma formulação que, pela abrangência, fosse maisconsensual. Como resultado deste esforço, a concepção de ação docen-te passou a abranger também a participação na organização e gestão desistemas e instituições de ensino e a produção e difusão do conheci-mento científico-tecnológico do campo educacional em contextos esco-lares e não escolares, assumindo tal amplitude, que resultoudescaracterizada.

A gestão e a investigação demandam ações que não podem ser

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

reduzidas à de docência, que se caracteriza por suas especificidades;ensinar não é gerir ou pesquisar, embora sejam ações relacionadas.Em decorrência desta imprecisão conceitual, o perfil e as competênci-as são de tal modo abrangentes, que lembram as de um “novo salva-dor da pátria”, para cuja formação o currículo proposto é insuficien-te, principalmente ao se considerar que as competências elencadas,além de muito ampliadas, dizem respeito predominantemente a di-mensões práticas da ação educativa, evidenciando-se o caráter ins-trumental da formação.

Ademais, para além do estudo dos fundamentos, dos conteú-dos e das práticas pedagógicas para as áreas de competência listadas,Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental, Curso Nor-mal e outros cursos técnicos de nível médio, todas com seus estágios,não é possível visualizar espaço no percurso curricular para uma for-mação teórico-metodológica que qualifique para a gestão e para pesqui-sa em instituições escolares e não escolares; ou contemplar, nos dife-rentes componentes curriculares ou nas 100 horas de atividades com-plementares, a qualificação para atuar, mesmo que opcionalmente, emapenas mais uma área, na educação de jovens e adultos, dos trabalha-dores, dos portadores de necessidade especiais, dos indígenas, dos re-manescentes dos quilombolas e componentes de outros grupos étnicos.

Daí o espanto do conselheiro com a intrínseca contradição: noafã do atendimento a todas as vozes dissonantes da opção escolhida,ao tempo que o Parecer define um foco restrito a uma única possibili-dade de qualificação, representativa de uma forma específica de con-cepção do que seja a pedagogia, amplia demasiadamente o perfil, doque resulta a ineficácia práxica da proposta, pois o que está em tudonão está em lugar nenhum, constituindo-se desta forma uma aberra-ção categorial: uma totalidade vazia. Os resultados práticos desta con-tradição é que as instituições formadoras, mais uma vez, vão proporpercursos para atender às suas conveniências, principalmente as mer-cantis, o que contribui, contrariamente ao professado, para uma mai-or desqualificação da educação básica, ampliada pela desqualificaçãodos formadores.

Decorre desta análise introdutória que talvez o debate, por im-propriedade jurídica ou por impertinência práxica, ainda não tenhachegado ao fim...

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VALNIR CHAGAS VINTE ANOS DEPOIS: FINALMENTE,A REDUÇÃO DA PEDAGOGIA AO CURSO NORMAL SUPE-RIOR

Administrar, supervisionar e orientar são ações transitivas quesupõem um objeto representado, no caso pelo conhecimento epela vivência de escola, de ensino e de aluno; daí por que todoespecialista em Educação tem que ser primeira e basicamenteeducador. A especialidade – são ainda palavras de AnísioTeixeira – “é uma opção posterior que faz o professor ou o edu-cador já formado e com razoável experiência de trabalho”. (CHA-GAS, 1980, p. 320).

A análise do Parecer 05/05 permite concluir que a proposta deCurso de Pedagogia apresentada, ao mesmo tempo em que propõe arevogação da Resolução 02/69, reedita, em larga medida, as propostasapresentadas na década de 1970 pelo Conselho Federal de Educação,através dos Pareceres 67 e 68/75 e 70 e 71/76, cujo relator foi o pro-fessor Valnir Chagas. Tais indicações propunham a formação de especi-alistas e do professor para o ensino pedagógico do Curso Normal, assimcomo do pedagogo em geral, a ser realizada em habilitações acrescidas acursos de licenciatura. Esses pareceres, como sabemos, não foram ho-mologadas na época.

O modelo pretendido por Chagas é assim caracterizado:

A formação de especialistas em Educação e de professores para oensino pedagógico de 2º grau, tanto quanto do pedagogo em ge-ral, será feita como habilitações acrescentadas a cursos de licen-ciaturas e, em caráter transitório ditado pelas peculiaridadeslocais, como curso aberto a docentes que tenham preparo de 2ºgrau, exigindo-se em qualquer hipótese a prévia experiência pro-fissional de magistério. (CHAGAS, 1976, p. 76 – grifos nossos).

Esse relator propunha cursos de licenciatura para formação deprofessores, sendo que as habilitações seriam acrescentadas a essescursos. Ao Curso de Pedagogia caberia a formação do professor paraatuar nas séries iniciais, sendo subseqüente a formação do especialis-ta. Esta proposição, não homologada à época, agora é reeditada, con-siderado o especialista em educação um prolongamento do professor.

Passamos, então, a uma análise comparativa dos pareceres re-

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

latados por Chagas, em 1970, com o atual projeto de resolução. Essedocumento define um profissional cujo percurso inicial é o de docen-te, feito no Curso de Licenciatura em Pedagogia. Esse docente poderáverticalizar sua qualificação, acrescentando à sua formação inicial ade especialista, por meio de curso de pós-graduação. Em síntese, oque se pretende é habilitar o especialista no professor, da mesma for-ma proposta por Chagas na década de 1970.

Esta concepção foi objeto de severas críticas à época, pelos quedefendiam a formação do especialista no Curso de Pedagogia, umavez que a formação do professor para a educação infantil e para asséries iniciais era feita por meio dos cursos de formação para o magis-tério em nível médio. Chagas, justificando sua proposta pela amplia-ção e complexificação das organizações escolares, reconhecia, já nosanos 70, a necessidade da formação do professor para todos os níveisem cursos superiores de graduação, com o que se deslocava natural-mente a formação do especialista para o nível de pós-graduação, sem-pre tomando a formação para a docência e a experiência no magistériocomo pré-requisitos para esta formação. Assim, o próprio Chagas pro-punha-se a superar os limites impostos ao Parecer 252/69 e respectivaresolução pelo próprio desenvolvimento da sociedade:

O Especialista em Educação é também um prolongamento do pro-fessor, resultante do crescimento das escolas e da sua organizaçãocomo e em sistemas cada vez mais complexos. Surgiu com o dire-tor clássico, já descrito, que se desdobrou e se desdobrou, gradu-almente, em dezenas de profissionais ora necessários em determi-nadas circunstâncias, ora simplesmente pedantes e inúteis, queno fundo se prendem aos componentes básicos da educação for-mal: a escola, o professor e o aluno. Daí as três especialidadesfundamentais % administração, supervisão e orientação % que seforma com o tempo delineando seja quanto às suas funções, sejaquanto às próprias designações. (CHAGAS, 1980, p. 317).

Esta mesma justificativa, o desenvolvimento das forças produ-tivas com suas conseqüências sobre a educação, serviu à retomada dadefesa da formação do professor da educação básica em cursos degraduação pelos profissionais da educação e pela sociedade civil, desdeo processo constituinte. Sobre o que não se construiu consenso nasdiscussões que se iniciaram a partir de 1980 com a criação do Movi-mento de Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores e seus

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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer

desdobramentos foi a identidade, e em decorrência, as funções, doCurso de Pedagogia.

Sem a intenção de repetir uma discussão sobre a qual há vastomaterial publicado, registramos, para fins desta análise, as três con-cepções que se confrontaram nestes vinte e cinco anos: a pedagogiacentrada na docência, enquanto licenciatura; a pedagogia centradana ciência da educação, como espaço de formação dos especialistas,enquanto bacharelato; e a pedagogia que integrava as duas dimen-sões, formando o professor e o pedagogo unitário em um mesmo per-curso, uma vez que a defesa da formação de especialistas na gradua-ção foi se fragilizando ao longo do tempo, embora a LDBEN,intempestivamente, as resgatasse, com o que se ampliaram as diver-gências e as dificuldades.

Considerando apenas parte deste tão longo debate, e sem levarem conta a totalidade e riqueza de experiências que se desenvolveramao longo do tempo, inclusive avaliadas, o Conselho Nacional de Edu-cação decidiu por um formato que confere exclusividade à licenciatu-ra, e especificamente de Educação Infantil e séries iniciais, acrescidada qualificação para ensino profissionalizante de nível médio nasmodalidades Magistério e Serviços de Apoio, tudo em um único per-curso, vedadas as ênfases ou habilitações. E ainda, tomando por basea formação de um profissional polivalente, rejeita a possibilidade daformação por disciplina facultada pela Resolução 01/99, no seu Art.7, § 10. Esta é outra contradição que permanece, a refletir as divergên-cias que persistem.

É bom que se lembre que esta redução à educação até o limitedas séries iniciais também se deveu ao fato de que as universidadesnão foram competentes para, neste período, resolver as históricas di-vergências entre as Faculdades de Educação e os Institutos responsá-veis pela formação de professores para as áreas de conteúdo, em de-corrência do que esta formação tem suas diretrizes dispostas em outraresolução (01/02).

O resultado das decisões contidas no Parecer 05/05 foi a redu-ção do campo epistemológico da Pedagogia, com seu vasto elenco depossibilidades formativas, que superam de muito as tradicionais ha-bilitações, à docência para crianças. As demais possibilidades pas-sam para o nível subseqüente, em cursos de pós-graduação, lato oustricto sensu, abertos a todos os licenciados, e em muito casos, dadasas condições de interdisciplinaridade, aos bacharéis, como já ocorre

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com freqüência. A Pedagogia, enquanto graduação, restringe-se aoCurso Normal Superior, aprovando-se 20 anos depois a proposta deChagas, contida nos pareceres não homologados e veementementerejeitados na década de 1970.

Nosso entendimento é o de que essa equivalência, proposta noParecer 05/05, além de referenciar uma determinada concepção, tam-bém apresenta uma solução para a pouca aceitação do Curso NormalSuperior. O Curso Normal Superior, como sabemos, foi adotado espe-cialmente por instituições não universitárias que criaram InstitutosSuperiores de Educação, visando qualificar o mais rapidamente pos-sível os professores em exercício e adequá-los à exigência de formaçãoem nível superior proposta pela nova LDBEN, o que configurava ummercado promissor. Apesar de legalmente constituído, esse curso nãoganhou legitimidade na comunidade acadêmica e fora dela. A novaproposta de resolução, no Art. 11, permite a transformação dos Cur-sos Normais Superiores em Cursos de Pedagogia, por intermédio daelaboração e apresentação de um novo projeto pedagógico no prazode um ano a contar da data da publicação.

Com a nova legislação, os Cursos Normais Superiores,ofertados por instituições não universitárias e, portanto, sem o com-promisso com a pesquisa e sem a relação interdisciplinar com os Ins-titutos responsáveis pela formação nas áreas de conteúdo, ganham ostatus de Curso de Pedagogia. A conseqüência desta equivalência é aformação de profissionais com diferentes níveis de qualidade que fa-rão jus à mesma certificação, cabendo ao mercado proceder à seleçãosegundo seus interesses e suas necessidades, o que certamentefragilizará a profissionalização docente.

Mas, no nosso entendimento, há uma segunda e muito fortedeterminação para esta redução da Pedagogia à docência para crian-ças: uma concepção que toma a prática docente como pré-requisitopara a formação do pedagogo, enquanto gestor, especialista ou pes-quisador, já presente em Chagas, que por sua vez se apóia em Teixeira,como evidencia a citação que abre este item. E não qualquer práticadocente: especificamente, a formação e a prática em educação de cri-anças, admitida também como pré-requisito à prática dos licenciadoscom as séries finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio.Esta compreensão, que determina que os estudos em educação se ini-ciem, necessariamente, pela formação e prática na docência da edu-cação básica, no nosso entendimento, ao engessar a formação dos

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profissionais da educação, contradiz as novas demandas do mundodo trabalho, que abrem inúmeras possibilidades de atuação nos pro-cessos ampla e especificamente pedagógicos de formação humana naperspectiva da emancipação, como já se demonstrou anteriormente.

E, levando em conta a diversidade destas possibilidades, nãohá como sustentar tal pré-requisito; embora se possa concordar que alicenciatura preceda a formação especializada, consideramos maisadequado defender uma sólida formação nos fundamentos, teorias epráticas pedagógicas que são comuns às diferentes possibilidades deatuação do profissional da educação, sobre a qual se desenvolvam asespecificidades das diferentes áreas de atuação através de percursosdiferenciados. Não há como concordar que a formação em Magistériode Educação Básica seja pré-requisito para a formação de profissio-nais de educação que atuam nas áreas de pedagogia social ou do tra-balho, por exemplo, uma vez que essas áreas exigem formação teórico-metodológica a partir de categorias que lhe são próprias, embora apartir de uma fundamentação comum.

Se a formação inicial em docência em educação básica não é pré-requisito para outras modalidades de licenciatura no campo da peda-gogia, também não se pode afirmar que seja pré-requisito para a forma-ção de pesquisadores, o que vai depender das linhas e objetos de pes-quisa e das bases epistemológicas, teóricas e metodológicas que as fun-damentam. O percurso curricular que qualifica para a docência em edu-cação básica não resulta em qualificação para a pesquisa em um campotão vasto como é a educação, e tão pouco é requisito para tal, como asexperiências de iniciação científica bem têm demonstrado; ao contrário,dependendo do recorte do objeto, o aluno de IC terá que se apropriar defundamentação diferente da oferecida pelo curso centrado na docência.

No caso da qualificação para a gestão, embora se admita que oconhecimento do objeto a ser gerenciado integra a formação do gestor,ainda assim a qualificação em docência em educação básica não sejustifica como pré-requisito exclusivo, a não ser para a gestão nestenível de ensino. Em que, por exemplo, esta formação impactaria, se-não remotamente, a qualificação de um gestor de projetos de educa-ção inclusiva, do ponto de vista das diferenças étnicas? Ou de proje-tos de educação nos movimentos sociais? Ou de educação profissio-nal? Ou de educação para idosos? De novo se argumenta que sãonecessários fundamentos teóricos e metodológicos específicos, sempreconsiderada uma fundamentação comum, que não se esgota na pro-

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posta pelo parecer, em face da particularidade de seu foco.Do ponto de vista teórico-metodológico, podemos afirmar que

esta tomada refere-se à decisão de centrar o percurso formativo emuma parte que não encaminha suficientemente à apreensão da rica ecomplexa totalidade dos processos de formação humana, em suasmúltiplas e dinâmicas relações com as dimensões sociais, econômicase culturais que configuram a prática social.

A PRÁTICA: A BASE EPISTEMOLÓGICA DA FORMAÇÃO DEPROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA, SEGUNDO ASDIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

Discutida a impropriedade da proposta apresentada pelo pa-recer do ponto de vista do seu conteúdo – a exclusividade da forma-ção em Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental –, háque discuti-la do ponto de vista epistemológico. Neste item, buscare-mos mostrar que a opção por um modelo de formação de professoresque eleja a prática em docência em educação infantil e nos anos inici-ais do ensino fundamental como pré-requisito para o desenvolvimentode estudos avançados em educação, reduzindo-se o campo da Peda-gogia, atende a uma concepção que privilegia a prática em detrimentoda teoria: a epistemologia da prática.

Esta concepção, ao invés de articular teoria e prática, acentuaa desarticulação, na medida em que condiciona os estudos teóricosmais avançados à prática, e o que é mais grave, a uma prática especí-fica: a docência para crianças de 0 a 10 anos.

As propostas de extinção da Pedagogia, desde as apresenta-das por Chagas na década de 1970, mostra Brzezinski, justificam-sesobretudo pela tendência brasileira de centrá-la na vertenteprofissionalizante, como campo prático, que mantém pouca relaçãocom os estudos epistemológicos (1996, p. 82). Justificava-se, ainda,destaca a mesma autora, pela ausência de estudos teóricos que tratas-sem da Pedagogia como ciência unitária, uma vez que a preocupaçãocom a base epistemológica da Pedagogia, embora surja nos anos 1980,só vai se consolidar na década de 1990, destacando-se, entre outros,os trabalhos de Libâneo (1998, 2000, 2002), Pimenta (1991, 1992,1998, 2001, 2002), Bissoli (1999), Brzezinski (1996) e Franco (2003).

É esta preocupação com o caráter prático da formação que vai

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orientar os pareceres e resoluções que são exarados a partir de 1999,até o presente momento.

A justificativa apresentada para o privilegiamento da prática éa recorrente observação de que a produção intelectual e os avançosteóricos têm afetado muito pouco a prática dos professores, e quandochegam à escola e à sala de aula, sua apropriação é precária ou equi-vocada, uma vez que os professores não compreendem o conhecimen-to abstrato e o discurso complexo produzido e divulgado pela acade-mia. Outras explicações decorrem das constantes críticas à ineficiên-cia dos modelos de formação que se tornaram convencionais, desta-cando especialmente o elevado academicismo das propostas, em ra-zão do que se torna necessário elaborar novos modelos de formação,com base na epistemologia da prática (SCHÖN, 2000; TARDIF, 2002;ZEICHNER, 1993; PERRENOUD, 1993).

A emergência do paradigma da prática no Brasil pode ser situa-da no final da década de 1980 e início de 1990, coincidindo com omovimento das reformas educacionais. É nesse contexto que aparece,em todo país, uma literatura pedagógica nacional e internacional queprivilegia a formação reflexiva do professor e a construção de compe-tências profissionais, além de fazer crítica ao modelo da racionalidadetécnica tradicionalmente adotado nos programas de formação de pro-fessores.

A concepção de formação, assentada na formação reflexiva deprofessores e na construção de competências profissionais, sob oenfoque da nova epistemologia da prática, localiza-se originariamentenos estudos sobre educação profissional realizados por Donald Schön,que desenvolve o conceito de formação de profissionais reflexivos apartir da crítica ao modelo de racionalidade técnica de tradiçãopositivista adotado nos currículos das escolas profissionais de seupaís (SCHÖN, 2000).

No prefácio do seu livro “Educando o Profissional Reflexivo:um novo design para o ensino e a aprendizagem”, Schön (2000) afir-ma que desde 1983 vem propondo uma nova epistemologia, que advémdo conhecimento que os profissionais constroem a partir da reflexãosobre as suas práticas, “pensar o que fazem, enquanto fazem”, emsituações de incerteza, singularidade e conflito.

Schön (2000) parte do pressuposto de que há um dilema entrerigor e relevância na formação profissional e que os educadores estãocada vez mais cientes da existência de “zonas indeterminadas na prá-

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tica”, as quais, segundo ele, demandam um talento artístico que éobstaculizado, impedido de se manifestar, por causa da adoção, nasescolas profissionais, de currículos normativos.

Ao afirmar “que os problemas da prática do mundo real não seapresentam aos profissionais com estruturas bem-delineadas” e que“na verdade, eles tendem a não se apresentar como problemas, masna forma de estruturas caóticas e indeterminadas” (2000, p. 16),Schön, destaca as “zonas indeterminadas da prática”, que envolvemsituações em que não há respostas certas ou procedimentos-padrão,que fogem das estratégias convencionais de explicação. Propõe, en-tão, um ensino prático reflexivo, baseado numa epistemologia da prá-tica que abra espaço para o talento artístico, apresentando outrosdois conceitos: conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação.

Ao desenvolver o ensino prático reflexivo, Schön esclarece queé “um ensino prático voltado para ajudar os estudantes a adquiriremos tipos de talento artístico essenciais para atuarem em zonasindeterminadas da prática”. (2000, p. 25). As principais característi-cas do ensino prático-reflexivo são o aprender fazendo, a instrução eo diálogo de reflexão-na-ação entre instrutor e estudante. O autorutiliza a expressão “talento artístico profissional” para referir-se “aostipos de competências que os profissionais demonstram em certassituações da prática que são únicas, incertas e conflituosas”. (SCHÖN,2000, p. 29, grifos no original).

Conhecer-na-ação revela-se, para Schön, por um tipo de inteli-gência tática e espontânea que somos incapazes de tornar verbalmen-te explícita. Já a reflexão-na-ação agrega uma função crítica, questio-nando a estrutura dos pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Paraele, ao pensarmos criticamente na ação, podemos reestruturar as es-tratégias de ação. (SCHÖN, 2000, p. 33).

Na epistemologia da prática sugerida por Schön, “o talento ar-tístico profissional é entendido em termos de reflexão-na-ação e cum-pre um papel central na descrição da competência profissional”(SCHÖN, 2000, p. 38). Revela que na base dessa visão da reflexão-na-ação está uma visão construcionista da realidade, na qual novas vi-sões, apreciações e crenças estão enraizadas em mundos construídospor nós mesmos, contrapondo-se à racionalidade técnica, que se ba-seia numa visão objetivista da relação do profissional com a realida-de que ele conhece. (SCHÖN, 2000).

Embora já nos pareceres da autoria de Chagas a supremacia daprática sobre a teoria aparecesse enfaticamente, justificando a neces-

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sidade de praticar a docência como requisito para os estudos teorica-mente mais avançados de educação, a epistemologia da prática vai sefazer presente de forma mais marcante nos pareceres e resoluções queforam exarados pelo CNE a partir de 1999, evidenciando a forte in-corporação desta proposta nos debates e nas práticas e formação deprofessores desde então.

O Parecer CP 115/99, que antecede a Resolução 01/99, aocentrar a formação do professor no desenvolvimento de competênci-as, aponta para a necessidade de qualificá-lo para uma nova prática,que não se restrinja à sala de aula, mas se amplie para contemplar asarticulações com as famílias e com a comunidade em geral, como oobjetivo central da formação inicial e continuada dos docentes.

Dentre os problemas identificados, destaca o legislador adissociação entre a teoria e a prática, que se apresenta em duas ver-tentes: na separação entre as teorias e métodos das atividades concre-tas de ensino na sala de aula e na organização escolar; e na separaçãoentre o domínio das áreas específicas de conhecimento e as necessida-des e capacidades dos alunos das diferentes faixas etárias e fases dopercurso escolar.

Em decorrência, o Parecer 115/99 apresenta a prática como ele-mento articulador do processo de formação de professores. Neste docu-mento, a incorporação das categorias apresentadas por Schön é bastan-te evidente; embora o parecer se refira à integração entre teoria e práti-ca, a dimensão instrumental da teoria se faz presente em textos como:

[...] é a prática de ensino desenvolvida na escola que pode desve-lar ao aluno docente problemas pedagógicos concretos, que pre-cisam ser resolvidos no cotidiano do processo de ensino e apren-dizagem desenvolvido no ensino fundamental. O seuenfrentamento [...] estimulará o futuro professor a desenvolver areflexão crítica sobre os conteúdos curriculares que ministra esobre as teorias a que vem se expondo, ao mesmo tempo em quesuscitará redirecionamentos ou reorganização da atividade pe-dagógica que vem efetivando. Neste processo de aprender fazen-do, o aluno docente aprimora e reelabora seus conhecimentos.

Ou seja, é a prática o critério de reformulação da prática apartir da reflexão crítica, como afirma Schön, acima referenciado. E,em decorrência desta concepção, a prática de ensino deve perpassartoda a formação profissional.

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A mesma concepção está presente nos Pareceres 09/01, 27/01 ena Resolução 01/02, onde, no parágrafo único do Art. 6, pode-se lerque “a aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológicogeral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta aresolução de situações-problema como uma das estratégias didáticasprivilegiadas”.

Esta concepção que privilegia a prática como espaço formativo vaiser o fundamento para a definição da duração dos componentes curricularesna Resolução 02/02, estabelecendo-se 800 horas de práticas, incluindoo estágio, e 200 horas de atividades complementares, com o que se res-tringe a 1800 horas a formação teórica sobre educação e sobre a área doconhecimento a ser ensinada. Desnecessário repetir aqui as críticas, pordemais anunciadas, feitas ao caráter reducionista da formação assim pro-posta, restrita ao domínio dos conhecimentos escolares, com o que certa-mente se fragiliza ainda mais a formação docente.

Nestes documentos, afirma-se a prática como componentecurricular, “uma dimensão do conhecimento que tanto está presentenos cursos de afirmação nos momentos em que se trabalha na reflexãosobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentosem que se exercita a atividade profissional”.

Na nova proposta, apresentada pelo Parecer 05/05, a questãoda relação entre teoria e prática é tratada enquanto “problemática doequilíbrio entre formação e exercício profissional”, criticando ointelectualismo que revestia cursos cujos professores, “com pouca ounenhuma experiência de magistério nos anos iniciais de escolarização eresponsáveis por disciplinas fundamentais, entendiam que a práticateria menor valor”. Sem referir-se aos que faziam o contrário, bastantefreqüentes, conferindo uma dimensão praticista à formação, o docu-mento aponta para os que articulavam estas duas dimensões atravésda concepção da Pedagogia como práxis.

A partir destas considerações, o documento incorpora a compre-ensão de que a Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da edu-cação, do ensino e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis soci-al, sem elucidar o significado que dá a estas categorias ou mesmo comose relacionam, se aproximam ou se diferenciam. A leitura do texto, con-tudo, mostra que, ao eleger a ação docente como categoria estruturanteda formação, compreendida na acepção ampliada já analisada, o pare-cer define os objetos, os conhecimentos, o perfil do pedagogo e os núcle-os curriculares com base na prática.

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São escassas as referências ao trabalho intelectual, e quandoaparecem, é sob a forma de “estudos de didática, de teorias, emetodologias pedagógicas, de processos de organização do trabalhodocente; das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural,cidadania, sustentabilidade; ou sob a forma de atenção às questõesatinentes à ética, à estética e à ludicidade”. (Art. 6 da proposta deresolução ainda não homologada).

Não há referência ao desenvolvimento das competências comple-xas do trabalho intelectual, em particular as que se referem ao exercícioda crítica, da participação política ou ao desenvolvimento de conheci-mentos científico-tecnológicos para enfrentar os desafios de uma socie-dade cada vez mais excludente, para o que o domínio de conhecimentoscientíficos, tecnológicos, e sócio-históricos com vistas à formação deum profissional com autonomia intelectual e ética são fundamentais.Ao contrário, as referências dominantes são aos modos de fazer: apli-car, planejar, implementar, avaliar, realizar, com o que se reforça a di-mensão instrumental que determina as relações com o conhecimento.

Como afirma Contreras (2002), a idéia básica deste modelo é quea prática profissional consiste na solução instrumental de problemasmediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previa-mente disponível, que procede da pesquisa científica. É instrumentalporque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificampor sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados.

O aspecto fundamental da prática profissional é definido, porconseguinte, pela disponibilidade de uma ciência aplicada quepermita o desenvolvimento de procedimentos técnicos para aanálise e diagnóstico dos problemas e para o tratamento e solu-ção. A prática suporia a aplicação inteligente desse conheci-mento, aos problemas enfrentados por um profissional, com oobjetivo de encontrar uma solução satisfatória (p.90-91)

A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA: O NÓ DA QUESTÃO

A análise levada a efeito permite concluir que as divergênciasde fundo permanecem se derivando da concepção de relação entreteoria e prática que dá suporte às diferentes propostas em debate: aque confere primazia ao trabalho intelectual, a que confere primazia àprática e a que adota a práxis como categoria fundante. Antes que se

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prossiga com a análise, é importante reiterar que os textos analisa-dos, embora em algum momento se refiram à necessária relação entreteoria e prática e mesmo à práxis, o fazem como mero discurso a desa-bar em uma concepção instrumentalizadora da teoria, na dimensãoda epistemologia da prática. A questão em tela, portanto, continuasendo: de que prática estamos falando.

Em primeiro lugar, os documentos analisados, com base naconcepção de um professor reflexivo que reflete sobre a prática a par-tir da própria prática, reduz a formação ao conhecimento tácito, queé resultante da experiência no trabalho e, portanto, restrito a formasde fazer; em decorrência, é destituído de sistematização teórica, emvirtude do que não pode ser transmitido. O conhecimento tácito, comoafirmam Jones e Wood (1984), se insere no âmbito das dimensões sub-jetivas do trabalho, formas inconscientes e geralmente não reconheci-das através das quais os trabalhadores, mesmo desqualificados, utili-zam o saber da experiência para resolver situações novas ou não pre-vistas nos processos de trabalho procedimentados, o que Schön chamade zonas indeterminadas da prática.

Desta concepção deriva-se uma pedagogia presente nas diretri-zes curriculares para a formação dos professores para a educação bási-ca, nos diferentes pareceres que estão sendo analisados: o aluno do-cente aprende com a prática, em virtude do que esta deve acompanhá-lo desde o início do curso e ter carga horária substancial .

Esta concepção também corresponde ao que Dejours (1993)chama de inteligência prática, mais vinculada à obtenção de resulta-dos do que ao conhecimento dos princípios e processos que servem decaminho ao pensamento; a questão posta é resolver rapidamente oproblema, com economia de esforço e de sofrimento do corpo. O quenão significa, como mostra o autor, que a inteligência prática não sejacriativa, fazendo surgir novas respostas, materiais, ferramentas, pro-cessos. Contudo, tem limites.

Kuenzer, ao analisar as novas demandas de educação profissio-nal derivada das mudanças na base técnica com a crescente utiliza-ção da microeletrônica, que requerem cada vez mais domínio das ca-tegorias referentes ao trabalho intelectual em contraposição àcentralidade do conhecimento tácito típica do taylorismo/fordismo,afirma o seguinte:

Causa espanto, portanto, ao tempo em que as pesquisas levema estas constatações, que as políticas públicas em vigor para

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todos os níveis de ensino proponham como tarefa à escola odesenvolvimento de competências entendidas como capacida-des de realizar tarefas práticas, desvalorizando, e mesmo decla-rando desnecessário, o conhecimento científico. Assim é que setraduzem as competências no ensino médio, na educação pro-fissional e nos cursos de graduação, onde os percursoscurriculares tendem a ser encurtados, à luz do princípio pós-moderno que nega a objetividade da ciência e o caráter históri-co da produção do conhecimento, ao mesmo tempo que ampli-am os espaços da prática, na esperança que a mera inserção doaluno no processo de trabalho seja suficiente para a sua forma-ção. (KUENZER, 2003a, p.67).

Retrocede-se, afirma a autora, ao princípio educativo dotaylorismo/fordismo, onde o melhor instrutor era o “Tonicão”, queembora não conhecesse a ciência do seu trabalho, tinha virtuosidadenas práticas laborais, desenvolvida ao longo do tempo através de suaexperiência. Ele também não sabia ensinar, porque conhecimento táci-to não se sistematiza e, portanto, não se explica; mas tinha imensaboa vontade em se deixar observar e em mostrar como fazer, pois ele“sabia na prática”. (KUENZER, 2003b).

A pedagogia, assim compreendida, se resume a observar e repe-tir até memorizar as “boas práticas” dos trabalhadores mais experien-tes, bastando inserir desde logo o futuro docente na situação concretade trabalho, mesmo antes que ele se aproprie de categorias teórico-metodológicas que lhe permitam analisá-la e compreendê-la para po-der intervir com competência.

A prática, mostra a autora, não é suficiente; ou seja,

[...] é preciso considerar que a prática não fala por si mesma; osfatos práticos, ou fenômenos, têm que ser identificados, conta-dos, analisados, interpretados, já que a realidade não se deixarevelar através da observação imediata; é preciso ver além daimediaticidade para compreender as relações, as conexões, asestruturas internas, as formas de organização, as relações entreparte e totalidade, as finalidades, que não se deixam conhecerno primeiro momento, quando se percebem apenas os fatos su-perficiais, aparentes, que ainda não se constituem em conheci-mento. (KUENZER, 2003b, p.14).

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A realidade, as coisas, os processos, são conhecidos somentena medida em que são “criados”, reproduzidos no pensamento e ad-quirem significado; esta re-criação da realidade no pensamento é umdos muitos modos de relação sujeito/objeto, cuja dimensão mais es-sencial é a compreensão da realidade enquanto relação humano/soci-al. Ou seja, o ato de conhecer não prescinde do trabalho intelectual,que é um movimento do pensamento que não se desenvolve esponta-neamente, precisando ser aprendido.

[...] o ato de conhecer não prescinde do trabalho intelectual,teórico, que se dá no pensamento que se debruça sobre a reali-dade a ser conhecida; é neste movimento do pensamento queparte das primeiras e imprecisas percepções para relacionar-secom a dimensão empírica da realidade que se deixa parcialmen-te perceber, que, por aproximações sucessivas, cada vez maisespecíficas e ao mesmo tempo mais amplas, são construídos ossignificados. (KUENZER, 2003b, p.14).

A partir desta compreensão, rejeita-se ao mesmo tempo a possi-bilidade de conhecer pela contemplação ou pela mera ação do pensa-mento, pois “conhecer é conhecer objetos que se integram na relaçãoentre o homem e o mundo, ou entre o homem e a natureza, relação estaque se estabelece graças à atividade prática humana”. (VÁZQUEZ, 1968,p.53). Se não se trata de reproduzir a realidade como ela se apresentaao ser humano e tampouco apenas pensar sobre ela, o que está em jogoé a sua transformação a partir da atividade crítico-prática, sustentadana categoria práxis, que integra a teoria, que se mantém no plano dareflexão, e a prática, que se mantém no plano dos fazeres, integraçãoesta que é determinante nos processos de formação humana.

Ao discutir os conceitos de atividade e de práxis, Vázquezafirma que “toda a práxis é atividade, mas nem já toda atividade épráxis”. (VÁZQUEZ, 1968, p.185). O que é, então, atividade?

Atividade, entendida como sinônimo de ação, é o ato ou con-junto de atos através dos quais o sujeito modifica uma matéria-pri-ma, independente de qual seja a sua natureza, seja pelo trabalhomaterial, seja pelo trabalho não-material. Este ato, ou conjunto deatos, traduz-se em resultados ou produtos, materiais ou não materi-ais; portanto, são orientados por finalidades e culminam com resulta-dos que em princípio se pretendia alcançar, desde que as ações sejameficientes e eficazes. O que caracteriza a atividade é seu caráter real,

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sua materialidade.Não há, contudo, atividade humana que não esteja respaldada

por algum tipo de atividade cognitiva e, portanto, em alguma ativida-de teórica. A atividade teórica, com suas dimensões ideológicas oucientíficas, só existe a partir de e em relação com a prática; não hápensamento fora da práxis humana, pois a consciência e as concep-ções se formulam através do movimento do pensamento que se debru-ça sobre o mundo das ações e das relações que elas geram.

No entanto, por se configurar como um movimento no pensa-mento, por mais que a atividade teórica se aproxime da prática, com elanão se confunde, guardando especificidades que se resumem na produ-ção de idéias, representações e conceitos, atendo-se ao plano do conhe-cimento. E, em decorrência de ser um processo de apropriação da reali-dade pelo pensamento, não transforma a realidade, não podendo serconfundida com a práxis. Ainda que a atividade teórica mude concep-ções, transforme representações e produza teorias, em nenhum destescasos ela transforma, de per si, a realidade. O que não significa dizerque não seja fundamental a atividade teórica para a transformação darealidade; contudo, somente a posse da teoria e só o pensamento sobreas transformações não asseguram a sua efetivação, ou seja, a transfor-mação da realidade.

A respeito da contraposição de contemplação e práxis, Kuenzerafirma:

[...] não se admite a teoria como uma forma de práxis, distin-guindo claramente o conceito real do conceito pensado, apre-sentando a atividade cognitiva como um processo que ocorreno pensamento, que ascende do abstrato ao concreto, passan-do pelo empírico. Este processo, que consiste na reprodução

espiritual do objeto real sob a forma do concreto pensado, setrata de uma atividade que não produz nada diretamente, nãopodendo ser identificado com o conceito de práxis por lhe faltara transformação objetiva de uma matéria através do sujeito,cujos resultados subsistem independentemente de sua ativida-de. Interpretar não é transformar; a teoria em si, ou os discur-sos, não transformam o mundo a não ser que passem do planodas idéias e se façam materialidade. (2002, p.10).

Sobre esta forma de compreender, Vázquez mostra que “uma teo-ria é prática na medida em que materializa, através de uma série de

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mediações, o que antes só existia idealmente como conhecimento darealidade ou antecipação ideal de sua transformação”. (1968, p.203).

“O pensamento nasce de necessidades práticas para satisfazernecessidades da prática”, afirma Kopnin (1978, p.170); é um proces-so dirigido por finalidades; é a prática que determina ao homem o queé necessário e o que ele deve conhecer para atender a estas finalida-des, bem como quais são as suas prioridades no processo de conhecer.Embora o pensamento esteja vinculado às necessidades práticas, énecessário reconhecer sua relativa autonomia, o que significa que podeafastar-se da prática. Há que diferenciar, contudo, o afastamento ne-cessário para a reflexão sobre a prática daquele que autonomiza opensamento, sobrepondo-o à prática, encerrando-se em si mesmo eperdendo a sua vinculação com o movimento do real.

A epistemologia da prática, contrapondo-se à concepção depráxis, desvincula a prática da teoria, que passa a supor-se suficien-te; a prática, tomada em seu sentido utilitário, contrapõe-se à teoria,que se faz desnecessária ou até nociva. Neste caso, a teoria passa a sersubstituída pelo

[...] senso comum, que é o sentido da prática, e a ela não seopõe. Em decorrência, justifica-se uma formação que parte dopressuposto que não há inadequação entre o conhecimento dosenso comum e a prática, o que confere uma certa tranqüilida-de ao profissional, posto que nada o ameaça; o contrário ocorrecom relação à teoria, cuja intromissão parece ser perturbadora.(KUENZER, 2003, p.9).

Do ponto de vista do pensamento filosófico, a epistemologia daprática corresponde ao pragmatismo, que, ao reconhecer que o conhe-cimento está vinculado a necessidades práticas, infere que o verda-deiro se reduz ao útil.

O que se põe para a discussão da concepção de formação doprofissional da educação é a possibilidade efetiva de articulação entreo teórico e o prático. Estes dois pólos, que se relacionam dialeticamente,constituindo a práxis, embora se unifiquem através do pensamento,guardam especificidades. E aqui reside a riqueza dos processos peda-gógicos, os quais, pelo seu caráter mediador, promovem a articulaçãoentre teoria e prática, remetendo a discussão para o plano do método.

De fato, o processo que faz a mediação entre teoria e prática é otrabalho educativo; é através dele que a prática se faz presente no

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pensamento e se transforma em teoria; do mesmo modo, é através dotrabalho educativo que a teoria se faz prática, que se dá a interaçãoentre consciências e circunstâncias, entre pensamento e bases materi-ais de produção, configurando-se a possibilidade de transformaçãoda realidade.

A partir da práxis, entende-se a prática sempre como ponto departida e ponto de chegada do trabalho intelectual, através do traba-lho educativo, que integra estas duas dimensões.

Diferentemente da concepção de prática que fundamenta asDiretrizes Curriculares Nacionais em suas distintas versões, esta com-preensão assume significado no processo de formação de professores,não apenas na perspectiva do desenvolvimento de competências paraum exercício profissional que permita uma intervenção crítica e criati-va nos processos de formação humana (e não apenas tarefeiro ereiterativo), mas também porque esta relação se constitui na próprianatureza dos processos educativos. E, na perspectiva da simetria in-vertida, a objetivação desta relação no percurso formativo melhor ca-pacitará o futuro professor para exercê-la em sua prática laboral.

Ensinar a conhecer, enquanto capacidade de agir teoricamentee pensar praticamente, é a função da escola; e este aprendizado nãose dá espontaneamente através do contato com a realidade, mas de-manda o domínio das categorias teóricas e metodológicas através doaprendizado do trabalho intelectual. Ou seja, a prática, por si nãoensina, a não ser através da mediação da ação pedagógica. São osprocessos pedagógicos intencionais e sistematizados, portanto, que,mediando as relações entre teoria e prática, ensinarão a conhecer.Não basta, portanto, inserir o trabalhador na prática para que eleespontaneamente aprenda.

Restaria perguntar, portanto, a quem interessa reduzir a forma-ção ao conhecimento tácito através de uma epistemologia na qual aprática se constrói por meio de uma reflexão sobre si mesma, sem amediação da teoria, desqualificando-se o único espaço em que os fu-turos professores poderiam ter acesso ao conhecimento científico,tecnológico e sócio-histórico, enquanto produto do pensamento hu-mano, mas também enquanto método para aprender a conhecer? Ade-mais, que sentido teria uma formação prolongada em nível de gradu-ação, a ser complementada por diferentes estratégias de educação con-tinuada, incluindo a pós-graduação, se o espaço laboral é por excelên-cia o espaço formativo?

É importante que se afirme, mais uma vez, que não se trata de

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retroceder a práticas pedagógicas teoricistas, de longa data questio-nadas, mas também não há como sustentar o pragmatismo utilitarista,que tem se traduzido em práticas pedagógicas espontaneístas comfreqüência cada vez maior, e ainda mais justificadas pela legislação,contrariando os avanços que a pesquisa e o debate acerca da Pedago-gia e seu estatuto epistemológico alcançaram nos últimos anos, prin-cipalmente considerando a relevância do seu papel social na constru-ção de uma sociedade pautada na justiça social, na solidariedade, norespeito à diversidade, na liberdade e na igualdade de direitos.

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Encaminhado em: 04/07

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Carlos Marcelo Garcia

LA FORMACIÓN DOCENTE EN LA SOCIEDADDEL CONOCIMIENTO Y LA INFORMACIÓN:AVANCES Y TEMAS PENDIENTES*

TEACHER EDUCATION IN THE KNOWLEDGEAND INFORMATION SOCIETY: ADVANCEMENTSAND PENDING THEMES**

Carlos Marcelo GARCÍA***

Resumo: Nuestras sociedades están envueltas en un com-plicado proceso de transformación. Una transformaciónno planificada que está afectando a la forma como nosorganizamos, cómo trabajamos, cómo nos relacionamos, ycómo aprendemos. Estos cambios tienen un reflejo visibleen la escuela como institución encargada de formar a losnuevos ciudadanos. ¿En qué afectan estos cambios a losprofesores? ¿Cómo debemos repensar el trabajo del profesoren estas nuevas circunstancias? ¿Cómo deberían formarselos nuevos profesores? ¿Cómo adecuamos losconocimientos y las actitudes del profesorado para darrespuesta y aprovechar las nuevas oportunidades que lasociedad de la información nos ofrece? En este artículorevisamos algunos avances y temas pendientes que laformación tiene para enfrentarse con eficiencia a lasnecesidades de la sociedad del conocimiento: universidady escuela: la laguna de los dos mundos; formadores deprofesores universitarios y profesores supervisores de aula;conocimiento disciplinar y conocimiento pedagógico; teoríay práctica: desvalorización de la teoría y adoración de lapráctica; tradición e innovación; homogeneidad y

* Ponencia presentada al IV Encuentro Internacional de KIPUS. Políticas públicas y formación docente,Isla Margarita (Venezuela, 4-6 de octubre, 2006).** Paper presented at the IV International Meeting - KIPUS. Public policies and teacher education, IslaMargarita, (Venezuela, 4-6th October 2006).*** Professor da Universidad de Sevilla. E-mail: [email protected]

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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información

diversidad: profesores homogéneos para un alumnado di-verso; enseñanza y aprendizaje; formación inicial yformación continua; aprendizaje formal y informal;aislamiento en el aula y la sociedad en red.

Palabras claves: Formación docente. Sociedad delConocimiento. Aprender a Enseñar

Abstract: Our societies are involved in a complextransformation process. An unplanned transformation thatis affecting the way we organize ourselves, how we work,how we relate to others and how we learn. These changeshave a clear impact on schools as they are the institutionsresponsible for educating the new citizens. How do thesechanges affect teachers? How should we rethink teachers´work under these new circumstances? How should thenew teachers be educated? How do we adapt teachers´knowledge and attitudes so that they take advantage of thenew opportunities that the information society offers them?In this article we consider some of the advancements andother pending themes that teacher education has in orderto face with efficiency the information society needs:university and school, the gap between the two worlds,educators of university professors and teachers who super-vise classes. Content knowledge and pedagogical knowledge.Theory and practice: depreciation of theory and an excessivevalorization of practice. Tradition and innovation.Homogeneity and diversity: homogeneous teachers forheterogeneous groups of students.

Keywords: Teacher education. knowledge society. learningto teach.

INTRODUCCIÓN: LOS PROFESORES CUENTAN

Nuestras sociedades están envueltas en un complicado procesode transformación. Una transformación no planificada que estáafectando a la forma como nos organizamos, cómo trabajamos, cómo

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Carlos Marcelo Garcia

nos relacionamos, y cómo aprendemos. Estos cambios tienen un reflejovisible en la escuela como institución encargada de formar a los nuevosciudadanos. Por poner un ejemplo, nuestros alumnos disponen hoy endía de muchas más fuentes de información que lo que ocurría no haceni diez años. Fuentes de información que, aportadas por las nuevastecnologías de la información y comunicación, están haciendo necesarioun replanteo de las funciones que tradicionalmente se han venidoasignando a las escuelas y a los profesionales que en ella trabajan: losprofesores y profesoras.

Una de las características de la sociedad en la que vivimos tieneque ver con que el conocimiento es uno de los principales valores de susciudadanos. El valor de las sociedades actuales está directamente rela-cionado con el nivel de formación de sus ciudadanos, y de la capacidadde innovación y emprendimiento que estos posean. Pero losconocimientos, en nuestros días, tienen fecha de caducidad y ello nosobliga ahora más que nunca a establecer garantías formales e informalespara que los ciudadanos y profesionales actualicen constantemente sucompetencia. Hemos entrado en una sociedad que exige de losprofesionales una permanente actividad de formación y aprendizaje.

¿En qué afectan estos cambios a los profesores? ¿Cómo debemosrepensar el trabajo del profesor en estas nuevas circunstancias? ¿Cómodeberían formarse los nuevos profesores? ¿Cómo adecuamos losconocimientos y las actitudes del profesorado para dar respuesta yaprovechar las nuevas oportunidades que la sociedad de la informaciónnos ofrece?

Las preguntas anteriores configuran todo un programa depreocupaciones que está llevando a muchos académicos, profesionales,investigadores, docentes, etc. a pensar en que la escuela tiene que darrespuesta pronta a los desafíos que se le avecinan. Respuestas que vandirectamente relacionadas con la capacidad de ofrecer la mejoreducación para todos los alumnos. Y para ello volvemos la vista haciael profesorado que trabaja codo a codo con nuestros estudiantes. ¿Cómose han formado? ¿Qué cambios hay que introducir en su formaciónpara que sean de nuevo los líderes de un cambio que la sociedad estádemandando? (MARCELO, 2002a).

Recientes informes internacionales han venido a centrarse y adestacar el importante papel que el profesorado juega en relación conlas posibilidades de aprendizaje de los alumnos. Ya el mismo título deinforme que la OCDE ha publicado recientemente nos llama la atención:

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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información

“Teachers matter: attracting, developing and retaining effective teachers”(OCDE, 2005). Se afirma en el título que los profesores cuentan, importanpara ayudar a mejorar la calidad de la enseñanza que reciben losalumnos. Se afirma en este informe que:

Existe actualmente un volumen considerable de investigaciónque indica que la calidad de los profesores y de su enseñanza esel factor más importante para explicar los resultados de losalumnos. Existen también considerables evidencias de que losprofesores varían en su eficacia. Las diferencias entre los resul-tados de los alumnos a veces son mayores dentro de la propiaescuela que entre escuelas. La enseñanza es un trabajo exigen-te, y no es posible para cualquiera ser un profesor eficaz ymantener esta eficacia a lo largo del tiempo (p. 12).

Este informe viene a mostrar la preocupación internacional enrelación con el profesorado, con las formas de hacer de la docenciauna profesión atractiva, con cómo mantener en la enseñanza a losmejores profesores y cómo conseguir que los profesores siganaprendiendo a lo largo de su carrera.

Este informe de la OCDE viene a mostrar que el profesorado cuenta.Cuenta para influir en el aprendizaje de los alumnos. Cuenta paramejorar la calidad de la educación que las escuelas e institutos llevan acabo día a día. Cuenta en definitiva como una profesión necesaria eimprescindible para la sociedad del conocimiento. Y puesto que elprofesorado cuenta, necesitamos que nuestros sistemas educativos seancapaces de atraer a los mejores candidatos para convertirse en docen-tes. Necesitamos buenas políticas para que la formación inicial de estosprofesores les asegure las competencias que van a requerir a lo largo desu extensa, flexible y variada trayectoria profesional. Y la sociedadnecesita buenos profesores cuya práctica profesional cumpla losestándares profesionales de calidad que asegure el compromiso derespetar el derecho que los alumnos tienen de aprender.

Paralelamente al estudio de la OCDE, la prestigiosa AsociaciónAmericana de Investigación Educativa (A.E.R.A.) ha hecho público elinforme que intenta resumir los resultados de la investigación sobre laformación del profesorado, así como hacer propuestas de políticaeducativa acordes con estos resultados. Se afirma que: “en toda la naciónexiste un consenso emergente acerca de que el profesorado influye de

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manera significativa en el aprendizaje de los alumnos y en la eficacia dela escuela” (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005, p. 40). En la misma línea,Daling-Hammond (2000) venía afirmar que el aprendizaje de losalumnos “depende principalmente de lo que los profesores conocen y

de lo que pueden hacer”.

LA DOCENCIA ANTE LOS CAMBIOS

A la tarea de enseñar los profesores se enfrentan generalmente en

solitario. Sólo los alumnos son testigos de la actuación profesional de losprofesores. Pocas profesiones se caracterizan por una mayor soledad yaislamiento. A diferencia de otras profesiones u oficios, la enseñanza esuna actividad que se desarrolla en solitario. Como de forma acertadaafirmara Bullough (1998), la clase es el santuario de los profesores.Elsantuario de la clase es un elemento central de la cultura de la enseñanza,que se preserva y protege mediante el aislamiento, y que padres, directoresy otros profesores dudan en violar. Cuando hoy en día estamos asistiendoa propuestas que evidentemente plantean la necesidad de que losprofesores colaboren, trabajen conjuntamente, etc., nos encontramos conla pertinaz realidad de profesores que se refugian en la soledad de susclases. Ya resulta clásico el estudio llevado a cabo por Lortie en 1975, enel que mediante entrevistas estableció algunas características de laprofesión docente en Estados Unidos, que no sólo son de gran actualidad,sino que son perfectamente aplicables a nuestro país. Una característicaidentificada por Lortie fue el Individualismo. Este individualismo seproduce en opinión del autor por la ausencia de ocasiones en las que losprofesores puedan observarse unos a otros, y ello se produce desde losprimeros años de formación como profesor y posteriormente durante elproceso de socialización.

El aislamiento de los profesores está favorecido evidentemente porla arquitectura escolar, que organiza la escuela en módulos estándar, asícomo por la distribución del tiempo y el espacio, y la existencia de nor-mas de independencia y privacidad entre los profesores. El aislamiento,como norma y cultura profesional tiene ciertas ventajas y algunos evi-dentes inconvenientes para los profesores. El aislamiento representa una

barrera real frente a las posibilidades de formación y de mejora. Los

cambios que se están produciendo en la sociedad inciden en la demanda

de una “redefinición del trabajo del profesor” y seguramente de la

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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información

profesión docente, de su formación y de su desarrollo profesional. Los

roles que tradicionalmente han asumido los docentes enseñando demanera conservadora un curriculum caracterizado por contenidosacadémicos hoy en día resultan a todas luces inadecuados. A los alumnosles llega la información por múltiples vías: la televisión, radio, ordenadores,Internet, recursos culturales de las ciudades, etc. Y los profesores nopueden hacer como si nada de esto fuera con ellos. Salomon (1992) nosofrecía su metáfora respecto a que se está modificando el rol del profesordesde transmisor de información, el solista de una flauta al frente de unaaudiencia poco respetuosa, al de un diseñador, un guía turístico, undirector de orquesta. Así, el papel del profesor debería de cambiar desdeuna autoridad que distribuye conocimientos hacia un sujeto que crea yorquesta ambientes de aprendizaje complejos, implicando a los alumnosen actividades apropiadas, de manera que los alumnos puedan construirsu propia comprensión del material a estudiar, trabajando con los alumnoscomo compañeros en el proceso de aprendizaje.

Cuando estamos viendo día a día las nuevas exigencias que lasescuelas y el profesorado están recibiendo por parte de la sociedad,asistimos a una situación en la observamos que la profesión docentepuede que no esté asumiendo la responsabilidad que le corresponde comoprofesión del conocimiento. La creciente presión por una escuela de mayorcalidad, motivada en parte por los resultados de los informesinternacionales, no está teniendo su contrapartida en una profesión do-cente que lidere y canalice los cambios que tanto dentro de las aulascomo en la escuela y en la formación del profesorado se necesitan paraque las escuelas sigan siendo espacios privilegiados de socialización delas nuevas generaciones.

¿Qué hay del profesorado y de su formación? ¿Qué cambios obser-vamos en la dirección correcta? ¿Podemos hablar de que la formación

esté girando hacia las necesidades de la sociedad del conocimiento y la

información? Veamos algunas ideas al respecto.

LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN LA SOCIEDAD DELCONOCIMIENTO: AVANCES

Los informes internacionales anteriormente referidos ponen demanifiesto de nuevo que la influencia del profesorado es determinante.Y si esto es así, hoy en día más que nunca debemos de atender a las

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estrategias y procesos que permiten que el profesorado alcance ymantenga niveles de competencia y eficacia elevados. Y ello no esposible si no disponemos de un sistema de formación que ayude areclutar, formar, insertar y desarrollar al profesorado a lo largo detoda su carrera docente. Hemos dicho que en las sociedades actualesel conocimiento y la formación configuran elementos estratégicos parael desarrollo de las personas y de los países. Ello es así ahora más quenunca. Poco a poco ha venido haciéndose familiar la idea de que elaprendizaje es para toda la vida. Hoy en día ya es una realidad paratodo el profesorado.

Necesitamos formación pero no cualquier formación. Estoscambios nos están dirigiendo a pensar que la formación no puedemantenerse en los estándares pasados ni actuales. Carl Bereiter (2002)decía que para educar en la era del conocimiento necesitamos unanueva idea de la mente. Una idea o concepción que se aleje de enten-der la mente como un contenedor y que la entienda más bien como unsistema que se autorregula y organiza a partir de múltiples conexiones.Pues bien, creo que también debemos de pensar en la formación deuna forma más abierta y flexible que se adapte a las necesidades delos individuos y que permita no sólo aprender a enseñar sino generarconocimiento e innovación sobre la enseñanza que pueda ser valida-do y compartido.

Para avanzar en este objetivo no empezamos de cero. Para res-ponder a estas preguntas no partimos de cero. Cómo se aprender aenseñar ha sido una constante en la preocupación de los investigado-res educativos en las últimas décadas. Cientos de investigaciones ydecenas de revisiones se han llevado a cabo para intentar comprendereste proceso. Tanto en el tercer como en el cuarto “Handbook ofResearch on Teaching” (RICHARDSON, 2001) encontramos capítulosen los que se revisa y sintetiza el conocimiento sobre los profesores, suformación y desarrollo. Igualmente en los “Handbook of Research onTeacher Education”, pasando por el “International Handbook ofTeachers and Teaching”, el “International Handbook of EducationalChange”, o el “Handbook of Educational Psychology” se aborda demanera más o menos amplia la investigación sobre el aprendizaje delos profesores. Estos libros, así como revisiones aparecidas en revistasespecializadas, como la de Wilson y Berne (1999), Feiman (2001),Putnam y Borko (1998), Wideen, Mayer-Smith y Moon (1998) oZeichner (1999) y Cochran-Smith y Zeichner (2005) nos permiten con-figurar un panorama bastante actualizado respecto al conocimiento

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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información

acumulado sobre el proceso de aprender a enseñar, así como de susluces y sombras. A partir de estas amplias revisiones uno puede situarsey encontrar conocimiento acumulado suficiente para poder empezar adar respuesta a la pregunta ¿cómo se aprende a enseñar? Dado que nopuede ser intención de éste que escribe, resumir lo que en centenares depáginas, otros investigadores ya han revisado, y debido a la concreciónnecesaria de esta escrito, vamos a hacer un recorrido acerca de los as-pectos básicos que dan respuesta a la intención del título.

Convertirse en profesor es un largo proceso. A las institucionesde formación inicial del profesorado llegan candidatos que no son “va-sos vacíos”. Como ya investigara Lortie (1975), las miles de horas deobservación como estudiantes contribuyen a configurar un sistema decreencias hacia la enseñanza que los aspirantes a profesores tienen yque les ayudan a interpretar sus experiencias en la formación. Estascreencias a veces están tan arraigadas que la formación inicial no consigueel más mínimo cambio profundo en ellas (PAJARES, 1992; RICHARDSON;PLACIER, 2001).

La formación inicial del profesorado ha sido objetivo de múltiplesestudios e investigaciones (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005). En generalse observa una gran insatisfacción tanto de las instancias políticas comodel profesorado en ejercicio o de los propios formadores respecto a lacapacidad de las actuales instituciones de formación para dar respuestaa las necesidades actuales de la profesión docente. Las críticas hacia suorganización burocratizada, el divorcio entre la teoría y la práctica, laexcesiva fragmentación del conocimiento que se enseña, la escasavinculación con las escuelas (FEIMAN-NEMSER, 2001) están haciendoque ciertas voces críticas propongan reducir la extensión de la formacióninicial para incrementar la atención al periodo de inserción del profesoradoen la enseñanza. Es el caso del reciente informe de la OCDE al que yahemos hecho referencia anteriormente. En concreto, se afirma que

Las etapas de formación inicial, inserción y desarrollo profesionaldeberían de estar mucho más interrelacionadas para crear unaprendizaje coherente y un sistema de desarrollo para losprofesores…Una perspectiva de aprendizaje a lo largo de la vidapara los profesores implica para la mayoría de los países unaatención más destacada a ofrecer apoyo a los profesores en susprimeros años de enseñanza, y en proporcionarles incentivos yrecursos para su desarrollo profesional continuo. En general, seríamás adecuado mejorar la inserción y el desarrollo profesional de

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los profesores a lo largo de su carrera en lugar de incrementar laduración de la formación inicial. (OCDE, 2005, p. 13).

Frente a estas propuestas, viene bien recordar el excelente artícu-lo escrito por David Berliner (2000) en el que refuta una docena decríticas que habitualmente se hacen a la formación inicial del profesorado(que para enseñar basta con saber la materia, que enseñar es fácil, quelos formadores de profesores viven en una torre de marfil, que los cur-sos de metodología y didáctica son asignaturas blandas, que en laenseñanza no hay principios generales válidos, etc. Críticas, desde elpunto de vista del autor, interesadas y con una visión bastante estrechade la contribución que la formación inicial tiene en la calidad delprofesorado. Dice Berliner: “creo que se ha prestado poca atención aldesarrollo de aspectos evolutivos del proceso de aprende a enseñar,desde la formación inicial, la inserción a la formación continua” (p.370). En este proceso la formación inicial juega un papel importante yno baladí o sustituible como algunos grupos o instituciones estánsugiriendo.

Los profesores, en su proceso de aprendizaje, pasan por diferen-tes etapas momentos. Bransford, Darling-Hammond, & LePag (2005)han planteado que para dar respuesta a las nuevas y complejassituaciones con las que se encuentran los docentes es conveniente pen-sar en los profesores como “expertos adaptativos” es decir personaspreparadas para un aprendizaje eficiente a lo largo de toda la vida.Esto es así porque las condiciones de la sociedad son cambiantes ycada más se requiere personas que sepan combinar la competencia conla capacidad de innovación.

Los profesores principiantes necesitan poseer un conjunto de ideasy habilidades críticas así como la capacidad de reflexionar, evaluar yaprender sobre su enseñanza de tal forma que mejoren continuamentecomo docentes. Ello es posible si el conocimiento esencial para losprofesores principiantes se pudiera organizar, representar y comunicarde forma que les permita a los alumnos una comprensión más profundadel contenido que aprenden (VAILLANT; MARCELO, 2001).

En relación a este aspecto, las investigaciones han buscadoestablecer diferencias entre profesores en función de la edad, así comode lo que se ha denominado “expertise”. Y esta evolución, salvo encasos excepcionales, se ha comenzado a analizar a partir del primeraño de experiencia docente. Por una parte tenemos aquellos estudiosque intentan comprender el proceso de convertirse en experto, y por

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otro aquellos estudios que analizan qué hacen y qué caracteriza a losprofesores expertos. Dentro de estos estudios ha sido clásico el con-traste entre los profesores expertos y principiantes. Hay que señalarque cuando hablamos del profesor experto nos referimos no sólo a unprofesor con, al menos, cinco años de experiencia docente, sino sobretodo a una persona con un “elevado nivel de conocimiento y destreza,cosa que no se adquiere de forma natural, sino que requiere unadedicación especial y constante” (Bereiter & Scardamalia, 1986, p. 10).Así, la competencia profesional del profesor experto no se consigue através del mero transcurrir de los años. No es totalmente cierto, comoseñala Berliner, que la simple experiencia sea el mejor profesor. Si no sereflexiona sobre la conducta no se llegará a conseguir un pensamiento yconducta experta (BERLINER, 1986).

Según Bereiter y Scardamalia (1986), los sujetos expertos -encualquiera de las áreas- tienen en común las siguientes características:complejidad de las destrezas, es decir, el experto realiza sus accionesapoyándose en una estructura diferente y más compleja que la del prin-cipiante, ejerciendo un control voluntario y estratégico sobre las partesdel proceso, que se desarrolla más automáticamente en el caso del prin-cipiante. En segundo lugar, figura la cantidad de conocimiento que elexperto posee en relación al principiante, que posee menosconocimientos. En tercer lugar señalan la estructura del conocimiento.Para Bereiter y Scardamalia,

los principiantes tienden a tener lo que podemos describir comouna estructura de conocimiento ‘superficial’, unas pocas ideasgenerales y un conjunto de detalles conectados con la idea gene-ral, pero no entre sí. Los expertos, por otra parte, tienen unaestructura de conocimiento profunda y multinivel, con muchasconexiones inter e intranivel. (1986, p. 12).

La última característica que diferencia a expertos de principian-tes es la representación de los problemas: el sujeto experto atiende a laestructura abstracta del problema y utiliza una variedad de tipos deproblemas almacenados en su memoria. Los principiantes, por el con-trario están influidos por el contenido concreto del problema y, portanto, tienen dificultades para representarlo de forma abstracta (MAR-CELO, 1999b).

Conocemos por lo tanto que los profesores expertos notan eidentifican las características de problemas y situaciones que pueden

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escapar la atención de los principiantes. El conocimiento experto con-siste en mucho más que un listado de hechos desconectados acerca dedeterminada disciplina. Por el contrario, su conocimiento está conectadoy organizado en torno a ideas importantes acerca de sus disciplinas.Esta organización del conocimiento ayuda a los expertos a saber cuándo,porqué, y cómo utilizar el vasto conocimiento que poseen en unasituación particular.

Bransford, Derry, Berliner, & Hammersness (2005) han planteadola necesidad de establecer una diferencia entre el “experto rutinario” yel “experto adaptativo” Ambos son expertos que siguen aprendiendo alo largo de sus vidas. El experto rutinario desarrolla un conjunto decompetencias que aplica a lo largo de su vida cada vez con mayoreficiencia. Por el contrario, el experto adaptativo tiene mayor disposicióna cambiar sus competencias para profundizarlas y ampliarlas continu-amente. Estos autores plantean una idea que desde mi punto de vistaes bien interesante de cara a entender el proceso de inserción profesionaly como consecuencia programar acciones formativas para los profesoresprincipiantes.

EL CONOCIMIENTO Y LAS CREENCIAS SE CONSTRUYEN

Hemos constatado tanto por las investigaciones desarrolladascomo por la experiencia práctica que los profesores, al igual que otraspersonas orientan su conducta a partir del conocimiento y creenciasque poseen. Y este conocimiento y creencias se empieza a construirmucho antes que el profesor en formación decida dedicarseprofesionalmente a la enseñanza. Estos conocimientos y creencias quelos profesores en formación traen consigo cuando inician su formacióninicial afectan de una manera directa a la interpretación y valoraciónque los profesores hacen de las experiencias de formación delprofesorado. Esta modalidad de “aprender a enseñar” se produce através de lo que se ha denominado “aprendizaje por la observación”.Aprendizaje que en muchas ocasiones no se produce de manera inten-cionada, sino que se va adentrando en las estructuras de cognitivas -yemocionales- de los futuros profesores de manera inconsciente, llegandoa crear expectativas y creencias difíciles de remover.

Pero al igual que desarrollamos conocimientos y creenciasgenerales acerca de la enseñanza, de los alumnos, la escuela o el profesor,

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la materia que enseñamos o pretendemos enseñar no se queda al margende nuestras concepciones. La forma como conocemos una determinadadisciplina o área curricular afecta a cómo la enseñamos. Existenmúltiples evidencias que nos muestran ciertos “arquetipos” que losprofesores en formación tienen sobre la disciplina que estudian, ya seaésta matemáticas, lengua o educación física. Preguntas como ¿qué sony para qué sirven las matemáticas, lengua, educación física, etc.? Sonnecesarias de plantear cuando pretendemos “partir de lo que el alumnoya sabe”. Tomando el contenido que se enseña y se aprende como argu-mento de la indagación, podemos encontrar diferencias en elcomportamiento observable de profesores en función del dominio queposean del contenido que enseñan. Existen múltiples ejemplos deinvestigaciones que muestran que poseer un dominio profundo de unadisciplina lleva a una actividad docente más centrada en problemas,con mayor participación de los alumnos, menores digresiones y preguntasde alto orden cognitivo.

Junto al conocimiento del contenido, aprender a enseñar suponeadquirir conocimiento sobre cómo se enseña la materia. Es lo queShulman denominó “Conocimiento Didáctico del Contenido”. El“Conocimiento Didáctico del Contenido” aparece como un elementocentral del conocimiento del profesor. Representa la combinaciónadecuada entre el conocimiento de la materia a enseñar y el conocimientopedagógico y didáctico referido a cómo enseñarla. En los últimos años,se ha venido trabajando en diferentes contextos educativos para ir cla-rificando cuáles son los componentes y elementos de este tipo deconocimiento profesional de la enseñanza (MARCELO, 2002a). El“Conocimiento Didáctico del Contenido” nos dirige a un debate conrelación a la forma de organización, de representación, del conocimientoa través de analogías y metáforas. Plantea la necesidad de que losprofesores en formación adquieran un conocimiento experto del contenidoa enseñar, para que puedan desarrollar una enseñanza que propicie lacomprensión de los alumnos.

La preocupación por el conocimiento como objeto de trabajo eindagación en la formación inicial del profesorado nos está conduciendoa cuestionarnos qué conocimiento es más relevante para aprender aenseñar, así como la manera en que organizamos los procesos de apren-der a enseñar. Fernstermacher (1994) se preguntaba acerca de la calidady validez epistémica del conocimiento pedagógico y didáctico, prácticoy personal, que se ha venido generando en torno a la investigaciónsobre aprender a enseñar. No vamos a incidir en sus argumentos. Sin

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embargo, un hallazgo importante -aunque pueda resultar nimio- es quelos profesores, ya sean experimentados o en formación interpretan lassituaciones de enseñanza a través de las lentes que les proporcionansus conocimientos e ideas previas. A la luz de esta afirmación, Putnamy Borko llegan a afirmar que “para la formación inicial ello significa lanecesidad de atender adecuadamente al conocimiento y creencias quelos profesores en formación traen consigo, creencias y conocimientosadquiridos a lo largo de su propia experiencia como estudiantes”. (1998,p. 1236).

A este respecto, uno de los dilemas aun no resueltos en laformación inicial del profesorado es el que se establece entre considerarque el conocimiento que los profesores necesitan básicamente es disci-plinar y aquellos que optan por la necesidad de dar mayor énfasis alconocimiento pedagógico y práctico. Bereiter (2002) plantea que en eldebate sobre el currículo de la formación del profesorado, hoy en díacobra mucho más sentido recoger las propuestas que se han venidohaciendo desde el movimiento que se ha denominado como “Enseñanzapara la comprensión” (STONE WISKE, 1999). Este movimiento entroncacon la línea de investigación sobre conocimiento didáctico del contenidoy merecería una mirada más atenta en la formación del profesorado.

EL CONOCIMIENTO SE CONSTRUYE EN INTERACCIÓNSOCIAL

Por otra parte, se ha venido entendiendo que la formación y elaprendizaje del profesor pueden producirse, como hasta ahora hemoscomentado, de forma relativamente autónoma y personal. Pero poco apoco ha ido ganando terreno las teorías que entienden la formacióncomo un proceso que ocurre no de forma aislada sino dentro de unespacio intersubjetivo y social. Así, ha ido avanzando la idea de queaprender a enseñar no debería entenderse sólo como un fenómeno aislado,sino básicamente como una experiencia que ocurre en interacción conun contexto o ambiente con el que el individuo interacciona. Es la tesisdel enfoque sociocultural del aprendizaje que establece que la actividadcognitiva del individuo no puede estudiarse sin tener en cuenta loscontextos relacionales, sociales y culturales en que se lleva a cabo.

Está resultando de gran interés y proyección este enfoque, puestoque pone de manifiesto que la unidad de análisis del proceso de apren-

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der a enseñar son los procesos de interacción social, llamando la atenciónal análisis conversacional. Así, los grupos sociales crean lo que se havenido en llamar “comunidades discursivas” que comparten formas depensar y de comunicarse. Comunidades que establecen redes y que sirvenpara compartir, intercambiar, situarse en el mundo, recibir apoyo, etc.Las comunidades de aprendizaje organizadas en torno a redespresenciales o virtuales están configurando una alternativa muyinteresante a los programas tradicionales de formación.

EL CONOCIMIENTO TIENE UN CARÁCTER SITUADO

Completando la idea anterior, se ha venido avanzando en enten-der que el conocimiento en general y el pedagógico en particular nopuede comprenderse al margen del contexto en el que surge y al que seaplica. McLellan (1996) afirma que “el modelo de conocimiento situa-do se basa en el principio de que el conocimiento está situadocontextualmente, y está influido fundamentalmente por la actividad, elcontexto y la cultura en la que se utiliza” (1996, p. 6). No cabe, portanto, diferenciar de manera radical el conocimiento que se adquiere yel contexto en el que ese conocimiento se utiliza, de forma que elconocimiento sobre la enseñanza no puede aprenderse de formaindependiente de las situaciones en las que éste se utiliza. Comoconsecuencia de entender el conocimiento de manera contextualizadase nos plantea con dureza la pregunta de ¿qué utilidad tiene para laformación inicial del profesorado un conocimiento expresado de formaproposicional, sin vínculos con la situación o contexto donde puedacontrastarse o aplicarse?

Hablamos por tanto de la capacidad de transferencia deaprendizaje que nuestros profesores en formación tienen de losconocimientos que la institución de formación considera básicos paraaprender a enseñar. También nos plantea la necesidad de revisar laforma como se presenta, comunica y construye ese conocimiento. Eneste sentido hemos avanzado en incorporar en nuestros programas deformación de profesorado múltiples ocasiones a través de las cuales losprofesores o futuros profesores pueden reflexionar sobre la enseñanza apartir del análisis de situaciones reales o simuladas. Por otra parte, laincorporación de la metodología del caso ha supuesto todo un esfuerzopor traer a las aulas de formación segmentos de la realidad de laenseñanza para que puedan ser analizados y valorados.

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EL CONOCIMIENTO ESTÁ DISTRIBUIDO

Una última característica del conocimiento que caracteriza elaprender a enseñar, es que no reside en una sola persona, sino que estádistribuido, entre individuos, grupos y ambientes simbólicos y físicos(PUTNAM; BORKO, 1998). Se asume la idea de que para el desarrollode tareas complejas, y aprender a enseñar evidentemente lo es, ningunapersona posee la totalidad de conocimientos y habilidades de formaindividual.

Admitir este principio nos lleva a entender que es el trabajo enequipo lo que conduce a un mejor uso del conocimiento, lo que lleva amejorar la capacidad de resolución de problemas. Como Senge planteaen su sugerente libro titulado “La Quinta Disciplina”:

Ya no basta con tener una persona que aprenda para laorganización... Ya no es posible “otear el panorama” y ordenar alos demás que sigan las órdenes del “gran estratega”. Lasorganizaciones que cobrarán relevancia en el futuro serán las quedescubran cómo aprovechar el entusiasmo y la capacidad deaprendizaje de la gente en todos los niveles de la organización.(SENGE, 1992).

La idea del conocimiento distribuido se ha visto impulsada porel impacto de las Nuevas Tecnologías, principalmente Internet. Laposibilidad de que los profesores puedan acceder a conocimientos ycontactos personales con profesores distantes geográficamente, laposibilidad de pertenencia a “comunidades virtuales” está ampliandolas posibilidades de lo que se entiende por aprender a enseñar.

LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN LA SOCIEDAD DELCONOCIMIENTO: TEMAS PENDIENTES

A pesar de los avances que hemos intentado destacar en elepígrafe anterior, quedan pendientes algunos “temas” que parecen es-tar marcados a sangre y fuego en la realidad y práctica de la formacióndel profesorado. Vamos a comentar brevemente cuáles son estos temasque desde mi punto de vista necesitan un esfuerzo adicional. Y presentoestos temas pendientes en la necesidad de superar un cierto número deyuxtaposiciones o dicotomías:

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Universidad y escuela: la laguna de los dos mundos

Ya Feiman y Buchman (1988) llamaron la atención en relacióncon esta yuxtaposición. Se referían al divorcio que existe en la formacióninicial según la cual, suele ocurrir que los estudiantes perciben quetanto los conocimientos, como las normas de actuación en la Instituciónde Formación, tienen poco que ver con los conocimientos y prácticasprofesionales. En este caso los estudiantes suelen deslumbrarse por larealidad, y cuando se reincorporan de nuevo a la actividad académica,comienzan a desechar, por considerarla menos importante, la necesidadde ciertos conocimientos que fundamenten el trabajo práctico.

Formadores de profesores universitarios y profesoressupervisores de aula

Derivada de la laguna de los dos mundos sigue constatándoseuna enorme distancia y falta de diálogo y compromiso compartido en-tre los principales formadores que influyen en los profesores en formación:los formadores universitarios y los profesores de aula (supervisores,colaboradores, tutores o mentores). Como mostramos en otro trabajo(Marcelo & Estebaranz, 1998), las relaciones entre formadoresuniversitarios y escolares pueden ser variadas pero predominan losmodelos que podríamos denominar “cada cual en lo suyo”. Si queremosmejorar la formación inicial del profesorado debemos hacer que hayauna mayor coincidencia entre los modelos y prácticas docentes que seles presentan a los profesores en formación.

Conocimiento disciplinar y conocimiento pedagógico

Esta yuxtaposición es también tradicional. La respuesta a lapregunta ¿cuál es el conocimiento que los profesores deben de poseer?no ha tenido ni tiene una única respuesta. Para muchos sistemaseducativos lo importante es que los profesores conozcan la materia queenseñan. Esta afirmación con la que difícilmente podríamos estar endesacuerdo tiene sus puntos oscuros. ¿Hablamos de almacenarinformación o de comprender en profundidad?

Una línea de investigación y práctica ha venido a ofrecer algunospuentes significativos entre ambos elementos: me refiero a los trabajossobre “Conocimiento Didáctico del Contenido” al que me he referido an-

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teriormente. El Conocimiento del Contenido incluye diferentes compo-nentes, de los cuales dos son los más representativos: conocimientosintáctico y sustantivo. El Conocimiento Sustantivo se constituye conla información, las ideas y los tópicos a conocer, es decir, el cuerpo deconocimientos generales de una materia, los conceptos específicos,definiciones, convenciones, y procedimientos. Este conocimiento esimportante en la medida en que determina lo que los profesores van aenseñar y desde qué perspectiva lo harán. El Conocimiento Didácticodel Contenido aparece como un elemento central de los saberes delformador. Representa la combinación adecuada entre el conocimientode la materia a enseñar y el conocimiento pedagógico y didáctico referi-do a cómo enseñarla. En los últimos años, se ha venido trabajando endiferentes contextos educativos para clarificar cuáles son los compo-nentes de este tipo de conocimiento profesional de la enseñanza. ElConocimiento Didáctico del Contenido, como línea de investigación,representa la confluencia de esfuerzos de investigadores didácticos coninvestigadores de materias específicas preocupados por la formacióndel profesorado. El Conocimiento Didáctico del Contenido nos dirige aun debate en relación con la forma de organización y de representacióndel conocimiento, a través de analogías y metáforas. Plantea la necesidadde que los profesores en formación adquieran un conocimiento expertodel contenido a enseñar, para que puedan desarrollar una enseñanzaque propicie la comprensión de los alumnos.

Teoría y práctica: desvalorización de la teoría y adoración de lapráctica

Quizás como resultado de un movimiento pendular, se haproducido en la formación del profesorado una inclinación, desde mipunto de vista excesiva, hacia lo que se ha considerado como “lapráctica”, asumiendo que es el contacto con la práctica el que hace alprofesor. De esta forma, cualquier aproximación que pretenda ayudar aconceptuar y comprender al profesorado las experiencias y lacomplejidad del acto de enseñar se rechaza como “teórico”. DecíaPerkins que “comprender es la habilidad de pensar y actuar conflexibilidad a partir de lo que uno ya sabe”. (1999, p. 70). Paraayudar a los profesores a comprender qué ocurre en el aula y lasrazones de la conducta de los alumnos y de los formadores serequieren marcos conceptuales necesarios para que cada profesor

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desarrolle su propia identidad. Otra cosa es asumir la práctica comoun valor en sí mismo, algo que creo no ayuda a mejorar la formacióndel profesorado.

Cochran-Smith y Lytle (1999), han reflexionado sobre las rela-ciones entre conocimiento y práctica en la formación del profesoradoy nos plantean que las cosas pueden tener diferentes puntos de vista.Así, diferencian entre: Conocimiento para la práctica: Esta primeraconcepción entiende en que la relación entre conocimiento y prácticaes aquella en que el conocimiento sirve para organizar la práctica, ypor ello, conocer más (contenidos, teorías educativas, estrategiasinstruccionales) conduce de forma más o menos directa a una prácticamás eficaz. El conocimiento para enseñar es un conocimiento formal,que se deriva de la investigación universitaria, y es al que se refierenlos teóricos cuando se habla de que la enseñanza ha generado uncuerpo de conocimiento diferente al conocimiento común. La práctica,desde esta perspectiva, tiene mucho que ver con la aplicación delconocimiento formal a las situaciones prácticas.

Por otra parte, el Conocimiento en la práctica pone el énfasis dela investigación sobre aprender a enseñar ha sido la búsqueda delconocimiento en la acción. Se ha estimado que lo que los profesoresconocen está implícito en la práctica, en la reflexión sobre la práctica,en la indagación práctica y en la narrativa de esa práctica. Un supuestode esta tendencia es que la enseñanza es una actividad incierta yespontánea, contextualizada y construido en respuesta a las particu-laridades de la vida diaria en las escuelas y las clases. El conocimientoestá situado en la acción, en las decisiones y juicios que toman losprofesores. Este conocimiento se adquiere mediante la experiencia y ladeliberación y los profesores aprenden cuando tienen oportunidad dereflexionar sobre lo que hacen.

Por último, el Conocimiento de la práctica se incluye dentro dela línea de investigación cualitativa, pero cercana al movimiento de-nominado del profesor como investigador. La idea de la que parte esque en la enseñanza no tiene sentido hablar de un conocimiento for-mal y otro conocimiento práctico, sino que el conocimiento se construyecolectivamente dentro de comunidades locales, formadas por profesorestrabajando en proyectos de desarrollo de la escuela, de formación o deindagación colaborativa (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

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Tradición e innovación

¿Mantener las esencias o cambiar? Un buen dilema que obser-vamos siempre que analizamos una reforma en los planes y progra-mas de formación del profesorado. Podemos decir que gran parte delas reformas que se han ido introduciendo en la formación inicial delprofesorado se han movido más en el terreno de la tradición que dela innovación. Las experiencias innovadoras en formación deprofesores, especialmente en formación inicial suelen ser ocasionalesy su duración en el tiempo está limitada a la persistencia de losrecursos o las personas que la han puesto en marcha. Si como decíaBereiter (2002) la innovación la fuerza que impulsa a la sociedad delconocimiento, ésta debería de estar presente en unas institucionesllamadas a formar a los profesionales del conocimiento que son losdocentes.

Homogeneidad y diversidad: profesores homogéneos para unalumnado diverso

Uno de los grandes cambios que se están produciendo ennuestras sociedades es el aumento de la movilidad e inmigración.Los países europeos están recibiendo una gran cantidad de personasprocedentes de otros continentes. Estos cambios demográficos estánteniendo ya una presencia evidente en nuestras escuelas. Hay clasesen las que es fácil encontrar alumnos de diez países diferentes. Es éstauna nueva realidad para la que el profesorado no se encuentra prepa-rado. Una de las críticas a los programas de formación del profesoradoes su escasa adaptación a los cambios que se producen en relacióncon la diversidad de los estudiantes en las aulas. De manera gráfica,Ladson-Billing afirmaba que “se sigue formando a los profesores paraenseñar en escuelas ideales con niños blancos, monolingües, de clasemedia y de familias con dos padres” (1998, p. 87). A esta crítica seunen Grant y Wieczorek (2000) al destacar la ausencia de un análisiscrítico sobre los aspectos y condicionamientos sociales delconocimiento, que pueden encontrarse en temas como la raza, clasesocial, género y poder, así como los elementos históricos y políticosligados a la producción de conocimiento. La diversidad es una realidadque debe entrar en la formación del profesorado para ayudar a losdocentes en formación, así como en ejercicio a enfrentar su tarea deuna forma más positiva.

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Enseñanza y aprendizaje

“Yo enseño pero los alumnos no aprenden”. Éste vendría a serel resumen de la situación por la que atraviesan muchos profesores.Quizás la formación del profesorado, así como la investigación, se hacentrado tradicionalmente en la figura del profesor en interacción conun grupo más o menos numeroso de alumnos intentando transmitirlesconocimiento de manera oral. Ya sé que ésta es una imagen demasia-do radical pero me sirve para plantear que “en la sociedad delconocimiento” debemos de prestar atención no sólo a lo que losprofesores hacen, sino a lo que los alumnos aprenden. La apuesta poruna enseñanza centrada en la actividad de aprendizaje de los alumnostiene sus fundamentos científicos. Duffy, Dueber y Hawley (1998, p.51) afirmaban que

Existe actualmente un movimiento muy fuerte en educación quese aleja del modelo didáctico predominante y que se encaminahacia un modelo centrado en el que aprende, donde lasactividades de aprendizaje implican a los alumnos en laindagación y resolución de problemas, normalmente en unespacio colaborativo”.

Estamos avanzando rápidamente modelos de aprendizaje al-ternativos que desde un punto de vista genérico se denominan comoconstructivistas en los que el énfasis se sitúa en la orientación y apoyoa los estudiantes en la medida en que éstos aprenden a construir suconocimiento y comprensión de la cultura y la comunidad a la quepertenecen (BONK; CUNNINGHAM, 1998). El concepto de ambien-tes de aprendizaje constructivistas ha ido ganando terreno entre laspersonas que nos dedicamos al diseño de acciones de enseñanza yformación a través de Internet. Wilson (1996, p. 3) decía que

Un ambiente de aprendizaje es un lugar donde las personaspueden utilizar recursos para dar sentido a cosas y a solucio-nes significativas a problemas. Al añadir el términoconstructivista al final se pone énfasis en la importancia de losignificativo, de actividades auténticas que ayuden a losalumnos a construir conocimiento y desarrollar destrezas rele-vantes para resolver problema.

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De esta manera, pensar y utilizar el concepto de “Ambiente deAprendizaje” como metáfora supone en un espacio donde ocurre elaprendizaje. Un espacio que puede ser real o virtual, pero en cualquierade las situaciones debería atender de manera especial a la personaque aprende, la situación o espacio donde actúa, interacciona y aprendeel alumno, y la utilización de herramientas y medios que faciliten elaprendizaje. Otra forma de definirlo sería: “un lugar donde los alumnospueden trabajar juntos y apoyarse unos a otros en la medida en queutilizan una variedad de herramientas y recursos de información ensu búsqueda de objetivos de aprendizaje y en la realización deactividades de resolución de problemas”. (WILSON, 1996).

Formación inicial y formación continua

¿Qué decir del divorcio entre la formación inicial y la formacióncontinua? ¿Qué hay de ese eslabón perdido que representan los progra-mas de inserción profesional (inducción) para los profesores principi-antes? La inserción profesional en la enseñanza, es el periodo de tiempoque abarca los primeros años, en los cuales los profesores han de reali-zar la transición desde estudiantes a profesores. Es un periodo detensiones y aprendizajes intensivos en contextos generalmentedesconocidos y durante el cual los profesores principiantes deben ad-quirir conocimiento profesional además de conseguir mantener un ciertoequilibrio personal. Es éste el concepto de inserción que asume Vonk,autor holandés con una década de investigaciones centradas en ésteámbito: “definimos la inserción como la transición desde profesor enformación hasta llegar a ser un profesional autónomo. La inserción sepuede entender mejor como una parte de un continuo en el proceso dedesarrollo profesional de los profesores” (1996, p. 115).

Conviene insistir en esta idea de que el periodo de inserción esun periodo diferenciado en el camino de convertirse en profesor. No esun salto en el vacío entre la formación inicial y la formación continuasino que tiene un carácter distintivo y determinante para conseguirun desarrollo profesional coherente y evolutivo (BRITTON, PAINE,PIMM; RAIZEN, 2002). El periodo de inserción y las actividadespropias que le acompañan varían mucho entre los países. En algunoscasos se reducen a actividades burocráticas y formales. En otros ca-sos, como veremos más adelante configuran toda una propuesta deprograma de formación cuya intención es asegurar que los profesores

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entren en la enseñanza acompañados por otros que pueden ayudarle.Los profesores principiantes tienen, según Feiman (2001) dos

tareas que cumplir: deben enseñar y deben aprender a enseñar.Independientemente de la calidad del programa de formación inicialque hayan cursado, hay algunas cosas que sólo se aprenden en lapráctica y ello repercute en que este primer año sea un año desupervivencia, descubrimiento, adaptación, aprendizaje y transición.Las principales tareas con que se enfrentan los profesores principian-tes son: adquirir conocimientos sobre los estudiantes, el currículo y elcontexto escolar; diseñar adecuadamente el currículo y la enseñanza;comenzar a desarrollar un repertorio docente que les permita sobrevivircomo profesor; crear una comunidad de aprendizaje en el aula, y con-tinuar desarrollando una identidad profesional. Y el problema es queesto deben hacerlo en general cargados con las mismas responsabili-dades que los profesores más experimentados (MARCELO, 1999a).

El periodo de inserción profesional se configura como un mo-mento importante en la trayectoria del futuro profesor. Un periodoimportante porque los profesores deben realizar la transición deestudiantes a profesores, por ello surgen dudas, tensiones, debiendoadquirir un adecuado conocimiento y competencia profesional en unbreve período de tiempo. En este primer año los profesores son princi-piantes, y en muchos casos, incluso en su segundo y tercer año puedentodavía estar luchando para establecer su propia identidad personaly profesional. Atender a los profesores principiantes resulta funda-mental para poder tener la esperanza de que el profesorado asume elaprendizaje a lo largo de la vida como un compromiso profesional.

Aprendizaje formal e informal

Si algo caracteriza a la sociedad del conocimiento es laaccesibilidad de éste a todos los ciudadanos. Pero el conocimiento notiene igual reconocimiento por la sociedad dependiendo de donde ésteproceda. Antes hablábamos de la dicotomía entre teoría y práctica yahora podemos hablar de aprendizaje formal e informal. El aprendizajeinformal es un tipo de aprendizaje que contrasta con el aprendizajeformal. Hager (2001) establece las diferencias en los siguientes térmi-nos:

El formador controla el aprendizaje formal mientras que es elalumno el que controla el aprendizaje informal: el aprendizaje formal

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se planifica mientras que el informal no.El aprendizaje formal se desarrolla en instituciones educativas,

en el trabajo y es ampliamente predecible. El aprendizaje informal noes predecible y no posee un currículo formal.

Tanto en las instituciones educativas como en la formación, elaprendizaje es explícito: se espera que el que ha asistido a formaciónsea capaz de demostrarlo mediante exámenes escritos, respuestasorales, etc. El aprendizaje informal generalmente es implícito, y engeneral el aprendiz no es consciente de lo que sabe, aunque sea cons-ciente de los resultados de ese aprendizaje.

En el aprendizaje formal se pone énfasis en la enseñanza, en elcontenido y la estructura de lo que va a ser enseñado, mientras que enel aprendizaje informal el énfasis es en el que aprende.

En el aprendizaje informal el énfasis recae en los alumnos comoindividuos o en el aprendizaje individual, mientras que el aprendizajeinformal a menudo es colaborativo.

El aprendizaje formal es descontextualizado, mientras que elaprendizaje informal es de naturaleza contextualizada

El aprendizaje formal toma forma en términos de teoría (oconocimiento) y después práctica (aplicación de la teoría), mientrasque el aprendizaje informal tiene que ver más con conocer cómo sehacen las cosas.

Nos ha llamando la atención a partir de la lectura del sugerentelibro que sobre la Ética del Hacker ha publicado el filósofo finlandésPekka Himanen (2001). Para este autor, el paradigma del aprendizajeen la sociedad del conocimiento tiene mucho que ver con la formacomo los hackers aprenden. Recordemos que nos referimos al hackercomo una persona con conocimientos informáticos y que desarrollapor sí mismo y en colaboración con otros, alternativas y desarrollosinformáticos que desafían claramente a las grandes firmas comercialesde este sector.

Pues bien, plantea Himanen, tomando como ejemplo a LinusTorval, autor del sistema operativo Linux, que el aprendizaje, en lasociedad del conocimiento, tiene que estar asociado con la pasión,con el interés por lo desconocido, por las preguntas más que por lasrespuestas, por el apoyo de otros que conocen, por la resolución deproblemas de manera colaborativa. Ese modelo de aprendizaje en elque lo que agrupa a las personas que aprenden no es la edad sino elproblema a resolver, algo parecido a la Academia de Platón. Pero,

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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información

como comenta Himanen, “La ironía es que la actual academia tiendea reproducir la estructura de aprendizaje emisor-receptor propia delos monasterios. La ironía generalmente se amplía cuando la acade-mia construye una ‘universidad virtual’: el resultado es una escuelamonacal computerizada”. (2001, p. 76).

Aislamiento en el aula y la sociedad en red

Hoy día convivimos con un nuevo dilema: si por una parte granparte del profesorado tiene la oportunidad de acceder a fuentes deconocimiento, materiales, experiencias, así como implicarse en redesde profesores (Marcelo, 2002b), se sigue manteniendo en las aulas unde los principios de la cultura profesional docente: el aislamiento. Eldesarrollo y generalización de redes de profesores, la posibilidad deaprender con otros a la distancia, la creación de escenarios abiertos ydistribuidos que actualmente están siendo posibles gracias a las nuevastecnologías de la información y la comunicación, están facilitando lavisibilidad de esa forma de aprendizaje que hemos llamando infor-mal. Y este hecho está removiendo los tranquilos cimientos de lasinstituciones formales de acreditación.

9 PARA CONCLUIR

¿Vemos el vaso medio lleno o medio vacío? Hay razones a favorde cualquiera de las opciones. Podemos tener la sensación de quevamos avanzando en el conocimiento sobre el aprender a enseñar,pero si miramos a nuestro alrededor vemos que muchas de las prácticasmás tradicionales permanecen. Me llamó mucho la atención un artí-culo de Labaree (1998, p. 9) en el que, después de analizar el tipo deconocimiento sobre el que trabajamos los investigadores educativos,concluía con una frase que me permito reproducir. Decía que

Un problema que el conocimiento educativo plantea a aquellosque buscan producirlo es que a menudo les deja con la sensaciónde estar perpetuamente luchando por avanzar hacia ningunaparte. Si Sísifo fuera universitario, su campo sería la educación.Al final de una larga y distinguida carrera, muchos investiga-dores en edad de jubilación suelen encontrar que aún se

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Carlos Marcelo Garcia

encuentran trabajando en los mismos problemas que abordabanal comienzo de su carrera.

No es que uno se encuentre ya al final de su carrera, pero sí quecuenta con el tiempo suficiente como para comprobar que muchos delos temas que configuran la agenda de la reforma de la formación delprofesorado siguen estando presentes, como si el tiempo, lasinvestigaciones o la práctica no hubiera permitido generar avancessustanciales. Esos temas nos siguen resultando familiares. ¿Será quetiene que ser así?

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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima

APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM CURSO ADISTÂNCIA: A VERSÃO DOS PROFESSORES*

LEARNING TO TEACH IN A DISTANCECOURSE: TEACHER’S OPINIONS

Maria Elizabete Souza COUTO**

Emília Freitas de LIMA***

Resumo: Este trabalho analisa as aprendizagens da docênciapossibilitadas por experiências de formação continuada namodalidade a distância em uma pesquisa já realizada. Uti-lizamos como instrumento de coleta de dados entrevistassemi-estruturadas para captar as aprendizagens docentes.Os sujeitos da pesquisa foram dez professores da EducaçãoBásica na rede pública de ensino que concluíram a 1ª. tur-ma do curso TV na Escola e os Desafios de Hoje, nos muni-cípios de Ilhéus e Itabuna-Ba. Os materiais de estudo nocurso (três módulos impressos e os vídeos veiculados pelaTV Escola) foram distribuídos pela Secretaria de Educaçãoa Distância/SEED/MEC. Os dados demonstraram que asaprendizagens dos professores cursistas transitam entre oaprender utilizar as tecnologias em sala de aula, enfocandoo caráter técnico e operacional, e a retomada com os saberesda formação profissional, das disciplinas de ensino e daexperiência, os quais proporcionaram um saber-ver, saber-ler, saber-ensinar, saber-aprender e saber-fazer referentes aoprocesso formativo. A sala de aula foi enfatizada como localde aprendizagem da docência a partir dos saberes da expe-riência, da disciplina e o saber lidar com as tecnologias emsala de aula para fazer a mediação entre os conteúdos apren-didos e ensinados.

* Este artigo é parte da tese de doutorado, defendida em março de 2005, orientada pela profa. Dra.Emília Freitas de Lima. Apoio Financeiro CAPES/PICDT.

** Pedagoga. Mestre em Educação pela UESC. Doutora em Educação pela UFSCar. Professora daUniversidade Estadual de Santa Cruz - UESC. E-mail: [email protected]

** Pedagoga. Mestre em Educação pela PUC-RJ. Doutora em Educação pela UFSCar. Professora daUniversidade Federal de São Carlos. E-mail: [email protected]

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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores

Palavras-chave: Formação de professores. Aprendizagem dadocência. Educação a distância.

Abstract: This work analyzes the learning that took placethrough the experiences of continuing education in themodality of distance education. The instruments used fordata collection included semi-structured interviews. Thesubjects of the research were 10 teachers of Basic Educationthat completed the course ‘TV na Escola e os Desafios deHoje’ in the towns of Ilhéus and Itabuna-Ba. The studymaterials in the course (3 printed modules and the videostransmitted by TV Escola) were distributed by the Secreta-ria de Educação a Distância/SEED/MEC. The datademonstrated that teachers´ learning included the use oftechnologies in classroom, focusing the technical andoperational aspects, and the articulation with theknowledge about the professional formation, of the teachingdisciplines and of the experience, which provided a way ofseeing, of reading, of teaching, of learning and a way ofdoing regarding the formative process. The classroom wasemphasized as place of learning to teach starting fromteachers´ experiential knowledge, the discipline andknowing to work with the technologies in classroom tomediate the contents learned and taught.

Keywords: Teacher education. Learning to teach. Distanceeducation.

INTRODUÇÃO

[…] os saberes profissionais são saberes da açãoOu ainda, usando uma expressão que preferimos,

Saberes do trabalho, saberes no trabalho [...]

Tardif, 2000

Este trabalho faz parte de uma pesquisa realizada anteriormen-te com o objetivo de analisar as aprendizagens da docência possibi-litadas por experiências de formação continuada na modalidade a dis-tância. A relevância do estudo é marcada pela escassez de trabalhos

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que estudam a aprendizagem da docência em cursos de formação conti-nuada que fazem parte do conjunto das políticas públicas, via educa-ção a distância. Alguns pesquisadores já estudaram os referidos cur-sos, coordenados pela Secretaria da Educação a Distância/SEED/MEC;entretanto, o objeto de estudo pautava-se em analisá-los como “peças”das políticas públicas de formação de professores, sendo a aprendiza-gem e trajetória docente dos professores ainda uma “zona de sombra”.

A docência põe em evidência uma diversidade de saberes, osquais envolvem os conhecimentos da matéria de ensino, as competênci-as, as habilidades, o saber-fazer, o conhecimento pedagógico do conteú-do, o conhecimento da formação docente e a sabedoria da prática emum contexto mais amplo. Este trabalho pretende discutir quais são asaprendizagens da docência possibilitadas pelo curso de formação con-tinuada por meio da EAD, intitulado TV na Escola e os Desafios de Hoje,na tentativa de apreender as aprendizagens da docência dos professo-res que concluíram a 1ª. turma.

APRENDIZAGEM E SABERES DOCENTES: UM CONTINUUM

A trajetória docente é o momento de construção de saberes,momento de vivenciar aprendizagens relacionadas aos saberes da for-mação, da disciplina de ensino, do currículo e da experiência, paradescobrir formas de articular saberes acadêmicos, sociais e os bensculturais dos alunos.

Em relação à aprendizagem e aos saberes docentes, ainda há“zonas de sombra que precisam ser desvendadas, se considerarmos osdesafios de uma escola de massa e o lugar que nela desempenha otrabalho do professor”. (LELIS, 2001, p.43). Para elucidar a temática,lançamos mão, na literatura internacional, das contribuições e estu-dos realizados por Tardif et al. (1991), Tardif & Lessard (1999) e Tardif(2000, 2002). Na formação continuada, a articulação dos saberes dosprofessores, dos alunos, da comunidade e as informações veiculadaspelos meios de comunicação fortalecem a docência nas situações sim-ples e complexas que ocorrem em sala de aula, “caracterizada poruma multidimensionalidade, simultaneidade de eventos,imprevisibilidade, imediaticidade e unicidade. [...]. Eventos inespe-rados e interrupções variadas podem, por sua vez, mudar igualmente acondução do processo instrucional”. (MIZUKAMI, 1996, p.64).

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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores

A trajetória docente é marcada por saberes que os professoresmobilizam e constroem no seu trabalho cotidiano para desempenharsuas tarefas. Para Tardif e Lessard (1999), o saber docente é plural(oriundo de fontes diversas, reunindo saberes diferentes e heterogêne-os). É também temporal (inscreve-se no tempo, está vinculado às eta-pas de carreira docente, mesmo antes da formação inicial, nas diferen-tes fases da vida e prática dos professores, implicando uma socializa-ção e uma aprendizagem da profissão), composto (de diferentes nature-zas que, por um lado, integram objetividade e precisão (as regras, con-teúdos, avaliação), e por outro, implicam subjetividade e imprecisão (ainterpretação e o julgamento dessas regras, avaliação e conteúdos nocotidiano da sala de aula), heterogêneo (de fontes diversificadas) e soci-al (construído em interação com diversas fontes sociais de conhecimen-tos, de competências, de saber ensinar, da cultura do meio, da organi-zação escolar, das universidades etc.). Saberes que estão relacionados auma “situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc), umsaber ancorado numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaçode trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado numa instituição enuma sociedade” (TARDIF, 2002, p. 15), apoiando-se em diversas com-petências ao longo da docência.

Para Tardif et al (1991), podem ser classificados como saberes daformação profissional, das disciplinas, curriculares e da experiência, ese originam na prática cotidiana da docência em sala de aula. Não sãoconstruídos de forma linear, como uma caixa fechada, separados unsdos outros e do seu contexto. Fazem parte de um mesmo invólucro dossaberes da docência, numa dimensão totalizante.

Os saberes da formação profissional (das ciências da educação eda ideologia pedagógica) são transmitidos nos cursos de formação inici-al e transformados em saberes destinados à formação científica dosprofessores (TARDIF, 2000). Fornecem uma base de informações a res-peito de várias facetas dos saberes da profissão e do sistema escolar,que, na maioria das vezes, não são conhecidas pela comunidade esco-lar. “É um saber profissional específico que não está diretamente rela-cionado com a ação pedagógica, mas serve de pano de fundo tantopara ele quanto para os outros membros de sua categoria socializadosda mesma maneira” (GAUTHIER et al., 1998, p.31).

Os saberes das disciplinas correspondem às diversas áreas deconhecimento. Saberes de que dispõe a sociedade, que emergem da tra-dição cultural dos grupos sociais, e integrados nas universidades, fa-

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culdades e cursos de formação de professores sob a forma de discipli-nas nos cursos de formação (inicial e continuada) (TARDIF, 2001). Adocência requer os saberes da disciplina, considerando que “ensinarexige conhecimento do conteúdo da matéria a ser transmitido, vistoque, evidentemente, não se pode ensinar algo cujo conteúdo não sedomina”. (GAUTHIER et al., 1998, p. 29).

Há nas diversas estruturas da formação a presença dos saberescurriculares, que correspondem aos conteúdos, métodos, objetivos, apartir dos quais a instituição escolar apresenta e organiza os saberessociais que selecionou para a formação acadêmica (TARDIF et al., 1991).São apresentados sob a forma de programas escolares, que os professo-res aprendem e utilizam na sua prática cotidiana.

Os saberes da experiência são desenvolvidos e construídos peloprofessor no exercício da profissão, na prática, baseados no trabalhocotidiano e no conhecimento adquirido na formação inicial. Saberesproduzidos na experiência, por ela validados, e incorporados à vivênciaindividual e coletiva sob a forma de competências e habilidades(TARDIFF, 2002). Na experiência, os saberes são amalgamados. Elesfundamentam a prática docente e só por meio dela se revelam. Umsaber que pode ser definido como um conjunto de conhecimentosatualizados e adquiridos na prática, em um contexto constituído demúltiplas interações, no qual a docência aparece como um processo deaprendizagem, a partir do qual os professores retraduzem sua formaçãoanterior e vão ajustando às condições da profissão (TARDIF et al., 1991;TARDIFF & LESSARD, 1999).

Os saberes da experiência começam desde a sua vida escolar,quando aluno, com diferentes professores, e passam a integrar a identi-dade do professor, constituindo-se como elemento fundamental naspráticas e decisões pedagógicas. A diversidade de saberes que envolveos saberes da experiência é o centro da competência profissional, e elasurge no dia-a-dia do professor. “Essa experiência torna-se então ‘a re-gra’ e, ao ser repetida, assume muitas vezes a forma de uma atividadede rotina”. (GAUTHIER et al., 1998, p.33). Os saberes da experiêncianão provêm diretamente das instituições formadoras ou dos programascurriculares. São saberes plurais e compostos, fazem parte constituinteda prática, produzidos no contexto interativo em que são desenvolvi-dos, atribuindo à experiência uma função particular na produção elegitimação da competência profissional nos vários saberes: o saber daação, o saber da prática e o saber refletir (TARDIF & LESSARD, 1999).

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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores

Entretanto, apenas os saberes da experiência não bastam, e oprofessor não atua sozinho. A aprendizagem da docência reside na ca-pacidade de revelar e validar o saber da experiência dos professorespara não ficar limitado à sua prática individual, sendo a experiênciauma fonte de conhecimento e de aprendizagens. O seu valor está empoder ser criticado, analisado, melhorado e refeito, para torná-lo maiseficaz.

As experiências do professor são baseadas em teorias e práticas,muitas delas aprendidas como alunos e outras, com colegas de traba-lho, com leituras e discussões etc. Conscientes ou não das teorias, apren-dem a tomar decisões instrucionais, a direcionar a aula, a escolher es-tratégias de ensino, a avaliar, a impor um ritmo de aprendizagem, amanter a disciplina, a planejar e replanejar as aulas etc., baseando-seem experiências diretas com as situações escolares. A ação do professoré pessoal e particular para determinadas situações. “Sob essa perspec-tiva, pode-se dizer que as teorias práticas de ensino constituem o co-nhecimento profissional”. (MIZUKAMI et al., 2002, p.50).

Por mais que façamos um esforço para classificar e definir osprocessos de aprendizagem da docência, os limites da docência “apare-cem relacionados a situações concretas que não são passíveis de defini-ções acabadas, e que exigem uma cota de improvisação e de habilidadepessoal, bem como capacidade de enfrentar situações mais ou menostransitórias e variáveis” (TARDIF et al., 1991, p.228). O conhecimentoda prática aparece como um processo de aprendizagem da docência,quando os professores

[...] retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminan-do o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com arealidade vivida, e conservando o que pode lhes servir de umamaneira ou de outra. A experiência provoca assim um efeito deretorno crítico (feed-back) aos saberes adquiridos antes ou forada prática profissional (id, p. 231).

A docência caracteriza-se como um continuum, uma aprendiza-gem plural, formada no amálgama de vários saberes, contextos e situa-ções escolares, bem como na experiência pessoal e profissional, nos sa-beres das disciplinas, curriculares, da formação e da experiência. Estãopresentes em qualquer modalidade de ensino (presencial ou a distân-cia) no momento em que os professores conseguem partilhá-los comseus colegas a partir das informações, dos modos de fazer, organizar as

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aulas e selecionar o material – livros, jogos, histórias, filmes etc. Osprofessores possuem um conhecimento prático e são sujeitos do traba-lho que desenvolvem; eles percebem que também estão aprendendo novasformas de ensinar em situações formais e não-formais de aprendizagem.

Os saberes que constituem a docência estão presentes na trajetó-ria do professor desde a formação inicial, momento em que o estudanteestá aprendendo a profissão com as experiências e saberes dos seusprofessores, e na formação continuada, quando, imerso na docência,busca estratégias de ensino, administra a gestão da matéria de ensino ea da classe nas diferentes situações e ocorrências de sala de aula. É umcontinuum, ou seja, a base de conhecimento não está dissociada dotrabalho docente. Ao contrário, deve estar articulada e “costurada”para romper com o paradigma disciplinar de apropriação de conheci-mento e com a idéia de que dominar o conhecimento da disciplina ésuficiente para o professor garantir o ensino aos alunos.

O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Este trabalho é oriundo de uma pesquisa de caráter qualitativoque analisou as aprendizagens da docência possibilitadas por uma ex-periência de formação continuada por meio da Educação a Distância –o curso de aperfeiçoamento TV na Escola e os Desafios de Hoje. ParaBogdan e Biklen, em uma pesquisa qualitativa devem-se “recolher da-dos descritos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investiga-dor desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a maneira como ossujeitos interpretam aspectos do mundo” (1994, p.134). Nesse caso,temos como objeto de estudo as aprendizagens da docência proporcio-nadas pelo referido curso, levando em conta que a realidade das esco-las não é igual, estática nem fixa, em decorrência das diferenças, con-tradições e tensões existentes na sociedade.

Os sujeitos da pesquisa foram dez professores da Educação Bási-ca que concluíram a 1ª. turma do curso nos municípios de Ilhéus eItabuna/Ba. E que trabalhavam na rede pública de ensino (estadual emunicipal). Destes, três lecionavam no Ensino Fundamental/1ª a 4ª.série, quatro lecionavam as disciplinas Língua Portuguesa, Língua In-glesa, Matemática e Educação Física (5ª a 8ª. série), e três trabalhavamno Núcleo de Tecnologia Educacional/ NTE.

Os professores tinham formação acadêmica diferenciada. Pos-

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suíam uma trajetória profissional considerável, de cinco a 25 anos deexperiência na docência, na educação básica nas redes pública e parti-cular de ensino. De forma não linear, o tempo na docência, a formação,a idade e as situações familiares e econômicas dos professores marca-vam essa trajetória.

Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram entrevistassemi-estruturadas e notas de campo da pesquisadora, “com a idéia deque nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista quenos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora de nossoobjeto de estudo” (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.49). A entrevista ti-nha o objetivo de captar as aprendizagens que o curso possibilitou aosprofessores. No momento, o foco de análise é a aprendizagem da docênciados professores em um curso de formação continuada na modalidade adistância. A partir deste momento, chamaremos de professores cursistasos professores que fizeram parte do estudo.

INFORMAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O CURSO TV NAESCOLA E OS DESAFIOS DE HOJE

O curso foi lançado em outubro de 2000, fazendo parte do con-junto das políticas públicas de formação continuada de professores, namodalidade a distância, com o objetivo de “capacitar profissionais deinstituições públicas de ensino fundamental e médio para melhor usono cotidiano escolar dos recursos proporcionados pelas tecnologias dainformação e comunicação, com ênfase na comunicação audiovisual(TV Escola)”. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2000,p.17). Um curso de aperfeiçoamento que contou com parceira da SEED/MEC e a Universidade Virtual Pública do Brasil/UniRede 1.

O objeto de estudo do curso era preparar professores para explo-rar as tecnologias para desempenhar o papel de integrar e modernizar aspráticas pedagógicas. Foi organizado para permitir que os “profissionaispossam qualificar-se sem ter que se ausentar ou se deslocar do ambien-te onde trabalham, minimizando a influência das dificuldades profissi-onais, econômicas e as barreiras geográficas”. (SECRETARIA DE EDU-CAÇÃO A DISTÂNCIA, 2000, p.15).

1 A UniRede foi criada em 6 de janeiro de 2000, com a idéia de uma universidade em rede, com olema “Nasce uma nova Universidade no Brasil”. A logomarca tem apoio do Ministério da Educação,Ministério da Ciência e Tecnologia e FINEP. Não teria campus e estrutura física, mas estaria nasUniversidades públicas (federais, estaduais e CEFET).

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Na Bahia, a universidade núcleo do curso era a UniversidadeEstadual de Santa Cruz/UESC, que recebeu a matrícula de 2.781 pro-fessores/alunos, de 137 municípios. Na Universidade, as atividadescomeçaram em novembro de 2000, com duração prevista para setemeses, contando com uma estrutura administrativa e pedagógica for-mada por um coordenador geral, dois coordenadores-adjuntos, umasecretária e 27 tutores (os formadores dos professores/alunos). Os tu-tores tinham como atribuições:

Capacitar-se para o desempenho de sua função; avaliar e comen-tar o desempenho do cursista em todas as atividades de avalia-ção que lhe forem enviadas, utilizando o Memorial como referên-cia de conjunto para compreender o estágio alcançado pelocursista; procurar encaminhar os cursistas à resolução de suasdúvidas e questionamentos; fornecer dados à Coordenação doCurso, sempre que solicitados; auxiliar na solução de problemasque surjam nas escolas, levando em consideração a realidadeespecífica de cada município. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ADISTÂNCIA, 2001, p.8).

Antes do início do curso houve momentos de capacitação e estu-dos com os tutores, para que compreendessem a dinâmica, o objetivo eo objeto de estudo do curso, e, principalmente, a formação continuadade professores na modalidade a distância, bem como a sua formaçãopara lidar com a modalidade de ensino e aprendizagem a distância.

A organização do curso era modular, com uma carga horária de180 horas. A SEED/MEC distribuiu o material de estudo, composto detrês módulos impressos, e os vídeos eram transmitidos pelo Programa TVEscola, em dias e horários previamente definidos (5ª. e 6ª.-feira, às 21horas, e no sábado, às 9 horas, horário de Brasília). Não houve encontrospresenciais. O contato dos professores cursistas com a universidade, sededo curso, era feita via telefone (fixo e três linhas 0800), fax e e-mail.

AS APRENDIZAGENS DOCENTES: DISCUTINDO A VERSÃODOS PROFESSORES CURSISTAS

Ensinar é uma tarefa que exige vários saberes e aprendizagens aolongo da trajetória docente, bem como o domínio de conteúdos da ma-téria de ensino, dos conteúdos pedagógicos e dos recursos didáticos etecnológicos. Saberes não escritos nos programas curriculares escola-

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res, embora relacionados entre si. São aprendizagens indizíveis(MALGLAIVE, 1997).

As aprendizagens dos professores cursistas fazem parte de umconjunto formado e ampliado pelo repertório de conhecimentos queeles possuem. Na prática estavam presentes aspectos e saberes de na-turezas diversas, um intimamente interligado ao outro, formando oamálgama dos saberes e das aprendizagens docentes, dando corpo aodesenvolvimento profissional do professor no processo de formação.

Com referência ao conjunto dos saberes acadêmicos, disciplina-res e pedagógicos que contribuem para a compreensão do conteúdo damatéria de ensino e o conhecimento da técnica no trabalho docente, osprofessores cursistas disseram que os conteúdos estudados no cursoajudaram nos seguintes aspectos:

– A produção do vídeo (P.3).

– a aliar a linguagem do vídeo com a nossa linguagem, uma coisanão está distanciada da outra. [...] os módulos lhes dão segurança,porque o trabalho com o vídeo quando a gente começou era umtrabalho mais cego. É você assistir e a partir daí traçar a sua aula,o que vai trabalhar com aquele material (P.2).

– eu acho que a questão da necessidade de não ficar só naquelahistória, ah! Eu preciso, eu tenho que estar mesmo informatizada.Eu tenho que trabalhar como isso [...]. Se você tiver acesso ao vídeo,comece a trabalhar com ele, veja em casa uma propaganda, umoutdoor que ele [o aluno] viu na rua (P.9).

– [a aprendizagem] mais técnica mesmo. Eu tenho a parte teóricada Matemática. O curso em si me ajudou a ver uma coisa diferen-te, como motivar, como usar outros recursos e não só o quadro degiz. As leituras e as sugestões de uso dos audiovisuais ajudaram adinamizar a parte teórica. Porque a gente sai da faculdade e vocênão vê nada disso, sai com conhecimento na sua área, na prática éoutra coisa. É no viver que a gente vai aprendendo. Então foi nocurso que tive nova visão de como usar os recursos que estão dispo-níveis, que são a televisão, o vídeo, o som. Esta visão que o cursome deu vai além do prático, porque ajudou a pensar o teórico tam-bém. E não é uma coisa que ficar pra mim, eles [alunos] que estãoconstruindo. Tanto desenvolve o lado artístico como o próprio con-teúdo de Matemática é desenvolvido naquele trabalho ali (P.10).

Os professores cursistas fizeram referência às aprendizagens que

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se somaram aos conhecimentos adquiridos na formação inicial e aolongo da docência. As tecnologias começaram a fazer parte da vida daescola, do ensino e da aprendizagem, como um elemento carregado deconteúdos, representando uma nova forma de pensar, ensinar, apren-der e refletir (PRETTO, 1996). Todavia, os professores cursistas esta-vam vivendo o momento de começar a perceber essas questões, quetransitavam entre os aspectos conceituais e procedimentais, principal-mente no momento em que enfatizavam mais a razão operativa que aconstrução de um saber que envolve várias áreas de conhecimento.

A trajetória docente, da formação inicial à docência, foi mencio-nada por P.10, que já participou de outros cursos de formação continu-ada que enfatizam o uso das tecnologias na educação. Para ele, este foio curso que mais lhe proporcionou oportunidades de rever conceitos,mediar e estabelecer interlocução entre o conteúdo da matéria de ensi-no, o conteúdo pedagógico da matéria e o conhecimento dos recursosdas tecnologias na educação, fazendo a relação entre teoria e prática.

No que se refere às aprendizagens, retomaram os conteúdos pre-sentes nos módulos – as linguagens: a visual e a impressa; analisar osprogramas de TV – e os aspectos metodológicos – como usar os vídeos emsala de aula. Foram considerados os saberes acadêmicos e as possibili-dades de criar estratégias para torná-los ensinados e aprendidos. Eismais alguns depoimentos:

– [aprendi] a diferenciar o que é um vídeo, o que é o educativo, oque não é. A organização das fitas. A fundamentação de como tra-balhar a TV e o vídeo. (P.3).

– a parte de Educação Especial, passei a conhecer essa grade, osprogramas todos e foi útil. Na época sempre passava documentáriofalando sobre as deficiências visuais, programas também sobre adeficiência auditiva e a pluralidade cultural (P.7).

– a questão da linguagem da TV e vídeo quando você vai produzir,você vê que muda, tem quer ser a mínima possível, de uma manei-ra resumida e que as pessoas entendam (P.8).

– que acho que foram as técnicas, as várias maneiras que apon-tam, diretrizes, objetivos, que a gente, às vezes, faz alguma coisadentro da tecnologia, usando meios tecnológicos e a gente nãovisualiza esses objetivos. Então isso ajuda a concretizar mais a

prática da gente, seja em que disciplina for. Eu aprendi e comecei

a arrumar e organizar o acervo de fitas (P.9).

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A preocupação em relação à fundamentação teórica, aos objeti-vos e às diretrizes para realizar um trabalho com as tecnologias em salade aula e a necessidade de objetivos e diretrizes para direcionar e concre-tizar mais a prática seja em que disciplina for revelou a importância dacompreensão do saber da disciplina de ensino e dos saberes pedagógi-cos, bem como da iniciativa de começar a organizar o acervo de fitas naescola, favorecendo o trabalho de outros professores.

As aprendizagens possibilitadas pelo curso foram fundamentaispara ajudá-los a compreender e melhorar o ensino, e, conseqüentemen-te, a aprendizagem dos alunos. Porém, não basta a aprendizagem ad-quirida no curso, mas a inter-relação com o saber da disciplina leciona-da, as estratégias de ensino, os estilos de aprendizagem dos alunos, ocontexto das escolas. (TARDIF et al., 1991).

Sobre o conteúdo do curso, os professores cursistas falaram queaprenderam:

– como utilizar o vídeo em sala de aula, porque muitas vezes oprofessor usa simplesmente e deixa os alunos lá assistindo ao vídeosem ter uma proposta de trabalho. Ele não tem um objetivo, não sefundamenta em nada para desenvolver aquele trabalho. E a TVEscola abre essa idéia, nos ajuda muito (P.3).

– eu tenho que ter um pouco da técnica e do conhecimento, porquesó a técnica não resolve, porque aí vai ficar uma coisa que não vaiter significado, uma coisa assim fria. Você fez em que contexto?Para quê? (P.4).

– [programa de TV e vídeos] incentiva a questão da leitura, a ne-cessidade da gente saber o que está acontecendo fora da escola,porque faz parte do dia-a-dia. Desde as novelas, ela mostra os doislados e nós, professores, devemos aproveitar de tudo que o alunotem acesso, mesmo que a gente não tenha condições de realizar naescola, mas que o aluno tem acesso em tecnologia e que a genteaproveite isso para discussão, para direcionar o trabalho (P.9).

Nos depoimentos está presente a aprendizagem de procedimen-tos de utilização do vídeo em sala de aula. As várias possibilidades detransformar o conteúdo da disciplina de maneira pedagogizada, com-preensível para os alunos, buscando nos aparatos tecnológicos umareferência para representar, ilustrar, simular, demonstrar e expor o con-

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teúdo das disciplinas que lecionam, mesmo trabalhando com o contex-to das fragilidades da escola pública. É necessário aliar o saber da dis-ciplina e o saber da experiência ao conhecimento da técnica para traba-lhar com os vídeos em sala de aula. Separar essas três categorias émanter a fragmentação do conhecimento, além de separar a teoria e aprática no contexto do processo de ensino e aprendizagem.

O aprender a ensinar, que é um processo dinâmico, aconteceu àmedida que tiveram acesso a novos conhecimentos, refletiram sobreaspectos da própria formação, desenvolveram práticas com o uso dastecnologias em sala de aula e centraram atenções em assuntos impor-tantes para a formação e a docência, na familiarização com o uso faztecnologias e da Programação da TV Escola em sala de aula.

Os professores cursistas realizaram atividades propostas nosmódulos do curso, como alunos e professores em sala de aula com seusalunos, experimentando novas maneiras de ensinar e aprender que en-volvessem a discussão sobre a tecnologia nos dias de hoje, a programaçãoda TV: desenho animado, novelas etc; a produção da filmagem e dadramatização, a partir de histórias e textos construídos pelos alunos. Osconteúdos e as sugestões metodológicas ajudaram a desenvolver ativi-dades de natureza prática.

Das reflexões emergiram saberes diversos: a utilização do vídeoem sala de aula, a relação teoria, prática e técnica, a valorização dosconhecimentos dos alunos, a relação dos conhecimentos dos alunosversus conhecimentos curriculares, bem como novas possibilidades detrabalhar com as tecnologias em sala de aula a partir das condições daescola.

Nas entrevistas foram reveladas, como aprendizagens, situaçõesreferentes aos seguintes conteúdos presentes nos vídeos indicados paraestudo – a ecologia, estados do Brasil (mapas e estatísticas), violência,jogos, formas geométricas, a Matemática na vida das pessoas etc. Seguemalguns depoimentos:

– aquele vídeo que passou sobre o menino que mora em São Pauloficou marcado – Aqui e Lá. Ele morava no estado do Ceará, vempara Diadema. Eu trabalhei Matemática. Aí passei toda estruturada Matemática, usamos mapas que fazem aquela comparação, es-cala, gráficos, você vê população e também eu tirei aquele contextoda sensibilidade, aquela sensibilidade de reação, como aquele me-nino se adaptou, aquela sensibilidade que ele teve de sentir faltada natureza que não tinha, da Ecologia que não tinha naquela

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cidade e também levando a questão da violência, entendeu?(P.4).

– eu aprendi mesmo na Educação Física foi a questão dos jogos.Muita coisa que a gente já aprende dentro da área e também apren-di que você tem um ponto e vai criar mais. Como se fossem ramifi-cações, gera muita coisa (P.8).

– assisti a alguns [filmes] e outros eu gravei da TV Escola, daMatemática, que fala das formas geométricas, que a menina falaassim: - Eu sou Norma e eu me ligo nas formas. Então a gente usao teorema de Pitágoras, consulta e depois eles dividem e agoraconstroem tanto manualmente, como no computador aquela se-qüência do teorema de Pitágoras. [...] Aprendi a questão do fazerdiferente. [...] Foi essa mensagem, a Matemática está lá, parada,estática, como você pode movimentá-la, como você pode mexernesse conteúdo para que todo mundo absorva isso? Então os fil-mes me deram essa visão (P.10).

Para trabalhar com vídeos, muitas vezes é preciso ter sensibilida-de para que não seja apenas mais um recurso, mais um texto escrito eimagético que está em sala de aula, sendo trabalhado com os alunossem contextualização em relação aos conteúdos programáticos defini-dos. Não devemos substituir o texto e a linguagem escrita pela lingua-gem audiovisual em sala de aula; mas fazer a mediação e estabelecer arelação entre as duas linguagens é o grande desafio, no momento emque nos deparamos com alunos que são audiovisuais e captam rapida-mente a mensagem das imagens, ritmos, sons e cores.

Os vídeos ajudaram a pensar as disciplinas que lecionam (Mate-mática, Educação Física, Língua Portuguesa) como movimento, não comoestáticas e distanciadas da realidade. Referiram-se às estratégias que astecnologias oferecem para dinamizar o conteúdo, para que os alunos oscompreendam. Muito mais que conhecimentos das disciplinas, os vídeoslhes proporcionaram um saber-ver, saber-buscar, saber-ler, saber-ensi-nar, saber-aprender e saber-fazer referentes ao seu processo formativo –saber da disciplina, saber da experiência e os saberes da formação pro-fissional. (TARDIF et al., 1991; TARDIF, 2000, 2002).

No âmbito do saber da experiência, saber transformar, adaptartextos e imagens e reorganizar o conteúdo da matéria de ensino etc,parece tornar mais acessível aos alunos a aprendizagem dos conteúdosescolares. Para compreender o movimento da disciplina, é indispensá-vel a interseção dos saberes das disciplinas com os saberes da formaçãoe as estratégias e procedimentos didáticos, para facilitar a compreen-

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são dos conteúdos que estão sendo ensinados e aprendidos.A crença nas possibilidades dos recursos tecnológicos para tra-

balhar com os alunos foi revelada, bem como o feedback de suas práti-cas. As aprendizagens da formação profissional aliavam no seu corpode saberes os saberes da formação, da disciplina que lecionavam, daexperiência (a prática) e do conhecimento dos recursos didáticos etecnológicos disponíveis na escola.

– eu passei a trabalhar com projetos e além da gente aprender maise ter mais conhecimentos, é melhor para a aprendizagem dos alu-nos. Aí passei a trabalhar com eles levando à sala de vídeo, assis-tindo e vindo trabalhar na sala de aula o que eles viram no vídeo,fazer produção de texto e daí fazer pesquisa na biblioteca do CSU(Centro Social Urbano) (P.1).

– a forma de olhar a televisão. Antes de iniciar esse trabalho, eu mesituei onde estaria a televisão na vida deles, para poder eu tambémme sentir segura. Esses alunos que eu tenho agora, [é que] estoume situando, para ver como é a televisão, a realidade deles, porquealguns não têm nem luz elétrica em casa. Então vai ser uma coisapara eles direcionarem esse olhar, vai ser uma coisa bem assimdiferente e também para eu poder tirar questionamento deles, por-que eu quero é isso (P.4).

Os professores cursistas começaram a ampliar os processos dadocência no contexto da sala de aula. Eles se deram conta de que osconhecimentos estudados no curso acrescentavam outras condições epossibilidades para ensinar e aprender, olhar o aluno, o saber da disci-plina de ensino, a organização da sala de aula, a estruturação do proje-to pedagógico e a presença das tecnologias na escola e também o seudesenvolvimento profissional.

Além de trabalhar com vídeos em sala de aula, os professorescursistas buscavam novas possibilidades para o planejamento, traba-lhando com projetos, pesquisa em biblioteca, pensar a TV no contextoe realidade de seus alunos, os temas transversais etc., mesmo dianteda incerteza, da complexidade e das situações divergentes de ensinonão trabalhadas e discutidas nos cursos de formação inicial,retraduzindo e adaptando ao trabalho docente alternativas pedagógi-cas. A experiência e a vivência com as tecnologias provocaram umefeito crítico aos sabres adquiridos na formação inicial ou fora daprática profissional. (TARDIF et al., 1991; TARDIF, 2002).

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Foi um momento de construção, com os alunos, das estratégiaspara realizar as atividades do curso. A construção do aluno tambémconstrói o professor, que administra a gestão da classe e a gestão damatéria de ensino. (GAUTHIER et al., 1998). As aprendizagens nãoaconteceram de maneira formal e linear, mas por uma rede de relaçõesque forma os saberes docentes dos professores, as quais se ajustarampara dar lugar à aprendizagem da docência. Rompendo barreiras elidando com novos limites e condições de fragilidades nas escolas,criaram outras condições para aprender novas maneiras de ensinar,com o suporte das TIC disponíveis nas escolas.

Assim, parece não haver um saber predominando na formaçãodocente. São saberes de várias naturezas, que se entrecruzam, estãona base da formação e compõem a aprendizagem profissional dadocência. Por um lado, discorreram sobre saberes de natureza prática,operacional, instrumental, técnica, relacionados aos conhecimentossobre o uso das TIC em sala de aula. De outro, buscaram saberes quefazem parte dos fundamentos da base da profissão na disciplina deensino e áreas afins. E, por último, os atributos pessoais, afetivos,cognitivos e motivacionais que os ajudam a repensar seus saberes,aprendizagens e práticas os impulsionaram na busca de novas apren-dizagens, tendo como foco o desenvolvimento profissional.

No conjunto dos saberes, o conhecimento da prática para lidarcom as TIC em sala de aula foi valorizado, mas é preciso considerarque, isoladamente, a prática é insuficiente para organizar e estruturaro trabalho docente com o conhecimento da matéria de ensino.

Além de familiarizar-se com conceitos teóricos sobre as Tecnologiasna Educação, pensavam em novas alternativas para utilizá-las em salade aula, fazendo a sua integração à proposta de trabalho já existente,adequando esses recursos ao contexto e às condições disponíveis naescola; desenvolvendo experiências e atividades práticas e também li-dando com a gestão da matéria de ensino e da classe, de maneira areorganizar o seu fazer pedagógico, a sua sala de aula, a aprendizagemdocente e a aprendizagem dos seus alunos. (GAUTHIER et al., 1998).

Pensando nas contribuições, para a docência, de um curso deformação continuada na modalidade a distância, notamos que pareceter havido uma maior transposição de saberes para a prática, em salade aula, das sugestões metodológicas oferecidas nos módulos do quea construção de conceitos teóricos. Assim, o curso foi importante nosseguintes aspectos:

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– não só de aprendizagem de conhecimento para mim, como paraeu passar aos meus alunos. Aprendi muitas coisas, como lidar coma tecnologia (P.1).

– conhecer a TV. Eu me tornei espectadora assídua da TV Escola(P.3).

– o desafio maior foi quebrar o impacto de você mostrar que podeusar a TV, não só para ensinar coisas erradas, para ensinar coisasque o aluno possa aprender, para que ele tirasse daquele desenhoanimado, daquele programa que não tinha nada a ver, o contextode sala de aula que ele iria estudar ali uma Matemática, sem saberque tava estudando Matemática (P.4).

– na disciplina de Língua Portuguesa, a questão de trabalhar osconteúdos gramaticais, a Lingüística que a gente, às vezes, temaquela separação. Então, quando você vai empregar esses elemen-tos lingüísticos dentro do texto associado à imagem das propagan-das, torna-se mais fácil. Por exemplo, do modo imperativo, a genteprecisa estudar a questão da propaganda, ela trabalha muito comisso. A questão da lingüística acho muito complicado dentro daprodução textual (P.9).

As aprendizagens ajudaram a melhorar a prática em sala de aulacom os alunos, uma oportunidade para conhecer a programação da TVEscola, como forma de dinamizar e enriquecer as aulas, aprender alidar com os conteúdos dos programas de TV e vídeos, os saberes dasdisciplinas que lecionam e a prática em sala de aula para tornar essesconteúdos ensinados e aprendidos, e, finalmente, a fazer e pensar nainterlocução de diferentes saberes.

Para os professores cursistas, o curso ofereceu possibilidades esugestões para diversificar o trabalho. A sala de aula e espaços não-escolares, por exemplo, foram utilizados como oportunidade da diversi-ficação dos espaços físicos elaborados para os projetos. A possibilidade decolocarmos a televisão na praça (P.7) para alunos e a comunidade assis-tir à programação televisiva; a visita ao shopping (P.10) para estudar asformas geométricas presentes no projeto arquitetônico do prédio. Nomomento, ousaram usar a praça e o shopping, espaços não-escolares(CARTER, 1990), como espaço escolar envolvendo os processos de ensi-no e aprendizagem.

As aprendizagens do curso, além de ajudar a enfrentar algunsdesafios da sala de aula, também ajudaram a “mudar” as práticas

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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores

pedagógicas em alguns aspectos. O enfoque na prática indica que háuma tendência para aprender novas maneiras de ensinar, quando relaci-onadas ao “fazer”, às estratégias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objeto de estudo analisado e os dados coletados,não se pode esperar e querer que aconteça uma mudança rápida e auto-mática do e no trabalho docente. Trata-se de um processo complexo elento, com muitas variáveis no caminho, que dependem das condiçõesdas escolas e das condições oferecidas para que os professores constru-am novas maneiras de ensinar e aprender. Contudo, os professorescursistas captaram e apreenderam elementos capazes de lhes possibili-tar a revisão de pressupostos teóricos e metodológicos com os quaistrabalhavam, para desencadear a transposição de conhecimentos re-cém-adquiridos na docência.

Houve uma sensibilização para estudar sobre a educação etecnologia. Ainda que não as dominem a contento, as aprendizagensadquiridas ajudaram a mudar suas práticas e a construir conheci-mentos, além de amadurecer as experiências docentes já construídas,abrindo espaços para outras tantas.

A presença das tecnologias na escola e na sala de aula não é umfim, mas um meio que implica em possibilidades, limites, idas e vol-tas na ação, reflexão na ação e sobre a ação. (SCHÖN, 1992, 2000).Evidenciaram as inúmeras maneiras de utilização de vídeos nas aulasvinculadas aos saberes docentes. As aprendizagens de natureza teóri-ca, disciplinar, prática e pedagógica não são tomadas isoladamente,principalmente quando se trata da utilização do suporte da TIC emsala de aula.

Na base da formação docente (inicial e continuada), além dossaberes e aprendizagens aqui discutidos a partir da literatura e dossaberes indicados pelos depoentes, entendemos que outros saberes eaprendizagens precisam ser acrescentados aos saberes docentes.

Saberes que constituem um amálgama de saberes compostos,plurais, temporais, heterogêneos, os quais não se distinguem uns dosoutros, em caixinhas separadas, a não ser por razão didática e acadê-mica. Esse amálgama tem um caráter histórico, temporal e dinâmico(TARDIF et al., 1991; TARDIF & LESSARD, 1999; TARDIF, 2000, 2002),e ele está presente na organização e estruturação dos cursos presenciais

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e a distância de formação de professores.Pensando nos saberes docentes em seu conjunto (TARDIF et

al., 1991; TARDIF, 2000), podemos dizer, a partir deste estudo, quealgumas “zonas de sombra” surgiram, as quais fazem parte do processoformativo dos professores, donde se conclui que eles precisam:

– ter conhecimento das políticas públicas destinadas à educação(origem, fundamentos teóricos, ideológicos e educacionais e financiador);

– ter conhecimento das políticas públicas de formação continua-da de professores (clientela atendida, fundamentos teóricos e educacio-nais, objetivos e financiador);

– ter conhecimento da organização e estruturação da escola (es-trutura curricular, administrativa e pedagógica, projeto pedagógico daescola, espaços, rotinas, tempos, recursos disponíveis e financiamen-tos);

– ter conhecimento de processos relacionais entre colegas, coor-denação, direção, alunos, pais e comunidade;

– aprofundar os conhecimentos da matéria de ensino em relaçãoao conhecimento pedagógico do conteúdo e o conhecimento do uso dasTIC.

Os dados indicaram que a formação de professores precisa sermais direcionada, objetiva e consistente, preconizando a valorizaçãoprofissional e os conteúdos face aos saberes acadêmicos, às metodologiase aos suportes tecnológicos. A sala de aula e a escola foram apresenta-das como local de aprendizagem da docência a partir dos saberes daexperiência, formação, disciplina e do currículo. (TARDIF et al., 1991).Porém, ainda não se constituíram em local de aprendizagem da docênciapara todos os envolvidos no processo de “aprender sobre como ensi-nar” e “aprender sobre como ser professor”. (KNOWLES et al., 1994).Foram situações individualizadas de aprendizagens, isto é, os professo-res cursistas não socializavam a jurisprudência pedagógica (GAUTHIERet al., 1998) por eles construída, aprendizagens que ainda são indizí-veis. (MALGLAIVE, 1997).

Os professores cursistas tinham disposição para aprender e bus-caram oportunidades (como tantos outros que se inscreveram no curso)para desenvolver e aprimorar as aprendizagens da docência. Mas issonão quer dizer que conseguiram aprender os objetivos de uma políticade formação de professores na modalidade a distância e que agora fa-zem parte dos incluídos no mundo dos que sabem trabalhar com astecnologias em sala de aula.

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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores

Para eles, foi um momento de “formar-se” já estando “formados”(concluída a formação inicial). Administrar a formação é um processono qual a pessoa que se forma assume um papel ativo que o preparapara autogerir seu desenvolvimento profissional em momentos diferen-tes da trajetória docente.

Assim, traduzir as aprendizagens que os professores cursistasconstruíram com o curso em concepções, conceitos, valores e novasmaneiras de ensinar e aprender talvez ainda requeira mais tempo,estudos, oportunidades, condições de trabalho favoráveis e recursostecnológicos disponíveis para todos. A aprendizagem prática,operacional, o saber-fazer e saber-utilizar as tecnologias nas aulas parecenão atender a todas as necessidades e peculiaridades dos saberes dotrabalho, ou mesmo dos saberes no trabalho docente, enquanto umcontinuum.

REFERÊNCIAS

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Encaminhado em: 25/03/06

Aceito em: 02/05/06

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Ademar da Silva & Denise M. Margonari

PROFESSORES INICIANTES DE LÍNGUA IN-GLESA: CONFLITOS E RE/ESTRUTURAÇÕESNO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTOPROFISSIONAL

BEGINNING IN SERVICE ENGLISHLANGUAGE TEACHERS: CONFLICTS ANDRESTRUCTURING IN THE PROCESS OFPROFESSIONAL DEVELOPMENT

Ademar da SILVA*

Denise M. MARGONARI**

Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa na áreade formação de professores de Língua Inglesa que visa aacompanhar a trajetória profissional dos professores eminício de carreira, egressos, no ano de 2002, de um curso deLicenciatura em Letras de uma instituição pública do inte-rior do Estado de São Paulo. Tendo em vista que muitosaspectos do processo de construção e organização da expe-riência humana se refletem na linguagem, na investigaçãodesenvolvida, cruzamos a análise de trechos de relatórios equestionários de alunos egressos da disciplina Prática deEnsino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa I e IIcom dados desses alunos já em serviço. O objetivo é de-monstrar que a sensação de insegurança e ansiedade quan-to à futura atuação profissional, vivenciada durante o cur-so, ainda se manifesta no início da carreira docente e que,além de ser, muitas vezes, superada, ela varia de acordocom o perfil do aluno-professor, que, numa fase de explora-ção de possibilidades profissionais, estrutura e reestruturaas diversas opções que a vida lhe oferece.

* Professor Assistente Doutor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar). E-mail para contato: [email protected]** Professora Doutora em Educação Escolar, substituta contratada no Departamento de Metodologiade Ensino da UFSCar. E-mail para contato: [email protected]

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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...

Palavras-chave: Formação de professores. Língua Ingle-sa. Re/estruturações.

Abstract: This paper is the result of a research in theEnglish teacher education field whose goal is to followthe professional development of in-service teachers whostudied Modern Languages in an undergraduateprogram at a public institution in the interior of the SãoPaulo state in 2002. Having in mind that many aspectsof the human experience construction and organizationprocess are reflected on language, in the investigationdeveloped we compared excerpts from Practicum I andII reports and questionnaires with data from theseformer-students who are now in-service teachers. Ourgoal was to demonstrate that feelings like insecurity andanxiety related to the future career, felt especially duringthe undergraduate program, is still shown in thebeginning of the in-service career. Besides being most ofthe times overcome, the feelings vary according to thestudent-teachers profile who, in a period of explorationof professional possibilities, structure and restructurethe diverse options which life offers them.

Keywords: Teacher Education. English Language.Restructuring.

INTRODUÇÃO

Em levantamento realizado na área de Educação durante a déca-da de 90 acerca da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil,André (2000) constatou que, nos trabalhos sobre licenciaturas, a maiorparte enfatiza o estudo das disciplinas pedagógicas e específicas e ocurrículo de cada curso. Enquanto a atuação do professor também érazoavelmente estudada, a formação inicial recebe menor ênfase, o quedemonstra pouca atenção ao aluno da licenciatura. Além disso, faltaminvestigações sobre as articulações entre as disciplinas pedagógicas eespecíficas. O que se observa dessa constatação é uma visão fragmenta-da dos cursos, pois o todo de cada um deles se perde em particularida-des e redundâncias.

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Outra revelação do estudo de André (2000) diz respeito à línguaestrangeira, nosso objeto de estudo. A distribuição das pesquisas sobrelicenciaturas evidenciou apenas cinco trabalhos dedicados ao estudode línguas, o que demonstra também pouca atenção a esse tema.

Já no que diz respeito à formação docente continuada, André(2000) observa que a maioria dos estudos se concentra em propostasgovernamentais ou da Secretaria de Educação, em programas e cursosde diferentes instituições, em processos de formação em serviço e naprática pedagógica. Assim como na formação inicial, as pesquisas tam-bém se relacionam com aspectos específicos, como uma disciplina, umcurso ou uma proposta de formação, e as principais questões levanta-das nesses trabalhos coincidem com aquelas da formação inicial: o cur-rículo, a estrutura ou o funcionamento do curso. Mais uma vez, temosum quadro fragmentado e parcial também da formação docente.

Na área de Lingüística Aplicada ao ensino de línguas, a preocu-pação com a formação inicial e continuada de professores também vemsendo uma constante em âmbito nacional, a ponto de já ter se tornadoobjeto de estudo de diferentes pesquisas, como aponta Monteiro (2004).O número crescente de estudos sobre a formação de professores de Lín-gua Inglesa também comprova a inquietação dos pesquisadores em en-tender como os futuros professores estão sendo preparados e como atu-am em serviço.

Desde 2002, Silva e Margonari, (2004, 2005) têm pesquisado aformação inicial de professores de Língua Inglesa, o que, de certa forma,vem contribuindo para suprir algumas das lacunas acima apontadas.Essa pesquisa, que está sendo desenvolvida nas disciplinas Prática deEnsino e Estágio Supervisionado de Língua Inglesa I e II em uma uni-versidade federal do Estado de São Paulo, apresenta, até o momento, osseguintes resultados:

(1) Os alunos-professores apóiam-se no referencial teórico estu-dado para fundamentar suas opiniões acerca da experiência vivida oumesmo se posicionam com desenvoltura frente às questões relativas aoensino de língua estrangeira, à sala de aula, ao ensino público e priva-do, discurso esse que não só serve de apoio para lhes conferir maiorsegurança, como também é utilizado para discorrer sobre questõesadvindas da prática. De certa forma, isso demonstra que a integraçãoentre teoria e prática proposta pelo curso atingiu seus objetivos.

(2) Ao longo da licenciatura, o aluno-professor desenvolve umaconcepção de linguagem e uma concepção de ensinar e aprender lín-guas, passando a se conscientizar das responsabilidades de sua futu-

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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...

ra profissão e das várias competências que a envolvem, e também aquestionar sua capacidade de, como educador, se posicionar frente auma sala de aula, proporcionando e construindo a formação daquelesque deverão atuar nos processos de transformação social. Tais inquie-tações e questionamentos tomam corpo durante as aulas de Prática deEnsino. Insegurança e tensão se manifestam quanto a sua atuação emsala de aula, e essas sensações conflitantes aumentam durante e após oestágio de observação e regência, pressionando o filtro afetivo (cf.KRASHEN, 1982) desses alunos, o que os leva a questionar a sua esco-lha profissional.

(3) Dadas as características da licenciatura dupla, é possível iden-tificar três perfis de aluno-professor: (a) o perfil 1 é aquele que, desde oinício, se identifica com o curso e tem como objetivo ser professor. Namaioria das vezes, desenvolve projetos de pesquisa na área de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa e ministra aulas, em escolas de idio-mas, para alunos particulares e empresas. Esse aluno também temmomentos de insegurança, mas dadas as suas experiências, lida com asincertezas de uma maneira branda; (b) o perfil 2 é aquele que, apesar dese identificar com o curso, não se vê como professor de língua estrangei-ra, preferindo o ensino de língua materna. Isso implica mais tempodedicado ao estudo das disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa,o que faz com que sua competência lingüístico-comunicativa em línguaestrangeira não seja tão desenvolvida, gerando assim mais insegurançapara ele; (c) o perfil 3 não se interessa pelo ensino de línguas em geral enão se vê como professor. Esse aluno até desenvolve uma competêncialingüístico-comunicativa na língua estrangeira, mas opta pelas diver-sas possibilidades de trabalho que a graduação em Letras lhe propicia,tais como: pesquisa, revisão e tradução. Devido a essas características,cumpre todas as disciplinas pedagógicas sem se envolver muito com asquestões advindas da prática.

(4) Respostas aos problemas e às inquietações em (2) estão rela-cionadas aos perfis de cada aluno, ou seja, cada qual responde diferen-temente aos questionamentos que emergem durante as atividades dadisciplina Prática de Ensino. Os perfis que em (3) atuam como umaforça no processo de formação do futuro professor são fatores que influ-enciam suas ações, decisões e re/elaborações do discurso sobre suafutura atuação profissional.

(5) Esse aluno-professor está numa fase de exploração de possi-bilidades profissionais, por isso estrutura e reestrutura as diversas op-

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ções que a vida lhe oferece e que são comuns à faixa etária em que seencontra (21 a 28 anos). (SIKES, 1985). O tempo, as experiências pro-fissionais e a maturidade talvez o ajudem na decisão final e na supera-ção das dificuldades.

Assim, tendo em vista as lacunas apontadas no estudo de André(2000) e partindo dos dados expostos, procuramos desenvolver umestudo longitudinal, que tem como objetivo acompanhar a trajetóriaprofissional dos professores em início de carreira, egressos do curso deLicenciatura em Letras de uma instituição pública do interior do Esta-do de São Paulo, desde o ano 2000 até o ano de 2005. Analisandotrechos de questionários e relatórios de estágio da disciplina Prática deEnsino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa I e II desses egres-sos, procuramos cruzá-los com dados desses alunos já em serviço. Apesquisa busca demonstrar que a sensação de insegurança e ansiedadequanto à futura atuação profissional, vivenciada durante o curso, ain-da se manifesta no início da carreira docente.

Para o desenvolvimento deste artigo, foram selecionados apenasos egressos do ano de 2002 e foram analisados os vários momentos dere/estruturação profissional pelos quais passaram. Pretendemos de-monstrar que as inquietações e inseguranças advindas desse processo,além de, muitas vezes, superadas, variam de acordo com o perfil doaluno-professor.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os dados para esta pesquisa foram extraídos de três fontes: (a)questionários (aplicados no início e ao final da disciplina Prática deEnsino), (b) relatórios de estágio e (c) e-mails enviados a ex-alunos egressosde 2002, em que lhes era solicitado um texto narrativo sobre a suatrajetória de vida profissional, do momento em que tinham deixado auniversidade até o ano de 2005, explicitando as experiências e os sen-timentos vividos em cada decisão tomada.

Entendendo discurso como atividade produtora de efeitos desentido entre interlocutores, portanto, atividade comunicativa e o pro-cesso de sua enunciação, que é regulado por exterioridade sócio-históri-ca e ideológica, que determina as regularidades lingüísticas e seu uso(TRAVAGLIA, 1991, p. 25; cf também ORLANDI, 1983), na análise,que é de cunho qualitativo, o processo de escrita (dos questionários,

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Desse grupo, 8 (61,5%) estão exercendo alguma atividade do-cente e 5 (38,5%) estão atuando em outra área. Dos que estão nomagistério, 5 (38,5%) lecionam Inglês e 3 (23%), Português. Veja-se atabela 2 abaixo:

Lecionando Não lecionando Total

5 (38,5%) 3(23%) 5 (38,5%) 13 (100%)

Inglês Português

Tabela 2

Lecionando Não lecionando Total

8 (61,5%) 5 (38,5%) 13 (100%)

Tabela 1

relatórios e narrativas) nos permitiu observar momentos de reflexão eavaliação das experiências vividas pelos sujeitos.

O processo de escrita de qualquer texto, seja ele questionário,relatório ou narrativa, é o momento em que o aluno-professor organizao discurso e dá sentido às suas experiências, ou seja, é a ocasião em quese retomam inquietações necessárias para instaurar a reflexão sobreteoria e prática, sobre a arte de ensinar, estimulando a maturidade e adefinição do posicionamento profissional do futuro educador.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Acreditando que as escolhas lingüísticas constantes dos questio-nários, relatórios e narrativas revelam o processo de construção e orga-nização das experiências vivenciadas, passamos à apresentação e ana-lise dos dados. Dos 16 ex-alunos contatados, 13 retornaram a solicita-ção. Veja-se a tabela 1:

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As porcentagens indicam que um número razoável de ex-alunosprofessores egressos de 2002 está seguindo a opção profissional pre-vista pelo curso de licenciatura. A tabela a seguir1 mostra que, excetu-ando três casos, essas opções relacionam-se ao perfil dos alunos.

1 As letras entre parênteses referem-se às abreviaturas dos nomes dos ex-alunos.

As setas ( ) indicam as migrações entre as disciplinas Língua Inglesa e Língua Portuguesa, ou seja,mudança no perfil previamente detectado na disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado.

Tabela 3

Note-se que na escola de idiomas há um ex-aluno perfil 2 lecio-nando Inglês e na rede estadual pública há um aluno perfil 1 lecio-nando Português. Além disso, há uma ex-aluna, (D), cujo perfil é 1,mas que, por conta da necessidade, apropriou-se da facilidade propi-ciada pela dupla licenciatura e atua também na área Língua Portugue-sa. Apesar dessas migrações, a maioria dos ex-alunos segue o perfilinicialmente escolhido.

Após o rastreamento e análise das migrações dos alunos já emserviço, apresentamos a análise do cruzamento dos relatórios com osdepoimentos enviados por mensagem eletrônica, demonstrando o pro-cesso de reestruturações pelas quais todos os perfis passam.

Aluno perfil 1

A ex-aluna K, que durante o estágio de regência demonstravanão ter tido grandes problemas na prática, visto ser a Língua Inglesaa sua área de atuação, continuou lecionando em escolas de idiomasapós a graduação. Nesse percurso, teve decepções, pois precisou se

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desligar dessa escola para se dedicar ao processo seletivo da pós-gra-duação. Por dois anos consecutivos, não conseguiu passar na seleçãopara o Mestrado em Lingüística Aplicada e Educação de duas institui-ções públicas do interior do Estado de São Paulo, o que a desanimou:

[...] tentei incansavelmente por dois anos consecutivos, cada vezque prestava, mais eu me decepcionava e me achava incapaz depassar nessa etapa do meu desenvolvimento profissional. Então,me desanimei [...] Acho que ter passado pelo processo seletivo comoprofessora substituta [...] me fez acordar e voltar a sonhar com meuantigo ideal de seguir a carreira acadêmica [...].

O investimento no processo de formação continuada por meioda opção pela pós-graduação stricto sensu a princípio parecia ser umobstáculo de difícil transposição para K, que só foi superado após seuingresso como professora de uma instituição de ensino superior. Issofez com que se animasse, retomando sua disposição para continuar suatrajetória acadêmica.

D, outra ex-estagiária perfil 1, com experiência no ensino de Lín-gua Inglesa para crianças, em escolas particulares e de ensino de lín-guas, afirmava estar “[...] preparada para dar aulas para alunos deescola pública, particular ou em curso de idiomas [...]”. Confirmando oseu perfil, ainda continua com o ensino da Língua Inglesa em escolasde línguas. No entanto, para complementar o salário, atua também noensino de Língua Portuguesa na rede pública, e a carga horária dessadisciplina excede a de Inglês, que é a área de sua preferência. Dandocontinuidade a sua formação, entrou no mestrado em uma instituiçãofederal e pesquisa na área de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa.

Esse caso revela que a dupla licenciatura em Letras atua comoum “bem” adquirido pelo aluno-professor, que é utilizado em situaçõesem que precisa se reestruturar econômica e profissionalmente.

S era uma aluna que, apesar de inicialmente ter sérios problemascom a Língua Inglesa, sempre manifestou a vontade de ser professoradessa disciplina, mas sentia-se insegura por causa da lacuna lingüística:

[...] confesso que no começo do curso, não me via como professora,por achar que não tinha competência lingüística [...].

Com muito esforço, no decorrer do curso conseguiu superar par-te do problema lingüístico e firmar sua confiança e posição, vendo-se

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como professora dessa língua estrangeira:

[...] mas com o tempo vi que um professor de Língua Inglesa não éformado apenas de competência lingüística, se assim o fosse, os“americanos” poderiam vir ao Brasil e fazer com que alunos falas-sem Inglês em 24 horas, mas um professor de Língua Inglesa éformado de embasamento teórico, de saber como, porque e para queaprender Inglês.

Atualmente, S passou no concurso do Estado de São Paulo paraprofessor de Língua Portuguesa e, como até aquele momento não haviaescolhido sua vaga, é professora eventual dessa disciplina em uma es-cola estadual de São Carlos (Ensino Fundamental e Médio). Diz estarfeliz e que ainda quer lecionar Inglês, pois continua fazendo curso emescola de idiomas.

Essas reestruturações profissionais feitas por S, ou seja, a migra-ção para a área de Português, confirma o papel desempenhado peladupla licenciatura.

Aluno perfil 2

Em 2002, G, que se considerava mais professora de língua ma-terna do que de língua estrangeira, ao avaliar sua atuação na Prática deLíngua Inglesa, deixa transparecer que o problema da disciplina narede pública a afetou de alguma maneira e que:

[...] a área de Inglês não seria a minha principal especialização,tendo a necessidade de buscar seus auxílios técnicos quando ne-cessário (de K, sua parceira durante os estágios).

Na época, a dúvida, marcada pela forma verbal seria, que, comomodal e não temporal, explicitava atitude do falante sobre aquilo queé dito. G não confessa que a área de Inglês não é a sua principalespecialização. Mas, ao invés disso, usa o modal seria, que naquelemomento expressa dúvida quanto à possibilidade de vir a atuar comoprofessora de língua estrangeira. Atualmente, ela terminou o mestradoem Literatura, na área de Ciências Sociais, e para se manter, dá aulasde Inglês. Já passou por várias escolas e tem estudado bastante paraensinar essa língua:

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E também estou dando aulas na Aliança Idiomas. Considerandomeu histórico, é um avanço considerável. E esse avanço tem seprocessado como english speaker and teacher, já que me vi pelaprimeira vez obrigada a dar aulas todas em Inglês. Isso me dei-xou de início muito insegura [...] Procuro desde então estudarmais, ler bastante em Inglês, ver mais filmes com legendas emInglês.

Mesmo com todo esse investimento e satisfação pessoal no ensi-no da Língua Inglesa, ainda não vê a possibilidade de ficar por muitotempo atuando em língua estrangeira:

O fato é que para mim, dar aulas de Inglês me interessa, sobretu-do pelo fato de estar trabalhando como professora, que definiti-vamente é uma de minhas paixões. [...] Esse talvez seja um ladobom da minha “ignorância” na língua, tenho prazer em aprendercom meus alunos, essa troca, acredito ser muito boa para o apren-dizado deles [...] Além disso, o aprendizado do Inglês é muitoimportante para a carreira acadêmica, a qual pretendo seguir, eemprego como professor de língua estrangeira é “um quebra ga-lho” dos mais antigos [...] Desejo terminar meu Mestrado e tra-balhar no que realmente gosto, seja na literatura, seja na Sociais[...] Há tantas coisas que tenho estudado, lido, que merecem serensinadas. E então, Inglês, just for fun. Quem sabe?

Note-se que, apesar de tudo o que tem feito, G não se sente com-petente o suficiente para dar aula de língua e reitera a sua vontade detrabalhar com aquilo que gosta: a Literatura. Entretanto, sua consciên-cia acerca do seu menor desenvolvimento com relação à Língua Inglesamostra-se como um aspecto positivo, que a impulsiona a continuarestudando para melhorar a qualidade de suas aulas. Assim, ao final deseu depoimento, aponta para o seu verdadeiro sonho, sem descartar,mais uma vez, a possibilidade de ensinar Inglês como uma atividadeprazerosa.

Ao migrar para um outro perfil, o ex-aluno passa a investir naárea a que ele não tinha dado tanta atenção. Essas reestruturaçõespreenchem uma lacuna da graduação, complementando a sua forma-ção em duas licenciaturas.

A ex-aluna P não se via como professora de Inglês, e a expectati-va de reger aulas nessa língua lhe causava grande insegurança. No en-

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tanto, o seu grau de envolvimento com a Prática de Ensino foi tantoque, após o estágio, ela já considerava a hipótese de ensinar essa disci-plina. Veja-se o depoimento de H, sua parceira durante os estágios,sobre a mudança de atitude de P:

Fiquei satisfeita em perceber, durante as aulas, o interesse e oenvolvimento que ela dispensou aos alunos e às atividades desen-volvidas. Porque durante o curso a P dizia que nunca iria dar aula.Após o estágio, já havia mudado de idéia, e passou a consideraressa hipótese.

Apesar de considerar essa hipótese, P, ao rever mais uma vez asua atuação profissional futura, conclui:

No momento não pretendo atuar na área de Língua Inglesa. Gostomuito da língua e acredito estar preparada para ministrar tal disci-plina, pois tenho facilidade em aprendê-la e paciência para ensiná-la.

De fato, P não está ensinando Inglês. Atualmente está na Itália,fazendo curso de Italiano. Gosta muito dessa língua e quer trabalharno seu ensino quando aqui retornar, o que significa que continua naárea de ensino de língua estrangeira.

A ex-aluna R, com algumas características do perfil 2 mescladascom o 3, ao terminar o curso, volta para a casa dos pais e se questiona:

Medos, anseios e insegurança que se traduziam na pergunta alatejar dentro da minha cabeça: o que fazer da minha vida?

Para dar conta dessa questão, R tentou se preparar para omestrado em Análise do Discurso, mas perdeu o prazo para inscrição.Enviou o curriculum vitae para algumas instituições de Ensino Funda-mental e Médio, na tentativa de dar aulas de Português e Literatura,mas não conseguiu nada. Dizia que:

Não arriscaria ensinar Língua Inglesa, uma vez que meu Inglêsmerecia ser esquartejado [...].

Por isso, matriculou-se na Cultura Inglesa de Ribeirão Preto. Desdeentão, tem estudado bastante o idioma, já prestou o Cambridge First

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Certificate2, conseguiu um trabalho de 10 horas semanais no SAC –Self Access Centre da instituição, onde dá apoio a alunos com dificul-dades. Apesar de não explicitar que está investindo na futura profis-são, ela diz:

Estou estudando agora para prestar o CAE3 em dezembro e ano quevem estou me organizando para ir para Brighton fazer um curso deum ano na escola Saint Giles e tirar o Proficiency4 lá. Se nada dissoder certo, começamos de novo com o antigo projeto de vender salga-dinhos.

Observa-se a mudança no perfil de R, que migra do ensino delíngua materna e passa a investir no ensino de língua estrangeira. As-sim como G, não considera sua competência lingüística bem desenvol-vida no idioma para ensiná-lo, apesar de ter sido aprovada em umexame de nível avançado de Inglês. Sua conscientização a respeito danecessidade de continuar estudando a língua para se aprimorar é mui-to positiva, principalmente pelo fato de procurar pela formação conti-nuada em um país falante do Inglês como língua materna.

Aluno perfil 3

Os alunos perfil 3, apesar de alguma movimentação na direçãoprofissional direcionada pela licenciatura, ainda continuam atuandoem outra área. Por exemplo, AM, que trabalha como jornalista, passouno concurso na rede pública para professor de Português, mas não as-sumiu. Também cursou uma especialização lato sensu em Estudos Lite-rários na UNESP/Araraquara. SA, que trabalha na Nossa Caixa, tentouestrado em Lingüística Aplicada na Unicamp e Lingüística na UFSCar,mas não foi bem sucedido. Já H, que, apesar das tensões, havia feito umbom trabalho de Prática de Ensino, não se sentia preparada para serprofessora:

[...] Não pretendo atuar na área de LI, pois entendo que não estoupreparada suficientemente para assumir essa responsabilidade. Te-nho dificuldade com a LI. O curso diminuiu um pouco essa dificul-dade, mas não o quanto eu entendo ser necessário para ensinar.

2 Primeiro exame de nível avançado da Universidade de Cambridge.3 Certificate of Advanced English, exame avançado da Universidade de Cambridge.4 Exame posterior ao CAE, o último exame de nível avançado da Universidade de Cambridge.

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Logo após o curso, pensou em se preparar para um curso de pós-graduação, mas não teve condições, pois se envolveu nos assuntos do-mésticos. Atualmente, apesar de dizer que: “[...] sou uma dona-de-casaconvicta. Não tive coragem de abandonar meu posto e me dedicar aomagistério [...]”, pensa em preparar um projeto em Lingüística e retornaraos estudos.

Os dados acima apresentados evidenciam que os ex-alunos têmum desejo muito forte de se encontrar e de se aprimorar profissional-mente. Todos, de certa forma, estão fazendo ou já fizeram algum movi-mento em direção a uma mudança futura, e isso acarreta momentos dedúvidas, angústia e tensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados analisados demonstram que (a) um número razoávelde ex-alunos professores egressos de 2002 está seguindo a opção profis-sional prevista pelo curso de graduação, evidenciando que a licenciatu-ra está cumprindo o seu papel; (b) os ex-alunos algumas vezes migramde perfil e, apesar dessas migrações, a maioria segue a decisão inicial-mente tomada; (c) a dupla licenciatura em Letras atua como um “bem”adquirido pelo aluno-professor, que a utiliza em situações em que preci-sa se reestruturar econômica e profissionalmente; (d) ao migrar paraum outro perfil, o ex-aluno passa a refletir sobre a necessidade de uminvestimento na área a que ele não tinha dado tanta atenção anterior-mente. Essas reestruturações, além de preencherem lacunas da gradua-ção, complementam a sua formação em duas licenciaturas e são umavanço em direção à formação continuada.

O cruzamento dos relatórios com os depoimentos enviados pormensagem eletrônica mostra que os ex-alunos-professores ainda estãovivenciando situações de mudança. Nesse processo, são movidos peloseu perfil: uma força que atua nas suas escolhas e experiências feitasdurante o curso de Letras, e por isso ainda enfrentam momentos deansiedade e insegurança com relação à futura atuação profissional. Noprocesso, essas sensações, além de, muitas vezes, revistas e transpos-tas, correspondem a um período de instabilidade profissional natural(início de carreira) e são recorrentes na faixa etária em que se encontram(21 a 28 anos). Talvez, a maturidade e as experiências profissionaisajudem na decisão final e na superação das dificuldades.

Tais resultados apontam para a primazia na continuidade deste

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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...

estudo com dados de alunos egressos de 2003 a 2005 e evidenciamtambém a necessidade de nos encontrarmos com alguns deles em servi-ço, ou seja, em situação real de sala de aula. Nossa hipótese é queainda continuarão sujeitos a inúmeras reestruturações, mas os que se-guirem a carreira docente prosseguirão mantendo os níveis de excelên-cia em relação à fundamentação teórico-prática inicialmente recebidano curso de graduação em Letras, bem como persistirão no investimen-to do processo de formação continuada de professores em serviço.

REFERÊNCIAS

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Encaminhado em: 03/07

Aceito em: 06/07

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Silvia Christina Madrid Finck

A EDUCAÇÃO FÍSICA E O ESPORTE EM ESCO-

LAS PÚBLICAS DE ENSINO FUNDAMENTAL

(TERCEIRO E QUARTO CICLOS): ANÁLISE

DO COTIDIANO DO PROFESSOR E PERSPEC-

TIVAS DE MUDANÇAS NO ENSINO

PHYSICAL EDUCATION AND SPORTS IN

PUBLIC SCHOOLS IN THE THIRD AND

FOURTH CYCLES OF BASIC EDUCATION:

ANALYSIS OF TEACHER’S ROUTINE AND

PERSPECTIVES FOR CHANGES IN TEACHING

Silvia Christina Madrid FINCK*

Resumo: O presente artigo refere-se à síntese da Tese deDoutorado elaborada e defendida pela autora na Univer-sidade de Leon, Espanha, no Programa de Ciência daAtividade Física e do Esporte, em março de 2006. O ob-jeto da pesquisa é a análise do cotidiano pedagógico doprofessor de Educação Física, no Ensino Fundamental,terceiro e quarto ciclos, em algumas escolas públicas es-taduais da cidade de Ponta Grossa, no Estado do Paraná-Brasil. O objetivo geral da investigação é analisar e dis-cutir algumas das interfaces do cotidiano escolar, comrelação ao contexto que envolve o professor de EducaçãoFísica e seus alunos no espaço da Escola Pública. Ametodologia utilizada é a pesquisa de campo, a aborda-gem do estudo é qualitativa, de cunho etnográfico, des-critiva, confrontada com a experiência vivida da pesqui-sadora. Através dos estudos empreendidos, pretende-seapontar questões relevantes, objetivando perspectivas demudanças pedagógicas necessárias na busca de caminhos

* Professora Adjunto da Universidade Estadual de Ponta Grossa (DEMET/UEPG), Mestre em Educação(UNIMEP) e Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte (UNILEON). E-mail: [email protected].

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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...

mais significativos e contribuições mais consistentes. Adiscussão e as conclusões do estudo apontam para anecessidade de reflexão, análise e transformação da prá-tica pedagógica da Educação Física e do Esporte hojerealizada, para o que são apontadas possibilidades teó-rico-metodológicas no âmbito desse trabalho na escolae do processo de formação inicial e continuada de pro-fessores.

Palavras-chave: Educação Física. Esporte. Escola Públi-ca. Formação de professor.

Abstract: The present article is a synthesis of the doctoralthesis presented at the University of Leon, Spain, in theProgram of Science of Physical Activity and Sport, inMarch 2006. The object of the study is the teachingroutine of physical education teachers in public schools.The main goal of the investigation is to analyze anddiscuss some of the interfaces of the school routine,regarding the context that involves physical educationteachers and their students in public schools. Themethodology includes field work and is qualitative,ethnographic, and descriptive and is confronted with theresearcher’s experience. The study intends to point outrelevant and important issues, aiming at necessarypedagogic changes in search for more significant formsand more solid contributions. In the analysis, discussionand conclusions of the study, it is emphasized the needfor reflection, analysis and transformation of thepedagogical practice of the physical education and sportsteacher. Therefore, some methodological theoreticalpossibilities are pointed out on how to approach physicaleducation and sports in schools as well as in initial andcontinuing teacher education.

Keywords: Physical Education. Sports. Public School.Teacher Education.

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INTRODUÇÃO

Este artigo refere-se à síntese da Tese de Doutorado elaborada edefendida pela autora na Universidade de Leon, Espanha, no progra-ma Ciência da Atividade Física e do Esporte, em março de 2006. Oobjeto da pesquisa é a análise do cotidiano pedagógico do professor deEducação Física, no Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos (5ª a8ª série), em algumas escolas públicas estaduais na cidade de PontaGrossa, no Estado do Paraná-Brasil. A opção por este objeto se deu emfunção de preocupações voltadas tanto para as questões pedagógicasda Educação Física e do Esporte, no contexto escolar, como para a for-mação do profissional que atua nos diversos campos de trabalho, entreeles a Escola. O problema foi delineado por algumas questões centraisque permeiam o desenvolvimento deste trabalho, quais sejam: Qual aconcepção pedagógica que fundamenta o fazer pedagógico do professorna Escola? Quais os conhecimentos desenvolvidos nas aulas de Educa-ção Física? Como se apresenta a organização do trabalho pedagógicodesenvolvido pelo professor? Qual a concepção e o significado das au-las de Educação Física e do Esporte para os alunos do terceiro e quartociclos? Como o Esporte é abordado e vivenciado hoje na Escola? Quaisas perspectivas pedagógicas que podem ser apontadas visando a mu-danças para a Educação Física e o Esporte, tanto no contexto da escolacomo no processo de formação, inicial e contínua, do professor? O obje-tivo geral da investigação é analisar e discutir algumas das interfacesdo cotidiano escolar, com relação ao contexto que envolve o professorde Educação Física e seus alunos, no espaço da Escola Pública, noEnsino Fundamental, terceiro e quarto ciclos.

O trabalho de pesquisa foi desenvolvido de forma integrada, con-siderando os “diferentes olhares” sobre esse cotidiano, entre eles: dosacadêmicos do terceiro ano do Curso de Licenciatura em Educação Físi-ca da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que têm a vivênciado cotidiano através da realização do Estágio Supervisionado; dos pro-fessores de Educação Física que atuam nas escolas; dos alunos do Ensi-no Fundamental, terceiro e quarto ciclos; dos professores da disciplinade Metodologia e Prática de Ensino de Educação Física (MPEEF) daUEPG, responsáveis pela orientação e supervisão do Estágio Supervi-sionado; e da própria pesquisadora, que, enquanto educadora, pôdecontribuir descrevendo parte desse cotidiano, já que participa ativa-mente desse contexto, atuando na escola e na universidade.

Considera-se, no contexto analisado, o que o professor de Edu-

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cação Física realiza em termos pedagógicos, os interesses e expectati-vas do aluno de hoje em relação às aulas de Educação Física e ao Espor-te, no espaço da escola, bem como os aspectos relacionados à formaçãodo profissional da área de Educação Física. São consideradas tambémas atividades que os acadêmicos desenvolvem na escola, através doEstágio Supervisionado, em que primeiramente observam as aulas doprofessor e, num segundo momento, atuam por meio da docência nasmesmas turmas, participando e intervindo, dessa forma, no cotidianoescolar.

O estudo aponta algumas perspectivas que poderão ser utiliza-das como novas hipóteses para o desenvolvimento de outros estudosrelacionados às questões que envolvem a Educação Física e o Esporteno contexto escolar e de formação de professores.

MATERIAL E MÉTODO

O estudo foi desenvolvido na busca do entendimento aprofundadoda realidade da Educação Física e do Esporte na escola pública estadu-al, partindo do cotidiano do professor de Educação Física, realizadonesse contexto. A metodologia utilizada é a pesquisa de campo, aabordagem do estudo é qualitativa, de cunho etnográfico, descritiva,confrontada com a experiência vivida da pesquisadora. A pesquisa foidesenvolvida na cidade de Ponta Grossa (PG), no Estado do Paraná(PR), no Brasil (BR), em sete escolas públicas estaduais (A, B, C, D, E,F, G) no Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos, durante o perí-odo que compreende os anos letivos de 2001, 2002 e 2003. A pesqui-sa foi realizada de forma integrada, considerando-se os “diferentesolhares” sobre o cotidiano analisado. Participaram da pesquisa osseguintes grupos: 90 acadêmicos dos terceiros anos do Curso de Li-cenciatura em Educação Física da UEPG, a fim de aproximá-los darealidade escolar; vinte professores de Educação Física que atuam naescola, considerando suas experiências, realidades e necessidades;3222 alunos do terceiro e quarto ciclos das escolas envolvidas napesquisa; e seis professores da disciplina MPEEF do referido curso einstituição, responsáveis pela formação profissional, os quais, tam-bém na condição de pesquisadores, são elementos articuladores entrea universidade e a escola.

Na coleta dos dados foram utilizados os seguintes instrumen-tos: ficha específica para as observações das aulas nas escolas, entre-

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vista semi-estruturada, questionário, diário de pesquisa, relatório eanálise de documentos. A ficha de observação e as questões dos ques-tionários e das entrevistas foram elaboradas pela pesquisadora; osdemais instrumentos (diário de pesquisa, relatório, análise de docu-mentos) foram selecionados para complementar a coleta de dados,com o objetivo de torná-la a mais completa possível. As questõesnorteadoras da pesquisa, consideradas e tratadas, foram organizadastendo em vista as reais necessidades de maiores informações para suarealização. A ficha de observação foi organizada em forma de umatabela onde constam, em forma de tópicos, os aspectos que se referemà organização da turma, o espaço e material da escola para as aulasde Educação Física, a metodologia utilizada pelo professor e, final-mente, as relações professor/aluno e aluno/aluno estabelecidas nasaulas.

A coleta de dados teve início com a observação sistemática dasaulas de Educação Física nas escolas, no terceiro e quarto ciclos, rea-lizada pelos acadêmicos por meio do Estágio Supervisionado, comuma carga horária semanal de seis horas-aula. Os dados foram coletadose registrados na ficha de observação. Para enriquecer a coleta de da-dos, a pesquisadora realizou com cada um dos vinte professores deEducação Física das escolas uma entrevista semi-estruturada; a ques-tão foi única e aberta, para permitir que os professores falassem deforma mais livre sobre seu cotidiano na escola. Foram aplicados tam-bém, pelos acadêmicos e pela pesquisadora, dois tipos diferentes dequestionários, um para os professores de Educação Física e outro paraos alunos do terceiro e quarto ciclos; e um terceiro questionário foiaplicado pela pesquisadora para os professores de MPEEF.

Foram considerados também os dados coletados e registradosnos demais instrumentos: os que foram reunidos pelos acadêmicos,constantes no diário de pesquisa e no relatório final de Estágio; osque foram coletados pelos professores de MPEEF, registrados na for-ma de relatório, referentes, principalmente, às aulas ministradas pe-los acadêmicos; e os que foram coletados pela pesquisadora, relativosàs aulas ministradas pelos acadêmicos, que foram registrados no diá-rio de pesquisa. Foram considerados ainda os dados obtidos por meioda análise dos documentos utilizados pelos professores de EducaçãoFísica nas escolas, como o referencial teórico, o planejamento e osdiários de classe das séries. Na análise dos dados, a pesquisadoraconsiderou também as discussões realizadas nas aulas semanais deMPEEF na UEPG.

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Alguns aspectos foram privilegiados em determinados âmbitos,processo de que resultaram as seguintes categorias: Âmbito Escolar(AE); Âmbito do Ensino e Aprendizagem (AEA); Âmbito das RelaçõesPessoais (ARP); e Âmbito Profissional (AP). Essas categorias foramestabelecidas pela pesquisadora durante a coleta dos dados, que sãoapresentados segundo o “olhar” de cada grupo participante da pesqui-sa, com a descrição e análise de acordo com as categorias estabelecidas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O olhar dos acadêmicos

O contato inicial dos acadêmicos com a escola foi percebido poreles como um momento de muita apreensão; o principal objetivo foi ode obter as informações mais relevantes, por meio dos professores, emrelação às turmas nas quais posteriormente realizariam as atividadesde Estágio. De acordo com os registros feitos pelos acadêmicos, a idadedos alunos se apresentou de forma homogênea, o número de alunos porgrupo variou de 35 a 45, e todas as turmas eram mistas, com três aulassemanais de Educação Física. O espaço físico para as aulas de Educa-ção Física foi considerado pelos acadêmicos como amplo e suficienteem quatro escolas e insuficiente e precário em três. O material para asaulas de Educação Física foi considerado bom e razoável em três esco-las e insuficiente e precário em quatro. Percebe-se que o espaço físico ea quantidade de material muitas vezes chamam mais a atenção dosacadêmicos do que as questões pedagógicas e metodológicas.

Com relação à análise dos documentos (referencial teórico), osacadêmicos qualificaram o acervo bibliográfico (livros, apostilas, enci-clopédias, textos) encontrado nas bibliotecas das escolas como sendoprecário, desatualizado e em pouca quantidade; 16 professores disse-ram que utilizam material próprio ou emprestado. Havia poucos com-putadores nas escolas, com uso limitado, e apenas duas escolas (E, F)tinham acesso à Internet.

No que tange ao planejamento de Educação Física, apenas noveprofessores apresentaram cópia aos acadêmicos, tecendo comentários arespeito de seus principais aspectos; os outros 11 não o fizeram, justi-ficando-se de diferentes maneiras. Os diários de classe dos professoresretrataram, em parte, a maneira como eles realizam o trabalho pedagó-

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gico: oito professores se mostraram muito organizados; seis registravamo essencial e seis apareceram como extremamente desorganizados. Oconteúdo predominante abordado nas aulas em seis escolas foi o Es-porte, prevalecendo as modalidades coletivas do basquetebol, futebol,handebol e voleibol. A exceção foi a Escola A, onde uma das professorastrabalha com Atividades Rítmicas todo o primeiro semestre, trabalhan-do no segundo com as mesmas modalidades esportivas coletivaspriorizadas pelos demais professores. Também foram desenvolvidas emquatro escolas, em menor proporção, as modalidades de xadrez e tênisde mesa. Na escola F havia espaço e material específico para essasaulas, e todos os alunos do terceiro e quarto ciclos tinham uma aulasemanal de xadrez na forma de projeto, além das três aulas de Educa-ção Física.

Os acadêmicos identificaram nas aulas a abordagem dos seguin-tes conhecimentos: nove professores trabalharam os fundamentos, astécnicas e táticas básicas, as regras e o jogo (habilidades-valores), e 11abordaram também outros conhecimentos relacionados ao esporte, taiscomo: aspectos históricos, manutenção e melhoria da saúde, práticasdiferenciadas do esporte e jogos recreativos. Os professores desenvolve-ram os conteúdos da seguinte forma: todos evidenciaram o aspecto dosprocedimentos em detrimento de outros (realização dos movimentos) eoito demonstraram ter uma constante preocupação com o aspecto dasatitudes. Os aspectos conceituais foram trabalhados mais nas aulasteóricas, ou então como trabalho de pesquisa que os alunos deveriamrealizar como atividade de avaliação. Como os acadêmicos tiveram difi-culdades para identificar as metodologias utilizadas nas aulas pelosprofessores – perceberam uma mescla das mesmas –, eles usaram adenominação “metodologia não identificada” (NI) para o registro damaioria das aulas ministradas pelos 20 professores. Alguns acadêmi-cos identificaram a metodologia utilizada por 11 professores como sen-do a dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS)1. A maioria dosacadêmicos também destacou que 16 professores deixavam os alunosescolher o que queriam fazer, no mínimo em uma aula por semana;seriam as “aulas livres”, sendo identificadas e registradas por eles comoatividades livres (AL). Nenhum acadêmico identificou nas aulas as

1 Os PCN’S apontam e sugerem encaminhamentos metodológicos para serem utilizados pelos profes-sores no desenvolvimento das aulas de Educação Física, que são fundamentados numa concepçãomais crítica da educação. Para os acadêmicos tais encaminhamentos foram, nesse estudo, identifica-dos como sendo uma metodologia.

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metodologias Sistêmica (S), Crítico-Superadora (CS) e Crítico-Emancipatória (CE). Todas as aulas ministradas foram consideradascomo sendo fechadas, pois perceberam que tanto as atividades como asdecisões eram estipuladas antecipadamente pelo professor. As “aulaslivres” foram consideradas como sendo abertas, pois, segundo eles, osalunos decidiam o que iriam fazer. Com relação à metodologia utilizadapelos professores nas aulas livres, os acadêmicos registraram que cincoprofessores as desenvolviam numa concepção de “ensino aberto” (EA) eque 11 professores não utilizavam nenhum encaminhamentometodológico específico, caracterizando “aulas com metodologia nãoidentificada” (NI). Nas Escolas A e D, quatro professores não permiti-am as aulas livres, isto é, eram eles que ministravam todas as aulas edirigiam todas as atividades.

Os aspectos predominantes referentes à presença da competiçãoe do lúdico nas aulas apareceram no relato dos acadêmicos da seguinteforma: a competição foi predominante nas aulas para 11 professores eexistiu em algumas atividades para nove; os acadêmicos identificarama predominância dos aspectos lúdicos em algumas aulas de cinco pro-fessores, de acordo com os seguintes procedimentos: adaptações nosjogos, permuta das equipes e motivação dos alunos. Os outros 15 pro-fessores adotaram apenas procedimentos relacionados com as adapta-ções nos jogos, em algumas aulas.

Os acadêmicos registraram o interesse e a participação dos alu-nos, destacando que no terceiro ciclo (10 a 14 anos) eles foram altos, jáque os alunos só deixavam de participar da aula se ocorresse algumimpedimento por motivo de saúde ou ordem médica, e que no quartociclo (13 a 16 anos) a maioria se interessou e participou das aulas,embora uma pequena minoria, especificamente do sexo feminino, nãotivesse feito todas as aulas, alegando, principalmente, indisposição e ofato de não gostarem de algumas atividades. Mesmo assim, a participa-ção foi considerada como sendo alta.

A relação entre professor e aluno foi observada como sendo exce-lente e democrática para 11 professores; boa e democrática para cinco;razoável e autoritária para três; e péssima e autoritária para um. Amaioria dos acadêmicos observou que a relação entre os alunos, nasaulas, foi excelente ou boa; afirmaram que houve alguns conflitos, masque foram passageiros, geralmente devido a alguma discordância queocorria quando jogavam. Por outro lado, destacaram que o vocabulárioutilizado pelos alunos, entre eles mesmos, às vezes era pejorativo eofensivo, embora afirmassem que eram amigos.

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A formação dos grupos nas aulas foi variada; os alunos gostammuito de ficar juntos, conversar, dar risada e jogar. Quando o professortrabalhava o jogo como conteúdo da aula, a maioria queria estar namesma equipe dos amigos; escolhiam os companheiros para jogar, utili-zando o critério da amizade. Depois é que contava o fato de saber jogarbem. Esse comportamento prevaleceu no terceiro ciclo, mas tambémocorreu entre os alunos do quarto. A formação profissional dos profes-sores é diferente com relação ao ano em que concluíram a graduação,bem como no que respeita à obtenção do título em nível do pós-graduação. A maioria dos professores tinha concluído a graduação hámais tempo, entre 15 e mais de 20 anos, dois não tinham especializa-ção e um tinha também pós-graduação, em nível de mestrado, na áreade Educação.

O olhar dos professores das escolas

Todos os professores trabalhavam nas escolas há mais de cincoanos. Dezoito eram efetivos e dois, contratados. A carga de trabalho(hora/aula) semanal dos professores nas escolas se apresentou de for-ma diferenciada. Alguns aspectos referentes às instalações e aos mate-riais existentes nas escolas foram destacados pelos professores comodeficitários. Com relação às instalações, os problemas mais evidencia-dos foram: falta de espaço, má conservação das quadras e pátios e aocorrência de depredações. Em relação à quantidade de material paraas aulas, 40% dos professores disseram ser suficiente e 60% afirmaramser insuficiente. A maioria considera que a escassez de material nãoseria obstáculo para o professor fazer um bom trabalho na escola, em-bora acreditem que uma maior quantidade e qualidade seria fatordeterminante no desenvolvimento de um trabalho mais atrativo paraos alunos.

Os professores apresentaram significados diferentes para a Edu-cação Física, ainda que próximos, relacionando-a com objetos específi-cos, como corpo, saúde, movimento, esporte, jogo, motricidade, disci-plina, corpo e mente, atividades físico-esportivas, atividades de ócio,qualidade de vida e conhecimentos sobre o corpo. Na formulação dosprincipais objetivos para a Educação Física na escola, os professoresutilizaram verbos como adquirir, conhecer, organizar, apontar, eviden-ciar, procurar, reconhecer, modificar, organizar, executar, participar,abordar e refletir. Nas entrevistas foram identificados outros objetivospriorizados pelos professores, que evidenciam alguns aspectos didáti-

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co-metodológicos das aulas. São eles: os educativos (aprendizagem,valores, aprender a conviver com os outros); os relacionados à saúdecomo manutenção e melhoria (aptidão física, condicionamento físico);os recreativos (prazer, diversão, jogo); os preventivos (desenvolvimentode hábitos saudáveis de vida); e os competitivos (superar obstáculos ea si mesmo, aprender a obedecer às regras e relacionar-se, saber ganhare perder, desenvolver o espírito competitivo de forma saudável).

Com relação à elaboração do planejamento, os professores evi-denciaram que trocam idéias com os colegas, mas cada qual faz e segueseu planejamento. A preferência dos professores com relação à faixaetária dos alunos para ministrar aulas assim se apresenta: 30% prefe-rem dar aulas para os alunos de 10 a 12 anos; 35% afirmaram preferirdar aulas para alunos de 13 a 15 anos; e 35% afirmaram que não têmpreferência. Quanto aos aspectos percebidos pelos professores, relacio-nados aos alunos, como a participação nas aulas, as preferências aotipo de aula e as dificuldades que os alunos têm, as respostas foram: a)Afirmaram que, quanto menor a idade, maior o nível de participaçãodos alunos; b) Destacaram que a participação dos alunos diminui sig-nificativamente, em específico entre as meninas, no quarto ciclo, na 8ªsérie; c) Afirmaram que a preferência dos alunos do terceiro e quartociclos com relação ao conteúdo é o Esporte, variando apenas a modali-dade esportiva.

Os professores apontaram as seguintes dificuldades apresenta-das por alguns alunos: a) do terceiro ciclo, (principalmente na 5ª série):lateralidade, coordenação, realizar atividades em grupo, saber ganhar,saber perder, respeitar a vez dos colegas na realização das atividades,dividir o material e esperar para jogar; b) e do quarto ciclo: lateralidade,coordenação, insegurança, falta de interesse para aprender, indisciplina,saber ganhar, saber perder, respeitar as limitações dos colegas.

Com relação ao tipo de aulas que os alunos preferem, os profes-sores responderam o seguinte: a) os do terceiro ciclo (5ª e 6ª série) gos-tam mais de aulas animadas, com muitos jogos e atividades lúdicas,mas participam de todo tipo de aula; o interesse e a curiosidade sãoconstantes e eles gostam de aprender coisas novas; b) os do quarto ciclo(7ª e 8ª série) se interessam mais pelo jogo realizado de acordo com asregras oficiais próximas ao Esporte rendimento e não apreciam quandoo professor faz adaptações das regras, afirmando que é aula para crian-ça.

Os conteúdos mais trabalhados nas aulas de Educação Físicapelos professores são: a) no terceiro ciclo (5ª e 6ª séries), atividades

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lúdicas, jogos e o Esporte (é mais desenvolvido); b) no quarto ciclo (7ª e8ª séries), o Esporte. Para todos os professores existem diferenças esemelhanças entre Educação Física e Esporte. A maior diferença seriaem relação à especificidade de cada um, e a maior semelhança seria emrelação ao movimento e o prazer. Quanto ao aspecto da relação entreprofessor e aluno, 55% dos docentes disseram ser boa, 43% afirmaramque poderia ser melhor e 2% disseram que é péssima. A parcela corres-pondente aos 45% que não estão satisfeitos afirmou que os alunos nãotêm educação e limites, sabem exigir os direitos, mas não sabem seusdeveres, são agitados, não têm paciência para realizar muitas vezes omesmo exercício ou atividade, demonstram interesse por atividades eexercícios novos, mas perdem logo a motivação. Além disso, apesar dese dizerem amigos, são grosseiros uns com os outros e o vocabulário queutilizam para se comunicar muitas vezes é ofensivo.

Com relação à escolha da profissão, 80% respondeu que foi devi-do à ligação com o Esporte, 12% queriam ser professores e optarampela Educação Física, pensando que seria mais agradável e fácil o exer-cício da docência, e 8% tentaram o ingresso em outros cursos, semobter êxito. Finalmente, os professores também manifestaram o que pen-sam a respeito de sua profissão através dos seguintes aspectos eviden-ciados: remuneração salarial baixa, insuficiente valorização da socieda-de pelo trabalho do professor, insuficiente valorização da disciplina naescola, falta de condições na escola para o desenvolvimento do traba-lho e falta de comunicação adequada com a direção e a equipe pedagó-gica da escola.

O olhar dos alunos do terceiro e quarto ciclos

Devido ao grande número de alunos participantes (3222) e, con-seqüentemente, de respostas, para uma melhor apresentação dos da-dos obtidos foram estabelecidos cinco termos/motivos2, como categori-as, para agrupar as respostas dos alunos, conforme as semelhançasentre elas. São elas: convívio social, aprender, saúde-corpo, prazer-desprazer, jogo-esporte. As respostas foram organizadas de acordo coma relação predominante com cada uma das categorias, e foramidentificadas pela palavra indicativa apresentada, independentemente

2 Os mesmos foram selecionados de acordo com os aspectos centrais de cada uma das perguntas doquestionário aplicado para os alunos.

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da valoração do aluno com relação à sua resposta. As respostas quenão se encaixaram em nenhuma das categorias aparecem no item “ou-tras respostas”. Assim, olhar dos alunos, de forma resumida, assimse apresenta: gostam muito das aulas de Educação Física; gostam deestar com os amigos; sentem muito prazer nas aulas Educação Física;gostam de realizar atividades agradáveis, de se movimentar, sair darotina de sala de aula; gostam e preferem aprender sobre Esportes; amaioria gosta e prefere jogar nas aulas; relacionam o conhecimentodas aulas com aspectos do movimento, da saúde e da aparência física(beleza); não gostam de discussões, brigas, rejeição e críticas (colegas).

O olhar dos professores de MPEEF

Dos seis professores que participaram da pesquisa, três são efe-tivos e três são colaboradores. As respostas dos professores se apre-sentam de acordo com as mesmas categorias. Com relação à participa-ção do professor da escola no Estágio: a maioria fornece as informa-ções básicas, cumprem com o trabalho burocrático e ficam alheios aoprocesso. Uma minoria participa realmente, orientando e acompanhan-do todo o Estágio. As aulas ministradas pela maioria dos professoressão vistas pelos professores de MPEEF como sendo um trabalho semcompromisso com as questões educacionais, desorganizado e sem re-lação com o contexto. Por outro lado, evidenciam o trabalho desenvol-vido por uma minoria de professores como sendo responsável, organi-zado e relacionado com o contexto. Todos os professores afirmaramque o conteúdo predominante desenvolvido nas aulas pelos professo-res é o Esporte (basquetebol, futsal, voleibol e handebol). Uma mino-ria de professores desenvolve outras modalidades esportivas e conhe-cimentos (tênis de mesa, atletismo, xadrez, atividades rítmicas, saú-de, qualidade de vida).

As dificuldades enfrentadas pelos professores foram assimidentificadas: a transposição didática dos próprios conhecimentos re-lativos à área e em relação a outros saberes pedagógicos; alguns pare-cem não saber mais como trabalhar; os alunos fazem o que querem,sabem e gostam; quem ministra as aulas tem dificuldades com relação amanter a disciplina dos alunos e administrar o tempo para organizarmelhor o trabalho; faltam tempo e condições financeiras para acapacitação, e; finalmente, faltam condições adequadas na escola.

A concepção dos professores de MPEEF com relação aos princi-

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pais objetivos da Educação Física na escola seria: subsidiar os alunoscom conhecimentos teóricos, práticos, relacionados à cultura corpo-ral de movimento, bem como com experiências significativas que pos-sibilitem seu desempenho em situações cotidianas, para que possamusufruí-los em benefício de sua saúde e qualidade de vida. Com rela-ção à elaboração do planejamento da disciplina de MPEEF, os profes-sores destacaram que ele é realizado pelo coletivo de docentes da dis-ciplina, apoiado em critérios de atualização, especialmente na teoriarelacionada à Educação Física Escolar e ao olhar atento sobre as trans-formações no cotidiano escolar, particularmente da rede pública deensino.

Com relação aos princípios que norteiam as orientações refe-rentes ao Estágio Supervisionado, os professores evidenciaram o se-guinte: vivência entre a teoria e a prática, favorecendo a reflexão; ava-liação e possível interferência na realidade educacional; elaboraçãode projetos e propostas alternativas para o trabalho de docência naEducação Física. Os professores percebem que o acadêmico visualizaa disciplina de MPEEF da seguinte forma: algo obrigatório que poucosconsideram como um momento especial da formação acadêmica; adisciplina é vista no inicio do ano como sem importância e necessida-de, e no decorrer do processo essa concepção passa a prevalecer entrea maioria. As principais dificuldades enfrentadas pelos acadêmicos,destacadas pelos professores de MPEEF, foram: a falta de conheci-mento teórico relativo aos conteúdos propostos pela escola; a maiorianão sabe organizar os conhecimentos que adquiriram até então nagraduação para serem desenvolvidos na escola; alguns não se relacio-nam bem com os alunos; cobram a execução correta daquilo que estãoensinando; a maioria quer trabalhar nas aulas com as modalidadesesportivas de que tem melhor domínio e conhecimento. Os professo-res apresentaram tempo diferenciado com relação à atuação no ensi-no superior, bem como na escola. Todos têm o título de pós-graduaçãoem Educação e três atuavam também na escola. Dos seis professoresde MPEEF, cinco escolheram a profissão por terem tido vínculo signi-ficativo com o Esporte e apenas um disse ter escolhido a profissão pornão gostar das aulas de Educação Física que tinha na escola.

Os professores manifestaram suas concepções sobre EducaçãoFísica e Esporte, entre outras, da seguinte forma: 1) Educação Física:são todas as manifestações da cultura corporal (ou do movimento)tratadas pedagogicamente na instituição escolar; 2) Esporte: uma das

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principais manifestações históricas da sociedade, é uma das áreas deconhecimento da Educação Física que chamam muito a atenção daspessoas por sua veiculação em vários meios de comunicação, e seusobjetivos se diferenciam conforme o contexto e os praticantes. Com re-lação ao envolvimento dos professores em projetos que contemplem osdois contextos (escolar e universitário), cinco professores de MPEEFdisseram que participam e apenas um disse nunca ter participado.

CONCLUSÕES

Os acadêmicos

Os acadêmicos fazem a leitura do cotidiano pedagógico realizadopelos professores tendo como parâmetro principal sua formação, que épredominantemente técnica. Na graduação há predominância do de-senvolvimento do Esporte, o que reflete posteriormente na realizaçãodas atividades do Estágio Supervisionado nas escolas. No curso deLicenciatura em Educação Física da UEPG, o saber técnico é priorizado,em detrimento do saber pedagógico, sendo estes desenvolvidos de for-ma desarticulada, o que contribui para uma visão fragmentada do aca-dêmico com relação à sua formação. O Esporte continua sendo o con-teúdo predominante no currículo, e o enfoque priorizado pela maioriados docentes tem abordagem técnica. No curso há uma formação maistécnica do que pedagógica, com excelentes condições em relação a espa-ço e material. Os acadêmicos utilizam então esses parâmetros para ava-liar aqueles que são oferecidos pelas escolas, considerando-os como sen-do fundamentais para o professor realizar seu trabalho de forma signi-ficativa. Os conhecimentos relacionados às questões pedagógicas sãotratados de forma superficial até o terceiro ano da graduação. Os aca-dêmicos, apesar das críticas, reproduzem no Estágio o trabalho desen-volvido pela maioria dos professores. Os encaminhamentosmetodológicos priorizados pela maioria dos acadêmicos mostram queas atividades com enfoque lúdico no curso de graduação são secundári-as e pouco vividas por eles; portanto, parecem ter menos valor pedagó-gico que os exercícios técnicos. Uma minoria dos acadêmicos desenvol-veu aulas diferenciadas no Estágio Supervisionado, com relação aosconhecimentos e conteúdos abordados, evidenciando indicadores deum ensino mais aberto, crítico e reflexivo.

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O professor da escola

As concepções do professor em relação à importância de seu pa-pel de educador, bem como de seu comprometimento profissional, pre-valecem em relação a outros aspectos para o desenvolvimento de suaprática pedagógica; muitas vezes o discurso do professor é diferentedaquilo que ele realiza em sua prática pedagógica cotidiana. Os profes-sores têm dificuldades para desenvolver o trabalho pedagógico em gru-po, com seus pares. O ambiente escolar não propicia as condições ne-cessárias para que eles se reúnam, troquem experiências e reflitam so-bre a sua prática, e isso contribui para o isolamento pedagógico dosdocentes. A maioria dos professores tem dificuldades na organizaçãode seu trabalho pedagógico, devidas, principalmente, à falta de conhe-cimentos teórico-científicos. No desenvolvimento do planejamento, osaspectos técnicos são os mais valorizados pela maioria dos professores,seguidos daqueles relacionados à competição, à saúde, à prevenção e àrecreação. O conteúdo mais desenvolvido nas aulas é o Esporte, comabordagem dos seguintes conhecimentos: os fundamentos das modali-dades esportivas, as regras, as técnicas, as táticas e o jogo. Como valo-res, são desenvolvidos principalmente: disciplina, respeito, saber ga-nhar, saber perder, superação dos próprios limites e trabalho em grupo.Os conteúdos considerados por 16 professores como pouco importan-tes são: as ginásticas, as lutas, as atividades rítmicas e expressivas, osconhecimentos sobre o corpo e os temas transversais.

O tratamento pedagógico dos conteúdos é realizado de formalimitada, repetitiva e pouco relacionada com o contexto. Os professoresdirigem totalmente o desenvolvimento das aulas, não permitindo aparticipação dos alunos. Os exercícios físicos e técnicos realizados du-rante as aulas prevaleceram, em detrimento das atividades lúdicas, dojogo e da competição. Os professores poderiam explorar mais os conteú-dos e utilizar outras estratégias, tornando as aulas mais motivadoras esignificativas. Os professores valorizam mais os aspectos técnicos doEsporte no desenvolvimento das aulas, desvalorizando as atividadeslúdicas. As atividades desenvolvidas, em sua maioria, apresentam altograu de ênfase na técnica. Quatro dos professores desenvolvem os con-teúdos de acordo com objetivos mais amplos, demonstram preocupa-ção com uma abordagem mais significativa e procuram relacioná-loscom o contexto e utilizar estratégias diversificadas. Apenas três profes-sores valorizam primeiro os aspectos lúdicos no desenvolvimento doEsporte e, num segundo momento, os aspectos técnicos. As ativida-

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des desenvolvidas apresentam alto grau de ênfase na participação e noprazer dos alunos, propiciam encaminhamentos diferenciados que re-velam indicadores de um ensino mais aberto, crítico e reflexivo.

Faltam aos professores conhecimentos teórico-científicos parasubsidiar o desenvolvimento de um trabalho pedagógico diferenciado eatualizado. Há uma valorização nas aulas, por parte de 15 professores,da participação e disciplina dos alunos. Os professores que apresen-tam objetivos no desenvolvimento das aulas livres possibilitam aosalunos: o poder de decisão e de escolha; realizar o que mais gostam;aprender a organizar-se e ceder em nome do grupo; aprender a se rela-cionar com outros colegas na Escola, aqueles que não fazem parte dogrupo de amigos. Os indicadores de um ensino mais aberto, reflexivo ecrítico, como, por exemplo, formular questionamentos, participar dasatividades junto com os alunos e delegar a liderança a eles tiverambaixa incidência nas aulas. As intervenções da maioria dos professoresforam mais evidenciadas com relação à correção dos movimentos execu-tados pelos alunos e às questões referentes a comportamento e discipli-na. Percebe-se que a atuação do professor é de fundamental importân-cia, tanto para incentivar como para inibir, e influencia na participaçãodos alunos nas aulas. A Secretaria de Educação do Estado de Paranánão oferece condições para os professores desenvolverem um trabalhosistemático com relação aos treinamentos esportivos, visando à partici-pação dos alunos em competições escolares. A remuneração do profes-sor da escola pública da Rede de Ensino do Estado de Paraná é baixa, ea carga do trabalho é grande. Assim, faltam recursos financeiros e tem-po para o professor investir em sua capacitação profissional. A Secreta-ria de Educação do Estado de Paraná investe pouco na capacitação dosprofessores de Educação Física.

Os alunos do terceiro e quarto ciclos

A maioria dos alunos gosta das aulas de Educação Física e asatividades lhes proporcionam prazer. Os alunos gostam de estar comos amigos nas aulas, assim como realizar juntos as atividades físicas eesportivas. O Esporte é o conteúdo preferido dos alunos nas aulas, e eleé o mais vivido em suas horas livres. Os alunos querem aprender maissobre o jogar, pois desejam jogar melhor. Uma parcela significativa dosalunos deseja aprender mais sobre o Esporte, para participar de compe-tições escolares. A falta de diversidade de exercícios e atividades e a

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forma como os conteúdos são desenvolvidos pelo professor diminuem amotivação dos alunos, levando-os a uma menor participação. A faltade orientação pedagógica (não aprender a jogar) e a ausência do profes-sor durante o processo de aprendizagem também é considerado comofator que diminui a motivação dos alunos. Os alunos, principalmentedo terceiro ciclo, gostam muito e participam com entusiasmo das aulascom enfoque nas atividades lúdicas.

Os alunos se referem ao corpo, relacionando-o com o aspecto bio-lógico, mas também à beleza, com o sentir e o perceber. Alguns fatorescontribuem para que o aluno não participe das aulas: a falta de espaço ematerial, a falta de organização nas aulas, a divisão inadequada dosgrupos de alunos em equipes e o número elevado de alunos por turma.Alguns aspectos referentes ao professor influenciam a motivação dos alu-nos em participar das aulas, tais como: o tipo de relação que estabelececom os alunos, sua participação menos ou mais ativa, os castigos queaplica aos alunos e a forma como organiza as aulas e seus conteúdos.

Os professores de MPEEF

A preferência da maioria dos professores pela profissão foi in-fluenciada pela ligação que tiveram com o Esporte como atletas. Osprofessores desenvolvem na disciplina de MPEEF um trabalho articula-do, cooperativo e compromissado com as questões educacionais. Osprofessores fazem uma leitura crítica do trabalho desenvolvido pelosprofessores nas escolas, identificando suas dificuldades e limitações,mas também reconhecem que uma minoria realiza sua prática pedagó-gica de forma diferenciada. Os professores percebem a fragmentação noprocesso de formação dos acadêmicos, através das dificuldades queapresentam no desenvolvimento do Estágio Supervisionado, e tambémreconhecem que são necessárias mudanças no Curso de Licenciaturaem Educação Física da UEPG, a fim de favorecer uma formação maissólida, em que os saberes técnicos e pedagógicos sejam desenvolvidosde forma articulada.

Depois do entendimento das conclusões a que se chegou, sãoapontadas algumas perspectivas que poderão ser utilizadas como no-vas hipóteses para o desenvolvimento de outros estudos, relacionadosàs questões que envolvem a Educação Física e o Esporte, no contextoescolar e de formação de professores.

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Perspectivas do processo de formação

É necessário que os acadêmicos do curso de Licenciatura emEducação Física da UEPG tenham: um contato com o contexto escolardesde o início da graduação, uma maior carga horária para o desen-volvimento de atividades supervisionadas no contexto escolar. É ne-cessário também desenvolver projetos envolvendo a escola e a univer-sidade, visando à formação inicial do acadêmico e a formação conti-nuada do professor que atua na escola.

Perspectivas da abordagem da Educação Física e do Esporte

A escola pública estadual deve oferecer espaço para a aprendi-zagem do Esporte em nível de treinamento esportivo, pois uma parce-la significativa dos alunos deseja aprender sobre o Esporte para parti-cipar de competições escolares. O professor deve propiciar nas aulasde Educação Física oportunidades de vivência de situações de ensino-aprendizagem que levem os alunos ao desenvolvimento da autonomiae a maneiras de conviver socialmente, pois as aulas são vistas pelosalunos como ótimos momentos de consolidação das relações de ami-zade. Nas aulas de Educação Física devem ser permitidas práticasalternativas, opções de movimentos, variabilidade de atividades,oportunidades para os alunos se desenvolverem, se expressarem, par-ticiparem efetivamente, construindo também a prática. Os conteú-dos devem ser tratados, nas aulas, de forma mais ampla, flexível erelacionada com o contexto, pois assim estarão sendo abordados cul-turalmente, tendo um significado para o aluno, ao mesmo tempo emque poderão lhes proporcionar prazer, despertando também seu inte-resse, mantendo-os motivados intrinsecamente para a realização dasatividades propostas. Alguns temas podem ser tratados pedagogica-mente, devendo ser incluídos, entre outros, conhecimentos tais como:a complexidade do funcionamento do corpo, as inúmeras possibilida-des de realização de atividades físicas e esportivas, as drogas e a ali-mentação.

Numa perspectiva mais ampla em relação aos objetivos da Edu-cação Física e o papel da escola, acredita-se que ela deva ser um espa-ço onde os alunos possam se desenvolver e realizar o que gostam epreferem. Seu principal objetivo seria propiciar o descobrimento daidentidade de cada um, e com ela, o descobrimento da vocação, reali-

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zando aprendizagens do tipo intrínseco, capazes de gerar o crescimen-to dos alunos como pessoas, através, também, do desenvolvimento deum conjunto de valores. Nas aulas de Educação Física devem ser pro-piciadas situações em que os alunos se sintam competentes, impor-tantes, capazes de auxiliar outros, sendo de fundamental importân-cia também o estímulo da criatividade. A escola deve auxiliar os alu-nos a se observarem e se conhecerem. Acredita-se que a EducaçãoFísica na escola não pode limitar-se apenas ao ensino de movimentose gestos técnicos; a abordagem do conhecimento deve se dar de formaampla e significativa.

Acredita-se que este estudo, através das conclusões e perspecti-vas apontadas, seja uma contribuição inicial para que se busquemnovos caminhos, podendo de alguma forma despertar a preocupaçãocom os referidos contextos, visando a uma educação por meio dasatividades físicas esportivas que são parte de uma cultura corporal demovimento.

REFERÊNCIAS

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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...

SOARES, C. L. et al. Metodologia do ensino de educação física: coletivo deautores. São Paulo: Cortez, 1992.

Encaminhado em: 11/07/06

Aceito em: 05/03/07

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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas

INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: VANTAGENSE EMPECILHOS

COMPUTER SCIENCE IN EDUCATION:ADVANTAGES AND DIFFICULTIES

Cristine Isabel SIMÃO*

Mariná Holzmann RIBAS**

Resumo: Adentramos o século XXI com a certeza de que oconhecimento será a principal fonte de riqueza do homem,cercada pelas altas tecnologias de informação e comunica-ção. Não poderíamos deixar de dizer que as tecnologias,dentre elas o computador, chegaram à educação, mesmoque ainda de forma suave. O presente trabalho relata umainvestigação sobre as vantagens e os empecilhos do usodo computador na educação, verificando que, apesar de ajornada da informática na educação não ser insipiente,há muito que fazer. O trabalho nos aponta outro viés peloqual a informática na educação deverá ter suas atençõesredobradas, que é a formação do professor, uma formaçãoque precisa despontar para novos caminhos de uso peda-gógico do computador, num processo de mudanças deparadigmas, rompendo barreiras. As experiências realiza-das e relatadas pelos professores neste trabalho nos dão aesperança de que os diferentes usos do computador naeducação possam vir a ser uma ferramenta poderosa à dis-posição dos professores, porque as vantagens do seu usosão imensas. As experiências se mostram favoráveis, mes-mo diante de inúmeras dificuldades, e o desejo de mudarestá dentro de cada um desses profissionais, que buscamincansavelmente novas formas de ensinar e também deaprender, dando vida à educação. Diante da realidade

* Pedagoga. Mestre em Educação pela UEPG. Professora da Faculdade de Telêmaco Borba. E-mail:[email protected]**Pedagoga. Mestre e Doutora em Educação (Supervisão; Currículo) pela PUC-SP. E-mail:[email protected]

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

relatada, alguns caminhos podem ser apontados como pos-síveis mudanças, com a finalidade de contribuir para quea informática na educação tenha um lugar de destaquedentro das nossas escolas públicas.

Palavras-chave: Formação de professores. Tecnologia.Informática na educação.

Abstract: We start the 21st century aware that knowledgewill be the main source of wealth for men surrounded byhigh technologies of information and communication. Itis necessary to mention that technology, includingcomputers, is part of education nowadays even thoughstill in a superficial form. The present paper reports aninvestigation about the advantages and difficulties of usingcomputers in education; the paper also points out thatthere is still a lot to do concerning the use of computers ineducation. The investigation demonstrates that in orderto use information technology in a useful way in educationteacher education needs to change paradigms and breakbarriers and prepare teachers for the use of computers intheir teaching practice. The experiences developed as wellas teachers´ reports demonstrate that the different uses ofcomputers in education can become a powerful tool forteachers as there are numerous advantages. Despite thevarious difficulties the experiences show that teachers arewilling to incorporate the new technologies in their teachingas they look for news forms of teaching and learning inorder to give education a new impetus. The reality reportedpoints out paths that can lead to change that can contributeso that information technology in education has a centralrole in public schools.

Keywords: Teacher education. Technology. Computerscience in education.

A tecnologia vem provocando diversas mudanças no mundo,influenciando cada vez mais nossa vida e nossa maneira de pensar e deagir. Vivemos hoje em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento

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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas

da informação e da comunicação, viabilizada por altas tecnologias. Nocentro dessa revolução, encontramos o computador, utilizado nas maisdiversas áreas, inclusive na educação, não apenas para processar infor-mações, mas, sobretudo como meio de comunicação.

O computador chega à educação lançando novos desafios, exi-gindo novas funções. Ele representa uma transformação ampla, que vaialém do processo de ensino e aprendizagem, preparando os cidadãosde forma plena para viver no novo milênio, comunicando-se com o mundoe assumindo o comando de suas vidas. Enfim, participando de formaativa e efetiva na sociedade.

Desde a chegada da informática na educação brasileira, muitasbarreiras foram vencidas, alguns anos de experiências, pesquisas e pro-jetos reuniram boa bagagem, permitindo o suporte necessário para queos computadores se integrassem ao cotidiano das escolas do sistemapúblico de ensino.

Cremos, porém, que outras batalhas precisam ser vencidas. Al-guns mitos precisam ser desfeitos, principalmente aquele que insisteem anunciar a substituição do professor pela máquina, e algumas mei-as verdades acerca do uso do computador precisam ser esclarecidas.Isso porque elas podem servir de instrumento de dominação. É neces-sária uma atualização constante das formas de utilização do computa-dor como ferramenta pedagógica, explorando sua real contribuição paraa construção do conhecimento.

Essa atualização só ocorrerá quando houver práticas suficientes,isto é, quando os professores se aliarem ao computador (perderem seusmedos) e acreditarem nas possibilidades e contribuições que essa ferra-menta pode fornecer para a educação. As tecnologias disponibilizadaspelo computador já estão presentes no cotidiano de nossas escolas,através de nossos alunos. Fazem parte do seu conjunto de atividades.Nossos alunos já nasceram acostumados com essa cultura tecnológica,cercada pelos vídeos, pela televisão, computadores e outros equipa-mentos eletrônicos. Não sentem qualquer dificuldade com os inúmerostermos técnicos e botões. Muito menos nesse contexto de rapidez dainformação e de mudanças. Eles não têm medo de arriscar.

É preciso, portanto, estimular os professores a repensarem suaspráticas. Sabemos que toda mudança é caracterizada por duas atitu-des: de um lado, os que são favoráveis, e de outro, aqueles que resis-tem. Estes têm total aversão ao desconhecido. Não gostam nem de falarem alterações curriculares. Render-se à multimídia e a telemática, nempensar.

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O contexto histórico atual exige que o professor esteja aberto amudanças, dispondo-se a modificar sua prática. Ele precisa acompa-nhar atentamente o surgimento de recursos inovadores. No entanto, édifícil convencê-lo sobre a necessidade da utilização desses recursosquando não há capacitação adequada. Não dá simplesmente para exi-gir que os professores utilizem esses recursos apenas para justificar suaprática em sintonia com a modernidade, sem a adequação a necessida-des reais.

Essa tarefa não é fácil. A formação dos professores é ainda forte-mente alicerçada no paradigma positivista, em que há a fragmentaçãodo conhecimento e a dicotomia entre teoria e prática. Muitas mudan-ças precisam ocorrer nos cursos de formação.

Enquanto as instituições formadoras insistirem neste paradigma,a atuação do professor continuará prejudicada, pois ele enfrenta situa-ções problemáticas e complexas em seu campo de trabalho. A formaçãoprofissional persistirá sustentada por um modelo inadequado, que nãoconsidera as competências práticas e dificulta o desenvolvimento decapacidades dirigidas para aspectos mais humanizantes e criativos daspessoas.

Para consolidar a educação nos dias atuais, se realmente quere-mos uma escola competente para um ensino crítico, criativo, de quali-dade, que desenvolva o cidadão, precisamos adotar outros parâmetrospara permitir que o professor desenvolva habilidades de formador eestimulador do pensamento e da inteligência do aluno. Segundo Demo(1992, p. 36), é urgente desenvolver habilidades como:

[...] a capacidade propedêutica, definida como competência emconstruir condições adequadas do aprender a aprender, do saberpensar, de pesquisar, de teorizar a prática, de atualizar-se cons-tantemente. Trata-se de habilidade tipicamente metodológico-instrumental, de domínio de meios e métodos, para ele poderproduzir conhecimento com a devida destreza, capacitando-se,assim a construir com a criança o mesmo ambiente produtivo,construtivo, participativo.

Apesar de exigir muito, apenas a capacidade propedêutica não ésuficiente. Segundo o mesmo autor, urge “dominar conteúdos”. É preci-so saber “filosofia, matemática e conhecer muito a própria língua”. É

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necessária também a “instrumentalização eletrônica”, cada vez maisimportante na construção e socialização do conhecimento. A informáticaé relevante porque propicia condições para melhor produzir e manejaro conhecimento. Por fim, tendo em vista um princípio científico eeducativo, o professor deve dedicar-se à pesquisa, para conseguir umaatitude crítica e criativa no trabalho, capaz de fazer convergir os verbos“saber” e mudar”.

O ideal seria que o educador aprendesse a lidar com as tecnologiasdurante sua formação inicial, nos cursos de Licenciatura e de Pedago-gia, porque isso facilitaria a sua ação na prática, no uso desse novoreferencial pedagógico, nas atividades práticas. Atitude importante parao educador é “saber integrar conscientemente o uso do computador naprática pedagógica, transformá-la e torná-la transformadora do proces-so de ensino e aprendizagem”. (MEC, 1998, p. 10).

Todavia, é importante que o professor se conscientize de que nãose muda de

paradigma educacional apenas colocando uma nova roupagem,camuflando velhas teorias, pintando fachada da escola, colo-cando telas e telões na sala de aula, se o aluno continua naposição de mero expectador, de simples receptor, presenciador ecopiador, e se os recursos tecnológicos pouco fazem para ampliara cognição humana. (MORAES, 1997, p. 17).

A palavra de ordem é mudar. Mas mudar o quê? A educaçãoencontra-se num período de transição, vivenciando crises e buscandopossíveis soluções, para transpor obstáculos e alcançar o mínimo exigi-do por uma sociedade em constante mudança.

Sendo assim, cabem alguns questionamentos: Como ensinar naera da informação? Quais as vantagens que as tecnologias, principal-mente o computador, têm a oferecer à educação? Como fica o papel daescola, do professor, do aluno nessa sociedade caracterizada pela infor-mação e pelo conhecimento extramuros da escola?

Ao analisar historicamente os caminhos da educação, percebe-mos que as mudanças na área sempre foram morosas. A tecnologia estánesse ambiente apesar de não ter sido produzida exclusivamente para oeducacional. Esse fato contribuiu para ela fosse desacreditada em suareal contribuição para a educação. Torna-se necessário salientar taistrajetórias morosas deixaram algumas marcas, o que

resultou na existência, entre muitos educadores, de um senti-

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

mento de descrédito em relação ao uso de artefatos tecnológicosno processo de ensino. Esta “repulsa” só pode ser compreendidae superada à medida que, além de conhecermos sua origem, apon-temos para uma nova compreensão da importância do uso datecnologia educacional no processo ensino-aprendizagem. (OLI-VEIRA, 1997, p. 9).

O assunto tecnologia não se esgota quando se trata de suaaplicabilidade na educação. É algo que vem sendo discutido há muitotempo, gerando posicionamentos a favor e contra a sua utilização, masBelloni (1999, p. 53) lembra que toda tecnologia, em qualquer situaçãodo processo ensino-aprendizagem, deve vir acompanhada da reflexão sobreo que realmente existe por trás dela; não devemos esquecer que ela é omeio e não um fim em si mesma, nosso fim é a educação, o desenvolvi-mento de nossos alunos, e é isso que não podemos perder de vista.

DIFERENTES USOS DO COMPUTADOR NO ENSINO

A chegada do computador na sala de aula gerou e ainda gera nosprofessores muitas inquietações, dúvidas e ansiedades. Cremos que,antes do uso dessa tecnologia, é necessário quebrar barreiras, destruiras muralhas da resistência às mudanças exigidas, principalmente ven-cer a mitificação em relação ao computador, tido como algo mágico,capaz de trazer soluções milagrosas para a educação, uma supermáquina,diabólica, que faz tudo, uma presença de destaque no ensino, podendoaté substituir o professor.

É importante ressaltar que as tecnologias da informação e comu-nicação permitem um reencantamento na escola. Portanto, não há maiscomo negar a importância desses recursos na educação, vislumbrandoum futuro na sociedade do conhecimento. A presença plena dainformática na educação é inevitável.

As tecnologias na educação não trazem soluções imediatas, masviabilizam novas formas de apreensão do conhecimento, e elas “permi-tem ampliar o conceito de aula, de espaço e tempo, de comunicaçãoaudiovisual, e estabelecer pontes novas entre o presencial e o virtual,entre o estar juntos e o estarmos conectados a distância”. (MORAN,2000, p. 12). Promovem mudanças significativas na maneira comoenxergamos o mundo, de como agimos sobre ele.

As tecnologias precisam ser vistas como mais do que circulações

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de informações. Precisam ser consideradas como ferramentas pedagógi-cas, entendidas como algo a mais a serviço dos objetivos educacionais,contribuindo para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.

Por outro lado, de nada adiantarão recursos dos mais modernose sofisticados se eles não passarem de meros entulhos em algum cantoda escola, ou até mesmo se eles permanecerem fechados em suas emba-lagens, à espera de instalações que nunca são realizadas.

As tecnologias trazem desafios e promovem novas interações,sejam elas aluno-professor, aluno-aluno, aluno-máquina, professor-máquina ou professor-professor. Essas relações criam situações jamaisvividas, modificando, portanto, todos os papéis na escola. Novos co-nhecimentos e novas linguagens vão surgindo no cotidiano dos nossosalunos. São novidades atrás de novidades. O contato com o mundo,com a atualidade praticamente imediata é sem dúvida o grande fascí-nio dessas tecnologias, que já fazem parte de todas as áreas, do cotidi-ano de muitas pessoas, e agora, mais conscientemente, da educação.

Por isso, é preciso que nos cursos de formação não seja ensinadoapenas o domínio do computador, mas sim, que ocorra uma integraçãoentre as teorias educacionais que darão suporte às suas aplicações pe-dagógicas, às habilidades e à tecnologia, dando condições para o pro-fessor desenvolver atitudes críticas e reflexivas acerca dos aplicativosdos programas, dos softwares a serem usados. Os professores precisamconhecê-los a fundo, analisá-los, dimensionando a sua real importân-cia e verificando se eles propiciam uma mudança efetiva, contribuindopara a construção do conhecimento do aluno.

Que os professores se apropriem do computador de uma formaque permita que eles possam incorporá-lo na sua prática, com seusalunos, sempre levando a refletir sobre o seu papel.

INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS

Foi partindo dessas questões que nos propusemos a realizar estetrabalho. O primeiro interesse na pesquisa era analisar como os softwareseducacionais poderiam ajudar as crianças com dificuldades de apren-dizagem. A idéia inicial foi abandonada quando percebemos que outrasquestões estavam implícitas nessa primeira proposta.

Propusemo-nos então a investigar quais as vantagens, os empe-cilhos e as dificuldades enfrentadas no uso do computador, para quepudéssemos colaborar com dados reais para reorientação do próprio

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

núcleo de tecnologia, colaborando também para a desmistificação douso da informática, principalmente quanto aos empecilhos.

Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de questionáriose entrevistas com professores da rede pública estadual de Ponta Gros-sa com o seguinte perfil:

a) professores que participaram de cursos realizados pelo Nú-cleo de Tecnologia Educacional em 2001 e 2002;

b) professores que realizaram ou que estivessem realizando umprojeto na sua escola envolvendo os recursos da informática.

Os questionários trouxeram informações importantes a respei-to de como os sujeitos da pesquisa vêm utilizando a informática. Asperguntas foram quase todas abertas, para que os professores pudes-sem relatar as experiências ocorridas nas suas escolas.

Os questionários foram entregues em mãos a cada professor. Foimarcada uma data para a devolução, mas nem todos os professoresfizeram a devolução. Desta forma, foram distribuídos 28 questionários,em 10 escolas, 18 dos quais foram respondidos. Ressaltamos que seisdas dez escolas têm laboratório de informática com dez computado-res, em média, e quatro delas não contam com nenhum computador àdisposição dos professores e alunos.

As entrevistas foram realizadas com seis professores, em quatroescolas públicas estaduais. Três professores tinham respondido o ques-tionário e três não. O objetivo da entrevista foi de complementar osdados obtidos com o questionário, visto que os professores entrevista-dos realizaram ou estão realizando algum projeto nas suas respecti-vas escolas. Eles têm grandes contribuições no sentido de mostrar oque é possível fazer, mesmo com um número pequeno de computado-res. Todas as entrevistas foram realizadas em datas e locais marcadospelos próprios professores. Elas se desenvolveram naturalmente e fo-ram todas gravadas e transcritas fielmente.

Os questionários e as entrevistas se complementam entre si.Ambos tiveram suas respectivas relevâncias. Baseando-nos no depoi-mento dos professores, pudemos ressaltar os seguintes pontos: a acei-tação do computador em geral é boa por parte dos professores e existeuma expectativa muito grande, gerando um verdadeiro caso de amor eódio ao mesmo tempo, pois ao mesmo tempo em que gostam, sentem-se receosos. Eis alguns depoimentos:

A aceitação é boa por parte dos professores, que pensam em utili-

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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas

zar o computador como uma ferramenta de apoio em suas aulas.

Foi com satisfação a chegada dos computadores na escola. No iní-cio, os professores ficavam se perguntando como que deveria sertrabalhado com os alunos. Alguns professores logo foram manipu-lando o microcomputador, mas a maioria sentiu dificuldade. Logonão dominavam este equipamento. Eu, particularmente, gosteimuito. Minha disciplina tinha a ver com o microcomputador, hajavista que na grade curricular da escola consta a disciplina deinformática (optativa) no ensino médio e no ensino fundamental.

A rejeição: a própria palavra já diz do receio do novo, do medode estragar, com muitas cobranças, e o mito em relação à máquina:

Ficam contentes por saber que haverá mais esta ferramenta didá-tica. Mas logo ficam receosos se haverá cobrança ou obrigatoriedadede utilizá-lo, pois a maior parte dos professores não tem conheci-mento ou então, sentem-se inseguros para levar seus alunos até olaboratório de informática. Isto também se deve ao fato de que osprofessores não teriam o que rodar nos micros.

A utilização: muito poucos professores utilizam o computador,ainda que de forma rara, em alguns projetos.

Utilizo os computadores esporadicamente porque o número demicros é muito reduzido, as turmas são aproximadamente de 40alunos por turma e há outros professores que também os usam, onosso colégio tem um número muito grande de professores e alu-nos.

Apenas em um projeto interdisciplinar, por algumas vezes. Nãoteria também o que passar dentro de minha matéria. Eu poderiapassar alguns assuntos, mas precisaria de uma pessoa para au-xiliar no funcionamento das máquinas e da rede, para que daícomo professor da disciplina, pudesse acompanhá-los no aprendi-zado.

Quanto às dificuldades apresentadas por eles, a principal estáem não saber o que fazer com o computador, além da falta de umlaboratorista, do número insuficiente de máquinas em relação ao nú-mero de alunos, mas a maior de todas é a falta de laboratórios emmuitas escolas:

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

A maior dificuldade é sem dúvida a falta de equilíbrio entre onúmero de alunos e o número de computadores. As turmas têmem média 40 alunos, e os laboratórios dez máquinas. Fica prati-camente impossível desenvolver um trabalho com boa qualidade esem desperdício de tempo. Além de ser muito desgastante para oprofessor, que precisa dividir a turma, deixando uma atividadepara os que ficam em sala de aula, e trabalhando com os que vãoao laboratório, sendo ainda necessário que dê conta de atender detodos, os que ficam e os que vão.

Já quanto às vantagens, eles percebem que o uso do computa-dor provoca nos alunos maior motivação, os alunos gostam, muda arotina de sala de aula, tanto de alunos quanto dos próprios professo-res:

A informática está presente em nosso cotidiano. É impossível nãoinserir na educação, sob o risco de a escola ficar cada vez maisdistante dos avanços tecnológicos. As vantagens são tornar asaulas mais interessantes, atrativas aos alunos, que, ao mesmotempo em que aprendem o conteúdo, também se familiarizam coma máquina. O computador funciona como um apoio no desenvol-vimento das aulas.

São muitas as vantagens, como posso citar a seguir: Alunos moti-vados, professor motivado. O campo da interatividade se expandee não fica só em sala de aula. Vontade de aprender, vontade deensinar. Aluno procura pelo conteúdo, aluno questiona o profes-sor. Existe sempre um desafio, conversa entre aluno com aluno,conversa professor com professor e, principalmente, aluno comprofessor. A captação de informação conectado na internet é fabu-losa você sabe, o aluno quer ver, quer conhecer, quer ir até aondeseu clic possa chegar, ele não quer parar, é um desafio a todaprova.

Os empecilhos por eles levantados: não ter os computadores naescola, a disciplina de informática, já existente, o apoio do GovernoEstadual e Federal para dar maiores condições às escolas, e uma que-bra de paradigmas de cada professor:

A capacitação dos professores é algo de relevada importância nomomento. Os professores precisam se atualizar, fazer cursos. O

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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas

professor, neste caso, eu acredito não ser falta de vontade, massim de tempo, pois os professores têm a grande maioria uma cargahorária de 40 horas em sala de aula e ainda toda atividade depreparo e correção de atividades em casa. Seria necessária umadispensa, pelo menos em um turno para fazer os cursos. Masacho sinceramente muito difícil acontecer isso na atualidade, pe-las dificuldades encontradas nas escolas.

Por não possuir laboratório de informática na minha escola e peladificuldade de locomoção de alunos para outro laboratório em perí-odo normal de aula, que dirá em período contrário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cremos que mais difícil do que equipar a escola com computa-dores é a tarefa de mudar concepções do ensinar e do aprender, daorganização escolar com horários e currículos mais flexíveis, para queas tecnologias como os computadores se tornem mais eficazes na esco-la.

Formar profissionais aptos e dispostos a estar em constanteaprendizagem é algo realmente importante em nossas instituições deensino. Muito mais, ainda, quando falamos em formação de professo-res, visto que estes são formadores de novos cidadãos. Quando osalunos são motivados, desafiados, constantemente na busca de novasaprendizagens, as práticas dos professores também são diferenciadas,com isso, os profissionais terão uma probabilidade muito grande de setornar profissionais reflexivos. Eles estarão sempre na busca de me-lhorar cada vez mais a sua prática.

As considerações aqui apresentadas dizem respeito aos cursosde capacitação, que servem para incentivar os professores adesmistificar o uso do computador na escola; também ressaltamos aimportância de o Estado mudar a sua forma de ver os cursos decapacitação, dando apoio maior para que estes não se reduzam a trei-namentos; enfatizamos que a formação para o uso das tecnologiasseja algo presente na formação inicial e continuada de cada professor,mas sabemos que os cursos não são garantia de mudança, isso depen-derá de todo um contexto maior em que a escola está inserida.

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Informática na educação: vantagens e empecilhos

REFERÊNCIAS

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MORAN, J.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e medi-ação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.

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VALENTE, J. A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Cam-pinas: Papirus, 1997.

Encaminhado em: 07/06

Aceito em: 11/06

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Wanderson Ferreira Alves

QUANDO ENSINAR NÃO É O MAIS IMPOR-TANTE: REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DO-CENTE E O OFÍCIO DO ALUNO NO CONTEX-TO ATUAL

WHEN TEACHING IS NOT THE MOSTIMPORTANT: REFLECTIONS ABOUTTEACHERS’ WORK AND STUDENTS’ ROLE INTHE CURRENT CONTEXT

Wanderson Ferreira ALVES*

Resumo: O objetivo do presente texto é analisar algunsaspectos do trabalho do professor e do ofício do aluno nocontexto das profundas transformações contemporâneas.O trabalho foi constituído a partir do apoio teórico emautores que discutem o tema e em estudos recentes queabordam as questões aqui levantadas. Sempre que possí-vel ilustro com alguns aspectos da política educacionaladotada em dois estados brasileiros, nomeadamente o es-tado de Goiás e o estado de São Paulo. A análise enfocatrês dimensões. A primeira delas se refere às mudanças nopapel do Estado e suas repercussões sobre o campoeducativo, enfocando o movimento de ‘responsabilização’e ‘desresponsabilização’ e a gestão. A segunda diz respeitoao trabalho do professor, destacando a formação, as con-dições de trabalho e o sentido de ensinar na atualidade. Aterceira trata especificamente do aluno e das novas situa-ções com que este vem se defrontando, particularmentena sua conversão em cliente ou consumidor, bem como aouniverso de exigências do mercado de trabalho e sua re-percussão na escola. Finalizando, levanto a hipótese deque o conjunto dos processos a que a educação escolarvem sendo submetida em uma sociedade crescentemente

* Mestre em Educação. Doutorando pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE-USP). E-mail:[email protected]

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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...

regida pelo lucro pode levar a mudanças significativas nossentidos da docência e na ética que orienta o trabalho doprofessor.

Palavras-chave: Trabalho docente. Políticas Educacionais.Neoliberalismo.

Abstract: The purpose of the present article is to analyzesome of the aspects of teachers´ work and students’ rolein the context of deep contemporary changes. The workwas developed through theoretical support in authors whodiscuss in recent studies the issue raised in this article.Whenever possible examples are given about some aspectsof the educational policy employed in two Brazilian states,the state of Goiás and the state of São Paulo. The analysisfocuses three dimensions. The first dimension is related tothe changes in the state’s role and their impact on theeducational field, focusing the movement of‘responsibilization’ and ‘deresponsabilization’ andmanagement. The second dimension refers to teachers’work, pointing out the education, working conditions andthe meaning teaching nowadays have. The third and lastone refers specifically to students and the new situationsthat students have been facing, especially the change frombeing a client or a consumer, as well as the great array ofwork market demands and its impact on school. At theend of the article, I raise the hypothesis that the process,in which education has gone through in a society movedby profit, can lead to meaningful changes in the teachingprocess and in the ethics that guide teachers´ work.

Keywords: Teachers´ work. Educational politics. Neo-liberalism.

INTRODUÇÃO

Na realidade brasileira, em especial desde os anos 90, a educa-ção tem passado por diversas mudanças que parecem afetar tanto aorganização interna da escola como todo o sistema. Isto pode ser per-

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cebido na implementação de medidas relativas à gestão, avaliação,diretrizes curriculares, formação de professores, financiamento e, atémesmo, em relação ao sentido do oferecimento da Educação Básica.Alguns dos fenômenos apontados como de maior importância para acompreensão desse quadro são a globalização e as mutações no mun-do do trabalho. O primeiro por apresentar um mundo crescentementeinterligado. O segundo pelas novas estratégias de produção e gestão,bem como também em relação à própria configuração da disposiçãodas oportunidades de trabalho nos setores primário, secundário eterciário. É desnecessário dizer que existe muito de retórica nisso tudo.Todavia, se não nos comprazermos com essa simples constatação, épreciso compreender melhor o que ocorre. Este é o objetiovo das refle-xões e análises aqui apresentadas.

O presente texto busca refletir sobre três dimensões das váriaspossíveis nesse contexto. A primeira delas se refere às mudanças nopapel do Estado e suas repercussões sobre o campo educativo,enfocando o movimento de responsabilização e desresponsabilizaçãoe a gestão. A segunda diz respeito ao trabalho do professor, destacan-do a formação, as condições de trabalho e o sentido de ensinar naatualidade. E a terceira trata especificamente do aluno e das novassituações com que este vem se defrontando, particularmente na suaconversão em cliente ou consumidor, bem como ao universo de exigên-cias do mercado de trabalho e sua repercussão na escola. Estas trêsdimensões formam, então, os eixos articuladores do trabalho.

O texto foi elaborado a partir do apoio na literatura e em estudosrecentes que abordam as questões aqui levantadas. Para possibilitaruma maior substância à argumentação, sempre que possível ilustrareicom aspectos da política educacional adotada em dois estados brasilei-ros, nomeadamente o Estado de Goiás e o Estado de São Paulo. Finali-zando, levanto a hipótese de que o conjunto dos processos a que aeducação escolar vem sendo submetida em uma sociedade crescentementeregida pelo lucro pode levar a mudanças significativas nos sentidos dadocência e na ética que orienta o trabalho do professor.

AS MUDANÇAS NA FIGURA DO ESTADO

Embora o Brasil não tenha, como no caso da Europa, gozado daprosperidade do Estado de Bem-Estar, curiosamente não ficou livreda lógica político-econômica que sobre ele se abateu. A questão é que

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o Brasil não está desligado do que ocorre em outros países, e dessemodo determinadas tendências mundiais, em maior ou menor medida,também repercutem por aqui. Assim, um arremedo de socialdemocraciasurgido no Brasil, “ainda que de cabeça para baixo” (OLIVEIRA, 1998,p.25), trouxe frustração à população majoritária e acabou por reforçara negatividade da figura do Estado, que já vinha sendo dilapidadodesde os Governos Militares. Mas, e hoje, tendo ultrapassado as déca-das finais do último século, como está a relação entre Estado e socieda-de? Qual tem sido a orientação do Estado frente às demandas sociais?É importante compreender a lógica que rege o Estado nacontemporaneidade e suas implicações sociais. As reflexões desenvolvi-das por Ball (2004) podem ajudar a compreender essas questões.

O autor chama a atenção para quatro aspectos que consideraimportantes no atual contexto. O primeiro, central, diz respeito a umamudança no setor público, que se verifica na passagem do Estado comoprovedor para o Estado como regulador. O Estado passa a operar comoum auditor, dirigindo o setor público ‘de fora’ e governando a distân-cia. O segundo se refere à própria lógica da acumulação capitalista,que, na busca da expansão e do incessante lucro, agora considera osserviços sociais uma área de oportunidades de investimentos, ocorren-do, assim, uma mercantilização de diversas áreas e ações, como gestão,financiamento e avaliação no setor público. O terceiro trata de umanova ética instalada pela cultura da performatividade no setor público,em que a combinação de descentralização, alvos e incentivos forja no-vos perfis profissionais e constrói relações de competição por meio derecompensas e sanções baseadas em seus desempenhos. O quarto eúltimo aspecto diz respeito a uma mudança na relação do cidadão como Estado, a partir do fato de que o cidadão deixa de ser consideradocomo dependente do Estado e passa a ser visto como consumidor ativo.Na Inglaterra, diz o autor, está em curso uma política de livre-escolhados serviços de ensino, num contexto em que as escolas são incentiva-das à performatividade, de modo que o sistema educacional é transfor-mado em empresa.

Segundo Ball (2004), dois mecanismos ou tecnologias são funda-mentais para os processos descritos acima: a performatividade e aprivatização. A performatividade é o elemento que permite a instaura-ção de uma nova subjetividade, promovendo, com isso, as mudançasindicadas e expressas em “níveis desempenho”, “formas de qualidade”e “resultados”, tudo isso circundado pelo discurso da responsabilida-de (accountability). A privatização é a face da desobrigação da prestação

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de serviços públicos pelo Estado e sua delegação à iniciativa privada,sendo esta compreendida, necessariamente, como mais eficiente. Essasquestões não têm somente implicações de ordem estrutural ou física noâmbito das instituições. São mesmo mudanças mais profundas, queatingem os ‘antigos’ modos de fazer e de pensar e que repercutem nadimensão ética. É isso que apontam Cribbs & Ball (2005) em um estudorecente.

Para Cribbs & Ball, as políticas de privatização colocam em cur-so uma “re-moralização” das normas que orientam as instituições e ossujeitos. Novas virtudes, propósitos e motivações chegam, deslocandooutras, em um cenário em que o mundo dos negócios é visto como ofuturo e as burocracias e as formas tradicionais de profissionalismorepresentam o passado. Tudo isso traz repercussões na ética que orien-ta os sujeitos e instituições: aí se forjam novas sensibilidades e modosde apreciação em que não se vê como problemática a aproximação entrea escola e o mercado. Os referidos autores entendem que três elementosou mecanismos são fundamentais para isso: (1) adoção de objetivos decompetitividade, com a conseqüente ênfase na busca de resultados ex-pressos em rendimentos, ganhos e indicadores de qualidade, comoconstitutivo das instituições; (2) novo direcionamento das obrigaçõesinstitucionais, o que se apresenta como novos compromissos/obriga-ções com patrocinadores e parceiros e, até mesmo, por novos vínculosentre estudantes, pais e comunidade local – o que gera contradiçãoentre a retórica da colaboração/participação e a realidade orientadapara o mercado; (3) cultivo e valorização de novas disposições, como acompetição, os valores empresariais e os saberes a eles relacionados,freqüentemente resultando em orientações para a conduta pessoal ouinstitucional de sucesso, bem como de sobrevivência institucional. En-fim, estes três aspectos constituem uma forma de ‘re-engenharia’ naeducação, que age de diversos modos, em particular pela enfática buscade resultados e um estreito discurso instrumental.

O conjunto de aspectos aqui apontados revela um pouco do quemvem ocorrendo nos países de capitalismo avançado e, ao mesmo tempo,permite uma aproximação inicial à compreensão da lógica e do sentidode algumas iniciativas dos governos brasileiros, seja em âmbito federalou estadual. A lógica mercantilizadora da esfera pública pode ser vistana Inglaterra e, com suas especificidades, também no Brasil. Não éoutro o significado do conceito de “instituições públicas de direito pri-vado”, proposto pelo ex-ministro Bresser Pereira, e tampouco o do pro-jeto aprovado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que

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cria a Parceria Público- Privada”, o conhecido P.P.P. Este último já foiinstituído na Inglaterra, e seu nome não deixa dúvidas da naturezasimilar da proposta: do outro lado do Oceano Atlântico o nome é PublicPrivate Partnerships. Vejamos a seguir como ficam os professores e seutrabalho nesse contexto aqui esboçado.

O TRABALHO DOCENTE: DA RETÓRICA ÀS CONTRADI-ÇÕES DA PRÁTICA

No contexto das reformas dos anos 90 os professores foram alça-dos a figuras centrais, seja na retórica oficial ou nos escritos dos espe-cialistas da área. Essa preocupação com os professores diante de umasituação em que se desejam mudanças não é nova; ela já estava presen-te no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, e também,em certo sentido, no campo educativo brasileiro da década de 70. Naatualidade, no entanto, diferentemente da pedagogia tecnicista dos anos70, os professores são chamados a serem sujeitos ativos no processo deimplantação das mudanças. Clama-se por um “professor-reflexivo”, porum “professor-pesquisador” ou um professor “agente social”, emcontraposição ao professor “tecnólogo do ensino”. (VEIGA, 2002). Con-tudo, em que pese o esforço e a seriedade de inúmeros pesquisadores eentidades ligadas à educação no Brasil, a luta pelo ensino público dequalidade em nosso país tem sido uma empreitada difícil.

Tivemos avanços, é claro. Como aponta Veiga (2002), o contin-gente de crianças na escola aumentou nos anos 90 e hoje quase a tota-lidade delas pode se matricular nas escolas; foram realizadas experiên-cias inovadoras importantes em Brasília (Escola Candanga), em PortoAlegre (Escola Cidadã), em Belém (Escola Cabana), e em Belo Horizonte(Escola Plural); os educadores se organizaram em sindicatos e em insti-tuições representativas; e além disso, a produção teórica e editorialavançou. No entanto, a situação da educação no quadro geral é aindamuito precária.

No campo da política educacional, os vetos a diversos pontosdo Plano Nacional de Educação (PNE) na gestão Fernando HenriqueCardoso, particularmente no que se refere ao financiamento, trouxeramgrandes prejuízos para a educação brasileira. No curso da atual gestãofederal, é preciso ser realista: as mudanças foram tímidas e o que seteve foi uma reforma sem projeto, e até o Plano Plurianual de 2004-2007 foi profundamente modificado, com a alteração de 347 dos seus

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382 programas. (LEHER, 2005). Embora sejam iniciativas muito recen-tes e, por isso, de conseqüências ainda pouco nítidas, algumas políti-cas em curso, como a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educa-ção Básica (FUNDEB) e a indicação da criação de um piso salarial parao magistério, parecem promissoras. Contudo, será necessário ver seusdesdobramentos para uma análise mais abrangente e ponderada desua efetividade.

Quando, em retrospectiva, se observa o quadro histórico da edu-cação brasileira, chega a ser curioso o discurso da valorização da edu-cação. Em termos percentuais, o que se destina a ela é o equivalente acerca de 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB)1 do país, enquanto noPNE da Sociedade Brasileira (PL; 4.155/98)2 já se apontava que seriamnecessários pelo menos 7%. Outros países em muito melhor situaçãoque a nossa em relação ao sistema educacional investem proporcional-mente mais na educação, como é o caso da maioria dos países da OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). En-quanto o Brasil investe cerca de 225 dólares americanos ao ano poraluno matriculado, a média dos países da OCDE é de US$ 3.320,00para os alunos do primário e US$ 4.730,00 para os alunos do secundá-rio3. A situação não é apenas contrastante, mas evidencia o lugar daeducação pública nas prioridades dos países.

No que tange à formação dos professores, particularmente a for-mação contínua e em exercício, algumas iniciativas vêm sendoimplementadas. Com nomes diferentes, em diversos Estados (HorárioColetivo de Trabalho Pedagógico; Horas-atividade; etc.), os professoresvêm conseguindo obter tempo remunerado em sua jornada de trabalhopara pensar sua prática e planejar coletivamente. A efetividade dessesespaços, contudo, está na dependência não apenas de sua existênciaformal, mas da política que rege os sistemas de ensino e do modo comoesta se articula com as escolas, mas também das condições de trabalhoque de fato oferecem ao professorado.

1Como aponta Pinto (2002), é preciso ter cautela com esses números no Brasil, pois eles podem sofrervariações e ser superestimados de acordo com o interesse meramente político-partidário.2 O PNE da Sociedade Brasileira foi elaborado pelos educadores brasileiros e suas entidades represen-tativas em atendimento ao artigo 87 da LDBEN 9394/96, que determina a elaboração de um planonacional para a educação brasileira. O referido plano sofreu significativos vetos do então presidenteFernando Henrique Cardoso, destacadamente no aspecto do financiamento. Um aprofundamentodessa questão pode ser vista em Pinto (2002).3 Dados provenientes de informações do MEC/INEP e OCDE, que podem ser encontrados em um amploestudo do trabalho docente elaborado por Tardif & Lessard (2005).

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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...

Um exemplo é a rede estadual de Goiás, em que os professorescumprem uma carga semanal de trabalho variável de 40, 30, ou 20horas semanais, tendo parte desta carga horária para o planejamen-to. No entanto, as horas semanais de trabalho não são cumpridasnecessariamente no mesmo turno, e existe um número diferente deaulas para cada disciplina. Ademais, os professores, diante disto, sãocomumente empurrados a percorrer outras escolas para completar suacarga horária, em especial os professores que lecionam disciplinas comnúmero menor de aulas semanais, como são os casos de Arte e LínguaEstrangeira, geralmente com duas aulas semanais para cada turma.O resultado de tudo isso é um planejamento individual. Não existirãomomentos capazes de integrar o coletivo da escola sistematicamente,porque os horários dos professores ficam dispersos em vários dias,turnos e escolas. Assim, diante dessas circunstâncias, a idéia de for-talecimento do coletivo de professores da escola se esfacela e os pro-fessores seguem em uma caminhada solitária.

Outra medida relativa à formação de professores que vem sen-do largamente posta em prática desde a promulgação da Lei 9394/96é o oferecimento da Educação Superior aos docentes que não tiveramacesso a ela e que atuam nas redes estaduais e municipais. As redesde ensino estão para isso utilizando diversos meios e convênios cominstituições de ensino superior. Em Goiás, criou-se a Licenciatura Ple-na Parcelada da Universidade Estadual de Goiás, e no Estado de SãoPaulo, o Programa de Educação Contínua Para Professores em Exercí-cio. São iniciativas importantes para a qualidade da educação e parao desenvolvimento profissional dos professores, mas que precisamainda de ter sua qualidade melhor avaliada. A desqualificação daescola começa muitas vezes na própria formação do professor, comoapontaram Marin, Giovanni e Guarnieri. (2004, p.178). As referidasautoras comentam o caso de uma professora que utilizava com seusalunos uma brincadeira de adivinha (“adivinhe, adivinhe, por cimade uma linha, qual peixe do mar que não tem espinha?”), colhida nomaterial de cursos para docentes em exercício de que ela havia parti-cipado e cuja resposta esperada dos alunos era “baleia”!

Ainda no que tange à formação em exercício, é importante ob-servar a emergência de um novo tecnicismo, veiculado através de pro-gramas de capacitação de docentes. Esse neotecnicismo encontra suaexpressão mais transparente nos programas destinados a interferirrápida e pontualmente em determinada realidade. Um exemplo pode

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Wanderson Ferreira Alves

ser visto na preparação dos professores para atuar no Projeto de Ace-leração da Aprendizagem no Estado de Goiás.

Tomando para exame a disciplina Educação Física, Alves (2003)constatou que a desconsideração pelos saberes dos professores atuan-tes no projeto foi tão grande que, embora eles tivessem toda uma for-mação inicial orientada numa vertente crítica da Educação Física, e,conseqüentemente, em uma concepção crítica de educação, o curso deformação para o trabalho no projeto de aceleração trazia uma forma-ção orientada nas ciências biológicas, algo muito diferente da tradi-ção de formação de professores de Educação Física no Estado de Goiásdesde a década de 90. Desse modo, os professores foram literalmentetratados como executores das idéias concebidas por outros. Recipien-tes dos quais se insere ou se retira um conteúdo. As estatísticas, con-tudo, não deixam dúvidas sobre a positividade do projeto, ao apontarque mais de 90% dos alunos do programa são aprovados, um índicesuperior ao do ensino regular4. Aqui entra um aspecto importante: acriação de mecanismos sutis de exclusão em que os alunos são manti-dos no interior da escola, diferentemente do passado, quando as ca-madas populares eram simplesmente expulsas.

No Estado de São Paulo a implantação abrupta da progressãocontinuada e a lógica que a rege, como vem insistindo Freitas (2003),constitui um perverso mecanismo de criação de formas brandas deexclusão. É preciso examinar até que ponto esta espécie de iniciativa,cujo exemplo é a progressão continuada, altera de fato o metabolismoda instituição escolar. No entanto, para os fins deste texto, cabe des-tacar que as experiências desta natureza, ao interferir diretamente nofluxo do aluno ao longo dos anos de escolarização, tocam em coisasmuito delicadas. Refiro-me aos elementos que criam motivadores parao trabalho do professor e do aluno na escola hoje, como é a avaliaçãoe seu poder de sancionar o êxito ou o fracasso (obviamente um proces-so eivado de contradições), e a própria cultura escolar. É claro quemudanças são possíveis, mas elas não se fazem abruptamente e nempor decreto.

Ora, tanto no caso do Estado de São Paulo como no do Estadode Goiás, vemos significativa preocupação dos governos com a melhoriados índices de aprovação e com a correção da defasagem idade-série.

4 Dados disponíveis no sítio na internet da Secretaria de Educação do Estado de Goiás: www.goias.gov.br.Acesso em 23 de fevereiro de 2006.

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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...

Essas preocupações podem mesmo ser sinal de procura (o desejo) demelhorias para a educação pública, mas é preciso questionar a formae o conteúdo dessas supostas melhorias, principalmente em um con-texto em que o Estado adquiriu novos contornos.

O Estado auditor e performativo orienta as práticas no interiorda escola a seguirem a direção indicada por projetos externos a ela. Ocumprimento de acordos internacionais e a ingerência de agênciasinternacionais (Banco Mundial, FMI, UNESCO) têm chegado às esco-las. Eles são o pano de fundo da estipulação de metas expressas emíndices de aprovação, desempenho dos alunos em testes cognitivos(como no caso do ENEM5 ou do SARESP6), com a conseqüentebonificação ou sanção das escolas, que pode ir da recompensa ao blo-queio de verbas e até mesmo ao ranqueamento, com a exposição públi-ca das escolas. Nesse ponto é emblemático o caso do Estado de SãoPaulo, onde a secretária de educação, professora Rose Neubauer, ain-da na primeira gestão do governo Alkimim, assinalou as escolas porcores (verde, azul e vermelho), de acordo com seus desempenhos noSARESP (o que causou à senhora secretária sérias dificuldades com osprofessores e sindicatos, sendo logo demovida da idéia). Tudo issonão deixa dúvidas da racionalidade em curso. Os professores sãoresponsabilizados pela implantação das mudanças no ensino, pelasua qualidade e pelo seu fracasso. O discurso da responsabilidade(accountability) parece estar penetrando os espaços escolares e atin-gindo em cheio os professores. Performatividade e responsabilizaçãotalvez estejam se combinando na realidade brasileira, num quadro emque os docentes são estimulados a contribuir na confecção de estatís-ticas, tendo seu trabalho moldado e intensificado por elas.

Outro aspecto importante a ser destacado diz respeito à lógicada desobrigação do Estado em relação a certas dimensões do trabalhodocente. Tem sido freqüente o emprego de instituições privadas naformulação de programas ou estratégias de intervenção na área esco-lar. O caso citado anteriormente, do Programa de Aceleração da Apren-dizagem de Goiás, é um exemplo. Nesse caso, a concepção do projetopara a formação dos professores foi deixada a cargo de uma institui-ção paulista que presta serviços educacionais, chamada CENPEC (Cen-tro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitá-

5 Exame Nacional do Ensino Médio.6 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

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ria). Uma iniciativa que revela uma clara separação entre planejamen-to e execução no trabalho pedagógico escolar.

Em relação ao Estado de São Paulo, o problema também existe.As escolas experimentais e os centros de planejamento curricular queno passado tinham papel de destaque na formulação de políticas or-gânicas de formação docente foram desativados. O Estado se desobri-ga de possuir centros avançados no pensamento pedagógico e recorrea programas de formação obtidos em concorrência pública, por meiode licitações, e a instituições como o CENPEC. No âmbito dos municí-pios paulistas, a situação é mais grave. Cerca de 129 prefeituras,número que equivale a um quinto do total, estenderam a terceirizaçãodos serviços públicos para além das áreas de coleta de lixo, pavimen-tação asfáltica, etc. e atingiram também o serviço educacional. Essasprefeituras pagam a sistemas particulares de ensino, como o COC, oObjetivo e o Anglo, pela formação dos professores, por apostilas eplanejamento do ensino. (TÓFOLI, 2006).

A precarização apontada aqui incide diretamente no trabalhodo professor e no próprio sentido de ensinar. Sampaio & Marin (2004),a partir de dados de pesquisas da UNESCO, comentam que, questio-nados a respeito das finalidades mais importantes da educação esco-lar, 72% dos professores afirmaram que o mais importante é formarcidadãos conscientes, 60% disseram que é desenvolver a criticidade,e 8,9% apontaram que o mais importante é proporcionar aos alunosconhecimentos básicos. A transmissão de conhecimentos básicos évista como o aspecto menos importante por mais de 20% dos profes-sores! Diante disso, é preciso perguntar: Qual o sentido da instituiçãoescolar? Qual a tarefa fundamental do professor? Na verdade, tudoindica que os professores estão repercutindo a pauperização da escolae parecem perceber que, diante da política educacional atual, ensinartalvez não seja o mais importante.

Por último, cabe salientar que, se a precarização do ensino épreocupante, a ênfase na busca de resultados e a tomada do modelode gestão das empresas como referência para a organização das esco-las são dois de seus ingredientes que não podem ser esquecidos. Oproblema que resulta de se pensar o ensino a partir da busca de resul-tados e da adoção da lógica de gestão do mundo dos negócios é que asdecisões e práticas educativas, intrinsecamente ligadas a valores hu-manos e eminentemente políticas, são reduzidas a decisões e práticasde natureza técnica. Assim se apresenta a concepção de gestão escolar

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adotada nas escolas goianas conhecida por PDE7.

O DIFÍCIL OFÍCIO DE ALUNO

As mudanças aqui apontadas, no sentido de ser aluno na insti-tuição escolar, não se relacionam tão somente a fenômenos endógenos àescola, mas também em mudanças que gravitam em torno dareconfiguração do Estado e das profundas transformações contemporâ-neas, especialmente as que ocorreram no mundo do trabalho.

Diversos autores, como Hargreaves (1999), Ball (2004) e Smyth(1992), fornecem pistas do que vem ocorrendo em países como os Esta-dos Unidos da América, o Canadá e a Austrália. É possível perceber aíum movimento de transformação na relação entre o Estado e o cidadão.O aluno e, conseqüentemente, os pais têm sido vistos muitas vezes nãocomo sujeitos portadores de direitos, mas como clientes ou consumido-res de serviços educacionais.

A realidade brasileira, com todas as suas singularidades, nãoparece estar desconectada dessa nova agenda de questões posta à edu-cação. A idéia da livre-escolha patrocinada pelo sistema de ranqueamentode escolas e a adoção de cores indicadoras de qualidade, como no Esta-do de São Paulo até recentemente, são algumas das iniciativas que, nonível da Educação Básica, trazem indícios de uma mudança de relaçãoentre Estado e cidadão. Em relação às transformações no mundo traba-lho, o quadro perverso criado por uma sociedade que nega o direito aotrabalho e, por derivação, a existência social dos indivíduos, tem sidoum forte ingrediente das contradições contemporâneas. Neoliberalismoe novos arranjos no modo de produção se combinam para a formaçãode um quadro sombrio. Esse é o solo sobre o qual as crianças hojecrescem, experimentam a passagem pela adolescência e se tornam adul-

7 No âmbito da gestão escolar, o projeto político-pedagógico que se orienta pelo modelo empresarial,o conhecido Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), é um indutor da adoção do referido modelode gestão da empresa no âmbito escolar. Esse modelo de gestão foi implementado em determinadasregiões do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e logrou forte penetração no Estado de Goiás.Separando, no âmbito da instituição escolar, grupos de planejamento e implementação, concepção eexecução, fragmentando ações e estruturando um processo de racionalização das práticas, o PDEtecniciza o trabalho docente e aproxima a gestão da escola da gestão empresarial. O significado detudo isto, contudo, pode ir além do que foi apontado aqui. Suas implicações na subjetividade doprofessor e na relação que este mantém com o trabalho precisam ainda ser melhor investigadas. Épossível, como apontam, que aí estejam sendo moldados novos perfis profissionais, mais condizentescom os valores requeridos pelo mercado.

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tas. É também, por extensão, o solo em que nossos alunos se tornamtrabalhadores ou, não muito raramente, ‘procuradores de trabalho’.

Nas paisagens que formamos em nossas mentes quando imagi-namos uma grande indústria, a idéia de uma massa de pessoas e defumaça saindo das chaminés é recorrente. Ora, não percebemos queteimamos em observar um mundo onde isso se torna cada vez maisraro. A grandeza de uma fábrica no passado estava no volume de suaprodução e na quantidade dos operários que possuía; atualmente, elaestá no volume da produção e na quantidade decrescente de operáriosutilizados. O trabalho é um dos elementos fundantes da humanidade eum importante meio através do qual a sociedade se organizou e se de-senvolveu. Esse trabalho está hoje desfigurado. Vivemos em tempos de“Horror econômico”, para lembrar o título do belo livro de VivianeForrester. Não se trata de eliminação e de não necessidade do trabalhohumano para o processo de reprodução social, volto a enfatizar. O queestá em curso é a redução dos postos de trabalho, com a precarizaçãodo trabalho, aspectos que remetem ao trabalho economicamente enqua-drado e não à atividade humana em geral.

Em síntese, diante das questões levantadas anteriormente, osalunos parecem estar hoje frente a uma situação nada confortável. Porum lado, eles se defrontam com a escassez do trabalho e sua precarie-dade, e por outro, são pressionados pelas novas exigências de qualifica-ção. A gravidade disso aflora ao examinarmos o contexto de sua ocor-rência, pois o mercado é particularmente perverso para os mais jovens.Dados da Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2006) mostramque o desemprego no mundo voltou a aumentar em 2005 e que eleincide desigualmente sobre os jovens trabalhadores, com idades entre15 e 24 anos, fazendo com que estes tenham proporcionalmente maisque duplicadas suas chances de não encontrar emprego8. Diante disto,

as políticas públicas parecem pensar novas funções para a educação

8 Especificamente sobre a situação dos trabalhadores no Brasil, pesquisas recentes (CARDOSO;COMIN; GUIMARÃES, 2006) revelam uma dramática situação: no setor petroquímico e automobi-lístico, no contexto de alta rotatividade dos contratados, o destino mais comum (por volta de 50%)dos trabalhadores demitidos é a informalidade. Daí podem ser retiradas pelo menos duas conseqüên-cias: a primeira é que a exclusão em direção à informalidade degrada a qualificação do trabalhador:dez , quinze anos de empresa e agora esse saber acumulado pelo trabalhador não encontra quem oacolha, ou seja, sem a contrapartida de uma ocupação remunerada, o saber deixa de ser útil para otrabalhador em si e para a sociedade como um todo; a segunda se refere ao fato de que entrar notrabalho informal representa o ingresso em um mundo sem direitos sociais fundamentais provenien-tes do trabalho formal, como o amparo da legislação do trabalho, previdência, seguro e o pertencimentoa um sindicato.

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escolar. O estudo desenvolvido por Oliveira (2000) traz importanteselementos para a compreensão desta questão.

Após uma ampla análise que envolveu a investigação daespecificidade do contexto mineiro e o estudo das transformações con-temporâneas e de iniciativas internacionais em favor da educação, Oli-veira (2000) aponta a emergência de novas atribuições para a escoladiante das enormes contradições sociais da atualidade. Para a referidaautora, o movimento da política educacional no contexto do capitalis-mo contemporâneo para os países da América Latina vem sendo ummodo de gerir o trabalho e a pobreza. A oferta de níveis básicos deescolaridade, mais precisamente, o Ensino Fundamental, vem sendoum meio de produzir uma mão de obra explorável ao capital e, ao mes-mo tempo, propiciar empregabilidade aos trabalhadores. Para o aluno,adquirir níveis básicos escolaridade tornou-se uma espécie de passa-porte para a vida.

Esse conjunto de aspectos levantados permite sinalizar que asatribuições do aluno já não são as mesmas que no passado. Dele seespera muito mais que o ‘antigo’ êxito escolar. A aparente crescenteimbricação entre as demandas do mercado e o que a escola faz parececorroborar isso. Tal fato fica claro quando, na seção interna de um jor-nal de grande circulação no país, o título da matéria diz: “Nota doENEM, que acontece neste domingo, além de contribuir no processoseletivo de cerca de 400 instituições, pode ajudar na hora de obteremprego”; e na capa, o desenho de um jovem sorridente que, em umadas mãos, segura um diploma, e em outra, uma carteira de trabalho.(CADERNO FOVEST, 2005, p.1). Tudo isso em alusão à proposta doMinistério da Educação de constituir um banco de talentos, com baseno desempenho do aluno no ENEM, para que as empresas possamselecionar seus empregados de acordo com as competências que elasrequerem. Em verdade, trata-se da subordinação explícita da institui-ção escolar à lógica do mercado.

A subordinação da educação escolar aos interesses do mundodos negócios pode assumir diferentes formas. O exemplo citado aludidoanteriormente é uma delas e o incentivo ao voluntariado é a outra. Apromíscua relação entre educação e mercado parece estar em francaexpansão, e até mesmo os corpos dos alunos não ficaram livres dela.Estou me referindo à recente iniciativa da prefeitura de São Paulo debuscar autorizar e incentivar que empresas patrocinem os uniformesescolares dos alunos da rede municipal de educação, colocando nos

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uniformes o logotipo e o nome da empresa. Ora, a procura da iniciativaprivada como patrocinadora da rede pública de ensino e a transforma-ção da multidão de alunos e, dentro dela, de cada um deles, em ‘garotopropaganda oficial’ não é pouca coisa. Estamos assistindo à dissoluçãodas fronteiras entre o espaço público e o mercado. A privatização nes-ses termos deixa de ser velada e se torna clara. Sem dúvida, esses sãotempos difíceis de ser aluno.

UMA SÍNTESE PROVISÓRIA

Procurei apontar ao longo do texto aspectos da política educa-cional na atualidade, enfocando algumas de suas repercussões sobreo trabalho do professor e o ofício de aluno. Em relação ao professor, aidéia foi demonstrar a fragilidade do discurso de sua valorização, evi-denciando as perspectivas que vêm orientando sua formação, em exer-cício e contínua, e também suas condições de trabalho. O quadro aquise mostrou particularmente grave, o que torna difícil endossar a retóri-ca da valorização dos profissionais do magistério. Como é possível di-zer que a educação é uma das prioridades das políticas de governoquando existem professores submetidos aos extremos da indignidadeprofissional? Neste aspecto, o caso dos “professores eventuais” em SãoPaulo é paradigmático?9.

No que se refere às mudanças no ofício de aluno, essas não sãomenos dramáticas. Frente à nova lógica do Estado e a privatizaçãocrescente do setor público, os alunos cada vez mais são vistos comoclientes ou consumidores, o que já vem ocorrendo francamente em paí-ses do Norte, como a Inglaterra e os Estados Unidos. No caso brasileiro,a situação é também preocupante. Antes a questão estava circunscrita,pelo menos em sua face mais aparente, ao incentivo à participação deempresas e pais de alunos na manutenção da escola. Agora, no entan-to, a amplitude e a profundidade da questão parecem ter aumentado, e

9 Esses professores são como “trabalhadores casuais”; eles são chamados, eventualmente, para suprira ausência de algum professor efetivo da escola e não entram, inclusive, na categoria de professorescom contrato temporário de trabalho que lecionam anual ou semestralmente nas escolas. Os “profes-sores eventuais” podem trabalhar em uma semana e em outra não, lecionar por alguns dias e emoutros amargar a espera. Eles não possuem direitos trabalhistas, recebem pagamento por hora-aulae o aceno de que no próximo concurso público suas horas de trabalho somarão pontos no processoseletivo. Isto no Estado mais rico do país.

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até o próprio corpo dos alunos se tornou objeto de disputa, o quetransparece na discussão sobre a permissão de empresas estamparemseus logotipos e nomes nos uniformes escolares dos alunos da redemunicipal da cidade de São Paulo10. Isto representa não somente umaação do aparelho público em busca de conter gastos, como se poderiaimaginar à primeira vista, mas também o assédio do mercado por suaincessante ampliação.

Diante desse quadro, a educação adquire um sentido puramenteinstrumental e a qualidade social do ensino é posta em segundo plano.Estranhamente, opera-se a secundarização do trabalho educativo doprofessor. Mas por que essa incipiência? Qual o motivo da falta desubstância da política educacional brasileira? Entre inúmeras variá-veis intervenientes, Leher (2005) aponta algo que pode ajudar a enten-der o quadro que enfrentamos: “O projeto de nação ancorado noagronegócio, no setor financeiro e na exportação de commodities nãorequer um sistema de ensino de qualidade”. (LEHER, 2005, p. 54).Portanto, sendo esta a proposta para o Brasil, não é necessária muitacoisa. Um arremedo de escola basta.

As questões enfocadas nesse texto revelam o quanto ainda preci-samos caminhar no sentido de termos uma educação pública de quali-dade em nosso país. A distância entre os objetivos proclamados e osobjetivos reais não é pequena, e ela fica patente na pauperização daescola e no deslocamento de sua função precípua: o ensino, o trabalhocom o conhecimento. A qualidade do ensino realizado não parece seruma preocupação real em considerável parte da política educacionalbrasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando, chamo a atenção para o fato de que o quadro deli-neado ao longo do texto, ao apresentar a imbricação entre as esferaspública e privada no contexto de algumas mutações na figura do Esta-

10 Inúmeros outros exemplos podem ser dados em relação à privatização da escola pública. O queimporta aqui, todavia, é assinalar o processo pelo qual a privatização do espaço público chega e jánão incomoda mais, tornando-se uma espécie de paisagem natural: em Goiânia, capital do Estado deGoiás, as pessoas que transitam pelas áreas centrais da cidade podem ver as escolas públicas da redeestadual de ensino ostentar em suas fachadas inúmeros outdoors com as mais diversas propagandaspublicitárias. Em algumas dessas escolas a quantidade de outdoors é tão grande que é difícil perceberà primeira vista que ali existe um estabelecimento público, cuja atividade fundamental é o ensino.

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do, traz indícios de um processo de mudança, ou pelo menos de umatensão nessa direção, nos pilares que erigiram a profissão docente, es-pecialmente em sua dimensão ética. Talvez estejamos frente à erosãodesses pilares.

A crença em sua atividade de ensino e a crença na escola são,como aponta Silva (2004), marcas que acompanham historicamente aprofissão docente. No estudo desenvolvido pela referida autora, ao fo-calizar a educação escolar em Santa Catarina, São Paulo e Portugal aofinal do século XIX e início do século XX, fica clara a percepção que osprofessores tinham a respeito da relevância social, valor, autonomia edignidade de sua profissão. Os professores buscavam a melhor condutapossível, a atitude socialmente mais adequada frente ao cumprimentode sua tarefa educativa.

Mesmo com o arsenal de dispositivos de controle dos corpos, docomportamento moral e da conduta política, os professores cu-nharam para si próprios uma autonomia que os dignificava e,embora sem desconsiderar o peso das políticas públicas, reivin-dicavam e declaravam como fundamental nesse processo suaprópria atuação e a dignidade no desempenhar desta para elessempre nobre tarefa, independente das condições em que a exer-ciam. Parece possível até que os professores seriam capazes detolerar que o ensino continuasse atrasado e imperfeito, comochegou a afirma um deles, desde que isso não resultasse do tra-balho da categoria, cuja conduta irrepreensível serviria de escu-do a toda sorte de críticas. A conduta social daria legitimidade àprofissão docente. (SILVA, 2004, p. 242). (grifos da autora).

A hipótese que levanto aqui é que justamente essa relação doprofessor com seu trabalho, que constituiu um dos importantes senti-dos da profissão docente, vem sendo abalada. O compromisso do pro-fessor com o cumprimento de sua “nobre tarefa” e seu compromissocom a tarefa formativa que lhe cabe frente aos alunos parecem estarsendo substituídos pela corrida para a melhoria de índices e dadosestatísticos. O discurso da responsabilização (accountability) e aperformatividade cobram aqui seus mais perversos efeitos. O desenro-lar disso tem sérias conseqüências e implica, particularmente, em umareorientação da ética que preside a prática educativa do professor. Ora,se o que rege as escolas é uma obcecada busca por resultados, a racio-nalização das práticas em nome da eficiência, o cumprimento de níveis

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de desempenho e padrões e, se agregado a tudo isso, as escolas e seusagentes são incentivados por mecanismos diversos (modelos de ges-tão, esquemas de punição e recompensa, discursos) a perseguirem omodelo advindo do mercado, é possível que um dos pilares que for-mam o sentido histórico da profissão docente esteja ruindo. O traba-lho docente com valor socialmente referido deforma-se por dentro eleva consigo laços e sentidos longamente constituídos. Laços e senti-dos estes que no processo de socialização profissional permitiam umencontro comum entre os professores, mas que agora parecem se en-fraquecer11.

Nesse contexto, dizem Cribbs & Ball (2005), em que aracionalidade instrumental penetra fortemente no âmbito escolar, afe-tando diretamente a relação do professor com seu trabalho, uma ques-tão precisa ser colocada: como é possível alguém criticar um professorque negligencia as necessidades particulares de alguns de seus alunospara se ater mais detidamente aos aspectos que contam nos índices enas estatísticas indicadoras de desempenho? Esse professor está cons-cientemente agindo da melhor maneira possível, mas ele obedece ànova lógica imposta pela “re-engenharia” do sistema educacional.Enfim, temos aí sinais de profundas transformações na dimensão éti-ca do trabalho docente. O aprofundamento dessa questão é tarefapara estudos posteriores. No entanto, cabe aqui o alerta para o fatode que a submissão da educação ao mercado e a privatização envol-vem mais do que técnicas. Estas são tão somente a faceta mais visívelde um processo em que novos perfis profissionais, disposições e deter-minadas condutas éticas também são forjadas e desejadas.

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11 O impacto disso é mais grave do que comumente se imagina. A atividade humana no trabalho, mesmonas práticas tayloristas, é sempre espaço de arbitragens, de tomadas de decisão, tendo em vistaarticular o trabalho prescrito ao trabalho real. É lugar onde se faz escolhas, inclusive em relação aoinvestimento pessoal na atividade. O trabalho, como aponta Schwartz (1996), envolve relações evalores, e é por isso que insisto nos riscos de uma desfiguração da dimensão ética, principalmente pelaespecificidade das relações estabelecidas entre professores e alunos no trabalho educativo escolar.

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Aceito em: 15/05/07

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Celia Maria Haas

INTERDISCIPLINARIDADE: UMA NOVA ATI-TUDE DOCENTE

INTERDISCIPLINARITY: A NEW TEACHINGAPPROACH

Celia Maria HAAS*

Resumo: Este estudo tem como proposição tentar com-preender a interdisciplinaridade na prática docente apartir da experiência e dos embates cotidianos vividosna docência e gestão acadêmica da Educação Superior.Os procedimentos metodológicos que nortearam a inves-tigação podem ser definidos como qualitativos, pois pers-crutam uma realidade que não pode ser quantificada eresponde a questões muito particulares, na tentativa decompreender em pormenor os significados e característi-cas situacionais apresentados pelo cotidiano da sala deaula, espaço que nem sempre se submete a medidas quan-titativas e que, neste caso, não aceita reduzir-se àoperacionalização de variáveis. A interdisciplinaridadeaponta para um caminho de ação, do fazer, em que épossível integrar diferentes áreas, contribuindo para aleitura do mundo e de uma nova maneira de produzirconhecimento. Nesse sentido, o texto propõe discutir asseguintes questões: a) O que é interdisciplinaridade? b)existe uma teoria interdisciplinar? c) Quais as possibili-dades da interdisciplinaridade na prática? Algumas ca-tegorias consideradas fundamentais para a práticainterdisciplinar fornecem referências à questão e, partin-do do significado da palavra, ampliam a interpretaçãodo seu sentido. Por fim, conclui-se pela possibilidade devivenciar a interdisciplinaridade, importando falar em

* Pedagoga. Mestre em Educação: História, Política e Sociedade pela PUC-SP. Doutora em Educação:Currículo pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós Graduação da Universidade Cidade de SãoPaulo. E-mail: [email protected]

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práticas, não mais em prática. Desse modo, cumpre des-tacar o reconhecimento de que a prática interdisciplinarcontribui para a docência comprometida com a qualida-de do ensino. Portanto, o objetivo é mostrar que ainterdisciplinaridade pode questionar não só as práticastradicionais, mas também as inovadoras.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Docência. GestãoAcadêmica. Prática Pedagógica. Educação Superior.

Abstract: The aim of this study is to understandinterdisciplinarity in teaching practice taking as a startingpoint the experience of teachers and classroom routines,as “lived” in schools and in academic management inhigher education. The methodological procedures thatguided the investigation can be defined as qualitative asthey refer to a reality that can not be quantified and alsoas it answers very specific questions in an attempt tounderstand the detailed meanings and situationalfeatures present in classroom routine, a structure whichnot always can be measured, and that, in the presentcase, would not be a feasible object of study in terms ofthe operationalization of variables. Interdisciplinaritypoints to action, to integrating different intellectual fieldsthat contribute to a view of the world and to a new formof producing knowledge. In this sense, the article aims todiscuss the following questions: a) what isinterdisciplinarity? b) is there an interdisciplinaritytheory? c) in practice what are the possibilities forinterdisciplinarity? Some categories are consideredessential for an interdisciplinary practice as they providereference to vital questions and, by drawing on differentfields, improve the quality of educational practice.Finally, it is concluded that it is possible to experienceinterdisciplinarity in schools, which would result in adiversity of practices rather than a singular approach.Thus, it is important to highlight that an interdisciplinarypractice contributes to teaching which is related to thequality of teaching. Therefore, this article aims to

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demonstrate that interdisciplinarity can question not onlythe traditional practices but also innovative ones.

Keywords: Interdisciplinarity. Teaching. AcademicManagement. Pedagogical Practice. Higher Education.

INTRODUÇÃO

Este texto é parte integrante do projeto de pesquisa PolíticasPúblicas de Educação: uma análise interdisciplinar das Instituiçõesde Educação Superior, cujo objetivo é descrever e compreender a cons-trução dos projetos pedagógicos institucionais das universidades par-ticulares, resultado de intensas discussões internas entre as exigênciasdas políticas públicas de educação, cultura organizacional, desejos eexpectativas do mantenedor e os propósitos e compromissos dosgestores acadêmicos que administram a universidade.

Ao dar andamento a esta investigação, constatamos a queixarecorrente dos gestores de uma grande universidade de não haver com-prometimento do corpo docente na preparação das aulas, o que expli-caria a pouca qualidade da atuação desses professores. Ao voltar nos-so olhar para a atuação docente, consideramos importante adentrar oespaço da sala de aula e, ao fazê-lo, resgatar – pela memória de nossahistória pessoal – as etapas percorridas para elaborar o que chama-mos de docência interdisciplinar.

Assim, as questões propostas surgem do enfrentamento, cadavez mais freqüente, das expectativas dos “novos” alunos, hoje muitopouco preparados para o ensino superior, a que se somam a tentativade dar conta de classes com dissonâncias evidentes, a necessidade deos professores reconhecerem o cenário político educacional e mais acontínua pressão de “sucesso” a que as instituições universitárias ossubmetem.

A descrição da sala de aula permitiu contextualizar o problemade pesquisa para identificar aí mesmo as possibilidades de uma docênciainterdisciplinar, razão por que nos detivemos na descrição da práticadocente e aceitamos o desafio das perplexidades do cotidiano.

Para avançar na reflexão sobre o que fazer e de que forma fazê-lo, procurando ao mesmo tempo compreender as atitudes docentespermeadas pelo pensamento interdisciplinar, recorremos à teoria dos

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autores que mais se debruçaram sobre a questão: Fazenda, Lenoir eHaas. Os procedimentos metodológicos que nortearam esta investiga-ção podem ser definidos como qualitativos, pois que perscrutam umarealidade não possível de qualificação e respondem a questões muitoparticulares para compreender em pormenor os significados e caracte-rísticas situacionais apresentados pelo cotidiano da sala de aula – es-paço que nem sempre se submete a medidas quantitativas e que, para onosso caso, não pode reduzir-se à operacionalização de variáveis.

O estudo propõe, portanto, compreender a interdisciplinaridadena prática docente a partir da experiência dos embates cotidianos vivi-dos na docência e gestão acadêmica da Educação Superior. Acredita-mos que a interdisciplinaridade pode colaborar na construção de novasações pedagógicas e compartilhamos com satisfação e esperança as re-flexões que elaboramos no percurso de nossas investigações..

Começaremos por mostrar a abordagem de interdisciplinaridadeque adotamos. Em virtude de estarmos comprometidos com a gestão deInstituições de Educação Superior Particular, ou seja, com a ação gestora,nossa atenção se concentra sobretudo no atendimento às exigências dodia-a-dia e, ao mesmo tempo, em dar espaço para realizar os propósitosque nos mantêm motivados, as propostas pedagógicas institucionais.Dessa óptica, nossa abordagem privilegia o exame das possibilidadesdas práticas do fazer interdisciplinar na docência, além de tentar res-ponder às seguintes questões: a) O que é interdisciplinaridade? b) Exis-te uma teoria interdisciplinar? c) Quais as possibilidades dainterdisciplinaridade na prática?

REFLEXÕES A RESPEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE EDOCÊNCIA

Gostaríamos de começar com algumas palavras de caráter maisgeral acerca da condição do professor e das dificuldades que considera-mos relevantes no exercício dessa atividade.

Como é ser professor? Há uma dimensão da docência que certa-mente gera grande satisfação: nossa responsabilidade pelo nosso cres-cimento e o dos alunos; a descoberta do conhecimento; nosso reconhe-cimento coletivo e a concomitante criação da possibilidade de apropri-ar-nos do que é socialmente produzido, além da descoberta de que so-mos os produtores desse conhecimento e de que entramos em contato

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com o inesgotável saber humano.Na dinâmica do ato de conhecer, de apropriar-nos de conheci-

mentos ou de adquiri-los, deparamo-nos com a possibilidade de identi-ficar a universalidade do saber. Dessa forma, conhecer e reconhecer acaminhada da humanidade e perceber parte dela aumenta a possibili-dade de agirmos conscientemente no mundo e nos torna responsáveispelo fazer e pelo não-fazer. É apaixonante transmitir aos alunos em salade aula a importância de aprender e conhecer, sentindo que somosplenamente capazes disso.

No entanto, os obstáculos do percurso são freqüentes e difíceisde transpor. Eles envolvem regras estabelecidas para o controle do queé ensinado e para o modo como é ensinado, sendo tão variados que, porvezes, comprometem o andamento das pesquisas, embora o superá-losnos autorize a abandonar pontos de vista convencionais e a mera re-produção do já sabido.

Os conteúdos específicos das disciplinas são mais ou menos osmesmos em todos os programas. Existem diversas publicações e, paraqualquer aluno interessado, há farto material bibliográfico à disposi-ção. Dentro desse universo, contudo, ainda constitui um desafio sabero que privilegiar em sala de aula no pouco tempo de que se dispõe.

A carga horária de cada disciplina varia de escola para escola,sendo a média de duas a quatro horas-aulas semanais, em um ou doisanos, nas diferentes combinações que a definição das grades curricularespermite. Esse tempo, disciplinarmente organizado, é quase nada diantedo que há para assimilar em cada área de conhecimento.

Importa ainda considerar que todo o planejamento é feito pordisciplina, cada qual dentro do conteúdo que supõe estudar. A essasdificuldades se acresce o desconhecimento total dos professores a res-peito do projeto pedagógico do curso em questão.

Cada curso tem o objetivo de formar o quê?, quem?, para quê?Por meio de que crenças, filosofias e pressupostos cada proposta sesustenta? Evidentemente, são questões que envolvem um grau signifi-cativo de dificuldade e, como se não bastasse, cumpre ainda levar emconta o fato de que os professores das diferentes disciplinas que com-põem o currículo do curso desconhecem o objeto de estudo das outrasdisciplinas, o que amiúde gera a falsa idéia de que é impossível alcan-çar unidade de conhecimento, de que a fragmentação disciplinar é umarealidade insuperável.

Será que todas as dificuldades já foram rastreadas? É claro que

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não, sobretudo no que concerne às apresentadas pelas instituições,centro para o qual convergem nossas argüições.

Talvez a dificuldade que mais causa empecilhos seja não haverreuniões programadas e regulares com os professores. Não há remune-ração para trabalhos de pesquisa, tampouco para atividades fora darestrita hora-aula, o que invariavelmente significa que o professor rece-be apenas pela hora especificamente ocupada em sala de aula.

Exige-se ainda a aplicação de provas, estabelecidas pelo calendá-rio escolar, sem possibilidade de pensar no processo avaliativo em con-junto com outros docentes e com os alunos.

Além disso, o diário de classe, documento em que se registram asaulas ministradas e os conteúdos tratados, precisa estar sempre emordem, e na maioria das instituições até hoje o preenchimento é ma-nuscrito, o que consome um tempo precioso numa atividade que nadatem de pedagógico. Além disso, não podemos deixar de mencionar, pelafalta de sistemas informatizados adequados, a contínua necessidadede acertos das notas dos alunos, outra responsabilidade exclusiva dosprofessores.

Uma outra dificuldade vivida pelos professores diz respeito àsbibliotecas, que muitas vezes se encontram desfalcadas dos livros ne-cessários para a leitura e complementação dos assuntos e conteúdostratados nas diferentes disciplinas da grade curricular; outra, ainda,envolve salas de aula sem condições de trabalho – quentes, com cartei-ras quebradas, lousas inadequadas, sem equipamentos de multimídia– vídeo, retroprojetor, microcomputador e outros – que facilitem, am-pliem e melhorem as condições de aula. Isso para não falar de dificul-dades cotidianas de caráter pedagógico, que levam o profissional àsseguintes indagações: Como trabalhar o conhecimento sistematizado?O que devo privilegiar? Qual a necessidade do grupo? Para que serve oque vamos escolher? A que propósitos atende?

Por outro lado, importa ter presente que os alunos sabem sobremuitas coisas e têm, na maioria das vezes, experiência de trabalho e devida. Não trabalhamos, portanto, com tábulas rasas, nem mesmo noque se refere às disciplinas propostas nas matrizes curriculares doscursos da educação superior.

As dúvidas, porém, persistem: O que significa transmissão deconhecimento? E produção de conhecimento? Se os conteúdos já estãoescritos, então basta divulgá-los? Se assim é, por que a disciplina cons-ta da matriz curricular e exige professor? Não seria mais fácil distribuir

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uma lista de leitura aos alunos e exigir depois, em prova escrita, o quefoi aprendido?

Então, o caminho parece o da produção de conhecimento. Poroutro lado, produzir o quê, se trabalhamos a partir do já escrito? Aprodução do conhecimento em sala de aula parece materializar-se quan-do o conjunto dos alunos estabelece uma relação de diálogo com oprofessor, e na maioria das vezes essa interação depende de como age oprofessor.

Assim, para produzir conhecimento, precisamos contar com ocoletivo da sala de aula (todos os alunos), porque é só com o trabalhode todos que podemos avançar. Ademais, a atuação docente exige que oprofessor conheça o conteúdo, que saiba, a cada etapa de trabalho,garantir seu fechamento, fazendo a revisão do que foi levantado, apon-tando lacunas, integrando conceitos, organizando pensamentos e pre-parando novas etapas de trabalho.

É, então, inviável qualquer iniciativa que procure mudar essasituação e crie um trabalho interdisciplinar? Sim e não. Sim, se partir-mos do pressuposto de que a interdisciplinaridade é uma atitude doprofessor, uma atitude de responsabilidade, de compromisso com a for-mação de seus alunos; não, se entendermos que mudar esse estadogeral exige bem mais do que a atuação do professor em sala de aula, pormelhor que este seja.

É o momento certo de retomar a primeira questão: O que éinterdisciplinaridade?

O primeiro passo será entender o significado do termointerdisciplinaridade ou, segundo Assumpção (1991), tentar compreen-der o fenômeno a que se relaciona. Interdisciplinaridade é palavra deorigem latina, formada pela composição do prefixo inter, do substantivodisciplina e do sufixo -(i)dade.

Inter, prefixo latino, indica posição ou ação intermediária, reci-procidade, interação. Entende-se, pois, interação como a ação realiza-da a partir de duas ou mais pessoas, mostrando-se, portanto, na rela-ção sujeito-objeto e, principalmente, na relação entre sujeitos. A interaçãodiz respeito ao trabalho compartilhado, em que existem trocas e influ-ências recíprocas.

-Dade (ou - idade), sufixo latino, tem a função de substantivaralguns adjetivos, atribuindo-lhes noção de qualidade, estado ou, ain-da, modo de ser. Disciplina corresponde a epistemé – o estudo críticodos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas – e

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visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance dos obje-tivos dessas ciências, embora também possa caracterizar-se como a or-dem que convém ao funcionamento de uma organização ou o regime deordem imposta ou livremente consentida.

Assim, são dois os sentidos fundamentais da disciplina: um quese refere a uma área de conhecimento, com estatuto próprio e fronteirasbem delimitadas; e outro que diz respeito a um comportamento, umaatitude, um modo de agir, quer no plano particular ou coletivo.

Para Assumpção (1991), a interdisciplinaridade nomeia umencontro que pode ocorrer entre seres – inter –, em um certo fazer– dade –, a partir da direcionalidade da consciência, pretendendocompreender o objeto, com ele relacionar-se e comunicar-se.

Ferreira (1986) ensina que a prática pode ser um saber provindoda experiência, uma técnica, por exemplo, mas que também é a aplica-ção da teoria manifestada no discurso, na conversação, isto é, no atode manter a comunicação. Portanto, estamos aqui definindo práticacomo comunicação; trata-se tão-só de estabelecer contato, trocar, cola-borar, construir.

Com isso, podemos verificar que tanto a prática como ainterdisciplinaridade tem em comum a comunicação, indicação impor-tante para quem quiser aventurar-se no mundo conceitual e prático dainterdisciplinaridade. Cumpre considerar, na prática docenteinterdisciplinar, a importância da comunicação, da fala, da troca deconhecimentos e de experiências. Compreendemos então que a práticainterdisciplinar é aquela que passa da ação exercida à elaboração teóri-ca, sempre realizada, praticada e proferida.

Logo, a concepção interdisciplinar que sustenta a ação educativatraz em si uma intencionalidade: propiciar os exercícios investigativo,reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, do ato de ser professor.

Merece menção um primeiro conceito de interdisciplinaridade,elaborado em 1985 para um colóquio internacional organizado pelaUNESCO, com o tema “La interdisciplinaried en la enseñanza general,segundo o qual,

[…] dado que el concepto de interdisciplinariedad se sitúa en elplano espistemológico, puede considerarse que se refiere a lacooperación de las disciplinas diversas, que contribuyen a unarealización común y que, mediante su asociación, contribuyen ahacer surgir y progresar nuevos conocimentos. (UNESCO, 1986,p. 5).

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Reconhecemos que o princípio de uma ação interdisciplinar exigeum propósito, um objetivo, um projeto. A interdisciplinaridade pedeuma opção e uma escolha, com vistas à cooperação, à associação ecomunicação entre as disciplinas e as pessoas.

Com isso em mente, vem à baila a segunda questão: b) Existeuma teoria interdisciplinar?

Sabemos que são muitas as teorias que sustentam as práticaspedagógicas e temos também o conceito de interdisciplinaridade, defini-da por ações realizadas, experiências vividas. Desse ângulo,interdisciplinaridade é, segundo Pereira (1998, p. 14), “uma estratégiade trabalho que recupera ao sujeito a possibilidade de assumir a gestãode si mesmo, de auto-referenciar-se, como forma de produzir, a cadavez, o novo, o outro, o diferente, o nunca sido de si mesmo”. Assim, nãopodemos falar em uma teoria interdisciplinar, mas em práticas do traba-lho interdisciplinar.

Isso remete à nossa terceira questão: c) Quais as possibilidadesda interdisciplinaridade na prática? As possibilidades na prática sãoinúmeras, pois que são infinitas as possibilidades do homem quanto acriar alternativas para viver, para aprender e ensinar.

Nas investigações que conduzimos para reconhecer as práticasinterdisciplinares, identificamos as principais categorias indicativas decaminhos para a sua realização.

Necessário se faz que retornemos à sala de aula. Nela estão pre-sentes dois momentos: o da transmissão e o da produção do conheci-mento. A transmissão se caracteriza pela leitura do escrito, para reco-nhecer como o conhecimento está registrado, no tempo, e como se deusua constituição. O momento seguinte é a produção, quando alunos eprofessores partem do conhecido para escrever um novo saber. Pode-mos assegurar que tal reconstrução é a produção de conhecimento pos-sível no espaço da sala de aula: são os alunos apropriando-se do co-nhecimento e reelaborando-o na prática.

Descobrimos, assim, que, para transformar o momento da trans-missão em construção de conhecimento, é necessário sermos sujeitosda nossa aprendizagem, aqueles que querem conhecer e que têm emcomum uma atitude de comprometimento com a elaboração do sabervivenciado em sala de aula. Para tanto, precisamos recorrer às qualida-des da ação, do fazer, da reflexão crítica, da curiosidade, da dúvida, daangústia do desconhecer, do rigor na busca de informações, da hesita-ção do descobrir novos espaços, para colocarmos nossos novos sabe-res em ação.

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Importa também considerar que a prática docente interdisciplinarmobiliza o professor no que concerne a preocupar-se com a produçãodo conhecimento e enseja uma atitude comprometida com o debate,com hipóteses divergentes, com a dúvida, com o confronto de idéias,de informações discordantes, de oposição, de ambigüidades, da pai-xão pela busca de informações novas e mais exatas.

A prática pedagógica interdisciplinar se constrói a partir doenfrentamento das contradições apresentadas diariamente pelas exi-gências reais e concretas dos alunos e do embate disso com nossosvalores, crenças e cultura.

Por isso, a identidade é uma categoria de fundamental impor-tância para as construções de projetos interdisciplinares, o que expli-ca e reafirma a importância da história de vida para o nosso trabalho.As nossas histórias de vida são sempre ótimo ponto de partida para aconstrução da docência interdisciplinar, uma vez que nelas encontra-mos nossos valores e compromissos.

Reconhecer quem somos, de que lugar falamos e por que fala-mos faz com que, ao recuperar cada trajetória, ampliemos a consciên-cia de nossas escolhas e dos caminhos percorridos para sermos quemsomos. Entrar em contato com nossas histórias nos dá um sentido deinteireza e de consistência e, sem dúvida, as transformações muitasvezes ultrapassam as dimensões cognitivas e chegam, na maior partedos casos, à dimensão existencial.

A comunicação é diferente das categorias indispensáveis dainterdisciplinaridade, visto que, ao estabelecer claramente as regrasdo bem-viver em sala de aula, por exemplo, e confirmá-las continua-mente com a prática docente, entendemos sua importância.

Outra categoria indispensável à prática interdisciplinar é a co-erência. Japiassu (apud Fazenda, 1991, p.36) afirma que “seus alu-nos a perdoarão [Ivani Fazenda] facilmente por ser às vezes demasia-do utópica. O que não lhe perdoarão é a contradição entre o pensa-mento, a palavra e os atos”.

A coerência do professor é demonstrada na unidade entre dis-curso e ação. Não é possível ser professor se a fala e as ações se negammutuamente. A coerência deve manifestar-se na unidade do discurso econfirmar-se nas atitudes. O professor com uma prática interdisciplinarexplicita cotidianamente na ação pedagógica pelo exemplo da coerên-cia, na unidade da fala e do ato, no comprometimento com o conheci-mento a ser produzido em sala de aula e com a apropriação deste pelos

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alunos, objetivando formar o cidadão e prepará-lo para uma ação cons-ciente no mundo.

A categoria maior é a humildade, difícil de compreender e ain-da mais difícil de exercitar. Por isso, Fazenda reafirma inúmeras vezesque “a interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenasvive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova Pedagogia, a da comuni-cação”. (1979, p. 8).

Já afirmamos, entretanto, em diversas ocasiões, o oposto disso,dado que, a partir de nossos trabalhos e investigações, entendemosque a interdisciplinaridade é uma escolha, uma opção, um projeto e,por isso, tentamos ensiná-la. Nesse sentido, ela precisa de um líder,de um proponente. Acreditamos que ela pode ser aprendida, mas, porsua própria característica, deve ser vivida na prática, e sempre comum sentido coletivo.

Como a interdisciplinaridade se dá na construção coletiva, épreciso, principalmente a quem lidera este projeto, ter paciência ereconhecer qual o tempo necessário para o florescimento da consciên-cia interdisciplinar.

Além das condições já mencionadas para a práticainterdisciplinar, acrescentamos algumas outras. A espera – condiçãonecessária para os projetos interdisciplinares – exige do professor aatitude de dar, aos alunos e a si próprio, o tempo necessário para aaprendizagem significativa. Uma espera ativa e criativa, que oferecealternativas para os alunos acreditarem que são capazes de assumir oesforço necessário nessa caminhada.

Vale destacar que os projetos interdisciplinares se concretizamcoletivamente, mas podem e têm sido, muitas vezes, desencadeadospor proposições pessoais de um professor que opta por fazer de suasala de aula um universo interdisciplinar.

Apontamos também a erudição como característica dainterdisciplinaridade, pois é preciso saber muito, ter gosto pela leitu-ra, pela pesquisa e pela busca de mais e melhores conhecimentos, oque conduz forçosamente a outra exigência interdisciplinar: a dúvida.

Experimentar a dúvida ensina-nos a reconhecer que as certezasimpedem a escuta sensível da interdisciplinaridade. Temos experimen-tado freqüentemente e recomendamos com insistência que, quando sesentir plenamente certo de algo, o professor deve “desconfiar” dessacerteza e procurar outra resposta, outro caminho possível de resolu-ção. Duvidar não é desconhecer, mas explorar novas possibilidadesdo saber.

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Podemos, pois, falar em interdisciplinaridade como umaintegração de disciplinas, mas sem nos limitarmos a ela. Após aintegração, precisamos do movimento seguinte, a interação, na qualvivemos a prática dialógica, atitude interdisciplinar que cria zonas deinterseção entre as disciplinas, entre as pessoas, entre o que se sabede si mesmo e o que não se sabe. A partir daí, ampliamos as fronteirase nos tornamos capazes de produzir conhecimentos, resultadoinexeqüível se nos limitarmos a uma única disciplina.

É preciso compreender que a interdisciplinaridade parte da dis-ciplina e reconhece, em cada uma, um olhar ao mundo, em perspecti-va particular. Identificamos a especificidade das diferentes áreas deconhecimento e verificamos que cada uma delas, sozinha, não conse-gue explicar o homem e o mundo. A interdisciplinaridade, no entanto,aponta um caminho de ação, do fazer, em que a integração das áreasse torna possível na leitura do mundo e na produção do conhecimen-to.

Assim, nossas necessidades atuais e o desafio apresentado pelasala de aula conduzem à seleção dos conteúdos das disciplinas, mos-trando, a nós e a nossos alunos, que estamos fazendo um recorteproposital daquela área de conhecimento.

É indispensável indicar a complexidade e a dimensão do co-nhecimento, instigando o aluno e a nós mesmos a um pensamento e auma atitude interdisciplinar, ou seja, uma compreensão das possibili-dades da unidade do conhecimento. Nesse exercício, experimentamosintensamente um dos fundamentos da atitude interdisciplinar:vivenciar a formação a partir da revisão do velho, a fim de torná-lonovo.

O professor comprometido com a prática interdisciplinar pre-para os alunos contra os perigos da cultura fragmentada, ampliandoa compreensão dos problemas, contextualizando-os na sociedade demodo a revelar a conexão entre fenômenos aparentementedesvinculados. Superar a fragmentação da disciplina escolar ampliaas possibilidades de construir uma identidade mais integrada e asse-gura uma formação de maior qualidade.

Finalmente, para responder à terceira questão proposta, a res-peito de quais são as possibilidades da interdisciplinaridade na prá-tica, declaramos ter experimentado, em diferentes espaços e tempos, aconstrução de práticas interdisciplinares e nelas identificamos as pos-sibilidades de transformação da ação docente.

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CONCLUSÃO

A prática docente interdisciplinar permite questionar as práti-cas tradicionais e, ao mesmo tempo, questionar também as considera-das inovadoras. Assim, a tensão entre o velho e o novo pode ser oespaço para que as práticas interdisciplinares contribuam com aredefinição do conceito de disciplina e ampliem o diálogo entre si.

Por outro lado, é necessária atenção constante para não sucum-bir à tentação de acreditar que a interdisciplinaridade assegura ao pro-fessor lugar de destaque, elevando-o acima da organização disciplinarna educação escolar, atitude que negaria as possibilidades de uma açãopedagógica interdisciplinar – resultado do diálogo entre as diferentesdisciplinas escolares – e inviabilizaria, portanto, a construção do co-nhecimento nessa perspectiva.

Acreditamos que uma das possibilidades para as práticas peda-gógicas interdisciplinares nessas ações consiste em rever o velho e, tor-nando-o novo, contribuir com a interação entre disciplinas, pessoas einstituições.

Para Lenoir (2005, p.6),

[...] a interdisciplinaridade encontrará terreno na interação entreas disciplinas, na relação entre produção, existência e difusãodo “saber disciplinar”, ao mesmo tempo em que ocorre umquestionamento interdisciplinar e faz ressurgir o elo indissociávelentre a produção do saber e a formação de membros sociais.

Reconhecemos, enfim, que há possibilidades de vivenciar na prá-tica a interdisciplinaridade, mas reconhecemos também que é precisofalar em práticas e nunca em uma prática, pois a interdisciplinaridadese mostra de diferentes maneiras e em inúmeras possibilidades deatuação docente. Ora integramos conteúdos, ora integramos espaços,tempos ou integramos a construção de conhecimento, ampliando, as-sim, nossa visão sobre a escola, sobre a docência, sobre nossos alunos eaté sobre a comunidade na qual a instituição escolar se insere.

Consideramos, por conseguinte, fundamental entender que, pe-los muitos sentidos que interdisciplinaridade engloba, resultam igual-mente outras tantas práticas construídas em nossas ações educativaselaboradas a cada dia.

É igualmente importante acrescentar que acreditamos em umtrabalho docente interdisciplinar como estratégia para assegurar a

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qualidade de ensino com vistas à tão sonhada educação cidadã. Aimportância da atitude interdisciplinar pode ser constatada pela ou-sadia na busca de novas soluções, da transformação das práticas do-centes, da pesquisa e da construção dos projetos fundamentados naparticipação de todos, que levem o grupo a rever suas crenças a res-peito da educação, da escola, do papel do professor e do papel dosalunos:

[...] a interdisciplinaridade impõe um novo relacionamento en-tre professor e aluno. O professor não é mais aquele que trans-mite conhecimento ao aluno, mas é aquele que auxilia o aluno adescobrir, a construir e a se apropriar dos conhecimentos ne-cessários para uma ação consciente no mundo. (HAAS, 1996,p.57).

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Encaminhado em: 03/07

Aceito em: 05/07

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A FAMÍLIA DO EDUCANDO COM DIFICULDA-DE DE APRENDIZAGEM: UM ESTUDO DEREPRESENTAÇÕES SOCIAIS1

THE FAMILY OF THE STUDENT WITHLEARNING DIFFICULTIES: A STUDY OFSOCIAL REPRESENTATIONS2

Fátima Aparecida Maglio COLUS*

Rita de Cássia Pereira LIMA **

Resumo: A idéia de desenvolver este trabalho surgiu emdecorrência da necessidade de se compreender como epor que a família vem sendo apontada nos últimos anoscomo responsável pelo desempenho insatisfatório de alu-nos com dificuldades de aprendizagem no âmbito esco-lar. Supõe-se que estudar a família neste ângulo, apreen-der as interações sociais, conflitivas ou harmoniosas, entrea instituição escolar e a familiar, é relevante, pois ambascoexistem numa relação de interdependência que interfe-rirá, mesmo indiretamente, na aprendizagem do educan-do. Realiza-se o presente estudo com o objetivo de anali-sar as representações sociais de professores sobre a famí-lia de alunos com dificuldades de aprendizagem. A pes-quisa fundamentou-se no referencial da Teoria da Repre-sentação Social (TRS), inaugurada por Serge Moscovici,em 1961. Os participantes foram 13 professores de Ri-beirão Preto (SP) do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série),cursistas do Programa Letra e Vida, curso de formação

1 Em sua forma original, parte deste trabalho foi apresentado no Congresso Internacional em EducaçãoEscolar da FCL/AR UNESP, na Categoria Comunicação Oral, 14 a 17 de Agosto de 2006.2 Part of these study was presented in its original form in the International Congress in Pertaining to schoolEducation of FCL/AR UNESP, in the Category Verbal communication, 14 the 17 of August of 2006.* Graduada em Letras. Mestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Professora doEnsino Fundamental na Rede Pública do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]** Doutora em Educação pela Université René Descartes - Paris V, Docente do Programa de Pós-Graduaçãoem Educação (PPGE)-Mestrado e do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Moura Lacerda (CUML).E-mail: [email protected]

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de professores alfabetizadores promovido pela SecretariaEstadual de Educação de São Paulo (SEE/SP). Para a cole-ta de dados utilizaram-se questionários e entrevistas semi-estruturadas, que foram transcritas e submetidas a análi-se de conteúdo. Os resultados apontaram uma represen-tação da família “ideal”, não condizente com a “real”, aque-la que interage com o cotidiano escolar. Para os partici-pantes, a família “real” não tem condições de dar apoio,atenção e afeto a esses educandos. As representações soci-ais dos professores sobre a família de alunos com dificul-dades de aprendizagem revelam que o desempenho esco-lar insatisfatório do educando é causado pela família, quenão acompanha as tarefas escolares. A escola é eximidada responsabilidade.

Palavras-chave: Família. Dificuldades de aprendizagem.Representação social.

Abstract: The idea of developing this paper arose from theneed to understand how and why the family isacknowledged as responsible for the unsatisfactoryperformance of students with learning difficulties at schoolin the last few years. It is important to study the familyfrom this angle, and it is relevant to understand theharmonious or conflictive social interactions between theschool and family, because both coexist in a relationshipof interdependence which will interfere even indirectly instudents´ learning experience. Therefore, the aim of thispaper is to analyze the social representation of teachersabout the family of students with learning difficulties. Thisresearch was based on the Social Representation Theorydeveloped by Serge Moscovici in 1961. Thirteen publicschool teachers from Ribeirao Preto participated in thisstudy, all of which took part at the “Programa Letra e Vida”,a program promoted by Secretaria Estadual de Educaçãode Sao Paulo (SEE/SP) that prepares teachers to teachreading and writing. The data was collected by means of aquestionnaire and a semi-structured interview that wastranscribed and submitted to content analysis. The resultsshowed an “ideal” family representation not corresponding

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to the “real” one, which interacts with the school dailyroutine. For the participants, the “real” family is not ableto support and give attention to the students. The socialrepresentation of the teachers about the students’ familiesshows that the unsatisfactory performance of the studentsat school is caused by the family that does not keep upwith the school tasks. The school is, therefore, exempt fromany responsibility.

Keywords: Family. Learning difficulties. Socialrepresentation.

A INSTITUIÇÃO FAMILIAR: COMPLEXIDADE E DESAFIOS

Através deste estudo, pretende-se verificar as representaçõesconstruídas pelos professores sobre a família de educandos com difi-culdade de aprendizagem no âmbito escolar.

Estudar a família é algo complexo, pois não só envolve valorese atitudes, como também um modelo normativo construído por cadaindivíduo. Este modelo elaborado pelo homem é histórico e preso àsperspectivas diferentes das classes sociais. (MELLO, 2005).

A família recebe a influência do tempo presente, sendo marcadapelas transformações sociais, econômicas e políticas. É na convivênciafamiliar que valores, atitudes e concepções são forjadas. Atualmente,há diversos modelos de núcleos familiares presentes no cotidiano esco-lar, com algumas mudanças sociais, como o aumento do número depais e mães solteiros e/ou separados, casais morando sob o mesmo tetosem a oficialização do casamento, adoções individuais e famílias ho-mossexuais, com reflexos na estrutura e no modelo de família até entãoconsiderado na sociedade como “normal”.

Para Silva (2005, p.101): “A família atual se organiza de formaa renunciar o individualismo patriarcal para contextualizar outrospadrões e comportamentos que são sentidos como legítimos e verda-deiros”. Paralelamente, outras mudanças sociais desencadearam umareestruturação familiar, por causa da alteração dos papéis desempe-nhados pelos indivíduos na sociedade. Exemplos desta colocação fo-ram a inserção da mulher no mercado de trabalho e o desempenho,pelo homem, de atividades que eram prioritárias da mulher como le-

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var a criança à escola, dialogar com os filhos e com o professor quandosolicitado, entre outras. Em face disso, pode-se dizer que a família refle-te a cultura na qual está inserida, não podendo ser apontada comouma entidade isolada.

Tanto a família como a escola são vistas como instituiçõesmarcantes, com peculiaridades distintas na sociedade. O elo de seme-lhança entre elas é que as duas não são estáticas e definidas, ou seja,são instituições que evoluem e se transformam de acordo com as con-junturas socioeconômicas e culturais. Segundo Bourdieu (2004), a fa-mília é quem delega ao indivíduo o patrimônio cultural e econômicoque é reforçado pela escola: “É, enfim, a lógica própria de um sistemaque tem como função objetiva conservar os valores que fundamentam aordem social”. (BOURDIEU, 2004, p.56).

Carvalho (2000) chama atenção ao fato de que a cobrança dospais na gestão da escola pública brasileira é conseqüência da políticaeducacional recente, de caráter neoliberal. Ela considera que este tipode política desencadeia dois efeitos perversos: converte as diferençasde capital (social, econômico e cultural) em resultados educacionaisdesiguais e penaliza a família, principalmente a mãe, pelo fracasso es-colar do filho.

O número de alunos com dificuldades de aprendizagem vem au-mentando consideravelmente nos últimos anos. E quando adentra o fa-tor “causa”, a família aparece como um dos indicativos principais, poisé freqüente o discurso no cotidiano escolar, especialmente em institui-ções educacionais que atendem às famílias de baixa renda, do professordesamparado e frustrado com o desempenho insatisfatório dos educandose que protesta contra a falta de cooperação e ausência dos pais.

Assim, diante desta complexa situação educacional, questiona-se: Quais são os motivos que permeiam esta questão? Quais são asrepresentações formuladas sobre a família desse educando pelos pro-fessores? São estas questões que este trabalho tentará desvendar.

Parte-se do pressuposto de que estudar a família por este ângulo,verificando as interações sociais, conflitivas ou harmoniosas, entre ainstituição escolar e familiar, é um fator importante, pois se consideraque elas coexistem numa relação de interdependência e que a relaçãodestas instituições sociais interferirá, mesmo indiretamente, na apren-dizagem do educando.

Buscar as concepções formadas por professores sobre a institui-ção familiar foi a maneira encontrada para verificar como estas instân-cias sociais se relacionam cotidianamente, tendo como fundamentação

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a Teoria das Representações Sociais (TRS). Refletir sobre os fenômenoseducacionais a partir da teoria moscoviciana é considerado importan-te, pois essa permite uma aproximação do cotidiano escolar compreen-dendo não só as relações intra e intergrupos dos indivíduos com seuambiente social, como também o entendimento dos determinantes doscomportamentos e das práticas sociais. (MOSCOVICI, 1978).

A Teoria das Representações Sociais foi elaborada por SergeMoscovici, em seu livro La Psychanalyse, son image, son public, publi-cado na França, em 1961. Nesta obra, o autor teve como problemáticaentender o processo de apropriação da teoria psicanalítica por diferen-tes grupos sociais na França. A questão central do trabalho circulavaem torno de como era consumida, transferida e utilizada uma teoriacientífica pelo grande público. Sua pesquisa marcou uma mudança sig-nificativa dentro dos campos da sociologia e da psicologia no se refereàs análises teóricas dos determinantes do comportamento social dohomem. Assim, a Teoria das Representações Sociais foi desenvolvida noâmbito de Psicologia Social.

A representação social consegue ligar o real, o psicológico e osocial, estabelecendo conexões entre as crenças, a vida abstrata do sa-ber e a vida concreta do sujeito em seus processos de interação com ooutro. Esta teoria possibilita a compreensão não somente do que osindivíduos pensam de um objeto, cujo conteúdo carrega valor social-mente relevante e evidente, mas também como e por que eles pensamdaquela forma. (ROAZZI; FEDERICCI; WILSON, 2001).

Serge Moscovici apontou as representações como sendo “umamodalidade de conhecimento particular que tem por função a elabora-ção de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”.(MOSCOVICI, 1978, p.26). Nesse sentido, pode-se dizer que não équalquer conhecimento que pode ser visto como representação social,mas somente aquele elaborado na vida cotidiana dos indivíduos, pelosenso comum, construído socialmente, e com a capacidade de ação ereflexão sobre a realidade.

Dois processos básicos foram designados na elaboração das re-presentações sociais, que são a ancoragem e a objetivação. Esses pro-cessos são imprescindíveis, segudo Moscovici: “Não é fácil transformarpalavras não-familiares, idéias ou seres, em palavras usuais, próximase atuais”. (MOSCOVICI, 2004, p.60).

A ancoragem é o processo pelo qual se traz para categorias eimagens conhecidas o que ainda não está classificado, encaixado erotulado. O “estranho”, o “desconhecido” muitas vezes ameaça o ho-

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3 Letra e Vida é um programa de formação de professores alfabetizadores, cujo propósito é desenvolvercompetências profissionais necessárias, incluindo a reflexão sobre a prática educativa. A prioridade dapolítica educacional da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, estabelecida pelo secretário,professor Gabriel Chalita, é a melhoria da competência leitora dos alunos. O referido programa insere-se num grande programa de formação continuada, destinado a professores que ensinam crianças, jovense adultos a ler e a escrever, e ainda a assistentes técnico-pedagógicos e professores-coordenadores queorientam professores alfabetizadores da rede pública.

mem, e é nessa circunstância que o movimento da ancoragem o auxilia,pois é ela que permite transformar o estranho em algo familiar, conheci-do, ou seja, ancora o “diferente” em representações já existentes.

Oliveira e Werba (1999, p.109) afirmam que, na ancoragem, estáimplícito um juízo de valor, porque, quando o indivíduo ancora, classi-fica uma idéia, objeto ou pessoa, situa-o em alguma categoria que histo-ricamente adquiriu esta dimensão valorativa. E ainda: “Quando algonão se encaixa exatamente ao modelo conhecido, nós o forçamos assu-mir determinada forma, ou entrar em determinada categoria, sob penade não poder ser decodificado.”

O outro processo, a objetivação, corresponde à fase figurativa,cujo resultado é a materialização do conceito abstrato; ou seja, “aobjetivação consiste em materializar as abstrações, corporificar os pen-samentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim transformar emobjeto que é representado”. (NÓBREGA, 2001, p.73).

A partir destas considerações, este estudo verificará as represen-tações sociais de professores sobre a família por meio desses dois pro-cessos, possibilitando, assim, apreender os valores, as práticas, as ati-tudes ocorridas no universo escolar.

METODOLOGIA: O CAMINHO PERCORRIDO

Participaram deste estudo 13 professoras do Ensino Fundamen-tal (1ª a 4ª série) na rede pública do estado de São Paulo. Todas sãocursistas do Programa Letra e Vida3 em Ribeirão Preto (SP).

Para a seleção dos participantes, a pesquisadora primeiramenteprocurou a coordenadora geral do curso. Logo em seguida, após a expli-cação do trabalho de pesquisa, foi feito o agendamento de horário comas professoras interessadas em participar.

A entrevista semi-estruturada foi o instrumento de coleta de da-dos junto às professoras participantes. Foi passado o Termo de Consen-timento Livre e Esclarecido, assegurando-lhes o anonimato na publica-

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ção do trabalho. Depois, as entrevistas foram transcritas literalmentepela pesquisadora.

É na prática que são definidos os processos de análise (BARDIN,1995). A necessidade de analisar o material coletado, ou seja, as entre-vistas transcritas e validadas pelos sujeitos participantes, exigiu umadefinição básica dos procedimentos.

Inicialmente a pesquisadora procurou os modelos de análise dis-poníveis na literatura sobre o tema. Entre as existentes, a opção deu-sepela Análise de Conteúdo (BARDIN, 1995)4 e, dentre as várias técnicasda análise de conteúdo, optou-se pela Análise Temática. Segundo Bardin(1995, p.15), “tema é a unidade de significação que se liberta natural-mente de um texto analisado, segundo critérios relativos à teoria queserve de guia à leitura”.

Em um primeiro momento, foi feita a leitura flutuante das ques-tões, mediante um contato extenuante com o material coletado, proces-so de que surgiram pressupostos, palavras-chave e recortes capazes deproporcionar a categorização do material, para ser possível realizar umaanálise mais concisa.

A escolha deste tipo de análise deve-se ao fato de a pesquisa serorientada pela abordagem qualitativa. Dos conteúdos analisados surgi-ram três temas: “família”, “escola” e “aluno”. Apesar de estes temasestarem articulados, no presente texto apenas o primeiro será abordado.

FAMÍLIA REAL OU IDEAL?

Imersa em um contexto repleto de mudanças econômicas, políti-cas e, sobretudo, sociais, a escola se depara com uma instituição fami-liar estruturada de maneira diferente da de anos anteriores. Esta situa-ção desencadeia conflitos entre estas duas instituições sociais. Algunsrelatos dos participantes mostraram esses aspectos conflitivos:

“O envolvimento com os pais está muito complicado [...]”.

“[...] não é isso que o profissional da educação hoje encontra. Essaparceria família e escola tá muito difícil nos dias de hoje, [...]”.

4 Posteriormente, o material coletado foi submetido à análise lexical e de conteúdo mediante osoftware ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte). Contudo, asautoras reservaram esta análise para outro artigo.

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“Então é um relacionamento muito difícil até com os pais”.

Percebe-se que as interações sociais entre estas duas entidades,escola e família, não estão conectadas satisfatoriamente do ponto devista das professoras, necessitando, portanto, de uma reflexão maior,para que se estabeleçam vínculos mais produtivos para todos os en-volvidos.

Outro tópico destacado com predominância nos discursos ana-lisados foi a questão de a família não participar conjuntamente com oprofessor na aprendizagem do educando que apresenta dificuldades.As falas abaixo são bem representativas disso:

“A gente pede [..] apoio, mas os pais hoje em dia [...]”.

“Mas você percebe que a maioria deles não tem um acompanha-

mento dos pais e é isso que falta. Se a criança tem dificuldade, ospais teriam que ajudar mais, estar mais presentes e o que [...] se

percebe que é o que menos ocorre”.

“[...] na maioria das vezes, nós não temos apoio dos familiares,

então isso gera uma dificuldade”.

Entende-se explicitamente nestes relatos que a família não dáapoio aos filhos e não se envolve com suas atividades escolares, cau-sando, assim, um obstáculo para o trabalho do professor. Quando osalunos demonstram um desempenho escolar insatisfatório, os profes-sores se referem à ausência dos pais:

“[...] principalmente as crianças que têm mais dificuldades ospais são mais distantes da escola, [...]”.

“Se você falar que vai ter uma festa na escola, tudo de graça, aí

eles vão e vai papagaio, periquito, cachorro, vai todo mundo. Masdo contrário, se você chamar pra falar diretamente da criança aí

eles não aparecem, não aparecem mesmo”.

Este problema acentua-se mais nas famílias que têm uma situa-ção socioeconômica mais distante da cultura escolar, pois os pais nãodispõem da linguagem e dos costumes da instituição, não tendo tam-bém a mesma concepção das classes mais favorecidas a respeito daescola. Abramovay (2003, p.460) destaca fato: “Verifica-se, assim, quea escola contribui para reproduzir a hierarquia das posições sociais,

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pois aqueles mais familiarizados com os códigos da cultura escolar e dacultura dominante acabam sendo favorecidos.”

Em alguns discursos, os professores enfatizaram os problemassocioeconômicos da família com estas características como justificativada ausência familiar no âmbito escolar.

“[...] nem sempre por culpa deles, mas a preocupação maior deleshoje em dia é trazer o pão pra dentro de casa, [...]”.

“E tudo interfere, a própria situação financeira, os pais por estemotivo [...]”.

Observando os dados, verificou-se que não só a causa das difi-culdades de aprendizagem advém principalmente da questão familiar,mas também que a solução delas se centrou ao redor do núcleo familiardeste educando. Neste sentido, os participantes, apesar de se sentiremresponsáveis pelos alunos, ainda delegam à família a função de ofereceras condições para que eles superem suas dificuldades escolares.

Romanelli (2005, p.77), ao comentar as mudanças ocorridasna estrutura familiar, sublinhao seguinte: “Uma das transformaçõesmais significativas na vida doméstica e que redunda em mudanças nadinâmica familiar é a crescente participação do sexo feminino na forçade trabalho, em conseqüência das dificuldades enfrentadas pelas fa-mílias.”

Este fato foi destacado em algumas falas das professoras. Aquise reportaram à época de sua infância, onde a família, em especial amãe, era mais presente.

“[...] a gente vê que são pais ausentes, que essas crianças ficamsozinhas ou com uma outra pessoa que não seja os pais [...]”.

“Na minha época eu tinha uma mãe que tava sempre presente,[...] ela queria resultados, então a gente tinha a família mais pró-xima, [...] e hoje você vê que não tem isso, a maioria dos paistrabalham fora e eles ficam a Deus dará”.

Ao longo de todas as entrevistas, evidenciou-se também que afamília do aluno com dificuldades de aprendizagem foi apontada como“desestruturada”, sendo vista como “diferente” nas relações afetivo-relacionais em comparação com aquelas que, implicitamente, são con-sideradas “estruturadas”:

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“[...] a maioria deles não tem o afeto e o carinho que tem umafamília normal, são famílias desestruturadas [...]”.

“[...] então, eu penso que essas crianças emocionalmente elas sãode famílias desestruturadas”.

“[...] são problemas familiares mesmo de má estrutura familiar.Normalmente os problemas de aprendizagem são com essas famí-lias”.

“[...] pelas famílias que são desestruturadas e não valorizam aescola”.

Szymanski (2005, p.21) sustenta que, desde Freud, a famíliapassou a ser vista como “lócus potencialmente produtor de pessoassaudáveis, felizes e equilibradas, ou como o núcleo gerador de insegu-ranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de comportamento.”(grifo nosso).

Diante disso, pode-se dizer que, no entender desse grupopesquisado, as famílias destes alunos focados pertencem ao segundocaso citado por Szymanski (2005). No que tange ao aspecto afetivo-relacional destas famílias, em algumas descrições, notaram-seconotações preconceituosas e negativas, reforçando a idéia da “falta”e da “incompletude”.

Segundo esta autora, todo grupo familiar tem um modo parti-cular de relacionar-se, desencadeando “uma ‘cultura’ familiar pró-pria, com seus códigos, com uma sintaxe própria para comunicar-se einterpretar comunicações, com suas regras, ritos e jogos”. (SZYMANSKI,2005, p.25).

Os depoimentos revelaram tacitamente que, para estes profes-sores, a família ideal, visualizada como “normal”, é composta porpai, mãe e filhos, vivendo em um local acolhedor, sem conflitos. “Foradeste contexto, as famílias são consideradas ‘incompletas’ e‘desestruturadas’. Essas são as mais responsabilizadas por proble-mas emocionais, desvios de comportamento [...] e fracasso escolar”.(SZYMANSKI, 2005, p.24).

Desta forma, pode-se supor que a representação de família paraestes docentes está vinculada ao modelo de família burguesa, comoregra, com a aceitação implícita de seus valores, crenças e modelosemocionais. Para Szymanski (2005, p.25): “Supõe-se ou aceita-se irre-fletidamente um modelo imposto pelo discurso das instituições, da

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mídia e até mesmo de profissionais, que é apresentado, não só comoo jeito ‘certo’ de se viver em família, mas também como um valor”.

Como conseqüência, o relacionamento com a família desteseducandos gera a sensação de “diferença”, de “ausência”, de“inadequação” e de “desinteresse”. Percebeu-se nos relatos que a repre-sentação elaborada por este grupo sobre a família ideal não condiz coma família concreta, com a família real de seu aluno. Quando se pergun-tou a uma professora sobre o relacionamento do aluno com dificulda-des de aprendizagem com sua família, obteve-se o seguinte depoimento:

“É uma coisa assim que você percebe que não tem... afinidades épai ausente, mãe ausente que trabalham e não têm tempo. Têmum monte de filhos e sempre o pai está preso ou é a mãe que estápresa, [...]”.

Com isso, como afirma Szymanski: “A família que se construiu,a vivida, apareceu como um caminho indesejado, com um caráter de‘não escolhido’, mas de imposto pelas vicissitudes da vida”.(SZYMANSKI, 2005, p.26).

Esta família, basicamente, apareceu tão fragilizada que em muitosdiscursos foi colocada a necessidade de a escola exercer o seu papelsocial no sentido de auxiliá-la, orientando-a, como se os seus valores,costumes e atitudes fossem diferentes do contexto escolar no qual acriança está inserida. O relato seguinte é um exemplo:

“Então você vê assim que é conscientização mesmo, é dos pais,porque como a gente vai exigir da criança uma postura se o pai ea mãe não têm dentro de casa? [...] tem que começar é dos pais,senão os filhos não vão virar nada, infelizmente”.

Uma professora até sugere que deveria existir uma escola para afamília:

“A questão de valores que desestrutura a família, a falta de limites,isso eu não vejo como resolver hoje, a não ser que a gente monteuma escola pra família. Isso seria o ideal, escola pra família”.

Todos estes dados levantados referentes à família confirmamo que Tomasini diz: “As influências do estigma não se limitam só aoindivíduo considerado diferente, elas se estendem para aqueles in-

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divíduos que se relacionam com ele na estrutura social”. (TOMASINI,2001, p.117). Neste contexto, não só o aluno com dificuldades deaprendizagem tem um atributo diferenciado, mas a sua família tam-bém compartilha um pouco deste descrédito, “uma relação que levaa sociedade mais ampla a considerar ambos como uma só pessoa”.(GOFFMAN, 1988, p.39).

No que concerne aos processos formadores de representaçãosocial, os discursos demonstraram que várias imagens (processo deobjetivação) circulam entre os professores sobre a instituição famili-ar: “desestruturada”, “irresponsável”, “desatenta”.

Os relatos dos participantes mostram indícios de que estasimagens estão arraigadas em concepções de tendência ambientalista,que ressaltam a deficiência sociocultural do ambiente familiar (pro-cesso de ancoragem). Ou seja, as representações sociais dos profes-sores sobre a família de alunos com dificuldades de aprendizagemrevelam que o desempenho escolar insatisfatório do educando écausado pela família, que não acompanha as tarefas escolares eque não se interessa pelo cotidiano escolar de seus filhos. Comisto, a escola se exime de suas responsabilidades sociais e delega ofracasso destes alunos a sua família “desestruturada”.

À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se verificar as representações sociais ela-boradas por professores sobre a família do aluno que apresenta difi-culdades de aprendizagem. Para se compreender esta realidade, foramconsideradas as formas como os professores vivem determinadas con-junturas, explicam, reconhecem e elaboram estas situações no cotidi-ano escolar junto da família dos seus alunos.

Diante dos dados levantados, foi possível constatar que há umconflito oculto entre o professor e a família deste educando, pois háuma representação da família “ideal”, que não condiz com a “real”.Para os participantes, a família “real” não tem condições de dar apoio,atenção e carinho aos educandos. Desta forma, cabe ao professor nãosó escolarizar, mas também oferecer o suporte afetivo e relacional (en-sinar a ser “bem comportado”, respeitar os colegas, entre outros) con-siderado adequado. Assim, a representação social que se constrói so-bre este educando é a do “desamparo”, do “abandono”.

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A respeito dessas representações, Moscovici afirma o seguinte:“Pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação eda cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por umindivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquiremuma vida própria, circulam, encontram-se.” Por ser compartilhadapor um grupo e ser reforçada pelas crenças, valores, imagens e pelatradição, ela constitui, enquanto representação, uma realidade socialsui generis. (MOSCOVICI, 2004, p.41).

Diante da heterogeneidade da estrutura familiar, não se podeapontar os novos arranjos familiares como núcleos sociais errados,tampouco considerá-los como “desestruturados”. Deve-se, sim,compreendê-los em suas relações afetivas, pelos valores, crenças ecostumes que estão impregnados nesta família, como também, pelosaspectos sociais e históricos e contextuais que a permeiam.

Embora investigações mais amplas sejam necessárias, é possí-vel afirmar que esta imagem idealizada sobre a família não só se tornaum obstáculo como também tem dificultado a interação social e peda-gógica do professor com seus alunos. Essa situação demanda tantopropostas políticas mais amplas quanto mudança de valores pessoaise sociais no âmbito do cotidiano escolar.

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Encaminhado em: 19/03/07

Aceito em: 27/04/07

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Fernando Cézar Bezerra de Andrade

COMPETÊNCIA PARA FAZER FACE À VIOLÊN-CIA: DEFININDO A COMPETÊNCIA INTER-RELACIONAL DO(A)EDUCADOR(A) NO MA-NEJO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA

COMPETENCE TO FACE VIOLENCE: ADEFINITION OF THE EDUCATOR’SINTERRELATIONAL COMPETENCE INDEALING WITH VIOLENCE IN SCHOOLS

Fernando Cézar Bezerra de ANDRADE*

Resumo: Após apresentar o cenário dos estudos sobre aviolência na escola e sumarizar o debate sobre competên-cia em educação, define-se o conceito de competênciainter-relacional do(a) educador(a) escolar, reconhecidacomo condição necessária à intervenção eficaz desse(a)profissional nos processos de gestão de conflitos e desuperação ou prevenção à violência na escola. Em segui-da, para demonstrá-la, apresentam-se elementosindicativos da formação e da aplicação dessa competên-cia, tais como coletados em depoimento obtido duranteentrevista concedida por uma diretora de escola da redepública de ensino fundamental e médio em João Pessoa –Paraíba, e analisados a partir da teoria winnicottiana.

Palavras-chave: Competência inter-relacional.Educador(a) escolar. Violência na escola.

Abstract: After presenting the scenario of the studies aboutviolence in schools and summarizing the debate aboutcompetence in education, this article defines schooleducators´ interrelational competence as a necessarycondition to efficiently manage conflicts and prevent or

* Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Departamento de Funda-mentação da Educação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected].

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Competência para fazer face à violência...

overcome violence in schools. Next, to demonstrate thatcompetence, some elements of its development andapplication are presented as they have been collected inan interview given by a principal of a public school in JoãoPessoa – Paraíba. The data is analyzed from the perspectiveof the psychoanalytical theory developed by D. Winnicott.

Keywords: Interrelational competence. School educator.Violence in school.

INTRODUÇÃO

Há educadores e educadoras que põem em ação um saber espe-cialmente útil para a intervenção pedagógica em situações de conflitoe de violência na escola: a competência inter-relacional.

Quem não conhece alguém assim? Pessoas que contribuem parauma convivência pacífica na escola, a grande maioria delas sem umapreparação especializada para essa tarefa, pois os conflitos conviviaise a violência na escola ainda não são objetos de estudo na maioriados cursos de formação de profissionais da educação no Brasil. Nãoobstante, eles e elas desenvolveram essa competência a partir de suashistórias pessoais e profissionais.

Neste trabalho, objetiva-se ilustrar e analisar, à luz da teoriawinnicottiana (WINNICOTT, 1975, 1995), a competência inter-relacionalde Socorro1, uma diretora de escola da rede pública de ensino em JoãoPessoa – Paraíba, no manejo de situações de conflito e de violência naescola. Para tanto, após apresentar o cenário dos estudos sobre a violên-cia na escola e sumarizar o debate sobre competência em educação, defi-ne-se o conceito de competência inter-relacional do(a) educador(a) esco-lar, reconhecida como condição necessária à intervenção eficaz desse(a)profissional nos processos de gestão de conflitos e de superação ou pre-venção da violência na escola. Em seguida, analisar-se-ão fragmentos deuma entrevista concedida por Socorro, transcrita literalmente e analisa-da conforme a técnica da análise de conteúdo. (BARDIN, 1979).

Supõe-se que as relações familiares e as experiências profissio-nais funcionam, na história de vida de educadores e educadoras, como

1 Pseudônimo atribuído à educadora, por razões éticas.

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redes intersubjetivas de estruturação dos fundamentos psicossociaisda competência inter-relacional.

A VIOLÊNCIA COMO CONTEXTO DA COMPETÊNCIA

Historicamente, como mostra Sposito (2001), o aumento do in-teresse pela violência na escola nasce no contexto da redemocratizaçãobrasileira. Se nos anos 1980 a preocupação maior consistia em protegeras escolas de invasores e em geri-las mais democraticamente, nos anos1990 “a violência escolar passa a ser observada nas interações dosgrupos de alunos, caracterizando um tipo de sociabilidade entre ospares ou de jovens com o mundo adulto” (p.91), tornando mais com-plexa sua análise.

Exemplos do crescente interesse pelo problema são a inclusão daética como temática transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais(BRASIL, 1997a, 1997b) – os quais já fazem menção ao problema daviolência na escola – e o aumento de publicações especializadas surgidasem português nos últimos anos, sobretudo com a iniciativa da UNESCO.Pesquisas de abrangência nacional e local foram desenvolvidas, princi-palmente como investigações acadêmicas de pós-graduação, deabrangência nacional ou local, enfocando fatores externos e internos àescola que contribuem para as manifestações da violência (ABRAMOVAY,2002, 2003; ABRAMOVAY; RUA, 2002; BATISTA; EL-MOOR, 1999;BRASIL, 2003; CANDAU, 2001; CASTRO, 2001; DEBARBIEU; BLAYA,2002a, 2002b; GUIMARÃES, 1988, 1992, 1996a, 1996b; LUCINDA;NASCIMENTO; CANDAU, 2001; NOLETO, 2004; OLIVEIRA, 2000;ORTEGA; DEL REY, 2002; RISTUM, 2001; SANTOS, 2002; SPOSITO,2001; WAISELFISZ; MACIEL, 2003).

Análises sociológicas explicam esse problema como resultado defracassos da escola em garantir qualidade na socializante (PERALVA,1997; SPOSITO, 2001), ou no ensino (MELLO, 1996, 2004). Articula-dos, esses aspectos apontam, pari passu, para a importância e a inefi-cácia da escola, que não facilita a inclusão das novas gerações à socie-dade, deixando de transmitir-lhes valores, de facilitar-lhes o desenvol-vimento de habilidades cognitivas e de instruir-lhes nos conhecimentosnecessários à vida pessoal e coletiva. Com isso, a escola perde sentidoe se torna alvo de depredações e palco de violências físicas e verbais,deixando de ser respeitada e cuidada pelos que a fazem.

As análises de enfoque psicológico, estudando as relações

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2 Na escola, então, explica o processo de aproximação e crítica do conhecimento, através da inserçãodo conhecimento na cadeia de derivações desenvolvida a partir da experiência fundadora com o objetotransicional, definido por Winnicott (1975, p.13) como “primeira possessão que seja não-eu”. Oobjeto transicional, tomando a forma de um objeto real (ou de uma parte dele), indica a experiênciade conjugar separação da mãe com constituição primária do eu através do controle (imaginário) doobjeto e de sua substituição por um objeto secundário, novo (já que inventado pelo bebê) e necessáriocontributo para a definição do psiquismo do bebê. Assim, o objeto transicional “constitui-se nosímbolo da passagem que o bebê faz da experiência de adaptação da mãe as suas necessidades duranteo período de dependência absoluta, para a dependência relativa, quando passa a ver a mãe como nãosendo parte dele mesmo” (ABRAM, 2000, p.255). A escola deve, pois, oferecer-se como espaço inter-relacional que, organizado em torno do conhecimento, permite a reconstrução do mundo pelo alunado,que sublimará tratando o conhecimento à semelhança do que tratou, um dia, os objetos transicionais.

interpessoais, o comportamento agressivo e, em alguns casos, persis-tentemente abusivo de alguns alunos, bem como os fatores individuaisprecipitantes da violência – tais como a existência de modelos parentais,grupais e escolares agressivos, punitivos e inconsistentes, a ausênciade modelos pró-sociais, as expectativas escolares baixas ou imprecisase o fracasso escolar – revelam a importância de não se desconsiderarum plano microscópico desse fenômeno, inclusive na preparação deeducadores e educadoras, que ainda se sentem, por exemplo, inaptospara lidar com o comportamento agressivo do alunado (FANTE, 2005;ROYER, 2002, 2003, 2005).

Ainda nesse plano microscópico, a teoria psicanalítica traz aportespara o entendimento da violência, associada a processos inconscientese intersubjetivos: entre eles, neste trabalho, recorre-se à idéia da disso-lução do espaço potencial, definido por Winnicott (1975) como aqueleconstituído pela separação gradual entre mãe e bebê (à medida que estevai ganhando autonomia), transformando qualitativamente a relaçãode objeto. É, portanto, o espaço inicialmente criado pela ilusão, “o lu-gar em que a experiência cultural se localiza” (WINNICOTT, 1975,p.139), uma interseção entre as realidades externa e interna que, deli-mitando ambas, faz a transição entre elas e funciona como terceirarealidade (ABRAM, 2000, p.253), caracterizada como intersubjetividadee responsável pela modulação da experiência de conhecimento do mun-do objetivo2. Nessa perspectiva, a violência é derivada de uma falta desuprimento ambiental de segurança e bem-estar, e interpretada comoum esforço para sentir-se vivo, existente, já que só em função da reaçãoa uma invasão da identidade é que o agente de violência se percebedistinto do ambiente que o cerca. Nesse sentido, ela paradoxalmentecomunica uma esperança de provisão satisfatória e deve ser entendidacomo um apelo à contenção e cuidados, subentendido nos comporta-mentos delinqüentes. (WINNICOTT, 1995).

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Articulando vários desses planos micro e macroscópicos, as aná-lises da perspectiva ecológica consideram, ao mesmo tempo e de modointegrado, tanto fatores externos quanto internos à escola, para enten-der a violência e intervir mais eficazmente, como mostram os trabalhosde Ortega e Del Rey (2002) e de Tilmant (2004). É este último, porexemplo, quem propõe o conhecimento de cinco planos concêntricos deabrangência da violência na escola: o microssistema (turma), oendossistema (escola), o mesossistema (bairro e cercanias), o exossistema(sociedade) e o macrossistema (sistemas e ideologias). Ainda segundoesse autor, a aplicação inteligente das estratégias de gestão de conflitose de contenção da violência confere ao educador a respeitabilidade, aconfiabilidade e a liderança necessárias à construção de uma relaçãoem que ele sirva como exemplo e objeto de transferências. Isso permiteque o alunado se identifique e sublime sua agressividade, o que contri-bui para uma socialização bem-sucedida.

Essas perspectivas e interpretações ajudam a entender, no cená-rio de várias experiências (ABRAMOVAY; ANDRADE; FARAH NETO;MACEDO E CASTRO, 2003; ABRAMOVAY et al., 2003; CASTRO, 2001;LUCINDA; NASCIMENTO; CANDAU, 2001; NOLETO, 2004;WAISELFISZ; MACIEL, 2003), a importância da intervenção do(a)educador(a) escolar no processo de superação e prevenção à violênciana escola: é dele(a) a responsabilidade de estabelecer as condições parao desenvolvimento da sociabilidade do alunado. Para tanto, são decisi-vas suas competências profissionais e, no caso dos conflitos e da vio-lência, a competência inter-relacional, a seguir definida, no contextodos debates sobre competência em educação.

COMPETÊNCIA INTER-RELACIONAL DO EDUCADOR:CONSTRUINDO UMA DEFINIÇÃO

A literatura sobre competência revela vários debates acerca des-sa definição: ela não é consensual nem facilmente formulável, só recen-temente ganhou espaço nos discursos sobre a escola e é alvo de críticasa respeito de seus pressupostos ideológicos. Logo, para pensar critica-mente a competência inter-relacional, é mister reconhecer alguns dosproblemas apontados na literatura sobre competência em educação.

A etimologia indica uma mesma raiz para o verbo competir e osubstantivo competência: em latim, pedir com (CUNHA, 1982; FARIA,1962). O verbo, além de comportar a significação de caber a por compe-

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tência, ganhou outro significado, hoje o mais evocado – disputar, riva-lizar (MACHADO, 2002; PINTE, 2004). O substantivo, por sua vez, ésinônimo de faculdade, capacidade, aptidão, idoneidade. Assim, com-petente é quem tem a “qualidade de apreciar e resolver certo assunto,fazer determinada coisa”. (FERREIRA, 1986, p.440). Há, então, umaambigüidade semântica entre solidarizar-se e rivalizar, que fala de umpoder em relação a algo ou alguém.

A história da definição contribui para o entendimento dessa am-bigüidade. A noção divulgou-se no discurso científico, a partir dos tra-balhos lingüísticos de Chomsky, e no discurso educacional, a partir dasdemandas feitas à educação profissionalizante por um trabalhador maisengenhoso, especializado e autônomo, criativo e flexível em seu traba-lho, segundo pressupostos do cognitivismo – outra das fontes teóricasdas teorias da competência (DOLZ; OLLAGNIER, 2004; JOBERT, 2003;MACHADO, 2002; PINTE, 2004).

As críticas feitas ao conceito mostram os perigos de seu usoacrítico: a competência pode tornar-se sinônimo de eficiência eoperacionalidade profissional, que disfarçam, numa linguagem econô-mica neoliberal, o interesse pelo lucro (DOLZ; OLLAGNIER, 2004). Heslon(2004) também vê na competência a possibilidade de uma “adultificação”da infância, caso se resuma a educação infantil a uma propedêutica dotrabalho eficaz – e lucrativo. Outro perigo é a redução das causas dosucesso profissional à exclusiva responsabilidade individual. “Cada umé doravante encarregado de desenvolver e manter suas próprias compe-tências, sob pena de cair em fracasso – inicialmente profissional e de-pois social”. (PINTE, 2004, p.231).

Ao criar-se uma elite de competentes que se especializariam atra-vés de algum tipo de saber (BREYNER, 2006), surge a idéia da competi-ção, expressa no verbo “competir”: pertencerá àquela elite quem formais competente. Assim, o termo carrega a contradição das sociedadesmodernas, em que a escola é instituída para igualar e elitizar, comomostram as teorias da reprodução social pela escola (BOURDIEU;PASSÉRON, 1982; OURY; PAIN, 1998; PERRENOUD, 2005).

Não obstante todas essas questões, o conceito motiva a investi-gação, sobretudo porque a sua pesquisa produz teorias explicativas dosucesso em situações nas quais o planejamento é insuficiente ou inade-quado – quando é necessário criar novas e eficazes soluções para osproblemas enfrentados (REY, 2002).

A revisão da literatura sobre competência permitiu identificarquatro dimensões fundamentais, indissociavelmente ligadas entre si

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para explicar a eficácia de uma intervenção: a comportamental, acognitiva, a social e a afetiva, às quais aqui se junta uma quinta, adesiderativa – da ordem dos desejos que, conscientes ou inconscientes,motivam a conduta e interferem na cognição, nos afetos e nas relaçõesintersubjetivas.

A dimensão comportamental diz respeito, em termoscomportamentalistas, à exterioridade observável da conduta e de seusefeitos na contingência específica em que ela é emitida. Trata da ade-quação do comportamento a seu contexto e da previsão do desempe-nho eficaz: nessa dimensão, portanto, a competência é um saber-fazer(DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001, 2004, 2006; PERRENOUD, 2002;REY, 2002; ROYER, 2005). No caso dos conflitos e da violência, issosignifica saber combinar reações coerentes com as características espe-cíficas da situação, de modo a tornar a intervenção pedagógica uma“prevenção reativa” ou uma “reação preventiva” (CASANOVA, 2004,p.83). Aqui, o conhecimento técnico revela-se essencial.

A dimensão cognitiva compreende os processos mentais não di-retamente observáveis. A competência é então definida como umametacognição, situada, responsável pela mobilização e pela integraçãodas habilidades, da inteligência e dos habitus necessários à aprendiza-gem na ocasião em que ela se dá – o que resulta na criação de esquemasmentais e habilidades. Logo, a competência é um saber-pensar o própriopensamento aplicado ao aprender, ou, mais simplesmente, um pensar osmodos de aprender, a fim de modificá-los, se for o caso (DOLZ; OLLAGNIER,2004; FABRE, 2004; GATÉ, 2004; JOBERT, 2003; LAFORTUNE; PONS,2004; MACHADO, 2002; PERRENOUD, 1999, 2001, 2002, 2005;PERRENOUD; ALTET; CHARLIER; PAQUAY, 2001; REY, 2002; SORIN,2004; TOUSSAINT; XYPAS, 2004). Essa dimensão explica a possibilida-de de previsão, avaliação e adaptação das intervenções, no momento emque ocorrem as situações de violência e conflito.

A dimensão afetiva, por sua vez, diz da capacidade de identifi-car, experimentar e expressar adequadamente emoções e sentimentosrelacionados a situações de interação do indivíduo com o mundo e comos semelhantes – especialmente se tais situações criam problemas parao indivíduo (LAFORTUNE; DOUDIN; PONS; HANCOCK, 2004; MO-RAIS; OTTA; SCALA, 2001; RIBEIRO; JUTRAS, 2006). Essa dimensãoaponta para a necessidade de reconhecer-se a determinação afetiva nosprocessos de tomada de decisão e de resolução de problemas, pois, aocontrário da tradicional avaliação, sentimentos e emoções, ao indica-rem o estado psicofisiológico do indivíduo e as operações mentais de

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que este se vale para avaliar a realidade externa, são indicadores im-portantes a serem levados em conta (DAMÁSIO, 2005) – como no casode conflitos. Daí ser a competência um sinônimo, nesse caso, de saberreconhecer, valorizar, expressar e coordenar os afetos, particularmenteem situações-problema, geradoras de estresse, como é, para o educador,o caso da violência na escola.

Já a dimensão social aponta para o fato de que toda competênciatem significados e valores culturais que são comunicados em razão depapéis socialmente atribuídos, a partir da utilidade social da ação com-petente. Em outras palavras, ela é situada num contexto interativo,produzida em redes sociais e avaliada segundo o lugar ocupado pelapessoa competente. Assim, essa dimensão contempla o caráterintersubjetivo e comunicativo das relações humanas, no que a compe-tência servir de critério para o reconhecimento social e as trocas simbó-lico-culturais dos indivíduos. Do mesmo modo, essa dimensão conside-ra condições sociais e institucionais que são garantidas para o desen-volvimento e a aplicação de uma competência (JOBERT, 2003; REY,2002). Nessa perspectiva, a competência atesta uma inserção social e,em coerência com ela, um saber relacionar-se e um saber comunicar-se –o que é essencial para o restabelecimento da qualidade das relaçõespedagógicas, no caso da violência na escola.

Assinalar uma dimensão desiderativa da competência é umadecorrência de entender as dimensões anteriores sob uma perspectivapsicanalítica, convergindo para o que afirmam autores ligados à peda-gogia institucional, como Casanova (2004), Imbert (1996), Oury eVasquez (1998) e Pain (1993). Entende-se ser necessário levar em contaque o(a) educador(a) não consegue sentir, relacionar-se, comunicar-se,aprender e pensar sobre suas estratégias para aprender sem que, emcontextos intersubjetivos, seus desejos3 interfiram, consciente e incons-cientemente. Em razão do encontro (nem sempre fácil ou pacífico) como desejo do outro, competência é equivalente, de um lado, a saber reco-nhecer, valorizar, expressar ou conter os próprios desejos, em função docontexto; e, de outro, a saber motivar o alunado, de modo a despertarnele o desejo de aprender. Isto significa admitir processos inconscien-tes, originados na intersubjetividade, implícitos na competência, comoa transferência e a contratransferência, de cujo conteúdo o(a) educador(a)

3 Dentre eles, os sexuais recalcados infantis, cuja natureza escapa à lógica, ao planejamento ou àprevisibilidade conscientes, mas que, como motivos psicodinâmicos do comportamento e do afeto,fundamentam o desejo de educar.

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atento(a) pode extrair elementos importantes para a estruturação dasrelações de ensino-aprendizagem na escola. (KUPFER, 1989).

Disso tudo, pode-se agora, para este trabalho, definir competên-cia como um saber complexo, aberto, situado e pessoal, resultante damobilização, articulação e criação de desejos e de habilidadesintelectivas, afetivas, sociais e comportamentais com vistas à resoluçãode problemas por meio de procedimentos observáveis, eficientes, social-mente relevantes e intersubjetivamente valorizados. No campo educacio-nal mais geral e da perspectiva do educador, por conseguinte, competên-cia implica em saber educar – o que supõe saber intervir no processo deaprendizagem de conteúdos formais, sem a isso se limitar, já que o traba-lho pedagógico supõe saber como favorecer o processo de aprendizagem,de modo a garantir a gradual autonomia de seus alunos.

Por seu turno, a competência inter-relacional do educador consis-te, de uma parte, em um saber conviver, gerindo relações intersubjetivase organizando as condições e atividades de ensino aprendizagem na es-cola; e, de outra, em um saber ensinar a conviver, resolvendo pacifica-mente conflitos e prevenindo a violência com intervenções de naturezatécnico-comportamental, comunicacional, afetiva, relacional e pedagógi-ca que têm repercussões no plano intersubjetivo e, em se tratando dasubjetividade, no plano inconsciente.

Essa competência é responsável pela mobilização e pela integraçãode várias habilidades, melhor compreendidas na relação entre o arranjoindividual que caracteriza o perfil inter-relacional do(a) educador(a) e ascaracterísticas da situação de conflito e violência. Dentre elas, serão men-cionadas neste trabalho apenas aquelas que importarão à análise doselementos contidos na entrevista concedida por Socorro: o exercício daliderança e da autoridade; a promoção da qualidade das relações escola-res; a identificação e aplicação adequada de técnicas para a gestão doconflito e da violência; a flexibilização e a abertura do próprio pensamen-to diante de situações novas e desafiadoras; a reflexão sobre sua aprendi-zagem e seu trabalho; e a capacidade de fazer projetos e valores.

A COMPETÊNCIA INTER-RELACIONAL DE SOCORRO: ELE-MENTOS DE ANÁLISE

Licenciada em Pedagogia, trabalhando nos três turnos de umaúnica escola pública de ensino infantil, fundamental e médio como

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diretora, Socorro tinha, à época da realização da entrevista, 41 anos,dos quais 23 como educadora, os 17 últimos trabalhados na mesmaunidade de ensino, situada num bairro de classe média-baixa em JoãoPessoa, onde o tráfico de drogas e a ação de galeras se fazem presen-tes, deixando marcas no prédio e na organização da unidade de ensi-no, sobretudo no passado.

Marcas do desejo materno na formação da competência inter-relacional

O início da carreira profissional de Socorro foi marcado peladivisão entre resistir e atender aos desejos da mãe, que a queria freirae professora. Aos 18 anos já trabalhava como professora, mas come-çava, pouco depois, um bacharelado que a tornaria comunicóloga:não se reconheceu, porém, nesse trabalho e retomou a docência, noque parece ter sido uma formação de compromisso: recusou a carreirareligiosa, mas se consagrou, a seu modo, ao serviço dos outros, numafusão entre profissão e vocação:

Eu disse: “Não, se eu fizer pedagogia, eu to afirmando pra minhamãe que eu tenho que ser professora” [ri]. Aquela coisa de adoles-cente, eu também comecei muito nova... Mas eu já tinha umatendência, gostava muito de ajudar, de aglomerar as pessoas, jápercebia meu poder de liderança com as pessoas. Então: “Não, euvou partir, vou pra outra área. Educação, não”. Já com medo deque a área de educação me pegasse, né? Lutando contra isso... Sóque era uma realidade da minha vida que não teve jeito de nãopegar.

Sem dar-se conta, Socorro utilizou uma linguagem cheia demetáforas sobre forças maiores que ela, que a teriam conduzido, comonuma verdadeira paixão, à profissão docente: “tendência”, “medo deser pega”, “lutar contra isso”, “não teve jeito de não pegar”. E, poucomais adiante: “eu sou muito apaixonada [por sala de aula]” “Eu souassim duma paixão doentia, né? [...] Ainda vou ver se eu me preparo,se eu me preparo ainda pra cortar esse cordão porque é paixão demaise paixão demais adoece.”

Ora, o que o discurso de Socorro fez ver é que essa paixão nãofoi nem natural nem facilmente definida em sua vida. Ao contrário, aomenos no início, ela não via escolhas: teria que ceder a um podermaior que ela. E não é difícil ver nesse poder, mais uma vez, a referên-

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cia às vontades maternas: “Eu lutei muito pra não ser educadora. [...]Foi assim, uma imposição de minha mãe, né?” Tanto é assim que,mesmo não fazendo outra menção à mãe, a entrevistada lança mão deuma significativa metáfora materna: ao falar da escola em que traba-lhava, usou a imagem do cordão umbilical que dá vida, mas mantémum vínculo de dependência que precisa ser cortado. Socorro falava,assim, das marcas impressas pela relação com a mãe em sua escolhaprofissional, bem como do significado que a profissão passou a ter:uma paixão tão forte que beira a doença.

Na verdade, a partir daquela metáfora, pode-se supor que, comoum cordão que une e separa ao mesmo tempo, a escola tornou-se es-paço intermediário nas relações entre Socorro e sua mãe, servindo,desse modo, como espaço potencial para a constituição de sua indivi-dualidade, às voltas com o signo materno, que imprimiu na entrevis-tada uma convicção sobre a necessidade de servir. Até o prenome éindicativo:

Eu às vezes até comento a questão do próprio nome: minha mãe jásabia que meu nome [ri], Socorro, era forte! Eu digo, assim, pelopróprio significado dele. Eu tenho muito apego a meu nome: éSocorro, Socorro, Socorro e acho que quanto mais fala nisso maisacende em mim essa vontade de colaborar, de somar, de estarsempre junto, sabe? De ir buscando, buscando. E a minha forma-ção em casa também foi sempre isso, meus pais sempre foramvoltados pra o que a gente teria que ter, sempre ajudando um e ooutro, né?

A escolha materna do nome inseriu a entrevistada em sua famí-lia, por meio da evocação de um valor compartilhado, fazendo derivarda imposição uma paixão em cujos fundamentos encontram-se, possi-velmente, os desejos inconscientes de dar conta das expectativas ma-ternas e de escapar a elas: essa paixão ambivalente impelia Socorro amanter-se como educadora e prevenir a violência em sua escola.

É provável que a imposição materna tenha provocado não sóuma resistência inicial ao ensino, mas também tenha imprimido noperfil da professora Socorro uma busca constante pela mudança, pela“revolução na escola”, freqüentemente subvertendo o poder da direçãovigente, até conseguir eleger seus candidatos ou ser, ela mesma, eleitadirigente do estabelecimento de ensino. Entende-se que a qualidadedessa relação originária também favoreceu o desenvolvimento da empatiae da identificação com as vítimas de violência, compelindo-a a traba-

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lhar voluntariamente como educadora social junto a crianças em situa-ção de rua, presidiários e movimentos sociais.

Um elemento da sua história atual ajuda a compreender um as-pecto essencial dessa habilidade relacional de Socorro: mesmo sendocapaz de intervir com sucesso em situações em que outras pessoas fos-sem vítimas de violência (até mesmo as mais duras), essa disposição,resultante da identificação com as vítimas, não funcionava quando ela,na posição de diretora (representante máxima da autoridade estatal naescola), era a vítima e necessitava de mediação externa. Foi o que reve-lou o conflito que então se estabelecera entre ela e o caseiro da escola:ele, que não cooperava com a administração escolar, recusou-se a dei-xar a casa em que morava, nas dependências da escola, de propriedadedo Estado, e passou a ameaçá-la de morte. Por conta disso, após reme-ter o caso à Justiça, Socorro decidiu deixar a direção e a escola.

“O aviãozinho está passando”

Em seu relato, Socorro apresentou várias habilidades inter-relacionais, algumas delas identificadas em situações que indicam cla-ramente sua mobilização e integração. Narrando sua história, Socorromencionou o estado de abandono em que se encontrava sua escolaquando lá chegou, num trecho que ilustra essas habilidades:

A nossa escola tinha um adjetivo terrível, ninguém queria estudarlá! Era chamada de [baixa a voz] “cabaré”! Porque era assim, erahorrível! Não tinha administração! Era sem cuidado mesmo! Eraum aspecto que pra gente era até deprimente ir trabalhar: as pesso-as invadiam, fumavam maconha dentro da escola, sabe? Pulavamo muro direto, era pedrada na cabeça de professor. Uma coisa terrí-vel! O professor, às vezes, era quem tinha de juntar cinco, seiscolegas, dar os braços e enfrentar as galeras que invadiam a escola,né? Então a gente viu que era necessário fazer um trabalho demobilização com a comunidade, para criar um sentimento de per-tença mesmo. Então conseguimos fazer com que a comunidadevisse a escola não só como um prédio, mas que ela faz parte da vidada gente.

Socorro liderou o esforço de modificação da imagem da escola,conseguindo reverter esse quadro tão difícil ao organizar o ambienteescolar de modo a garantir um clima mais motivador da aprendizagem.Externamente, uma das iniciativas adotadas foi abrir a escola para que

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lá adultos das vizinhanças pudessem ser alfabetizados. Internamente,diante do alto índice de brigas e discussões durante o recreio, investiu-se dinheiro na aquisição de jogos e de um sistema de som com os quaiso alunado passou a divertir-se, com regras, e criou-se uma rádio esco-lar. “A gente fazia isso no horário de recreio. Aí ficavam todos na expec-tativa de escutar a rádio, as notícias. Eles passavam o final de semanafazendo pesquisa de matérias pra jogar no jornalzinho da rádio. E agente não escutava nada de confusão.”

Socorro mostrou-se, assim, capaz de exercer liderança e autori-dade, sobretudo através da valorização das relações escolares, em cor-respondência com uma das funções subjetivas e inconscientes atribuí-das à administração: o exercício da função reguladora, que garante orespeito a normas e leis – como o respeito ao lugar comum de recreio –,mas sem autoritarismo. Foi capaz de selecionar e aplicar técnicas de ges-tão do conflito e da violência (como o envolvimento direto do alunadona produção da rádio na escola). Revelou-se pronta a flexibilizar e abrirseu pensamento, no que dizia respeito, por exemplo, à escolha da pro-fissão, além de refletir constantemente sobre seu trabalho, fazendo pro-jetos – dentre os quais transformar, fazer de um “cabaré” uma escola.

Os cuidados com o interior e o exterior da escola, manifestos emtodas essas habilidades, resultaram, intersubjetivamente, na constitui-ção de um verdadeiro espaço potencial na escola, a começar pela garan-tia de regras mínimas para o funcionamento e a circulação: o “cabaré”,metáfora da falta de limites, resultara também de uma gestão anteriorausente e descuidada. Ainda que a direção não resuma toda a escola, oexercício da liderança e da autoridade encontram na figura do(a) diretor(a)um representante simbólico bastante significativo para os ritmos e aqualidade de vida da escola: como figura maior da autoridade na esco-la, ele(a) é o adulto a quem mais se atribui a responsabilidade de sersuficientemente bom em relação à escola. Isto significa gerir as condi-ções ambientais e relacionais necessárias ao espaço intersubjetivo quegarante o ensino e a aprendizagem, que tem suas origens no espaçopotencial.

Ao referir-se àquele momento de sua escola, Socorro insistiu,implicitamente, no seu empenho em intervir para a reconstituição doespaço potencial necessário às inter-relações educacionais. Esse inves-timento pessoal resultou, depois, em sua própria eleição para a dire-ção, oficializando uma liderança já manifesta. Além disso, a introdu-ção dos jogos e da rádio (e, com ela, do jornal falado) na escola trouxepara o alunado a possibilidade de dois outros movimentos igualmente

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importantes no que diz respeito aos fundamentos psíquicos da apren-dizagem: de um lado, a fusão entre agressividade e libido, e, de outro, asublimação desse material inconsciente em atividades ao mesmo tempoprazerosas e propícias às inter-relações (como a comunicação).

Esse movimento dialético da regulação – ligado à contenção e àpermissão, próprio da liderança e autoridade de quem dirige – se fun-damenta na auto-regulação: o discurso de Socorro revela um bom nívelde auto-estima, de autoconsciência e de autocontrole emocionais. Ele-mentos que atestam a aquisição dessas habilidades são sua históriapessoal (às voltas com a tensão entre o desejo materno e o seu mesmo);sua capacidade de liderar sem autoritarismo (“‘Diretora calma, tran-qüila existe?’ Existe, né?”); e sua aptidão para empregar sua afetividadeem favor da auto-estima de um aluno que concluía o ensino médio,incentivando-o a continuar estudando (“se você passar [no vestibular]eu vou alugar um carro de som e vamos ser eu e você gritando, bairroabaixo, bairro acima, que você passou”). Afinal, para transformar um“cabaré” em uma escola que faça parte da vida de todos é necessária,em suas palavras, “paixão demais”.

Foi exatamente essa auto-regulação que permitiu a Socorro intervirpara eliminar o tráfico de drogas do interior da escola, descoberto “deuma forma bem delicada”, já que “tinha pessoas matriculadas na escolasó com intuito de passar a droga”. A forma pela qual Socorro relata suadescoberta também indica a atenção dedicada ao cotidiano da escola e ouso da própria sensibilidade como guia de sua intervenção:

A partir de uma frase que ele [o traficante] dizia todos os dias: “oaviãozinho está passando”. Isso me incomodou, escutei três, qua-tro, cinco vezes, sempre à mesma hora. Eu pesquisei, liguei pra opessoal da Polícia Federal e falei o que tava havendo. Lá eles játinham umas fichas de quem estavam procurando, né? E era jus-tamente esse grupo de alunos. Eles permaneceram sob vigilância,até que a Polícia pegou esse do avião. Os outros se assustaram epor si sós desistiram da escola. Descobri e agi na calada, numasemana estava resolvida a questão do tráfico.

Socorro soube recorrer a uma medida extrema e adequada dian-te de uma grave ameaça à escola: quando o tráfico de drogas vale-seda estrutura escolar para lá se instalar e a conduta de alguém se tornacriminosa, o alcance de medidas pedagógicas no que concerne aostraficantes é ultrapassado e só resta apelar para a segurança pública.

Não obstante, sabe-se que essa segurança não é de todo eficaz.

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Por essa razão, para permitir a entrada da polícia sem que os alunostraficantes notassem que eram observados, ela precisou, ao mesmo tem-po, ser discreta e corajosa, coordenando um trabalho de equipe em quea supervisora e a vice-diretora (as duas únicas que, além dela, estavama par do que se passava) estavam bastante assustadas: caso fossemidentificadas, haveria o risco de sofrerem ameaças, inclusive de morte.“Eu sou muito ousada, confiei que ia conseguir fazer da forma correta eassim foi feito. As duas outras ficaram morrendo de medo, eu não tivetanto medo de morrer”.

Esse medo só apareceu quando ela foi vítima das ameaças do ca-seiro que residia na escola. A diferença que explica sua inibição em facedessa situação é que, nesse caso, ela foi pessoal e intencionalmenteameaçada: ela se mostrou capaz de controlar sua angústia e seu medo,mas ao custo da posição que ocupava. Diante da violência psicológica deque se tornou objeto, não sabia como reagir: por que uma diretora que játinha transformado a escola toda se inibia naquela circunstância?

Para além do medo plausível, esse recuo pode ser explicado tam-bém pelo surgimento, no contexto intersubjetivo, de um ódio não con-trabalançado pelo amor nem pelo investimento narcisista que caracte-rizaram a força do desejo materno e contribuíram para fazê-la educado-ra: o caseiro, que nada queria com o projeto da escola, tampouco de-monstrava reconhecer em Socorro a autoridade própria à função diretiva,mas a tratava simplesmente como um estorvo de que se livrar, comameaças, para manter-se morando na escola.

CONCLUSÃO

A competência inter-relacional é um conceito que explica o sa-ber conviver e ensinar a conviver, característicos de educadores eeducadoras que lidam eficaz e pedagogicamente com situações de con-flito e de violência na escola. No plano intersubjetivo, atravessado pe-los efeitos do inconsciente, esse conceito explica a reconstituição doespaço potencial escolar.

Esse saber complexo mobiliza habilidades técnico-comportamentais, afetivas, desiderativas, cognitivas, sociais,comunicacionais e relacionais, das quais neste trabalho foram mencio-nadas apenas aquelas identificadas no relato feito por Socorro, umadiretora de escola da rede pública de ensino em João Pessoa – Paraíba.

Verificou-se que elementos da história de vida e das experiências

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do(a) educador(a) no enfrentamento da violência são fundamentais paraexplicar o desenvolvimento daquela competência e sua aplicação eficazna escola.

No caso que serviu para demonstração, Socorro soube analisare intervir adequadamente em situações de violência distintas em na-tureza e gravidade, ambas ameaçando a qualidade e o funcionamentodas atividades escolares (uma causada pelas características do pró-prio estabelecimento, e outra pelo entorno social), na direção do queapontam as pesquisas – intervenções no âmbito institucional, melho-ramento do clima escolar etc. Sua história, seu perfil e sua funçãoexplicam essa capacidade de agir em diferentes circunstâncias, mobi-lizando e integrando várias habilidades inter-relacionais, ajudando areconstituir o espaço potencial de uma escola que havia se transfor-mado em um “cabaré”.

É-se levado, portanto, à pergunta: como garantir, na formaçãoinicial e continuada de educadores e educadores, oportunidades paraque eles e elas desenvolvam, de modo mais sistemático e intencional,suas competências inter-relacionais? A qualificação do(a) educador(a)aparece como um dos determinantes decisivos para o desenvolvimentodessa competência: sua formação profissional deve atentar, portanto,para a transmissão de conhecimentos científicos de caráter teórico etécnico que permitam a análise da situação conflituosa ou violenta e aescolha do procedimento pedagógico correspondente, sem descuidar dodesenvolvimento do saber metacognitivo que mobiliza e integra habili-dades nem da sensibilidade às determinações do inconsciente sobre asrelações intersubjetivas que se constituem no cotidiano escolar.

Ela, porém, será desenvolvida em investigações posteriores.

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Aceito em: 10/04/07

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Thomas Massao Fairchild

AVALIAÇÃO EM DOIS TEMPOS NO TRABA-LHO COM O TEXTO

TWO-STEP EVALUATION IN A TEXT-CENTERED CLASS

Thomas Massao FAIRCHILD*

Resumo: Se o ensino de Língua Portuguesa vem acolhen-do diversas formas de trabalho pautadas na unidadedo texto, a continuidade de um modelo de análise lin-güística preponderantemente voltado para o âmbitointra-oracional não tem fornecido critérios claros deavaliação nesse nível. Este artigo apresenta dois exem-plos de exercícios com base nos quais se discute umaforma de avaliar a leitura e escrita no âmbito do texto,lançando mão, para tanto, de elementos da LingüísticaTextual. O tipo de avaliação que se propõe dá-se emdois tempos: um momento “prognóstico”, em que, apartir da produção do aluno, procura-se levantar ques-tões específicas a serem ensinadas; e um momento “di-agnóstico”, em que se elaboram instrumentos para veri-ficar os efeitos do trabalho em classe sobre as questõesespecíficas levantadas inicialmente.

Palavras-chave: Texto. Leitura. Escrita. Lingüística tex-tual. Coesão.

Abstract: Whereas the teaching of Portuguese in Brazilianschools incorporates several forms of study based ontextual units, a continuing model of language analysisfocused on the phrase has yet to reveal clear parametersfor evaluation at this same level. This paper discussestwo examples of exercises designed to evaluate students’writing and reading skills at the text level based on

* Graduado em Letras. Mestre em Educação. Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste doParaná (UNICENTRO). E-mail: [email protected]

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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto

elements of Textual Linguistics. This evaluation processinvolves two steps: a “prognostic” phase in which theteacher chooses specific aspects of reading and writingraised by the students’ work and makes them the focusof the next exercises; and a “diagnostic” phase in whichthe teacher checks the feedback of such exercises on thevery aspects of reading and writing raised previously.

Keywords: Text. Reading. Writing. Textual Linguistics.Cohesion.

Uma das dificuldades com que nos deparamos ao conduzir oensino de Língua Portuguesa a partir do texto é que a produção dosalunos normalmente compõe uma amostra muito heteróclita, testemu-nha de distintas maneiras de conceber a escrita, viver a escrita, traba-lhar a escrita. Tendo em mãos um conjunto assim díspar de textos, édifícil estabelecer um único parâmetro com o qual abarcar todas asquestões que daí relevam, bem como seria inviável lidar ponto a pontocom todos os aspectos do texto.

Essa situação parece decorrer do fato de que a escola incorporoua noção um ensino de língua baseado na unidade do texto, mas nãoincorporou elementos de teorias lingüísticas suficientes para estabele-cer uma postura clara sobre o que seja “avaliar” no registro do texto.

A fim de construir algumas estratégias para tanto, podemos tirarum primeiro apontamento: não é possível trabalhar simultaneamentecom todos os aspectos textuais e discursivos envolvidos na produção deum texto a cada vez que se trabalhe com o texto. Sendo assim, pelomenos em alguns momentos é necessário que o trabalho se paute noensino de aspectos específicos de leitura e escrita, ao custo de deixar delado, momentaneamente, outras questões que também poderiam sertematizadas em aula.

Voltar a avaliação para aspectos específicos do texto deve ter,aliás, um efeito didático: avaliando o aluno dessa maneira, ao mesmotempo o levamos a perceber e regular aspectos específicos da sua leiturae escrita e, de alguma maneira, a constituir uma postura analítica emrelação ao seu trato com a língua. Desse modo estamos buscando criar,aos poucos, um repertório de recursos e estratégias que podem ser mo-bilizados pelo aluno de maneira mais ou menos consciente para lidarcom seus impasses linguageiros.

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Thomas Massao Fairchild

Um segundo apontamento é que a avaliação, num trabalhocentrado com o texto, não pode visar unicamente à atribuição de nota.Embora na maior parte das vezes tenhamos que atribuir notas, e aatenção a aspectos específicos do texto permita construir critérios ex-plícitos e localizados para tanto, o trabalho com o texto precisa suporque avaliar envolva, também, conhecer a maneira como o aluno lidacom o texto.

Tendo isso em vista, podemos pensar num processo avaliativoque se dê em dois tempos: um deles consistiria numa avaliação“prognóstica”, e o outro, por analogia, seria uma avaliação “diagnóstica”.Ao longo do trabalho docente passaríamos alternadamente por essesestágios diversas vezes.

Uma “avaliação prognóstica” consistiria em efetuar descriçõesda leitura e escrita do aluno e, a partir dessas descrições, identificar umconjunto de elementos específicos que podem orientar a elaboração deatividades de língua para serem realizadas na seqüência. Uma “avalia-ção diagnóstica” consistiria, correlatamente, em elaborar estratégias paraintervir e averiguar os efeitos dessas atividades de língua sobre aspec-tos específicos da leitura e escrita do aluno.

Como estas não são idéias em si mesmas originais, me preocupa-rei menos em conceitualizar ou definir essa forma de avaliação do queem demonstrá-la através de dois exemplos concretos que retiro de meutrabalho com o Estágio Supervisionado na graduação em Letras. Osexemplos são de atividades similares, que obedecem a um modelo jáincorporado ao ensino de língua, mas, ao que parece, não utilizado comos fins para os quais o invocaremos aqui.

As atividades são daquele tipo em que se apresenta ao aluno ofragmento inicial de um texto e pede-se a ele que escreva uma conclu-são. Esse exercício tem a vantagem de permitir-nos a um só tempo vis-lumbrar a leitura do aluno e colher uma amostra de sua escrita. Alémdisso, a despeito da ênfase que atualmente se dá aos estudos relacio-nados com os “gêneros do discurso” (derivando a noção esboçadapor Bakhtin, 1997), me parece que as operações envolvidas nessetipo de atividade podem ser extrapoladas para uma série de outrassituações de leitura e escrita envolvendo “gêneros” os mais diver-sos, porque dizem respeito a um problema que é, por assim dizer,supragenérico: a relação que o sujeito estabelece entre as suas pala-vras e as palavras do outro. Esse ponto será ilustrado à medida queos exemplos forem desenvolvidos.

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UM EXEMPLO DE AVALIAÇÃO “PROGNÓSTICA”

O exercício abaixo foi realizado por um estudante de Letrascom alunos de 6ª série de uma escola pública do interior do Paraná.A atividade se inicia com a leitura do fragmento inicial de um conto:

Texto 1

A LUVATatiana Belinky

Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval dorei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibiçãode feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grandecastelo. Em volta da arena erguiam-se arquibancadas, encimadas poraltos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belasdamas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzelaCunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu ladoestava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujoamor ela desdenhava, distante e fria.

Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-sea porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão afri-cano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso.

Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre, que enca-rou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, comoquem prepara um bote mortal.

Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram duasenormes panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachadas eaumentando a tensão do ambiente.

Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos opavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E nestemomento, como sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, doalto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre asquatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico aoseu cavaleiro adorador, falou:

– Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetin-do, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva.

Terminada a leitura e as discussões sobre este segmento inicial,os alunos são reunidos em grupos e pede-se para que escrevam um

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final para a história. Cada grupo recebe uma orientação específica:conforme a divisão, devem produzir finais “tristes”, “alegres”, “en-graçados”, “absurdos” ou “trágicos”. Cada aluno deve escrever o seupróprio texto conforme a orientação dada ao seu grupo. Finalmente,as conclusões elaboradas pelos alunos são comparadas com o desfe-cho original do conto.

Seguem abaixo dois textos produzidos por alunos durante essaatividade.

Texto A

Final triste

1 Num castelo muito bonito2 que vivia a princesa muito3 triste, que emcontrou um4 lindo cavaliro.5 Que enconvidou ele para6 dar um passeio no sologico7 Eles foram chegaram lá.8 Ela deceu da carosa e9 falou:10 – Eu quero ver as onça e11 tigres, e eles foram direto12 os animais derepente sua13 luva caiu no onde os14 animais estão. e o cava-15 liero falou:16 – Eu vou matar esse17 animais. e quando ela18 vio os animais mataram19 o cavaliro e a princesa20 chorrou e gritou.2122 fim23 Triste

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Texto B

Final absurdo

1 O cavaleiro por amor a Donzela2 deceu para enfrentar os animais3 e pegar a sua luva.4 O leão nem ligou, nem as duas5 panteras, mas o tigre-de-ben-6 gala, foi até a sua jaula pegou7 uma bengala e saiu correndo8 atrás do outro pissando en-9 sima do leão e das panteras que10 não estavam nem aí.11 Então o tigre cansou e o12 cavaleiro também. O tigre foi até13 ele e lhe deu uma bengalada nas14 mãos, poucos minutos depois uma15 de suas unhas caíram ele pegou16 a luva da donzela e saiu pu-17 lando e gritando de dor.18 Subiu a escada e entregou19 a luva pra Donzela, que gostou20 da unha caida. Deu-lhe um21 beijo e quis cazar-se com o22 pobre cavaleiro que estava choran-23 do pela sua unha caída.

A realização de uma avaliação “prognóstica” pede que suspen-damos por ora algumas preocupações sobre o destino a ser dado aesses textos e nos empenhemos unicamente em descrevê-los a partirdas categorias de análise de que dispomos no nosso ofício.

Texto A. Uma das primeiras coisas a nos chamar a atenção deveser o fato de que este texto responde ao enunciado do exercício de uma

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maneira muito peculiar: pediu-se que os alunos escrevessem um fimpara a história e este aluno recontou a história inteira, acrescentandoum desfecho. Podemos extrair dessa observação um primeiro “prognós-tico”: o ensino de língua não pode ser insensível à diferença entre escre-ver uma parte específica de um texto a partir de fragmentos já dados(título, início, conclusão) e parafrasear um texto. Embora não possamosdizer que o aluno deixou de realizar o que se lhe propunha (escrever umfim “triste”), se quisermos algum dia trabalhar sobre aspectos específi-cos de sua leitura e escrita é preciso em primeiro lugar mostrar-lhe anecessidade de reconhecer a especificidade das demandas de diferentesexercícios. Uma orientação mínima para a reescrita desse texto seria,portanto, que o aluno cumprisse o pedido da atividade e produzisseum texto que fosse de fato continuação do texto 1.

A partir de apontamentos da Lingüística Textual, podemos des-crever algumas operações do trabalho lingüístico desse aluno. No pri-meiro parágrafo, ele se vale de artigos indefinidos para reintroduzircertos elementos presentes no texto 1 (“num castelo”, L1; “um lindocavaleiro”, L3-4), o que é condizente com sua proposta de enunciar poruma segunda vez o texto conhecido, reapresentando, por assim dizer,os elementos de seu enredo. Conforme Brown e Yule (apud Fávero, 1991:16), “a informação nova é caracteristicamente introduzida por expres-sões indefinidas e subseqüentemente referida por expressões definidas”.Não obstante, em L2 surge “a princesa”, um elemento que pertence àmesma série dos já-dados reintroduzidos com o artigo indefinido e que,no entanto, surge aqui numa aparente retomada anafórica. A remissãoé, por um lado, a um elemento textual presente no texto 1, de modo quea operação é semelhante àquela que se vê no primeiro parágrafo dotexto B. No entanto, no caso do texto A essa remissão rompe com aorientação parafrástica já anunciada naqueles outros elementos. Poroutro lado, a remissão é também a um elemento inscrito na enunciaçãodesse texto, isto é, a um elemento “princesa” que, na situação em que otexto foi escrito, podia ser reputado ao interlocutor desse texto, o pro-fessor, como uma referência presente. Isso de certo modo nos faz repen-sar a idéia outrora muito propalada de que a escrita escolar “não temum interlocutor”, ou que ela não põe em jogo uma subjetividade, comoaponta Britto (in Geraldi, 2004: 119):

É curioso, nesse sentido, que a maioria dos trabalhos sobre re-dação escolar ou não toquem na questão de interlocução ou

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falem na ausência de interlocutor, identificando aí uma dasdificuldades maiores do estudante: falar para ninguém ou, maisexatamente, não saber a quem se fala.

Não é a ausência de interlocução o que está em jogo, portanto,mas o papel do professor enquanto interlocutor-mor na sala de aula:como tal, cabe a ele intervir sobre o texto de forma a organizar a alteridadedisponível ao aluno no seu trabalho lingüístico. Neste caso, sobretudopela dissociação entre o professor como “outro” imediato, presente,enlaçado pelos vínculos da oralidade, e o “outro” que se impõe pormeio do escrito.

Também deve nos chamar a atenção no texto A o uso da palavra“princesa”, que não está presente no texto 1. Lá encontraremos somen-te o epíteto “donzela”. Caberia então indagar: trata-se de uma interpre-tação autorizada pelo texto-base? Poderíamos aceitá-la como umaextrapolação possível? Parece que, no contexto de uma história infantilde capa-e-espada, a diferença entre “princesa” e “donzela” é irrelevante.Mas a ocorrência de “princesa” pode se tornar mais significativa seatentarmos também às ocorrências da palavra “cavaleiro”. O aluno grafaa palavra de duas maneiras diferentes, e ambas ortograficamente incor-retas (“cavaliro”, L4, L19; “cavaliero”, L14-15). Nesse impasse é preci-so reconhecer a presença de algum conhecimento sobre a escrita: pareceque o aluno sabe que “cavaleiro” é uma palavra grafada de maneiralevemente diferente do modo como se a pronuncia ([kava’leru]). A exis-tência de uma letra “i” inaudível da forma oral do vocábulo pareceorientar suas hipóteses ortográficas, mas aqui devemos atentar paraduas coisas: primeiro, o aluno expõe em sua escrita duas hipótesesdistintas, sem optar por nenhuma; e segundo, a palavra “cavaleiro”aparece escrita diversas vezes no texto de base que o aluno tem emmãos enquanto escreve.

As ocorrências dessas duas palavras, “princesa” e “cavaleiro”,dessa maneira, começam a nos dar índices de uma forma de contatoespecífica com as palavras do outro. Nesse ponto talvez caiba indagar:afinal, este aluno de fato leu o texto 1? Podemos chamar de leitura amaneira como esse sujeito pressupõe as palavras do outro? Em suaparáfrase, o aluno retém alguns elementos importantes do texto origi-nal – as personagens principais, o castelo, os animais, a luva. Entretan-to, ao mesmo tempo desloca e introduz outros elementos de maneiraaparentemente aleatória: o convite da princesa (L5), a localização doenredo num zoológico (L6), a viagem de carroça (L7-9), os animais (L10-

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11), a queda acidental da luva (L13). Teremos de nos perguntar, comofizemos em relação ao deslocamento “donzela”-”princesa”, se essas in-terpretações são cabíveis em face do texto 1, ou mesmo se se trata, defato, de uma tentativa de paráfrase do texto 1. Deslocamentos como aidéia de que a história se passa num zoológico, a mudança do númeroe espécie dos animais, ou mesmo a transformação do episódio da luva,centro do enredo, num acidente, sugerem que a escrita deste aluno estáligada a certos sentidos já constituídos para o sujeito – certas “hipóte-ses”, “scripts” ou estereótipos – de uma tal maneira que a presença deelementos dissonantes no texto não basta para demover o sujeito desua posição. O aluno precisa ser levado a desenvolver formas de leituracapazes de operar fora do registro dessas imagens prévias, sob pena de aleitura jamais romper com o que é já-sabido para o aluno.

Temos então um retrato de uma certa modalidade de escuta daalteridade, uma maneira particular de reconhecer as palavras do outronas palavras do eu. Essa forma de escuta parece captar do outro so-mente aqueles fragmentos capazes de corroborar uma hipótese sobre ooutro prévia à enunciação, de modo que esse outro se mantém como umtotem de cujo enigma o observador recolhe apenas aquilo que já traz emsua própria maneira de olhar. A interpretação extrapolante que o alunofaz do texto 1 é similar à interpretação extrapolante que ele faz do pró-prio enunciado do exercício: uma escuta parcial, que conduz ao cons-tante retorno de um mesmo – uma mesma expectativa do que o profes-sor deseja quando entrega um fragmento textual e pede uma peça escri-ta, uma mesma expectativa do que se diz quando se conta uma históriade capa-e-espada. É de responsabilidade do ensino de língua levantarresistência a essa escuta parcial, na forma da não-aceitação de respos-tas do aluno que respondam à suposição do aluno mais do que àquiloque se lhes pediu. Para isso, no entanto, é preciso que saibamos exata-mente o que estamos pedindo.

Texto B. Em contrapartida, este texto é de fato uma continuaçãodo texto 1, conforme a atividade pedia, e nesse sentido dá mais ouvi-dos ao outro do que o autor do texto B. O uso dos artigos definidos noprimeiro parágrafo mostra o manuseio de estratégias de referenciaçãoque pressupõem a existência das palavras alheias de uma maneira dife-rente: enquanto o aluno do texto A condensa em um só alocutário afigura totêmica do professor e a alteridade presentificada na narrativado texto 1, dirigindo-se aos dois num único ato de enunciação, oautor do texto B vincula-se ao seu interlocutor professoral justamente

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1 “Na prática escolar, institui-se uma atividade lingüística artificial: assumem-se papéis de locutor/interlocutor durante o processo, mas não se é locutor/interlocutor efetivamente. Essa aritificialidadetorna a relação intersubjetiva ineficaz, porque a simula”. (Geraldi, 2004: 89).

ali onde institui, para o texto 1, o território de uma alteridade exem-plar. Embora essa manobra possa roçar as raízes do “artificialismo”1

que outrora se apontou no trabalho em sala de aula, pelo qual todotexto acabaria se reduzindo a moeda de troca na relação constante emonológica do aluno com um único interlocutor, parece que é aí mes-mo, nessa escansão dos “outros” disponíveis, que o aluno tem a chancede erigir para si, por assim dizer, o texto em interlocutor.

A fim de cumprir com a necessidade de elaborar um “final absur-do”, a sacada do estudante é um trocadilho com a expressão “tigre-de-bengala”, que surge em L5 com a anteposição de um artigo definido. Secomparado ao texto A, veremos que enquanto ali se modificavam onúmero, a espécie e a localização dos animais, aqui eles são recupera-dos um por um enquanto elementos de texto – tanto que o último res-surge explicitamente tomado enquanto significante para a elaboraçãodo deslize de sentido que será a chave do texto. Diremos que o outrocomparece à escrita deste aluno numa imagem mais íntegra. Deveremosnotar, de toda forma, que a expressão presente no texto 1 que o uso doartigo definido retoma é apenas “tigre”, de modo que ao mesmo tempoem que se efetua uma anáfora acrescenta-se alguma coisa ao alvo daremissão anafórica. Neste ponto, seria possível orientar o aluno paraque reformulasse essa parte do texto com um intuito específico. O resul-tado deveria ser algo como: “o tigre, que aliás era (um tigre) de bengala,foi até a jaula e pegou a sua bengala”. A oração adjetiva neste caso nãocumpre apenas uma função estilística: é ela o que marca, para o sujei-to, o ponto em que se passa da palavra do outro para a palavra-pró-pria.

A princípio, penso que para pesquisar as palavras chamadasde “minhas” é preciso estabelecer uma investigação tambémsobre o que seriam as palavras do outro. Ainda que PauloLeminsky tenha razão em seu verso “Nada tão meu que nãopossa ser chamado nosso”, é preciso, em primeiro lugar, per-guntar se sabemos quem é o outro, de quem eu, com as “mi-nhas” palavras, deveria me diferenciar; e em segundo lugar,quais são as palavras deste outro, para que eu possa saber quaisserão as minhas. (Barzotto, 1999: 13)

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Seguindo por esse caminho, seria igualmente cabível apresentara bengala em L7 com uma expressão determinada, já que ela retomaparte do que é apresentado no antecedente “tigre-de-bengala”, operan-do o trocadilho: “foi até a sua jaula e pegou a sua bengala”. Este ajuste,no entanto, parece menos importante que o anterior.

Textos A e B. Vimos até agora lidando com questões referentes à“coesão textual”. Sem sair desse terreno, uma característica comum aosdois textos é o fato de que neles os nomes das personagens não apare-cem. Isto talvez se deva ao fato de que são nomes incomuns – o que é,já, um marcador de uma modalidade de relação com o outro.

Essa “evitação” dos nomes parece ter algo a ver com o fato deque o sujeito, recebendo do outro essas incógnitas, atribui a ele um dis-curso no qual essas palavras têm um lugar, uma família de relações, masnão conseguem se colocar como enunciadores desse mesmo discurso e,por perceberem o seu próprio dizer como um “outro” dizer, necessaria-mente apagam dele essas palavras (um caminho semelhante seria segui-do por toda palavra desconhecida, de modo que o que segue tambémpoderia embasar a elaboração de estratégias de ensino de vocabulário2).São palavras que, por se apresentarem como nonsense, nomes fantásti-cos ou estrangeiros, rompem a cadeia familiar da língua (seu funciona-mento imaginário) e requerem, para poderem ser ditas, sua apreensãocomo significantes (isto é, como elementos visíveis de uma ordem quenão é visível a não ser através das relações que determina entre esseselementos visíveis) e o reingresso do sujeito no simbólico. A partir daípoderíamos estabelecer como meta “empurrar” o aluno na direção dissoque no outro o ultrapassa, levando-o a perceber quais são os elementospresentes no discurso alheio que causam esse efeito particular e, pelasportas da imitação, levá-lo a apropriar-se dessa discursividade, criandopara si qualquer coisa como uma “voz de autor”.

Podemos estabelecer, como objetivo decorrente desse prognósti-co, levar os alunos a perceber os recursos de “coesão lexical” mobiliza-dos em um texto e dar continuidade a eles em seu próprio texto.

A coesão lexical é obtida por meio de dois mecanismos: a reitera-ção e a colocação. A reiteração se faz por repetição do mesmo itemlexical ou através de sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos [...].

2 Sobre esse ponto, vale a pena consultar “Aspectos do ensino do vocabulário” (ILARI, 1997: 45-67).

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A colocação ou contigüidade, por sua vez, consiste no uso determos pertencentes a um mesmo campo significativo. (Koch,2004: 22)

Uma forma de chegar a essa meta é levar os alunos a notar, du-rante as primeiras leituras do fragmento inicial, as expressões lexicaisutilizadas para se referir aos personagens do texto. Para isso é permissí-vel incluir nos recursos elencados por Koch também expressões peri-frásticas que tenham valor remissivo e que se podem pautar, por exem-plo, na metáfora ou na metonímia. Essas expressões podem ser coloca-das na lousa à medida que sejam localizadas pelos alunos. Neste caso,teríamos alguma coisa assim:

Cunegundes: donzela Cunegundes, o belo rosto da dama cruele orgulhosa (metonímia). Delorges: (seu) apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges,

(seu) cavaleiro adorador. Animais: feras selvagens, feroz leão africano/terrível tigre/duasenormes panteras, quatro monstros felinos.

A partir desse levantamento, é possível ainda elaborar outrasexpressões que pudessem se referir a essas personagens e que poderiamser utilizadas nos textos que os alunos escreverão. Por exemplo:

Cunegundes: a dama altiva, a dona do coração do cavaleiro, amagnífica donzela, (seu) coração de gelo (metonímia, metáfora)etc. Delorges: o bravo/destemido/corajoso/intrépido cavaleiro, ovaloroso/enamorado jovem, o vigoroso mancebo etc. Animais: as bestas selvagens/felinas, as quatro feras temíveis/ferozes/famintas etc.

Feito isso, teríamos como direcionamento básico da avaliaçãodos textos dos alunos a incorporação desses recursos coesivos à suaescrita – o que não nos impediria, ainda assim, de avaliarsubsidiariamente outros aspectos dos textos.

Outra questão sobre a qual poderíamos nos deter, dependendode nosso interesse, reside na constituição das “vozes” das personagensno interior do texto. Notaremos que entre a fala da donzela Cunegundesno texto 1 (“Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetin-

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do, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva”) e sua fala no textoA (“Eu quero ver as onça e tigres”, L10-11) há um distanciamento decaráter diacrônico ou diafásico. Noutras palavras, o modo como a “tris-te princesa” fala no texto A não “combina” com a maneira como ela falano texto 1. Um bom trabalho nesta atividade requereria que os alunosmantivessem minimamente alguma consistência no modo de falar daspersonagens. O fragmento fornecido no texto 1 nos permitiria, dentreoutras coisas, introduzir o estudo das formas de segunda pessoa dosingular e plural (tu e vós) – aqueles excessos do paradigma que, sedesapareceram das ruas e causam polêmica em relação ao seu estudo,sobrevivem fora de nossos contextos litúrgicos (seu reputado gueto) e seoperam como traço relevante no discurso em contextos como este, emque a caracterização de uma linguagem “arcaica” e “pomposa” tem lásua razão de ser. A avaliação dos resultados do exercício também nestecaso teria um alvo razoavelmente definido.

2 UM EXEMPLO DE “AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA”

Supondo que o “prognóstico” da avaliação da leitura e escrita dosmeus alunos apontou o que foi discutido acima, seria preciso elaborarexercícios que os conduzissem a realizar as operações específicas que dei-xaram de ser realizadas na leitura do texto 1 e na produção de textoscomo A e B e que, pelas razões debatidas acima, considero importantesdentro de uma concepção de linguagem cuja bússola é o pólo do outro.

A atividade seguinte tem como objetivo precisamente levar osalunos a reconhecer o uso de elementos de “coesão lexical” e a consti-tuição de “vozes” no interior da narrativa. Como o exercício preceden-te, o trabalho inicia-se com a leitura do fragmento inicial de um texto.

Texto 2

A JANELA ABERTA (adaptação)Saki (H. H. Munro)

– Minha tia vai descer logo, sr. Nuttel. – disse com muita firme-za a mocinha de 15 anos. – Enquanto isso, o senhor terá de me aturar.

Framton Nuttel procurava as palavras certas que pudessemagradar em cheio à sobrinha ali presente sem desagradar à tia queestava por vir. No fundo, duvidava cada vez mais que essas visitas

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formais a uma sucessão de pessoas estranhas pudessem ser de algu-ma ajuda no tratamento para os nervos que deveria estar fazendo.

– O senhor conhece muita gente por aqui?– Ninguém. – respondeu Framton. – Minha irmã passou uma

temporada aqui, na reitoria, há mais ou menos quatro anos, e me deucartas de apresentação para algumas pessoas.

– Então o senhor não sabe praticamente nada sobre a minhatia? – continuou a mocinha, muito segura de si.

– Só seu nome e endereço – admitiu o visitante. Ele se pergun-tava se a sra. Sappleton, para quem daria uma de suas cartas deapresentação, seria casada ou viúva. Havia na sala qualquer coisaindefinível que sugeria presença masculina.

– A tragédia aconteceu há exatamente três anos. – disse a meni-na. – Então, foi depois da temporada de sua irmã.

– Tragédia? – perguntou Framton.– Talvez o senhor se pergunte por que razão mantemos aberta

aquela janela numa tarde de outubro. – disse a moça, apontandopara uma janela francesa, aberta para um gramado.

– Está quente para essa época do outono...– Foi através daquela janela que, no dia de hoje, há exatamente

três anos, o marido e os dois irmãos mais novos de minha tia saírampara caçar. Nunca mais voltaram. Ao atravessar a charneca, em buscado melhor local para a caça da narceja, eles ficaram presos no pânta-no. Havia chovido muito no verão e trechos que em outras épocaseram seguros de repente ficaram traiçoeiros. Os corpos jamais foramencontrados. O pior de tudo foi isso.

Nesse ponto a voz da menina perdeu o tom seguro e tornou-sehumanamente vacilante.

– Titia continua acreditando que eles um dia voltarão, juntocom o cãozinho spaniel marrom que se perdeu com eles, e vão entrarem casa através do janelão aberto, como sempre faziam. Pobre titia,quantas vezes me contou como foi que eles saíram naquele dia, o ma-rido levando no braço o impermeável branco, Ronnie, o irmão caçula,cantando Bertie, por que tu pulas?, para mexer com ela, porque titiadizia que a canção lhe dava nos nervos...

A menina calou-se com um soluço. Foi um alívio para Framtonquando a tia entrou na sala, dando uma série de desculpas por ter sedemorado tanto.

– Espero que Vera tenha distraído o senhor. – disse.

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– Ela... foi muito interessante. – respondeu Framton.– Espero que o senhor não se incomode com a janela aberta. –

disse a sra. Sappleton de repente. – Meu marido e meus irmãos vãovoltar da caçada e é por aí que entram. Hoje eles estão no pântano, nacaça à narceja, e vão sujar todo o meu tapete. Como vocês, rapazes,costumam fazer, não é mesmo?

E, num tom alegre, continuou...

Antes que os alunos se entreguem à escrita de um final paraeste conto, procederemos da maneira sugerida no item anterior, pe-dindo que a classe localize quais as personagens da narrativa e, emseguida, anotem as expressões utilizadas no texto para referir-se aelas. Eis o esquema resultante desse levantamento:

Personagens Expressões Framton Nuttel Sr. Nuttel, Framton Nuttel, Framton, o

visitante, o senhor

Sra. Sappleton A sra. Sappleton, tia, titia

Vera Vera, a mocinha (de 15 anos), a menina, a sobrinha

Marido (da sra. S.) (Meu) marido

Dois irmãos (do marido) Dois irmãos; Ronnie, o caçula

Cachorro Cãozinho spaniel marrom

Irmã (de Framton Nuttel) (Minha/sua) irmã

Em seguida, podemos expandir esse leque de expressões, incitan-do os alunos a pensarem em outras formas pelas quais poderiam sereferir a essas personagens no seu texto. Por ex.: (Sr. Nuttel) o recém-chegado, o hóspede, o homem adoentado dos nervos; (sra. Sappleton) aanfitriã, a dona da casa; (Vera) a adolescente, a garota, a jovem. Enfim,teremos de chamar a atenção dos alunos para um detalhe: é que adistribuição dessas expressões no texto não é homogênea, de forma que,por exemplo, o contexto em que surge a expressão “Framton” não per-mitiria que ela co-ocorresse com “sr. Nuttel”. Os alunos devem ser leva-dos a notar que as expressões utilizadas pelo narrador não são as mes-mas que ocorrem nos diálogos em discurso direto, e que precisam man-ter a consistência desse padrão distribucional em seu próprio texto.Pode-se, então, organizar numa tabela semelhante à anterior, agrupan-do as expressões conforme seu contexto de ocorrência:

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Narrador Personagens Framton Nuttel, o visitante, o recém-chegado, o hóspede, o homem adoentado dos nervos

Sr. Nuttel, o senhor

A sra. Sappleton, a tia, a anfitriã, a dona da casa

Sra. Sappleton, a senhora (Framton), tia, titia (Vera)

Vera, a mocinha, a menina, a sobrinha, a garota, a jovem, a adolescente

Vera, (minha) sobrinha (sra. Sappleton)

Os textos analisados a seguir foram escritos por alunos do pri-

meiro ano do curso de Pedagogia noturno de uma faculdade do interiorparanaense. A montagem dessas duas atividades em seqüência, pauta-das em textos cujo nível de complexidade é um tanto distinto e acom-panhadas da produção de alunos em etapas diferentes da escolarização,é até certo ponto proposital, já que o intuito desta exposição é sobretu-do o de ilustrar uma maneira de montar exercícios de língua a partir deelementos de teoria lingüística e lidar com os seus resultados. Nossaapreciação desses textos deverá se pautar especificamente naqueles as-pectos que foram trabalhados anteriormente à escrita, e o objetivo daavaliação de caráter “diagnóstico” é simplesmente o de, em relação aesses aspectos pelo menos, verificar se houve alguma modificação sen-sível na escrita dos alunos. Eis o primeiro texto:

Texto C

E num tom alegre, continuou a converçar com Framtom:– Desculpe minha sobrinha Vera, pois ela deve ter aterrorizado

um pouco o senhor. disse sra. Sappleton.– Não, não disse sr. Framtom. ela foi sim, muito simpática.

Más deixou algumas idéias em minha cabeça. respondeu Framtom.– Más não seja indiscreto sr. Framtom e conte algumas das

travessuras que minha sobrinha gosta de fazer. disse sra. Sappleton.Nesse momento sra. Sappleton estava auterada. Sr. Framtom

tenta explicar-se:– Há ela tentou me assustar responde Framtom.Mesmo assim a Sra. Sappleton parecia um pouco perplexá, imó-

vel demonstrava estar insegurá até mesmo com as palavras, suspira-va um uco profundo (...)

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Thomas Massao Fairchild

As expressões sublinhadas indicam os elementos de coesão lexicalutilizados pelo aluno. Um ponto a se notar, em comparação com ostextos A e B, que foram escritos sem nenhuma orientação específica doprofessor, é que os nomes das personagens aqui aparecem. Embora nãose trate da escrita dos mesmos alunos (não é o que está em questão), apassagem de um texto com aquela característica para um texto com estapode ser sinal de um ganho.

De toda forma, o aluno não acrescenta nenhuma expressão aorol elencado anteriormente, nem se utiliza das expressões novas levan-tadas pela turma. A incorporação dos nomes das personagens, da mes-ma forma, se dá com algumas alterações em relação aos elementos le-vantados no texto original: Framtom (Framton), sr. Framtom (sr. Nuttel),sra. Sappleton (a sra. Sappleton). Podemos compreender que a troca do–n final por um –m no nome da protagonista se deva ao fato de tratar-se, mais uma vez, de um nome inusual, e que o estudante aproxima aopadrão ortográfico do português. Do mesmo modo, por não ser imedia-tamente evidente a um brasileiro entre “Framton” e “Nuttel” qual dosdois é um prenome e qual é um sobrenome, bem como por ser entre nósmenos comum o uso do sobrenome como forma de tratamento, poderí-amos compreender o deslizamento entre “sr. Nuttel” e “sr. Framtom”.De toda forma, o que de fato nos interessa é que esses pequenos deslo-camentos, à maneira do que se viu sobre o texto A, indicam um afasta-mento semelhante do sujeito em relação às palavras do outro. Outroindício desse afastamento está em que, além das alterações em algumasexpressões lexicais presentes no fragmento original, o texto deste alunonão observa a lógica de sua distribuição e indiferencia as “vozes” cons-tituídas no interior da narrativa, de modo que “sr. Framtom”, por exem-plo, ocorre tanto no narrador quanto no discurso direto. Com basenessa avaliação, seria viável orientar o aluno a reentregar o texto ade-quando ao menos esse aspecto de sua escrita para que o considerásse-mos minimamente satisfatório.

Como contraponto, vejamos o texto a seguir:

Texto D

A JANELA ABERTA

– Homens, não adianta reclamar. Sempre sujam e não sabemcomo nós, mulheres, sofremos para deixar tudo em ordem, impecável.

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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto

Bem, não quero me tornar chata. Aceita um chá, sr. Nuttel?– Por favor, obrigado.A sobrinha encaminhou-se para a cozinha para providenciar o

chá. Enquanto isso, Nuttel remexia-se no sofá a procura do que falar.Por sorte, a sra. Sappleton indagou:

– Já esteve aqui antes? Sabe das histórias que contam a respei-to de nosso vilarejo, sr. Nuttel? Ah! Como sou indiscreta, não queroaborrec(ê)-lo com bobagens.

Nuttel notou um olhar estranho na sra. Sappleton. Um calafriopercorreu seu corpo. tentou pensar em outras coisas. Começou a olharpela janela aberta, e não acreditou no que seus olhos viam... um cãoSpaniel marrom passou correndo na grama verde. Não podia ser, Veradissera que o caozinho havia desaparecido junto com os demais. En-tão, só podia estar vendo coisas, seus nervos o traíam. Afinal, estavaali para descansar e após ouvir a história contada pela garota, seuincon(s)ciente criara aquele vulto. Só podia ser. Desviou o olhar para amulher, que não parava de falar; mas ele não ouviu uma palavra se-quer. Seus pensamentos estavam na história que ouvira a pouco. (...)

Neste caso, embora o conjunto de expressões utilizadas peloestudante não seja mais variado que o do texto anterior, é já um indí-cio relevante sua fidelidade à forma original dos nomes e das expres-sões dadas no fragmento inicial. O texto também obedece à distribui-ção das expressões conforme as “vozes” das personagens, embora mo-difique o modo como o narrador se refere à personagem principal(“Framton” > “Nuttel”); ainda assim mantém a distinção em relaçãoao discurso direto (“Nuttel” vs. “sr. Nuttel”). O aluno aqui também sevale de expressões anafóricas novas, como “a garota” (Vera), “os de-mais” (marido da sra. Sappleton e irmãos) e “aquele vulto” (cãozinhospaniel), o que sugere a possibilidade, para este caso, de colocar oensino de elementos de “coesão lexical” em segundo plano e daí pordiante passar a outras formas de trabalho.

O fato de focalizarmos o estudo do texto sobre caracteres locali-zados, portanto, não nos impede de considerar outros aspectos que aprodução dos alunos torne relevante. Uma avaliação “diagnóstica”,ao mesmo tempo em que verifica os resultados de um trabalho anteri-or, também se converte imediatamente em avaliação de cunho “prog-nóstico” quando encontra novas questões a serem abordadas em aula.Encerremos este ensaio com um último texto em que os pontos inicial-

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Thomas Massao Fairchild

mente almejados pela atividade se tornam, ao que me parece, menosrelevantes do que um outro aspecto até então inesperado. Não hánenhuma razão para deixar os critérios iniciais de lado se a própriaescrita do aluno impõe outros caminhos para a leitura e o trabalho doprofessor. Mas vejamos do que se trata.

Texto E

JANELA ABERTA

E, num tom alegre, continuou:– O senhor aceita um chá ou café? Já mandei arrumar a mesa

com bolos e biscoitos.– Não, não precisa se incomodar, senhora Sappleton.– Por favor, faço questão, já está tudo pronto, respondeu ela.Framton, muito sem jeito a acompanhou até a sala de chá. Por

onde passava achava tudo muito interessante mas com um ar muitomisterioso; mas logo se distraiu no embalo da conversa que se tornaraagradável. Muito tempo depois quando já nem se lembrava do queVera havia lhe contado ouviu vozes e latidos de cachorro.

– Oh! Exclamou senhora Sappleton, deve ser meu marido e meusirmãos que chegaram da caçada. Vamos até a sala ver se trouxerammuitas narcejas.

Framton sentiu um arrepio muito estranho e logo se levantou ea seguiu até a sala, onde se deparou com três homens altos, magros ecom os rostos muito pálidos.

– Acho que já está na minha hora, disse Framton. Preciso vol-tar logo para casa.

– O senhor não gostaria de nos acompanhar no jantar? Asnarcejas ficam sempre muito deliciosas.

– Oh não! Eu realmente preciso ir, já tomei demais o tempo devocês, quem sabe em uma próxima vez.

Após se despedir Framton ia saindo quando se lembrou de Vera,e logo a viu parada em frente a janela aberta com um olhar estranho emuito assustador. Ao chegar em casa Framton desejara nunca ter en-trado naquela casa assombrosa. Sentando-se no sofá pegou um jornaljá amarelado pelo tempo e passando os olhos pelas notícias ficouestarrecido com uma manchete dizia: Os corpos da senhora Sappletone sua sobrinha Vera são encontrados em casa, deitados na cama. Nadase sabe sobre o que ocasionou as mortes, e também não foram encontra-

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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...

dos seu marido e irmãos que a vários dias saíram para caçar.

Como se pode ver, não há grandes problemas aqui em relação aoselementos de “coesão lexical”. Temos um único deslocamento seme-lhante ao do texto C (“senhora Sappleton” < “a sra. Sappleton”), masdiferentemente dali este texto preserva sua distribuição de acordo comas “vozes” da narrativa. Afora isso, problemas de ordem “gramatical”também são poucos e insignificantes: “desejara” > desejou; “(...) ficouestarrecido com uma manchete dizia (...)” > (...) uma manchete quedizia (...); “a vários dias” > há vários dias. Há ainda alguns problemasde pontuação e sinalização das falas das personagens em discurso dire-to. Destacar esses pontos, de toda forma, seria insuficiente para orien-tar uma reescrita que modificasse o texto de maneira relevante, e otrabalho que o aluno realizaria substituindo esses elementos localiza-dos seria de importância duvidosa senão como copydesk. Ainda assim,resta a impressão de que o texto é uma versão preliminar e necessitariaser reelaborado em alguns aspectos para chegar a uma forma definitiva.

Um caminho possível seria orientar a avaliação pelo levanta-mento das positividades do texto – aquilo que está lá – e não pelas suasnegatividades – o que está ausente, o que lhe falta. Construir umaimagem do aluno a partir do que ele sabe talvez possa abrir novasperspectivas de ensino. Notemos, portanto, quais são os recursos queeste aluno efetivamente mobiliza.

Primeiramente, o estudante percebe que pode parafrasear ele-mentos pontuais do início do texto para reapresentar as personagens,por metonímia, causando um efeito de suspense: “vozes” para retomar“o marido e seus irmãos”; “latidos de cachorro” para retomar “cãozinhospaniel marrom”. Poderia valer-se de outros elementos ainda mais espe-cíficos, e que não são dados no fragmento original à toa, como “imper-meável branco”, “Bertie, por que tu pulas?” etc.

Em seguida, notemos que há uma gradual caracterização atmos-férica que antecipa o desfecho fantasmagórico do enredo: o aluno insereexpressões como “um ar muito misterioso”, “um arrepio muito estra-nho”, “um olhar estranho e muito assustador”, “casa assombrosa”.Note-se que há aí uma progressão que aponta para a constituição deum ponto climático: misterioso < assustador < assombroso. Noutromomento, descreve os homens recém-chegados como “altos, magros ecom os rostos muito pálidos”, o que é de certa forma uma descrição devalor catafórico e aponta para a “revelação” final do conto (são cadáve-

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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer

res, fantasmas). Seria possível trabalhar sobre esse tipo de recurso deforma a superar a seleção de expressões genéricas e um pouco repetitivas.

Se pedimos para que nossos alunos escrevam um conto desuspense, é recomendável ler o seu texto também como leitores de con-tos de suspense. Neste caso, pelo menos este ponto causa algumestranhamento: há um “jornal já amarelado pelo tempo” sobre a mesade Framton Nuttel. Por que o jornal está em cima da mesa se é umjornal de anos atrás? Esta parte do enredo, de importância crucial parao desenlace do segredo que vincula as palavras do aluno às palavras doseu outro, precisaria ser modificada de maneira a se tornar mais crível.

Parece então que uma avaliação “diagnóstica” direcionada paraas operações de “coesão lexical” pode ceder espaço a um novo “prog-nóstico” que nos leva, mais uma vez, a buscar uma descrição da escritado aluno a partir do que ela nos presentifica muito mais do que a partirdo que ela deixa de mostrar. Para isso, como vimos em diversos momen-tos, um instrumento de especial valia são os modelos teóricos da lin-guagem que constituem o cabedal do nosso ofício e garantem a possibi-lidade de que o professor possa se erigir, de fato, como um leitor não-ordinário do texto do aluno.

REFERÊNCIAS

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BARZOTTO, V. H. Prefácio. In: BARZOTTO, V. H. (org.). Estado de leitura.Campinas, UNICAMP, 1999.

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.

GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 3. edição. São Paulo: Ática,2004.

ILARI, R.. A Lingüística e o ensino da Língua Portuguesa. 4. edição. SãoPaulo: Martins Fontes, 1997.

KOCH, I. G. V. A coesão textual. 19. edição. São Paulo: Contexto, 2004.

Encaminhado em: 19/03/07

Aceito em: 20/04/07

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A Revista Olhar de Professor é um periódico acadêmico semestral pro-posto pelo Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da UniversidadeEstadual de Ponta Grossa. Publica artigos, relatos de práticas docentes, expe-riências pedagógicas significativas, relatórios de projetos de pesquisa e exten-são, resenhas, entrevistas e textos de palestras proferidas, produções de pes-quisadores ligados à docência, extensão universitária e pesquisa na área daeducação.

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de para decidir sobre a conveniência ou não da publicação, podendo, inclusi-ve, reapresentá-los aos autores, com sugestões para que sejam feitas alteraçõesnecessárias no texto e/ou para que se adaptem às normas editoriais da revista.Nesse caso, o referido trabalho será reavaliado pelos consultores.

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2.4- No preparo do original, deverá ser observada a seguinte estrutura:a) Cabeçalho

. Título do artigo e subtítulo centralizados (quando os artigos forem emPORTUGUÊS, colocar título e subtítulo em português e inglês; quando osartigos forem em INGLÊS, colocar título e subtítulo em inglês e português).

. Nome do(s) autor(es) alinhados à esquerda. Através de nota de rodapé,indicada através de asterisco, apresentar as credenciais: titulação, instituiçãode origem e e-mail para contato. Considerar apenas a maior titulação concluída.

b) ResumoConsiste na apresentação concisa dos pontos relevantes do texto, com

as principais conclusões, em no máximo 250 palavras.

c) Palavras-chaveCorrespondem às palavras ou expressões que identificam o conteúdo

do artigo. No máximo 5.Sugere-se utilizar termos presentes na estrutura do Thesaurus Brasilei-

ro da Educação (BRASED), disponível em: www.inep.gov.br/pesquisa/

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thesaurus/estrutura.htm

d) AbstractConsiste na apresentação concisa, em inglês, dos pontos relevantes do

texto, com as principais conclusões, e deve conter, no máximo, 250 palavras.e) Keywords

Correspondem às palavras ou expressões em inglês que identificam oconteúdo do artigo. No máximo 5.

f) TextoIntrodução, material e método, resultados, discussão, conclusões, agra-

decimentos (quando houver).

g) Referências bibliográficasDevem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro

autor e seguir as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técni-cas). Incluir somente as obras mencionadas no trabalho. Alguns modelos dereferências bibliográficas:

Livro (um autor)VIEIRA, L. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Livro (dois autores)BABIN, P.; KOULOUMDJIAN, M. Os novos modelos de compreender: ageração do audiovisual e do computador. São Paulo: Paulinas, 1989.

Capítulo de livroOLIVEIRA, F. Neoliberalismo à brasileira. In: GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro:Paz & Terra, 1995. p. 29-34.

Artigo de periódicoHERNÁNDEZ, F. O projeto político-pedagógico vinculado à melhoria das escolas.Pátio, Porto Alegre, n. 25, p. 8-11, fev./abr. 2003.

TeseMARTINS, R. B. Escola cidadã do Paraná: análise de seus avanços e retroces-sos. Campinas, 1997. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação– Universidade Estadual de Campinas.

Artigo de jornal assinadoDIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 jul.2002. Folha Campinas, p.2.

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Trabalho publicado em Anais de CongressoPARO, V. H. Administração escolar e qualidade do ensino: o que os pais ouresponsáveis têm a ver com isso? In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE POLÍTICAE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 18., 1997, Porto Alegre. Anais...Porto Alegre, Edipucrs, 1997. p. 303-314.Páginas consultadas na internet –wwwWEB SITE CORNELIUS CASTORIADIS. Disponível em: <http://www.charlespennaforte.pro.br/castoriadis/ >. Acesso em: 05/12/04.

Livros, periódicos, anais de eventos e outros documentos extraídos da internetSeguir a descrição usual acrescida da indicação do endereço e da data deacesso.PELAEZ, N. C. M. Aprender a aprender através da música. Pátio, Porto Ale-gre, n. 25, p. 60-62, fev./abr. 2003. Disponível em: http://www.artmed.com.br/patioonline/patio.htm. Acesso em: 10/03/05.

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