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OFICINA DE POESIA - ALQUIMIA DA PALAVRA Isabel Catarina Zöllner 1 Resumo A Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra é uma proposta de trabalho, na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura, para ser desenvolvida na escola, nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O seu objetivo é através da poesia, como instrumento humanizador, despertar a sensibilidade e a alteridade nos jovens que vivem numa sociedade capitalista, marcada pelo individualismo, pela reificação do ser humano e pelo fatalismo que os leva a pensar que não se pode fazer mais nada neste mundo a não ser adaptar-se a ele. A Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra busca contribuir com a escola no seu papel de formação, procurando sensibilizar os jovens em suas relações consigo mesmo, com os outros seres humanos e com a natureza. Palavras-chave: Poesia. Escola. Humanizar. Jovens. Abstract Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra is a work, in Portuguese Language and Literature, to be developed at school, in the final series in elementary school and high school. Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra entends to humanize young people through poetry. Its goal is to raise awareness and otherness in a capitalist society, marked by individualism, by the reification of human beings and the fatalism that leads to believe that we can not do anything else in this the world unless adapt to it. This work 1 Graduação em Letras: Português/Inglês – UFPR. Pós-Graduação: Pedagogia Religiosa – PUC/PR e Violência Contra Criança e o Adolescente – USP. Trabalho final, Artigo Científico, apresentado como resultado final das experiências desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2007. Orientação: Profº Dr. Wilton Fred Cardoso de Oliveira - UTFPR

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OFICINA DE POESIA - ALQUIMIA DA PALAVRA

Isabel Catarina

Zöllner1

Resumo

A Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra é uma proposta de trabalho, na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura, para ser desenvolvida na escola, nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O seu objetivo é através da poesia, como instrumento humanizador, despertar a sensibilidade e a alteridade nos jovens que vivem numa sociedade capitalista, marcada pelo individualismo, pela reificação do ser humano e pelo fatalismo que os leva a pensar que não se pode fazer mais nada neste mundo a não ser adaptar-se a ele.A Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra busca contribuir com a escola no seu papel de formação, procurando sensibilizar os jovens em suas relações consigo mesmo, com os outros seres humanos e com a natureza.

Palavras-chave: Poesia. Escola. Humanizar. Jovens.

Abstract

Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra is a work, in Portuguese Language and Literature, to be developed at school, in the final series in elementary school and high school. Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra entends to humanize young people through poetry. Its goal is to raise awareness and otherness in a capitalist society, marked by individualism, by the reification of human beings and the fatalism that leads to believe that we can not do anything else in this the world unless adapt to it. This work

1 Graduação em Letras: Português/Inglês – UFPR. Pós-Graduação: Pedagogia Religiosa – PUC/PR e Violência Contra Criança e o Adolescente – USP. Trabalho final, Artigo Científico, apresentado como resultado final das experiências desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2007. Orientação: Profº Dr. Wilton Fred Cardoso de Oliveira - UTFPR

wants to help young people to live better with themselves, with other people and with nature.

Key Words: Poetry. School. To Humanize. Youth.

O século XXI se inicia marcado por profundas mudanças sociais,

políticas e econômicas. Fala-se no fim das certezas com o objetivo de

acabar com a esperança em valores universais como a libertação e a

emancipação humana. Princípios éticos, valores tradicionais, costumes e

ideais estão sendo deixados para trás. Uma indiferença generalizada e

profunda tem tomado conta de tudo. O passado e o futuro não importam

mais, é preciso apenas viver o presente da melhor maneira possível.

Promove-se um fatalismo que impõe a idéia de que não se pode

fazer mais nada nesta sociedade a não ser se adaptar a ela. Essa

sociedade capitalista, neoliberal que descarta a história e a esperança,

privilegia o capital sobre o trabalho e define de modo desigual o acesso

aos bens necessários à vida, valoriza mais o indivíduo que constrói sua

vida, seu bem-estar e o seu destino sozinho do que a comunidade dentro

da qual ele se encontra. Conforme Gilles Lipovetsky em A Era do Vazio

(LIPOVETSKY, 2005), o capitalismo atual se apropria da apatia e

individualismo e atinge uma nova fase na qual as relações de produção

são substituídas pelas relações de sedução. Esta nova fase se coloca com

valores hedonistas, permissivos, narcisistas, culto à libertação pessoal e

ao psicologismo. As pessoas querem viver o momento atual, se divertir e

se conservar jovens. Os antigos não são mais respeitados pela sua

sabedoria, seriedade, fragilidade, mas somente se permanecerem jovens

de espírito e de corpo.

Aliado ao capitalismo, o neoliberalismo se assenta em princípios de

desestatização, desregulamentação, desuniversalização e com isso tem

2

conseguido gerar desigualdades, desemprego, e sua funesta ideologia de

que não existem alternativas e que é preciso a adaptação de todos.

O cenário mundial, além de estar marcado por todo esse contexto,

caracteriza-se também pela era da globalização, esse processo de

integração da economia e do mercado, da rapidez e eficácia da

informação e da comunicação. As inovações se propagam entre países e

continentes, tornando possível o acesso fácil e rápido à informação e aos

bens. Com a ressalva de que para as classes menos favorecidas

economicamente, esse acesso não existe. Para a UNESCO

“a globalização representa hoje um novo desdobramento do capitalismo caracterizado pela acumulada concentração da riqueza, alimentada pelo crescimento econômico com altos custos sociais, culturais e ambientais e pela incrementação da ciência e tecnologia, que provocam extrema rapidez na produção das áreas de computação e produção científica mas que não amenizam a miséria, ao contrário, acentuam-na.” (UNESCO -1997)

Neste contexto de globalização, capitalismo, neoliberalismo, a

escola pública se perde cada vez mais. Os jovens não se interessam, pois

a escola não parece fazer sentido diante deste mundo. Alain Finkielkraut,

em A derrota do pensamento, define a escola como

“a última exceção do self-service generalizado. O equívoco que separa essa instituição de seus usuários vem crescendo: a escola é moderna, os alunos são pós-modernos; ela tem por objetivo formar os espíritos, eles lhe opõem a atenção flutuante do jovem telespectador; (...)

(FINKIELKRAUT, 1976,P.148)

Hoje o discurso do professor está banalizado, seu prestígio e

autoridade desapareceram. A escola também está tomada pela apatia,

pela falta de interesse. Os jovens não têm motivação, estão apenas

preocupados com a moda, em divertir-se, em distrair-se e também não

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têm limites. Quando os pais são chamados à escola eles mesmos

reconhecem que não sabem educar seus filhos.

A escola está perdendo seu projeto de formação, contudo sua

incumbência continua ainda a de sensibilizar os jovens para com suas

relações consigo mesmos, com os outros seres humanos e com a

natureza. Por isso, é imprescindível que a escola se transforme num

ambiente, democrático, justo, respeitoso, solidário e que possa ajudar os

jovens a se constituírem como seres humanos, não apenas ensinando

conteúdos, mas também educando, envolvendo os jovens como um todo,

no seu aspecto racional, ético e estético. Diante desta realidade e dos

desafios apresentados em especial para a educação se torna urgente

recuperar o princípio da alteridade. A palavra alteridade, que possui o

prefixo alter (outro) do latim significa “colocar-se no lugar do outro na

relação interpessoal, com consideração, identificação e dialogar com o

outro. Alteridade é, portanto a capacidade de conviver com o diferente.

Significa que eu reconheço o outro em mim mesmo, como sujeito aos

mesmos direitos que eu, de iguais direitos para todos, o que gera também

deveres e responsabilidades.” 2

A escola precisa ensinar ou despertar a alteridade para que os

jovens possam eliminar de suas vidas a xenofobia, o racismo, os

preconceitos de gênero, de idades e de classes sociais e se tornem

realmente cidadãos conscientes do outro e do meio em que vivem.

É nesse contexto que A Oficina de Poesia – Alquimia da Palavra se

propõe a trabalhar a poesia como instrumento humanizador, que busca

despertar a capacidade de alteridade entre os jovens e dessa forma

recuperar a esperança num mundo melhor. As atividades desenvolvidas

para serem trabalhadas na oficina são destinadas a alunos de 8ª série e

Ensino Médio, podendo ser adaptadas para demais séries do Ensino

Fundamental.

2 SILVA, Maurício da. Alteridade e Cidadania. Disponível na internet em: http://www.evirt.com.br/colunistas/mauricio08.htm

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A função da arte

O objetivo de trabalhar a poesia despertando a capacidade de

alteridade entre os jovens nos leva primeiramente a pensar na função da

arte. A obra de arte desperta prazer, transmite conhecimento e aprimora

a sensibilidade, produzindo uma condição melhor do homem em relação a

si mesmo, ao próximo, ao mundo e à vida.

A arte de nossa época é a música, a novela, a história em

quadrinhos, o cinema. É produzida em massa para um público eclético e

visa ao amplo consumo. Esta arte trata apenas de temas convencionais

como amor, sexo, violência. Não faz questionamentos, repete o que a

sociedade exige, conseqüentemente ela acaba desempenhando uma

função ideológica, pois transfere para o povo conceitos eternos e

indiscutíveis das classes dominantes. Essa arte acaba por se tornar em

mercadoria, e assim ela se define como produto da sociedade capitalista,

na qual tudo se transforma em mercadoria.

Pedro Lyra, em seu livro, Utiludismo, a Socialidade da Arte, reflete

sobre a participação da arte no processo de transformação da sociedade.

Segundo ele

[...] deve ou não deve a arte participar (e não se quer que ela resolva) no processo de transformação de uma sociedade tão desfigurada como a nossa? A humanização dessa sociedade não mereceria, por acaso, o “sacrifício” temporário da arte, em colocar-se também ela, como arma de combate, quando sabemos que o poder dessa arma haveria de contribuir – e quanto contribuiria! – nesse processo de humanização?[...}(LYRA, 1976. p.50)

Nesse mesmo livro, Pedro Lyra, solicita uma educação estética da

humanidade, uma educação que mostre às crianças que o próximo não é

um concorrente, mas um companheiro. E sendo a arte, a mais perfeita

forma de socialização do ser humano, ela é convidada a realizar a re-

humanização (LYRA, 1976, P. 112).

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Antonio Candidos3, em A literatura e a formação do homem,

apresenta a função humanizadora da literatura e sua capacidade de

confirmar a humanidade do homem. Para ele a literatura exprime o

homem e atua sobre sua formação. Ele identifica três funções exercidas

pela literatura. A primeira função é a psicológica ligada à capacidade e

necessidade do homem de fantasiar. A segunda é a formadora que liga as

fantasias expressas pela literatura ao real. E a terceira função diz respeito

à identificação do leitor e de seu mundo representados na obra literária, é

a função social. Antônio Candido diz também que as camadas profundas

da nossa personalidade podem sofrer um bombardeio poderoso das obras

que lemos e que atuam de maneira que não podemos imaginar.

Para além dessas funções da literatura, a obra de arte para se

afirmar precisa encontrar ressonância na sensibilidade ou no

conhecimento do homem. Pedro Lyra, em seu livro, já citado, Utiludismo:

A socialidade da Arte, afirma que:

Isso se vê claramente nesta confissão de um leitor de George Simenon: “O senhor é uma pessoa que me compreende. Encontrei-me tantas vezes em suas novelas!” Não há dúvida: esta obra despertou um prazer e/ou transmitiu um conhecimento, a partir da comunicação estabelecida com este leitor, através do meio próprio da arte em questão (língua e livro, no exemplo), produzindo uma melhoria na colocação deste homem diante de si mesmo e do próximo, do mundo e da vida. (LYRA,1976, p. 34 e 35)

É justamente neste contexto “pós-moderno” em que a tecnologia de

comunicação e informação transita num mundo individualista,

demagógico, violento, que valoriza o mercado das imagens, é que a

literatura, e de modo mais específico, a poesia precisa assumir sua função

de humanizar. Ler poesia nos ensina a olhar além do que se vê. A poesia

amplia os limites da experiência humana. O poeta que está atento às

coisas de seu tempo, intervém na realidade, e usando a palavra ele nos

passa uma visão sobre o mundo que nos cerca e nos faz pensar no que é

3 Vide: CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem , Ciência e Cultura, 1972.

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viver neste lugar e nesta hora. Fernando Pessoa, o eterno poeta, em O

pensamento vivo de Fernando Pessoa, faz uma interessante reflexão

sobre a finalidade da arte:

A finalidade da arte não é agradar. O prazer é um meio e não um fim. A finalidade da arte é elevar. O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar e o fim da arte superior é libertar, mas para libertar tem também que agradar e elevar tanto quanto possa ser [...].

( FONSECA e BRUNO, 1986 p.87)

Da mesma forma, acreditando na força que a poesia tem de

humanizar, Alfredo Bosi, em O ser e o tempo da poesia, ao analisar as

relações do poema com os tempos da sociedade, afirma que

a poesia aparece, ao longo da obra, não como um objeto fabricado pelas combinações da langue, seu suporte, ou por uma onipotente máquina ideológica, mas como um processo singular e inventivo de significação que em vez de ópio de literatos alienados, almejava e às vezes consegue ser “a alma de um mundo sem alma”. (BOSI, 2000)

Os jovens não gostam de ler e quando lêem estão acostumados a

textos objetivos, de jornais, revistas, livros didáticos, internet, mangás e

ao se depararem com textos subjetivos, com imagens, idéias que não são

didáticas sentem muita dificuldade. Por isso, trabalhar a leitura e escrita

de poemas na escola é um grande desafio. A opção por desenvolver este

trabalho através de oficina se dá devido à possibilidade de se criar um

ambiente diferente do dia-a-dia, um ambiente mais integrado, mágico,

harmonioso, propício à criatividade, diferente da sala de aula tradicional.

A oficina é um lugar em que acontecem transformações. Nela se exerce

um ofício e trabalham os aprendizes de um ofício ou arte. Um ambiente

destinado ao ensino e aprendizagem. Na oficina de poesia, o jovem verá o

poema em sua interioridade, como é feito e como funciona;

diferentemente do que acontece na aula tradicional de literatura. Nesta

costuma- se ver a poesia de fora: as grandes obras poéticas, as diferentes

tendências literárias e o contexto histórico.

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O título escolhido para o trabalho Oficina de Poesia – Alquimia da

Palavra tem por intenção resgatar o significado da alquimia que está em

consonância com a poesia, quando pensamos na sua função de lidar com

o simbólico, por ser uma metáfora ao trabalho espiritual, à libertação da

alma de seu aprisionamento da matéria, à transformação de si próprio de

um estado inferior para um estado superior, mais humanizado.

“Alquimia é uma tradição antiga que combina elementos de

química, física, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo e

religião. Existem alguns objetivos principais na sua prática: a

transmutação dos metais inferiores em ouro, a obtenção do Elixir da

Longa Vida, um remédio que curaria todas as doenças e daria vida eterna

àqueles que o ingerisse. Obter a Pedra Filosofal, uma substância mítica

que amplia os poderes do alquimista, e finalmente criar vida humana

artificial.”4Como ciência oculta, a alquimia revestia-se de um aspecto

desconhecido, oculto, místico e mítico. Seus textos estavam mais

interessados em esconder do que revelar. Hoje num mundo tomado pelo

culto ao dinheiro, à aparência, a alquimia é uma arte filosófica, na qual o

homem busca a si próprio ao seu íntimo e vê o universo de uma outra

forma, encontrando nele seu aspecto espiritual e superior.

Somente a capacidade imaginativa e lírica do poeta pode

transformar a palavra literal em metafórica. Não seria este um

procedimento alquímico? Desta forma, a Oficina de Poesia – Alquimia da

Palavra - propõe um processo de torcer, reinventar, diferenciar, manusear,

desconstruir, buscar a intimidade com as palavras para que a linguagem

expresse os sentimentos mais profundos, expanda a imaginação,

sensibilize, desenvolva o princípio da alteridade, ou seja, humanize o

leitor.

Os autores escolhidos para serem trabalhados na oficina de poesia

são poetas da língua portuguesa que podem ser lidos com os olhos de

hoje e que outros os lerão com os olhos de amanhã, isto é, aqueles que se

4 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alquimia

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eternizaram e se universalizaram, além de poetas paranaenses cânones

da nossa literatura local, como também novos poetas que surgem e que

podem contribuir através de sua poesia para a humanização dos nossos

jovens. Aqui nomeamos alguns: Fernando Pessoa, Bocage, Luís Vaz de

Camões, Agostinho Neto, Alda Espírito Santo, Hilda Hilst, Florbela

Espanca, Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Carlos Drummond de

Andrade, João Cabral de Mello Neto, Thiago de Mello, Ferreira Gullar, Mario

Quintana, Cecília Meireles, Adélia Prado, Cora Coralina, Patativa do Assaré,

Augusto dos Anjos, Cassiano Ricardo, e os paranaenses Paulo Leminski,

Helena Kolody, Alice Ruiz e Dalton Gandin.

As propostas de trabalho para a Oficina de Poesia – Alquimia da

Palavra estão reunidas no Caderno Pedagógico – Estudos Literários,

material pedagógico, PDE 2007, no último capítulo. O material contém 90

poesias separadas em nove temas: auto-retrato, social, morte,

metapoesia, mulher, vida, esperança, liberdade e a última parte é

destinada a uma oficina específica de Hai-Kai. O caderno apresenta

sugestões de atividades para a oficina sobre os temas auto-retrato e

social. Os modelos são possibilidades que podem ser melhoradas e

adaptadas a níveis de ensino diversos. A oficina de Hai-Kai foi integrada

ao caderno já que há grande interesse de crianças, jovens e adultos nessa

poesia mínima. Além disso, quem entende e participa do Hai-Kai

desenvolve sua concentração, escrita, comunicação, relacionamentos,

intuição, autoconhecimento, meditação, expressão e gosto estético. São

sugeridas algumas atividades para se desenvolver na oficina e cinqüenta

e oito Hai- Kais de poetas paranaenses.

Com o tema auto-retrato, que é primeiro do caderno, foram

escolhidos os seguintes poemas: Retrato de Cecília Meireles, O Auto-

Retrato de Mário Quintana, Soneto de Bocage, Auto-Retrato de Manuel

Bandeira, um pequeno poema de Alice Ruiz, Traduzir-se de Ferreira Gullar,

Soneto de Hilda Hilst, Ópera Fantasma de Paulo Leminski, Eu Sou

Trezentos de Mario de Andrade e um pequeno poema de Helena Kolody.

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Foram sugeridas atividades com os poemas de Cecília Meireles,

Mário Quintana e Bocage. A primeira sugestão é que o ambiente da sala-

de-aula seja modificado. A sala de aula deve se transformar numa oficina,

organizando mesas para trabalho coletivo, ambiente decorado, colorido,

fotos de poetas e poemas decorando as paredes, música, se for possível

uso de outros recursos como power-point, TV-Pen Drive, DVD, e outros. Em

seguida, o professor deve distribuir uma cópia do poema para cada aluno.

Solicitar que façam a leitura. Um aluno pode declamar o poema para a

turma. Depois de lido, o professor pergunta aos alunos o que eles

sentiram ao ler o poema. O professor anota no quadro os sentimentos que

surgirem e pergunta quais palavras do poema revelaram estes

sentimentos. O professor chama a atenção para os substantivos e

adjetivos que ressaltam as características físicas e emocionais e como são

as características emocionais que se sobressaem no poema e que

revelam a desesperança, a introspecção e o pessimismo.

Sugere-se que a vida, obra e características de Cecília Meireles

sejam apresentadas para o aluno, utilizando a TV Pen Drive ou outro

recurso.

Após apresentação da poetiza, o professor retorna ao poema e

solicita que os alunos, em pequenos grupos, reflitam e escrevam sobre as

seguintes questões: a) Qual o perfil da personagem/poeta? b) Será que

era a própria Cecília Meireles? c) Que idade teria? d)O que teria

acontecido em sua vida para ficar assim?

Na medida em que ouve as respostas dos alunos, o professor vai

construindo coletivamente uma análise mais profunda do poema,

considerando aspectos formais, vocabulário, categorias gramaticais,

sentido conotativo e denotativo, figuras de linguagem, ritmo, rimas, o

“eu-lírico”.

Para finalizar o professor pede que cada aluno pense numa palavra

que o defina, que fosse a mais importante de seu auto-retrato. As

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palavras escolhidas devem ser guardadas para que na seqüência das

atividades façam parte da composição do mural do auto-retrato da turma.

Dessa mesma forma, foram sugeridas atividades com outros poetas

e seus poemas. No final de cada uma delas os alunos deverão produzir

um texto, um desenho, um painel, um varal de poesia que serão expostos

na sala-de-aula, na escola, num sarau de declamação de poesia, no jornal

da escola ou do bairro. O importante é que o aluno descubra que a poesia

não é um bicho-de-sete-cabeças; pelo contrário, também pode dar prazer

à mente e ao espírito e nos ensinar mais sobre nós mesmos e as outras

pessoas.

Considerações Finais:

As atividades da Oficina de Poesia foram realizadas com turmas de

terceiro ano, do Ensino Médio, com turmas de 5ª a 8ª do ensino

fundamental. A Oficina também foi realizada com uma turma de

professores das escolas públicas do Estado do Paraná.

O trabalho desenvolvido com as turmas de terceiro ano revelou

resultados interessantes e diversos. Trabalhar a poesia como instrumento

humanizador, a fim de despertar a capacidade de alteridade entre os

jovens foi um objetivo bastante desafiador. Os jovens trazem preconceitos

que têm em relação à poesia. “ Não é coisa para homem, “A gente lê, lê e

não entende nada!”, “Pra que serve poesia?”, são alguns dos

questionamentos comuns na escola. A melhor forma de se responder a

esses questionamentos é, justamente, trabalhar a oficina na sala-de-

aula. À medida que os jovens vão lendo os poemas, desvendando

significados, conhecendo poetas, percebendo melodia, reconhecendo

sentimentos, vão se deixando tomar pela beleza, pela emoção”.

As atividades na oficina são quase todas desenvolvidas em

pequenos grupos. Os trabalhos finais da turma são apresentados todos

juntos. Portanto, o trabalho coletivo muito é valorizado, Conversar, aceitar

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ou não o que o pensamento do colega, escrever junto, são exercícios de

tolerância, de companheirismo, aceitação do outro.

A Oficina de Hai-Kais teve a participação do poeta e professor

Dalton Gandin que contribuiu de forma especial fazendo o debate sobre o

processo de inspiração e construção do poema, sobre a importância da

poesia na vida. Os jovens participaram ativamente fazendo diversas

perguntas, querendo saber mais sobre seus poemas, sua vida. Conhecer

um poeta foi uma experiência bastante interessante para muitos, desfez

um pouco dos preconceitos de que fazer poesia é para os imortais.

No trabalho com Oficina de Hai-Kais, foi apresentada também de

forma especial a vida e obra da paranaense Helena Kolody. O alunos

assistiram ao filme Helena de Curitiba que em algumas partes mostrava

Helena Kolody já bem idosa, no final de sua vida, declamando seus

poemas. A imagem do idoso causou desconforto entre os jovens,

provocando comentários que revelavam muito preconceito. A leitura de

seus hai-kais e a transformação dos mesmos em imagens foi fundamental

para que se refletisse sobre a velhice, sobre a sabedoria e a experiência

do idoso e de sua participação na sociedade.

A realização da Oficina de Hai-Kais foi muito positiva, pois além de

trazer um poeta para a sala-de-aula apresentou poetas paranaenses

como Paulo Leminski e Alice Ruiz que surpreenderam os jovens com sua

irreverência. Muitos se identificaram com sua posições questionadoras e

ousadas diante da vida.

O tema social, no qual se trabalhou com os poemas A Flor e Náusea

de Carlos Drummond de Andrade, O Bicho de Manuel Bandeira e

Pirâmide do Poder de Dalton Luiz Gandin, foi também importante para se

chegar a uma conclusão quanto à capacidade da poesia humanizar os

jovens.

A visão fatalista dos jovens é muito forte. Há uma naturalização da

sociedade. A vida é assim, sempre foi assim e não tem como mudar. E

contra esta ideologia trabalhar com poemas é uma boa arma. Para esses

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poetas sua função vai além de cumprir uma tarefa literária, mas também

questionar a realidade e profetizar mudanças.

Há uma possibilidade de mudança para a sociedade capitalista e

desumana que se apresenta no poema de Drummond, a flor que nasceu

no asfalto indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo

poeta.

O poema de Manuel Bandeira, O Bicho, repleto de melancolia e

crítica, remete ao gravíssimo problema da fome, também tantas vezes

justificada como um fenômeno natural e inevitável. Uma das atividades

realizadas neste tema é a leitura de alguns textos de Josué de Castro

sobre as causas e conseqüências da fome.

O terceiro poema trabalhado é Pirâmide do Poder, de Dalton Luiz

Gandin. Esse poema pertence à categoria da poesia concreta. O poema é

objeto e imagem e contém estruturas próprias e visuais, com formas de

geometrização, muito diferente da poesia tradicional. O poema nos

remete a sociedade dividida em classes sociais, à extrema desigualdade

social.

O trabalho na oficina com esses três poemas tinham como objetivo

levar ao discente o conhecimento de como o poema é feito, possibilitar

uma análise para além do senso comum e despertar sua consciência para

além de si mesmo.

Nem todos alunos se sensibilizam com o tema social, alguns estão

tão apáticos que se negam a fazer as atividades ou as fazem de qualquer

jeito, sem compromisso algum. Essa dificuldade se contrapõe ao projeto

da escola pública que pretende formar cidadãos críticos e conscientes.

O trabalho com o tema auto-retrato foi mais fácil de ser realizado.

Segundo relato de docentes que aplicaram a oficina em turmas de 5ª e 6ª

série, os alunos participaram com bastante entusiasmo, produziram

textos, imagens, painéis. Para os adolescentes dessas séries, falar de si

mesmos não parece ser tão difícil. Eles também demonstraram ter menos

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preconceitos com a poesia e apresentam-se mais motivados que os

jovens das séries finais.

Enfim, vivemos um tempo de alienação, de crise de identidade, de

desconstrução da cultura, de manipulação da mídia, que contribui para

que nossos jovens sejam indiferentes, excessivamente individualistas,

não se preocupem com o futuro ou passado e, por isso, o trabalho com a

poesia na escola se torna ainda mais importante em virtude de despertar

o princípio da alteridade e humanizar. Mesmo enfrentando dificuldades

como a falta de interesse e envolvimento da direção e da equipe

pedagógica da escola, com certa resistência, por parte dos jovens,

percebeu-se que a poesia tem como formar o educando e torná-lo

solidário com seus pares. Não foi possível medir o quanto a Oficina de

Poesia – Alquimia da Palavra humanizou, mas é certo que se o trabalho

com a poesia for levado adiante, em outras etapas da vida escolar desses

jovens, poderá contribuir ainda mais para sua formação humana.

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