oficina de mapas alternativos: reflexÕes sobre … · nos pautar em uma das ações praticadas...

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866 OFICINA DE MAPAS ALTERNATIVOS: REFLEXÕES SOBRE AS PRODUÇÕES DOS ALUNOS Amábyle Chanton do Prado, História, UEL, bolsista PROINEX/UEL Juliana Souza Belasqui, História, UEL, bolsista. Contação de Histórias do Norte do Paraná Orientadora: Regina Célia Alegro Resumo: O Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss (MHL) pratica várias ações dirigidas ao seu público, seja visitante comum, escolar ou de pesquisadores, dessa forma, busca cumprir com o papel fundamental de museu: resgatar, preservar e divulgar seu acervo. O espaço conta com setores que visam cumprir com os objetivos do museu, são eles o setor de audiovisual, biblioteca e documentação, museologia e ação cultural educativa. Nesse trabalho procuramos nos pautar em uma das ações praticadas pela ação cultural educativa, a Oficina de Mapas Alternativos. Essa faz parte de um conjunto de oficinas que são oferecidas para escolas públicas, tem apoio do PROEXT/MEC, ambas possuem a missão de promover e sensibilizar os alunos às questões referentes a memória local. Palavras-chave: História e ensino; Contação de Histórias do Norte do Paraná; educação patrimonial

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OFICINA DE MAPAS ALTERNATIVOS: REFLEXÕES SOBRE AS PRODUÇÕES DOS ALUNOS

Amábyle Chanton do Prado, História, UEL, bolsista PROINEX/UEL

Juliana Souza Belasqui, História, UEL, bolsista. Contação de Histórias do Norte do Paraná Orientadora: Regina Célia Alegro

Resumo: O Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss (MHL) pratica várias ações dirigidas ao seu público, seja visitante comum, escolar ou de pesquisadores, dessa forma, busca cumprir com o papel fundamental de museu: resgatar, preservar e divulgar seu acervo. O espaço conta com setores que visam cumprir com os objetivos do museu, são eles o setor de audiovisual, biblioteca e documentação, museologia e ação cultural educativa. Nesse trabalho procuramos nos pautar em uma das ações praticadas pela ação cultural educativa, a Oficina de Mapas Alternativos. Essa faz parte de um conjunto de oficinas que são oferecidas para escolas públicas, tem apoio do PROEXT/MEC, ambas possuem a missão de promover e sensibilizar os alunos às questões referentes a memória local. Palavras-chave: História e ensino; Contação de Histórias do Norte do Paraná; educação patrimonial

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Introdução: ação cultural educativa do Museu Histórico de Londrina

A ação cultural educativa praticada pelo MHL desenvolve diversas

atividades, tais como oficinas (oficina de mapas alternativos, objetos, fotografia documental,

maquete, entrevista, contação de histórias), visitas guiadas aos espaços do museu, exposições

itinerantes (constituídas de itens das exposições temporárias e são destinadas a empréstimos)

e materiais didáticos produzidos pela equipe do Museu. Dessa forma a ação cultural educativa

praticada pela instituição visa promover diálogos com a comunidade, partindo da ideia de

mediação entre museu e visitante, seja ele comum, escolar ou pesquisador.

[...] a ação educativa de um museu pode ser descrita como um conjunto [...] dos procedimentos que promovem a educação no museu, tendo o acervo museológico como centro das atividades. Ela visa promover a participação, reflexão crítica e transformação da realidade social integrada à apropriação de uma cultura museal. Nesse caso, deve ser entendida como ação cultural, que consiste no processo de mediação, permitindo o homem aprender em sentido mais amplo, o bem cultural, em vistas ao desenvolvimento de uma consciência crítica e abrangente da realidade que o cerca. (BRASI, 2006, p. 147 apud HILDEBRANDO, 2010, p. 71-72)

As oficinas promovidas pela ação cultural educativa propõem aos alunos

experiências referentes ao contato com documentos históricos, ideias sobre o espaço,

patrimônio e memória local. A ideia da elaboração da oficina de mapas alternativos surgiu de

uma proposta do Projeto – agora Programa – Contação de Histórias do Norte do Paraná,

inicialmente a oficina desenvolvia atividades a partir da utilização de plotagens (consistia

numa Planta da cidade de Londrina da década de 1950 e dois mapas produzidos pela

Companhia de Terras Norte do Paraná) e na produção de mapas alternativos: mapas de cheiro,

sons, paladar, afetivo, patrimônio.

Devido a novas demandas, a oficina passou a atender também o público do

ensino fundamental 1, para isso passou por alterações que culminaram na proposta aqui

apresentada, visto que a proposta anterior trabalhava com ensino fundamental 2 e ensino

médio. Essa proposta busca confrontar pontos de memória mais expressivos para a

comunidade londrinense, ou lugares conhecidos pelas crianças. como por exemplo, o centro

da cidade, catedral, os museus, calçadão, com pontos de memória indicados pela perspectiva

dos alunos, que consistem em lugares do seu cotidiano, como por exemplo, praças, campinhos

de futebol, escolas, parquinhos, que são lugares significativos para eles.

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Nos anos de 2012 e 2013 o espaço do MHL passou a receber um número

expressivo de escolares do nível fundamental 1, isso em virtude da atuação em parceria com a

rede municipal de ensino de Londrina por meio de um projeto intitulado Conhecer Londrina.

Além das visitas guiadas foi oferecido às escolas oficinas de educação patrimonial ministrada

pela equipe do Museu Histórico de Londrina. Essas ocorreram tanto no espaço do museu,

quanto no da própria escola. Em meio a esse contexto, a Oficina de Mapas passou a ser

oferecida como uma estratégia para a sensibilização de estudantes em vista do

reconhecimento e valorização do patrimônio cultural.

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Três oficinas, três modos de olhar a própria experiência

Nesse texto nos referimos a três oficinas realizadas entre os anos 2013 e

2014, duas com ensino fundamental 1 da cidade de Londrina, e outra realizada junto ao

Ensino Médio Profissionalizante da cidade de Sertanópolis.

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Mas, antes de tratarmos dessas oficinas, voltemos para a metodologia e

prática que as ampara. Essas oficinas, como ditas anteriormente, surgiram do trabalho com

plotagens, contato com variados tipos de documentos históricos e produção de mapas

alternativos. A ideia da elaboração da oficina está pautada no trabalho do arquiteto e urbanista

Humberto Yamaki, autor do Guia do Patrimônio Cultural de Londrina, que em seu estudos

mapeia algumas ruas de Londrina a partir da memória olfativa. Yamaki parte da idéia de

Burke (2004), a qual afirma ser possível escrever a história das cidades pelo cheiro. Certos

lugares e períodos são marcados por diferentes odores. O estudioso concebe o cheiro como

um elemento de ordenação espacial e de relação com o lugar que permite identificar e

complementar as informações visuais (YAMAKI, 2006).

Além de mapear a partir dos cheiros, Yamaki elabora um mapeamento das

colônias japonesas da cidade de Londrina, partindo de um elemento de identificação, a relação

de afetividade com a comunidade nipônica na região. Outro teórico que nos auxiliou para

pensar um suporte para a oficina é Yi-Fu Tuan, esse trabalha com ideia de lugares

significantes para o indivíduo. Para Tuan os lugares estão relacionados as experiências dos

indivíduos com determinados espaços.

“Sentir” um lugar leva [...] tempo: isso se faz das experiências, em sua maior parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dia e ao longo dos anos. É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a hora do Sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar. [...] Com o tempo nos familiarizamos com o lugar, o que quer dizer que cada vez mais o consideramos conhecido. (TUAN, 2013, p. 224)

Estudando as propostas dos autores percebemos que pensar os lugares para

assim mapeá-los significa relacionar com a própria experiência de vida do indivíduo com o

ambiente em que está inserido, ou, buscar os nexos entre indivíduos e grupos sociais e usos e

práticas sociais que transformam o seu ambiente.

As ideias propostas pelos autores estudados implicaram em pensar sobre

memória, já que esta é seletiva, e as experiências vividas pelos indivíduos que se relacionam-

se à comunidade. Segundo Halbwachs,

[...] cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes (HALBWACHS, 2006, p. 69).

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Partindo da ideia de produção de formas alternativas de mapeamentos

elaborados Yamaki, e relacionando as questões que foram elencadas acima, passamos a

pensar na oficina. A oficina de mapas é realizada da seguinte forma: num primeiro momento é

feito uma conversa com os alunos a respeito das concepções sobre o passado da cidade em

que vivem. Nisso são exploradas junto com os estudantes, questões como a utilização de

mapa como documento histórico, imigração, presença indígena, entre outras que surgem ou

são recortadas.

Um dos objetivos da oficina é uma sensibilização sobre como se faz a

análise de documento. Num segundo momento, os alunos entram em contato com um material

produzido pela ação cultural educativa do Museu que consiste num mapa da área urbana de

Londrina com alguns itens presentes na memória coletiva da londrinense. Essa atividade

explora a questão da memória e a concepção dos alunos a respeito dos lugares presentes no

material, lugares como a catedral, museus, rodoviária, Cine Teatro Ouro Verde, que implicam

na memória coletiva da cidade, além de trazer elementos que remetem à memória individual,

por exemplo, a casa, escola. E em seguida os alunos identificam esses lugares, a regiões em

que estão situados e produzem um mapa representativo com essas figuras. E, no terceiro

momento, após uma conversa sobre narrativas da memória da cidade é proposta aos alunos a

produção de formas alternativas de mapeamento relativas ao bairro onde vivem. São então,

chamados a pensar nas narrativas de memória do bairro.

Quando mapeiam a rua ou o bairro, indicam com símbolos e desenhos a casa dos avós, uma sorveteria bastante frequentada e até mesmo pontos de tráfico ou locais marcados pela violência, também aparecem locais conhecidos por todos da cidade, tais como praças, igrejas, correios, ou seja, lugares que fazem parte da identidade do local. A ideia é que esses lugares sejam mesmo indicados nesses trabalhos, para que possamos compreender como o aluno se relaciona com a sua comunidade e se ele se sente parte dela. (ALEGRO; BELASQUI; BATISTA, 2012, p 309).

Dessa forma partimos da ideia de Halbwachs de que o indivíduo tem

participação na memória, na individual e também na coletiva. Podemos perceber através das

produções dos alunos a sua realidade social, relação afetiva, e as lembranças que possuem

sobre o lugar em que inserem-se. Para Juliana Maddalena Trifilio Dias (2013), sujeito é

levado a ter uma atitude após e baseado naquilo que o afetou; que tocou seus sentidos. Esses

afetos despertam sentimentos da pessoa pelo lugar, e que muitas vezes, se transformam em

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gestos atitudinais do sujeito para com o meio. O sujeito então possui uma relação afetiva com

o lugar em que insere-se.

Segundo Norbert Elias (2002) [...] existe um sentido de lugar para os que lá estão estabelecidos e outro para os outsiders, permitindo assim, sentimentos diferentes para os mesmos espaços. Estes sentimentos variam a partir da forma como o ator urbano percebe o espaço, podendo declarar uma relação de soberania, exclusão, aceitação ou segregação diante de regras formais ou subjetivas sobre o espaço. (ELIAS, 2002 apud DIAS, 2013, p. 174)

As produções dos alunos: constatações iniciais

Seguimos agora para as reflexões referentes às produções feitas pelos

alunos.

O primeiro mapa alternativo a ser analisado é um mapa de cheiro. Esse foi

produzido por um aluno do ensino fundamental 1, nele é retratado o trajeto que o aluno

percorre da casa até a escola. Pelo caminho o aluno se “depara” com vários cheiros e no mapa

coloca três mais significativos ou os que mais se sobressaem no seu trajeto: primeiro cheiro

elencado é o do motor, o que nos remete que há uma oficina no seu caminho, a seguir ele fala

sobre o “cheiro de pão”, sugere a ideia de que há uma padaria em seu trajeto. O terceiro

cheiro o aluno se expressa por “cheiro de gato”, isso nos leva a imaginar ou que há muitos

gatos em seu bairro ou que passa por alguma casa que possui cheiro de gato. Antes de chegar

a escola. Dessa forma podemos pensar como o bairro é concebido na visão do aluno, os

cheiros presentes e como sua visão é limitada apenas ao caminho da escola.

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Mapa de cheiro, ensino fundamental I.

A segunda produção a ser destacada foi produzida no ensino fundamental I,

é um mapa que retrata o afeto em relação a fatos e lugares que são do cotidiano do aluno. É

composto por dois desenhos que possuem semelhanças mas formam um polo de afetividade.

O primeiro deles é colocado como “não gosto”, nos leva a compreender que é um caminho

que o aluno percorre até a escola, quando se depara com elementos como o lixo, cachorro

solto e latindo e a escola. No segundo desenho o aluno se expressa pelo “gosto”, nesse o

aluno aponta os elementos significativos para si, como o campinho de futebol, o cachorro

preso e não latindo e ao final há um desenho dele jogando vídeo-game. Nessa mapa afetivo

podemos perceber as relações que se estabelecem no lugar frequentado pelo aluno, há uma

contraposição de elementos. O aluno utiliza o mesmo lugar, o único elemento que difere é a

sua opinião, sendo o “não gosto” a escola, e “gosto” o vídeo-game, que remete à casa.

Percebe-se que o aluno desenha em maioria o que ele realmente gosta e não estabelecimentos

que são frequentes nos mapas produzidos.

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Mapa do desafeto, ensino fundamental I.

O próximo a ser considerado é um mapa do ensino médio do município de

Sertanópolis, um município de 16 mil habitantes cuja economia gira em torno do rural. O

aluno faz um mapa representativo da região. Nela há uma representação de um sítio, o aluno

difere a rodovia das estradas de terra batida, destaca os elementos presentes na área rural,

como por exemplo, a granja, a represa de peixe, a roça, lixão, o lago Tabocó e o rio Couro de

Boi e a área reflorestada. O aluno faz uma legenda e intitula o mapa de “Mapa do Sítio”.

Nesse desenho e através de uma discussão realizada em sala de aula com os alunos

percebemos que o lago Tabocó é um importante ponto de encontro da comunidade de

Sertanópolis.

As reflexões a respeito dos mapas produzidos pelos alunos nos levaram a

pensar nas relações da memória individual com a memória coletiva, e como são significativas

para construção da identidade, como assinala Jacques Le Goff:

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual e coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, é na febre e na angústia. (LE GOFF, 2003, p. 469)

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Mapa do sítio, Ensino médio. Sertanópolis.

Nos mapas destacados podemos perceber como o afeto, ou desafeto, por um

lugar está ligado as experiências do indivíduo, como por exemplo, no primeiro mapa, em que

há a experiência de ir para a escola e se deparar com situações cotidianas, que são retomadas

no mapa. Também podemos analisar a questão da identidade presente nos mapas, que podem

ser exemplificada no segundo e terceiro mapa. O segundo mapa, por exemplo, mostra a

relação que o aluno tem com a escola e com o vídeo-game e “casa”, podendo ser um elemento

de identificação positivo ou negativo (relação de afeto). O terceiro mapa, além de descrever a

localidade com certa precisão, traz lugares significativos que revelam a experiência individual

e coletiva. O estudante confirmou oralmente sua ternura em relação ao lugar onde vive. Esse

mapa traz muitas informações sobre a cultura material e informa sobre as relações que são

mantidas com o meio ambiente.

Um dos nossos desafios com essa oficina é a possibilidade de pensar o

passado e o presente. Imaginamos trabalhar com imagens do passado e do presente sobre o

lugar para marcar as transformações ocorridas. Ou seja, de como o espaço vai se

transformando em lugar. Mas isso já uma outra história!

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEGRO, Regina Célia; BELASQUI, Juliana Souza; BATISTA, Keila Fernandes. Oficina de mapas: mapas como documento histórico em sala de aula. In: Práticas e reflexões de

metodologias de ensino e pesquisa do Projeto Prodocência da UEL. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2012, p 309. DIAS, Juliana Maddalena Trifilio. A cidade através dos sentidos: experiências espaciais mediadas e a noção de favela em crianças. In: Cidade, memória e educação. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013. p.173-174. HALBWACHS, M. A memória coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. HILDEBRANDO, Gilberto. O museu e a escola: memórias e histórias em uma cidade de

formação recente. Londrina/PR. 2010. Dissertação (Mestrado em História Social), Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012. LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. Trad. Bernardo Leitão. 5ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003, p. 469 TUAN,Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Trad. Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2013, p. 224. YAMAKI, Humbert. Guia do patrimônio histórico cultural de Londrina. Londrina: Midiograf II, 2008.