odeio sabiás

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Page 1: Odeio Sabiás

ODEIO SABIÁS

Um pecado capital: não creio na diferença entre o pássaro-preto e o sabiá. Aquele, pelo menos, que todos os dias vem desfilarseu peito pleno de livre-vontade sob minha janela, é negro comonunca. Por mais gritante que seja seu ameno pousar sobre o galhoseco, e, aqui, somente nós (eu e ele) temos consciência destaverdade, sua real intenção é camuflar-se.

Esconde-se dos que sabem de sua perversidade e vigia-nos, vigia-nos como enganos. Estou, por isso, sempre à espreita.Um descuido, um segundo desatento, e sibila pelos ares suas setasagudas, cortantes.Nestespesares,pronto!,acabam-seminhashoras.

Às vezes, quando em trégua, chegamos mesmo a discutirnossas atitudes. Apertei-lhe as mãos, semanapassada, controlandouma ânsia sádica que corria todo meu corpo. Cheguei mesmo adizer-lhe que os pássaros mordem. Ele, mal disfarçando as cores eo contentamento, confinllou tninha40pinião:"Sorrimos!"

Odeio os sabiás. Não por egoísmo, não por solidão. Aidaqueles que se enlaçam em seus diminutivos e passam a elogiá-los: olhinhos, asinhas... são estas as armas dos malditos.Desconhecem as suas anuadilhas? São estes ignaros as maioresvítimas! É o meu caso,e, a cada queda da tarde, lá vem meutonuento, pousar na árvore morta da frente e rir de meu únicodiminutivo, meu caminho.

Não posso ter dó, e não tenho. Apenas espero que o ar nãome negue fonuas. Assim, tranqüilo, passo as mãos na carabinaque se desenha em minha frente, faço uma mira de mentira (masde verdade), e disparo certeiro, na cabeça. O coitado cai de seudisfarce no mesmo instante em que uma ingênua senhora taxa-mede covarde.

Não sei o que fazer em horas de apuro. Como estas sãoconstantes, apenas rumino. Aqui, penso na cumplicidade do arque me entregou uma arma de fogo e não umamáquina fotográfica.Esboço uma tardia fotografia do corpinho inerte. Poderia tê-loespantado com um cIic?Adiantaria prendê-lo numa câmera? Seilá.

Confesso, não queria ter matado o passarinho.

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