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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOCIÊNCIAS FORENSES
Ocupação indevida de aterros sanitários desativados: a toxicologia
ambiental na prática forense
Mariana Ribeiro Gomes1
Daniela Buosi Rohlfs2
1 Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília. Aluna de Pós-Graduação em
Biociências Forenses, pela Universidade Católica de Goiás/IFAR.
2 Orientadora: Engenheira Florestal pela Universidade de Brasília; Mestre em Ciências Ambientais pela
Universidade de Brasília; Especialista em Gestão Integrada de Águas – Saneamento Ambiental pela
Universidade das Águas da Itália; Especialista em Saúde e Poluição Atmosférica pela Universidade de São
Paulo. Professora de especialização em Biociências Forenses IFAR/PUC. Endereço: IFAR – Instituto de Estudos
Farmacêuticos. SHCGN 716 Bl B lj 05, Brasília-DF, CEP: 70770-732. E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente estudo faz uma revisão da literatura concernente à ocupação indevida de áreas antes utilizadas como
depósitos de rejeitos. Aborda os casos do Love Canal (Estados Unidos) e Condomínio Barão de Mauá (São
Paulo), referenciando os impactos observados no ambiente e na população exposta aos mais diversos tipos de
resíduos perigosos. Analisa as modificações na legislação brasileira referente ao tema e discorre sobre a
importância da toxicologia ambiental como instrumento na prática forense no sentido do apontamento de
culpados e fornecimento de dados confiáveis para a intervenção dos órgãos ambientais, população e responsáveis
na eliminação ou mitigação de danos, bem como na recuperação de áreas degradadas.
Palavras-chave: toxicologia ambiental, prática forense, resíduos sólidos, love canal, Barão de Mauá.
ABSTRACT
The main objective of this paper is to provide a review of studies concerning the illegal occupation of areas
previously used as dump sites. It discusses cases like the Love Canal incident (United States) and the Barão de
Mauá Residential (São Paulo), referencing the observed impacts on the environment and population exposed to
different types of hazardous waste. It analyzes the changes in brazilian legislation concerning this issue and
discusses the importance of environmental toxicology as a tool in forensic practice contributing to accountability
and providing reliable data for the intervention of environmental agencies, population and the ones responsible
for the injuries caused, in the elimination or mitigation of damages, as well as restoration of degraded areas.
Key-words: environmental toxicology, forensics, solid waste, love canal, Barão de Mauá.
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1 INTRODUÇÃO
O aumento da população mundial acarreta uma demanda contínua por áreas a serem
ocupadas, tanto para a habitação quanto para a produção de alimentos. Em decorrência desse
crescimento populacional o espaço urbano invariavelmente apresenta problemas ambientais,
em especial devido à ausência ou insipiência de políticas públicas de ordenamento territorial
(MAGALHÃES, 2009; GÜNTHER, 2008).
A expansão da população humana é diretamente proporcional à produção de resíduos,
resultantes das diversas atividades desenvolvidas. O padrão consumista, relacionado ao
modelo econômico capitalista, dita as regras de convivência em sociedade na qual o
desenvolvimento social se ampara na dominação da natureza, levando, consequentemente, à
degradação ambiental (MAGALHÃES, 2009; QUELHAS, 2010).
Diversos são os tipos de resíduos produzidos, além dos típicos resíduos urbanos ou
domiciliares. O crescimento tecnológico e industrial vem acompanhado da produção de
elementos muitas vezes inservíveis em virtude de seu uso, como é o caso de resíduos de
equipamentos eletrônicos e revestimento de materiais perigosos (GÜNTHER, 2008).
Nesse sentido, o aumento na produção de resíduos associado à disposição incorreta
agrava os problemas relacionados à saúde, meio ambiente e segurança pública. Não obstante a
existência de legislação específica sobre o tema, a falta de critérios na escolha do local, para
disposição final e tratamento desses materiais, bem como a negligência no acompanhamento
dessas áreas ao longo do tempo ainda oferecem riscos ao ambiente natural e à população
circundante (ORSATI, 2006).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, dispõe sobre a gestão
integrada e gerenciamento desses materiais, prevendo, entre outros, a utilização de áreas
propícias ao tratamento e disposição final ambientalmente adequada, em concordância com o
zoneamento ecológico-econômico e costeiro.
Todavia, de acordo com Orsati (2006), a questão financeira tem sido a norteadora na
definição dos locais de destinação final, o que demonstra falha nos critérios pré-estabelecidos.
Esse fato explicita o despreparo no monitoramento e operação dessas áreas, comprometendo a
segurança ambiental e dos indivíduos que as ocupam.
Em consequência do exposto, a ocorrência de acidentes ambientais, eventos
indesejados que acabam por provocar prejuízos ao ambiente e à saúde, são alvos de
discussões relacionadas à prevenção e atendimento aos afetados. No ano de 2008, grande
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parte dos acidentes registrados estava relacionada ao contato com substâncias perigosas
(IBAMA, 2009).
Os malefícios e consequências decorrentes da exposição ambiental e humana a esses
resíduos são estudados pela toxicologia ambiental. É uma ciência multidisciplinar que estuda
os efeitos nocivos de diversas substâncias nos organismos e tem papel fundamental na
identificação de elementos com efeitos tóxicos nos diversos sistemas biológicos a partir de
sua liberação no ambiente (ALVES, 2005).
Quando há dano causado por substâncias diversas a terceiros ou ao ambiente, tem
início uma investigação que visa à estipulação dos materiais que se encontram no ambiente,
buscando o levantamento de provas capazes de identificar a origem dessas substâncias,
apontando responsáveis em um processo criminal (MUDGE, 2008). Trata-se do elemento
forense aplicado à toxicologia e demais ramos.
De acordo com Rangel (2004), o reconhecimento, a identificação e a quantificação do
risco associado ao contato humano com agentes tóxicos é parte do trabalho da perícia
desenvolvido em áreas comprometidas.
Com efeito, a análise forense é de suma importância nos processos danosos já em
curso, a exemplo da ocupação humana em áreas de descarte de resíduos, expondo-as à
contaminação diversa, risco de colapso de terras, entre outros (KOELSCH, 2005). Trata-se de
uma ferramenta de grande relevância na determinação de riscos e apontamento de causas e
responsáveis.
Nesse sentido, a análise de casos clássicos como o Love Canal, em 1955, nos Estados
Unidos (RICHARDSON, 1999), bem como casos mais recentes como o do Residencial Barão
de Mauá em São Paulo (ACPO, 2004), demonstra a importância dos dados fornecidos pela
toxicologia na prática forense.
O objetivo desse trabalho está na análise de incidentes decorrentes da ocupação
indevida de áreas de disposição final de rejeitos, os agentes tóxicos existentes nessas áreas de
maior relevância para a saúde pública e o papel da toxicologia ambiental, como instrumento
de mitigação e prevenção de danos, bem como de responsabilização. A utilização de relatórios
de avaliação de risco e laudos, embasados por dados levantados pela toxicologia ambiental,
contribui para a elucidação dos culpados e aplicação das penalidades devidas.
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2 METODOLOGIA
O presente estudo é uma revisão da literatura pertinente, embasada por trabalhos
científicos – artigos, dissertações e teses – obtidos nas seguintes bases de dados: Scielo,
Bireme, Pubmed e ScienceDirect. As publicações foram escolhidas de acordo com a data de
publicação, buscando-se não ultrapassar os últimos dez anos, havendo, entretanto, duas
exceções a essa regra.
Foram realizadas ainda análises em livros sobre o tema e monografias disponíveis nas
bibliotecas da Universidade de Brasília e do Centro Universitário de Brasília, bem como
buscas em páginas da internet de instituições governamentais e não governamentais
reconhecidas.
3 DISCUSSÃO
3.1 Relatos de casos
As pesquisas realizadas demonstraram e existência de dois incidentes relevantes
relacionados à ocupação indevida de áreas de disposição de resíduos. São eles o Love Canal e
o Condomínio Barão de Mauá em São Paulo.
A relevância reside na repercussão de tais registros para a população, com
modificações na legislação vigente e indenizações decorrentes da responsabilização dos
culpados, bem como uma mudança comportamental relacionada ao contato com resíduos
sólidos.
3.1.1 Love Canal
Nas décadas de 70 e 80, os Estados Unidos foram o palco de um desastre ambiental de
grandes proporções, capaz de influenciar a legislação do país para a responsabilização dos
culpados por danos ambientais e recuperação das áreas degradadas (CLAPP, 2009).
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A cadeia de acontecimentos teve início no ano de 1892 com William T. Love, com a
idealização de um canal que conectasse as regiões mais altas às mais baixas do Rio Niágara,
em Nova Iorque. A construção teve início, mas, em razão de incompatibilidades financeiras,
jamais foi terminada (MUELLER, 2009).
Em 1942, a área foi vendida à Companhia Hooker Electro-Chemical, que por onze
anos lançou os resíduos químicos de suas atividades no canal, transformando-o em um aterro.
Foram lançadas cerca de 22 toneladas de produtos tóxicos. Quando o potencial de
armazenamento de resíduos do local foi atingido, no ano de 1953, a área foi revestida para
prevenir a entrada de água e coberta com solo (RICHARDSON, 1999; MUELLER, 2009).
Em 1954, a área do aterro foi vendida ao Conselho de Ensino da cidade, que utilizou o
terreno para a construção de uma escola. Diversos foram os problemas decorrentes dessa
construção e das demais edificações – residências, comércios, linhas de esgoto –, com
consequente migração de alguns poluentes para a superfície e áreas ainda não afetadas
(RICHARDSON, 1999; MUELLER, 2009).
Na Figura 1 é possível verificar a área durante o aterramento e em 1980 após a
construção das unidades habitacionais (NATIONAL AIR AND SPACE MUSEUM, 2012).
Figura 1. Love Canal. A: 1951; B: 1980. Fonte: National Air and Space Museum, adaptada.
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Fato relevante citado por Richardson (1999) foi o desconhecimento da população
vivendo nas proximidades do antigo aterro acerca da presença de substâncias tóxicas,
causadoras das mais variadas enfermidades. De acordo com Mueller (2009), diversos foram
os relatos de abortos, crianças apresentando queimaduras e irritações de pele, verificação do
adoecimento de plantas e animais, além do afloramento de toxinas nos porões e quintais das
residências.
No ano de 1978, a situação se tornou amplamente conhecida e vários estudos passaram
a ser realizados para a comprovação dos danos causados (GENSBURG, 2009). A escola foi
fechada e foi declarado estado de emergência no local, com a realocação de cerca de 700
famílias ao final do processo (COLLIN, 2006).
As análises realizadas para a comprovação da situação em curso foram as mais
diversas. Primeiramente, foram coletadas amostras do ar em porões e áreas de convivência
dentro das casas nas proximidades do aterro (GENSBURG, 2009).
Em seguida partiu-se para análises toxicológicas do solo, da biota circundante, da
água, dos materiais lixiviados e demais sedimentos. Foram ainda analisadas amostras
coletadas em esgotos e valas de infiltração, bem como diversas pesquisas realizadas com
sangue dos moradores da área. Foram identificadas 239 substâncias tóxicas contaminantes do
ambiente local, entre ácidos, pesticidas, metais pesados, benzenos e clorobenzenos, além de
dioxinas. (GENSBURG, 2009; MUELLER, 2009; RICHARDSON, 1999).
Os dados obtidos permitiram a formação de um plano de gerenciamento de danos,
conhecido como programa Superfund o qual previa uma série de medidas capazes de conter e
remediar degradação no ambiente (MUELLER, 2009). Entre essas medidas estavam a
limpeza de esgotos e incineração de elementos contaminados, bem como a manutenção
constante da cobertura de argila protetora dos resíduos (BINNS, 2004).
No ano de 2004, a Agência de Proteção Ambiental de Nova Iorque afirmou que a
limpeza da área do Canal Love havia terminado. De acordo com o governo local, já é seguro o
retorno residencial e comercial. Todavia, a área ainda precisa ser mantida sob monitoramento
constante (COLLINS, 2006).
A legislação associada ao programa Superfund prevê não somente a recuperação e
manutenção de áreas utilizadas para disposição final de resíduos, mas ainda a
responsabilização dos causadores (RICHARDSON, 1999).
Outra consequência importante foi a criação da Agência de Registro de Substâncias
Tóxicas com a missão de desenvolver ações de saúde pública, em conjunto com a Agência de
Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a partir da exposição ambiental a agentes nocivos,
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classificados com base no conhecimento de suas concentrações, características
físicas/químicas, toxicológicas representativas de perigo à saúde humana e ambiental (ACPO,
2004).
A participação da população local, liderada pela moradora Lois Gibbs, foi
fundamental no desenrolar dos acontecimentos e na cobrança de um posicionamento firme
das autoridades competentes (RICHARDSON, 1999).
Em decorrência de Love Canal e de outros casos de contaminação (leucemia infantil
em Woburn, Massachusetts; más-formações congênitas em San José, Califórnia; ocorrência
de crianças sem cérebro em Bornwsville, Texas; câncer pancreático e cânceres no sistema
nervoso nas crianças vizinhas à fábrica da Kodak, em Rochester, estado de Nova York) e da
existência de cerca de 30 mil depósitos químicos – dados de 1980 –, os Estados Unidos
criaram, a partir daquela década, uma nova legislação ambiental federal (HERCULANO,
2001).
Essa legislação trata de um superfundo para indenização aos atingidos e para a
recuperação ambiental das localidades (clean-up funds), uma lei que garante o direito da
vizinhança conhecer o que nela está ou será instalado – The Community Right-to-know Act –,
bem como um programa de financiamento aos cidadãos para que possam contratar assessoria
técnica especializada (HERCULANO, 2001).
3.1.2 Condomínio Barão de Mauá – São Paulo
No ano de 1974, a Companhia Fabricadora de Peças – COFAP – adquiriu uma área no
município de Mauá, em São Paulo, a qual destinou à disposição final dos resíduos produzidos
em suas atividades industriais. Após a desativação do aterro, o local foi vendido à
Cooperativa Habitacional Nosso Teto que tinha por objetivo a construção de uma área
residencial, o Condomínio Barão de Mauá (BRASIL, 2004; CETESB, 2011).
Ao longo do período de construção do espaço residencial, as atividades envolvendo o
preparo do solo revelaram a existência de sacos plásticos contendo lixo industrial e doméstico
na área. O fato foi reportado à época, porém considerado sem relevância ao andamento das
obras (BRASIL, 2004).
Em 2000, com diversas unidades habitacionais concluídas e ocupadas, a manutenção
de uma bomba da caixa de água, localizada no subsolo do condomínio, resultou na morte de
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um trabalhador e em queimaduras de terceiro grau em outro, após explosão no local. Análises
realizadas revelaram a presença de grandes quantidades de gases inflamáveis na área, em
virtude da edificação sobre antigo depósito de rejeitos. No caso, a Companhia Ambiental do
Estado de São Paulo – CETESB – puniu a empresa construtora com multa, passando a
analisar com mais cuidado o empreendimento (BRASIL, 2004; CETESB, 2011).
O acidente foi considerado previsível uma vez do conhecimento prévio da utilização
da área para disposição de resíduos no passado (BRASIL, 2004). Em 2001, foram realizadas
diferentes análises toxicológicas na área que revelaram a existência de diversos tipos de
resíduos e compostos orgânicos voláteis nocivos à saúde humana e ambiental (ACPO, 2012).
A estimativa da empresa responsável pelas análises (CSD-GEOKLOCK), em 2006,
era da presença de cerca de 450 mil toneladas de resíduos no subsolo do condomínio
construído. Para a população residente, as consequências da proximidade das toxinas residiam
em dores de cabeça, fortes odores no local e medo de explosões. Além desses, a preocupação
com cânceres e sequelas nas gerações futuras, decorrentes da exposição, também se fizeram
frequentes entre os moradores do conjunto habitacional (BRASIL, 2004).
De acordo com dados da CETESB (2011), foram solicitadas aos responsáveis pelo
empreendimento diversas ações visando a remediação dos danos já causados, a partir da
identificação e caracterização de contaminantes do solo e de águas, bem como o
monitoramento constante da área. As medidas de contenção e redução de danos variavam
desde cobertura de resíduos expostos a sistemas de extração de vapores no condomínio.
Em 2009, a empresa Geoklock realizou novas análises na área, com vistas à
caracterização dos resíduos encontrados no solo, com foco em sua localização e determinação
de concentrações. Após a verificação dos resultados, a CETESB exigiu um plano de
intervenção para remediação da área, capaz de contemplar a retirada dos resíduos nocivos, das
vias de exposição e dos receptores. Assim, recomendou a remoção dos moradores de onze
edifícios do condomínio, situados em áreas de risco, uma vez que nem todas as construções
estavam sobre o antigo aterro, como demonstra a Figura 2. (CETESB, 2011).
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Figura 2. Planta do Condomínio. Fonte: CETESB, adaptada.
Em setembro de 2011, os responsáveis pela área – COFAP – apresentaram um plano
conceitual para remediação da área, prevendo inclusive a remoção dos moradores dos
edifícios citados pela CETESB para prédios do residencial fora da área de risco. Os processos
referentes a esse caso ainda correm na justiça, respondendo pela contaminação da área as
empresas COFAP, Administradora e Construtora Soma, SQG Empreendimentos e
Construções e Paulicoop Empreendimentos Imobiliários (BRASIL, 2004; CETESB, 2011).
A mobilização da população local para o solucionamento positivo dessas questões tem
sido um diferencial no andamento desse caso, com exigências de novas análises,
monitoramento e acompanhamento das melhorias realizadas, além do requerimento de
indenizações pelos danos sofridos (ACPO, 2012).
3.2 Resíduos de maior relevância nos casos citados
Os resíduos sólidos urbanos são considerados não perigosos, porém podem conter
alguns resíduos classificados como perigosos, a exemplo das pilhas, baterias e lâmpadas
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fluorescentes. Sua acumulação pode acarretar riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Uma exposição continuada, por longos períodos, aos agentes tóxicos pode levar a doenças,
mesmo após cessar o contato. Além disso, são fatores importantes a produção de gases e sua
capacidade de atração de vetores de doenças (GÜNTHER, 2008). Além disso, cabe destacar
que as áreas de aterros ou de disposição de resíduos sólidos urbanos, regulares ou irregulares,
são comumente ocupadas após sua desativação.
Entretanto, essas áreas apresentam importante instabilidade em função da não
preparação do solo com a finalidade de ocupação humana. Não são raros os casos em que
ocorre o desbarrancamento dessas áreas, como observado no Morro do Bumba, na cidade de
Niterói no Rio de Janeiro, em 2010, causando a morte de cerca de 50 pessoas.
Uma maior periculosidade está associada aos resíduos industriais, em virtude da
presença de características específicas como corrosividade, toxicidade, inflamabilidade, entre
outros. Em razão dessas especificidades, necessitam de tratamento diferenciado que anteceda
a sua disposição final, buscando a eliminação ou mitigação do risco oferecido (GÜNTHER,
2008).
A seguir serão apresentados os principais compartimentos ambientais afetados e os
compostos químicos mais encontrados em situações de áreas contaminadas por disposição
irregular de resíduos.
3.2.1 Compartimento atmosférico
Assim como os demais bens ambientais, a atmosfera possui regras sobre domínio, uso
e proteção e é um dos recursos ambientais observados na Política Nacional de Meio Ambiente
(Lei 6.938/1981).
A atmosfera consiste em uma camada de gases que envolvem o planeta, formada por
gás nitrogênio (77%) do total, gás oxigênio (21%) e dióxido de carbono em quantidade
aproximada de 0,04% do total, além de outros gases (GRANZIERA, 2011).
O lançamento de poluentes na atmosfera, em índices acima da capacidade natural de
diluição e depuração, vem causando sérias preocupações, pois são fontes de doenças
(principalmente respiratórias e cardiovasculares) em especial nos grandes centros urbanos,
comprometendo a qualidade de vidas das pessoas e onerando o sistema público de saúde
(GRANZIERA, 2011).
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3.2.1.1 Compostos Orgânicos Voláteis – COVs
Dentre os poluentes do ar atmosférico, destacam-se os compostos orgânicos voláteis
(COVs). Predominantemente emitidos por veículos automotivos e processos industriais, têm
como alguns representantes o benzeno, clorobenzeno, tolueno e n-decano. São precursores do
ozônio e podem afetar substancialmente a saúde humana em virtude de seu potencial
carcinogênico (ALVIM, 2011; VASCONCELLOS, 2005).
Ademais, existem registros da atuação dessas substâncias no sistema nervoso central
com ação depressora, causando efeitos progressivos do cansaço à morte (COSTA, 2002).
Mesmo em baixas concentrações, a exposição por longos períodos pode ter efeitos
carcinogênicos (ALVIM, 2011).
É importante observar que, quando uma substância é considerada carcinogênica, o
câncer pode ocorrer em qualquer lugar do organismo humano. Significa também que uma
molécula dessa substância pode levar ao desenvolvimento do câncer, dependendo das
características próprias de cada pessoa. Mesmo que só existam evidências em animais e com
altas doses (como na classificação B2 da EPA – Environmental Protection Agency –, por
exemplo), e mesmo que nesses organismos o câncer apareça em um único sítio, a IARC
(International Agençy for Research on Cancer) recomenda que se considerem todas as
possibilidades de câncer (HALLENBECK, 1993).
O benzeno pode causar câncer em órgãos formadores de sangue. Tanto a IARC como
a EPA determinaram que o benzeno é cancerígeno para os seres humanos. A exposição por
longos períodos a níveis relativamente altos de benzeno no ar pode causar câncer em órgãos
formadores do sangue. Essa condição é chamada de leucemia. A exposição ao benzeno tem
sido associada com o desenvolvimento de um tipo particular de leucemia, chamada leucemia
mielóide aguda (BRASIL, 2004).
3.2.1.2 Metano
O metano é um composto de carbono com características inflamáveis. É um dos
responsáveis pelo efeito estufa, estando cerca de 10% de suas emissões associadas a aterros
sanitários (IPCC, 2007; TEIXEIRA, 2009).
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A produção de metano em resíduos está associada à ação de bactérias anaeróbicas na
decomposição de materiais. A produção em grandes quantidades pode levar a riscos de
explosões e ao arraste de outras toxinas voláteis quando de sua produção (SVS, 2002).
3.2.2 Compartimento edáfico
O solo atua como filtro liberando pequenas porções de contaminantes às águas
subterrâneas. Esses componentes muitas vezes apresentam capacidade de bioacumulação
sendo depositados nos vegetais. Esse fato é determinante na transferência dos mesmos ao
longo das cadeias tróficas (GÜNTHER, 2008).
Assim, disposição de resíduos no solo está associada ao aumento nos níveis de
determinados compostos. Nesse sentido, é frequente um aumento nos níveis cádmio, chumbo,
mercúrio, zinco, fenóis e das chamadas bifenilas policloradas – PCBs (SVS, 2002).
O cádmio, o chumbo, o zinco e o mercúrio, metais pesados com capacidade de
acumulação nos sistemas biológicos, apresentam possíveis efeitos carcinogênicos
relacionados a sua concentração e exposição. (GÜNTHER, 2008; SVS, 2002). Além disso, a
preocupação ambiental concernente a esses materiais é crescente em razão da facilidade que
apresentam em atingir os diversos compartimentos da biosfera (MUÑOZ, 2002).
Também associado a efeitos mutagênicos, o cádmio quando em quantidades elevadas
nos organismos pode causar distúrbios ósseos, neurológicos e hepáticos. O chumbo pode
apresentar efeitos adversos de ordem hematológica, neurológica e óssea. Existe a associação
do zinco com distúrbios gastrointestinais e renais. No que concerne ao mercúrio, a exposição
já foi relacionada a disfunções neurológicas, musculares e renais, além de cânceres (MUÑOZ,
2002).
Os fenóis, resíduos não-inertes, podem comprometer as características das águas, fato
que se reflete em distúrbios gastrointestinais nas populações afetadas (SISINNO, 2003).
Estão relacionados às bifenilas policloradas variados efeitos adversos à saúde humana,
como alterações dermatológicas, irritação nas vias respiratórias, desconforto gastrointestinal,
além de enfermidades associadas ao fígado (SVS, 2002), além de serem consideradas como
prováveis carcinógenos humanos, a partir de experimentos realizados em animais – grupo B2
da EPA (EPA – IRIS/2004).
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Para todos os compostos classificados do grupo B2 ao grupo A, a EPA estabelece o
fator de potência para que ele cause câncer. Esse fator é definido dependendo da forma como
o contaminante se encontra no meio ambiente e da via de contato, a partir de experimentos em
animais ou estudos observacionais em seres humanos (BRASIL, 2004).
3.3 Legislação brasileira
Após o acidente envolvendo o Canal Love, nos Estados Unidos, o governo desse país
criou uma legislação específica (Superfund Law) para áreas e populações afetadas por
resíduos perigosos. São adotadas medidas de reconhecimento do local, avaliação de risco,
mitigação da exposição humana em conjunto com o acompanhamento da evolução clínica da
população afetada, além da supressão dos resíduos existentes (BRASIL, 2004).
A repercussão do incidente do Canal Love no Brasil esteve na sanção da Lei No 6.766
de 1979 – alterada pela Lei No 9.785 de 1999 – a qual dispõe sobre o parcelamento do solo
urbano e prevê em seu art. 3o, Parágrafo único, a impossibilidade de parcelamento em terrenos
aterrados sem prévio tratamento sanitário (BRASIL, 2004). Como demonstrado, ainda
ocorrem irregularidades nessa questão.
A metodologia adotada pela Agência de Registro de Substâncias Tóxicas e Doenças
(ATSDR), americana, foi utilizada como instrumento base nas ações brasileiras referentes à
exposição indevida a resíduos perigosos, entre 1999 e 2006 em sete áreas piloto, incluindo o
condomínio Barão de Mauá. Após a realização desses pilotos, o Ministério da Saúde
elaborou, em 2006, o documento intitulado “Diretrizes para elaboração de avaliação de risco à
saúde humana por exposição a contaminantes químicos”, que serve como base para a
elaboração de estudos dessa natureza e é considerado como a orientação técnica nacional
(BRASIL, 2012).
Em 2007, foi sancionada a Lei No 11.445, que dispõe sobre a Política Nacional de
Saneamento e estabeleceu diretrizes para o saneamento básico no país e para a gestão de
resíduos sólidos urbanos, a saber domésticos e resultantes de varrição pública, sendo de
responsabilidade municipal. Todavia, não contemplou questões relevantes como o
gerenciamento dos resíduos industriais, de serviços de saúde, entre outros que requerem
medidas específicas para sua disposição final adequada (GÜNTHER, 2008).
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As pendências supracitadas foram sanadas pela Lei No 12.305, de 2010, que dispõe
acerca da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essa lei trouxe inovações ao cenário
brasileiro ao tratar da gestão dos resíduos produzidos de forma integrada, considerando os
aspectos políticos e socioambientais envolvidos. Busca ainda a responsabilidade
compartilhada ao aplicar a logística reversa, prevendo o recolhimento dos resíduos, não
passíveis de reutilização ou reciclagem, pela empresa fabricante para sua destinação final
ambientalmente adequada.
Outro aspecto diz respeito à formação de consórcios para coleta, tratamento e
destinação de resíduos de uma mesma região, contribuindo para a economia de dinheiro
público observando a regra de economia de escala. A lei ainda vincula a disponibilização de
recursos da União, a serem utilizados para a gestão de resíduos, à apresentação de planos de
eliminação de lixões, adequação a disposição final de rejeitos e conscientização da
necessidade de redução, reutilização e reciclagem de materiais, a partir da apresentação dos
índices alcançados (JACOBI, 2011).
Cabe destacar que esta lei não trata apenas dos resíduos sólidos urbanos, mas também
dos resíduos perigosos, dispensando um capítulo inteiro para normatizar o tema. Já a
regulamentação da lei, dada pelo Decreto 7.404/2012, dispensa um título aos resíduos
perigosos, normatizando desde temas gerais até o cadastro nacional de operadores de resíduos
perigosos.
Além disso, a Lei prevê a regulamentação da identificação e remediação de áreas
contaminadas, matéria que vem sendo discutida no âmbito do Grupo de Trabalho coordenado
pelo Ministério da Saúde. A discussão hoje encontra-se amparada pela resolução Conama n°
420/2009 e pelo PL2732/2011, que estabelece diretrizes para a prevenção da contaminação do
solo, cria a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Substâncias Perigosas
e o Fundo Nacional para a Descontaminação de Áreas Órfãs Contaminadas.
3.4 Toxicologia e a prática forense
A toxicologia ambiental tem como objeto de estudo os agentes tóxicos à saúde e ao
ambiente. Os efeitos adversos causados à saúde dos mais diversos organismos estão
relacionados ao contato direto ou a contaminação do ambiente, inviabilizando ar, água e
alimento de qualidade (YU, 2005).
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De acordo com Yu (2005), a toxicologia ambiental tem dois focos de atuação: a
pesquisa e a regulação. Nesse sentido, não se baseia apenas em estudos laboratoriais capazes
de avaliar a resposta de um organismo a determinado tóxico. Busca um estudo mais
complexo, elucidando questões como os impactos reais ou potenciais em organismos expostos
direta ou indiretamente a agentes nocivos, bem como os impactos resultantes de interações
entre diferentes compostos e caminhos de dispersão no ambiente.
Trata-se de uma ciência multidisciplinar que aliada, entre outras disciplinas, à
biologia, epidemiologia, química e geologia, busca esclarecer a resposta dos organismos aos
mais diversos poluentes existentes no meio. O objetivo final é o levantamento de dados de
interesse à saúde pública e ambiental (YU, 2005).
Um conceito de grande relevância introduzido pela toxicologia ambiental é a avaliação
de risco. Essa avaliação vincula os dados toxicológicos coletados a informações
socioeconômicas relevantes. Os resultados fornecem informações sobre possíveis danos
instalados ou futuros. A partir desse conhecimento é possível a proposição de planos de
ação/manutenção dessas áreas, visando sua proteção e recuperação (YU, 2005).
As informações levantadas pela toxicologia ambiental são capazes de embasar
processos legais movidos na justiça visando à responsabilização pelos danos causados. A
intenção é identificar os contaminantes determinando as rotas que os levaram a atingir
determinado local. A partir dessas informações, considerando as diferentes origens de
contaminação, é possível a realização de inferências sobre os responsáveis pelos danos
causados (MUDGE, 2008).
No caso de descarte ilegal de resíduos ou irregular, quando não há a preocupação com
o tratamento ou escolha do local para a disposição final, é difícil a determinação de danos nas
fases iniciais da contaminação, como observado nos relatos de caso discutidos – Love Canal e
Barão de Mauá.
Assim, a toxicologia ambiental forense faz uso de diversas técnicas para a elucidação
da fonte de contaminantes, buscando um diagnóstico prático e de fácil compreensão de forma
a convencer com mais facilidade os magistrados envolvidos nos processos legais. Dessa
forma, testes como a identificação de substâncias produzidas apenas sinteticamente, presença
de compostos específicos em organismos da área, ausentes quando em outro local, são
exemplos de análises capazes de embasar um processo legal (MUDGE, 2008).
Portanto, a toxicologia ambiental é instrumento fundamental na prática forense, uma
vez que respalda laudos indicando a fonte de poluentes, as rotas de exposição e aponta os
danos causados (GARCIA, 2008; CYNAMON, 1990).
16
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os casos analisados nesse trabalho demonstram que situações vividas no passado,
como o incidente do Canal Love, serviram para modificações na legislação e atuação dos
órgãos ambientais competentes. Todavia, episódios semelhantes ainda estão presentes no
nosso país.
A Lei No 6.766, de 1979, já previa a proibição do parcelamento do solo previamente
ocupado por aterros sanitários. Entretanto, a questão financeira continua a nortear os acordos
firmados, visto que é mais econômico comprar terras em áreas suspeitas e invariavelmente
não tratá-las.
Além disso, o pouco acesso à informação no Brasil torna ainda mais difícil a
mobilização popular em prol de justiça frente aos danos ambientais/materiais sofridos. Poucos
são os artigos científicos, discutindo o tema da ocupação indevida de áreas contaminadas, de
livre acesso à população. Na maioria das vezes é possível acessar notícias e páginas da
internet sem qualquer garantia de veracidade das informações.
É de suma importância que trabalhos científicos dentro dessa temática sejam
realizados e divulgados, uma vez que a informação é a principal arma das massas contra os
abusos cometidos (GÜNTHER, 2008). A mobilização popular foi fundamental no desfecho
positivo do incidente do Canal Love e tem sido de extrema relevância no processo judicial do
Condomínio Barão de Mauá (ACPO, 2012).
A legislação brasileira continua avançando no sentido de um meio ambiente cada vez
mais equilibrado, possibilitando convívio mais saudável dos diversos sistemas biológicos
frente ao constante avanço tecnológico, associado à produção de resíduos. Nesse sentido, a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei No 12.305 de 2010 e sua regulamentação, prevê
dispositivos capazes de proteger a saúde humana e ambiental, estabelecendo formas corretas
de disposição de rejeitos perigosos, bem como a gestão integrada de resíduos.
O arcabouço legal brasileiro sobre esse tema ainda está em formação, porém apresenta
como aliado a toxicologia ambiental forense, instrumento fundamental capaz de respaldar
decisões judiciais, com base na lei e em parâmetros científicos pré-estabelecidos, com dados
acerca dos contaminantes, dos danos causados ou que ainda podem surgir em um ambiente
comprometido (MUDGE, 2008; SKLASH et al., 2006).
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