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Obs.: Esse livro "Voz da Alma", foi publicado pela primeira vez, pela Editora CBJE (Rio de Janeiro/Brasil) - Novembro/ 2005 Versão Impressa. – Direitos Autorais devidamente Registrados

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Obs.:

Esse livro "Voz da Alma", foi publicado pela primeira vez,

pela Editora CBJE (Rio de Janeiro/Brasil) - Novembro/ 2005

Versão Impressa. – Direitos Autorais devidamente Registrados

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO E DEDICATÓRIA

PREFÁCIO

COMENTÁRIOS

CAPÍTULO I - PROSA Minha existência

Um caminho a prosseguir

Escola da vida

Em busca de mim mesma

Minha mãe

Meu irmão

O Acidente

Rocha Inabalável

Meu ideal de poesia

Liberdade

A guerra é desnecessária

História: Identidade da humanidade

A Eleição brasileira

Marginalizados

Ser Médico

CAPÍTULO II - POESIA Homenagens a meu pai

Homenagens a minha mãe

In memoriam

O Quadro na parede

Assim sou eu

Abandono

Barco a deriva

Razão de viver

Luta contínua comigo mesma

Infelicidade profunda

A tristeza

Dor

Amarguras

Olhar vazio

Solidão

Pessoalmente

O Ser humano é uma ilha

Prisão, doce, prisão

Liberdade tardia

A Alma do escultor

Loucura de viver

Tempestade da vida

Tirano interior

Fragmentos do passado

A Morte do passado

Amor desprezado

A Rosa e o cravo

O Fim de um amor

Enigma

Sua voz

Em busca de um par

Destinos traçados

Deficientes auditivos

Falência

O Jogo da vida

Esquecido para sempre

Sentença final

•Livro - Voz da Alma

Autora – Rosimeire Leal da Motta

•Rosimeire Leal da Motta

http://www.rosimeiremotta.com.br

• versão Impressa – Novembro/ 2005

Editora CBJE – Rio de Janeiro

E-mail -

[email protected]

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APRESENTAÇÃO E DEDICATÓRIA

Rosimeire Leal da Motta

Nasci e resido no município de Vila Velha, no Estado do Espírito Santo, em 16 de

abril de 1969. Sou, por formação, professora e Técnica em Contabilidade.

Sou criativa e sempre tenho muitas ideias. Gosto de pesquisar, descobrir e

analisar. Além da literatura aprecio a História e a Arqueologia. Deus está em

primeiro lugar na minha vida. Sinto uma paixão especial pelo idioma espanhol,

museus de arqueologia e exposição de quadros. O traço marcante da minha

personalidade é a timidez e o romantismo.

Comecei a escrever aos 15 anos, seguindo o exemplo da minha mãe, que usava

a escrita como uma maneira de expressar seus problemas pessoais. A outra

influência foi a leitura, pois por ser tímida, passei a maior parte da minha

adolescência lendo.

Meu primeiro trabalho literário foi "MEU IDEAL DE POESIA" (prosa), escrito aos 15

anos.

Desenvolvo o estilo Simbolismo, onde a vida interior é revelada por meio de

símbolos. Existe a postura romântica, centralizada no "eu", explorando as

camadas mais profundas do subconsciente e inconsciente... interioridade...

poesias endereçadas à emoção... romantismo... ideias envoltas em sombra, em

névoa... Na verdade, não sei explicar como adquiri este estilo, possivelmente

deve ter sido porque sempre fui tímida e tinha vergonha de falar sobre mim de

maneira clara e então inconscientemente, usava objetos materiais e abstratos

para representar o que sinto. A Inspiração não tem hora para chegar; quando

estou triste os textos brotam com maior facilidade, mas me encanta olhar uma

foto, imagem ou desenho fixamente, analisando o que vejo, o que está me

transmitindo e os sentimentos ocultos. Algumas poesias de minha autoria que

foram escritas assim: "ESQUECIDO PARA SEMPRE", "OLHAR VAZIO" e outras.

Participei da “1ª ANTOLOGIA POÉTICA”, AVBL (Do virtual para o real) em

Junho/2004. Antes havia divulgado pela Internet um livro virtual que também se

chamava “VOZ DA ALMA”, que foi editado pela AVBL em 16/04/2004.

Este livro, VOZ DA ALMA, de certa forma, fala de mim mesma. No texto TIRANO

INTERIOR, relato influências negativas, normas arcaicas, que me causaram

temores, mas finalmente me vi livre de toda a opressão interior, no entanto, fiquei

imóvel, sem saber o que fazer com a minha liberdade de pensamento, de tão

acostumada que estava com o meu comportamento anterior. Em A MORTE DO

PASSADO, eu ficava lembrando o passado, era quase uma tormenta, entretanto,

um dia, deixei de pensar nas coisas tristes e ruins que já me aconteceram...

TEMPESTADE DA VIDA: foram tantos os sofrimentos que me sucederam, que

amadureci (e envelheci) mais rápido... Em O ACIDENTE, tento descrever o que

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meu irmão sentiu ao se acidentar com uma moto, seu estado de coma e o

momento da sua morte, porém em meu texto, o desastre é com um carro e ao

contrário do meu irmão, que teve morte cerebral, o personagem sofreu parada

cardíaca, seguida de infarto.

A família é nossa maior riqueza, por isso eternizo aqueles que guardo no fundo do

meu coração em “MINHA MÃE”, e, “MEU IRMÃO”.

Desde quando eu era criança, meu pai sempre nos contava histórias sobre sua

vivência na Bahia e ele sempre dizia que a vida dele parecia um romance, então

decidi tornar reais suas palavras em ROCHA INABALÁVEL.

Não são meras páginas que compõem esta obra, mas espelhos que refletem o

mais recôndito do meu ser. São fragmentos da minha sensibilidade, que não

suportaram ficar ocultas dentro de mim e incorporaram a forma de letras a fim de

que alguém possa não somente compreendê-las, como também senti-las.

Minhas emoções estão sendo aqui exprimidas, com a finalidade de que outro ser

humano saiba que a maneira de experimentar as sensações é diferente, porém o

sentimento é igual para qualquer outra pessoa, afinal, todos já tiveram a

oportunidade de conjugar os verbos: amar, sofrer, sonhar, desejar, chorar, sorrir...

Não é necessário me conhecer para entender como sou, basta ler e apreciar as

imagens retratadas no espelho do meu coração, e então será possível mergulhar

no fundo do meu íntimo e desvendar os mistérios da minha alma.

_ Rosimeire Leal da Motta __

E-mail - [email protected]

* OUTROS LIVROS PUBLICADOS:

- "Eu Poético" - Editora CBJE - RJ – Brasil - Agosto/2007 -

Poesia e Prosa.

- "O Cair da Tarde" - Editora CBJE - RJ - Julho/2012 -

Poesia e Prosa.

Página pessoal:

http://www.rosimeiremotta.com.br/

Facebook Rosimeire Leal da Motta -

https://www.facebook.com/profile.php?id=100000975458189

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PREFÁCIO

Maria José Zanini Tauil

Há na alma de todo o poeta, o desejo de partilhar tudo o que expressa, todos os

sentimentos que têm suas nascentes na alma e desembocam no papel... e aqui

estou, nessa difícil-feliz missão de prefaciar o livro dessa grande amiga.

Rosimeire reparte-se, generosamente, nessa obra: na prosa despretensiosa, cujo

objetivo maior é a homenagem ao pai, Pedro Sabino da Mota, e na sua poética

bonita, que mostra um coração belo, de onde fluem bons sentimentos e um

extremo amor a Deus.

Na primeira parte de Voz da Alma, narra a vida do pai, que aos 93 anos de

idade, numa invejável lucidez, detalha sua saga familiar, numa grande

diversidade de cenários, um verdadeiro painel social humano e seus valores,

culturais e morais. A aquisição de conhecimentos de fatos interessantes, rolam

pelo corpo do texto, advindos da experiência de vida de seu Pedro. Cada fato é

detalhado pela autora com dados pesquisados, portanto, corretos. Um relato

interessantíssimo, que começa no interior da Bahia, depois Minas Gerais e, por fim,

o Estado do Espírito Santo, onde vivem até hoje.

Rosimeire fala de seu avô, da vida abastada de fazendeiro, do cangaço, do

coronelismo, da rotina da fazenda, a cultura do café e, posteriormente, outras

culturas, a posse de terras, os três casamentos e os filhos de Pedro Sabino da

Mota, dos quais, ela faz parte da última união.

A segunda parte do livro é de poesias, seu estilo literário mais forte. Ela é toda

coração, a pulsar amor e poesia. Escreve bonito porque a paisagem que se

descortina de sua

alma é belíssima. É introspectiva e intimista. Seus versos são construídos sobre

imagens metafóricas, comparações, símbolos, uma devassa no interior dessa

moça tímida e romântica. Seu perfil fica bem visível no que escreve. Cada leitor

pode encontrar-se no que constitui seu universo lírico, onde se evidencia o

profundo amor pela família e por Deus.

Expressa com muita ternura o amor-saudade à mãe Maria do Carmo: "Mãe,

buquê de flores, alma feminina" e ao irmão Robson: "Mas quando meus olhos

pousam em seu retrato é especialmente pra mim que ele sorri".

Há definições singulares que enternecem o leitor: "Um rio perdido escorre da

face... a solidão é isto!"... "O ser humano é uma ilha, rodeado por um grande

número de pessoas por todos os lados"

Seu mundo interior é sempre perscrutado: "Não sei ainda quem sou, minha

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sombra na parede prefere ocultar toda a verdade"... "Sou o contorno de um ser,

um enigma feminino"... "Meu maior inimigo sou eu mesma".

Há toda uma observação psicológica do seu eu lírico, um entrelaçamento do

lirismo com o realismo de seu mundo interior.

Numa trilha filosófica, também enfatiza a angústia diante da vida e da liberdade,

como o pássaro que ganha a liberdade dos ares, mas retorna ao cativeiro,

porque sempre viveu assim.

Querida Rosimeire, sua poesia é perfume para a alma. Seus versos são

delicadeza, suavidade, pétalas de rosa... são o seu retrato.

Que o leitor embarque com prazer nessa viagem, conhecendo as origens de

Pedro Sabino da Mota, seu amado pai e o lirismo da maravilhosa poeta.

Essa é Rosimeire Leal da Motta... o privilégio em prefaciá -la é meu.

MARIA JOSÉ ZANINI TAUIL Professora, poetisa e escritora. Formada em Língua Portuguesa, pós-graduada em

Literatura, nasceu e mora no Rio de Janeiro. Tem impressos: O AMOR É O CAMINHO,

CONTOS CRÔNICOS, SONHOS E DEVANEIOS (infanto-juvenil) NO PALCO DA VIDA e JESUS,

REFÚGIO E FORTALEZA, além do biográfico RAÍZES DA FAMÍLIA ZANINI . Participou de 50

antologias de poesias e contos. Está em todas as edições: Os melhores de 2003 e 2004

...até 2014, da CBJE. A primeira, fez parte da Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, em 2005.

Membro efetivo da AVBL e da ABRALI, acadêmica da A B L de Fortaleza , de Teófilo

Otoni e a Lima Barreto, no Rio de Janeiro. Também tem 9 livros eletrônicos e participação

em outros 10. Seu site de poesias é o Coração Bazar Home Page. Escreveu também para

a revista Virtualismo (extinta) e para a AVPB, na seção Refrigério da Alma e para os sites

Pense bem. Net e Educar Brasil. http://www.coracao.bazar.nom.br/

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CAPÍTULO I

PROSA

“O mais gratificante na arte de escrever é poder espalhar nossos pensamentos ao

mundo, transmitindo uma parte de nós aos demais, sim, porque aquilo que uma

pessoa escreve revela muito sobre si mesmo. É gratificante quando escrevo um

texto e observo que ali está muito de mim, foi uma parte da minha

individualidade que doei aos demais.” (Rosimeire Leal da Motta)

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MINHA EXISTÊNCIA

O amor à terra natal, é um sentimento que surge pelo prazer de estar em

liberdade. Ter livre arbítrio para pisar num solo amigo e, principalmente, pelo fato

de termos nascido, crescido e adquirido experiências, que talvez em outro lugar

não teriam sido possíveis.

Não sei se acredito em destino, mas algo colocou-me aqui, para que a fita da

minha vida se desenrolasse na tela de alguma parte do Espírito Santo. Um vídeo,

no qual projetam cenas que são mais do que uma mera realidade... é a história

de uma existência.

O litoral capixaba abre suas portas para dar passagem a um pequeno roteiro de

meu íntimo; da alma que está em mim e que precisa urgentemente ser libertada

e sair dos caminhos incertos.

A escola da vida não é a mais valorizada, porém é a mais indicada, pois é dela

que tiramos a frase: "Vivendo e aprendendo." É o que nos faz ter a capacidade

de definir o que é tomado como inexplicável. Afinal, o que existe são pessoas

que desconhecem o seu próprio mundo, por simplesmente não saberem viver.

Às vezes um sofredor é mais inteligente do que um sábio, porque ele é

conhecedor da arte de sobreviver às lutas cotidianas, e é como o pássaro "Fênix"

que ao ser queimado, renasce das próprias cinzas... sabe ouvir a voz da razão, é

um homem sensato.

No entanto, não se deve esquecer que tudo passa. Por mais que tentemos

impedir, a areia irá escorrer pela ampulheta. O presente se transformará em

passado. Em cada esquina, em cada momento, a luz se refletirá e se apagará.

Um erro por maior que seja, poderá ser modificado, consertado através do

tempo. E depois, nada é perfeito, nem eterno. Como no teatro, no fim de cada

ato, haverá sempre o fechar das cortinas.

PREMIAÇÃO: 01 – Concurso “Internacionalizando o Novo Escritor ” – 4.º Lugar – Categoria

Crônica – Vespasiano/MG – Maio/2007

02 – 4.ª Antologia “Novos Talentos da Crônica Brasileira” - Editora CBJE - RJ -

Agosto/2006

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UM CAMINHO A PROSSEGUIR

Primeiro choramos e depois prosseguimos. Essa é a trajetória de todo ser humano.

No dia de nossa estreia no mundo, ao nascer, para saberem que estamos vivos e

que chegamos bem, precisamos verter lágrimas. Caímos em prantos porque nos

acordaram de maneira brusca do nosso sono profundo, e nos tiraram da

tranquilidade que levávamos.

Em seguida, somos embalados por braços carinhosos e cheios de amor, e de vez

em quando escutamos alguém dizer: "Que bonitinho!", "Que gracinha!", "Fala

dadá pro papai!", "Coisinha fofa da mamãe!"... ou então fazem cócegas nos pés,

apertam as bochechas, beijam o rosto... iih, é uma festa!

Dessa forma, a vida vai passando, até que você pode andar e a mamãe passeia

com você de mãos dadas. Descobre que os pés são os primeiros sinais de

independência e a possibilidade maior de desvendar o mundo... a vida. Você

pula o muro, corre e espanta os pombos da praça, dança, se agita, chuta a bola

e abraça o dia-a-dia.

Subitamente, você se vê parado numa encruzilhada, não sabe que direção

seguir e se pergunta: "O que há com vocês pés?"

Não respondem e você percebe que a decisão é sua, você decide aonde quer

ir, quais caminhos quer percorrer, que rumo tomar em sua vida... seus pés agora

estão sob seu comando.

O que foi? Medo? Indecisão? Insegurança? Você se interroga: "Onde era aquele

lugar que eu dormia?", "Onde estão aqueles braços carinhosos?", "Minha mãe

não caminha de mãos dadas comigo?", "Alguma coisa mudou?"

Você ouve a resposta em seu íntimo e a compreende.

Você se tornou adulto e tem um caminho a prosseguir...

PREMIAÇÃO: 01 – Concurso “Internacionalizando o Novo Escritor ” – 6.º Lugar – Categoria

Crônica – Vespasiano/MG – Maio/2007

02 – 5.ª Antologia “Novos Talentos da Crônica Brasileira” - Editora CBJE - RJ -

Outubro/2006

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ESCOLA DA VIDA

Quando um feto é formado, está sendo feita uma matricula para entrar na

escola da vida.

O cotidiano vai moldando aos poucos a pessoa.

No momento em que a criança vem ao mundo, é iniciada a aprendizagem.

Estão ao seu dispor os melhores professores com titulação de Mestre e Doutorado:

seus pais. À medida que cresce, brinca e aprende.

O material auxiliar de ensino é tudo o que está a sua volta.

As lições teóricas são realizadas em seu lar. Na convivência com as demais

pessoas serão colocadas em prática, no dia-a-dia.

Muitas vezes, apesar de inúmeras explicações, o aluno demora a entender... erra

muitas vezes até acertar. Porém, há aqueles que são sempre reprovados e

parece que jamais alcançarão a próxima etapa.

A vida é um estudar contínuo, cuja carga horária só termina quando deixamos

de respirar, entretanto, pressentimos que em tempo algum nos tornamos

realmente habilitados para viver na íntegra.

É necessário ultrapassar a fase de estagiário e aproximar-se ao máximo de um

profissional capacitado na arte de viver... igualar-se a um aventureiro e escalar os

picos mais altos das dificuldades. Sofrer, ganhar ou perder, não importa, mas

recolher o que adquiriu ao longo dos anos e seguir em frente; preparar-se para o

próximo obstáculo, porque a existência é uma batalha constante, não

necessariamente uma guerra violenta, porém, ela gosta de provocar para

conduzir o indivíduo mais adiante.

A pós-graduação se dá na maturidade, no auge da vivência.

No fim, quando o ser humano fecha os olhos e parte para a eternidade, leva

consigo sua maior riqueza: experiências de vida... isso não se pode receber como

herança de ninguém: cada qual conquista a sua e ficam apenas as memórias da

trajetória de um estudante que tornou-se universitário, diplomou-se... no entanto,

lhe persegue a sensação que ainda falta alguma coisa...

Por muito que se vive, parece pouco...

Ao nascer, ganhamos uma caneta, para com ela escrevermos a história da nossa

vida, contudo, um dia, a tinta acaba, não sendo possível substituí-la por outra.

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PREMIAÇÃO: 01 – III Olimpíada Cultural "500 Anos da Língua Portuguesa no Brasil" - Classificação

com Louvores - CLUBE AMIGOS DAS LETRAS - Sérgio Grigoletto – Antologia “A

Ponte”- 2006 – São Paulo

02 – 6.ª Antologia “Novos talentos da Crônica Brasileira” - Editora CBJE - RJ -

Outubro/2006

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EM BUSCA DE MIM MESMA

Ser a analista e a paciente ao mesmo tempo foi uma experiência enriquecedora.

Colocar no papel tudo o que me vinha a mente sobre mim, fez com que eu me

sentisse melhor e tivesse a impressão de estar numa aventura, escalando os picos

do terreno estranho e espinhoso que era minha vida. Porém, não foi fácil, muitas

foram às vezes em que eu olhava para a folha em branco e não sabia o que

escrever; outras vezes rabiscava várias linhas para logo depois, rasgar. Ficava na

dúvida se era realmente dessa forma que era minha vida, ou, a que eu

imaginava que fosse. Não foi questão de dias, nem de meses, mas anos.

Minha vida é difícil, no sentido que, no dia-a-dia os obstáculos são comuns,

contudo, não me vejo mais como um enigma, embora acredite que existam

alguns pontos que ainda não entendo, mas o essencial de mim, compreendo.

Posso até fazer uma comparação: estava perdida num labirinto... e somente

agora encontrei a saída.

Consegui descrever a pessoa que sou e fiquei admirada ao compreender o meu

modo de ser, pois sempre achei que eu fosse sem importância e que não havia

razão para estar existindo, no entanto, eis-me aqui: uma pessoa que respira, que

sente o coração bater pela vida, e que está precisando de muito amor, mas

ainda não perdeu a esperança de algum dia obtê-lo.

Nasceu em mim a sensação de que nessa vida é imprescindível ser alguma coisa,

e temos que descobri-lo por nós mesmos. É uma batalha que travamos conosco.

Às vezes, já sabemos o que devemos ser, porém falta algo para nos dar

motivação para seguir em frente, para alcançar as metas em busca de novos

objetivos que nos façam sentir vencedores. Se eu me analiso insistentemente, me

persigo, me encosto na parede, é porque desejo ser amanhã, melhor do que sou

hoje. Talvez eu tenha apenas me arrastado por todos esses anos, mas isto não

importa, pois consegui uma vitória. Quando falo em “me arrastar”, quero dizer

que andei perdida em mim mesma e eram tantos os caminhos, que joguei na

sorte e segui o percurso mais longo e difícil... me cansei e quase desistindo,

cheguei ao fim da estrada, onde caminhava para me encontrar e me

compreender... e se eu não consegui conjugar estes dois verbos na integra, ao

menos tenho consciência do que sou.

Uma das coisas que sei que tenho que fazer, é parar de ficar pensando em mim,

de me preocupar demais comigo e passar a doar-me para os outros; abrir as

comportas do meu coração e permitir que todos sintam a pessoa que eu sou, o

amor e o carinho que há em mim. Esquecer-me e prestar mais atenção nos

demais. Na teoria é simples, na prática, terei que convencer-me. Passei toda

minha vida cuidando de mim mesma, decidindo-me, suportando-me,

protegendo-me, perdendo-me, salvando-me... eu em meu próprio mundo... que

largar-me agora é difícil. O que aconteceu comigo é que me transformei numa

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tartaruga, que toda vez que depara com algo suspeito ou que cause medo, se

esconde dentro do casco, assim, ninguém poderá fazer-me mal algum. Acho que

nunca poderei relacionar-me normalmente com alguém, enquanto não deixar

de ser esta “tartaruga” e abandonar este “casco”. Fico oculta e todos veem

apenas o meu corpo, mas eu mesma, ninguém encontra.

Certa vez, um escritor famoso comparou o ser humano com um pacote de

presente: “O corpo é a embalagem que pode ser feia ou maravilhosa, mas o

valioso mesmo, é o conteúdo, ou seja, o interior das pessoas”.

Minha embalagem é atraente, mas ninguém consegue desembrulhá-la e ver o

presente. As pessoas se convenceram que sou apenas o embrulho, e isto não é

nada bom.

Sinto-me triste por não viver no estado normal da vida, que é dar e compartilhar.

Somente recebo e nada retribuo. Pertenço somente e unicamente a mim

mesma. Por esta razão mereço ser chamada de egoísta.

É este hábito de eu mesma pegar-me pelas mãos e dizer-me: “Vá por ali, é este

caminho que deve seguir.” E esta escolha é longa e distante de todos. Seria bom

se eu, frente a frente com as pessoas, dissesse: “Quero conhecê-lo, mas tenho

medo de você, por favor, ajude-me a aproximar-me!” Porém, quando irei admitir

meus temores? Nunca. Então, a situação fica difícil, e continuo sendo

embalagem.

No momento em que não consigo me aproximar de uma pessoa, me afasto

gradativamente, e logo se dão conta que me perderam, ou melhor, eu os perdi.

Li um livro (Yargo, de Jaqueline Susan), que narrava a história de um planeta, no

qual, ninguém podia amar, chorar, sorrir, enfim, ter qualquer tipo manifestação

de sensibilidade__ era proibido. Porém, eram pessoas frias e infelizes, e acabaram

percebendo que não pode haver felicidade verdadeira onde as emoções são

reprimidas. Tenho que me lembrar disto, e parar de conter meus sentimentos.

Não há como exigir dos outros o que eu mesma não posso dar, nem demonstrar.

Quando vou conseguir deixar alguém me desembrulhar? Não sei.

Às vezes fico pensando, que me preocupo demais comigo. Por outro lado, se eu

não me importar, quem o fará? Certamente ninguém.

Falo muito em insegurança e que isto atrapalha minha vida. Porém, uma vez, me

disseram que, se eu sei “o que gosto”, e “o que não gosto”, é porque sou uma

pessoa segura. Faz pouco tempo que consegui separar estes dois itens, no

entanto, há muitas coisas que ainda não tenho certeza se quero ou não. Mas,

esta questão de me sentir insegura é com relação às pessoas, por não me

ambientar e me comunicar melhor com elas, resumindo, por não ser sociável e

consequentemente, faz-me sentir solitária.

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Atualmente me encontro numa situação melhor do que nos anos anteriores,

porque afinal, posso compreender a maioria dos meus sentimentos, e me

encontro em condições de olhar para trás sem deixar que nenhum fragmento do

ontem me atinja e isto é uma vitória, pois é sinal que não estou presa ao passado,

uma vez que posso compreendê-lo, e agora, pertenço ao hoje e ao futuro.

Então, a partir disto, agora que já desvendei a maioria dos enigmas da minha

vida, porque não transformar a minha vida num paraíso? O que eu estou

esperando? Acomodei-me, e estou de braços levantados para cima esperando

que as coisas me caíam do céu? Talvez seja esta a impressão que estou

demonstrando, mas não é bem assim. O que é bom para uma pessoa, pode não

ser bom para mim. Saber o que me atormentava em meu íntimo, apagar

fantasmas, descobrir o que sou, o que gosto e o que não gosto, ser capaz de me

olhar olhos nos olhos sem desviar o olhar, aprender a gostar de mim, saber onde

errei e o que eu deveria ter feito, conhecer meus defeitos e qualidades... tudo isto

pode parecer a chave para uma nova vida, mas não é. Porque, embora eu

tenha entrado num estágio que poucas pessoas conseguem chegar, isto não foi

o fim, mas, o começo. O princípio de novas indagações sobre a minha pessoa, e

também devo lembrar que ficaram assuntos pendentes. E o que é realmente

essencial em minha vida eu ainda não descobri, que é “a verdadeira razão para

eu estar vivendo”.

Quem sou eu? Sou uma pessoa que tenta encontrar seu caminho, tenta

encontrar a verdade em meio de tantas palavras. Sou aquela que afasta as

pessoas de mim, quando na verdade, gostaria de tê-las mais próximas. Sou

aquela que precisa ser amada.

Por que estou aqui? Esta é realmente uma pergunta interessante. Porque Deus

quis que eu estivesse aqui... Mas, por qual motivo estou aqui? Não sei ao certo

porque estou aqui, só sei que eu aqui estou.

O que devo fazer? Compreendi que Deus não determina o rumo de nossa vida;

não nascemos com uma história escrita, somos nós quem a escrevemos. Deus

não decidiu que eu sentiria o que sinto, nem que me comportaria da forma como

me comporto. Se a minha vida está boa ou ruim, a escolha foi minha. É a pura

verdade! Se eu não decido caminhar até a árvore que está no meu quintal e

retirar o fruto que lá está, o fruto nunca virá a mim, e eu ficarei sem o fruto, e ele

nunca fará parte da minha vida. É muito importante estabelecer objetivos, é

importante decidir onde quero estar nos próximos anos e o que quero ser.

A análise que fiz realmente me fez bem, porque descobri que não sou uma

pessoa fraca, mas uma pessoa forte. Sentir tristeza, ficar depressiva, desejar novas

coisas e um novo sentido para a vida, ao contrário do que eu achava, não é ser

fraca. Estes sentimentos são naturais no ser humano, e todos chegam em

determinado momento que precisam ir em busca de si mesmo.

Ao contrário do que eu pensava, não tenho nenhum problema psicológico. Todo

este meu jeito de pensar e agir é normal __ este é o meu normal. Cada um tem o

seu jeito de ser, e este é o meu jeito de ser. Acho que estou precisando me

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assumir. Também já pensei na hipótese de que talvez eu ainda não aceitei, de

todo, a pessoa que sou. Por que eu fico me analisando demais? Por que eu

nunca estou satisfeita comigo mesma? Será que estou buscando a perfeição?

Descobri que minha passividade tem limites. O que acontece é que, às vezes,

gosto de ser a plateia da cena da minha vida, e outras vezes gosto de ser a

cena. Quero dizer, vou aguentando as coisas que me desagradam até que

chega a um ponto que dou “um basta”, e faço alguma coisa. Então é assim: sou

a espectadora e assisto o filme onde o assassino degola vítimas após vítimas, até

que eu não suporto mais ver isto e entro no cenário, e o tiro de cena. Às vezes

olho a minha vida, e digo que ela não vale um centavo, e de repente, a faço

valer ouro.

Minhas vistas estavam embaçadas e somente agora posso divisar os horizontes

da minha vida. No fundo, eu estava tentando me igualar ao que a sociedade diz

ser o cidadão exemplar, e eu, notando que tendia a me comportar diferente, me

empurrava e me obrigava senão a igualar, pelo menos a ter uma semelhança

com esse modelo que a sociedade impôs. E isto foi um choque, porque o meu

“eu” aspirava por viver e eu tentava matá-lo, substituindo pela imagem daquilo

que eu gostaria de ser, e não permitindo que eu fosse o que eu, na verdade sou.

O que tenho que me perguntar, é: “O que é mais importante PARA MIM?.” É ser

a pessoa que eu sou. E serei. Sou introvertida, tímida, gosto de lugares tranquilos,

gosto de ficar com a família, gosto de ler, gosto da minha casa, gosto de sair de

vez em quando e etc. E pode ter a certeza que não mudarei porque esta é a

minha maneira de ser, e não há como mudar este fato.

E há outra coisa que tenho certeza; não sou frágil, não sou de vidro, não me

quebro.

Agora estou pronta para dizer: “Eu me assumo totalmente e estou satisfeita com

a obra-prima que sou, aliás, obra de arte única, pois, não há nenhuma pessoa

idêntica a mim; pode ter alguns traços semelhantes, mas nunca haverá alguém

parecido interior e exterior. Sou uma espécie em extinção. A única. Eu, Rosimeire,

cujo nome é comum, mas, cujo conteúdo e fragrância, são totalmente

peculiares a mim.”

E assim se encerra a primeira parte da minha vida, aquela que era cheia de

interrogações e neblina, e se inicia a segunda parte, que, não sei como será, mas

pelo menos, estarei segura daquilo que sou.

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MINHA MÃE (1948/ 1994)

Quase quarenta e seis anos de existência

Maria do Carmo Leal dos Santos, nasceu no município de Jiquiriçá, no Estado da

Bahia, no dia 19 de junho de 1948. Ela gostava que a chamassem de “Carmem".

Filha de Anita Leal dos Santos e José Correia dos Santos.

Minha mãe faleceu em 28 de fevereiro de 1994. Sofreu um infarto fulminante... sua

taxa de colesterol ultrapassou o normal: 880 mg/dl. Um mês antes, o médico

assustou-se com o resultado do exame e recomendou que fizesse uma dieta

urgente. Estava com depressão, o corpo inchado, os olhos pálidos e andava com

dificuldade.

No sábado, dia 26, foi com minha irmã, Rosilda, visitar seu irmão Antônio, no

bairro Jacaraípe no município da Serra, aqui no Estado do Espírito Santo,

principalmente sua sobrinha preferida, Jaqueline. Ela lhe disse que veio para se

despedir, porque ia morrer. Foram à praia perto dali, caminhando, e não

aguentava percorrer este trajeto, mas foi assim mesmo, meio tonta. Meu tio lhe

falava: “Que isso, Carmem! Ainda não chegou sua hora!”

No domingo, dia 27, foi sozinha, bem cedo, à residência da sua irmã Antônia no

bairro Itanguá, no município de Cariacica/ ES. Ela almoçou e ficou até o fim da

tarde.

Lidar com a morte, ver uma vida extinguir-se, é uma das experiências mais

marcantes: na segunda-feira, dia 28, eram três horas da madrugada, ela se

sentiu mal, com falta de ar, então levantou-se apressadamente e abriu a janela,

depois ligou o ventilador. Meu pai não sabia o que fazer para ajudá-la e chamou

a mim e minha irmã. Ela bateu na porta do quarto da minha irmã como se

estivesse desesperada, balançando a cabeça com os olhos arregalados e não

conseguia pronunciar nenhuma palavra, em seguida correu para o banheiro;

estava tendo um ataque cardíaco; a dor era muito grande... Voltou e ao passar

pela porta do seu quarto, aproximou-se da cama. De repente, seus olhos que

estavam abertos, olharam para cima e se fecharam; ela caiu no chão. Já vi essa

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cena em filmes, entretanto, pensei que tivesse desmaiado. Enquanto meu pai foi

chamar o vizinho para levá-la ao hospital, tentamos trocar sua roupa. Foi algo

trabalhoso porque estava demasiado pesada. Compreendi que algo muito grave

estava acontecendo, porém, não imaginei que estivesse morta... nunca se pensa

nesta hipótese. Minha irmã foi no carro com a cabeça da minha mãe em seu

colo e a levou ao hospital público “Antonio Bezerra de Farias”. Chegando lá, os

médicos a colocaram numa cama e puseram um lençol branco por cima dela.

Então minha irmã entendeu que ela havia morrido. No entanto, nós não nos

abalamos, ficamos tranquilas, porque sabíamos que ela morreu com fé e

esperança em Deus. Ela foi num orelhão e telefonou para várias pessoas da

igreja, que deram assistência a minha família durante o enterro. O corpo foi

velado na igreja evangélica Maranata, próximo a nossa casa e foi sepultado no

cemitério do bairro Santa Inês, em Vila Velha.

Depois do enterro, minha irmã foi no outro dia à casa do tio Antonio para

entregar uma carta que minha mãe havia escrito para a Jaqueline. Num trecho,

dizia que queria que sua sobrinha fosse passar um dia com ela, para que

pudessem passear na praça e tomar sorvete juntas. Meu tio parou de ler e

começou a chorar, então sua esposa, Tilda, concluiu a leitura e se emocionou

também.

Minha mãe era apaixonada pela natureza! Quando via uma flor que lhe atraía,

não sossegava até conseguir uma muda. O terraço da minha casa era cheio de

vasos com plantas... contudo, morreram todas, porque minha mãe era a única

que sabia cuidar delas. Seu caixão foi coberto com rosas vermelhas, por ser sua

flor preferida.

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MEU IRMÃO (1971/ 1991)

Vinte anos de existência

Robson Leal da Motta, nasceu no município de Vitória, capital do Estado do

Espírito Santo, no dia 03 de setembro de 1971.

Não conseguia pegar no sono; olhei o relógio e era uma e dez da madrugada, fui

ao quarto dele; ainda não havia chegado, fiquei preocupada e voltei a me

deitar. Às duas horas, o telefone tocou e fui correndo atender e disse a minha

irmã: "Deve ser ele avisando que vai dormir na casa de alguém."

A voz era de uma senhora e dizia que era do hospital, falou o nome do meu

irmão e perguntou se ele morava aqui e se conhecíamos Ricardo Lima Rodrigues,

o rapaz que estava com ele. Ela então contou que ele havia sofrido um acidente

e que os pais precisavam ir ao hospital imediatamente, antes do dia amanhecer.

Desliguei o telefone e permaneci parada, meio abobada, por alguns minutos. O

vizinho levou meus pais e minha irmã ao hospital e eu fiquei no meu quarto

orando e estava segura de que ele voltaria para casa nesse mesmo dia.

História do acidente: No dia 16 de agosto de 1991, por volta de uma hora da

madrugada, quando voltavam para casa (estava chovendo), meu irmão

guiando sua moto Honda CB 400 e o Ricardo de carona, vinham a cento e trinta

quilômetros por hora e, na Estrada Jerônimo Monteiro, bairro Glória (Vila Velha -

ES), proximidades da Fábrica de Chocolates Garoto, transitando sentido Vila

Velha x Vitória, quando ao efetuar a curva para a esquerda, o veículo desviou

para a direita, chocando-se contra a grade de proteção sobre a calçada,

projetando condutor e passageiro contra a mesma, porém, Ricardo bateu o

peito no muro tendo morte instantânea, e meu irmão, continuou segurando nos

guidões, na esperança de controlar a moto, sendo arrastado e rasgando a

camisa e a calça e arranhando todo o peito e a barriga, depois ele soltou as

mãos e caiu de lado, em cima de um meio-fio, machucando o lado esquerdo da

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cabeça, quebrando o braço e a perna esquerda. Foi socorrido por populares e

encaminhado ao Hospital Evangélico (no bairro Alecrim). Foram encontrar a

moto a oitenta e três metros do lugar que meu irmão estava, e, fora o farol da

frente e o de trás que se romperam e algumas peças que empenaram, ela

estava em bom estado. Os dois, não usavam capacete.

Ele ficou treze dias no Centro de Tratamento Intensivo em coma, respirando por

meio de aparelhos e todo o tempo o médico deixou claro que a situação era

grave: estava com traumatismo craniano e havia um coágulo de sangue no

cérebro e era urgente realizar uma cirurgia, porém era necessário que ele se

recuperasse um pouco, senão, não aguentaria. Havia adquirido pneumonia por

causa dos arranhões (no peito e na barriga), que possibilitaram a entrada de

sangue no pulmão.

A primeira vez que fui visitá-lo, fiquei chocada. A aparência dele era horrível:

aparelho na boca e nas mãos; estava com a barriga e o peito em carne viva; o

braço e a perna esquerda engessados; os olhos inchados e semi abertos e

quebrou três dentes da frente.

Toda vez que eu ia ao hospital, ficava ansiosa para que ele voltasse a si e falasse

comigo, contudo, isso nunca aconteceu: ficou inconsciente todo o tempo. Eu

tinha certeza que ele ia ficar bom e ficava imaginando o dia em que ele

retornaria.

Os arranhões cicatrizaram, os lábios desincharam, sarou da pneumonia, no

entanto, o problema maior era o traumatismo craniano... o cérebro deixou de

funcionar e ele teve morte cerebral. Nesse dia, meu pai amanheceu cismado,

dizendo que teve um sonho ruim, e que precisava vê-lo; saiu de casa meio-dia,

quando chegou ao hospital ele tinha acabado de falecer... às doze e quarenta.

Foi em 28 de agosto de 1991.

Após a aflição da perda do meu irmão, passamos por outra ainda maior: a

polícia civil estava em greve e o Instituto Médico Legal estava fechado e

enviaram todos os corpos para que fosse feito a autopsia para o município da

Serra, no Hospital Dório Silva. Lá havia uma fila enorme de corpos esperando

para serem liberados e alguns já não cheiravam bem. Meu pai foi até lá com

alguns amigos do meu irmão e com muito custo, briga e insistência conseguiu a

permissão para levar o corpo, porém, teve que assinar um termo de

responsabilidade por qualquer problema que surgisse, pelo fato de não ter sido

feito a autopsia. O corpo chegou ao velório às vinte e duas horas da noite.

O velório foi realizado no anexo da Igreja Católica do bairro IBES. Sua fisionomia

era tão tranquila... parecia que ele dormia. Sentia uma sensação pesada dentro

de mim, no entanto, não saía uma lágrima. Todos se aproximavam de mim e

diziam: "Meus pêsames", e eu não encontrava palavras para responder. Somente

consegui chorar depois do enterro. Foi sepultado no cemitério do bairro Santa

Inês.

Pensei que fosse minha mãe quem sofreria mais, porém, para meu espanto, meu

pai ficou mais de duas semanas triste e falando nele.

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Morrer é algo muito estranho! Quando a gente não vê uma pessoa, mas sabe

que ela está viva em algum lugar, isso nos consola, entretanto, quando não a

vemos e estamos convictos de que nunca mais a veremos, isto é incompreensível!

Se ao menos fosse possível ver o corpo intacto, isto seria uma espécie de prova

que ele morreu, seria menos difícil de entender, porém, não há mais nada dele,

apenas os ossos. É como diz na Bíblia: "Somos feitos do pó e ao pó retornaremos."

(Eclesiastes 3: 20). Morrer é um grande mistério! O espírito sai do corpo... e o

corpo se faz pó. Contudo, a impressão que tenho é que meu irmão não morreu,

está viajando e vai chegar a qualquer momento.

Morrer é evaporar-se do planeta Terra, é deixar de existir, é desaparecer... é

conhecer os mistérios de Deus.

A Missa de Sétimo Dia, foi no dia do aniversário dele, quando completaria vinte

anos.

Ele era moreno, tinha um metro e setenta e cinco centímetros de altura. Quando

éramos crianças estávamos sempre juntos.

A morte de meu irmão me fez meditar sobre a vida, principalmente: "Não deixe

para amanhã, o que você pode realizar hoje, porque talvez seja tarde demais."

Há tantas coisas que eu gostaria de fazer e de dizer e que estou sempre adiando!

Pensei muitas vezes que estava tudo errado. Quem deveria ter morrido era eu,

pois o meu irmão era tão alegre, animado, cheio de vida e eu, exatamente o

oposto dele. Por outro lado, refleti também que ele teve a chance de ser feliz e

realizar alguns de seus sonhos, se eu ainda estou viva é porque tenho a

oportunidade de conseguir todas as coisas que desejo muito.

Tive dois sonhos seguidos: meu irmão abria os olhos e se levantava e as pessoas

iam embora do velório, pois havia sido erro médico.

Levei algum tempo para esquecer o cheiro que havia no quarto que ele ficou no

hospital... era um odor forte de remédio, não sei explicar exatamente como era...

O meu irmão pode ter morrido para o mundo, mas continua eternamente vivo

em meu coração.

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O ACIDENTE

Jonas e Luís estavam viajando de madrugada. Enquanto Jonas dirigia, Luís

repousava no banco de trás. Depois de ter feito um longo trajeto numa estrada

monótona, Jonas dormiu no volante. Então, de repente houve um estrondo e o

carro se chocou com um caminhão.

Jonas ouvia pessoas lhe chamarem pelo nome, mas não podia responder-lhes,

nem se mover. Lembrou-se do acidente e se perguntava o que havia acontecido

com Luís. Ruídos de motor de veículos parando e um murmurinho... gente que

dialogava, eram os sons que lhe chegavam aos ouvidos. Alguém disse: “É muito

grave!” Jonas desejava abrir os olhos para ver como ele estava, contudo, não

tinha forças. Sentiu que o transportavam numa maca e em seguida escutou o

arrancar de um carro.

Passadas algumas horas, lhe colocaram uns aparelhos na boca, nos braços, no

peito e no nariz. Após um interminável período de silêncio, chegou sua esposa.

Ela lhe falava amavelmente e lhe sussurrava: “Não se preocupe, já sairá do

estado de coma e voltará para casa! Claro que sim!” Ele sentia suas lágrimas

sobre ele e queria chorar também, porém, não conseguia.

Ignorava se era de manhã, de tarde ou se era de noite... Havia perdido a noção

do tempo e tudo lhe parecia muito distante. Uma voz de mulher dizia: “Doutor,

ele está piorando... está morrendo!” Ninguém sabia que Jonas podia ouvir e o

que escutava somente lhe aumentava a angústia e o desespero, por não dispor

de energias para fazer algo por si mesmo. Pensou em toda sua vida e não estava

seguro se havia vivido o suficiente.

As imagens de seu passado iam e vinham... cenas da sua adolescência se

misturavam com as que haviam ocorrido em sua fase adulta. Lembrou-se de

Deus e orou: “Senhor, não sou digno de lhe dirigir a palavra, entretanto, lhe

suplico que perdoe meus pecados. Eu, nesse momento, sou apenas

pensamentos, não sinto meu corpo, compreendo que o que resta de mim é a

alma e ela se curva diante de Ti, profundamente arrependida e esperançosa do

seu perdão!” Os sons e as vozes estavam ficando cada vez mais longe, porém

lutava para não perder este contato com o mundo. Já não ouvia mais nada, no

entanto, entendia que o golpeavam no peito.

Teve uma parada cardíaca, seguida de infarto e morreu.

Os médicos olharam um para o outro concordando silenciosamente o que se

passava.

Só não viram quando uma luz envolveu o quarto e a alma de Jonas deixou o

corpo, tornando-o frio e pálido.

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PREMIAÇÃO: 01 – Concurso “Machado de Assis” – 2.º Lugar – Categoria Contos - Redacional

Editora – Londrina – PR – 2006

02 – 16.ª Antologia de “Contos de Autores Contemporâneos” - Editora CBJE - RJ -

Abril/2006

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ROCHA INABALÁVEL

Pedro Sabino da Mota - 1912

Noventa e três anos de existência

Foto: Fazenda no município de Nova Canaã, no Estado da Bahia.

No fundo, sentado próximo a janela, Manuel; em pé, encostado a parede, um empregado; a

partir do lado esquerdo: Alaíde, minha avó Epifania, meu pai, Áurea, meu avô Antônio, Silvanisio e

José. As crianças, a partir da esquerda: Maria da Glória, Maria José e Enoque.

Pedro Sabino da Mota, nasceu no dia 08 de novembro de 1912, em Sapatuí, que

é distrito de Conceição do Almeida, no Estado da Bahia. Essa povoação surgiu

no século XIX, quando uma aglomeração formada em torno de um santuário

construído sob a invocação de Nossa senhora da Conceição, passou a ser

chamada de Capela do Almeida, devido ao fato dos proprietários do terreno

possuírem esse sobrenome. Esse município foi criado com território desmembrado

de São Felipe, em 1890, com a denominação de Conceição do Almeida.

Recebeu a nomeação de Afonso Pena em 1909. Retomou em 1943 ao nome

anterior. Área: 262 km².

Em 1912, administrava o país, o presidente Marechal Hermes Rodrigues da

Fonseca e a moeda da época, era nesta sequência: “Réis”, “mil Réis” e “contos

de Réis”.

Filho de Antonio Sabino da Mota (1894/ ?), agricultor, e Epifania Madalena da

Mota (1889/ ?-), do lar; ele tinha a pele clara, ela, morena; os cabelos de ambos

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eram pretos. Não conheceu seus parentes maternos. Convivia com sua avó

paterna, “Chiquinha” e seus tios: Heliodoro (único que sabia ler e exercia o cargo

de delegado), Querino, Amâncio, Tonha e Maria.

Seus irmãos: HELIODORA (1900/ 1980), casou-se com Zacarias Carvalho dos Santos

que tinha um comércio no município de Jiquiriçá e estabeleceram-se no

município de Santo Antonio de Jesus; os negócios iam mal, ficou cego e a família

sobrevivia com a ajuda de parentes e amigos... ele não viveu por muito tempo;

tiveram duas filhas: Maria e Jozelita; ela faleceu em 28 de dezembro de 1980, aos

oitenta anos. MANUEL, aos dezoito anos, afligia-se com um ferimento próximo ao

peito que não cicatrizava e recomendaram colocar “Búzio de catar sol” (uma

planta comum no nordeste; havia em grande quantidade no mato e se parecia

com uma ostra) e então a ferida aumentou, chegando ao coração, levando-o a

morte. UMA IRMÃ, que morreu aos dois anos de idade (esqueceu-se do nome

dela) e ALÍPIO, (já falecido... seus olhos eram azuis) desposou Eloíza Almeida de

Rezende (conhecida como “Zinha”, 1921/-), que ainda vive e mora no município

de Pinhalzinho, no Estado de São Paulo... não tiveram filhos. Meu pai é o caçula.

Sua mãe lhe apontava em direção a um ponto entre os rios Jaguaribe e

Mucamba na fazenda, e dizia: “Ali, me abaixei com o intuito de encher uma lata

com água e ao erguê-la sobre a cabeça, comecei a sentir as contrações do

parto e você veio ao mundo!”

Aos cinco anos de idade, seu pai transferiu-se para o município de Santo Antonio

de Jesus, contudo, decidiu vender sua propriedade por ter se desentendido com

seus irmãos e adquiriu outra no município de Jiquiriçá.

Jiquiriçá originou-se das fazendas do coronel Coutinho e Américo Turino; antes

era um matagal cheio de animais selvagens: raposas, onças, etc. É um município

proveniente dos territórios das freguesias de Santo Antônio de Jiquiriçá e Estiva,

desmembrados de Valença, tomando a designação de Vila de Jiquiriçá, em

1833. Em 1868, era incorporado pela Vila de São Vicente Ferrer d' Areia (atual

Ubaíra). Em 1891 restaurava a sede na povoação de Velhas e com a

denominação de Vila de Capela Nova de Jiquiriçá; sendo simplificado para Vila

de Jiquiriçá em 1904. Foi elevada à categoria de cidade em 1938. Ainda existem

vários tatus, capivaras, preás, teiús, cobras e aves. Preserva um pouco do que

resta da floresta nativa da Mata Atlântica. Área: 126 km².

A fazenda se chamava “Pindoba” porque ali havia inúmeras palmeiras dessa

espécie. Seus frutos são coquinhos semelhantes ao coco-da-bahia, porém, bem

menores e eles têm cerca de quatro centímetros e seus cachos desenvolvem-se

colados à base das folhas; seu caule é subterrâneo, ficando expostas apenas as

gigantescas folhas de até sete metros. Eram usadas para o fabrico de óleo; das

suas cascas fazia-se cachimbos e cobertura de casas, tecelagem de cestos e

cordas. Seu palmito é comestível.

A iluminação pública funcionava através de postes de madeira com lampião a

gás. Ao escurecer, empregados do intendente, (função equivalente ao de

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prefeito) ia acender os lampiões e ao amanhecer voltavam para apagá-los.

O meio de transporte utilizado era a pé (andando); em carros de bois (transportar

a colheita para o armazém da fazenda, cargas, pessoas, mudanças, etc.); a

cavalo (passeios breves) e em lombo de burro (viagens longas e era o animal

mais resistente para levar carga). Não havia estradas como hoje conhecemos,

geralmente era uma clareira aberta no meio da mata.

Um personagem muito comum era o “tropeiro” que fazia um duro percurso a fim

de transportar mercadorias e gado.

Todos os homens usavam chapéu.

Quando era criança, brincava com seu amigo Vicente, que vinha com

frequência à fazenda do seu pai e morava distante dali uma légua (6.600

metros). Ambos subiam nos pés de jaca, ingá, etc.; pescavam; matavam

passarinhos para comer; retiravam uma lasca da árvore Imbaúba, davam forma

de uma vara e furavam um buraco no centro, fazendo passar um cipó neste

orifício e que servia para girar no ar. A verdade é que sua infância foi curta, uma

vez que dedicou a maior parte deste período às plantações.

O pai dele era rico, sua fazenda imensa, porém não se importava com a

arrumação e decoração da residência e assim, na propriedade havia muitos

bois, cavalos, lavouras, entretanto, num desleixo total. Meu pai conta que meu

avô demonstrava um temperamento agressivo e tratava mal a seus familiares.

Para o desjejum, sua mãe cortava cana e preparava o café (pisava, torrava e

coava). Seu pai não comprava nenhum mantimento para a casa, tudo era feito

pela Epifania, aproveitando o que havia na fazenda, por exemplo, açúcar. Não

havia papel higiênico, usava-se sabugo de milho; dormiam em esteiras de palha.

Havia poucas escolas no interior da Bahia e a maioria dos professores não eram

qualificados. Meu pai e seus irmãos foram à escola, com exceção da sua irmã

Heliodora, pois naquele tempo, mulher não estudava. O professor Nestor era meio

surdo, não tinha didática e não sabia disciplinar e ninguém o respeitava. Utilizava

uma palmatória (tinha o formato de uma colher de cabo comprido, era feito de

madeira e a ponta era arredondada), que batia na escrivaninha, na cabeça e

nas mãos dos meninos e gritava xingando-os de “Patifes!” As aulas eram

realizadas no primeiro andar e ele trancava a porta da sala. Meu pai não

aprendeu nada, porque ia uma vez ou outra. Seus pais não tinham condições de

lhe instruir sobre esse assunto e fazê-lo compreender a importância de ler e

escrever.

Depois mudou de escola: a classe era na residência da professora Dona Biloca

(no quintal), que não motivava nem despertava o interesse dos alunos, não

oferecia estímulos e incentivos apropriados para tornar a aprendizagem mais

eficaz. No percurso da fazenda até lá, havia um matagal e uma ladeira cheia de

buracos e quando chovia, todos os que passavam por ali escorregavam e caíam

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na lama e era longe, aproximadamente uma légua. Às vezes, no horário em que

deveria estar com os demais estudantes, ficava escondido na roça, trabalhando.

O único que progrediu nos estudos foi seu irmão Alípio. Meu pai conseguiu

apenas assinar o seu nome e a efetuar cálculos.

O dinheiro que meu avô Antônio recebia do seu trabalho de agricultor (vendia os

produtos da sua fazenda na feira e para o comércio local), ele guardava dentro

da mesa da sala e economizava com usura. Era comprida, grossa, de madeira e

antiguíssima, pois a propriedade já havia pertencido a outros fazendeiros,

contudo, ao se mudar ninguém a levava, porque sendo demasiado pesada,

necessitava de seis homens para movê-la. Em cada lado da cabeceira havia

uma gaveta enorme e ao retirá-las, cabia uma pessoa deitada e no fundo,

oculta por uma tábua, estava uma portinha, e a este compartimento ele

chamava de cofre e ali, depositava toda a sua economia. Só quem sabia disso

era meu avô e meu pai. Não havia bancos naquela região.

Comemoravam na fazenda do seu pai o “São João”, na noite de 24 de junho. A

origem deste festejo vem de São João Batista, primo de Jesus Cristo... creem que

ele nasceu nesta data. Soltavam rojões e foguetes (representando os gritos de

felicidade por esse dia), faziam fogueira (como sinal de aviso do nascimento de

Jesus), mungunzá (canjica), licor de jenipapo e cravo; fincavam os galhos de

uma árvore no chão e penduravam neles laranjas e espigas de milho (para

serem assados) e festejavam com os trabalhadores da lavoura. Vinha um

sanfoneiro tocar músicas típicas; em seguida ia para as festas vizinhas que eram

mais animadas e participavam mais pessoas.

No dia 29 de junho é lembrada a morte de São Pedro, apóstolo de Cristo. Meu

pai acendia uma fogueira em homenagem a ele. Quem tinha esse costume

eram as viúvas e quem tinha o nome de Pedro.

Desfilavam neste cenário os cangaceiros (diversos bandos independentes,

bandidos da sociedade rural encarados como criminosos pelo Estado, mas

considerados heróis, justiceiros, vingadores ou alguém que rouba dos ricos, por

sua gente... alguns eram grupos pobres que se organizavam para assaltar e

conseguir alimentos, outros, surgiram para combater a injustiça de algum

coronel). O Cangaço iniciou-se no século XVIII e foi típico do nordeste. A

expressão Cangaço está relacionada à palavra canga ou cangalho; uma junta

de madeira que une os bois para o trabalho... assim como os bois carregam as

cangas para otimizar o labor, os homens que levam os rifles nas costas são

chamados de cangaceiros. O personagem principal era Lampião (Virgulino

Ferreira da Silva), o Rei do Cangaço, que nasceu no Estado de Pernambuco em

1897; aos dezenove anos já se comportava como um futuro cangaceiro, mas,

somente em 1920 assumiu a chefia de um bando depois que seu pai foi

assassinado pela força policial. Recebeu o apelido de “Lampião” porque

gabava-se de que no decorrer de uma luta, sua espingarda fazia um clarão, tal

qual um lampião! Ele e seu bando exterminavam, estupravam, torturavam,

castravam, incendiavam as propriedades de grandes fazendeiros, tatuavam com

fogo, cortavam a língua ou a orelha, saqueavam, atacavam vilas, povoados

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e cidades, e assassinavam. Fazia dos sertões dos Estados de Sergipe e da Bahia

seu quartel-general, onde irradiava sua influencia para os outros Estados do

nordeste. O bando de Lampião resistiu durante quase vinte anos, brigando com

grupos de civis que o perseguiam e com a policia de sete Estados nordestinos.

Época onde todos no interior da Bahia andavam armados: portavam pistolas,

rifles de repetição, carabinas, cravinotes, facas, facões, punhais...

Os grandes proprietários (fazendeiros), procuravam se destacar como

autoridades, e ambicionavam ser “Coronéis” (chefes políticos) e alguns deles

protegiam os cangaceiros para evitar ataques e ás vezes, por estar precisando

de algum “serviço” e formavam bandos armados, denominados “Jagunços” (o

mesmo que Capangas, Pistoleiros ou Cabras)... estes bandos também existiam

de modo independente. Essa estrutura coronelística foi uma herança do passado

colonial, que se solidificou durante o Império e se estendeu ao início da

República. Os “Coronéis” interferiam nas eleições, obrigando seus subordinados a

votarem nos candidatos que eles determinavam (“voto de cabresto”).

Foi algumas vezes com seu pai a Santo Antonio de Jesus, visitar sua avó

“Chiquinha”... ela era viúva e cuidava da fazenda sozinha e era uma exímia

atiradora.

Havia uma estrada que passava por trás da casa da “Chiquinha”, dentro da

fazenda, situação que muito a incomodava. Por essa razão, fechou-a e construiu

outra, derrubando a mata e cercando, porém, este novo caminho público era

duas léguas mais longe do comércio local, circunstância que aborreceu a muitos

que precisavam passar por ali. Certa ocasião, passava um “tropeiro” com um lote

de quinze burros com carga e alguém lhe advertiu que a Dona “Chiquinha”

havia mudado o percurso. Esse respondeu que não respeitava homem muito

menos mulher e prosseguiu adiante e puxou o facão da cintura com a intenção

de destruir a cerca, quando ouviu uma voz estridente e brava gritar: “Não corta

não, que eu te mato!” Ela estava em cima de um pé de fruta-pão apontando

um cravinote para ele (espingarda de cano longo), preparando-se para atirar. O

homem imediatamente dirigiu-se para a estrada nova.

Meu avô Antônio, desde quando era solteiro, tinha uma ferida enorme nas juntas

das pernas direita e esquerda e na nádega, que não cicatrizavam e ao longo do

tempo aumentavam de tamanho e por este motivo, ficou dezoito anos sem

poder trabalhar e quase sempre deitado na cama. Fez uma promessa ao Senhor

de Bom Jesus que, se ele ficasse curado, iria à cidade de Bom Jesus da Lapa

varrer a igreja... ele nunca tinha ido lá, mas ouvia falar dos milagres e tinha um

quadro dele. Então, ele teve um sonho, onde lhe era revelado como fazer um

preparado com folhas. Depois de alguns meses, ficou recuperado! Casou-se,

teve filhos e esqueceu-se do seu compromisso. Meu pai tinha aproximadamente

doze anos quando a doença voltou a atormentar meu avô, porém doíam

também as juntas dos ossos e ele ficou todo encolhido, sem poder mover-se.

Apegou-se novamente ao Senhor do Bom Jesus e lhe suplicou fervorosamente a

cura daquela enfermidade. Uma vez mais ele sonhou os procedimentos para

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fazer o remédio, diferente da vez anterior. Assim que se restabeleceu foi pagar a

promessa. Saiu de Jiquiriçá e no município de Jequié, encontrou três amigos que

estavam indo para a festa da romaria. Viajaram quatro dias naquela região do

interior afastada da costa e das povoações a pé. O calçado que meu avô usava

era uma alparcata (chinelo de couro cru). De repente, pisou num espinho que

entrou fundo no seu dedo, conseguiu retirá-lo, contudo, não podia caminhar

como antes e seus companheiros reclamaram que se permanecessem naquele

passo, morreriam na caatinga. Meu avô recomendou que fossem na frente.

Anoiteceu e decidiu repousar por ali e o mesmo fizeram vários romeiros que

seguiam naquela direção. O local onde eles acamparam era um espaço sem

árvores, no meio da mata. Todos os romeiros ficaram próximos uns dos outros e

em torno deles fizeram cinco fogueiras, formando um circulo fechado para se

defenderem das onças. O fogo abaixou e começou a vir terra do lado de fora

assustando meu avô, fazendo-o esbarrar rudemente num dos romeiros e este e os

demais pensaram que era briga. Juntou uma multidão, com o intuito de linchar

meu avô, entretanto, este teve tempo de gritar: “São as onças!” Neste instante

veio mais terra e eles entenderam o perigo e trataram de colocar mais lenha na

fogueira, mas ninguém dormiu, com medo de serem atacados. As onças

costumam sair à procura de alimento antes do romper da aurora ou ao

crepúsculo. Aproximam-se silenciosamente da vítima e saltam sobre seu dorso. Ao

amanhecer, os felinos já haviam ido embora e os romeiros continuaram o trajeto.

Meu avô cortou com um facão uma madeira e fez com ele um porrete para

auxiliá-lo a locomover-se, pois seu pé estava inchado e ele mancava. Após horas

percorrendo a mata nordestina, com vegetação baixa de arbustos, espinheiros,

gravatás, cactos, cardos, etc., chegou num lugar chamado “Bonito”. Encostou-se

na parede de uma casa para descansar e uma senhora idosa abriu a porta. Ao

vê-lo, perguntou se desejava algo e este lhe informou que era romeiro e lhe pediu

comida. Estava se alimentando e um ateu, rindo, o interrogou de maneira

debochada sobre quem ele era e para onde ia. Meu avô explicou

pacientemente sobre seu desejo de assistir a festa da Lapa que seria dentro de

dois dias e este enfatizou que a distância até lá eram dez léguas. Iniciaram o

seguinte diálogo:

__ Quem lhe trouxe até aqui?

__ O Senhor Bom Jesus da Lapa!

__ Se você acredita nesse homem, viaje a pé à noite inteira e mais um dia, que

alcançará seu objetivo.

Meu avô encheu-se de coragem e apesar dos riscos, viajou com o pensamento

de que “a fé move montanhas”. Quando amanheceu, avistou uma casa, foi até

lá, comentou sobre seu propósito e a senhora lhe pediu que esperasse um pouco,

pois o marido tinha ido buscar leite no curral. Em seguida chegou um senhor e ao

escutar que havia viajado a noite inteira duvidou, montou num cavalo e foi

verificar os rastros na estrada. Ao retornar, lhe disse: “Estou admirado que você

esteja vivo! Há pegadas de onça logo após suas passadas!” Tomou café, pôs a

sovaca nas costas (um saco com mantimentos, roupas, etc.), reiniciou sua

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peregrinação e à tardezinha respirava o ar de Bom Jesus da Lapa.

Bom Jesus da Lapa é um município situado na margem direita do Rio São

Francisco, na parte Centro-Oeste do Estado da Bahia. Seu nome homenageia o

padroeiro, Bom Jesus, e Lapa significa, em latim, Pedra. Em fins do século XVII,

1691, o penitente português Francisco Mendonça Mar encontrou uma gruta

(caverna) e construiu dentro dela um santuário invocando Nosso Senhor. A

novena se inicia no dia 28 de julho e, no dia 06 de agosto é rezada missa pela

manhã e procissão ao Senhor Bom Jesus da Lapa, à tarde. Área: 4.060 km².

Ficou três dias lá e durante este período tratou de cumprir a promessa: varreu a

igreja, recolhia o pó com um lenço e empurrava a poeira com a língua. O pé

tinha melhorado e ele começou o trajeto de retorno, no entanto, perdeu-se na

caatinga do sertão. Preparou-se para descansar numa serra, mas não conseguiu

dormir: ficou a noite inteira alimentando a fogueira com lenha porque as onças

tentavam avançar e urravam. Um dia de domingo, avistou um povoado

pequeno que se chamava “Vila dos Urubus” (era percurso dos romeiros e os

jagunços que moravam ali, os matavam). Na entrada da Vila havia uma igreja e

uma venda, que era o único comércio do lugar. Estava sendo celebrada uma

missa e meu avô permaneceu na porta assistindo e viu que lá só havia jagunços:

todos usavam os cabelos e a barba longos e estavam ajoelhados com os rifles de

repetição encostados no ombro. O padre encerrou a cerimônia e todos foram

para a venda beber. Havia um deles que parecia ser o líder, então meu avô

pediu licença para comprar mantimentos e comentou que era romeiro. Pagou

duas rodadas de cachaça e eles recomendaram que meu avô acampasse bem

distante dali, pois a missa era realizada uma vez por mês, depois se reuniam e

após ficarem bêbados atiravam em qualquer pessoa que estivesse nas

proximidades. Afastou-se algumas léguas, fez uma fogueira e não tardou muito e

ouviu ao longe um tiroteio. Ao amanhecer, seguiu viagem passando próximo a

uma fazenda e o proprietário assim que o viu xingou e fez ameaças, mas meu

avô não deu atenção. Mais à frente, encontrou um rapaz que sorrindo, informou

que era filho do fazendeiro que havia visto momentos atrás e esclareceu que ele

estava aborrecido porque incendiaram as cercas da sua propriedade e acusava

os romeiros, mas provavelmente foram os vizinhos, pois ele tinha muitos inimigos.

Forneceu água para meu avô e lhe ensinou o caminho até Jiquiriçá. Finalmente,

chegou em casa e soube que seus familiares haviam ido a delegacia prestar

queixa do seu desaparecimento, uma vez que seus amigos voltaram e não

deram nenhuma notícia.

Quando meu avô regressou, percebeu que seu vizinho Alfredo Antônio Querino

havia se apoderado de alguns alqueires da fazenda Pindoba. O Intendente

Coronel João Veiga era aliado político de Alfredo e estava a seu favor. Então

meu avô decidiu suplicar a ajuda e proteção ao chefe dos jagunços que

lideravam aquela região, o Coronel Marcionílio Souza. Demorou muitos dias

viajando. Quando aproximou-se da cancela da fazenda, havia quatro jagunços

que lhe apontaram os rifles de repetição e o revistaram; meu avô lhes explicou o

motivo da sua presença e lhes mostrou a escritura da fazenda. Conduziram-no à

presença de Marcionílio e este para verificar a autenticidade das suas palavras

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fez uma série de perguntas e mandou que fosse aguardar num quarto

preparado para ele. Horas mais tarde, o chamou e fez as mesmas perguntas e

solicitou novamente que esperasse em seus aposentos. À noite, foi ao seu

encontro e o interrogou de maneira idêntica às anteriores e por fim, observou:

“Você não entrou em contradição e repetiu as mesmas respostas, logo está

dizendo a verdade!” Escreveu uma carta ao Intendente ordenando que

acertasse as divisas da terra. Este, ao recebê-la, disse que solucionaria o

problema, contudo, não tomou nenhuma providência. Meu avô retornou à

fazenda do Coronel Marcionílio e este enviou uma mensagem comunicando que

iria pessoalmente revisar a propriedade e seus homens destruiriam tudo o que

encontrassem pelos arredores de Jiquiriçá. Imediatamente, o Intendente

providenciou o deslocamento das cercas.

Em 1922, fizeram-se as últimas moedas de ouro de vinte mil e dez mil Réis.

Continuaram a circular as de prata de quatro mil, dois mil, mil, e, quinhentos Réis.

No mesmo ano surgiram moedas de bronze e alumínio valendo mil e quinhentos

Réis.

Meu pai trabalhava cultivando quiabo, pepino, fumo, feijão de corda, abóbora,

tinha vinte e cinco mil pés de café que ele catava e pisava; criando galinha e

uma porca que dava doze leitões; negociava todas estas coisas na feira,

inclusive, frango, ovos, etc. Desta maneira economizou dinheiro e adquiriu sua

primeira fazenda aos quatorze anos: pediu ao pai que lhe vendesse uma

fazendinha, encostada a dele. Ali havia uma casa coberta de telha e um ponto

de comércio (ambos feitos de adobo de barro: amassado, moldados em formas

de madeira e secos ao sol, e ligados com argamassa de cal e areia); estava

alugado.

Nesta época ele tinha um instrumento chamado berimbau: cortava um pedaço

de galho comprido, dava um talho e envergava como o arco que o índio usava

para se defender; o tocava em casa e o som era parecido com um zumbido.

Tinha um passarinho de estimação, um Suiá (espécie de Papagaio)... era verde,

com uma ponta vermelha na asa. Quando chegava da roça ele vinha voando e

pousava em seu ombro e beliscava delicadamente em seu rosto, como se

estivesse dando beijos. Porém, um dos cachorros que havia na fazenda o pegou

e estraçalhou. Meu pai chorou, pois havia se afeiçoado a ele.

Comprou um cavalo branco e muito se orgulhava dele; seu nome era “Periquito”.

Era esquipador, tinha puxada forte, ritmada, andava depressa.

Meu pai estava vendendo verduras, nas proximidades da estação ferroviária de

Jiquiriçá, quando viu um aglomerado de pessoas em frente de um vagão e foi

ver o que estava acontecendo. Observou que era um vagão-gaiola, que

geralmente transportava cavalos, bois, animais em geral e ali estava preso o

Coronel Marcionílio. Primeiro pegaram o filho dele, Trancolino, e o levaram como

refém, com a intenção de obrigar o pai a se render e após várias investidas e

lutas, entraram na fazenda e foi capturado. Coronel Trancolino acabou morrendo

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de tanto apanhar, quando tentavam forçá-lo a confessar seus delitos. O Coronel

Marcionílio por fim, ganhou a liberdade, mas perdeu seu prestigio e a liderança

dos jagunços.

Morava na fazenda Pindoba o empregado Andrezinho e este, certo dia,

convidou meu pai para ir com ele à casa da sua namorada em Bom Jesus, perto

do município de Mutuipe. Ali conheceu a vizinha dela, Alexandrina Eudóxio de

Souza (apelidada de “pombinha” por sua pele clara... era muito bonita), que viria

a ser sua esposa.

Estava em sua fazendinha derrubando caibros para construir um barraco,

quando ouviu um barulho ensurdecedor, que lhe pareceu algo monstruoso, os

demais fazendeiros também olhavam para o céu estarrecidos, no entanto, não

viam nada e todos saíram correndo para se esconder, com medo: depois

souberam que era um avião, o primeiro que passava por aquelas redondezas.

Depois de alguns meses tinha um roçado de feijão, milho, mandioca, coco,

capim, pasto, duas chácaras de laranja, etc.

Quando meu pai se casou, tinha vinte e dois anos e neste mesmo dia, contraíram

matrimônio a irmã de Alexandrina, Guiomar, com Gustavo. O padre realizou a

cerimônia na fazenda de Antonio Eudóxio de Souza (pai de Alexandrina). O

padrinho do noivo foi João de Oliveira.

Ninguém da família foi ao seu casamento, principalmente seu pai que estava

intrigado com ele por causa de uma amante. Naquele tempo não se casava no

civil.

Meu avô estava de caso com Maria Abrandina, apelidada de “Chichinha” que

era morena alta, mulher muito estranha parecia homem, machão, seu cabelo

era curtinho, enrolado (a mãe dela residia próximo à fazenda e ela tinha um filho

chamado “Crispin”). A propriedade era imensa e assim, minha avó, Epifania

Madalena passou a morar sozinha e meu avô Antonio, vivia com a Chichinha no

mesmo terreno, porém distante, na beira da estrada e ambos sempre vinham

maltratá-la. Antonio prendia os cabelos dela numa arca. Ao ver isso, meu pai se

revoltava e chamou a atenção do meu avô, este ficou aborrecido e correu atrás

dele com um porrete. Eles colocaram vários animais (cavalos, burros, éguas, etc.)

dentro das plantações do meu pai, arruinando-as, com o intuito de pressioná-lo

a sair dali.

Vendeu a fazenda e o cafezal que ele plantou na propriedade do seu pai, para

Serapião, um rico fazendeiro, por um preço muito inferior ao que realmente valia,

contudo, se permanecesse na fazenda, acabariam se matando. Viajou duas

léguas e comprou um pedacinho de terra na Cova da Onça, em Jiquiriçá,

contendo uma residência e uma casa de farinha cobertas de palha e alguns pés

de café. Cova da Onça estava localizada no meio da mata e havia muita

ladeira. Seus vizinhos eram: Gaspar, Felipe Rocha, compadre Vitor, Esperidião,

Avarino, Virgilio machado, Antonio Correia, etc. A Cova da Onça era duas

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fazendas encostadas, entretanto, os donos morreram e os herdeiros repartiram

em partes e foram vendendo.

A Revolução de 1930, ao golpear a estrutura coronelística, com o fim da

“República Velha”, a chegada das estradas e do progresso no sertão, marcou o

começo do fim do cangaço. Neste período, foi distribuído um cartaz que dizia:

“O governo do Estado da Bahia premiará com cinquenta contos de Réis ao civil

ou militar que capturar ou entregar de qualquer modo à polícia, o famigerado

bandido Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião.”

Em 1936, apareceram moedas de níquel no valor de trezentos Réis.

Um rapaz que trabalhava na roça de café do meu pai adoeceu com a “Bexiga

da peste” (Varíola). Meu pai pegou a doença, mas, apareceram poucos caroços

na pele e logo melhorou, no entanto, Alexandrina, adquiriu a enfermidade e

ficou em estado grave, o pior é que estava grávida, no fim da gestação,

esperando seu primeiro filho. As características deste mal são: febre alta, calor

intenso, mal-estar, dor de cabeça e nas costas, abatimento, começavam a surgir

erupções avermelhadas, que se manifestavam na garganta, boca, rosto e que

depois espalhavam-se pelo corpo inteiro e transformavam-se em pequenas

bolhas cheias de pus, que provocavam coceira intensa e dor, e depois secavam

e adquiriam a forma de crostas, que desprendiam-se ao final de três ou quatro

semanas.

No dia 10 de setembro de 1937 deu à luz a um menino, o qual foi dado o nome

de Manuel. Ele também contraiu a moléstia e nasceu soltando toda a pele. Para

tratar da esposa e do filho, ele cortava folhas de bananeira, passava no fogo e

fazia de cama e cobertor, pois não podia colocar pano em cima deles. Forçava-

os a beber bastante liquido e preparava uma mistura de cânfora, açúcar e leite

embebidos em algodão e passava no corpo; tentava amenizar ao máximo a

coceira e a dor causadas pela doença e esperava que o organismo reagisse.

Meu pai ficou três meses sem trabalhar, cuidando dos dois, mas o seu sacrifício

não foi em vão: eles foram curados. Naquela região não havia farmácias,

médicos, nem vacina. Todos temiam contrair a doença e os vizinhos “amarravam

gato e cachorro” para não chegar perto e ninguém se aproximava visto que era

contagiosa e pegava através de gotículas de saliva, objetos contaminados e

contato direto. Muitos foram mortos por discriminação dos próprios parentes, com

receio do contágio. Havia um lugar chamado “lazarino”, dentro da mata e

distante das casas, onde abandonavam ou enterravam as pessoas com esta

doença; não permitiam sepultá-las no cemitério. A varíola foi considerada

erradicada pela Organização Mundial de Saúde em 1980.

Em 1938, Lampião e Maria Bonita e onze cangaceiros, emboscados, morrem no

sertão do Estado de Alagoas (Sergipe) na Fazenda do Angico, pelas mãos do

tenente João Bezerra e sua volante (tropa policial que combatia os cangaceiros

no sertão), recebendo o premio oferecido pelo governo do estado da Bahia.

Lampião e os cangaceiros capturados tiveram as cabeças decepadas e foram

expostas de município em município nos Estados nordestinos e no sul do país (uma

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maneira psicológica de reprimir e intimidar os simpatizantes do cangaço),

permanecendo depois no Museu Antropológico Estácio de Lima (Nina Rodrigues),

localizado em Salvador (Bahia), por trinta anos. Em 1969, finalmente foram

sepultadas.

Meu pai resolveu resgatar Epifania, sua mãe, da humilhação e do sofrimento que

sofria em seu próprio lar, mas seu pai não permitia que ele a levasse, dessa forma,

suplicou ao Coronel Manuel Bonfim, delegado de Jiquiriçá, que lhe desse dois

policiais para escoltá-lo. Conseguiu realizar seu intuito sem problemas, pois seu pai

não estava em casa e a conduziu para sua residência na Cova da Onça (depois

esse comentou muito bravo, que se ele estivesse lá, não a teria deixado sair).

Alexandrina e meu pai tiveram mais três filhos: Silvanisio (04/10/1938- 28/04/2004),

Alaíde (04/12/1939) e José (07/07/1940). Sua esposa que estava grávida do

quinto filho, morreu no parto, nascendo uma menina a qual foi dado o nome de

Alzira.

Quando Alexandrina partiu desta vida, lhe restou apenas os filhos e mais nada,

porém, não perdeu a fé em Deus, não esmoreceu, nem se desesperou. Apesar

dos deboches e comentários negativos, trabalhou com a certeza de que

recuperaria tudo novamente. Ele sempre foi um homem decidido e corajoso.

Embora não saiba ler, nem escrever, seus projetos dão certo, pois tem a direção

de Deus.

“Ao homem que teme ao Senhor, Ele o instruirá no caminho que deve escolher.”

(Salmo 25:12). “Esforça-te e tem bom ânimo. Não pasmes, nem te espantes,

porque o Senhor teu Deus é contigo por onde quer que andares.” (Josué 1: 9)

Em 1940, termina o cangaço com a morte de Corisco, o Diabo Loiro, o último

sobrevivente do bando de Lampião, que tentou assumir o lugar de chefe dos

cangaceiros. Nesta época o “Coronelismo” já estava praticamente extinto. O

controle eleitoral pelo Judiciário e o voto secreto também diminuíram os poderes

dos “Coronéis” (na Primeira República o controle eleitoral era exercido pelo

Legislativo). O aumento do quadro policial retirou dos “Coronéis” o poder de

repressão que antes possuíam.

Não dispunha de recursos para cuidar da menina recém nascida e por isto a

deixou com a comadre “Lora”, que morava no município de Araçás, perto de

Mutuipe. Quando Alzira completou sete anos, foi mordida por uma cobra e

morreu... Levou sua mãe e seu filho José para viverem temporariamente com

Alípio, em Jiquiriçá. Cinco dias após o enterro de Alexandrina, ele arrendou o

terreno com a intenção de ir a Bananal (localizado no município de Nova

Canaã) encontrar seu sogro, Antonio Eudóxio, que havia se mudado para lá. Em

seguida, foi em Jiquiriçá registrar os filhos, seguindo de trem (na locomotiva a

vapor Maria Fumaça) para o município de Jequié com Manuel, Silvanisio e

Alaíde. De Jequié, colocou os filhos num caminhão de carregar mercadorias e

passageiros e que funcionava a “gasogênio” (foi trazido ao Brasil em 1941,

quando houve racionamento de combustível; era um tambor enorme que havia

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na carroceria, com fogo e carvão que ia para o motor) e seguiu rumo ao

município de Poções. Partiu às seis horas da manhã e ás vinte e três horas

chegaram em Poções encharcados por causa da chuva forte; hospedou os filhos

numa pensão e continuou a viagem sozinho. No interior da Bahia havia um

reduzido número de habitantes e era cheio de mata. Eram vinte léguas de

estrada ruim de Poções a Bananal a pé. Aproximou-se do Rio Grande tarde da

noite (está situado no meio do caminho que vai para Nova Canaã) e pediu

abrigo e alimento a um proprietário de um barraco. Ao amanhecer, este senhor

ao saber do seu destino, informou que o temporal do dia anterior ocasionou uma

enchente e o rio do Vigário subiu e alagou toda a região e como este rio

geralmente era raso, as pessoas o atravessavam a pé e por este motivo, não

havia ponte. Acompanhou-o até o rio e amarrou a extremidade de uma corda

em uma árvore que estava no lado direito, nadou até a margem esquerda e

prendeu a outra ponta num tronco. Meu pai não sabia nadar e ficou muito grato

pela ajuda. Passou segurando a corda e em seguida desatou o nó e o senhor a

puxou de volta. Em Bananal, esperou o rio baixar, procurou seu sogro, lhe pediu

emprestado alguns burros e voltou a Poções para buscar os filhos.

Ficou morando com os filhos num terreno que pertencia a Antonio Eudóxio,

trabalhando e economizando dinheiro; ali havia um barraquinho. Nesse período,

comia palmito, coco de andaiá... Depois alimentava-se comprando toucinho,

saco de chuchu, fubá... (a distância até o comércio era quase uma légua),

plantava café, abóbora, mandioca, feijão, arroz e milho, negociava esses

produtos também. No princípio, saía de manhãzinha para ir derrubar a mata,

fazer a roça e retornava à noite, cansado e deitava no chão, porque não tinha

cama. Decidiu então, vender o terreno da Cova da Onça. Lutou muito para não

deixar seus filhos morrerem de fome. Quando seu sogro faleceu, o local onde

residia passou a ser seu por herança e graças às suas economias pôde adquirir a

parte das irmãs de Alexandrina (Guiomar e Lalá), na época as duas eram vivas.

Porém, o marido da Lalá, João Ferreira, tentou agir com esperteza: ele já havia

embolsado todo o valor acertado, mas disse que somente daria a escritura se

recebesse a safra de café que estava lá, catado e pilado. Esse senhor trouxe o

documento um dia antes do combinado do descarregamento da colheita e

assim, foi buscar o café e como meu pai se recusou a cumprir o trato, brigaram e

por pouco não se feriram, rolaram na grama e João Ferreira estava armado com

facão e uma pistola, por sorte, chegou um rapaz chamado Antônio e apartou a

briga. Seu cunhado foi embora e a história terminou aí, pois o café era do meu

pai e ele queria roubá-lo.

Contudo, houve outro desentendimento por causa desta propriedade: meu pai

foi medir o terreno e verificou que estava faltando dois alqueires e percebeu que

estava dentro da fazenda do vizinho, Joaquim Mendonça (era a parte da

segunda mulher de Antonio Eudóxio e que havia sido vendida para um rico

fazendeiro). Pôs a cerca na demarcação correta e o fazendeiro entrou em

questão com ele e mandou um índio valente para matá-lo: ele foi de noite e

rodeou o barraco onde morava meu pai, estava chovendo e no dia seguinte viu

uma carreira de pegadas e ele havia arrombado o depósito de cereais. Por

acaso, Joaquim Mendonça tinha ido a Poções e meu pai também, cada um ia

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por uma estrada diferente, mas logo adiante os caminhos se encontravam e se

fundiam num só. Meu pai o viu sem ser visto e se escondeu atrás de um pé de

Jequitibá antigo, com um tronco muito grosso e empurrou sua mula na frente do

burro que ele vinha montado, fazendo com que ambos caíssem num buraco;

tomou o rifle de repetição que ele trazia e seguiu para Poções e foi falar com o

advogado do Joaquim, o Dr. José Sabino Costa (também era Promotor Público).

Este, era amigo do meu pai, que lhe entregou a arma e contou o que houve,

justificando que apenas queria dar um susto nele. Mas a briga das terras durou

aproximadamente dois anos, quando por fim, Joaquim resolveu analisar as

documentações e fez a medição, vendo que de fato, havia um pedaço a mais e

permitiu a recolocação das cercas.

Comprou uma fazenda de alambique e engenho (era movido por bois e as

moendas eram de madeira), próximo de onde morava, com plantações de

cana-de-açúcar e capim. Fabricava aguardente (cachaça) e vendia para os

comerciantes da região.

Em 1942, o “Cruzeiro” tornou-se a nova moeda nacional.

Casou-se com Áurea Muniz de Matos, natural do município de Nova Canaã. Filha

de Fulgencio Rodrigues de Matos, e, Isabel Muniz de Matos. Conheceu-a na casa

de Euflosina Matos, sua tia, com quem ela morava. Casaram-se no dia 28 de

novembro de 1944, no município de Iguaí. Meu pai tinha trinta e dois anos e

Áurea dezoito. Tiveram três filhos: Enoque, Maria da Glória (28/11/1947) e Maria

José.

Estava limpando o cafezal junto com seu filho Manuel, quando este lhe pediu

para que conseguisse um emprego para ele no comércio. Foi a Nova Canaã e

falou com o velho Vital, proprietário de um bar que o empregou. Após dois meses

tudo corria bem, até que ele foi lavar um copo, e este escorregou, caiu no chão

e quebrou. O velho Vital lhe disse que ele só prestava para a roça. Manuel se

aborreceu e foi embora imediatamente. No outro dia, o comerciante foi buscá-

lo, mas Manuel se recusou a retornar. Passados três dias, veio à sua casa seu

amigo Teobaldo, dono de uma loja de roupas na Vila Periperi (está situada

próximo aos municípios de Vitória da Conquista e Poções; atualmente é um

município e chama-se “Planalto”. Área: 815 km².) e ao saber que Manuel estava

desempregado o levou para trabalhar com ele... como era longe, Manuel passou

a dormir na residência desse senhor. Após alguns meses ele conversou com o pai,

lhe contou que aprendeu a negociar, pois estava a seu encargo não somente a

parte das vendas, como também o setor administrativo.

Meu pai saiu com o intuito de vender sua safra de café, quando encontrou o seu

vizinho, o delegado Antônio Teles na cancela da sua fazenda ouvindo rádio e lhe

deu a notícia de que o Presidente Getúlio Vargas, enfrentando forte oposição,

resolveu o impasse político suicidando-se com um tiro no coração, no Palácio do

Catete (Rio de Janeiro), a 25 de agosto de 1954.

Seguiu seu percurso e foi à fazenda do compadre Bruno, que era o único que

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comprava café naquela região, pois somente ele tinha tropas de burro para

transportar a colheita e revender. Meu pai queria vender sua colheita por um

determinado valor, mas o compadre queria pagar menos, porém lembrou-se de

que o presidente havia morrido e que provavelmente isto abaixaria a cotação do

café e aceitou o valor oferecido. Dito e feito: os preços caíram

consideravelmente! No dia seguinte foi a Nova Canaã e comprou um ponto

comercial com mercadoria do senhor Canuto... Trouxe Manuel para organizar as

coisas e inaugurou o comércio de secos e molhados. No início, os conhecidos

diziam que ia ter prejuízo, que não iria para frente porque o proprietário anterior

ficou tanto tempo naquele lugar e não progrediu e além disso, estava mal

localizado, num canto da rua, longe do centro, na Rua da Mamona (atual Rua

do Pombal). Mas meu pai teve a ideia de colocar no fundo da loja uma mesa

com vinho, café, cachaça, pão, biscoitos, bolos, etc., então as pessoas vinham

comer algo e adquiriam os produtos. Assim, o negócio prosperou e deu muito

lucro. Após seis meses, vendeu aquele ponto e alugou outro na Rua da Feira, no

centro.

Mudou-se para Nova Canaã, uma vila com muita mata. Nova Canaã originou-se

da fazenda pertencente a Love Rodrigues Matos (tio de Áurea) que estava

localizada no município de “Água Fria” (município criado em 1727) e depois

juntou também a fazenda do seu irmão, Bernardino Rodrigues Matos que era

pegada a dele. O município de Nova Canaã iniciou a ser construído em 1942.

Popularmente se diz que este município foi fundado para ser uma comunidade

evangélica, porém a verdade é que seus fundadores eram evangélicos e o

pastor da igreja que frequentavam era professor na fazenda de Bernardino e

assim, as pessoas absorveram suas crenças e por isto hoje em dia, a maioria dos

habitantes de Nova Canaã são evangélicos. Atualmente, o comércio se

multiplicou, contudo apenas saiu do estado selvagem, não se desenvolveu. Na

entrada da cidade há um portal escrito: “Bem-vindos a Nova Canaã a Terra

Prometida”. Foi oficialmente instalada em 07.04.1963. Área: 682 km².

A luz dos lampiões a gás aos poucos foi substituída por pequenas redes elétricas

de iluminação.

Três anos depois decidiu vender as duas fazendas.

Costumava ir com Manuel a Vitória da Conquista para comprar mercadorias

para suprir o estoque do comércio e sempre se hospedava na pensão de Dona

Maria. Em uma dessas ocasiões, havia acabado de chegar com o propósito de ir

a Salvador, quando esta senhora lhe sugeriu que fosse ao Estado de São Paulo,

pois poderia aproveitar carona de um caminhoneiro que se dirigia para lá e que

estava pernoitando ali. Ela conversou com o motorista e se responsabilizou por

eles, uma vez que ele ficou receoso de transportar pessoas estranhas. Antes de

partir, meu pai foi a casa de um amigo, Gardino Vieira, que era um influente

comerciante e pediu que lhe desse uma carta de recomendação, mas este não

conhecia ninguém neste Estado, no entanto, o apresentou a um amigo que

negociava com vários empresários paulistas. A viagem a São Paulo foi cansativa,

chovia muito e a estrada era péssima... demoraram uma semana viajando e

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chegaram enlameados. Hospedaram-se no Hotel dos Motoristas, muito simples;

após tomar banho e descansar, pegaram um táxi e foram a Avenida São João,

ao apartamento do senhor a quem deveriam entregar a carta. Este foi logo

perguntando se era parente do remetente e meu pai achou melhor responder

que sim, e desta forma ele lhe serviu de fiador nas melhores fábricas (comprou

alumínio, louças, vassouras, machados, foices, enxadas, etc.). Este senhor

recomendou que mudasse de hotel, pois onde estavam hospedados tinha fama

de haver ladrões nas redondezas e assim foi para o Hotel Matias, na Rua Vinte e

Cinco de Março. No dia seguinte, acordou cedo e passeava em frente ao hotel

quando abriam as portas de uma loja e ele se deteve olhando a vitrine e

apareceu um italiano alto e gordo e perguntou se desejava alguma coisa e este

lhe explicou que vinha da Bahia. O comerciante comentou que o seu sócio,

Vicente, também era deste Estado e meu pai pediu para chamá-lo. Este surgiu

na porta nervoso e irritado, pois estava muito ocupado e então meu pai o

reconheceu e exclamou que o conhecia e este respondeu que nunca o tinha

visto. Meu pai lhe disse: “Vicente, você não é de Jiquiriçá, neto do velho Zé Nero?

Foi ele quem te criou, pois seus pais haviam morrido e sua irmã se chamava

Maria. Todos os domingos você ia na fazenda do meu pai para brincar comigo e

comer frutas!” O amigo sorriu e o abraçou: “O que você está fazendo aqui?”.

Meu pai lhe contou da dificuldade que estava tendo para recolher as

mercadorias, porque naquele tempo não se podia estacionar quando quisesse,

havia hora marcada e isto atrapalhava, uma vez que estava comprando em

lugares muito distantes um do outro. Vicente lhe deu seu cartão de visitas e o

instruiu que solicitasse que entregassem os embrulhos no armazém dele e assim

poderia realizar um único apanho. Encontrou um rapaz que era cunhado de

Antonio Teles, o delegado de Nova Canaã, e fretou o caminhão dele para levar

as mercadorias até o município de Vitória da Conquista. Chegando ali fretou

outro veículo para Nova Canaã. Passou a ir a São Paulo com este mesmo intuito

de dois em dois meses.

Nessa época, ele comprou seu primeiro rádio e naquele tempo não era um

produto encontrado com muita facilidade nas cidades do interior.

Havia ido a São Paulo com Manuel comprar um jipe e vários pacotes de cigarros,

e levou tudo sem pagar imposto, inclusive o veículo. Porém, quando passavam

pelo posto de fiscalização próximo a Aparecida do Norte tiveram que parar e

pediram as notas fiscais dos produtos e do jipe; logo ficou claro que era

contrabando e tudo ficou retido. Próximo dali havia um bar e um dos guardas

estava sentado sozinho e distraído. Meu pai aproximou-se dele e o convidou para

tomar uma bebida e lhe perguntou quem era o chefe e este respondeu que ele

estava em outra cidade e lhe explicou o endereço e indicou o ônibus para

chegar até lá. Meu pai lhe prometeu uma gratificação se ele se comprometesse

a vigiar o jipe e os cigarros. Chegou no hotel onde ele morava no fim da tarde; o

proprietário do estabelecimento lhe explicou que ele saia todo dia de

manhãzinha e só retornava à noitinha. Ao amanhecer, ficou próximo à porta do

quarto dele, esperando que saísse e quando isto aconteceu, o abordou e disse

que tinha algo muito importante para tratar com ele. Entraram no quarto e meu

pai lhe suplicou tentando ser o mais convincente possível: “Coronel, eu não

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entendo de lei, sou da roça, do interior da Bahia. Comprei um jipe e alguns

cigarros para ajudar em meu negócio de secos e molhados, mas eu não sabia

que tinha que ter documentos... quem me vendeu não me explicou nada.” Então

o chefe o chamou para tomar café, pagou a conta do hotel deles e os levou de

carro até onde havia sido feita a apreensão e lhe devolveu o jipe e os cigarros.

Porém, informou que não poderia isentá-lo da multa e que seria enviado para ele

e anotou o endereço do meu pai.

Foi a Jiquiriçá, a casa de Alípio, buscar sua mãe e seu filho, José.

Meu pai e Manuel estavam num jipe dirigindo-se a Poções e subiam uma ladeira

e viram duas pessoas num carro atolado na lama (naquela época meu pai era

uma das poucas pessoas que possuíam jipe com corrente nas rodas) Ele entrou

no meio do lamaçal, colocou pedras debaixo das rodas e mandou ligar o motor;

o motorista mostrou-se muito grato e se apresentou dizendo que era o Juiz Dr.

Jofre Valmório de Lacerda e depois desse dia eles se tornaram grandes amigos.

Em outra ocasião, meu pai se dirigia ao município de Itabuna numa Rural Willys

(caminhonete) e se atolou; passou um senhor que era um fazendeiro muito rico e

não prestou auxílio e ele ficou ali até o dia seguinte, quando passou uma pessoa

e finalmente o socorreu. Alguns meses depois, seguia meu pai e Manuel para

Poções, chovia muito e eles encontraram um casal num carro atolado. Meu pai

os ajudou a sair do atoleiro e depois o homem agradeceu, mas meu pai

respondeu que ele não valia nada, porque da vez passada, este senhor passou

direto e o ignorou.

Estava numa venda quando chegou um conhecido de Jiquiriçá e lhe contou

fatos que haviam se passado muitos anos atrás: seu irmão Alípio sofreu uma

tentativa de assassinato e seu pai ficou três dias preso como suspeito e confessou

ter mandado o enteado matar o filho (por usura dos seus bens). Foi o maior

escândalo em Jiquiriçá! Crispin ficou seis meses encarcerado. O facão pegou nos

dois dedos da mão e na cabeça de Alípio e este foi ao município de Ubaíra para

se tratar e sobreviveu. Meu avô e a Chichinha venderam a Fazenda Pindoba

com o objetivo de tirar Crispin da cadeia e, como a opinião pública era contra a

soltura, meu avô mandou soltar fogos de artifícios para mostrar a todos que havia

sido vitorioso. Depois de algum tempo a Chichinha morreu com uma doença

grave e seu pai estava passando fome. Fazia muitos anos que havia saído de lá e

desde então, não teve nenhuma noticia. Estava caducando e morando sozinho

num barraquinho na beira da Fazenda Pindoba. Foi imediatamente buscá-lo e o

trouxe para sua casa.

“Honra a teu pai e a tua mãe, para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a

terra.” (Efésios 6: 1-3)

Passado alguns anos, comprou o sobrado que ficava em frente ao seu comércio.

Mudou-se para o pavimento superior e transferiu sua loja para o térreo, porém,

decidiu ser comprador de café.

Tornou-se um comerciante de café de grande prestígio. A empresa se chamava

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MOTA E FILHOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE CAFÉ. Compunham a

sociedade meu pai, Manuel, Silvanisio e Moisés (casado com a prima do meu pai,

que era filha da irmã do meu avô, Maria). Tinham filiais nos municípios de Nova

Canaã, Iguaí, Bicui, Itajaí, Poções e Ponte Nova (MG). No Rio de Janeiro

(Copacabana), tinham um escritório no Beco do Bragança, Manuel ficou lá e

ele, em Poções; em Nova Canaã, Silvanisio; Alaíde casou-se com Pedro Andrade

e entrou para o comércio também, em Itajaí. Tinham diversos empregados, na

maioria, mulheres. O café era adquirido de vários fazendeiros de toda a Bahia...

chegavam em sacos, nos lombos de burros por tropas de lotes de dez a vinte

animais dirigidos por tropeiros ou em caminhões; houve uma ocasião que

estocou setenta mil sacos de uma só vez. Possuíam três maquinários (um em

Poções, Nova Canaã e outro em Ponte Nova (MG)) para o processo de seleção:

jogava-se o café dentro das máquinas e as pedras, ciscos, palhas e os quebrados

saíam de um lado e o caroço bom, noutro lado. A seguir os grãos passavam para

as mãos das catadoras, a fim de garantir a qualidade do mesmo, ou seja, que

estaria cem por cento livre de impurezas e, só assim o produto era ensacado

definitivamente (cada saco pesava sessenta quilos) e ia rumo ao Rio de Janeiro

para o embarque no porto, pois o café já estava vendido... ia tudo para o

estrangeiro: Estados Unidos, Itália...

Dentro do armazém de café, em Poções, na Rua de Morrinhos, havia uma

fábrica de aguardente. Para a produção, compravam um caminhão de álcool

vindo do Estado de Pernambuco. Havia um compartimento fechado com

tampa, onde eram misturados: cinquenta latas de álcool, dez latas de água e um

arroba de açúcar branco (quinze quilos) e ali ficava fermentando por oito dias. O

nome da cachaça era “Branquinha” e vendia muitos barris para toda a Bahia.

Meu pai havia chegado de viagem a São Paulo e Áurea lhe contou que sua

mãe, Epifania, estava preocupada, perguntando toda hora por ele. Foi ao quarto

dela, mas estava dormindo. Sua mãe estava bem velhinha, não enxergava

direito, não tinha firmeza nas pernas, sua memória estava debilitada e não se

recordava de muita coisa. Foi vê-la de manhãzinha e ela o abraçou chorando e

ele sentou na beirada da cama e ela colocou a cabeça no seu colo; meu pai

acariciava seus cabelos carinhosamente e conversava com ela, mas ao notar

que não respondia, percebeu que havia morrido.

No dia 21 de abril de 1960 foram a inauguração de Brasília, meu pai, Áurea,

Manuel, Enoque, Maria José e Maria da Glória. Brasília está localizada no Distrito

Federal, na região Centro-Oeste no Brasil. O slogan do presidente Juscelino

Kubitschek era: “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo". Era o

último ano do mandato deste presidente que durante toda a campanha

presidencial defendeu a criação da nova capital do país. Em 1548 a capital do

Brasil estava localizada em Salvador, no Estado da Bahia. Em 1808, com a

chegada da família real, o Rio de Janeiro torna-se a sede do governo português;

após a independência, a cidade continua como capital. Quando chegaram, à

festa da inauguração já havia terminado, mas teve o prazer de conversar com o

Juscelino. As construções dos monumentos da cidade, não estavam totalmente

concluídas. Ficaram quatro dias por lá, e o seu objetivo era comprar um terreno,

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mas, não encontraram nenhum a venda e foi informado que nos Estados de

Goiás e São Paulo, havia algumas pessoas que estavam revendendo terrenos.

Então, dirigiu-se para estes dois lugares, mas já estava tudo vendido e assim,

terminou a viagem no Estado do Rio de Janeiro, onde aproveitou para visitar os

pontos turísticos, retornando depois a Nova Canaã.

Meu pai mudou-se com a família para Poções, morando na Rua de Morrinhos, ao

lado do seu armazém.

Poções limita-se com os municípios de Boa Nova e Iguaí ao Norte, Nova Canaã

ao Leste, com Bom Jesus da Serra a Oeste e Planalto ao Sul. O nome Poções vem

da existência de grande quantidade de poços na parte baixa da cidade, onde

hoje é o centro. Em 1857 - Criação do Distrito de Poções, pertencente à

Conquista; 1880 - É elevada à categoria de Vila dos Poções; 1883 - É fundado o

Município de Poções. Nomes anteriores: Distrito de Vila de Poções, Poções,

Djalma Dutra em 1943 e novamente Poções em 1947, após os movimentos feitos

por Poçoenses que não aceitaram a nova denominação. Área: 966,3 km².

A empresa MOTA E FILHOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE CAFÉ, doou a Igreja

do Divino Espírito Santo de Poções, o sino; na época quem administrava esta

igreja era o padre Honorato.

Seu pai estava a cada dia mais difícil de lidar, pois estava completamente fora

do juízo e quebrava as coisas dentro de casa, assim, foi necessário construir um

quarto para ele, do lado de fora da casa, mesmo assim, uma vez ele arrebentou

a porta e saiu correndo em disparada e foram encontrá-lo caído numa poça de

lama.

Procurando diversificar a cultura, o governo de Castelo Branco (1964-1967),

passou a incentivar a derrubada de plantações de café com baixa produção,

substituindo-as por lavouras mecanizadas e de maior rendimento. Naquela

época o café era o principal produto cultivado no Brasil, então o governo queria

diminuir a produção para aumentar o preço que era barato demais e assim

pagava para queimar o café, ou seja, havia uma pessoa responsável para este

procedimento, geralmente a polícia, e a pessoa interessada em vender o café

levava todos os documentos para provar a legalidade do mesmo (impostos

pagos, etc.). Todo o café comprado era enviado para um ponto entre os

municípios de Feira de Santana e Salvador (na mata) e era tudo queimado.

Então, vendeu todo o seu estoque e encerrou o comércio de café; mas, até hoje

ele acompanha no noticiário da TV a cotação do café.

Meu pai passou a comprar e vender arroz e fumo. O cereal era comprado direto

dos fazendeiros, já ensacados, em São Luís (foi fundada pelos franceses em 1612

e recebeu este nome em homenagem ao rei Luís XIII) e Bacabal (era uma

pequena cidade com muito areal, não tinha hotel e havia vários pés de mangas

na rua e era muito longe da capital; o nome deveu-se a grande quantidade de

bacaba, coco selvagem, existente na localidade quando de sua fundação),

ambos localizados no Estado do Maranhão; revendia para os comerciantes do

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Estado da Bahia. O arroz comprado em Bacabal era transportado através de um

barco, na lotação de 110.000 sacos e devido ao peso do carregamento e o

barco ser pequeno, meu pai ficava com medo que a embarcação afundasse,

(uma vez, por pouco, quase afundou) e chegavam a São Luís em dois dias. O

fumo era comprado nos armazéns e depois era enfardado e vendido para a

empresa Tabacalero nos municípios de Feira de Santana e Salvador.

Manuel teve a ideia de que todos fossem ao município de Governador

Valadares, no Estado de Minas Gerais, pois, segundo ele, “ali era um lugar que

corria dinheiro”, e mudaram de ramo de negócios e de cidade.

Governador Valadares está situada no leste do Estado de Minas Gerais. Ao longo

do tempo a cidade teve vários nomes: 1734 - Arraial de Porto de Dom Manuel;

1808 - Porto das Canoas; 1888 - Santo Antonio da Figueira; 1889 - Distrito De Santo

Antônio do Bonsucesso; 1923 – Figueira; 1937 - Figueira do Rio Doce; 1938 -

Governador Valadares. A cidade, localizada no vale do Rio Doce, é quase

totalmente plana. Começou a surgir com a subida do Rio Doce pelos

bandeirantes e comerciantes canoeiros que vinham do Espírito Santo, no início do

século XIX. Em 1910, instalou-se a estação ferroviária local. Área: 2.447 km².

Alugaram uma sala no primeiro andar de um prédio, depois pagaram aos demais

ocupantes deste pavimento para desocuparem as salas e derrubou todas as

paredes e assim, foi inaugurado o Supermercado Canguru. Abriu uma filial do

supermercado debaixo do Hotel Pitangui e tinha um depósito de mercadorias na

Rua São Paulo. Manuel criou um logotipo para a empresa com o nome

CANGURU, porque aquela parte do carrinho onde se coloca as compras parece

com a barriga do Canguru e o local onde o cliente segura o carrinho parece

com a frente desse mamífero australiano.

Meu pai havia ido ao município de Teófilo Otoni buscar suas filhas Maria José e

Maria da Glória na escola e ao chegar, perguntou a Alaíde como estava seu pai

e ela disse que havia lhe dado banho e a janta. Quando ele entrou no quarto,

seu pai estava sentado diante da mesa, segurando o garfo e a faca. Ao se

aproximar dele, percebeu que havia morrido.

Depois que mudou-se para Governador Valadares, a família já não se entendia

como antes. Desentendeu-se com a Áurea. Moravam num apartamento e ele

estava no quarto deitado refletindo sobre sua vida, quando entrou Áurea e lhe

disse que era melhor cada um dormir em quartos separados a partir daquele dia

e então ele respondeu que o ideal é que se separassem definitivamente e

arrumou as malas e foi embora... decidiu ir à casa da sua filha Alaíde, que

morava num bairro próximo dali. Foi dormir sem saber o que ia fazer da sua vida.

Sonhou que uma luz forte (que ele, por ser católico, interpretou como sendo

Nossa Senhora), lhe dizia que deveria pegar o primeiro trem e ir para Vitória e um

ônibus para Guarapari, no Estado do Espírito Santo. Despertou de madrugada,

ficou impressionado com o sonho e sem conhecer ninguém naquela região, fez

as malas e partiu. Alaíde ainda perguntou: “Por que o Senhor acordou tão

cedo?”, “Vou para Vitória”, “O Senhor conhece Vitória?”, “Quem tem boca vai a

Roma”.

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“Ora, não sabeis o que acontecerá amanhã. O que é a nossa vida? É um vapor

que aparece por um pouco, e logo se desvanece.” (Tiago 4: 14)

Guarapari começou a ser colonizada pelo padre José de Anchieta, em 1585. Seu

desenvolvimento se deve a descoberta da areia monazítica em suas praias. Está

situada a 54 quilômetros de Vitória. Guarapari recebeu os seguintes nomes:

Aldeia de Rio Verde ou Santa Maria de Guaraparim, Vila dos Jesuítas,

Goaraparim, Guaraparim e finalmente Guarapari, que é derivado de duas

palavras de origem indígena: o prefixo Guará = garça e o sufixo Pari = armadilha

de caça. É conhecida como a "Cidade Saúde", devido as propriedades

medicinais de sua areia monazítica. Área: 606 km².

Na Rodoviária de Vitória (capital do Espírito Santo), enquanto esperava o ônibus

para o município de Guarapari, fez amizade com Antonio Valentim Rodrigues e

sua esposa Filipina da Silva Valentim, que residiam no bairro Muquiçaba, em

Guarapari e assim, ficaram conversando durante a viagem e este senhor

convidou meu pai para passar uns tempos na casa dele. Valentim era um

homem muito rico e tinha muitas lojas e apartamentos alugados no Rio de

Janeiro e em Guarapari. Incentivou meu pai para entrar no comércio de compra

e venda de lotes (imobiliária). Com o dinheiro que trouxe de Governador

Valadares, comprou três lotes. Montou um escritório em Muquiçaba e assim

chegou a ter dez lotes.

Em 1967 a desvalorização do “Cruzeiro” levou a criação do “Cruzeiro Novo”.

Viajou a Poções e lá, por acaso, encontrou-se com José Correia dos Santos, este

ao saber da separação com a Áurea ofereceu uma das suas filhas para que ele

desposasse (Egilda ou Maria do Carmo). Meu pai lhe disse que veio a esta cidade

para receber um dinheiro, mas depois iria a sua casa no município de Itororó

(vem do tupi e significa “pequenas cachoeiras”). Com quinze dias cumpriu o

prometido e decidiu escolher Maria do Carmo, pois já a conhecia de vista. Ela

porém, estava trabalhando na casa de uma prima no município de Votorantin.

Fretou um jipe, chamou o irmão dela, Antônio, e foram buscá-la. A prima não

queria que ela fosse embora, no entanto, a deixou partir. No caminho explicou-

lhe sua intenção de viver maritalmente com ela. Ela aceitou. Reuniu-se com os

pais dela, José Correia dos Santos e Anita Leal dos Santos e foram num advogado

e fizeram um documento reconhecido em Cartório oficializando este acordo: era

02 de março de 1967. Ela tinha dezoito anos e ele cinquenta e cinco anos.

Seguiram para Vitória da Conquista e comprou-lhe roupas novas seguindo para o

município de Monte Santo, onde passou uma semana na casa de Rimoaldo

(sogro de Silvanisio), retornando a Guarapari. Permaneceu na casa de Valentim

por seis meses e mudou-se para a casa de praia de Nilson em Muquiçaba (um

farmacêutico que conheceu na Praia do Morro) e permitiu que ele morasse ali

por quatro meses sem pagar nada. Alugou um apartamento todo mobiliado por

um período de um ano. Desta união nasceram: Rosilda (1968 - Valentim foi seu

padrinho de batismo), eu (Rosimeire), (1969) e Robson (1971-1991).

Meu pai sempre estava em contato com seus filhos, parentes e amigos.

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Estava em casa, descansando, quando ouviu pelo rádio a notícia de que o ex-

presidente Castelo Branco morreu num acidente aéreo... era o dia 18 de julho de

1967 (deixou o governo em 15/03/1967); o aparelho em que viajava chocou-se

em pleno ar com um jato da FAB.

A sentença do desquite de meu pai e Áurea foi proferida pelo M. M. Juiz da

Comarca de Governador Valadares (MG), em 18 de junho de 1969 e confirmada

pelo Egrégio Tribunal de Justiça daquele Estado. Segundo consta, os conjugues

foram ouvidos em separado e exortados a reconciliação, sem que desse

resultado.

Com um ano, tinha uma fazenda na localidade de Jaqueira com vinte alqueires

de primeira qualidade, com trinta vacas de leite e criação de peixe e que se

chamava Fazenda Rio Grande (tinha este nome devido a um rio imenso que

cortava toda a propriedade). Assim, os pais de Maria do Carmo e seus irmãos

(Egilda, Antônia, Antônio e Elizeu) vieram para Guarapari morar com eles.

Trocou um lote na Praia do Morro, em Guarapari, por um terreno de 3.000 metros

no bairro Aribiri, no Município de Vila Velha.

Em 1968, veio para o município de Vila Velha e fixou residência no bairro Aribiri

(palavra indígena que significa barata d água, cujo habitat natural são as

pedras existentes no rio com este mesmo nome). A região já foi um quilombo de

escravos e foi transformada em povoado em 1910, em decorrência do projeto da

linha de bondes. Morava ao lado do Posto Sete, na antiga Rua Estrada Velha, n.º

67, atual Rua Emydio Ferreira Sacramento. Nos fundos de nossa casa havia muitas

árvores: fruta-pão, goiaba, pau-brasil, cacau, etc. De quando em quando

apareciam muitos vaga-lumes e borboletas coloridas (amarelas, brancas, etc.).

Cortou as árvores e construiu uma casa. Alugou a casa da frente e nos mudamos

para a nova. Os fundos deste terreno saia na Rodovia Carlos Lindemberg, assim

construiu quatro lojas. Com o tempo, construiu em cima da casa da frente e nos

mudamos para ali, alugando a anterior. Onde era a garagem fez um ponto

comercial.

Vila Velha é a cidade mais antiga do Estado do Espírito Santo, berço da

civilização capixaba. Em 1534, Vasco Fernandes Coutinho, em Alenquer

(Portugal), recebeu a carta regia que o tornava donatário de uma capitania, nas

terras brasileiras. Ele desembarcou com sua caravela Glória em 23 de maio em

1535, onde hoje é a prainha... era domingo do Espírito Santo (ou Pentecostes, 50

dias após a Páscoa), razão pela qual a capitania recebeu o nome de vila do

Espírito Santo. Quando a sede da capitania foi transferida para a ilha de Vitória

(para fugir dos constantes ataques dos índios Goitacazes... aliás, justamente por

ter conseguido vencer a batalha com os índios é que esta ilha passou a se

chamar "Vitória"), por volta de 1550, a vila do Espírito Santo passou a ser chamada

de VILA VELHA. O nome tornou-se oficial para designar o município em 1958.

Possui belíssimas praias, com destaque para a Praia da Costa, uma das mais

procuradas em todo o Estado. Seguindo para o Sul, chega-se às praias de Itapoã,

Itaparica e Barra do Jucu, esta mais frequentada pelos adeptos do surf por causa

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de suas ondas altas. Mais adiante há ainda a Ponta da Fruta e a Praia do Sol.

Temperatura agradável, estando o sol sempre presente. Vila Velha é ligada à

Vitória, por três pontes. Área: 211 km². Limita-se com Vitória ao norte, ao sul com

Guarapari, leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Cariacica.

Quando chegou nesta cidade havia algumas linhas de ônibus em circulação

(era um projeto recém posto em prática, levando os bondes a extinção).

Naquele tempo a Rodovia Carlos Lindemberg e a Avenida Jerônimo Monteiro

ainda não eram asfaltadas.

Manuel veio contar a meu pai que ia vender o Supermercado Canguru porque

descobriu-se que o contador recebia o dinheiro para pagar os impostos, porém

embolsava o valor e emitia informações falsas. A Receita Federal veio fiscalizar a

empresa porque a dívida com o governo era altíssima. Moisés, o sócio, foi o único

que não ficou numa situação difícil e estava milionário!

Começou a fazer casa, a comprar e vender lotes nesse município: tinha dezoito

inquilinos e cento e vinte lotes.

Infelizmente, não se entendeu com meu avô José Correia e após uma série de

desentendimentos, tomou a decisão de vender a fazenda por uma ninharia. Teve

um prejuízo enorme! Os pais da minha mãe foram morar no bairro Vale

Encantado, em Vila Velha.

Em 1970, o “Cruzeiro Novo” voltou a chamar-se apenas “Cruzeiro”. Neste ano,

meu pai estava passando com o seu fusca novo no bairro IBES, então Adelson,

um senhor que ele conhecia de vista e que tinha um comércio de madeiras, o

chamou para negociar o carro com o imóvel que ele tinha naquela rua e onde

estava seu comércio: era um galpão com uma laje e uma casa nos fundos. O

trato foi entregar o veículo e voltar mais dinheiro. Foram ao Cartório Leandro,

próximo dali e passou o carro para o nome de Adelson, sem documentar a

compra do imóvel. Depois meu pai soube que Adelson já havia vendido para

outra pessoa e não deu o documento. Adelson foi ao encontro do meu pai e

disse que veio receber a importância combinada e meu pai deixou claro que só

pagaria com a escritura em mãos, mas este informou que essas formalidades

levariam trinta dias para ficar prontas. Depois ele comentou com um amigo, que

meu pai era um besta que veio da Bahia para dar um carro para ele, pois ele

não era maluco de vender aquela propriedade por aquele valor. Adelson

transferiu seu comércio para o fim da rua, próximo a Rodovia Carlos Lindemberg.

À noite, meu pai vestiu o paletó e botou o revólver na cintura e foi ao armazém

de Adelson; quando este já encerrava o expediente e se dirigiu ao escritório, meu

pai entrou atrás e trancou a porta. Aproximou-se de Adelson fingindo que ia

conversar amigavelmente e subitamente chegou bem perto e o agarrou pela

gola da camisa, colocou a arma dentro da boca dele e descreveu os

comentários que os amigos lhe contaram sobre sua intenção de trapaceá-lo. E

perguntou: “Você vai dar a escritura ou não?” Este sugeriu que fossem ao seu

advogado para acertar os detalhes. No escritório de advocacia Adelson foi

dizendo: “Este é o homem que eu te falei!”. E o Dr. Nilson Neves exclamou: “Você

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está doido! Ele é meu cliente e é gente boa!” Então meu pai contou sua versão

do caso. Foi datilografada uma declaração onde Adelson se comprometia a dar

a escritura no prazo de três dias. Na data marcada, ele chegou com a esposa no

Cartório Leandro, dizendo que se não tivesse o dinheiro perderia o carro. Meu pai

perguntou ao tabelião João Leandro: “Já lavrou a escritura?”, e este respondeu

que só poderia fazê-lo com o dinheiro prometido. Meu pai pôs a mão no bolso e

retirou um saco de dinheiro e despejou em cima do balcão e pediu a João

Leandro que separasse a quantia para Adelson, mas que somente entregasse a

ele após sua assinatura. Quando encerrou a negociação, Adelson chorou, pois

pensava que meu pai não tinha dinheiro, pois ele se trajava de maneira simples e

parecia uma pessoa típica do interior e portanto, fácil de enganar, porém

compreendeu amargamente que as aparências enganam.

Começou a construir na laje deste terreno em 1971 morando ali em seguida e

alugou a casa no Aribiri, sendo este ano, a ultima vez que viu Antonio Valentim.

Naquela época ninguém se preocupava em trancar as portas e ficavam

conversando até mais tarde no lado de fora e as crianças brincavam tranquilas

na rua. As noites eram silenciosas e calmas. Em 1972, voltou a morar no Aribiri e

alugou o apartamento no bairro IBES, mas em 1979, decidiu voltar a morar

definitivamente no IBES e em 1990 vendeu a propriedade do Aribiri.

O bairro IBES ("Instituto do Bem-Estar Social do Espírito Santo”), conjunto residencial

construído em 1952; projetado com formato de uma flor (na verdade, forma a

figura de um grande hexágono, com a Praça no centro), dividido em setores. No

setor Jerônimo Monteiro, residiam funcionários públicos e seus familiares; no setor

Unidos da Vale, moravam empregados da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD);

no IAPC, pessoas ligadas ao comércio; os demais setores eram mais

diversificados. Em 1954, trezentos e cinquenta moradores receberam as chaves

das casas. Em 1955, foi construído o centro comercial, próximo à Praça Assis

Chateaubriand.

Em 1986, a desvalorização do “Cruzeiro” levou a criação do “Cruzado”.

Tinha dois lotes no bairro Barra do Jucu: Limpou, plantou (aipim, feijão de corda e

guandu) e cercou. Meu pai adoeceu e demorou alguns dias sem ir lá, quando

voltou havia dois barracos, sendo que um deles já havia pessoas morando. Ele

chamou a atenção dos invasores e eles responderam que “Já era! Agora o

terreno era deles”. Meu pai deu um prazo de vinte e quatro horas para que

desocupassem a propriedade. Então, naquele mesmo dia, às dezenove horas da

noite, com a ajuda do meu irmão Robson e alguns amigos dele, foram ao local e

com uma foice e uma alavanca, derrubaram o primeiro barraco e no outro onde

residia um casal, bateram na porta e eles compreenderam o que estava

acontecendo e gritaram que não iam sair. Meu pai arrancou uma tábua do

quarto e jogou dez litros de gasolina e acendeu o fósforo. Em questão de minutos

o fogo se espalhou e o casal saiu correndo com apenas a roupa que usavam.

Meu pai e meu irmão retornaram para casa às vinte e três horas.

No município de Cariacica, comprou sete lotes juntos. Colocou um caseiro com a

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família e ele quis tomar a propriedade. Mandou a filha avisar que estava

esperando para lhe dar uma surra. Meu pai colocou o revólver na cintura e foi

para lá. Próximo ao terreno morava um amigo policial, Adilson, comentou com

ele a situação e o que pretendia fazer, mas este lhe disse que resolveria a

questão. No outro dia, Adilson, colocou o caseiro e seus familiares para fora. Por

fim, decidiu se desfazer da propriedade porque todos os empregados

contratados causavam problemas.

Em 1989, a desvalorização do "Cruzado" levou à criação do "Cruzado Novo". Em

1990, a moeda nacional volta a chamar-se "Cruzeiro". A moeda desvalorizou-se

mais duas vezes: Em 1993, passando a chamar-se "Cruzeiro Real", e em 1994, que

levou a criação do "Real", vigorando até os dias de hoje.

Em maio de 1996, meu pai ficou internado no hospital público “Antônio Bezerra

de Farias”, pois contraiu pneumonia. Além disso ele foi aparar a unha do pé

esquerdo e cortou um pedacinho do dedo e foi muito difícil estancar o sangue. A

diabetes dificulta a cicatrização de feridas e a parte do dedo apodreceu e o

médico a retirou. Depois começou a ficar com uma aparência estranha, e o

doutor cortou metade do dedo. Ele sente dormência nas pernas e por isso não

doía... anda bem devagar. No primeiro dia que fui visitá-lo, ele não estava lá:

dividia o quarto com seis enfermos e eles me contaram que ele havia ido visitar os

outros doentes. Ele conhecia quase todos os pacientes e sabia o problema de

cada um. Segurava o suporte do soro que estava tomando e saia a visitá-los.

Passado uns quinze minutos retornou ao quarto e ao me ver, foi se explicando:

“Fui me despedir de uma senhora que ia receber alta hoje, a família vinha buscá-

la e eu queria conhecê-los”. Depois de duas semanas, telefonou para meu

trabalho a chefe da enfermaria, informando que meu pai havia fugido. Arrumou

a mala e ficou escondido atrás de uma parede e ficou observando o vigia,

quando este se afastou da porta, saiu apressado rumo ao ponto de ônibus

(pessoas a partir de sessenta anos não pagam passagem). Quando fui em casa

almoçar ele estava me esperando na porta e me disse que não aguentava mais

ver tanta gente doente!

Por um motivo ou por outro acabou vendendo todos os seus imóveis e hoje,

possui apenas a propriedade onde mora, no bairro IBES.

Atualmente, Manuel mora em São Paulo (SP); Silvanisio faleceu em 2004 de

câncer e residia em São Luís (MA); Alaíde em Governador Valadares (MG); José

em Fortaleza (CE); Enoque em Goiânia (GO); Maria da Glória em Nanuque (MG),

e, Maria José em Goiânia (GO).

Por erro do Cartório, eu e meus irmãos (do terceiro casamento do meu pai),

assinamos “Motta” com dois “t” (“tt”), porém, o correto seria grafar “Mota” com

um “t”.

In memoriam a meus avôs maternos:

Anita Leal dos Santos:

nos deixou em 22 de agosto de 1983.

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José Correia dos Santos:

nos deixou em fevereiro de 1991.

In memoriam a minha mãe e meu irmão:

Maria do Carmo Leal dos Santos:

nos deixou em 28 de fevereiro de 1994.

Robson Leal da Motta:

nos deixou em 28 de agosto de 1991.

Nesse ano de 2005 meu pai completou 93 anos. Ele estava sentindo-se mal e foi

ao médico e este, em tom de brincadeira, disse: “Está reclamando de quê? O

Senhor já passou do tempo de morrer... as estatísticas dizem que hoje em dia,

ninguém vive mais do que setenta e cinco, oitenta anos...”

O nome “Pedro” é uma palavra latina e significa: “pedra, rocha”.

“Muitos são os planos do coração do homem, mas é o propósito do Senhor que

permanecerá.” (Provérbios 19: 21)

________________________________________________

NOTA DE ESCLARECIMENTO:

Meu pai, PEDRO SABINO DA MOTA, foi o principal narrador desta história,

contudo, pesquisei na Internet, em livros e revistas algumas informações para

ilustrar o texto, tornando-o interessante e mais compreensível. Abaixo seguem os

devidos créditos

________________________________________________

FONTES CONSULTADAS:

*Vainsencher, Semira Adler. “Lampião (Virgulino Ferreira da Silva)”, e, “Cangaço”

.

Acesso em: 10 out. 2005. Disponível em:

< http://www.fundaj.gov.br> Fundação Joaquim Nabuco

*Instaschi, Celso. Por Dentro Da História.

Acesso em: 10 out. 2005. Disponível em:

<http://www.serratalhada.net/cultura/mostra.asp?noticia=noticia17.asp>

*Mello, Frederico Pernambucano de. O Guerreiro do sol. Revista de História da

Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n.3, p.18 a 24, set. 2005

*Caetano, Maria do Rosário. ‘Nordestern’: Luz, Câmara, Cangaço. Revista de

História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n.3, p.25 a 27, set. 2005

*Brasil 500 Anos – O Brasil do Sertão e dos Sertanejos. São Paulo, Editora Abril – v 2 -

Fascículo 10 -. p. 626 a 627

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*Ferreira, Olavo Leonel. História do Brasil. “O Coronelismo”, e, “Juscelino

Kubitschek.” 17ª.ed. São Paulo. Editora Ática., p 292 e 293 – p 377 a 379. 1995

*Ferreira, Pablo. Varíola.

Acesso em: 18 out. 2005. Disponível em:

http://www.fiocruz.br/ccs/glossario/variola.htm

Fundação Oswaldo Cruz

*Ruiz, Manoel. A História da Moeda no Brasil.

Acesso em: 15 out. 2005. Disponível em:

<http://www.sociedadedigital.com.br/artigo.php?artigo=110&item=4>

*Histórias e histórias do Rio de Janeiro. “Capital do Brasil no Rio de Janeiro” -

Acesso em: 05 nov 2005. Disponível em:

http://www.almacarioca.com.br/historia.htm

*Municípios da Bahia. Conceição do Almeida, Nova Canaã, Jiquiriçá, Planalto,

Bom Jesus da Lapa.

Acesso em: 20 out. 2005. Disponível em:

< http://www.pfldabahia.org.br/municipios.asp>

Obs.: A maior parte das informações sobre estas cidades foram fornecidas por

meu pai, parentes e amigos que viveram nestas cidades no inicio do século

passado.

*História de Poções.

Acesso em: 20 out. 2005. Disponível em:

http://www.pocoes.ba.gov.br/- (Prefeitura de Poções – BA)

*Governador Valadares.

Acesso em: 23 out. 2005. Disponível em:

<http://www.geocities.com/tecnologo2000/valadares.html>

*História Guarapari.

Acesso em: 23 out. 2005. Disponível em:

<http://www.guaraparivirtual.com.br/historia.asp>

*Osório, Carla. Histórico de Vila Velha. Dados Geográficos.

Acesso em: 23 out. 2005. Disponível em:

<http://www.vilavelha.es.gov.br/>- Prefeit. Vila Velha – ES

*Clério's Home Page. Origens do bairro Aribiri.

Acesso em: 23 out. 2005. Disponível em:

<http://www.geocities.com/clerioborges/vilavelha.html>

*Origens do bairro IBES. Jornal A Tribuna, Vitória-ES, 22 Ago 2003.

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MEU IDEAL DE POESIA

Obs.: Sou tímida, falo pouco e por isto muitas vezes as pessoas não conseguem

entender quem eu sou, ou me julgam de outra maneira. Assim, digo que gostaria

de escrever uma poesia que fosse o espelho de mim mesma, no qual todos

pudessem ver meu interior refletido nele e desta forma poderiam conhecer a

verdadeira pessoa que eu sou, pois por causa da timidez não é possível.

Meu ideal seria escrever uma poesia que soasse como uma suave canção e

delineasse meus sentimentos mais íntimos, dando forma quase sólida a minha

alma.

Teria frases transparentes e em um rápido olhar, o leitor perceberia o que sinto e

se comoveria com o lirismo vindo de mim.

Suas imagens seriam vivas, de tal maneira intensa que seria possível presenciar o

sentimento que aquece o espírito da existência.

Meu desejo seria criar um soneto que fosse uma passagem no tempo, entre linhas

e letras, que fosse o espelho de meu coração, mostrando a todos, sem mistério e

sem medo, o modo doce e romântico que ele bate pela vida. Seria uma

expressão tão pura como as águas límpidas de um lago que refletem

espontaneamente o que há em sua profundidade.

Então, quando os versos estivessem prontos, meio incerta, se fui eu quem os

escreveu, ou se saíram de mim e pousaram no papel, enviaria uma cópia a todos

que me conhecessem, para que entendessem a emoção de compreender

claramente o pensamento feminino, o espetáculo de tocar uma alma com os

olhos e ter a certeza que se é tão humano, e no fundo, tão parecido, com a

pessoa que a magia das pequenas e simples palavras souberam descrever...

PREMIAÇÃO:

01 – Concurso “Internacionalizando o Novo Escritor ” – 5.º Lugar – Categoria

Crônica – Vespasiano/MG – Maio/2007

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LIBERDADE

O livro "Fernão Capelo Gaivota" de Richard Bach, narra a história de uma gaivota

que abandona seu bando e sai pelo mundo porque ansiava conhecer a

liberdade, cuja existência era desconhecida em seu íntimo. Mas, após passar por

várias situações, ela volta para eles, ao perceber que ser livre é quando se pode

ser a própria pessoa e todos precisam viver sobre certas regras (leis da

sociedade), e liberdade em excesso se transforma em libertinagem.

Em minha adolescência, assisti a um filme, cujo personagem principal era um

cavalo árabe negro que era muito maltratado, porém, um dia, ele conseguiu se

soltar e escapar, e aquela imagem daquele animal correndo feliz com suas crinas

balançando ao vento e seu pelo brilhando debaixo do sol, eu nunca mais

esqueci... eu queria fazer o mesmo que ele. Simbolizava para mim um estado de

felicidade onde era isento de restrição extrema ou coação física ou moral...

poder exercer livremente sua vontade de viver a vida, tirando de si tudo que lhe

prende os movimentos e lhe impede de tornar seus sonhos em realidade.

Contudo, talvez o cavalo no fim, tenha voltado para casa como fez a gaivota,

ao descobrir que liberdade é outra coisa, e que fugir dos problemas não resolve

nada. Entretanto, valeu a pena a experiência de ir em busca da liberdade,

porque encontrou o seu verdadeiro significado e pôde ver a vida de outra

maneira.

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A GUERRA É DESNECESSÁRIA

Há um conflito, várias pessoas discordam acerca de um tema, mas, ninguém

quer abrir mão de suas convicções. Assim se inicia a guerra.

Todos lutam entre si para demonstrar que estão com a razão. Os líderes traçam

planos, contudo, no fundo são egoístas, pois pensam apenas em seus ideais, não

se preocupam em quantas vidas serão perdidas.

Para colocar suas estratégias em prática, envolvem uma multidão... inocentes

que nada têm a ver diretamente com a questão em discussão. Logo morrem

milhares de civis, são destruídas cidades, uma população inteira.

O sangue derramado satisfaz o vencedor. Só então, percebe-se que o motivo era

insignificante, não era necessário exterminar ninguém, bastava simplesmente

entrar num acordo, encontrar uma solução adequada. Porém, em sua opinião,

vencer é matar, é eliminar os obstáculos do caminho, provar que é o melhor. O

chefe de uma nação deve defender o seu povo e, por isso, não terá que prestar

conta a sua consciência. No entanto, embora equivocadamente, tenha a

certeza de estar agindo corretamente, de alguma maneira virá a cobrança por

seus atos inconsequentes. Porque entendemos que é impossível consertar o mal

causado: o estrago foi devastador.

A consequência da guerra fica enraizada na alma, no trauma de quem a viveu,

nas imagens do antes e do depois da decisão irrevogável.

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HISTÓRIA: IDENTIDADE DA HUMANIDADE

É emocionante saber as causas e as consequências dos fatos, como viviam as

pessoas na antiguidade, de analisar o que fizeram os homens para conseguir

fazer desta época uma era moderna.

Sempre gostei de História porque compreendia que “o que somos hoje”, é

consequência do que “os homens realizaram no passado.”

A História é realmente impressionante! Se olharmos para trás, sentiremos a longa

trajetória que o mundo percorreu para chegar até onde estamos. Mas

infelizmente, o que se destaca é a violência, guerras, batalhas, disputas,

invasões, e, consequentemente, mortes, assassinatos e vítimas...

O ser humano, na luta pela sobrevivência, não mede as consequências, e não

hesita em ir contra a sua própria espécie; ele, sendo dotado de inteligência e

sentimentos pode mudar o curso dos acontecimentos, pode fazê-lo seguir em

linha reta, por caminhos sinuosos ou pode derrubá-lo no precipício.

Para encontrar as respostas do hoje, é necessário ir em busca do ontem.

Com as pessoas também é assim: o que somos, é resultado de nossas

experiências passadas, nossas alegrias e tristezas, das derrotas e vitórias, e

principalmente, do comportamento diante dos fatos.

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A ELEIÇÃO BRASILEIRA

Estamos às portas de mais uma eleição. O momento é de uma grande peça

teatral. Sim, os políticos sobem no palco,

põem suas máscaras, representam honestidade e prometem mudanças

extraordinárias.

Os "candidatos-atletas" numa corrida desenfreada para tomar posse da primeira

colocação, tentam derrubar os concorrentes, fazem trapaças, inventam mentiras

e tornam público o que os outros fizeram de errado.

E então, os que se sentem atingidos, contra-atacam e ficam um jogando casca

de banana no outro e os que vêm atrás, levam um escorregão.

Esta é a eleição brasileira, que é uma comédia e ao mesmo tempo um drama.

Quem quer votar?

O voto obrigatório é uma agressão à liberdade. Se pensar bem, não votar

também deveria ser um direito. Como protesto as pessoas anulam seus votos ou

votam em branco.

Qual é o melhor candidato?

Estes "candidatos-atores", estão tão bem maquiados e fazem cara de santos, que

quase convencem. Sim, porque ninguém se esquece do "depois das eleições",

passadas. O problema é que os políticos sofrem de amnésia. O candidato não se

lembra de suas promessas, mas o povo não se esquece.

E o povo brasileiro se sente enganado. Ninguém aguenta mais esta

representação teatral e se recusam a ser plateia de um ato que é uma agressão

ao cidadão.

Mas a culpa é sempre do povo: "O brasileiro não sabe votar." (Não é assim que

dizem?)

Ou estão faltando candidatos de mais caráter?

Mas alguns candidatos parecem ser tão sinceros, que se ganham uma eleição

deveriam receber um troféu, um Oscar, como melhor ator.

Lá vai o brasileiro, de título na mão e enfrentar uma fila rumo à forca.

Mas, quem será decepado... o Brasil.

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Este país que já perdeu a cabeça tantas vezes, inclina-se mais uma vez na

guilhotina, com um fundo musical do "Hino Nacional Brasileiro":

"... em teu seio. Oh, liberdade, desafia o nosso peito a própria morte! Oh, pátria

amada, idolatrada, salve! salve!..."

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MARGINALIZADOS

Choque social, visto como algo normal pela sociedade. O nada é sua maior

riqueza.

Sem tetos, mendigos, vadios, miseráveis, vagabundos... de vários nomes eles são

chamados.

Perambulando pela existência... errantes. Levando tralhas, sujos, fétidos,

marginalizados, pedindo esmolas, mas prefeririam um emprego. Cada um tem

uma história para contar, contudo, o passado está fechado num livro sem

páginas em branco. Nenhuma perspectiva, vagando dia após dia.

Todos passam longe deles, pois pensam: “São ladrões!” No entanto, foi a vida que

lhes roubou a integridade, a cidadania. Ou teria sido o destino?

Sem casa, morando nas ruas, debaixo de viadutos, dormindo sob as marquises,

praças, onde for possível.

Seu principal inimigo é a noite... trevas...

No inverno, o uivo do vento lhes murmura a injustiça social. Folhas secas voam

sobre eles... gesto de zombaria.

A poeira gruda em seus corpos, bloqueia a memória. Já não conseguem folhear

o álbum de suas lembranças felizes.

Choveu em cima deles, viraram lama. Tremem encolhidos, envolvendo a si

mesmos, apertam os dentes, as mãos e os pés, querendo resistir, sobreviver.

Na neblina tentam visualizar a passagem no tempo, onde o melhor de seus

sonhos se perderam. Porém, tentativa inútil: necessitam ajuda para encontrar a

saída deste labirinto.

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SER MÉDICO

OBS.: Homenagem ao Dr. Márcio Antônio Leite Lima – Angiologista e Cirurgião

Vascular

Para o médico, sua carreira é mais do que um trabalho, ama a oportunidade de

ajudar e salvar pessoas.

Mas é importante se especializar continuamente ser apaixonado pela medicina,

sempre tendo em vista que não é uma profissão fácil: saber lidar com o

temperamento humano é uma arte.

O doente ao se consultar com o médico após expor seus sintomas,

involuntariamente, faz, com os olhos, uma pergunta muda e ansiosa, como quem

diz: “Dr., é grave?” Assim, uma das aptidões do médico é ser simpático, ter um

sorriso tranquilizador, transmitir a confiança de que está em boas mãos,

confortando aqueles que lhe pedem socorro.

Ser médico é ter “coração de mãe”, precisa tratar com carinho àqueles que

estão aos seus cuidados: ao visitá-los no setor de internação, deve ouvi-los

atentamente e não ter muita pressa pra se despedir. O paciente se sentirá feliz

com a atenção e se recuperará mais rapidamente.

Esse profissional trabalha até mais tarde, sem falar dos plantões...

Apesar de ser uma profissão heroica, é essencial cuidar de si mesmo e lembrar

que não pode estar 24 horas no hospital e ter tempo para abraçar e proteger sua

família, pois ela é sua maior riqueza.

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CAPÍTULO II

POESIA

“Eu sinto a poesia como se fosse um pedaço da alma, um ser vivo que transmite

um sentimento. Ler uma poesia é como abrir um frasco de perfume e aspirar seu

aroma...a fragrância é totalmente absorvida por nosso intimo. Penso que a

realização do poeta se faz na alma, pois ele já nasce com este dom, ou seja, não

há como participar de um curso para se tornar um profissional da poesia... você

poderá se inscrever num curso para aperfeiçoar a escrita com base na

gramática e somente isto. Ser poeta é um dom que a pessoa tem, que o torna

capaz de transformar letras em sentimento.” (Rosimeire Leal da Motta)

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HOMENAGENS A MEU PAI:

Pedro Sabino da Mota – 1912/ -

Montanha em todo seu esplendor,

sofreu com as intempéries do tempo:

sol, chuva e vento.

Aparou a grama,

o terremoto o abalou,

porém, não o destruiu.

O ciclone alterou sua localização,

contudo, sua fortaleza está intocável.

Com o passar dos anos,

veio a erosão e o desgastou,

diminuiu o brilho e a vitalidade,

mas não perdeu sua majestade e grandeza!

Hoje, o contemplamos

com um olhar de respeito e admiração:

Pedro, pedra, rocha inabalável,

que somente se curva diante de Deus...

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HOMENAGENS A MINHA MÃE:

Maria do Carmo Leal dos Santos - 1948/ 1994

Despontar do ventre.

Embalos baianos.

Nascimento!

Visão pálida da vida,

sonhos de menina nordestina!

Aprendizagem gradativa,

descobertas adolescentes!

Planos traçados, ilusão formada.

Buquê de flores,

alma feminina!

Grandes decisões rumo ao litoral capixaba,

promessas de felicidade,

coração de mulher!

Três brotos do seu íntimo,

imortalização do seu nome,

continuação da sua dinastia!

Senhora de si,

linhas no rosto, vivência difícil,

maturidade!

Soou a ultima badalada,

tempo esgotado!

Deus a levou...

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IN MEMORIAM

Obs.: Poesia escrita logo após a morte do meu irmão Robson Leal da Motta –

(1971/1991)

Passaram-se vinte anos de existência

e seu nome amarelou-se no tempo.

Dia que se apagou.

Pássaro que não mais voou,

e dorme profundamente.

Silêncio que indica ausência.

Lembranças perdidas na memória,

Vagando na mente de quem o conheceu.

Pétalas caídas e levadas ao ar.

A brisa espalhou o perfume

com fragrância de saudades.

Foi-se, ou simplesmente evaporou-se.

O que era deixou de ser.

Partiu subitamente,

não foi possível despedir-se.

As nuvens se juntaram num abraço,

escureceu o imenso céu.

A lua quis consolar,

mas, de tão triste,

não ousou aproximar-se.

Contudo, os olhos do céu,

de tão apertado de tristeza,

chorou chuvas de dor.

Os contornos dele se desintegravam lentamente.

No entanto, o vento, num vendaval de emoções,

aprisionou para sempre,

sua imagem no coração.

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O QUADRO NA PAREDE

Obs.: Poesia escrita alguns meses após a morte do meu irmão Robson Leal da

Motta – (1971/1991)

Havia uma ausência completa de ruídos,

exceto o som das ondas do mar

que se quebravam ora na areia da praia,

ora contra o rochedo

que não era muito alto e estava debruçado sobre o mar

e em suas costas florescia uma árvore verde e viçosa,

cujos galhos e folhas

se balançavam com o movimento do ar atmosférico,

ocasionado pela diferença de temperatura.

Algumas aves

sobrevoavam a infinita massa de água salgada.

O mar, na sua imensidão, liderava o ambiente.

Mas, no fim da tarde,

o silêncio mostrava que o domínio era seu.

Fotografei este instante daquele lugar.

Ao revelar a foto, quem olhava para ela,

sua beleza ainda era visível,

porém, era uma paisagem morta, fria.

Já não era maior nem o mar, nem o silêncio.

Mas, o vazio e a indiferença

das pessoas que examinavam a fotografia.

Desta forma,

somente eu podia contemplar a foto na sua totalidade.

Porque ao vê-la, eu ouvia as ondas do mar e os pássaros

e sentia o vento.

Porque eu conhecia aquele povoado

minha memória dava vida àquele pedaço de papel.

Assim, quando ele se foi,

restou apenas sua imagem reproduzida na parede da sala

que descreve minuciosamente suas feições e caráter.

E com o passar do tempo

ninguém mais o contemplava.

Eram somente os contornos

de alguém que algum dia existiu.

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Mas quando meus olhos pousam em seu retrato,

é especialmente para mim que ele sorri!

E ele está mais vivo do que nunca!

As recordações que eu tenho dele em meu coração,

fazem do quadro na parede,

a janela, uma dimensão,

por onde eu ainda posso encontrá-lo

e abraçá-lo novamente...

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ASSIM SOU EU

Sou uma desconhecida para mim mesma.

Esta imagem que se reflete no espelho e me olha nos olhos

sabe mais sobre minha individualidade do que eu própria.

Não sei ainda quem sou,

minha sombra na parede prefere ocultar toda a verdade.

Sou o contorno de um ser,

um enigma feminino,

perguntas sem respostas,

neblina ao amanhecer,

poeira espalhada pelo vento,

ponto de interrogação e exclamação no final da frase,

texto incompreensível.

Assim sou eu,

investigação sem pista...

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ABANDONO

Ignorância total de si mesmo.

Silêncio.

Vazio.

Sem ideal.

Morte da alma.

Zumbi errante.

Precipício à frente.

Nada mais a esperar.

Folha desgarrada de uma árvore,

foi levada para longe e atirada ao chão,

sendo asperamente pisada e amassada.

Sol em temperatura elevada.

Secou toda a estrutura.

Murchou lentamente.

Não resistiu, despedaçou.

Deixou de ser.

Abandonada,

desmaterializou-se.

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BARCO À DERIVA

Minha vida é um barco a deriva,

sem radar, sem direção, sem comandante.

Está prestes a naufragar.

Há anos que está vagando pelo oceano da vida.

Nesse tempo, enfrentou

tempestades, tufões e redemoinhos.

Sobreviveu, mas, sua carcaça está gasta,

desgastada, arranhada, quase furando.

O vento e as correntezas são seus guias

que o levam a nenhum lugar.

Ah, se afundasse logo, que bom seria!

Se chocou com um iceberg,

porém, o rombo foi pequeno, não naufragou.

Não apareceu até o momento a guarda-costeira,

também não encontrou um farol que iluminasse sua rota.

Um tubarão bateu fortemente contra ele,

deixando-o encalhado no meio do mar.

As ondas furiosas com aquele corpo estranho

se quebravam violentamente em cima dele.

Foi-se o sol e veio o sol.

Água salgada, calor e solidão.

Por fim, a embarcação conseguiu se mover

E de volta ao oceano da vida,

sem sonhos, sem esperanças,

já não sabia mais o que esperar.

Fechou os olhos e desligou os motores.

Por estar velho e precisando de reparos,

a casa de comando pegou fogo.

Contudo, as águas do mar apagaram o incêndio.

Barco sofrido, angustiado, triste,

amargurado, cheio de cicatrizes.

E agora, mais perdido do que nunca...

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RAZÃO DE VIVER

O ser humano precisa pelo menos de uma pequena visão,

de alguma coisa com que se agarrar

para viver os seus dias.

Uma esperança, um objetivo,

algo dentro de si,

que o faça sentir vontade de mergulhar na vida.

Uma casa desleixada, com móveis aos pedaços,

janelas arreganhadas, a poeira entrando,

o desânimo e o desespero gritando...

Uma mente assim, enlouquece.

É necessário um jardim com flores belas e perfumadas,

uma orquestra sinfônica forte, decidida e em alto som,

um sol radiante e a brisa soprando de leve,

a razão de viver, de estar aqui,

um caminho a seguir,

a estrada certa.

Contudo, os percursos são tortuosos,

as dúvidas são muitas,

não há placas de advertência,

facilmente a pessoa poderá perder-se,

ou capotar na curva da estrada.

Porém, no recôndito do seu íntimo,

às vezes, quase escondido,

sempre há um velho sonho, desbotado e encardido...

Mas, ânimo! Acenda as luzes, restaure esse ideal!

Dê um tom colorido a ele,

amplie sua dimensão.

Este é o passaporte para mantê-lo de pé!

Você será o comandante do seu navio!

Ao olhar ao longe pela luneta, dirá vitorioso:

"Terra à vista! Oh! Que paisagem maravilhosa!"

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LUTA CONTÍNUA COMIGO MESMA

Meu maior inimigo sou eu mesma:

traço planos e delineio minhas ideias,

planejo um novo projeto e começo a colocá-lo em prática.

Mas, vem o desânimo e a insegurança

e destroem tudo em segundos.

Busco forças para derrotar estas influências negativas,

revejo meus objetivos

e vejo o quanto eles são importantes.

Volto a estabelecer as mesmas metas

e tento novamente segui-los.

Desta vez, consciente

que haverá resistência à minha causa,

armo minha defesa:

estou em guerra comigo mesma!

Minha mente se divide em múltiplas possibilidades,

muitos caminhos, indeterminadas direções.

Cada uma destas facetas de mim estavam escondidas.

Eu, inúmeros soldados com armamento de ultima geração.

Clones de mim avançam subitamente atirando,

contra a outra parte que é psicologicamente diferente.

Metade de mim morreu ceifada.

O que restou se reorganizou.

Soou o tambor e a artilharia se preparou.

Os canhões abriram fogo.

Vieram reforços.

Chegou o esquadrão rebelde.

Surgiram os fuzileiros e num fuzilamento geral,

depois de muitas lágrimas, suor e sangue,

sobraram eu e fragmentos de mim...

... justamente a porção sabotadora.

Ainda não venci a mim mesma,

não conquistei meu território.

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INFELICIDADE PROFUNDA

Escudo magnético,

cerca o meu ser, me mortifica.

Barreira invisível que me desloca

Distancia-me da luz indispensável.

Parede que se ergueu em torno de mim,

e minha alma não pode ultrapassar:

cai no chão e se despedaça.

Pedaços tentam fugir inutilmente,

tampouco chegam a juntar-se.

Transformam-se em cacos, ficam esquecidos.

Os raios de sol atingem as partículas que me formam,

e seus reflexos ferem o amor-próprio.

Partes respirando, porém apáticas e desfalecendo.

Alma quebrada não é jogada fora,

é coberta com a ferrugem da infelicidade.

Alma pisada, alma sem esperança.

O pôr-do-sol veio, o tempo virou trevas,

aproxima-se nuvem negra chuvosa.

Alma molhada, alma com frio.

Porta e janela travadas.

Alma sendo asfixiada,

permitindo escapar

a essência de uma vida.

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A TRISTEZA

Num caminho deserto,

vaguei, como um vento desanimado.

Estendi-me por toda a dimensão do lugar.

Varri a poeira e as folhas secas,

afugentei tudo o que havia pelas redondezas,

e então, me transformei em chuva:

inundei ladeiras e estradas,

boiei no mar das minhas lágrimas,

recolhi o líquido da dor numa garrafa,

bebi o conteúdo vermelho que a ferida produziu,

me embriaguei com as amarguras,

cambaleei diante da vida.

Tentei não pisar nos rastros que deixei,

dei voltas e voltas, porém, retornei ao ponto de partida.

No meio da solidão me sentei e me pus a observar o vazio.

A tarde afastou-se com os meus passos,

o sol se pôs

e a tristeza se escondeu no meu coração,

contudo, estava visível no semblante.

Ao amanhecer, meu olhar refletia a alma...

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DOR

Foi como se tivesse caído do alto de um prédio,

espatifando-se lá em baixo, no chão

e os transeuntes parassem para observá-la.

Mas, a dor era só dela,

somente ela sentia...

Todos se dispersassem e apenas ela ficasse ali:

ela e a sensação penosa profunda

que transpassava a alma.

A expressão do rosto na mais seriedade possível.

Nos olhos o brilho do céu sem estrelas:

escuros e de difícil compreensão.

O sofrimento era imenso

que formou um escudo em torno de si.

Animal ferido que morde quando alguém se aproxima.

No entanto a dor ultrapassou o subconsciente.

Tentando desvendar suas razões,

Incendiou, queimando uma floresta inteira.

Uma multidão corria assustada,

esbarrando estupidamente uns nos outros.

Mergulhou no fundo do oceano,

submergiu encharcada até os ossos.

Rompeu-se em soluços,

estremecendo todo seu corpo

e naufragou em lágrimas e tristezas.

O dia nasceu e o sol raiou.

Porém, a aflição não morreu,

congelou-se no peito,

anestesiou os sentimentos,

restando um olhar perdido, vazio...

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AMARGURAS

Grandes angústias,

mente obstruída, visão nebulosa.

Embarcação com bombas de sucção

retirando as camadas de sujeira

no fundo do rio do coração.

O material recolhido é transportado às margens,

vêm à tona os sofrimentos.

O lodo torna os pés inseguros.

Escorrem as lágrimas pela face,

a tristeza perde o equilíbrio.

Águas poluídas, com resíduos do rancor,

impróprio para o banho,

proibido para a felicidade!

Fragmentos de problemas mal solucionados,

destroem a natureza ao redor,

envelhecem a vida,

retardam o crescimento!

Afogam-se na lama da baixa auto estima,

mergulha de corpo e alma, mas,

cospe substâncias com efeito coagulante.

O lixo flutua, não afunda.

Peneira o ego três vezes.

Mais limpo, porém, traumatizado,

é conduzido a uma cachoeira.

Precipita-se rumo a outro rio.

Deslizando pelos desenganos,

chegou num terreno seco e rachado.

Restou pouco do seu precioso líquido!

No seu caminho encontrou uma semente perdida.

Antes de esgotar a ultima gota, conseguiu regá-la!

A região agora é desértica, o sol arde.

Espantosamente brota uma flor:

Ainda há uma esperança!

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OLHAR VAZIO

Olhos negros e sobrancelhas espessas.

Por que eles estão tristes?

Por que uma mão segura o queixo?

O seu olhar está fixo no infinito:

Olha, mas não vê,

A preocupação o deixa estático!

Sua vida está um caos.

Sua mente não pensa.

Uma estátua: fruto de um momento aflitivo.

O sangue corre em suas veias.

Ele não é feito de gesso.

É um humano que sofre.

Sua vida não prossegue.

Está deixando de viver alguns minutos de sua vida.

Como voltar a si, para a sua realidade,

se os seus olhos estão atraídos para o além?

Quantas horas, quanto tempo permaneceu assim?

Não se sabe, porém, quando uma voz longínqua,

que aos poucos se tornou muito próxima,

o arrastou para a sua realidade,

sentiu-se velho.

Viveu uma eternidade num olhar distante.

Um olhar que não o fez refletir,

que não o levou a nada.

E, de tão triste, atirou todo o seu ser, com força extrema,

para o vazio de sua alma.

Um nada que sugou suas últimas energias.

Sua vida não fazia mais sentido.

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SOLIDÃO

Caminhando ao léu,

mãos no bolso, olhar disperso.

Pensamentos sem rumo.

O vazio.

Ruídos monótonos.

O vento soprando.

O murmurar do mar ao longe,

sobrevoa-lhe um pássaro em voo rasante.

O tempo parado.

As horas se arrastam...

minutos se transformam em segundos,

Finalmente chega a tarde e preguiçosamente vem a noite.

Imagens do passado passando em câmara lenta na mente.

Recordações tristes, chuvas de lágrimas.

Nuvens deslizando vagarosamente no céu.

Retorna ao casulo.

Quatro paredes, um quarto, tom bege,

moreno como a amargura.

A porta se abre para o jardim,

O verde das plantas

lhe entrega um ramalhete murcho de esperança.

Um rio perdido escorre pela face...

A solidão é isto!

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PESSOALMENTE

Por telefone, não...

Preciso lhe falar com urgência.

O mais depressa possível.

Sem falta, entende?

Estar sozinha é ser vazia,

é não poder compartilhar suas alegrias e sofrimentos,

dividir planos e esperanças.

Um só, é ser nada.

Deus criou os seres por igual,

mas, é a sociedade que o indivíduo vive,

que o transforma, o isola... põe medo.

Comunicar é uma necessidade geral.

Dizer algo pessoalmente, cara a cara.

Sentir o interesse da pessoa,

aprovação ou reprovação,

algum tipo de reação.

Todo ser humano necessita do outro:

um olhar totalmente direcionado a ele,

um abraço cheio de afeto e carinho...

Encontre um tempo para mim!

Venha conversar comigo.

Segure minhas mãos,

sentemos no sofá da sala...

Tenho tantas coisas para lhe dizer!

Aproxime-se...

Tenho necessidade absoluta de lhe falar!

Ouça a voz do meu coração...

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O SER HUMANO É UMA ILHA

Uma multidão de rostos desconhecidos.

Personalidades, fisionomias diferentes.

Existência e destinos desiguais.

Passos apressados.

Ao passar, não deixam rastros.

Andam todos próximos.

Estão juntos, porém, não unidos.

Apenas precisam percorrer o mesmo trajeto.

Milhares de pessoas, impossível contar.

De súbito, um deles desaparece inesperadamente.

Chegou sua hora de partir, deixar de viver.

É difícil descrever claramente os transeuntes.

São vultos que se movimentam constantemente.

Um jovem roubou a carteira de um homem,

foi preso em flagrante e excluído do meio dos demais.

Com um ato impensado, arruinou todos os seus sonhos,

jamais voltará ao convívio da sociedade.

Pensamentos não podem ser ouvidos.

Cada um conversa consigo mesmo.

Confessa as alegrias e tristezas do seu eu.

Caminhando e pensando,

vivendo a vida de acordo com os recursos disponíveis.

Um estudante decide parar no meio da estrada

e formar com a voz, sons ritmados e musicais.

Conseguiu atrair a atenção de alguns dos passantes,

que ficaram imóveis para ouvi-lo cantar.

Outros, contudo, seguiram seu caminho.

O rapaz queria que alguém o ajudasse,

mas, após o término da canção,

todos foram embora.

O personagem cantante, agora, silencioso,

retorna a sua jornada seguindo a rota anterior.

Tanta gente junta e o ser humano é uma ilha,

rodeado por um grande número de pessoas

por todos os lados.

Quando poderia haver uma imensa corrente,

um elo que une todos os indivíduos,

impera a solidão.

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PRISÃO, DOCE PRISÃO

O menino sem consciência,

armou uma arapuca no quintal da sua moradia

para prender alguma ave distraída e faminta.

Várias semanas a esperar

até que o surpreendente aconteceu:

um passarinho entrou na armadilha, comeu o alpiste

e em seguida subiu no poleiro

e ali ficou a cantar.

O pobrezinho escapou de uma gaiola,

sentiu fome e havia desaprendido a buscar comida.

A visão de algo que lhe era familiar

o alegrou e o fez se sentir em casa.

Agora estava enjaulado novamente.

Há anos que estava preso

com um pequeno espaço para voar

que se perdeu na imensidão do céu.

Fugiu e era dono de si,

porém, era tão diferente do que havia se habituado

que desejou ardentemente

que sua vida retornasse ao que era antes.

Há tanto tempo seguia mecanicamente seu dia-a-dia

que não compreendia o verdadeiro sentido de viver.

Ansiava por ser livre, mas quando encontrou a liberdade

não sabia o que fazer com ela.

Miraram-lhe com um estilingue, no entanto, se desviou.

Aproximou-se de um bando de passarinhos da sua espécie

e se esforçou para se integrar ao grupo,

mas, não se ambientou.

Não fez nenhuma amizade e foi menosprezado.

Abandonou-os e partiu.

Acostumado a ser prisioneiro,

ao ser solto, voltou para a prisão.

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LIBERDADE TARDIA

Uma janela fechada.

A luz do sol invade a sala através do vidro.

Era uma abertura na parede com arco agudo,

Dividida em duas partes por uma coluna central.

Janela com dois batentes.

A parte incorpórea de mim, ajoelhada no degrau,

Visualizando o mundo lá fora,

Olhava insistentemente a vida.

A janela do meu corpo,

Prisão da alma,

Apoiada na coluna central,

Iluminada pelos raios do sol,

Não podia sair.

Estava presa em regime aberto.

Passava o dia inteiro, ali na janela,

era a única comunicação com o mundo,

não havia outras salas que recebiam luz,

apenas porões escuros e com teias de aranha.

Minha alma empoeirada e abandonada,

Não se afastava da janela.

Uma pedra vinda do lado de fora,

despedaçou a vidraça,

partindo-a em pedacinhos.

A pedra e os fragmentos da vidraça

atingiram minha alma que estava encostada na janela.

O vento rompeu a trava e a janela se abriu.

Mas, a alma ferida,

não teve tempo de aproveitar a liberdade.

Não morreu, porque já estava morta.

Seu corpo etéreo se desmaterializou no ar.

A janela eram os olhos.

O corpo sem alma tombou no chão.

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A ALMA DO ESCULTOR

Demorou muitos anos para concluir sua obra.

Não sabia ao certo como seria sua criação.

Cada dia que contemplava aquele monte de ferro

suas mãos lhes davam uma nova forma.

Ninguém entendia sua inspiração.

Parecia uma criatura com os braços abertos,

talvez em desespero, talvez em renúncia...

Torceu um pouco mais a montagem

dando a impressão

que a escultura se ajoelharia a qualquer momento.

Seu ateliê ficava nos fundos de uma galeria de arte.

A cada dia um curioso ia ver o andamento da obra.

A eles lhes pareciam incrível que de um dia para o outro,

a escultura sofresse uma transformação surpreendente!

Parecia outra obra.

O que ninguém sabia,

é que o artista tentava modelar sua alma,

criou uma coisa assustadoramente feia e deprimente.

Mas atraía admiradores.

Havia quem se identificasse com aquele monte de ferro!

A escultura estava agora com os olhos esbugalhados,

seus braços e pernas estavam transfigurados e sem vida.

Uma escultura morta.

Esta era sua forma definitiva!

O autor desapareceu.

Ninguém soube do seu suicídio!

Sua alma ficou na galeria, na escultura.

Seu corpo, desapareceu na terra.

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LOUCURA DE VIVER

Saiu correndo pela rua a gritar,

esburacou o crânio

para os pensamentos opressores abandonar a mente.

Mas, o ser humano é um abismo!

Louco!

Ameaças, algemas, bofetadas:

para aprender a ter medo e respeito!

Doido!

Bateu a cabeça na parede:

a dor obriga a fazer uso da razão.

Fora do normal!

Roubaram-lhe os sonhos!

Vomitou pensamentos de esperança.

Maluco!

Retirou metade do sangue das veias:

impedimento de viver a vida.

Alienado!

Mergulhou na caixa d água,

afogou os delírios da existência.

Tolo!

Bactérias são as causas de doenças mentais:

adoeceu o raciocínio, debilitou suas energias.

Idiota!

Congelou os ideais,

derreteu as grades das desilusões.

Insano!

Levaram-no ao estado de coma,

voltou a si com os objetivos ofuscados.

Desligado!

Choque elétrico estremeceu todo o seu ser,

amnésia... não se lembra quem é.

Morte!

Danificou o cérebro,

perdeu o sentido da vida.

Colocaram-lhe uma camisa de força,

contudo, não era louco,

apenas, tentava auto compreender-se!

PREMIAÇÃO: 01 – Concurso “Machado de Assis” – 2.º Lugar – Categoria Poesia - Redacional

Editora – Londrina/PR – 2006

02 - 27.ª Antologia de “Poetas Brasileiros Contemporâneos” - Editora CBJE - RJ -

Maio/2006

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TEMPESTADE DA VIDA

Era a árvore mais bela da floresta.

Suas folhas formavam uma linda copa.

Seus frutos muito doces.

Os pássaros disputavam seus galhos.

Cada ser da natureza tem sua história,

esta, seu dossiê é demasiado triste.

No auge da juventude

devastaram a mata ao seu redor.

E então, primeiro rarearam seus frutos,

depois, o vento arrancou suas folhas amareladas.

Não mais recebeu sol e água.

Seu tronco se deformou...

O ar se tornou poluído...

A região se transformou num deserto...

Perdeu o vigor de existir.

Sua beleza se desgastou,

envelheceu precocemente

A tempestade da vida pesou sobre ela.

Já não era mais ela,

e sim, uma caricatura do que foi um dia.

Um viajante que outrora passara por ali

e descansara a sua sombra,

diante dela tirou o chapéu da cabeça,

com as lágrimas escorrendo pela face, perguntou:

__ “O que aconteceu com você???”

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TIRANO INTERIOR

Um ser invisível ao olhar humano,

usando chapéu e capa pretas até os joelhos,

com a mão esquerda segura a mão direita de uma mulher.

Ela está trajando vestido verde claro,

está grávida, no final da gestação.

As paredes ao redor de ambos são vermelhas.

Ele está com a mão direita erguida para o alto,

como quem diz: “Pare!”

Ele escuridão, obstáculos, opressor.

Ela esperança,

o sangue corre em suas veias, tenta viver.

Um candelabro de cristal dourado paira sobre eles,

sua função é derrotar a insegurança.

Ela não o vê, apenas sente o peso de seus atos sobre si.

Opressão, que dificulta seu crescimento pessoal.

Este vulto vigia seus passos,

a persegue por onde ela for.

São seus preconceitos, seus temores interiores,

normas arcaicas que a sociedade lhe impôs,

e a impede de seguir adiante.

Barreiras que lhe impossibilita ser ela mesma.

Do seu ventre nasceu a revolta,

fruto de uma prisão no recôndito do seu íntimo,

que explodiu e estraçalhou a redoma que a envolvia.

Assassinou o tirano interior.

Saiu correndo e abriu a porta da vida,

mas, ficou parada

segurando a maçaneta e olhando para fora,

com medo da liberdade do pensamento.

PREMIAÇÃO: 01 – Concurso “Machado de Assis” – 2.º Lugar – Categoria Poesia - Redacional

Editora – Londrina/PR – 2006

02 - 1.ª Antologia Poética - Editora AVBL - SP - Junho/2004

Academia Virtual Brasileira de Letras

03 - 26.ª Antologia de “Poetas Brasileiros Contemporâneos” - Editora CBJE - RJ -

Abril/2006

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FRAGMENTOS DO PASSADO

A porta emperrada se abre rangendo.

Teias de aranha dificultam a entrada.

Cenas desbotadas desfilam em câmara lenta.

Ultrapassam a linha do tempo.

Ouve-se o som de uma música ao longe.

Murmúrios do ontem.

Páginas amareladas pelos anos,

com um característico cheiro de guardado.

Poeiras tentam encobrir os rastros,

mas a memória insiste em lembrar.

No porão foram deixadas sobras do passado,

em cada objeto, desperta um sentimento.

Neste momento, lágrimas e sorrisos se abraçam.

Olhar perdido, pensamentos viajam.

Baú de recordações.

Resquícios de fatos ocorridos,

paralisam o hoje.

Mergulham em épocas distantes.

Imagens desfocadas.

Visão desmaterializando-se...

Sua mente foi capturada pelo presente:

O que passou, passou,

Não volta mais...

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A MORTE DO PASSADO

Uma casa em estilo colonial

telhado marrom escuro, paredes brancas,

janelas e portas azuis.

Na entrada da moradia uma escada de granito.

No primeiro degrau, olhando para baixo

estava uma senhora.

Observava seriamente o visitante recém-chegado.

O seu passado tocou a campainha e aguardava.

Ela hesitava em descer e abraçar este seu velho conhecido.

Não se atrevia a dizer-lhe que se aproximasse.

O fitava nos olhos, não se envergonhava dele.

Ele, silencioso, desfilava diante dela situações marcantes,

a conduziu a uma viagem interior

a levando ora ao sorriso, ora as lágrimas.

Trouxe todas as malas, veio para ficar.

Ela afastou-se dois passos.

Como um fantasma ele foi subindo lentamente.

Ela continuou a andar para trás sem se voltar

e subitamente gritou:

__ “Pare! Você não tem controle sobre mim!”

E o empurrou escada abaixo.

O passado se partiu em mil fragmentos.

O vento espalhou várias partes por todos os lados.

Choveu, molhando e apagando seus rastros.

A senhora triunfante abriu a porta

e a fechou com estrondo atrás de si.

O passado recuou na linha do tempo,

retornando a época a qual pertencia...

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AMOR DESPREZADO

O Salão é envolvido com sonorização jovem,

corpos vibrantes e animados.

De repente, a banda de rock pára.

Surge no palco uma nova canção.

Melodia exprimindo um sentimento ardente.

Multidão silenciosa se recusa a dançar.

Ainda assim, a orquestra pouco se incomoda:

Lá está ela: falando sozinha de paixão.

A magia passeia pela noite romântica.

O orvalho da madrugada goteja.

A música persiste e apenas busca:

A quem possa interessar o afeto.

Flutuou na atmosfera e no espaço aéreo foi lançada.

Já amanhecia e pessoa alguma localizou.

Ternura, sensibilidade vinda do íntimo.

Brilho que estimula a vida.

O amor é tudo isto e muito mais.

No entanto, não houve quem se importasse.

Maestro cansado e triste,

Balada meiga e suave.

Mensagem não compreendida.

Sua fragrância, ninguém sentiu.

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A ROSA E O CRAVO

Era uma noite longa, escura e fria

desde muitos anos que não existia a luz do dia.

Nem a lua, nem as estrelas queriam estar ali.

Era um vale deserto e triste.

Nem os pássaros queriam cantar ali.

Somente havia escuridão e trevas.

Naquele lugar uma rosa murchava e estava morrendo.

Subitamente brota do nada, um cravo.

Suas pétalas tinham luz.

Tinha tanta energia que foi suficiente

para iluminar o vazio e a solidão do lugar.

E a rosa que não estava acostumada com as cores alegres,

assustou-se e ficou ainda mais murcha.

Então o cravo diminuiu a intensidade da luz

para que a rosa se acostumasse com ele,

mas a rosa sentia muito medo do cravo e fugia dele.

E o cravo não sabia mais o que fazer!

O cravo plantou grama em todo o vale,

chegaram os pássaros, o sol também veio.

E a rosa nada se alegrava.

O cravo temia que a rosa morresse,

e ele ficasse sozinho no vale.

Então o cravo a abraçou e a beijou.

E o amor e o carinho foram tão grandes

que as pétalas da rosa se abriram, ressuscitando sua alma.

A rosa segurou as mãos do cravo

e não quis mais soltá-las.

Surgiu no céu um eterno arco-íris

anunciando assim, a felicidade dos dois!

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O FIM DE UM AMOR

O terreno interior era vasto e fértil,

e, subitamente, nasceu uma flor.

Era nosso elo de ligação.

Era o que nos unia.

E então você sumiu.

Voltou, e desapareceu novamente.

E o sangue jorrava

da ferida e da mágoa

que a alma partida sofria.

Reguei a flor com a esperança,

que, de tanto carinho, você voltasse mais uma vez.

E entre idas e vindas,

em frangalhos se resumia meu entusiasmo.

Dilacerado e com o orgulho machucado,

consumindo-se estava minha aurora.

As sobras de meu viver apontaram:

A culpa é da flor.

Com a pá na mão e raiva de mim mesma,

tentei desprender a raiz que a mantém viva.

Porém, de tão profunda, e bem firme que estava,

acesa e esplêndida continuava.

Não se mata um amor quando se quer,

mas acaba morrendo espontaneamente,

quando percebe que não há razão para existir.

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ENIGMA

Pensamentos embaralhados.

Palavras complicadas.

Frases incompletas.

Circunstância inaceitável.

Eu que não consigo decifrar:

Abri as portas do meu querer,

Você entrou, você partiu,

Você não voltou.

Imagens torcidas e trêmulas.

Esforço-me e não acho a resposta.

Ilusão-realidade que se agarram em mim.

Por que não retorna?

Nem mesmo sei o motivo do afastamento!

Cenas perdidas na memória,

E ainda que eu rasgue, queime

e apague o seu perfil,

Sua sombra desfila diante de mim.

Você tem enigmas que meu consciente

é incapaz de solucionar.

Fechou a passagem e ausentou-se.

Ignoro o rumo tomado.

Pressinto que não regressará.

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SUA VOZ

Escutar a fala

é estimar, é experimentar sensações... é tudo.

Somente ouço,

entretanto, é impossível não me comover,

como se a sua presença fosse ao vivo.

Está muito distante,

viaja por ondas que se propagam no ar,

e com a interjeição "alô",

você vem a mim,

e com tanta expectativa,

desejo encurtar os quilômetros,

ansiando por estar perto.

É simplesmente uma dicção,

não possui contornos humanos.

Mas, ainda assim, a plateia interior se agita,

e é difícil esconder o que há em mim:

uma força iluminada que insiste permanecer.

Ouvindo o diálogo, imagino a expressão,

os lábios e a feição que o compõe.

Isto eu sei com segurança,

só não tenho certeza, se algum dia o verei.

E já que não o vejo pessoalmente,

consolo-me com o seu fragmento,

um som que provoca emoções:

SUA VOZ

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EM BUSCA DE UM PAR

Piano tocando continuamente

acelerando o hino da existência.

Ritmo alimentando o espírito,

e esta pianista que desconhece

se o tom é para alegria ou tristeza.

O que a deixa nesta incerteza, é sem dúvida

ter um único instrumento a soar.

Não é fundamental ser sinfonia,

um dueto é suficiente.

Escolheu o violino,

porém, este, preferiu o saxofone.

E após um período intenso de procura,

tudo o que conseguiu encontrar foi uma voz afinada.

Sim, era exatamente esta a necessidade:

mal os acordes saíam das teclas

e as cordas vocais os acompanhavam.

Então era isto: alguém muito especial.

Inesperadamente as notas musicais

tornaram-se incompreensíveis para o cantor

e ele nem ao menos tentou entender

o sentido e a razão da situação.

Foi embora.

E o ego descobriu:

o tom é melancólico.

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DESTINOS TRAÇADOS

Todas as noites sonhava o mesmo:

a neblina se sobressaía

e se via apenas a imagem indistinta de um homem,

mas o seu coração era impressionantemente visível

revelando seu caráter e modo de ser.

Ele andava a esmo.

Do seu coração saíam notas musicais,

liras românticas em busca de um amor.

Seguro de si, bem-sucedido profissionalmente,

no entanto, lhe faltava uma companheira.

Ela se encantou com ele

queria transportá-lo para a sua realidade.

Não sabia seu nome, nem quem era,

porém, se maravilhava cada vez mais

com a riqueza do seu interior.

Certo dia, não o encontrou em seus sonhos.

Onde estaria ele?

Ouvia-se em seu íntimo uma suave música ao longe

a trilha sonora do coração apaixonado.

Caminhando pela rua, triste e distraída

avistou um vulto se aproximando.

Parou surpreendida ao compreender que era ele.

Trazia um buquê de rosas vermelhas e disse:

__ “Todas as noites sonhava com você!”

Olharam-se nos olhos,

entre sorrisos e abraços afetuosos,

selaram seus destinos que já estavam traçados.

PREMIAÇÃO: 01 – Panorama Literário Brasileiro 2006/2007 . As 100 melhores Poesias de 2006 – -

Editora CBJE - RJ

02 – Antologia “Os Mais belos Poemas de Amor” - Editora CBJE - RJ - Agosto/2006

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DEFICIENTES AUDITIVOS

A chuva caiu em cima do telhado fortemente,

contudo, compreenderam este fenômeno

por causa do dia nublado e das águas que desciam do céu.

Na floresta encontra-se o caminho

através do murmurinho do rio,

no entanto, eles se perderam.

Chamaram-lhes diversas vezes,

porém, eles não ouviram.

Soou o ruído de um animal selvagem aproximando-se,

entretanto, eles não escutaram e quase foram devorados.

Às vezes, um rumor longínquo, noutras apenas o silêncio.

Porque não ouviam, falavam pouco.

Ninguém notava suas potencialidades,

enxergavam somente suas limitações.

Eram quatro cidadãos:

o primeiro fez uma cirurgia e integrou-se à sociedade;

o outro, usou aparelho auditivo;

o terceiro, aprendeu a se comunicar por meio de gestos.

O último, não se adaptou a nenhum dos métodos,

tornou-se prisioneiro dos seus pensamentos,

lia e escrevia

e ao transcrever seus sentimentos num papel,

o deixou na correnteza do riacho.

Este, ao molhar e se desfazer parecia dizer:

“A discriminação fere os princípios de Deus

e assassinam aqueles que estão vivos.”

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FALÊNCIA

Chaminé de fumaça

espalhando prosperidade na atmosfera.

Vinha de um imenso galpão

onde conviviam centenas de pessoas.

Ao findar a tarde, cada um seguia seu caminho.

Parecia uma grande família.

Tinham seus direitos e deveres.

A recompensa pelo trabalho

era o salário pago mensalmente.

Dos esforços em comum

geraram produção em alta e qualidade nota dez.

Aparência próspera, lucros satisfatórios.

Porém, o egoísmo do administrador

pintou de negro as paredes da indústria.

Desfalque: zombou do suor dos seus operários.

Roubaram-lhes os sonhos do futuro.

Fecharam-lhes as portas.

Desempregados.

Silêncio, abandono, ruínas.

Cresceu o matagal.

Sem possibilidades de retorno.

Caiu o último tijolo.

Desmoronou o império capitalista:

O cabeça pôs tudo a perder!

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O JOGO DA VIDA

Correndo de braços abertos ele está.

Em seu rosto não há alegria, nem tristeza.

Está diante de uma plateia.

Se ele fez um gol e venceu o jogo

não há motivo interior para comemorar.

É sua obrigação.

No jogo da vida

não haverá ninguém para aplaudir.

As melhores alegrias guardamos para nós mesmos.

E quem se alegra com a vitória alheia?

A inveja não permite que muitos cidadãos

percebam a importância da vitória de outrem.

Mas, se o jogador está preocupado,

é porque ele se sente em dívida com o torcedor.

Está sendo pago para vencer.

A vitória não é dele, é do público.

Em seu rosto há cansaço e suor.

No semblante da plateia vitoriosa, há euforia e alegria.

Os últimos minutos finais do jogo

fazem com que o time adversário perceba a derrota.

O jogador não se atreve a olhar para a plateia perdedora:

compraram expectativas e receberam desilusões.

Para saber vencer é necessário saber perder.

Mas a derrota corrói o amor-próprio.

Aquele jogador corria de braços abertos,

como se os braços estivessem cheios de vitórias

e atirasse para a plateia vencedora o sabor do triunfo.

De súbito, deixa os braços caírem ao longo do corpo.

Cumpriu sua missão.

Sua vida pessoal não é triunfal,

mas, pelo menos,

pode fazer pessoas se sentirem triunfantes!

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ESQUECIDO PARA SEMPRE

Rosto oval,

emoldurado por cabelos castanhos escuros, curtos.

Sobrancelhas espessas, quase negras.

Olhar distante, contemplando o que não se podia ver.

Nariz delicado, arrebitado.

Sua boca pequena estava semi aberta,

como a pronunciar frases congeladas no tempo.

No lado esquerdo da face, uma cicatriz marcante:

consequência de uma guerra sem vitória.

O pescoço altivo, como a demonstrar orgulho.

Na cabeça, um capacete militar:

coroa eterna de um guerreiro.

Era o busto de um herói de guerra.

E o tempo o maltratava:

A poeira o cobriu por inteiro.

O vento forçou a janela do velho museu.

O pó bailava no ar, empoeirando ainda mais o salão.

O busto que foi moldado com material antigo.

Empurrado pelo vento, tombou no chão.

E o herói, que há tempos não era lembrado,

perdeu-se em mil fragmentos.

Ficou irreconhecível!

Veio o zelador e recolheu os pedaços com uma pá,

e os jogou na lixeira.

Já não havia mais lembranças...

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SENTENÇA FINAL

O juiz decretou: Culpado!

Irrevogável! Todas as provas na mesa.

Testemunhas e jurados de acordo!

Réu de pé... fim do julgamento.

Cometeu homicídio, reclusão de vinte anos:

regime fechado.

Ele anunciou: “Sou inocente!”

Os guardas o levaram e o conduziram à prisão.

Sim, ele é o criminoso, mas negando persistia.

Primeira e segunda semanas naquela masmorra:

riu, comeu e bebeu.

Mais sete dias voaram no calendário e tudo lhe era tedioso. Aos poucos, foi se

tornando agressivo,

revelando sua verdadeira personalidade.

Era uma fera, um bicho enjaulado!

Andava de um lado para o outro

e gritava palavras injuriosas.

Dois meses se passaram

e não suportava a pena que lhe coube.

Aos berros, forçava e balançava as grades da sua cela.

Não havia como fugir, era de segurança máxima!

Usava uma camisa velha e esburacada,

puxou-a violentamente,

rasgando e fazendo dela uma larga tira.

Enforcou-se!

Infelizmente, não era a consciência pesada,

compreendeu claramente o preço da perda da liberdade!

Águia engaiolada

que ficou sem o direito de voar e ver o brilho do sol!

Não tinha temor a Deus,

não amava ao próximo, nem a si mesmo.

Pagou o crime com a própria vida!

Esta foi a sentença final.

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Obs.:

Esse livro "Voz da Alma", foi publicado pela primeira vez,

pela Editora CBJE (Rio de Janeiro/Brasil) - Novembro/ 2005

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