objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas...

27
Objectivos de aprendizagem Quando tiver terminado a leitura deste capítulo e praticado os exercícios nele contidos, saberá como: z Classificar e organizar a informação antes de começar a escrever z Estruturar o artigo de modo a apresentar os resultados da sua investigação claramente z Saber fundamentar o seu artigo de modo credível e lógico z Aplicar várias técnicas de escrita, inclusive a narrativa, para chamar a atenção dos leitores z Discutir as vantagens e as limitações de diversas metodologias para elaborar artigos investigativos z Discutir diferenças na apresentação e ‘embalagem’ dos artigos, entre os meios de comunicação escritos, difusão e digitais z Aplicar listas de verificação apropriadas para revisão e auto-edição. Este capítulo não aborda os aspectos relacionados com a obtenção de informação nem reportagem. Para rever estes aspectos, leia: z Capítulo 1 que contém definições do jornalismo de investigação z Capítulo 2 que contém orientações para a concepção de ideias para uma reportagem z Capítulo 3 que contém dicas para planear um projecto de investigação z Capítulo 4 que contém orientações sobre como lidar com as fontes de informação z Capítulo 5 que explica as técnicas de entrevista forense z Capítulo 6 que explica as ferramentas e técnicas de investigação z Capítulo 8 que aborda os aspectos legais e éticos que incidem sobre uma investigação. Redacção do texto Este capítulo não segue precisamente o mesmo formato que a maioria dos outros. Assenta, sim, num exemplo ocorrido, através do qual seguimos as fases na elaboração de um artigo, desde o mapa de dados até à preparação do esboço e a versão final para publicação.

Upload: dangcong

Post on 13-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

Objectivos de aprendizagemQuando tiver terminado a leitura deste capítulo e praticado os exercícios nele contidos, saberá como:

zz Classificar e organizar a informação antes de começar a escrever zz Estruturar o artigo de modo a apresentar os resultados da sua investigação claramente zz Saber fundamentar o seu artigo de modo credível e lógico zz Aplicar várias técnicas de escrita, inclusive a narrativa, para chamar a atenção dos leitores zz Discutir as vantagens e as limitações de diversas metodologias para elaborar artigos investigativos zz Discutir diferenças na apresentação e ‘embalagem’ dos artigos, entre os meios de comunicação

escritos, difusão e digitaiszz Aplicar listas de verificação apropriadas para revisão e auto-edição.

Este capítulo não aborda os aspectos relacionados com a obtenção de informação nem reportagem. Para rever estes aspectos, leia:

zz Capítulo 1 que contém definições do jornalismo de investigação zz Capítulo 2 que contém orientações para a concepção de ideias para uma reportagem zz Capítulo 3 que contém dicas para planear um projecto de investigação zz Capítulo 4 que contém orientações sobre como lidar com as fontes de informaçãozz Capítulo 5 que explica as técnicas de entrevista forense zz Capítulo 6 que explica as ferramentas e técnicas de investigação zz Capítulo 8 que aborda os aspectos legais e éticos que incidem sobre uma investigação.

Redacção do textoEste capítulo não segue precisamente o mesmo formato que a maioria dos outros.

Assenta, sim, num exemplo ocorrido, através do qual seguimos as fases na

elaboração de um artigo, desde o mapa de dados até à preparação do esboço e a

versão final para publicação.

Page 2: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-2Redacção do texto

Tem estado a colaborar num projecto de investigação relacionado com a pulverização de culturas na sua área, e alegações que um spray utilizado para matar as pestes (pulgão verde) nas bananeiras tem prejudicado a saúde dos

trabalhadores das fazendas e dos outros habitantes. As bananas são a cultura principal da zona e são exportadas para os países vizinhos e para a Europa; a produção da banana é o sector que produz mais emprego na zona.

Os trabalhadores não são avisados da pulverização, sobretudo dado o facto que o spray pode alastrar-se para além das zonas designadas devido à acção do vento. Frequentemente, o spray cai nas culturas das lavras ou hortas das aldeias. Algumas culturas morrem, assim como muitos insectos, como abelhas. Os pilotos responsáveis pela pulverização foram avisados que o produto químico que utilizam, Killyt, é tóxico. Folhetos de protecção são distribuídos aos trabalhadores na aldeia, mas estão redigidos em inglês, não na língua local.

A sua hipótese: a pulverização das culturas é prejudicial para a saúde das pessoas e das outras culturas locais; devem existir melhores mecanismos de protecção e, até talvez, o produto químico não deve ser utilizado.

Agora chegou ao momento de escrever o seu artigo. zz Qual é o melhor modo de abordar esta tarefa?zz Qual é o formato que o artigo final deve assumir

Pontos de partida

Planear e delinear a reportagem

Entrevistou várias pessoas: na aldeia, na companhia de produção das bananas, no governo – e um cientista. Também investigou o produto químico na internet. A sua entrevista final foi com a Ministra da Agricultura na capital. Ela disse que estava preocupada com a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária das plantações de bananas) tem estado a negociar o investimento noutros distritos e numa fábrica de transformação de bananas em regime de parceria público-privada “e seria uma pena se a boa relação entre o nosso governo e estes benfeitores fosse prejudicada por causa dos boatos alarmistas dos camponeses que não têm conhecimentos de ciências”, o que leva a entender que ela preferia que não escrevesse o artigo – e fica o aviso que todo o cuidado deve ser aplicado ao redigir o artigo.

Mas o seu redactor está disposto a avançar, e dá-lhe espaço para o máximo de 1 500 palavras, que ele utilizará num centre-spread com as fotografias que você trouxe da aldeia.

O seu primeiro passo é voltar à sua hipótese inicial. Será que as suas entrevistas e investigações revelaram algo que altere, ou acrescente à sua opinião inicial a respeito do perigo da pulverização de culturas? Conforme constatado no Capítulo 3, é normal que, uma vez atingido este ponto, o enfoque do seu artigo tenha mudado consideravelmente e que precisa de redefinir a sua hipótese. Mas neste caso, você está convencido da solidez da ideia básica.

Você acrescenta todas as informações obtidas das entrevistas e das investigações ao seu mapa de dados sobre o assunto.

Page 3: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-3Redacção do texto

AldeõesPeritos e pessoas

intimamente ligadas ao assunto

GovernoInvestigações,

apontamentos e observações pessoais

Empresa

Mama Amina Kiruki, agricultora, presidente da cooperativa dos produtores de alimentos da aldeia Entrevista, sexta-feira, 3 de Junho

“Era ali que estavam os meus girassóis. Quando pulverizaram as culturas, todos os girassóis morreram. Na floresta há outras plantas que também estão a morrer”

“É bom ser agricultora! Orgulho-me de ter sempre podido alimentar a minha família. Até após o fim da guerra civil, quando não havia nada, a minha família não sofreu fome por causa destas lavras.”

“Queremos que eles parem com a pulverização.”

“Fomos ao conselho distrital. Fizeram-nos esperar o dia todo – mas ninguém veio falar connosco.”

“Eu não leio inglês. Vi os folhetos mas não os compreendo.”

“Usar sacos para cobrir as culturas? Isso é um desperdício. Precisamos dos sacos para conservar os produtos!”

“A Anane é dona desta aldeia. É por isso que o conselho e o governo não se interessam por nós.”

Prof. Henri Soren, Instituto Nacional de Investigação Científica. Cientista investigador especializado em produtos químicos utilizados na agricultura. Entrevista, segunda-feira, 6 de Junho, às 09:00 horas no seu escritório

“Gindrin é um químico corrosivo. Corrói a pele. Por esse motivo, é pulverizado nas bananeiras antes de o fruto se formar. As pessoas expostas ao produto por períodos prolongados (3-5 anos) nos EUA registam uma incidência mais elevada do que o normal de sofrer de cancros da pele e do pulmão: é por isso que a FDA dos EUA suspendeu a sua utilização. No que respeita aos animais selvagens, nalgumas zonas da Florida tem-se registado a mesma redução das populações de abelhas onde o produto, Gindrin, foi usado. O que devemos fazer? Devíamos fazer um estudo do impacto ambiental. Não recomendo que as pessoas respirem o produto nem comam alimentos em que o spray foi aplicado, e estou muito preocupado pelo facto que está a ser utilizado aqui. Os produtos usados aqui devem estar registados na nossa lista de produtos químicos permitidos, mas a o Gindrin não figura”

Ministra Nacional da Agricultura, Penelope Farawa-Holiuki, entrevista telefónica, terça-feira, 7 de Junho, 14:00 horas

“A empresa tem boas relações com o nosso governo desde o fim da guerra civil.”

“Presentemente, estamos a negociar a sua expansão para outros três distritos, assim como a construção de uma fábrica em regime de parceria público-privada para a transformação das bananas. Isto melhorará a nossa economia ao permitir-nos acrescentar valor através da transformação: um objectivo de longo prazo do nosso renascimento económico.”

“Não tenho conhecimento de problemas relacionados com a pulverização das culturas.”

“Nunca fui informada que o Gindrin é um produto químico que não está aprovado aqui. Se fosse esse o caso, então investigaríamos o assunto.”

“Mas não sei quando. Esses inquéritos seriam realizados talvez só durante a próxima sessão parlamentar. Nós estamos com falta de técnicos e não temos verbas para um tal projecto”

“Antes de encerrar esta entrevista, quero mencionar que seria uma pena prejudicar a boa relação do nosso governo com benfeitores como a Anane por causa de boatos alarmistas que não têm conhecimentos de ciências”.

A terra está verde e viçosa – mas o sítio onde estavam os girassóis está negro e putrificado.

Mama Amina veste de modo tradicional. A enxada que usa e onde se encosta enquanto conversamos foi consertada pelo menos meia dúzia de vezes.

De acordo com o website da administração de produtos alimentares e medicamentosos dos EUA,: Gindrin foi aprovado para utilização em 1999 mas foi suspendido em 2005 na pendência de um estudo ambiental – os resultados ainda não foram publicados.

Todas as primaveras, uns 1 000 litros de Killyt são pulverizados por aviões a baixas altitudes para matar o pulgão verde nas bananeiras.

No último Natal, a Anane ofereceu uma recepção ao Conselho Distrital no seu Centro Comunitário para o pessoal.

Também ofereceu o centro comunitário gratuitamente para comícios do partido no poder durante as recentes eleições municipais.FONTE: BOLETIM INFORMATIVO DA COMPANHIA EDIÇÃO 4/No 2 p.13

Nas plantações são empregues 300 pessoas a diferentes alturas do ano como trabalhadores ocasionais: as tarefas de colheita, limpeza e embalagem são todas mecanizadas.

Exportações de banana - 45% de todas as receitas do distrito. FONTE Grupo de Estudo dos Projectos Agrícolas, EU, Junho de 2007. Turismo - 10% das receitas do distrito. O resto: 12+ outras culturas e actividades

NB: Produção de alimentos para consumo doméstico não está incluída nestes cálculos – mas o único meio de sobrevivência para os trabalhadores ocasionais das fazendas, depois de despedidos pela Anane.

Porta-voz da Anane, Miriam Kiruki-Lafitte – entrevista telefónica, sexta-feira, 10 de Junho

“As queixas são exageradas. Killyt é um produto químico relativamente seguro pulverizado com muito cuidado. Ocasionalmente, a força do vento pode provocar pequenos problemas para os jardins vizinhos e lamentamos esta situação, mas nós damos sempre aviso prévio e asseguramos que todos estão informados das precauções de segurança.”

“As nossas licenças de pulverização estão em ordem. Foram emitidas pelo Conselho Distrital de Kuru e não tenho qualquer conhecimento da necessidade de registar o produto químico. Mas se for necessário, é lógico que iremos cumprir,”

“Não penso que posso fazer uma estimativa do valor exacto das instalações oferecidas aos políticos, nem pela comida oferecida na recepção. Evidentemente, deve compreender que o bem-estar do distrito é importante para nós, e ajudamos sempre que pudermos.”

Criar um mapa de dados para a sua reportagem

Page 4: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-4Redacção do texto

Criar um mapa de dados para a sua reportagem (cont.)

AldeõesPeritos e pessoas

intimamente ligadas ao assunto

GovernoInvestigações,

apontamentos e observações pessoais

Empresa

Job Kiruki – caçador. Pai de Mama Amina

“Já não se vêem abelhas. Quando íamos à caça trazíamos também mel, mas agora é raro.”

Capitão Aaron Mendez – piloto de pulverização da Anane NÃO MENCIONAR O SEU NOME! Entrevistado na quarta-feira, 8 de Junho, La Bella Bar.

“Eu seria despedido se eles soubessem que lhe tinha mostrado isto.”

A BROCHURA DIZ: “Usar máscaras a todos os momentos ao fazer a pulverização. Não manipular as botijas de Killyt, nem as mangueiras ou bocais sem protecção das mãos. Não tocar em derrames. Na eventualidade de exposição, pode sofrer ardor dos olhos, boca ou garganta ou irritações da pele. Lavar a pele imediatamente com água fria em abundância. Regressar imediatamente à base, tome banho de chuveiro, mude de roupa e consulte a clínica sem demora. Não faça outra missão de pulverização até receber alta da clínica.”

Amos Minuki, técnico administrativo responsável pela emissão de licenças no Conselho Distrital de Kuru. Entrevistado na sexta-feira, 3 de Junho às 11:30 horas “As licenças para a pulverização foram emitidas em Junho de 2006. No formulário, não é necessário indicar o produto químico. Talvez devemos averiguar isso. Mas não temos conhecimento de quaisquer problemas, ou queixas relacionadas com a pulverização. Ninguém nos informou disso”

“É mentira que temos uma obrigação moral para com a empresa ou que não nos interessamos pela aldeia de Kuru. Investigaremos todas as queixas legítimas. Não recebemos quaisquer benefícios pessoais da Anane, embora contribua para o desenvolvimento e as receitas locais – que, evidentemente, são utilizadas para o bem dos habitantes.”

Job usa um chapéu feito de pele de animal. Aparenta ter 90 anos, mas é provavelmente muito mais jovem. Parece estar bêbado. Passa grande parte da entrevista a dormir, mas sai para assegurar que nos diz alguma coisa.

O Capt Mendez deve ter uns 60 anos – Português, penso? Parece ser de confiança – sóbrio, muito bem arranjado. Deve ter sido militar. Mas muito nervoso – precisa deste emprego e receia perde-lo – talvez velho demais para arranjar outro emprego na aviação?

PANFLETO DISTRIBUÍDO NA ALDEIA DIZ:“Não existem provas científicas conclusivas que os produtos usados no spray para controlar o pulgão verde nas bananeiras provocam doenças em seres humanos se forem correctamente aplicados. Mas dado que os impactos sobre a saúde ainda estão a ser estudados, recomendamos que as pessoas que não tenham qualquer motivo por entrar nas zonas de pulverização, e sobretudo aquelas mais sensíveis, se afastem da zona ou permaneçam dentro de portas durante a pulverização e cubram as culturas com sacos. As pessoas preocupadas com os impactos para a saúde devem consultar o médico.”

Enfermeira na cínica, Sara Wahuki

“Os casos de eczema e de vermelhidão aumentam para o dobro em Setembro, altura em que a pulverização é feita. Vejo muitos bebés a tossir sem poderem respirar. Não é assim noutras épocas do ano.”

“Sim, fui com a Mama Amina ao conselho distrital. Passámos lá o dia mas ninguém quis receber-nos.”

“Depois, ajudei-a a escrever uma carta. Nunca recebemos resposta.”

Tem uns 40 anos. Óculos redondos. Um pouco envergonhada e tímida. Bata branca a brilhar – não sei como a consegue manter tão limpa nesta aldeia poeirenta!

Registo das baixas da clínica indica: Agosto - 20 pacientes de vermelhidão, 10 ataques de asma .Setembro, depois da pulverização – 45 casos de vermelhidão 28 de asma

Vista uma cópia da carta de 24/10/06

Page 5: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-5Redacção do texto

Este tipo de mapeamento de dados é apenas uma opção. Outra opção é de realçar a informação nos seus apontamentos com canetas de cor, ou usar números para ligar a informação sobre o mesmo tema; fazer ‘cortar e copiar’ no computador para colocar as informações em secções diferentes – ou até, numa reportagem mais longa e complexa, corte e agrafe os apontamentos que estão relacionados uns com os outros.

Faça o que melhor se enquadra na sua metodologia de trabalho. O importante é agrupar todas as respostas e informação em relação a cada aspecto da sua reportagem. Este é o fundamento de

um artigo bem escrito: resulta em parágrafos e secções que dão seguimento uns aos outros, permitindo que você faça a sua análise e explique o seu raciocínio.

Constata as seguintes contradições / questões neste mapa de dados?:

A empresa europeia proprietária das plantações de banana, Anane, afirma que o spray é ‘relativamente não tóxico’ MAS

O folheto contendo o aviso distribuído aos pilotos usa uma linguagem mais forte que o folheto distribuído aos habitantes da aldeia e aos agricultores, sugerindo um perigo verdadeiro.

Viu estatísticas das baixas no hospital pela altura em que a pulverização atinge o seu pico, e tem provas subjectivas e observadas da aldeia dos danos provocados às culturas.

Um cientista de investigação na capital afirma que a exposição prolongada, durante 3 a 5 anos (a pulverização com este químico só começou a ser feita há uns 2 anos) pode provocar doenças.

Também pesquisou o produto químico na internet e descobriu que a sua utilização foi suspendida nos EUA por razões de saúde.

O Conselho Distrital diz que não recebeu quaisquer queixas em relação à pulverização. Diz que o investimento europeu na produção da banana é vital para o desenvolvimento da aldeia, MAS

Tanto a enfermeira da clínica e a chefe da cooperativa dos produtores da aldeia afirmam que escreveram uma carta e até visitaram os escritórios da câmara para tentar parar a pulverização.

O seu cientista de investigação diz que o produto químico não está aprovado para ser utilizado no seu país. As autoridades nacionais e distritais afirmam que não têm conhecimento disto, E

Quando verifica o formulário do pedido da licença de pulverização, esse nem pede o nome do químico.

Os aldeões dizem que as autoridades estão no bolso da empresa, E

Você descobriu que a empresa prometeu expansão nacional, uma nova instalação, oferece festas e oferece as instalações ao conselho nacional e para os comícios do partido no poder.

Assim, a sua reportagem integra quatro aspectos:1. Os danos que a pulverização parece provocar 2. A nocividade do produto químico e o facto que não foi aprovado 3. A falta de resposta por parte das autoridades4. A relação entre a empresa e as autoridades distritais e nacionais.

Volte aos seus apontamentos, e organize todos os factos, citações e pormenores nestas quatro secções, para se certificar que não omite nada.

Agora, precisa de passar algum tempo a reflectir sobre o que tem em mãos. Numa reportagem de investigação, o ideal é que existam provas absolutas – a ‘pistola fumegante’ – que os infractores visados efectivamente causaram os danos que está a alegar.

O que constitui provas absolutas da sua hipótese na reportagem?

A melhor prova seria que esperasse até à próxima pulverização, e logo depois disso, enviasse uma amostra das plantas afectadas e uma pessoa com problemas da pele ou de respiração para análises, para estabelecer se o produto químico em questão é a causa. Isto significa que terá de adiar a reportagem, o que acarreta custos. Mas, dar-lhe-á a ‘pistola fumegante’: estabelecerá uma ligação clara e fundamentada em provas científicas entre a causa (pulverização das culturas) e os efeitos (doença e morte das plantas), que ligará às suas outras provas em relação ao estatuto do produto químico.

Mas não é a única forma de obter tudo isto. É difícil faze-lo apenas com um artigo bem redigido. Um artigo de investigação significa que estázz A sugerir causaszz A sugerir resultados

Page 6: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-6Redacção do texto

zz A sugerir associações zz A categorizar as coisas …zz …e a fazer outras coisas em relação às quais terá de aplicar lógica.

Consulte a palavra ‘lógica’ no dicionário e encontrará algumas definições que remetem ao ‘raciocínio’. Na linguagem corrente, ‘lógica’ implica simplesmente ‘raciocínio que faz sentido’.

Mas, frequentemente, lemos artigos investigativos que parecem ser convincentes, mas não fazem sentido porque os autores não aplicaram a terminologia correcta, não utilizaram bem as provas, ou não fizerem as associações apropriadas. E algumas das insinuações fracamente fundamentadas também são difamatórias.

Não conseguirá a pistola fumegante para esta reportagem se fizer uma das seguintes coisas:

Intercalar as definiçõesGindrin (localmente conhecido como Killyt) é perigoso porque está proibido nos EUA. A FDA suspendeu o químico ….

(‘Suspensão’ não é o mesmo que ‘banir’; trata-se de uma medida frequentemente aplicada para dar tempo para que o produto seja investigado.)SOLUÇÃO? Torne o abstracto em algo de concreto com explicações ou referências a exemplos. Defina os termos no seu artigo e aplique sempre a mesma definição.

Utilizar generalizações não comprovadas O nosso país está horrorizado pelo uso deste spray não registado.

(E as pessoas que entrevistou e que aprovam, ou que não sabem? E aquelas que não querem saber? Essas não fazem parte do seu país?)SOLUÇÃO? Certifique-se de que conhece o significado (e diferença) das expressões como ‘a maioria’, ‘muitos’, ‘alguns’, ‘poucos’. Utilize-as correctamente. Tenha muito cuidado com a distinção entre ‘a maioria’ e ‘muitos’, e ainda mais cuidado ao referir a ‘todos’ ou ‘nenhuns’. Algo é ‘a razão’ ou ‘uma das razões’? ‘Sempre’, ou ‘frequentemente’? Torne as afirmações genéricas em afirmações específicas ao citar casos concretos e citar as pessoas que nomeou.

Utilizar argumentos sem fundamentos O conselho municipal foi comprado pela Anane e é por isso que se recusa a agir contra a empresa.

(Todos os vereadores? Como sabe isso?)SOLUÇÃO? Fundamente todas as suas afirmações com mais pormenores, com definições cautelosas e prudência. Mostre, não se limite a afirmar: permita que os leitores desenvolvam as suas próprias opiniões sobre se os favores motivaram a acção ou a inacção.

Atacar a pessoa, em vez de examinar a ideia A Ministra da Agricultura favorece a Anane porque despreza os pobres.

(Nem que ela seja uma ‘snob’, é possível que existam boas justificações a favor da colaboração com a empresa.)SOLUÇÃO? Simplesmente não faça isto. Limite-se aos factos e aos argumentos.

Citar as autoridades para provar os argumentosGindrin é perigoso porque um investigador no Instituto Nacional de Investigação o disse.

(Isto é evidência, não é uma prova. Ele pode estar enganado, sobretudo se ele for a sua única fonte.) SOLUÇÃO? Liste as vantagens e as desvantagens e examine-as de forma equilibrada. Concentre-se nas razões: porquê, não que o disse. Fale, investigue e cite um leque de fontes relevantes, não apenas uma.

Apelar aos preconceitos, estereótipos ou emoções Os camponeses da aldeia de Kuru são trabalhadores e honestos, é improvável que mintam a este respeito. Por sua vez, o

conselho é corrupto.(Todos eles? Não será um estereótipo?) SOLUÇÃO? Não o faça. Evite estereótipos, quer sejam positivos ou negativos, empregue uma linguagem neutra e trate todas as fontes e protagonistas com o mesmo cepticismo. Cite evidências para o que disser.

Encontrar causa falsa (“Depois de X, consequentemente causado por X”)Gindrin é perigoso porque, depois da pulverização, as plantas morrem e as crianças adoecem.

(Mas a pulverização pode não ser a causa destes efeitos. O timing meramente sugere uma eventual associação. Isto é o que os juristas chamam de ‘circunstancial’ – os timings correspondem, mas não possui outra associação. Terá de encontrar outra associação, que não o timing. A noite segue ao dia, mas não é o dia que causa a noite),SOLUÇÃO? Veja se é possível e provável que X tivesse causado Y. Será que X antecedeu a Y? O que fez X para causar Y? Existem outras eventuais causas? Pode descartá-las? Existem outros exemplos semelhantes de Y ter sido causado por X?

Page 7: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-7Redacção do texto

Este último ponto parece sugerir algo de negativo. Se não puder esperar pelas análises até à próxima primavera, não pode aplicar a justificação que os efeitos negativos seguem à pulverização e que, por conseguinte, é essa a causa. Onde estão as provas da sua constatação?

Mas também existem aspectos positivos. É possível escrever um artigo investigativo rigoroso e convincente com base no peso das evidências em vez de um único elemento forte de prova. Um elemento de prova é melhor – se o conseguir encontrar. Mas evidências sólidas apropriadamente reunidas podem produzir os mesmos resultados. E você tem muitas evidências:zz as evidências à sua frentezz evidências pessoais dos aldeões zz peritagens de um cientista local zz as acções das autoridades dos EUA ao suspender o produto químico zz a aviso fortíssimo dos perigos no folheto sobre a pulverização

O que precisa de fazer é apresentar estas evidências de modo inequívoco e explícito ao, talvez, contactar novamente as suas fontes para que repitam o que disseram de modo mais claro. Iremos aprofundar esta questão mais adiante.

Talvez deva também contextualizar de modo mais firme. O contexto dá informação sobre o ambiente em que as acções e as consequências se registaram. Substancia a informação sobre se as pessoas envolvidas tinham: zz meios;zz motivos; ezz oportunidades para fazer o que você está a alegar.

À semelhança dos outros tipos de redacção, é melhor mostrar do que contar. Exponha as evidências de modo a mostrar ao leitor como se acumulam contra o seu ‘vilão’, sem acrescentar uma interpretação eventualmente difamatória. Mas, num artigo investigativo, terá de mostrar e contar. Seja inequívoco na mensagem que transmite (para evitar outras interpretações, talvez mais difamatórias, por parte dos leitores), exponha as evidências e acrescente uma frase de síntese: “O folheto dos pilotos revela que a Anane conhecia os perigos do Gindrin.”

Elaboração dos parágrafosOs repórteres afectos a jornais quotidianos frequentemente descartam o hábito que aprenderam na escola de planear e elaborar os textos em parágrafos. Isto é porque os jornais raramente publicam os artigos deles no formato inicial; os editores reduzem o tamanho dos parágrafos ou juntam dois parágrafos para poupar espaço.

Não se preocupe com isso. O parágrafo é a pedra angular de qualquer artigo. Planeie e escreva em parágrafos, e deixe que os redactores se preocupem com layout.

Cada parágrafo representa um mini-artigo. Explora um aspecto da sua investigação, ao dividir o tema geral em elementos mais manejáveis para o autor e para o leitor. Começa com uma ‘frase temática’ que indica ao leitor o aspecto que está a tratar ou como se associa ao que precedeu. Depois, o parágrafo contém zz evidências (detalhes, citações, factos e figuras)zz definições ou explicações zz contexto, história, comparação ou contraste zz causa ou efeito zz argumentos a favor ou contra zz análise ou sugestão de consequências.

(Um único parágrafo não pode conter tudo isto!)

Eis como funciona.Supomos que quer escrever acerca da relação entre a sociedade agrícola, Anane, e o governo local e nacional. Tem os aldeões a afirmar que o conselho distrital está no bolso da empresa, que os oficiais desmentem, e a sua própria investigação a este respeito.

“A Anane é dona do distrito,” afirma Mama Amina. “É por isso que o conselho e o governo não estão interessados em nós.” [Frase temática indicando a opinião dos habitantes da aldeia]

O funcionário do conselho distrital, Minuki, desmente tudo isto. “Investigaremos todas as queixas legítimas,” promete ele. “Não recebemos quaisquer benefícios pessoais da Anane, embora contribua para o desenvolvimento e as receitas locais – que, evidentemente, são utilizadas para o bem dos habitantes.” [Refutação oficial]

Page 8: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-8Redacção do texto

No último Natal, a Anane ofereceu uma recepção ao Conselho Distrital no seu Centro Comunitário para o pessoal, que também disponibilizou gratuitamente para comícios do partido no poder durante as recentes eleições. [Suas evidências de investigação]

A Sra. Kiruki-Lafitte recusou-se a estimar o valor exacto destes eventos e instalações, comentando, “Evidentemente, o bem-estar do distrito é importante para nós, e ajudamos sempre que pudermos.”[Comentário oficial]

É provável que a Anane venha a contribuir mais no futuro. [Frase temática para o parágrafo seguinte, associando a situação local à central, e o presente ao futuro]

A Ministra Nacional da Agricultura, Penelope Farawa-Holiuki falou com este repórter da capital. “A empresa tem desenvolvido boas relações com o nosso governo desde o fim da guerra civil,” afirmou. “Presentemente, estamos a negociar a sua expansão para outros três distritos, assim como a construção de uma fábrica para a transformação das bananas em regime de parceria público-privada. Isto potenciará a nossa economia ao permitir-nos acrescentar valor através da transformação: um objectivo de longo prazo do nosso renascimento económico.” [Confirmação oficial das vantagens do investimento]

Constatará que, neste exemplo, as frases temáticas são abstractas e genéricas: o distrito “pertence” à empresa; a empresa irá ‘contribuir mais’ no futuro. As evidências e citações que acrescentar ajudarão a fundamentá-las. O abstracto transforma-se em concreto e o genérico transforma-se no específico, ao referir a eventos e coisas verdadeiros que podem ser vistos ou verificados. Normalmente, é esta a estrutura de um parágrafo. A sua frase temática utiliza a ideia como o esqueleto, e depois acrescenta a carne, ou as evidências, citações e elementos de investigação aos ossos

Utilize citações para validar um aspecto, não para contar toda a história, e para acrescentar informação, não repeti-la. Não utilize citações para transmitir informações básicas. Utilize-as para revelar o tom das suas conversas com pessoas, mas não como substituto pela sua análise daquilo que lhe disseram.

Sobretudo numa investigação, é importante utilizar as palavras exactas dos outros. As excepções são: zz Erros que dificultam a compreensão do que a pessoa disse, a ridicularize, ou não acrescente ao ‘tom’ do discurso zz Expressões profanas e obscenas se o seu estilo de redacção não as permitir zz Verbosidade e repetição. Por exemplo, é possível que, na realidade, a Mama Amina tenha dito, “Olha, sabes, penso que o distrito

pertence à Anane.” As palavras “olha”, “sabe”, “penso” são desnecessárias; não acrescentam nada.zz Informação que pode revelar aos leitores no artigo, ou que é do conhecimento de todos – por exemplo, um funcionário do

Ministério do Ambiente que diz ‘O meu ministério é responsável pela terra, pela água, e pelo ar.”

Faça uma imputação cuidadosa de todas as citações (aliás, indique a fonte de tudo que não tenha observado pessoalmente). Num artigo investigativo, deve ter mais cuidado que habitual, porque os leitores vão julgar o valor das suas evidências pela fonte das mesmas. Indique sempre que um novo orador entrar no artigo. Se não poder fazer a imputação, explique porquê: “Seria despedido se soubessem que lhe mostrei isto”, disse o piloto.

Introduza bem as citações para que fluam. zz A linha que precede à citação deve dar a entender aos leitores o que vem a seguir, como em “A Ministra disse que a Anane era

importante para a economia. ‘Está previsto que invista …’”zz Uma introdução que transmita uma mensagem diferente confunde os leitores, como “A Ministra disse que a Anane era

importante para a economia. ‘Os camponeses não têm quaisquer conhecimentos da agricultura.’”zz Mas não seja repetitivo, como “A Ministra disse que a Anane era importante para a economia. ‘São importantes para a economia

…’” As citações devem servir de mais-valia; não empregue palavras que não acrescentem nada.

Limite-se a “ele/ela disse” para descrever um discurso. Outras palavras (‘afirmou’; ‘alegou; ‘defendeu) podem deturpar desnecessariamente a mensagem, ou (‘refutar; ‘desmentir’) podem gerar equívocos junto dos leitores. Mas se estiver correcto, pode utilizar uma expressão que acrescente ao tom. Se o funcionário do conselho distrital disse que as acusações de dívida moral eram falsas, seria incorrecto dizer que ele as “negou veementemente”.

Ao parafrasear, não deturpe o sentido. Mantenha o sentido e o tom do original. Se o porta-voz disser “Não temos orçamento”, não parafraseie do seguinte modo: “Ela disse que a empresa não estava preparada a gastar dinheiro nisto,” pois isto tem implicações para a sua atitude, não refere apenas à situação financeira.

Page 9: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-9Redacção do texto

zz As citações são usadas apenas onde são necessárias?z� Para dar ênfasez� Para alterar o ritmoz� Como evidência ou pormenores extraz� Para revelar o carácter ou acrescentar à tonalidade z� Para realçar um aspecto importante

zz As palavras entre aspas são as palavras exactas do orador?zz As palavras estão claras e alcançam o objectivo? (se não for esse o caso, é melhor parafrasear)zz As palavras são repetitivas? (se for esse o caso, reduza a citação ou omita informação repetida)zz Empregou as aspas correctamente para indicar o começo e o fim da citação?zz Imputou as citações às pessoas certas e correctamente?zz Evitou expressões susceptíveis de criar subentendidos (“ele defendeu”; “disse ela com um tom escarnecedor”) e adoptou

uma descrição neutra do discurso?

Lista de verificação para a utilização de citações

Chegado a este ponto, deverá ter classificado todos os seus materiais consoante as secções do artigo, reunido todos os materiais citados e informação obtida durante a investigação. Agora chegou ao momento de preparar o primeiro esboço.

Muitas pessoas não compreendem o propósito do primeiro esboço. Não se trata do artigo final, mas um rascunho que permite obter uma ideia do formato que pretende conferir ao artigo e identificar o que mais precisa de ser feito. Não é preciso preocupar-se com introduções elegantes, conclusões meticulosas ou linguagem requintada. Nesta fase, está a escrever, não a editar. Está simplesmente a reunir todo o material na página. Se uma secção parece estar ‘acabada’, escreva-a assim; a outra informação avulsa pode ser inserida onde melhor se encaixar.

Este é um possível primeiro esboço do artigo sobre a pulverização das culturas.

Desde 2006, quando a sociedade agrária suíça, Anane, começou a pulverizar as suas plantações de banana com o produto químico, Gindrin – conhecido localmente como Killyt – os aldeões constatam que muitas das suas culturas têm morrido como resultado. Dizem que não apenas as culturas são afectadas, mas também estão a desaparecer as abelhas e outros insectos.

A enfermeira da clínica, Sara Wahuki diz: “Casos de eczema e erupções cutâneas aumentam para o dobro em Setembro, quando a pulverização é feita. Vejo muitos bebés com tosse, sem poderem respirar. Não é assim noutras alturas.” O registo das baixas na clínica confirma as suas constatações: em Agosto, ela tratou 20 pacientes com erupções cutâneas; numa única semana, nos finais de Setembro, depois da pulverização, foram registados 45 casos de problemas da pele. Nesse mesmo período, o número de baixas por asma aumentou de 10 para 28.

A porta-voz da Anane, Miriam Kiruki-Lafitte, descreve as queixas como “exageradas. O Killyt é um produto químico relativamente seguro pulverizado com muito cuidado. Ocasionalmente, a força do vento causa pequenos problemas para as hortas nas imediações, o que lamentamos, mas avisamos com antecedência e asseguramos que todos estão informados das precauções de segurança.” A Sra. Kiruki-Lafitte diz que as licenças de pulverização foram emitidas pelo Conselho Distrital de Kuru e que ela não tinha conhecimento da necessidade de registar o produto químico. “Mas se for necessário, é lógico que iremos cumprir.”

Obtivemos um exemplar do folheto distribuído na aldeia. Está redigido em inglês, em vez de Seuki, o dialecto local, e diz, em parte: “Não existem provas científicas conclusivas que os produtos usados no spray para controlar o pulgão verde nas bananeiras provocam doenças em seres humanos se forem correctamente aplicados. Mas dado que os impactos sobre a saúde ainda estão a ser estudados, recomendamos que as pessoas que não tenham qualquer motivo por entrar nas zonas de pulverização, e sobretudo aquelas mais sensíveis, se afastem da zona ou permaneçam dentro de portas durante a pulverização e cubram as culturas com sacos. As pessoas preocupadas com os impactos para a saúde devem consultar o médico.” “Usar sacos para cobrir as culturas é um desperdício. Precisamos dos sacos para conservar os produtos,” diz Mama Amina Kiruki, presidente da cooperativa dos produtores de alimentos da aldeia.

Primeiro esboço

Page 10: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-10Redacção do texto

O folheto entregue aos pilotos dos aviões de pulverização é muito diferente, diz um piloto da Anane que preferiu não dar o seu nome para não perder o emprego. “Eles despediam-me se soubessem que eu lhe tinha mostrado isto,” disse ele.

Ele mostrou-nos as suas instruções de segurança, que diziam, em parte: “Usar máscaras a todos os momentos ao fazer a pulverização. Não manipular as botijas de Killyt, nem as mangueiras ou bocais sem protecção das mãos. Não tocar em derrames. Na eventualidade de exposição, pode sofrer ardor dos olhos, boca ou garganta ou irritações da pele. Lavar a pele imediatamente com água fria em abundância. Regressar imediatamente à base, tome banho de chuveiro, mude de roupa e consulte a clínica sem demora. Não faça outra missão de pulverização até receber alta da clínica.”

Este segundo aviso, mais forte, é mais apropriado, diz o Dr. Henri Soren do Instituto Nacional e Investigação de Produtos Químicos sedeado na Universidade Capital. “Gindrin é um químico corrosivo. Corrói a pele. Por esse motivo, é pulverizado nas bananeiras antes de o fruto se formar. As pessoas expostas ao produto por períodos prolongados – digamos, 3 a 5 anos – nos EUA registam uma incidência mais elevada do que normal de sofrer de cancros da pele e do pulmão: é por isso que a FDA dos EUA suspendeu a sua utilização. Não recomendo que as pessoas respirem o produto nem comam alimentos em que o spray tivesse sido aplicado, e estou muito preocupado pelo facto de que está a ser utilizado aqui. Os produtos usados aqui devem estar registados na nossa lista de produtos químicos permitidos, mas a o Gindrin não figura. Nalgumas zonas da Florida tem-se registado a mesma redução das populações de abelhas onde o produto, Gindrin, foi usado. Devíamos fazer um estudo do impacto ambiental.”

Amos Minuki, técnico administrativo responsável pela emissão de licenças no Conselho Distrital de Kuru, confirmou que as licenças para a pulverização foram emitidas em Junho de 2006. Mostrou a este repórter o formulário de pedido da licença, que não pede que o produto químico específico seja indicado. “Talvez devemos averiguar isso.” Disse ele. Mas não temos conhecimento de quaisquer problemas, ou queixas relacionadas com a pulverização. Ninguém nos informou disso.”

Mama Amina e Sara, a enfermeira, desmentem isto. Visitaram os escritórios do Conselho Distrital em Outubro de 2006, depois da primeira época de pulverização para levantar algumas questões relacionadas com os danos às culturas e queixas relacionadas com a saúde. Esperaram um dia, mas ninguém estava disponível para as ver. Posteriormente, a cooperativa dos agricultores dirigiu uma carta ao conselho distrital a respeito dos mesmos assuntos. Este repórter viu uma cópia, datada de 24 de Outubro de 2006. Elas dizem que ninguém respondeu.

A produção comercial de bananas é importante para o Distrito de Kuru. Umas 300 pessoas trabalham nas plantações nas várias épocas do ano como trabalhadores ocasionais: as tarefas de colheita, limpeza e embalagem são todas mecanizadas. zz As exportações de banana representam 45% de todas as receitas do distrito, de acordo com um estudo realizado

pelo Grupo de Estudo dos Projectos Agrícolas da União Europeia em Junho de 2007. Em comparação, o turismo, incluindo visitas à pequena Reserva das Quedas de Munu, representa apenas 10% das receitas do distrito. O restante é composto de uma dezena de outras culturas e actividades.

zz A produção de alimentos para consumo doméstico não está incluída nestes cálculos, embora seja o único meio de sobrevivência para os trabalhadores ocasionais das fazendas, depois de despedidos pela Anane.

zz A utilização de Gindrin foi suspendida pela administração de produtos alimentares e medicamentosos dos EUA (FDA), na pendência de um estudo sobre a sua segurança a longo prazo.

zz Nas redondezas da aldeia de Kuru, uns 1 000 litros de Killyt são pulverizados, todas as primaveras, por aviões a baixas altitudes para matar o pulgão verde nas bananeiras.

“A Anane é dona deste distrito,” afirma Mama Amina. “É por isso que o conselho e o governo não se interessam por nós.”Minuki: Investigaremos todas as queixas legítimas. Não recebemos quaisquer benefícios pessoais da Anane,

embora contribua para o desenvolvimento e as receitas locais – que, evidentemente, são utilizadas para o bem dos habitantes.”

No último Natal, a Anane ofereceu uma recepção ao Conselho Distrital no seu Centro Comunitário para o pessoal, que também disponibilizou para comícios do partido no poder durante as recentes eleições municipais. A Sra. Kiruki-Lafitte recusou-se a estimar o valor exacto dos eventos e instalações, comentando, “Evidentemente, o bem-estar do distrito é importante para nós, e ajudamos sempre que pudermos.”

É provável que a Anane venha a prestar mais assistência no futuro. A Ministra Nacional da Agricultura, Penelope Farawa-Holiuki falou com este repórter a partir da capital. “A empresa tem desenvolvido boas relações com o nosso governo desde o fim da guerra civil,” disse. “Presentemente, estamos a negociar a sua expansão para outros três distritos, assim como a construção de uma fábrica em regime de parceria público-privada para a transformação das

Primeiro esboço (cont.)

Page 11: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-11Redacção do texto

bananas. Isto potenciará a nossa economia ao permitir-nos acrescentar valor através da transformação: um objectivo de longo prazo do nosso renascimento económico.”

A Ministra disse que não tinha conhecimento de problemas relacionados com a pulverização de culturas, nem que o Gindrin não era um produto químico aprovado aqui. “Se fosse esse o caso, então investigaríamos o assunto,” disse ela. Quando pressionada, contudo, disse que esses inquéritos “seriam realizados talvez só durante a próxima sessão parlamentar. Nós estamos com falta de técnicos e não temos verbas para um tal projecto. Seria uma pena,” concluiu ela, “prejudicar a boa relação do nosso governo com benfeitores como a Anane por causa de boatos alarmistas de pessoas que não têm conhecimentos de ciências.”

Primeiro esboço (cont.)

O que é aliciante, o que é maçador?

A informação apresenta lacunas?

Revela fluência? É interessante?

Em 10 minutos, reflicta sobre estas perguntas e aponte as suas ideias.

Observações

O que tem a comentar sobre este esboço?

Page 12: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-12Redacção do texto

zz Salta de um tema para o outro e, como e óbvio, os parágrafos e os elos precisam de ser trabalhados. Em particular, a informação obtida pelas investigações está toda reunida em bloco, assim como toda a entrevista com o perito. Os dois extractos dos diferentes folhetos de segurança, expostos deste modo, tornam a leitura demasiado intensa e difícil. Deveria ter copiado e colado, substanciando os prós e os contras do argumento pelas evidências relevantes à medida que fosse avançando.

zz Existem algumas frases deselegantes e repetitivas: não é necessário referir ao piloto ser despedido tanto no atributo como na citação. ‘Levado pelo vento’ talvez necessite de explicação.

zz O artigo é ‘frio’ e teórico, porque não transmite o impacto humano do problema. Aliás, as opiniões dos habitantes da aldeia são frequentemente resumidas e parafraseadas, enquanto que o discurso dos funcionários é reproduzido na totalidade (talvez estivesse demasiado preocupado com a reacção oficial?)

zz Ao colocar a entrevista com a Ministra num parágrafo na conclusão do texto, atribui mais peso às opiniões dela, em relação ao que os outros disseram, e afecta o equilíbrio do artigo. Talvez existam normas protocolares para tratar as suas palavras? Se não houver, fragmente esse discurso!

zz E a investigação revela algumas lacunas: z� A enfermeira da clínica mencionou a asma, mas o seu perito não comentou sobre isso.z� Não perguntou à empresa acerca das mensagens diferentes nos seus folhetos (deve faze-lo com prudência, para não

expor a sua fonte: “Ouvimos dizer que os pilotos são avisados a tomar um banho de chuveiro?”), nem a razão porque não produz avisos na língua local. Poderia perguntar à empresa se está disposta a ajudar os habitantes pobres da aldeia com coberturas de protecção para as suas culturas. Não perguntou ao Conselho Distrital a respeito da carta que os habitantes da aldeia alegadamente lhe dirigiram. Eles afirmam que enviaram a carta, mas podem comprova-lo? Existe confirmação de recepção pelo conselho distrital?

zz O seu artigo não pode simplesmente culpar as autoridades sem averiguar a reacção ou atitude das mesmas para com os problemas. Será necessário realizar outras entrevistas. Nestas entrevistas deverá procurar informar-se do seguinte:z� O Dr. Soren comenta voluntariamente sobre a asma. Afirma que “os problemas respiratórios são também muito

vulgares e podem constituir uma ameaça à vida das crianças vulneráveis.” Você não possui os meios financeiros para se deslocar à aldeia novamente, mas pode telefonar à directora da escola, que confirma que, em Setembro, é frequente ela enviar as crianças para casa porque sofrem dificuldades respiratórias.

z� A enfermeira da clínica afirma que entregou a carta pessoalmente na recepção dos escritórios do conselho distrital, mas que não recebeu uma confirmação de recibo. Por conseguinte, você não tem como provar que foi recebida pela pessoa relevante no conselho distrital.

z� O porta-voz da empresa nega “absolutamente” que a dá informação diferente aos trabalhadores e aos habitantes da aldeia. “Podemos redigi-lo de modo diferente, como é evidente, porque os nossos trabalhadores são mais sofisticados e têm mais conhecimentos, mas a informação é a mesma.” Ela pergunta onde você ouviu isto, a que você não pode responder para proteger o piloto. Ela diz que “não possui verbas” para imprimir folhetos de segurança em “milhares de dialectos diferentes” mas diz que a empresa poderá considerar reformular o folheto “se for difícil de compreender”. E ela diz que “não existem verbas” para distribuir coberturas para as culturas na aldeia: “Não podemos distribuir materiais para todas as hortas – isso seria ridículo.”

Agora que está na posse desta informação adicional, pode começar a redigir o segundo esboço, que será a versão quase final. Chegou o momento de reflectir sobre a estrutura, o formato, e a forma em como pode animar o artigo através da redacção.

O que tem a comentar sobre este esboço? (cont.)

Formatos e estilos dos textos Basicamente, existem dois tipos de conteúdos para reportagens, quer sejam de investigação, hard news ou feature: zz cronológico – no qual a peça se desdobra ao longo do tempo, em que a sequência e as acções representam o material da

investigação (narrativas; seguindo uma situação ao longo de um período; acompanhando a investigação à medida que for avançando); e

zz temático – o jornalismo que aprofunda questões e argumentos (em função do tema; pode também ter que ver com processos, tendências ou explicações).

A peça sobre a pulverização de culturas é um exemplo claro do último tipo de conteúdo: tem que ver com questões e argumentos.

Page 13: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-13Redacção do texto

Conforme constatámos, os materiais são classificados ao serem repartidos em secções: a questão; quem é afectado; os conflitos e as descobertas que fez. Numa reportagem de investigação relativamente simples e curta, estas secções, com o acréscimo da introdução e da conclusão, podem representar um plano perfeitamente satisfatório para o produto final.

No jornalismo de investigação, o estilo literário na escrita fica subordinado à transmissão das questões e dos factos aos leitores, de forma clara e inequívoca. Assim, uma estrutura dividida em secções, sem “rodeios” pode ter bons resultados. Na nossa peça sobre a pulverização das culturas, as secções são:zz A questão: os danos provocados pela pulverização zz Quem é afectado: habitantes da aldeia, empresa, governozz Os elementos técnicos: a nocividade e o facto que o produto químico não foi aprovado; os regulamentoszz Os vilãos: entidades que não reagem, ou não emitem avisos zz Os motivos: o elo entre a empresa e as autoridades distritais e nacionais zz O fim: o resultado do acontecido ou o que poderá vir a suceder como consequência.

Mas, pode achar que este esboço seria mais interessante para os leitores se o trabalhasse um pouco mais. Existem várias formas de adaptar o seu material de modo a conferir-lhe um tom de narrativa; algumas ‘fórmulas’ e abordagens que os professores de redacção sugerem para reportagens de investigação. O seu material não é mais complexo que uma peça de hard news normal e, ao dota-lo de um formato e estrutura, o leitor poderá ‘trilhar’ pela informação complexa. As três estruturas mais comuns para reportagens de investigação são:

1 A fórmula do ‘Wall Street Journal’ Consiste em:zz começar com uma pessoa ou situação para contextualizarzz ampliando esse caso individual para lidar com as questões maiores, através de um parágrafo-resumo (nut graph) que

explica o vínculo entre o caso e as questões, e depois zz voltar ao seu estudo de caso para formular uma conclusão humana, comovente.

2 ‘High Fives’ (‘Toca Aqui)Este modelo foi desenvolvido por Carol Rich, uma coach de redacção norte-americana. As cinco secções que ela sugere são:zz Notícia (o que se passou ou o que se está a passar?)zz Contexto (quais são os antecedentes?)zz Âmbito (trata-se de um incidente, uma tendência local, um assunto nacional?)zz Finalidade (onde pretende chegar?)zz Impacto (porque é que os seus leitores se devem interessar?)

Esta estrutura exige a capacidade de construir bons elos e transições, para que os cinco elementos se encaixem uns nos outros. Senão, pode produzir a sensação que se trata de cinco textos curtos, uns a seguir aos outros. Mas constitui uma estrutura excelente para um artigo comprido na internet, onde é necessário subdividir uma narrativa extensa em secções manejáveis para facilitar o browsing aos leitores (ver Ciberjornalismo, páginas 7-21).

3 A pirâmideA abordagem tradicional no que respeita às peças noticiosas de hard-news é a ‘pirâmide invertida’ (começando pelos pontos

principais e acrescentado o material menos importante de apoio mais tarde). Agora, a pirâmide assume o seu formato normal. Numa reportagem de investigação, existe a latitude para desenvolver o texto até chegar ao remate ou conclusão, ao guiar o leitor pelas descobertas que fez. Assim,zz Começa com um resumo do tema da reportagem zz Oferece um presságio do que está para descobrirzz Depois, siga a trajectória da investigação passo a passo, mantendo o suspense e desenvolvendo a história até chegar à

descoberta mais chocante ou dramática, como se estivesse a escrever um artigo sobre um avanço científico – ou um romance de mistério

zz Guarde a informação mais importante, e dramática, para o fim.

Cada uma das fórmulas que se seguem contém elementos do estojo de ferramentas de um escritor de ficção. Não está a inventar seja o que for, mas emprega técnicas literárias. E isto faz sentido, porque todo o jornalista é contador de histórias. Protagonizando-se como um contador de histórias boas – mas verdadeiras – é o princípio fundamental da elaboração de peças noticiosas que nós chamamos de jornalismo narrativo.

Page 14: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-14Redacção do texto

De acordo com Mark Kramer, director do Nieman Program on Narrative Journalism na Universidade de Harvard, o jornalismo narrativo consiste em:zz Escrever com carácterzz Acção que se desdobra ao longo do tempozz A ... voz do contador … com uma personalidade perceptívelzz Um sentido de relacionamento com [os leitores]zz Guiar o leitor ao ponto de realização ou destino.

De acordo com a autora, Susan Eaton:“Os autores de peças narrativas dominam tudo quanto produzem. Ponderam a sequência e as peças do puzzle. Ponderam tudo de várias perspectivas. Lêem a literatura académica. Desenvolvem os moldes da história de modo a que faça sentido para os leitores. Colocam as peças em sequência e criam um significado … Isto é o que lhes confere a autoridade para, não necessariamente opinar sobre a melhor política … mas mais especificamente apontar para o cerne da questão … Isto é muito diferente da redacção de editoriais … se imagina um guia que ajuda as pessoas a navegar pela confusão.”

Jornalismo narrativo

Ambas as descrições (na caixa acima) parecem sugerir que a abordagem narrativa foi criada para o jornalismo de investigação. Porém, fica aqui um aviso. O jornalista de investigação norte-americano, Danny Schechter, no seu filme sobre a cobertura norte-americana da guerra do Iraque, Weapons of Mass Deception, apontou para um problema com a abordagem de contos de histórias. Ao focar nas vivências individuais, a abordagem narrativa resultou em que alguns meios de comunicação norte-americanos ignorassem as questões e os argumentos altamente contenciosos e mais importantes. Isto não desvaloriza a abordagem narrativa. Serve apenas para lembrar que, à semelhança de qualquer outra técnica de redacção, deve ser empregue com plena consciência e engenho, com prudência e no contexto adequado.

Algumas das ferramentas empregues no jornalismo narrativo são:

Retratos e definição do cenário Se optar pela técnica do Wall Street Journal, é necessário que saiba lidar com os pormenores na sua reportagem. O seu

personagem principal deve parecer verosímil e convincente aos leitores. Isto não significa descrever tudo ao mais pequeno detalhe – não tem espaço para isso – mas, sim, identificar alguns pormenores verídicos e reveladores, de entre os seus apontamentos. É por este motivo que, no Capítulo Cinco, sugerimos que descreva a pessoa e o ambiente, assim como a reacção física da pessoa às suas perguntas, e as repostas.

Assim, na história sobre a pulverização de culturas, deverá ler novamente os seus apontamentos e encontrar a sua descrição da Mama Amina, a agricultora, e da sua horta. Procure uns poucos detalhes: a enxada desgastada na qual se apoia, as filas de girassóis negros, putrificados pelos produtos químicos, e reflicta como pode inclui-los na sua história do seguinte modo:

ALDEIA DE KURU – Filas de milho de folhas verde rico e flores escarlates dos feijoeiros enchem a pequena horta de Mama Amina Kiruki. Mama Amina, presidente da associação de produtores de alimentos da aldeia de Kuru, tem orgulho nas suas culturas, com as quais tem alimentado a sua família desde o fim da guerra civil. Mas um quarto da sua horta está cicatrizado por um trecho repelente de folhas murchas.

“Era ali que estavam os meus girassóis,” diz ela, com tristeza, apoiando-se na enxada desgastada, concertada inúmeras vezes. “Quando pulverizaram as bananeiras, todos os meus girassóis morreram. E na floresta,” acrescenta ela, apontando em seu redor, “há outras plantas que também estão a morrer.” O pai de Mama Amina, o caçador, Job Kiruki, também tem verificado mudanças nas florestas vizinhas: “Deixámos de ver abelhas. Quando íamos à caça trazíamos também mel, mas agora é raro.”

Desde 2006, quando a sociedade agrária suíça, Anane, começou a pulverizar as suas plantações de banana com o produto químico, Gindrin – conhecido localmente como Killyt – os aldeões constatam que muitas das suas culturas têm morrido como resultado.

Constatou que o lema da empresa agrícola é “Anane: bananas que sorriem de saúde”. Isto é uma ironia, face ao tema que está a tratar. Como pode empregá-lo?

PressagiarIsto significa apresentar dicas ou pistas no início da história sobre o que vai surgir. Torna-se claro se adoptar a estrutura de

pirâmide. Oferece detalhes suficientes para manter o interesse dos leitores, até revelar as constatações finais.

CompassoToda a narrativa apresenta movimento; a estrutura e as expressões que aplica marcam o ritmo – veloz ou lento. Frases e

Page 15: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-15Redacção do texto

palavras curtas aceleram o ritmo. Frases mais compridas alentam o ritmo. Muitas informações técnicas num único parágrafo obrigam os leitores a ler mais devagar, nem que as frases sejam curtas. Informações de fundo e contextuais desnecessárias e sobrecarregadas, travam por completo o texto, muito antes de acabar de contar a história. Interrogue-se sempre: será que isto acrescenta valor, ou apenas aumenta o volume de palavras. Corte naquilo que não é necessário para a história.

VozSe ler o texto a si próprio, sentirá o ritmo e a cadência da narrativa. Sentirá também quando a história se torna lenta,

desanimadora e de difícil leitura. O seu ouvido é o melhor editor e indicará quando perdeu a sua voz natural humana na sua escrita ou quando a linguagem que aplica é verbosa, complexa, incorrecta ou causa o leitor a ‘tropeçar’. Escreva a peça como se de uma conversa se tratasse, para que os leitores se identifiquem com a sua voz. Mas, visto que a fala inclui elementos como tonalidade, gestos, contacto ocular e expressão, que não constam da escrita, deverá fazer a revisão do seu trabalho. Corrija a gramática e a pontuação, acrescente a tonalidade, a ênfase e os nuances: transmita para o papel aquilo que as mãos, olhos e rosto fazem ao falar.

Uma maneira de encontrar as imagens e os momentos dramáticos de que precisa para poder empregar a técnica de jornalismo narrativa, é vislumbrar o texto: considerar as imagens e as gravuras de que vai precisar para o texto final – nem que o layout e o design não sejam da sua responsabilidade. Até quando elabora o título provisório, (até em situações em que os sub-editores escrevem o título ‘verdadeiro’) estas actividades ajudam-no a focar no tema da história e a produzir um texto melhor; um diagrama contento alguns dos factos também contribui para que os factos mais maçadores sejam omitidos do texto.

Porém, se vislumbrar, irá redigir o texto final de outros modos:zz Ajuda a direccionar a história, porque dá aviso prévio dos mapas, gráficos ou imagens necessárias.zz Ajuda com o trabalho em grupo ao alertar aqueles responsáveis pelo layout e as pessoas que expõem os artigos nas páginas.zz Em particular, contribui para o trabalho em equipa com os colegas fotógrafos, criando as bases para as conversas sobre as

melhores imagens para a peça, assim aproveitando os conhecimentos deles.zz Coloca imagens na sua mente, que pode ‘pintar com palavras’, por exemplo, uma introdução de contextualização.zz Ajuda-o a comunicar melhor com os leitores, que frequentemente aprendem muito mais de uma imagem bem escolhida ou

gráfico do que um texto demasiadamente verboso. Uma imagem, de acordo com o provérbio, “vale mil palavras”.

Todos os textos devem começar e terminar bem. O começo e o fim são as partes mais fortes de qualquer texto. Uma boa introdução chama a atenção dos leitores e oferece o enquadramento – a maioria dos estudos revela que, se a introdução de um texto não for aliciante, os leitores desistem, por muito importante que seja o tópico. O fim apresenta a opinião com que os leitores ficam após a leitura.

Formas de começar incluem:zz Um retrato ou definição do contexto zz Um resumo do tema tratado (não o artigo completo) numa frase curta.zz Os resultados ou impacto. Depois recua, para contar como se passou. É assim que o jornalista de investigação, Seymour Hersh,

começou os artigos sobre os massacres de My Lai no Vietname e os abusos na prisão de Abu Ghraib no Iraque.

Em todos os casos, não deixe o leitor esperar muito até entrar na história. Uma boa regra é que a introdução não deve exceder 10% do seu texto. Mas não pense que se trata de ‘um lead secundário’, para empregar o termo usado nos manuais didácticos. A sua história começa onde começar, e não é obrigatório que contenha um elenco de factos.

Já que constatou que o seu texto sobre a pulverização de culturas carece de calor e cor, uma boa maneira de o começar pode ser com uma descrição da agricultora e a sua horta estragada.

Formas de criar uma conclusão satisfatória incluem:zz Reunir todos os elementos (o que aconteceu aos personagens ou que vai seguir).zz Sumarizar o tema mais uma vez para nos lembrar porque estamos interessados.zz Criar um kicker (um apelativo para suscitar reflexão por parte do leitor).zz Enfatizar o contexto. Enquadre novamente a questão e lembre-nos das expectativas, dos constrangimentos, e dos

desenvolvimentos ligados.zz Voltar às personagens apresentadas no início e dar-lhes a última palavra.

Um bom kicker para o seu texto sobre a pulverização de culturas pode ser o lema irónico da empresa agrícola: “Bananas que sorriem de saúde.”

Page 16: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-16Redacção do texto

Nunca escreva a conclusão só para efeitos de produzir um texto completo, e nunca mencione – nem que seja por outras palavras – que “só o tempo dirá”.” Você é o investigador, e destrói a confiança na sua autoridade se descurar a situação deste modo.

Os elos são igualmente importantes para unir a história: o modo em como se passa de uma secção para outra e de um parágrafo para outro. Aqui, as técnicas mais úteis são:zz Mencionar o tópico frequentemente.zz Empregar metáforas extensas para criar elos entre as diversas ideias e torná-las mais vivas. Por exemplo, pode referir ao

ambiente como se fosse o corpo humano, onde todas as partes devem funcionar em sintonia.zz Empregar muitas palavras indicadoras para indicar se um parágrafo segue o anterior (‘E’), muda o sentido (‘Mas’), é

consequência (‘Assim’), segue (‘Depois’), e assim por diante. Estas simples palavras podem ser extremamente poderosas em manter a atenção do leitor ao trilhar um argumento complexo.

Uma nova eventual versão

Eis uma nova eventual versão do seu texto sobre a pulverização de culturas, depois de corrigir os defeitos identificados na primeira versão e aplicar algumas técnicas de arquitectura e de redacção ao material.

ALDEIA DE KURU – Filas de milho de folhas verde rico e flores escarlates dos feijoeiros enchem a pequena horta de Mama Amina Kiruki. Mama Amina, presidente da associação de produtores de alimentos da aldeia de Kuru, tem orgulho nas suas culturas, com as quais tem alimentado a sua família desde o fim da guerra civil. Mas um quarto da sua horta está cicatrizado por um trecho repelente de folhas murchas.

“Era ali que estavam os meus girassóis,” diz ela, com tristeza, apoiando-se na enxada desgastada, concertada inúmeras vezes. “Quando pulverizaram as bananeiras, todos os meus girassóis morreram. E na floresta,” acrescenta ela, apontando em seu redor, “há outras plantas que também estão a morrer.” O pai de Mama Amina, o caçador, Job Kiruki, também tem verificado mudanças nas florestas vizinhas: “Deixámos de ver abelhas. Quando íamos à caça trazíamos também mel, mas agora é raro.”

Desde 2006, quando a sociedade agrária suíça, Anane, começou a pulverizar as suas plantações de banana com o produto químico, Gindrin – conhecido localmente como Killyt – os aldeões constatam que muitas das suas culturas têm morrido como resultado.

A utilização de Gindrin foi suspendida pela administração de produtos alimentares e medicamentosos dos EUA, na pendência de um estudo sobre a sua segurança a longo prazo. Mas, na aldeia de Kuru e seus arredores, uns 1 000 litros de Killyt são pulverizados, todas as primaveras, por aviões a baixas altitudes para matar o pulgão verde nas bananeiras. E os habitantes da aldeia querem pôr termo a esta situação.

Não são apenas as culturas que sofrem. A enfermeira Sara Wahuki da clínica local diz: “Casos de eczema e erupções cutâneas aumentam para o dobro em Setembro, quando a pulverização é feita. Vejo muitos bebés com tosse, sem poderem respirar. Não é assim noutras alturas.” O registo das baixas na clínica confirma as suas constatações: em Agosto, ela tratou 20 pacientes com erupções cutâneas; numa única semana, nos finais de Setembro, depois da pulverização, foram registados 45 casos de problemas da pele. Nesse mesmo período, o número de baixas por asma aumentou de 10 para 28. Maria Siluki, directora da escola local afirma que, em Setembro, “tenho de mandar muitas crianças para casa porque têm dificuldades em respirar e tossem muito. São principalmente as crianças que trabalham nas hortas dos pais.”

A porta-voz da Anane, Miriam Kiruki-Lafitte, descreve as queixas como “exageradas. O Killyt é um produto químico relativamente seguro pulverizado com muito cuidado. Ocasionalmente, a força do vento causa pequenos problemas para as hortas nas imediações, o que lamentamos, mas avisamos com antecedência e asseguramos que todos estão informados das precauções de segurança.” (a força do vento provoca a dispersão das partículas do jacto pulverizado sobre uma área maior do que prevista, das plantações para as casas e hortas vizinhas.)

Obtivemos um exemplar do folheto distribuído na aldeia. Está redigido em inglês, em vez de Seuki, o dialecto local, e diz, em parte: “Não existem provas científicas conclusivas que os produtos usados no spray para controlar o pulgão verde nas bananeiras provocam doenças em seres humanos se forem correctamente aplicados. Mas dado que os impactos sobre a saúde ainda estão a ser estudados, recomendamos que as pessoas que não tenham qualquer motivo por entrar nas zonas de pulverização, e sobretudo aquelas mais sensíveis, se afastem da zona ou permaneçam dentro de portas durante a pulverização e cubram as culturas com sacos.”

O folheto entregue aos pilotos dos aviões de pulverização é muito diferente, diz um piloto da Anane que preferiu não dar o seu nome. “Eles despediam-me se soubessem que eu lhe tinha mostrado isto,” disse ele.

Page 17: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-17Redacção do texto

Uma nova eventual versão (cont.)

Ele mostrou-nos as suas instruções de segurança, que diziam, em parte: “Usar máscaras a todos os momentos ao fazer a pulverização. Não manipular as botijas de Killyt, nem as mangueiras ou bocais sem protecção das mãos. Não tocar em derrames. Na eventualidade de exposição, pode sofrer ardor dos olhos, boca ou garganta ou irritações da pele. Lavar a pele imediatamente com água fria em abundância. Regressar imediatamente à base, tome banho de chuveiro, mude de roupa e consulte a clínica sem demora. Não faça outra missão de pulverização até receber alta da clínica.”

Este segundo aviso, mais forte, é mais apropriado, diz o Dr Henri Soren Instituto Nacional e Investigação de Produtos Químicos sedeado na Universidade Capital. “Gindrin é um químico corrosivo. Corrói a pele. Por esse motivo, é pulverizado nas bananeiras antes de o fruto se formar. As pessoas expostas ao produto por períodos prolongados – digamos, 3 a 5 anos – nos EUA registam uma incidência mais elevada do normal de sofrer de cancros da pele e do pulmão: é por isso que a FDA dos EUA suspendeu a sua utilização. Não recomendo que as pessoas respirem o produto nem comam alimentos em que o spray tivesse sido aplicado, e estou muito preocupado pelo facto que está a ser utilizado aqui. Os produtos usados aqui devem estar registados na nossa lista de produtos químicos permitidos, mas a o Gindrin não figura.” O Dr Soren também confirmou que Gindrin foi objecto de suspensão nos Estados Unidos por causar problemas respiratórios.

Porém, a porta-voz da empresa, a Sra. Kiruki-Lafitte negou que informações diferentes são distribuídas aos pilotos e aos habitantes da aldeia. Pediu os detalhes da nossa fonte anónima, mas reconheceu que, visto que os trabalhadores da Anane eram “mais sofisticados” era possível que a redacção dos folhetos fosse diferente, “mas a informação é a mesma.” Disse que as licenças de pulverização foram emitidas pelo Conselho Distrital de Kuru e que ela não tinha conhecimento da necessidade de registar o produto químico. “Mas se for necessário, é lógico que iremos cumprir.”

Amos Minuki, técnico administrativo responsável pela emissão de licenças no Conselho Distrital de Kuru, confirmou que as licenças para a pulverização foram emitidas em Junho de 2006. Mostrou a este repórter o formulário de pedido da licença, que não pede que o produto químico específico que indicado. “Talvez devemos averiguar isso.” Disse ele. Mas não temos conhecimento de quaisquer problemas, ou queixas relacionadas com a pulverização. Ninguém nos informou disso.”

Mama Amina e Sara, a enfermeira, desmentem isto. Visitaram os escritórios do Conselho Distrital em Outubro de 2006, depois da primeira época de pulverização para levantar algumas questões relacionadas com os danos às culturas e queixas relacionadas com a saúde. Esperaram um dia, mas ninguém estava disponível para as ver. Posteriormente, a cooperativa dos agricultores dirigiu uma carta ao conselho distrital a respeito dos mesmos assuntos. Este repórter viu uma cópia, datada de 24 de Outubro de 2006. A enfermeira, Sara, diz que entregou a carta na recepção dos escritórios do Conselho Distrital mas que não recebeu aviso de recepção – nem resposta.

A produção comercial de bananas é importante para o Distrito de Kuru. Umas 300 pessoas trabalham nas plantações nas várias épocas do ano como trabalhadores ocasionais: as tarefas de colheita, limpeza e embalagem são todas mecanizadas.

As exportações de banana representam 45% de todas as receitas do distrito, de acordo com um estudo realizado pelo Grupo de Estudo dos Projectos Agrícolas da União Europeia em Junho de 2007. Em comparação, o turismo, incluindo visitas à pequena Reserva das Quedas de Munu, perfaz apenas 10% das receitas do distrito. O restante é composto de uma dezena de outras culturas e actividades. A produção de alimentos para consumo doméstico não está incluída nestes cálculos, embora seja o único meio de sobrevivência para os trabalhadores ocasionais das fazendas, depois de despedidos pela Anane.

“A Anane é dona deste distrito,” afirma Mama Amina. “É por isso que o conselho e o governo não se interessam por nós.”

Minuki nega isto veemente. “Investigaremos todas as queixas legítimas,” promete ele. “Não recebemos quaisquer benefícios pessoais da Anane, embora contribua para o desenvolvimento e as receitas locais – que, evidentemente, são utilizadas para o bem dos habitantes.”

No último natal, a Anane ofereceu uma recepção ao Conselho Distrital no seu Centro Comunitário para o pessoal, que também disponibilizou para comícios do partido no poder durante as recentes eleições autárquicas. A Sra. Kiruki-Lafitte recusou-se a estimar o valor exacto dos eventos e instalações, comentando, “Evidentemente, o bem-estar do distrito é importante para nós, e ajudamos sempre que pudermos.”

É provável que a Anane venha a prestar mais assistência no futuro. A Ministra Nacional da Agricultura, Penelope Farawa-Holiuki falou com este repórter a partir da capital. “A empresa tem desenvolvido boas relações com o nosso governo desde o fim da guerra civil,” disse. “Presentemente, estamos a negociar a sua expansão para outros três distritos, assim como a construção de uma fábrica em regime de parceria público-privada para a transformação das bananas. Isto potenciará a nossa economia ao permitir-nos acrescentar valor através da transformação: um objectivo de longo prazo do nosso renascimento económico.”

Page 18: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-18Redacção do texto

Uma nova eventual versão (cont.)

A Ministra disse que não tinha conhecimento de problemas relacionados com a pulverização de culturas, nem que o Gindrin não era um produto químico aprovado aqui. “Se fosse esse o caso, então investigaríamos o assunto,” disse ela. Quando pressionada, contudo, disse que esses inquéritos “seriam realizados talvez só durante a próxima sessão parlamentar. Nós estamos com falta de técnicos e não temos verbas para um tal projecto. Seria uma pena,” concluiu ela, “prejudicar a boa relação do nosso governo com benfeitores como a Anane por causa de boatos alarmistas que não têm conhecimentos de ciências.”

Porém, o investigador acha que os receios em torno da saúde, das plantas e dos animais, são longe de serem alarmistas. “Estou muito preocupado com o facto de o Gindrin estar a ser usado neste país para pulverização. Nalgumas zonas da Florida tem-se registado a mesma redução das populações de abelhas onde o produto, Gindrin, foi usado. Devíamos fazer um estudo do impacto ambiental aqui.”

Quanto à Mama Amina, essa nunca assistiu a uma recepção no centro comunitário, nem lê o inglês nos folhetos informativos. Quando lhe dissemos que devia proteger as suas culturas com sacos, ela disse “Isso é um desperdício. Precisamos dos sacos para conservar os produtos.” A porta-voz da Anane disse que “não havia verbas” para imprimir folhetos em o que apelou de “um pequeno dialecto local” nem assistir com materiais de protecção, como sacos, para, conforme a descrição dela, “todas as hortas – isso seria ridículo.”

Ao sairmos da aldeia de Kuru, a nossa viatura foi ultrapassada por um grande camião frigorífico que transportava as bananas ao porto. Nas suas laterais ostentava o slogan da empresa: “Anane: bananas que sorriem de saúde.”

(Agradecemos a ideia a Carol McCabe, cujo artigo “Maine Budworm War”[Providence Sunday Journal 27/05/79] serviu de inspiração para esta investigação.)

Mas o texto ainda não está perfeito. zz Esta trata-se de uma reportagem de longa duração, portanto, uma coisa a fazer na fase de finalização é tornar a verificar que a

informação recolhida no início do processo da reportagem ainda se mantém válida, e que não contradiz o que veio a descobrir posteriormente. Também é possível que existam novos factos, relatórios científicos ou resultados de ensaios sobre o produto químico; vale a pena repetir uma pesquisa rápida na internet.

zz O agrupamento do texto dos dois folhetos torna a leitura muito pesada. Talvez deva extrai-lo da sua peça e colocá-lo numa caixa ou sidebar?

zz Ainda não ouvimos os próprios doentes. Isto seria útil, tanto para apoiar os testemunhos da enfermeira e da directora, como para acrescentar ao carácter humano e vivacidade da peça.

zz Mas, você inclui mais vozes dos habitantes da aldeia, e o texto flui melhor de uma secção para a outra. Contém uma introdução expressiva e visual, e uma conclusão com ironia, que provoca reflexão. Mais importante, a maioria das lacunas na sua hipótese foi ultrapassada. O texto está certamente em condições para ser publicado.

zz Porém, as melhores peças noticiosas são redigidas mais de uma vez. A edição do seu texto não é um extra, um luxo ou uma tarefa desagradável: faz parte do processo de produzir a melhor reportagem possível. Se o melhoramento da redacção se tornar opressiva, peça a um colega ou a um membro da equipa que partilhe as tarefas de edição e crítica. As melhores ideias advêm do trabalho em equipa.7 – 18

O que mudaria se tivesse de redigir esta versão novamente?

O texto foi redigido ao utilizar a fórmula do ‘Wall Street Journal’. Procure redigir um novo, ao empregar a fórmula de ‘pirâmide’ ou ‘high fives’ para ver qual das abordagens produz o maior

impacto.

Comentários

E se escrevesse uma terceira versão?

Page 19: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-19Redacção do texto

Comentários

E se escrevesse uma terceira versão? (cont.)

Redigir para difusão

(NOTA: este não se trata de um guia completo de elaboração de textos para difusão, mas contém algumas dicas sobre como empregar a língua e redigir uma boa narrativa para uma reportagem de investigação a ser transmitida)

zz Todas as reportagens para difusão são acompanhadas de imagens vídeo ou citações auditivas. zz A mesma imagem ou citação pode contar muitas histórias, em função do contexto. zz O propósito do comentário de fundo é assegurar que os espectadores/ouvintes recebam a perspectiva que você deseja

apresentar.

Um texto inteligente permite que os espectadores/ouvintes vejam até as mais convencionais das imagens ou citações de um modo diferente. (Embora um bom texto nem sempre compense pelas imagens ou citações maçadoras – porque os espectadores/ouvintes não são ‘agarrados’ e deixam de prestar atenção.)

Na rádio, o texto redigido em torno das citações gravadas estabelece o contexto mais vigorosamente. Mas, na televisão, as imagens produzem 85% do impacto. Em ambos os casos, deve elaborar a sua reportagem em torno das imagens ou das entrevistas gravadas. Chamamos a isto ‘escrever para o ouvido’, ‘escrever para as imagens’, ou ‘escrever para o som’. Comece com a realidade que capturou: as cenas na aldeia de Kuru; as entrevistas. Depois, empregue as expressões correctas no seu comentário para:zz Realçar os aspectos importantes da história zz Dar equilíbrio se as imagens ou entrevistas revelarem apenas alguns dos aspectos zz Seleccionar e apontar para as coisas a que quer que os espectadores/ouvintes prestem atenção zz Fazer a ligação entre diferentes imagens e entrevistas, explicando como estamos a passar pelo tempo ou espaço zz Contextualizar as imagens ou citações zz Dar uma outra ‘perspectiva’ às imagens ou entrevistas ao acrescentar significado ou interpretação. (NB: Isto não significa

distorcer ou descontextualizar!)

O animador ou o repórter pode – e deve – fazer tudo isto. Mas isso não significa que deve estar constantemente interposto entre o telespectador e a notícia, criando um filtro ou uma barreira. Sempre que possui uma gravação de uma pessoa a dizer algo de relevante para a reportagem, opte sempre por isso, ao invés da voz e imagem do repórter a parafrasear.

Page 20: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-20Redacção do texto

Reflicta sobre as diferenças principais entre como lê uma reportagem escrita e como consome uma reportagem televisiva ou radiofónica. Em cinco minutos, aponte algumas das diferenças.

Comentários

Ler e ver

Poderá ter apontado alguns dos seguintes aspectos:zz Quando se lê um artigo, é sempre possível voltar atrás para o ler novamente se houver algo que não tenhamos percebido; uma

reportagem transmitida passa num ápice.zz Quando se lê, os erros sobressaem na página e revelam-se sempre que voltar à mesma página. Na locução, ou nos apercebemos

dos erros logo à primeira, ou então passam despercebidos.zz Na leitura, existem indicadores claros – por exemplo, títulos, legendas e parágrafos – que ajudam a percorrer a página. Mas, se

entrar no meio de uma reportagem televisiva, nem sempre conseguirá seguir o que se está a passar. zz Pode deixar a leitura e ir fazer outra coisa. Depois pode retomar de onde parou sem perder o fio à meada. Isso é impossível

numa reportagem televisiva/radiofónica, a não ser que a grave ou que a baixe da internet.

Eis mais algumas diferenças:zz A reportagem televisiva/radiofónica oferece ao telespectador mais evidências do tema que está a ser tratado (som; imagens,

etc.), o que a torna mais credível (“Deve ser verdade, vi na televisão”). Por esse mesmo motivo, pode corromper a verdade com mais eficácia.

zz A reportagem televisiva/radiofónica existe apenas pelo tempo – excepto os podcasts, não existe um ‘objecto’, como um jornal que podemos manusear.

Page 21: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-21Redacção do texto

zz É mais difícil concentrar numa reportagem televisiva/radiofónica porque passa diante de nós num abrir e fechar de olhos. Por esse motivo, é mais provável que fiquemos com uma impressão geral do que uma recordação detalhada – é por isso que a totalidade da reportagem é tão importante.

zz As peças noticiosas televisivas/radiofónicas não exigem altos níveis de literacia – embora possam exigir um bom nível de conhecimentos gerais para poder fazer sentido de informações variadas, em rápida movimentação.

zz Pelo seu aspecto visual e auditivo, as peças noticiosas televisivas/radiofónicas são frequentemente mais apelativas que um jornal cinzento.

zz Mas os jornais permitem que o leitor decida o que vai ler e quando, e pode voltar atrás se quiser confirmar algo na página. Pode demorar mais tempo a ler, mas o leitor obtém mais detalhes da página.

Por todos estes motivos – o carácter das reportagens televisivas/radiofónicas e o modo como os espectadores/ouvintes as consumem – é importante adoptar uma linguagem diferente à da imprensa escrita.

É uma luta contra o tempoA reportagem pode conter vários factos significativos. Procure identificar um ‘facto estrela’ ou ideia que ‘agarre’ os

espectadores ou os ouvintes, e utilize-o para começar a sua reportagem de investigação.

Por exemplo, compare: “Hoje em dia, lemos muitos artigos sobre a poluição ambiental. Alguns dizem que os produtos químicos são nocivos para o ambiente, mas outros afirmam que, sem fertilizantes e pesticidas, não poderemos produzir alimentos em quantidades suficientes para alimentar o mundo. A nossa equipa examina este debate através das experiências de uma aldeia.” (Não contem uma ‘razão estrela’, embora contenha informação inteligente)

e:“As crianças estão a adoecer na pequena aldeia de Kuru, no Distrito Central. E os habitantes dizem que é por causa da pulverização das culturas. A nossa equipa de reportagem foi investigar.”(Começa logo pela razão estrela, com relevância local)

‘Quando’ e ‘onde’ são aspectos importantes para os telespectadores/ouvintes Isto é porque as notícias ‘passam num ápice’. Procure redigir o texto ao seguir a ordem cronológica do desenrolar do evento, e

faça referência ao local e à hora mais do que uma vez.

Ao preparar a pauta da sua peça, passará pela mesma sequência que descrevemos para o planeamento de um texto de jornal: dividir o material em secções, confirmar a solidez dos argumentos em cada secção, e depois criar elos entre as secções de modo a fazer sentido ao leitor. Mas quando elabora um guião, este deve ser construído em torno do material vivo que recolheu.

Para um guião televisivo, primeiro produza um storyboard: a sequência das imagens e entrevistas que pretende usar em cada secção. Escreva o comentário em segundo lugar, para contextualizar, preencher as lacunas e ligar as cenas.

Para um guião radiofónico, primeiro deve listar e agrupar as entrevistas que pretende usar para reforçar os pontos em cada secção. Depois escreve o texto de ligação. Se necessário, consulte novamente o que dissemos a respeito da utilização de citações num texto jornalístico. Os mesmos elementos aplicam-se aqui; as entrevistas devem acrescentar valor, ao invés de repetir o que já disse, mas devem fluir do seu comentário ou análise.

Numa locução, não há oportunidade para parar e reconsiderar. Assim:zz A comunicação clara deve ser o alvo da escrita, não a perfeição gramatical. Mais tarde, pode identificar e corrigir os erros que

interferem com a compreensão.zz Fale as palavras conforme as vai escrevendo, para assegurar uma voz natural zz Imagine o público enquanto elabora o textozz Opte por algo curto e simples.

Page 22: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-22Redacção do texto

Compare estes dois modos de introduzir a mesma citação.

Este está correcto, do ponto de vista gramatical – mas não foi escrito para locução, pois é verboso e repetitivo.“O cientista de investigação, Dr Henri Soren descreve os processos bioquímicos associados ao produto químico, Gindrin,

referindo aos impactos corrosivos ambientais e fisiológicos da substâncias sobre a ecologia da área e a saúde das pessoas.[Som] ‘ Gindrin é um químico corrosivo …’

Este foi escrito em tom de conversa e dá sequência à entrevista, em vez de a incluir como um aparte:“Dr Henri Soren, um cientista de investigação: [Som] ‘Gindrin é um químico corrosivo. Corrói o tecido da pele.’ Isto é

preocupante! Mas há mais, diz o Dr Soren: [Som] ‘Não recomendo que as pessoas respirem o produto nem comam alimentos em que o spray tivesse sido aplicado.’ E, diz Soren, o Gindrin nem consta da lista de produtos químicos aprovados para serem utilizados no nosso país: [Som] ‘Estou muito preocupado pelo facto que está a ser utilizado neste país.’”

Não concorda que esta segunda abordagem tem mais impacto – embora contenha contradições e um ‘fragmento de frase’ que não reúne as regras gramaticais?

Introdução das citações

Quando escreve para o ouvido:zz Limite-se a uma ideia por frase, e expressões curtas e directas.zz Empregue frases curtas se estas parecerem mais naturais, do que frases completas e “correctas”.zz Empregue a voz activa em vez da passiva. Estas frases são mais curtas, mais imediatas e frescas, e apresentam menos

probabilidade de provocar confusões gramaticais.zz Empregue o verbo no tempo correcto. Se possível, limite-se ao simples passado, presente e futuro.zz Onde apropriado, utilize contracções (por exemplo: dentre, doutro), mas mantendo sempre o estilo da estação. zz Utilize ‘indicadores’ para começar as frases – E, Mas, Assim, É por isso – e para indicar estrutura: “Constatámos dois exemplos de

apoio da empresa ao governo local: o primeiro, quando …”zz Encontre modos claros para expressar números, pois muitos telespectadores e ouvintes têm dificuldade em percebe-los quando

passam com muita rapidez. (Arredonde-os; converta-os numa moeda internacional ou local; parafrasear: “uma pessoa em cinco” é mais fácil de entender que “20% da população.”)

zz Esteja sempre ciente da tonalidade. As notícias devem ser fidedignas mas NÃO autoritárias; imparciais, mas não frias. Escreva de modo a falar com os telespectadores, não para eles, nem como se fossem inferiores a si.

zz Mantenha a frescura do texto. Isto significa evitar adjectivos gerais vulgarizados como ‘bonito,’ ‘importante’ ou ‘desastroso’ (em vez disso, utilize informação reveladora) e clichés próprios da linguagem jornalística, como “e agora, passemos a algo de complemente diferente”.

Comparar: zz “Os ambientalistas prevêem que isto terá consequências desastrosas ...” zz “Os ambientalistas dizem que um em cinco trabalhadores da plantação ficarão demasiado doentes para trabalhar.”

Qual tem mais impacto?

[Nota do redactor: Com agradecimentos à formadora do jornalismo para locução, Fiona Lloyd, da qual eu aprendi grande parte do que sei acerca da locução, e cujas palavras e frases estão indubitavelmente substancialmente ecoados nestas secções sobre locução – GA]

Muitos jornais têm websites onde simplesmente são transpostos os textos do jornal, sem quaisquer modificações. Isso tem resultado – pelo que, até certa medida, não há necessidade de se preocupar a ‘escrever para a internet’. Se tiver completado um projecto de investigação importante, pode colocá-lo imediatamente, no seu formato original, no website que está à sua disposição.

Porém, é possível adaptar os textos de modo a torná-los mais acessíveis à leitura pela internet. Sobretudo se o texto for comprido, complexo e contém uma grande quantidade de outra informação. Uma pequena revisão do texto pode maximizar o proveito que os leitores tiram dele.

Page 23: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-23Redacção do texto

Novamente, tire cinco minutos antes de continuar a ler para reflectir sobre os diversos modos em como utiliza um artigo na internet, ao contrário de um texto impresso.

Comentários

Redacção digital

É provável que tenha apontado os seguintes aspectos:zz É mais difícil identificar o artigo correcto na internet, ao contrário de um texto impresso, cujos títulos, sub-títulos e outros

indicadores o orientam para o que procura.zz Problemas de tecnologia (como cortes de energia) causam interrupções com mais frequência; é possível ler pela luz de uma

vela. É importante poder chegar ao que necessita com rapidez.zz A tendência é para não ler um artigo na internet do princípio ao fim, mas saltar partes do texto à procura de pontos-chave.zz Frequentemente, utiliza as ferramentas de navegação, como os índices, para saltar.zz É provável que um artigo na internet fique meio lido, para consultar os links a outros materiais que parecem ser mais relevantes.

Por esta razão, a elaboração de um texto para leitura digital não tem tanto a ver com redigi-lo de um outro modo, mas sim com editar o texto impresso, a fim de lhe conferir a arquitectura (formato) e as ferramentas de navegação que um cibernauta vai exigir. Isto pode consistir em:

1 Voltar ao resumo ‘Quem, Onde, O Quê, Quando, Porquê e Como’.Assim, o essencial da matéria fica resumido no início. Os leitores interessados podem ler a ‘cauda longa’ (a reportagem integral

que segue à introdução sintética).

Page 24: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-24Redacção do texto

2 Dar um novo título à reportagem. Motores de pesquisa como o Google são muito literais: encontrarão apenas os documentos que contêm as palavras-chave que

o consultor tenha introduzido. Frequentemente, trocadilhos e teasers não são identificados, e podem irritar os leitores se induzirem em erro. Portanto, embora o seu jornal tenha dado à reportagem relacionada com o Gindrin o título “Colheita Mortal”, a versão digital terá uma maior hipótese de ser encontrada se contiver o título “Pulverização das culturas com o produto Gindrin é prejudicial para a saúde e culturas da aldeia.” Um jornalista do New York Times deu o seguinte título à sua análise da concepção de títulos para reportagens digitais: “Um título enfadonho é escrito para o Google”!

3 Rever a linguagem. Uma vez que muitos dos cibernautas são ‘skimmers’ (fazem uma leitura rápida), uma técnica de ‘escrita para o ouvido’ mais

directa é mais adequada a este tipo de leitura.

4 Dividir o texto numa série de sub-documentos completos. Pode atribuir um subtítulo a cada uma das secções no plano de narrativa, e reformulá-las de modo a que cada uma possa

ser lida como uma mini-reportagem. Quando mais comprida for a reportagem, quanto mais tempo levará a ser descarregada pelo leitor, sobretudo nos países africanos com uma largura de banda muito reduzida. E, embora não existam limites em relação ao comprimento de um texto digital, sabemos que os leitores lêem 25% mais devagar no ecrã, pelo que se impõe um limite à paciência do ser humano! Assim, é importante informar os leitores acerca do conteúdo do texto e, se os obrigar a descarregar todo o documento, certifique-se de que vale a pena. Se dividir uma reportagem, certifique-se de que cada secção constitui uma peça completa: visto que os motores de busca nem sempre introduzem o leitor pela ‘porta da frente’, ou introdução, é provável que tenha de repetir alguma informação ou contexto em cada secção. Certifique-se de que os marcadores da data estão claros, para que os leitores saibam quando a ocorrência se passou.

5 Identificar ligações a outros textos. Por exemplo, poderá incluir uma lista de ligações a documentos sobre a suspensão do Gindrin pela FDA, o código nacional

relativo à pulverização de culturas, e documentos internacionais sobre pesticidas. Mas verifique os sites aos quais faz a ligação, para se certificar que vale a pena segui-los. E reproduza correctamente os endereços (URL): até a omissão de uma vírgula desvirtua por completo a ligação.

6 Acrescentar índices e resumos onde necessário.Assim, os leitores podem saltar para a parte que lhes interessa.

7 Simplificar o layout e as legendas. Os olhos do leitor saltam de um lado para o outro; por isso, palavras simples mas incitativas são preferíveis a linhas complexas.

8 Não se deixar levar pelas possibilidades das técnicas de multimédia. Gráficos pesados e complexos, esquemáticos móveis e secções interactivas exigem conectividade rápida e banda larga –

que muitos investigadores africanos não possuem. Aliás, é possível que estejam desesperadamente a procurar ler e descarregar enquanto não falta a energia eléctrica. E animações extravagantes não compensam uma fraca redacção.

9 Verifique tudo novamente! É mais fácil identificar os erros e mais rápido corrigi-los no formato digital do que impresso, mas enquanto existirem, poderão

ser vistos por muito mais pessoas; isto pode, por exemplo, agravar a seriedade da difamação.

Por último, seguem alguns elementos extraídos de uma exposição acerca da Redacção Digital por Theresa Schmedding, na reunião de 2007 da Sociedade dos Redactores Americanos:zz Escolha a técnica CORRECTA de multimédia

z� Fotografias – mais indicadas para caracterizar o tom; fazer os leitores parar para reflectir z� Vídeo – mais indicado para acção, mudanças, apresentar os espectadores à pessoa ou evento z� Áudio – mais indicado para ouvir emoções, acrescentar contexto, ‘nas suas próprias palavras’, a narrativa é a espinha dorsal

do material visual z� Gráficos – mais indicados para explicar processos complicados, números e estatísticas, sequências, escalas, evoluções ao

longo do tempo, vínculos entre os diversos elementos. Não esquecer os mapasz� Palavras – mais-valia, mais profundidade.

zz Conheça o seu públicoMito: Os cibernautas acedem ao seu site pelos mesmos motivos que lêem o jornal.Facto: Isto depende do seu mercado, mas é improvável. Procure identificar quem acede ao seu site e porquê.

Page 25: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-25Redacção do texto

Estudos de caso

Finnigan wa Simbeye é jornalista tanzaniano que tem trabalhado para vários jornais locais. A sua peça sobre como o governo da Tanzânia parece ter adjudicado contratos rentáveis e importantes, do ponto de vista económico, a uma ‘empresa de caixa de correio’ trata dos mesmos aspectos, como credenciais e veracidade, que o exemplo fictício neste capítulo.

Apresente-nos em grandes linhas a peça jornalística e diga-nos como começou?A história da Richmond Development Company (RDC) começou com uma controvérsia em torno da tentativa do governo

de afastar uma empresa local, a Africommerce International Limited (AIL), do projecto do oleoduto de Dar es Salaam a Mwanza, e entregá-lo à RDC.

Começou quando eu cobri o protesto do promotor do projecto do oleoduto, que tinha gasto mais de 15 milhões de dólares, contra o afastamento ao procurar a intervenção do parlamento em 2005. Desde então, cobri este caso enquanto trabalhei para dois jornais diferentes, The Citizen e THISDAY. Simpatizei com a empresa local e queria saber porquê o governo queria afastá-la do projecto por completo, em vez de aceitar que as duas empresas trabalhassem em parceria, conforme sugerido pelos investidores locais.

Que processo seguiu e que recursos consultou?Procurei evidências documentais da AIL, falei com os executivos, engenheiros, o antigo Ministro da Energia e Minerais da

Tanzânia, Daniel Yona, e os fundadores e proprietários da RDC, sedeados em Houston, Texas. Consultei a internet e encontrei o site da empresa, que continha informação afirmando (incorrectamente, conforme vim a descobrir mais tarde) que a Tanzânia e a África Oriental eram os lugares onde os maiores projectos da sociedade estavam localizados.

A reportagem foi publicada, e qual foi o impacto? Houve consequências?A primeira reportagem foi publicada pelo meu jornal, mas a mesma empresa, RDC, ganhou um concurso de 172 milhões de

dólares para fornecer energia à Tanesco. Por esta altura, consegui estabelecer que a empresa não passava de uma empresa de caixa de correio, sedada nos EUA, com dois proprietários: um engenheiro paquistanês do ramo da energia, e um empresário tanzaniano baseado nos EUA. A RDC, que gozava do apoio de pessoas de grande peso político, tentou obter um adiantamento de $10 milhões de dólares do Ministério das Finanças, em violação do contrato. Isto não teve resultado e, até Dezembro de 2007, a empresa faltou no cumprimento das suas obrigações e vendeu o contrato à Dowans Holdings do Kuwait. Por esta altura, o sucedido tornou-se num tema de interesse nacional, face às 12 horas de cortes de energia no país em virtude da baixa produção de energia hidroeléctrica em sequência da seca. Foi este clamor de protesto que levou o governo a obrigar a RDC a vender o seu contrato à Dowans.

A esse ponto, todos os outros jornais começaram a interessar-se pela matéria e publicavam reportagens revelando que personagens políticas de grande peso estavam por detrás da RDC e da Dowans, e porquê o projecto de tão grande envergadura havia sido adjudicado à empresa, num momento em que os cortes de energia se estavam a agravar.

A minha última reportagem sobre a Richmond resultou na criação de uma comissão parlamentar para investigar o contrato de compra de energia, assinado entre a Richmond Development Company e a fornecedora de energia do Estado, a Tanesco.

Que dificuldades enfrentou, e como as superou?As dificuldades foram as normais: burocracia, ameaças de processos de calúnia – e, às vezes, as pessoas acusaram-me de ter

sido corrompido pelo AIL, que era o proprietário de direito do oleoduto.

Que lições aprendeu, e que conselhos daria a outros que lidam com matérias semelhantes?Verifique os websites com muito cuidado – foi assim que eu descobri que a RDC estava a exagerar nas asserções que fazia.

A obtenção de documentos autênticos é muito importante, porque às vezes eu recebi documentos fraudulentos de pessoas que procuravam expor o jornal a processos de calúnia.

A integridade é muito importante para ganhar a confiança de ambas as partes num conflito. Nunca seja tendencioso na fase inicial, para obter os factos correctos sobre quem é, na realidade, o ‘mau da fita’.

Page 26: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-26Redacção do texto

Aspectos principais deste capítulo

Deve desenvolver um método de mapeamento de dados relativos à informação que recolheu, antes de começar a escrever. Recolha todos os factos, citações e ideias e anote as contradições ou lacunas.

Conheça a diferença entre ‘evidências’ e ‘provas’. Sobretudo numa peça investigativa, certifique-se de que os seus argumentos têm lógica e não subestime nem sobrestime uma ocorrência ao empregar uma redacção descuidada ou

generalizada.

Estruture as secções do seu texto em parágrafos: mini reportagens que agregam todo o material relacionado com um aspecto. Depois coloque os parágrafos em ordem e faça a ligação entre eles para mostrar a direcção que pretende

tomar com o seu raciocínio.

Empregue citações selectivamente, de modo a acrescentar valor ao texto. Não descontextualize as citações nem confira um significado diferente àquele que venha a parafrasear.

Escreva pelo menos um esboço antes de tentar o texto final. Utilize o esboço para expor o material que tem, identificar os pontos fracos e os pontos fortes, e planear qualquer eventual investigação ou reportagem que se afigure ser

necessária. Talvez tenha de preparar vários esboços antes de bater certo.

A clareza é a qualidade mais importante ao escrever um texto de investigação. Se não tiver confiança nas suas competências de redacção, basta expor as evidências coerentemente e em ordem.

Se quiser estruturar o seu texto de um modo mais sofisticado, as fórmulas do ‘Wall Street Journal’, ‘High Fives’ ou ‘Pirâmide’ são indicadas para textos de investigação.

Se empregar a técnica de jornalismo narrativo, certifique-se que o seu enfoque numa história ou incidente não interfere com a explicação das questões e dos debates mais genéricos.

Boas introduções e conclusões são importantes. Passe algum tempo a trabalhar estes elementos. A introdução convida o leitor a ler o texto; a conclusão reúne os aspectos tratados no texto que os leitores devem reter.

Ao redigir um guião para ser transmitido, integre as imagens e as entrevistas auditivas, e ‘escreva para o ouvido.’ Lembre-se que o seu público não vai estar a ler, mas sim a ver e a ouvir; não podem voltar atrás, pelo que a estrutura e

linguagem que emprega devem ser acessíveis e fáceis de compreender.

Um texto impresso pode ser transposto para o formato digital tal como foi publicado. Mas, também o pode modificar de modo a facilitar a leitura na internet. Em particular, a divisão do texto em secções manejáveis, com uma boa

idexação e ligações, irá aumentar sobremaneira a utilidade do mesmo.

zz A linguagem e o estilo são apropriados para os meus leitores?zz Todos os factos foram verificados e estão correctos?zz A informação é nova, ou pelo menos analisada de um modo diferente?zz A introdução chama a atenção dos leitores?zz As fontes eram fiáveis?zz Todas as opiniões ou partes interessadas estão representadas/citadas?zz Todas as citações e paráfrases são fiéis ao que foi dito e atribuídas?zz Os números e os cálculos no texto estão correctos / fazem sentido?zz O jargão foi explicado e a informação técnica foi transmitida de modo compreensível?zz Os conflitos/ questões foram claramente explicados?zz Existem detalhes suficientes para apoiar os argumentos e a análise?zz Os argumentos são sensatos e lógicos?zz Contém cor, detalhe, drama ou interesse humanos suficientes para manter o interesse? zz O texto flui?

Lista de verificação para o texto integral

Page 27: Objectivos de aprendizagem - sand-kas-ten.org · a saúde dos habitantes e dos agricultores – mas precisava de ver provas. Também mencionou que a Anane (a empresa proprietária

7-27Redacção do texto

zz Abstracto – empregue como substantivo para significar um resumo de um texto mais longo. Empregue nesta secção como adjectivo, para descrever expressões e textos que veiculam apenas a ideias e conceitos, sem nada que o leitor possa visualizar, ‘agarrar’ ou viver

zz Reportagem cronológica – tratamento de uma matéria, com os eventos ou acções na sequência em que ocorreram zz Esboço – um plano ou traçado do texto, que se torna mais estruturado e detalhado à medida que se chega à versão final zz Pressagiar – fazer alusão, ou mencionar eventos ou elementos num texto que serão descritos na íntegra mais tarde zz Generalização – tirar conclusões, por vezes injustificadas, de uma questão geral a partir de um pequeno número de

exemplos zz Lógica – conjugação de ideias, de modo a levar, com sensatez, à conclusão pretendida zz Jornalismo narrativo – jornalismo que aplica algumas das técnica de escrita do escritor de ficção para tornar as matérias

factuais mais claras, mais bem contextualizadas e mais interessantes zz Ritmo – a velocidade do desenrolar da reportagem: controlada pelo repórter através da escolha cuidadosa de palavras,

comprimento e organização das frases zz Parágrafo – um grupo de frases dedicadas a um tópico ou aspecto de um tópico no texto. Estruturado com uma mini-

reportagem com uma frase lead seguida de informação de apoio ou informação mais detalhadazz Parafrasear – repetir ou resumir o que um entrevistado disse nas próprias palavras do repórter, sem aspaszz Prova – evidência de tal forma conclusiva que é impossível encontrar outra explicação razoável para os eventoszz Scene-setter – a forma de começar uma reportagem ao descrever o cenário zz Escrever para o ouvido (também escrever para o som, escrever para imagens) – técnica de preparação de texto para

transmissão, onde a narrativa está estruturada em torno dos clips de som ou de vídeo, e o guião é escrito de modo a reflectir os padrões normal da fala tendentes a serem mais facilmente entendidos pelo ouvinte ou espectador

Glossário

Para mais informação sobre técnicas de redacção (incluindo transmissão e jornalismo digital) recomendamos o site do Poynter Institute zz http://www.poynter.org

Para mais informação sobre jornalismo narrativo, consultezz http://www.narrativedigest.org

Para informações e debates contínuos sobre questões relacionadas com a redacção de textos, e notícias de conferências e seminários sobre estes temas, consulte o site do departamento de jornalismo da Universidade do Witwatersrand zz www.journalism.co.zazz a versão digital da revista de jornalismo da Rhodes University: http://www.rjr.ru.ac.za

Para um guia exaustivo do jornalismo digital, consultarzz Journalism 2.0: How to survive and thrive – a digital literacy guide por Mark Briggs. O Capítulo 5 lida com a elaboração de

artigos para publicação na internet.(Disponível para descarregamento em formato PDF do J-Lab na Universidade de Maryland.)

Leitura adicional

zz O texto segue a sequência da ocorrência dos eventos?zz Contém contexto suficiente para explicar questões e significado? (Expliquei o “porquê?” e o “e depois?”)zz Contém uma conclusão forte, incitativa?zz Por último – apresentei a matéria de modo a que os leitores possam fazer o seu próprio julgamento, ou será que incuti as

minhas próprias opiniões?

Lista de verificação para o texto integral (cont.)