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JEAN-PAUL AUFFRAY , OATOMO INSTITUTO PIAGET

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Page 1: OATOMO - Escola da Luz

JEAN-PAUL AUFFRAY

, OATOMO

INSTITUTO PIAGET

Page 2: OATOMO - Escola da Luz

Título original

L'Atorne

Autor

Jean-Paul Auffray

Colecção

Biblioteca Básica de Ciência e Cultura,

sob a direcção de António Oliveira Cruz

Tradução

Elsa Pereira

Capa

Dorindo Carvalho

Copyright

Flamrnarion, 1997 - Collection DOMINOS

Direitos reservados para Portugal:

INSTITUTO PIAGET, Av. João Paulo II, lote 544, 2.0 - 1900-726 Lisboa Telef.: 21 831 65 00 E-mail : [email protected]

Fotocomposição e impressão

Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.

ISBN: 972-771-462-5

Depósito legal: 173 528/01

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocó­pia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor.

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Jean-Paul Auffray. Depois dos estudos superiores na Univer­sidade de Colúmbia de Nova Iorque, Jean-Paul Auffay desen­volveu investigações em física teórica, nomeadamente a respeito do átomo, no prestigiado Courant Institute of Mathematical Sciences, fundado em Nova Iorque pelos matemáticos da univer­sidade de Gõttingen emigrados nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial. Defende a ideia de que os dados da ciência são mais acessíveis se os abordamos num contexto do seu desenvolvimento histórico, que passa por imensos desvios por vezes instrutivos.

Depois de O Espaço-Tempo, livro de história e de ciência publicado em 1996 (Flammarion, cal. «Dominas»), O Átomo é o seu segundo livro escrito para o grande público.

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Para a Jeanette, este livro que ela nunca lerá,

mas de que foi a alma.

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NOTA. - Os termos relacionados com um vocabulário especializado e explicitados no glossário são seguidos por um * quando surgem pela primeira vez.

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Prefácio

Todas as coisas, diz Demócrito, são consti­tuídas por átomos toscos ou polidos, recurvados ou retorcidos , e pelo vácuo que se encontra entre eles .

CíCERO

Primeiras Académicas

M ITO ou realidade? O átomo, durante vinte e cinco séculos, foi imaginado, analisado, des­

crito, explorado, explodido, depois cavado, imobili­zado, acelerado, despojado, combinado ... e finalmente banalizado.

Ao longo das páginas deste livro, tentando ser o mais verdadeiro possível, esforçar-nos-emos por resti­tuir ao átomo um pouco do mistério e da poesia que lhe são próprios. O átomo presta-se a isso. Porque é misterioso como a pirâmide de Quéops, suspenso como os jardins da Babilónia, fundo como o colosso de Rodes, insólito como o túmulo de Mauso léu, domi­nador como a estátua criselefantina de Zeus Olímpico, frio como o templo de Artemisa em Éfeso, brilhante como o farol de Alexandria. Numa palavra, o átomo é uma e todas as maravilhas do mundo.

Na primeira parte da obra, aprenderemos primeiro a conhecer esses espantosos Abderitas, contempo-râneos de Platão e de Sócrates, familiares do rei da g

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10

Pérsia, que, no século v antes da nossa era, inventam o nada, imaginam «entidades indivisíveis» dotadas de ritmo, e forjam a palavra «átomo».

Veremos seguidamente como é que, na esteira de Gassendi, de Lavoisier e de Dalton os químicos tomaram progressivamente consciência da existência do átomo, no sentido em que entendemos a palavra hoje. Depois estudaremos o papel desempenhado pela descoberta da estrutura granulosa da electricidade antes de nos interessarmos pelo «átomo dos físicos », a mais bela flor da física contemporânea.

Na segunda parte, tentaremos entreabrir uma pers­pectiva nova da física actual, esperando que, a exemplo dos «donos da verdade» da Grécia antiga, encontre­mos no nosso caminho o adivinho, o poeta ou o rei da justiça para nos ensinar «O que foi, o que é, o que será».

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«A inspiração do poeta».

De onde vêm as ideias que nos vêm?

Pintura d e Nicolas Poussin (1594-1665). Museu do Louvre, Paris.

© RMN

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Atamos idea

Tudo isso se fez sozinho.

JEAN CüCTEAU

11UDO começou, há vinte e cinco séculos, numa pequena cidade, num sítio à beira do mar

d. I . 1"1nO . ..

N 1s margens do mar Egeu

O século v antes da nossa era, a Grécia antiga estende-se da Itália e da Sicília - Siracusa, pátria de Arquimedes! - até à proximidade das colunas de Hércules, e pelas margens do mar Egeu, desde as Cíclades, ao sul de Atenas, até à ilha de Rodes, no Dodecaneso, onde em breve será erigida a estátua de Hélios, deus do Sol e da Luz, uma das sete maravilhas do mundo.

A Grécia não é, nesta época, nem de longe, a sociedade ideal que imaginamos nos nossos dias. Algumas famílias abastadas, assistidas por 13

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escravos, partilham os privilégios. Aos seus filhos estão reservados lazeres, a possibilidade de viajar, de estudar, de se divertir. Foi no entanto aí, em Atenas, que o milagre se produziu: alguns homens - Péricles, Píndaro, Aristófanes e outros -acenderam uma vela cuja chama dança ainda hoje nos nossos olhos.

Não aconteceu tudo de repente, e não se pro­duziu tudo somente em Atenas. Na Eleia, na extremidade da bota italiana, Parménides funda a ontologia, ancorada neste princípio: «Ü ser é uno, contínuo e eterno.» E em Abdera, pequena cidade que tem a reputação de ter sido habitada por ... idiotas (mais precisamente, por carneiros), na Trácia, território controlado pelo rei persa, Leucipo e Demócrito apressam-se a tornar-se falados.

De Leucipo não sabemos praticamente nada. Será que existiu? De Demócrito, não temos certezas. Aparentemente jovem, viaja, visita a Índia, o Egipto, a Pérsia e Babilónia onde encon­tra os sacerdotes e os magos da Mesopotâmia que lhe ensinam a sua arte. Chega finalmente a Atenas, onde, confessa, não conhece ninguém e ninguém o conhece. Depressa isso muda.

Na altura em que Demócrito entra em cena (refiro-me à cena da história), Parménides for­mulou a sua doutrina, acima mencionada, em que o principal é o seguinte: o ser é uno. Se o v ácuo fosse, o «ente» podia deslocar-se para o vácuo. Mas o vácuo não é; portanto, o ente não tem para ond e ir. O movimento é por isso uma

14 ilusão dos nossos sentidos, uma impossibilidade.

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Demócrito retoma a questão, mas no sentido inverso. O movimento é: portanto, é necessário que exista um lugar em que esse movimento se possa efectuar. Esse lugar, é o vácuo. Ele pro­clama assim que o vácuo - o nada - existe ao mesmo tempo que o ser. Aí reside a grande invenção. Devido à sua audácia, à sua novidade, iguala e ultrapassa mesmo a de várias noções fundamentais da história do pensamento humano.

Ora isso não é tudo. Se o vácuo existe, é um «não-ser num certo sentido existente». A sua existência implica uma «pluralidade de entes». O ser é pois uma multiplicidade.

As entidades indivisíveis

Passemos ao segundo patamar da teoria. Demócrito põe a questão: se o ser é uma mul­tiplicidade, em que é que consiste essa multi­plicidade? Segundo ele, a unidade fundamental desta multiplicidade é o atamos idea. É a expres­são chave da teoria, a que traduzimos habi­tualmente - erradamente, como veremos - pela nossa palavra «átomo»: na realidade transfor­mámos em substantivo o que, para os antigos gregos, era um adjectivo.

O adjectivo tomos significa «segmentado» (tal como uma obra com vários tomos). Precedido do «alfa privativo», torna-se atamos, designando aquilo que não pode ser segmentado ou divi-dido, o que é indivisível. Em contraste, derivado 15

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do verbo idein, que significa «ver», o substantivo idea designa aquilo que vemos, uma forma, uma entidade - o que tem uma existência separada, distinta das outras.

Simplificando um pouco, encontramos a palavra «ideia» pela primeira vez em Anaxágo­ras de Clazoménios (cerca de 500-428 a. C.) . Mas que significa este termo? Para Anaxágoras, existe um conglomerado de qualidades encer­radas em partículas infinitamente pequenas, as ideias. Qualquer objecto da natureza contém todas as ideias possíveis em proporções variá­veis. O ouro, por exemplo, é principalmente ouro mas contém igualmente pequenas porções de todas as outras substâncias. Numa palavra, «em cada coisa existe uma parcela de cada coisa» - o que constitui aquilo a que podíamos chamar uma filosofia existencial (no seu tempo, Jean-Paul Sartre dirá: «Cada homem é todos os homens»).

Platão, ao que parece, queria queimar os livros de Demócrito, cujas ideias desprezava. Não se trata aqui apenas de um jogo de palavras. Discípulo de Sócrates, Platão pretende fazer uma síntese entre a ordem moral (a do homem) e a ordem física (a da natureza) . Postula portanto, também, um mundo de Ideias. Mas esse mundo constrói-se num domínio transcen­dente, que se situa para além da natureza empírica. Ele contém «a totalidade dos objectos que podemos conceber de uma maneira perfeita: os objectos naturais (as ideias de Demócrito) mas

16 também os valores - a coragem, o bem .. . ,

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o próprio homem. A alma humana aspira a rein­tegrar esse mundo «que conhecia antes de se encontrar ligada à matéria».

Para Demócrito, a ideia é um corpo visível para o intelecto e estruturado, embora indivisível. Porquê indivisível? Segundo ele, por duas razões. Urna, prosaica: as ideias são demasiado duras para poderem ser seccionadas pelos meios de que dispomos. A outra, fundamental: as ideias são indivisíveis devido ao seu ritmo, elemento constitutivo com carácter primordial. Que dizer?

Segundo Aristóteles, que, na sua doxografia*, descreve as opiniões dos seus contemporâneos, os atributos das ideias são em número de três: schema (forma), taxis (ordem) e thésis (posição). Ele dá um exemplo do que se pode esperar com isso: «A distingue-se de N pela forma, AN de NA pela ordem, e N e Z pela posição.»

Neste enunciado Aristóteles dá-se ao luxo de urna pequena traição ao pensamento dos Abderi­tas. Ele utiliza de facto a palavra «esquema» quando Demócrito emprega a palavra «ritmo». Ora «esquema» é um termo estático que designa urna forma geométrica, urna imagem. «Ritmo», em oposição, tem urna conotação dinâmica. Parece realmente que Demócrito utilizou esta palavra voluntariamente para sugerir a noção segundo a qual as ideias indivisíveis são intrin­secamente animadas de movimento. Esta noção constitui o terceiro patamar da sua teoria. Tão imaginativa corno as precedentes, implica que o movimento é um atributo irredutível das 1?

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ideias - tão fundamental como a sua qualidade de «ente»: se a ideia indivisível possui intrinse­camente movimento, é inútil procurar explicar o movimento (da mesma forma que é inútil procurar explicitar a origem do «ser»). Eis-nos no coração da teoria.

Mas, porqu e é que nos interessamos hoje por tudo isto, diria você? Não está já ultrapassado, esquecido, caduco? Muito pelo contrário! Esta teoria audaciosa - foram preciso vinte e cinco séculos para a aceitar plenamente - é a alma da nossa física de hoje, como verificaremos mais amplamente no decurso das páginas deste livro.

Os grandes génios, aliás, não se enganaram. Na verdade, Platão que disse tudo sobre Sócrates, nada escreveu sobre Demócrito. Mas Epicuro e mais tarde Lucrécio fizeram das ideias de Demócrito o seu cavalo de batalha. E, mais próximo de nós, o jovem Karl Marx fez de «a diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro» o tema da sua tese de doutoramento.

Antes de acabar aqui, provisoriamente, com Demócrito, observemos que, além de grande metafísico, ele foi também um grande sábio. Na sua obra Panarion ou la Bofte à drogues (374), escrita no século IV da nossa era, Santo Epifânio de Salamina escreve: «Demócrito de Abdera, filho de Damasipo, afirmava que o universo é infinito e que flutua no vácuo. » Acrescenta: «Ele susten­tava ainda que um só e único objectivo deve antes de tudo ser perseguido: é a alegria da alma. As leis são uma má invenção, dizia ele; o sábio não

18 deve submeter-se às leis, mas viver livremente.»

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O átomo dos químicos

Entre os corpos há os compostos, e aqueles de que os compostos são feitos.

EPICURO,

Carta a Heródoto

SE atamos idea - a ideia indivisível - é a invenção mágica dos Abderitas, o «átomo

dos químicos» - o nosso de hoje - nasceu na cidade jónica de Mileto, na Anatólia Ocidental. Foi aí, no século IV antes da nossa era, que Tales, Anaximandro e Anaxímenes fundaram a teoria da substância dos corpos.

Todos três admitem a existência de uma subs­tância primordial, na base de tudo. Esta «realidade primeira», este archê, é a água para Tales, o ar para Anaxímenes, uma substância indeterminada, o apeiron, para Anaximandro. Observemos para a continuação da nossa história que, ao mesmo tempo, na sua ilha natal de Samos, Pitágoras oferece uma outra solução: para ele e seus discípu­los, o princípio fundamental, o archê, é o número. Esta concepção suscitará ecos na teoria moderna do átomo como veremos um pouco mais tarde. 19

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Em Agrigento, no século v antes da nossa era, Empédocles formula a sua teoria das «quatro raízes» (a que dá o nome de deuses: Zeus-água, Hera-terra, Edoneu-ar e Néstis-fogo). Combi­nando-se em proporções diferentes, sob a férula de Polemos (a Discórdia) e de Eros (o Amor), essas raízes constituem todos os corpos. Elas próprias são constituídas por pequenas partí­culas, indivisíveis e eternas como as ideias de Demócrito, mas separadas umas das outras por poros (e não pelo vácuo). Portanto, não são exactamente as ideias de Demócrito.

Platão inventa a química teórica

Platão construiu uma cosmogonia* original que podemos ver como a primeira tentativa de formulação de uma «química teórica» capaz de justificar a diversidade das substâncias presentes na natureza. Por acaso, a palavra «química» é provavelmente de origem egípcia. A famosa inscrição da pedra de roseta dá realmente ao Egipto o nome de chmi. A química seria a ciência de chmi ou da Terra negra - a ciência santa, divina, secreta do Egipto ... A cosmogonia de Platão não é a de Demócrito e não será a de Aristóteles, aluno de Platão, que dele se demar­cará. Para Platão, existem as ideias (que não são as de Demócrito), os números (que são os de Pitágoras) e os quatro elementos (que são os de Empédocles), que um demiurgo, ocupado em aperfeiçoar o mundo (que não criou), procura

20 utilizar para obter « O melhor dos mundos».

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A cada um dos elementos primordiais, Platão faz corresponder um poliedro regular: o tetrae­dro (quatro faces) para o fogo, o cubo (seis faces) para a terra, o octaedro (oito faces) para o ar e o icosaedro (vinte faces) para a água. «Ü demiurgo pegou primeiro, para formar o universo, no fogo (tetraedros) e na terra (cubos). » Depois, para prosseguir a sua obra, utilizou o quinto poliedro regular, o dodecaedro: «Ü demiurgo serviu-se dele para concluir o desenho do universo.»

Platão levou muito longe a sua geometrização da constituição do universo. Na verdade, ele observa que «qualquer superfície de formação rectilínea é composta por triângulos» e que «qual­quer triângulo deriva de dois triângulos, em que cada um tem um ângulo recto e os outros dois agudos» (cf. figura da página 23). Imagina assim dois triângulos «origem» a partir dos quais os poliedros regulares podem ser construídos. Em resumo, ele encontra «sob o átomo, as partículas».

Esta espantosa teoria, brevemente esboçada aqui, permite fazer «previsões»: assim, a terra, cujos átomos são cubos (que podem construir-se a partir de triângulos de tipo a.), distingue-se dos três outros elementos cujos átomos são feitos de triângulos de tipo 13. Além disso, esta teoria torna a possível transmutação: um átomo de água de vinte faces pode, por exemplo, cindir-se em dois octaedros de ar (de oito faces cada um) mais um tetraedro de fogo (de quatro faces) .

Ingénua, esta teoria? Não tanto como parece. Em 1874, o francês Achille Le Bel (1847-1930) e o holandês Jacobus Van't Hoff (1852-1911), que 21

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v1na a ser o primeiro laureado pelo Prémio Nobel da Química (em 1901), representam o átomo de carbono sob a forma ... de um tetrae­dro regular, para esquematizar a aptidão deste átomo para se ligar com quatro átomos mono­valentes, como na molécula de metano (CH4).

Depois da sua estada na Academia de Platão, Aristóteles funda a sua própria escola, o Liceu, abandona a teoria platónica dos átomos de formas geométricas e retoma a teoria de Empédocles introduzindo-lhe uma modificação importante: dá o nome de «elementos» às raízes de Empédocles e introduz a noção segundo a qual esses elementos se opõem por qualidades fundamentais contrárias, umas activas, outras passivas: o calor, o frio, o seco e o húmido. Assim, «O fogo é quente e seco; o ar (que é um vapor) é quente e húmido; a água é fria e húmida; a terra é fria e seca».

Qualquer objecto na Terra - no mundo «sub­lunar» - está sujeito à mudança: os corpos com­põem-se e decompõem-se. O que se encontra no Céu, em oposição, parece permanecer eterna­mente idêntico a si próprio. Outra diferença entre Céu e Terra: o movimento natural dos corpos é rectilíneo na Terra, circular no Céu. Parece assim que o Céu, bem como os astros que contém, é feito de uma substância diferente da presente no mundo sublunar - de um quinto elemento, a «quinta » essência, matéria subtil, eterna e «incorruptível», a que São Tomás de Aquino, no seguimento de Aristóteles, chamará

22 o éter.

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(a)

i o ar

~ frio

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-

a terra a água

Constituintes da matéria

(b)

a «quinta» essência

------: ,i .· ' . '

' ' ' ',,: _______ '.J

(a) Os elementos de Empédocles, as qualidades de Aristóteles e os átomos de Platão . (b) Verdadeiras «partículas elementares», os triângulos de Platão permitem a construção de poliedros de que os átomos são feitos.

Primeiro esboço de uma teoria (século v antes da nossa era).

Gassendi: os átomos estão em toda a parte!

Saltemos uns séculos. Nascido em Champter­cier, perto de Digne, na Haute-Provence, Pierre Gassend, dito Gassendi (1592-1655), evidenciou, desde a sua infância, a marca do génio. Jovem, aprende de cor seis mil versos latinos e recita por dia uns trezentos para reavivar a memória. Depois da morte de Richelieu, em 1642, cede às imposições dos seus superiores e vai para Paris para leccionar Matemática no Colégio Real, o futuro Colégio de França. Amigo de Galileu e contemporâneo de Descartes, empenha-se na missão de substituir a física de Aristóteles, que 23

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considera obsoleta, por uma nova física fundada numa fusão da ideia abderita com a mensagem bíblica. Ele afirma que os átomos, que para Demócrito são não criados, detêm, na realidade, os seus atributos de Deus.

Postula com entusiasmo a existência de áto­mos luminosos, de átomos aromáticos, de átomos sonoros, átomos de calor, átomos de frio ... A forma destes determina as suas propriedades sensíveis: pontiagudos, constituem as coisas picantes; redondos, as coisas fluídas, etc. Numa palavra, os átomos estão em toda a parte, «são os verdadeiros "princípios" sobre os quais o mundo é construído».

E não é tudo. No seguimento, Gassendi rejeita a doutrina dos quatro elementos de Empédocles e das quatro qualidades de Aristóteles; ele pos­tula, para a substituir, a formação intermediária de associações de átomos: «A partir dos átomos são primeiro formadas algumas moléculas dife­rentes entre si, que são as sementes das coisas diferentes.»

Moléculas ... A palavra está lançada. Entusias­mados com estes ensinamentos, Ralph Cudworth e Walter Charleton ecoam-nos em Inglaterra. Robert Boyle (1627-1691), um dos pais fun­dadores da Royal Society de Londres, põe-se à escuta; adopta o atomismo de Gassendi e emite a opinião que o número de substâncias primor­diais deve ser maior do que quatro. Chega a sugerir que os elementos proverbiais de Empé­docles são na realidade ... substâncias compostas.

24 Compostas, mas ... de quê?

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Secretamente, o maior alquimista do seu tempo, Isaac Newton (1642-1727) publica, em 1704, o seu Tratado de Óptica, que Jean-Paul Marat (o amigo do povo em pessoa!) traduz para francês em 1787. Nas últimas páginas da obra, Newton entrega-se a especulações sobre a natureza da composição dos corpos: «Todos os corpos parecem compostos de partículas duras: senão os fluidos não congelariam, como a água, os óleos, o vinagre e o espírito de vitríolo o fazem pelo frio, o mercúrio pelos fumos de chumbo, o espírito de nitro e de mercúrio dissol­vendo o mercúrio e evaporando o Fleuma.»

Quanto à luz: «Mesmo os raios [que a com­põem] parecem ser corpos duros; porque de outra forma não conservariam diferentes pro­priedades nos seus diversos lados. E, conse­quentemente, a dureza pode ser reconhecida como a propriedade [característica] de todos os corpos compostos.» O debate está bem lançado. Faltava começar a fazer química - verdadeira química, fundada na experimentação, na obser­vação e na medida.

A via real da química

Antes de morrer debaixo do cutelo da gui­lhotina, Antoine Lavoisier (1743-1794) prova que o ar é uma mistura de dois gases, que baptiza de «oxigénio» e «azoto», e demonstra a estrutura composta da água. Nem o ar, nem a água são elementos! A teoria das quatro raízes de Empé-docles desaba. Lavoisier declara: «Qualquer 25

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substância que ainda não conseguimos decom­por por nenhum meio é para nós um elemento.» Ele define trinta e três, entre os quais a luz (porque não?).

Em 1792, Jeremias Richter publica a sua Stoi­chiometry. Em muitas reacções químicas, observa, vemos um composto AB, constituído por duas partes A e B, combinar-se com um composto A'B', igualmente constituído por duas partes A' e B', segundo a equação AB + A'B' = AB' + A'B. Daí conclui que as quantidades A e A' por um lado, e B e B' por outro, sendo intercambiáveis, são portanto «equivalentes».

Professor numa escola quaker em Manchester, John Dalton (1766-1844) frequenta nos tempos vagos um cego, John Gough, filósofo da natureza, que lhe ensina latim, grego, francês, matemática, astronomia e sobretudo ... a arte da observação (o próprio Dalton via, mas sofria de . .. daltonismo!).

Dalton interessa-se primeiro pela meteorolo­gia, depois pelas misturas gasosas, com o objec­ti vo de estudar a absorção da água pelo ar. Adquire a convicção de que os gases são fluidos elásticos constituídos por pequenos corpúsculos, ou átomos, que se atraem e se repelem segundo leis de tipo newtoniano, e chega à conclusão de que é preciso diferenciar os átomos dos gases pelo seu peso. Inspirando-se nos trabalhos de Richter sobre os «equivalentes» de que acabá­mos de falar, e nos de Joseph Proust (1754-1826) que os continuam (1802), constrói uma tabela de

26 pesos relativos dos elementos (em relação ao

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ÉLÉMENT

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Os elementos segundo Dalton (1808)

peso do átomo de hidrogénio, que considera arbitrariamente igual a 1) baseada em três hipóteses: os átomos são os constituintes últimos indivisíveis e indestrutíveis da matéria; os áto­mos de um mesmo elemento são todos idênticos; as moléculas dos corpos compostos são forma­dos pelo conjunto de um número determinado de átomos dos seus constituintes.

1808. Dalton publica o conjunto das suas descobertas no seu Novo Sistema de Filosofia Química. Nele representa os átomos por peque- 27

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nos círculos ornamentados com sinais distin­tivos. Esses símbolos, que evocam os utilizados pelos alquimistas, foram substituídos mais tarde pelos, mais cómodos e que ainda hoje utiliza­mos, propostos pelo sueco Jõns Jacob Berzelius (1779-1848): H para o hidrogénio, C para o carbono, O para o oxigénio .. .

Dalton não usa em sítio algum dos seus tex­tos a palavra «molécula». Para ele, tudo são «átomos»: ele fala do átomo da água, do átomo do amoníaco, etc. A propósito do gás carbónico por exemplo, justifica assim a sua terminologia: «Agora, embora este átomo possa ser dividido, ele deixa de ser ácido carbónico, sendo decom­posto em carbono e oxigénio. Não vejo assim nenhuma incoerência ao falar de átomos com­postos.»

Nenhuma incoerência, certamente, mas con­fusão que a palavra «molécula», utilizada hoje, evita. Os diagramas através dos quais Dalton representa as moléculas estão baseados na sua concepção de «pesos equivalentes». Escreve HO para a água, HN para o amoníaco, etc. Dalton engana-se nos detalhes mas, como São João Bap­tista, abriu o caminho. Outros continuariam. Um deles, e não dos menores, foi Louis Gay-Lussac.

Gay-Lussac e Avogadro

Continuando os trabalhos de Lavoisier e de Dalton, Louis Gay-Lussac (1778-1850) estabelece

28 com precisão, em 1805, a composição de um certo

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número de substâncias gasosas. Anuncia que os elementos entram na composição dessas substâncias em proporções que mantêm sempre relações simples entre si.

Professor de Química na Escola Politécnica meio século mais tarde, Jean-Baptiste Dumas (1800-1884) conta o que sucedeu depois: «Quando Gay-Lussac apresentou a sua bela lei sobre as combinações de gases [ ... ], esperávamos vê-la adoptada e desenvolvida [por Dalton] porque era uma sorte rara para um inventor. Pois bem! nada disso! Dalton repudiou-a com uma espécie de desdém ... "Se, diz ele, esta lei é verdadeira, é uma tradução da minha. Vós chamais volume ao que eu chamo átomo: eis a única diferença".»

As descobertas de Gay-Lussac escondiam no entanto uma dificuldade que iria dividir · os químicos durante muitos anos. «As observações de Gay-Lussac, diz-nos Dumas, [sugeriam] que os gases contêm o mesmo número de átomos num volume igual. É pois necessário explicar­mos: na medida em que um volume de cloro e um volume de hidrogénio produzem dois de ácido clorídrico .. . Por conseguinte, é necessário que o átomo de cloro e o de hidrogénio possam dividir-se em dois, para dar origem aos dois átomos de gás clorídrico.»

O italiano Amadeo di Quaregna e Ceretto Avogadro (1776-1856), resolve o enigma em 1811: tanto a molécula de hidrogénio, explica, como a de cloro gasoso é um con­junto de dois átomos. Quando se combina o cloro com o hidrogénio gasoso, temos então 29

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H 2 + Cl2 = 2HCl, e não H + Cl = HCl. E é por isso que dois volumes de ácido clorídrico são produzi­dos nesta reacção. Note-se que para Avogadro, em oposição a Dalton, tudo são «moléculas» -quer estas sejam «integrantes » (para nós, átomos) quer «compostas» (para nós, moléculas).

Químicos em congresso

A 3 de Setembro de 1860, cento e quarenta químicos eminentes vindos dos quatros can­tos da Europa reuniram-se em congresso em Karlsruhe - trata-se do primeiro congresso inter­nacional da história da ciência. O seu objectivo: tentar conciliar os pontos de vista divergentes a respeito do átomo (e das moléculas!) que opunham os químicos uns aos outros. Na segunda sessão plenária, a 4 de Setembro, o jovem quí­mico August Kekule von Stradonitz (1829-1896), promotor do congresso, põe as coisas nos seguintes termos: «Nas reacções químicas existe uma quantidade que entra e sai na mais pequena proporção e nunca numa fracção desta pro­porção. Essas quantidades [ .. . ] são as moléculas definidas quimicamente. Mas essas quantidades não são indivisíveis, as reacções químicas con­seguem cortá-las e dividi-las em partículas abso­lutamente indivisíveis. Essas partículas são os átomos. Os elementos, quando se encontram livres, constituem moléculas formadas por átomos. Assim a molécula de cloro é formada

30 por dois átomos.»

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Com esta exposição lúcida (e profética), poderia pensar-se que o debate tinha terminado. No entanto, ele vai durar ainda vários anos. O problema que subsiste é o de aceitar ou não as duas hipóteses de Avogadro segundo as quais a molécula de muitos gases é composta por dois átomos e o número de moléculas num gás seria sempre o mesmo, num volume igual.

Charles Gerhardt (1816-1856) extrai das hipóteses de Avogadro uma consequência que formula no seu Compêndio de Química Orgânica, em 1853: é possível representar a molécula de cada substância através de uma fórmula que exprime claramente «quantos átomos de cada espécie estão contidos na molécula». A fórmula H 20 por exemplo indica que a molécula de água contém dois átomos de hidrogénio e um átomo de oxigénio - sem sugerir contudo, note-se, um arranjo geométrico particular desses três átomos entre si.

Estrutura molecular e valência

Em 1853, o químico inglês Edward Frankland (1825-1899) apercebe-se de que algumas combi­nações de átomos, os radicais (palavra forjada por Louis Guyton de Morveau, colaborador e amigo de Lavoisier), formam, com os metais, compostos cujas propriedades fazem lembrar singularmente as de alguns compostos mais cor­rentes . No seu livro Os Átomos, publicado em 1913 e que se tornou um clássico, Jean Perrin 31

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(1870-1942), futuro Prémio Nobel (1926) e futuro fundador do palácio da Descoberta (em 1937), explica: «Quando dizemos que o metano CH4 e o cloreto de metilo CH3CZ têm a mesma estrutura molecular, supomos que o "radical" CH3 não foi modificado pela cloração e que se encontra ligado ao átomo Cl [na molécula CH3Cl] como estava ao átomo H [na molécula CH4]. Diremos que o grupo CH3 do cloreto de metilo existe na molécula de álcool metílico que se escreve CH30H [em vez de CH40].»

Este importante avanço não resolve todos os problemas, no entanto: «Ainda não conjecturá­mos nada, na verdade, sobre as forças que man­têm agregados os átomos de uma molécula. Poderia acontecer que cada átomo desta molé­cula estivesse ligado a cada um dos outros por uma atracção variável consoante a sua natureza e decrescendo rapidamente com a distância. » Mas Jean Perrin mostra que esta hipótese é insus­tentável. «Se o átomo de hidrogénio é atraído pelo átomo de hidrogénio, porque é que, per­gunta ele, a única molécula construída a partir de átomos de hidrogénio seria H 21 de forma que a capacidade de combinação do hidrogénio consigo próprio seja esgotada desde que dois átomos se encontrem unidos?» E conclui que «tudo se passa [ ... ] como se cada átomo de hidrogénio estendesse uma mão, e urna só [e que] desde que esta mão agarrasse uma outra mão, a capacidade de combinação do átomo se esgotasse». A noção de valência* resulta directa-

32 mente desta análise. Consiste em admitir que

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numa molécula «os átomos estão agregados por uma espécie de colchetes ou de mãos, cada ligação unindo apenas dois átomos».

Este tipo de raciocínio, cuja subtilidade admi­ramos, permitiu aos químicos de elucidar a fór­mula de constituição de moléculas. Jean Perrin dá-nos o exemplo do ácido acético, cuja molé­cula é simultaneamente simples (contém apenas oito átomos) e complicada: a sua fórmula de cons­tituição «faz imediatamente lembrar os dife­rentes papéis dos átomos de hidrogénio (três subs­tituíveis por cloro, e o quarto por um metal), dos átomos de oxigénio (sendo o grupo OH expulso na formação do cloreto do ácido CH3C0Cl), e dos próprios átomos de carbono (a acção de uma base KOH sobre um acetato CH3C02K divide a molécula em metano e carbonato)».

Em resumo, a fórmula de constituição fornece-nos muito mais informações do que a simples «fórmula molecular»; ao permitir-nos visualizar o papel que os átomos que a compõem são capazes de desempenhar nas reacções quími­cas, tem um «poder de representação imenso no que respeita as reacções possíveis do composto».

Com esta observação, a representação esquemática das moléculas toma a sua forma definitiva . Seria necessário ainda precisar a noção de valência: «Se todos os átomos fossem monovalentes [como o átomo de hidrogénio], uma molécula não poderia nunca conter um número de átomos diferente de dois: há no entanto átomos polivalentes. » Seguramente! E um deles é o átomo de carbono. 33

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H O \ //

H-C-C / \

H 0-H

Fórmula de constituição do ácido acético

Esta fórmula permite visualizar o arranjo geométrico dos áto­mos na molécula.

Num grande número dos seus compostos, o átomo de carbono está quimicamente ligado a quatro átomos, quer dizer é tetravalente. Para reflectir este facto, Le Bel representa-o por um tetraedro (a partícula do fogo de Platão!) com quatro pontas nas quais se podem ligar outros átomos. A ideia não é tão bizarra como parece: Linus Pauling, duas vezes Prémio Nobel (em 1945 e em 1962), retoma-a e melhora-a em 1963. Ele mostra como é que se podem ligar dois tetraedros um ao outro para formar moléculas em que dois átomos de carbono estão ligados um ao outro através de ligações simples, duplas ou triplas (cf. diagrama, p. 35). Representamos hoje esses três tipos de ligações de maneira mais simples por meio de símbolos.

Como todos sabem, o átomo de carbono entra na composição de um número incalculável de moléculas, algumas das quais desempenham um papel determinante nas funções da vida.

34 Algumas contêm «anéis» alguns dos quais são

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•I /f;> b)

HC :=cH

Representação do átomo de carbono

O átomo de carbono está aqui representado só (a) , segundo Le Bel, e em ligação com um outro átomo de carbono (b) segundo Pauling.

por vezes «contranatura». É o que se passa coín a molécula chamada do «cubano», com a fór­mula CJ-I8, na qual oito átomos de carbono for­mam um cubo. Esta molécula constitui um potente explosivo de tal forma lhe é difícil aguentar o s tres s angular anormal (ângulos de 90º) imposto aos átomos que a compõem.

Electricidade ... no átomo

Fundamentalmente foi a contribuição em 1887, com 25 anos, do sueco Svante Arrhenius (1859-1927), futuro director do Instituto Nobel 35

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36

de Estocolmo, Prémio Nobel da Química em 1903. Ele pergunta-se: quando se dissolve um pouco de sal da cozinha em água, o que acontece aos átomos de sódio (Na) e de cloro (Cl) que entram na composição desse sal? Tudo se passa, observa Arrhenius, como se - pelo menos quando a solução é muito diluída - as moléculas NaCl se partissem em átomos Na e Cl e «uma solução diluída de sal marinho não contivesse já realmente sal, mas unicamente sódio e cloro no estado de átomos livres».

Átomos livres ... Não é bem assim. A água sal­gada conduz a corrente eléctrica. Para verificar este facto, Arrhenius supõe que os átomos liber­tados quando da dissolução do sal são, não átomos, mas iões* carregados electricamente, um positivamente (o do sódio), o outro negati­vamente (o do cloro).

A teoria dos iões de Arrhenius tornou-se parte integrante da química com a descoberta que todos os átomos ou grupos monovalentes de átomos transportam, quando ficam livres sob a forma de iões, a mesma carga elementar e, posi­tiva ou negativa. Apoiando-se em considerações de natureza puramente química, Arrhenius acabava de estabelecer a presença no átomo de «unidades elementares de electricidade», de «átomos d e electricidade», descoberta que os físicos iriam em breve confirmar.

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O poder misterioso do âmbar amarelo

O que há de mais confuso para o espírito do que a história desse pequeno pedaço de âmbar manifestando singelamente uma força que está em toda a natureza, que é talvez toda a natureza ...

PAUL VALERY

EM Mileto, na Anatólia Ocidental, Tales, um dos Sete Sábios da Grécia antiga, possui

uma sabedoria tremenda: ele consegue conferir ao âmbar amarelo*, esfregando-o, o poder de atrair os corpos leves, tal como palhinhas. Quando da morte do sábio (de velhice, na altura dos Jogos Olímpicos de 548 a. C.), esse conhecimento passa para os seus discípulos ao mesmo tempo que o nome dessa consonância terrível do âmbar amarelo: elektron. Este termo vai dar a volta ao mundo.

Os séculos passam. Nascido em Colchester, no Essex, William Gilbert (1544-1603) estabelece­-se em Londres como médico em 1573. Notado pela rainha Elizabeth, prossegue sob a sua protecção pesquisas sobre o estranho poder do elektron. Vinte séculos depois de Tales, descobre que as pedras preciosas - o diamante, a safira, a 37

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ametista, a opala, o berilo - bem como o vidro, o enxofre e ainda a goma-laca e o sal gema pos­suem, eles também, esse poder mágico. Inter­roga-se sobre a natureza desse poder. Entretanto, dá-lhe um nome: chama-lhe electricidade.

Progressivamente, mas sem que seja hoje possível datar rigorosamente todas as peripécias, estabelece-se no espírito dos filósofos a ideia de que existem na natureza «fluidos» imponde­ráveis - a luz, o calórico (o calor), o magne­tismo ... -, sede de fenómenos misteriosos. A electricidade é um deles.

De Stephen Gray, falecido em Londres em 1736, ignoramos quase tudo. Mas sabemos o que lhe devemos. Em 2 de Julho de 1729, ele estende uma corda com oitenta pés de comprimento sobre fios de seda esticados horizontalmente; seguidamente suspende numa das extremidades da corda uma bola de marfim e um tubo de vidro na outra extremidade. Quando ele esfrega o tubo para o electrizar, a bola de marfim, na outra ponta da corda, electriza-se também: ela atrai os corpos leves da mesma forma que o âmbar amarelo. A electricidade é pois trans­missível.

Duas electricidades!

Após a assinatura dos tratados de Utreque e de Rastadt em 1714, Charles François de Cister­na y Du Fay (1698-1739), então com 16 anos,

38 deixa o exército - com a patente de capitão! -

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para se dedicar ao estudo da ciência que lhe ensinou o seu avô, apaixonado da química. Num dia de 1733, dirigindo-se o seu interesse para a electricidade, esfrega um tubo de vidro para o electrizar e aproxima-o de uma folha de ouro: a folha ergue-se e permanece suspensa no ar acima do tubo. Quando aproxima dela um pedaço de copal esfregado, surpresa! a folha cola-se ao copal sem que seja fácil sepa­rá-los.

O momento desta descoberta é um dos mais preciosos momentos da história da ciência em que o génio do homem faz oscilar repentina­mente a nossa visão do mundo. Para justificar aquilo que acaba de observar, Du Fay anuncia que existem duas electricidades opostas na natureza. Chama a uma a electricidade «resi­nosa» e à outra a electricidade «vítrea».

1739. Seis anos depois da descoberta, Du Fay, com 41 anos, morre em Paris de bexigas. As suas descobertas são imediatamente esquecidas. Tanto mais depressa quanto ...

Benjamin Franklin (1706-1790) encontra em Bóston, em 1746, o doutor Spencer. Saído pouco antes da sua Escócia natal, cercado de toda a espécie de tubos de vidro e outros instrumentos com que demonstra os fenómenos eléctricos que encantam os filósofos do continente (Voltaire é um deles). Franklin compra-lhe os tubos, que leva para Filadélfia, onde está estabelecido (possui uma oficina de impressão). No espaço de sete anos frutuosos, entrega-se a uma quan-tidade de experiências e proclama uma teoria da 39

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electricidade que se vai impor. Afirma que existe apenas um fluido eléctrico, contido em todos os corpos em quantidade igual. A electrização fá-lo passar de um corpo para outro que passa a contê-lo em excesso, enquanto o primeiro corpo tem a menos. Diremos que o segundo corpo está electrizado positivamente (contém excesso do fluido eléctrico), e que o primeiro corpo está electrizado negativamente (tem carência de fluido eléctrico).

A teoria de Franklin do fluido único está hoje abandonada, mas conservámos as con­venções que ele criou para designar a electri­cidade - o que é lastimável, porque um corpo carregado positivamente, à maneira de Franklin, contém um excesso de electrões carrega­dos ... negativamente, segundo a concepção moderna!

O âmbar amarelo dá o seu nome ao átomo de electricidade resinosa

Em 1858, Julius Plücker (1801-1868) faz pas­sar uma descarga eléctrica através de um tubo contendo gás a baixa pressão - um gás «rare­feito». Observa que o cátodo* emite raios que se deslocam em linha recta, «marcam a sua trajec­tória através de uma fraca luminosidade do gás residual e excitam belas fluorescências nas pare­des de vidro com as quais chocam». Verifica, mais ainda, que esses raios são desviados da sua

40 trajectória quando aproxima um íman.

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Em Londres, em 1879, sír William Crookes (1832-1919) repete melhorando-as as experiên­cias de Plücker. Exprime a ideia de que os raios catódicos são descritos por «projécteis electriza­dos negativamente, saídos do cátodo e que, repelidos por ele, adquirem uma enorme velo­cidade».

Em França, em 1895, Jean Perrin, de quem já falámos, mostra que os raios catódicos «intro­duzem com eles electricidade negativa num recipiente metálico completamente fechado» e que, além disso, uma campo eléctrico desvia a sua trajectória - numa palavra, que são constituí­dos por corpúsculos. No ano seguinte, faz uma outra descoberta: os raios X produzem, no gás que atravessam, iões móveis que se recombinam rapidamente no mesmo sítio «mas que sob a acção de um campo se movem em sentido inverso ao longo de linhas de força, até que sejam para­dos por um condutor, que descarregam [ ... ], ou por um isolante, que carregam».

A estrutura granulosa da electricidade clarifi­ca-se. Faltava baptizar como «electrão*» o átomo de electricidade negativa (resinosa), o que foi feito, em 1891, por George Johnstone Stoney (1826-1911), um dos pioneiros da ideia de carga eléctrica elementar.

É costume atribuir ao físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940) a descoberta do elec­trão. Na realidade, a contribuição de sír Joseph diz respeito a outra coisa. Jean Perrin explicou-o bem: «Resulta dos belos trabalhos de sir Thom-son que o átomo da electricidade, cuja existência 41

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acaba de ser estabelecida, é um constituinte essencial da matéria.»

Sir Joseph descobriu de facto que (em veloci­dades fracas) a relação e/m da carga com a massa daquilo a que chamava os «corpúsculos» eléctricos era a mesma qualquer que fosse a origem dos corpúsculos. E concluiu: «Na medida em que podemos produzi-los à custa de qual­quer substância [ ... ], esses elementos materiais formam um constituinte universal comum a todos os átomos.» A que Jean Perrin acrescenta: «Não podemos considerar um corpúsculo inde­pendentemente da carga negativa que trans­porta: é inseparável desta carga; é constituído por esta carga.» Faltava medir esta carga.

Foi o que fez Robert Millikan em 1909. Por meio de um ligeira corrente de ar, leva uma goti­nha de óleo carregada de electricidade para a vizinhança de um buraco de agulha feito na armadura superior de um condensador plano horizontal. Uma vez posta a gotinha entre as armaduras do condensador, ele isola-a, ilumi­na-a lateralmente e segue-a visualmente por meio de um visor, no centro do qual ela lhe surge como «uma estrela brilhante em fundo negro». Por intermédio de um campo eléctrico da ordem de quatro mil volts por centímetro, que compensa o efeito da gravidade da gotinha, ele mantém-na no seu campo visual, «fazendo-a subir sob a acção do campo, deixando-a descer suprimindo o campo, e assim sucessivamente durante várias horas». Como a gotinha permanece idêntica a si

42 própria durante o tempo da experiência, a sua

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velocidade de queda retoma sempre o mesmo valor constante v. Da mesma forma, o movimento de ascensão faz-se a uma velocidade constante v', que permanece inalterada enquanto a gotinha transportar a mesma carga e'. Mas Millikan verifica que, de vez em quando, a velocidade de ascensão da gotinha muda bruscamente, tomando um outro valor v", que ele mede cuida­dosamente.

Qual a razão dessas variações de velocidade de ascensão? Esta velocidade depende do número de cargas elementares que a gotinha transporta. De vez em quando a gotinha perde ou ganha uma ou várias cargas. Quando isso se produz, a carga total que transporta passou de maneira descontínua do valor e' para um outro valor e". Ora, ao medir as velocidades de ascen­são, é possível deduzir a relação e'/ e" das cargas transportadas graças à equação muito simples e'/ e" = (v + v') / (v + v") ligando cargas e velo­cidades nessas experiências.

Millikan obtém para e'/ e" números que corres­pondem sempre a inteiros: 2, 4, 3, 2 ... com um erro de 1 por cento, em relação à aquisição ou à perda pela gotinha de uma, por vezes duas cargas elementares. Jean Perrin constata: «Essas belas observações de Millikan demonstraram de forma inteiramente rigorosa e directa a estrutura atómica aceite para a electricidade [negativa].»

E a electricidade vítrea? Veremos no capítulo seguinte como ela iria, por sua vez, ser «espan-tada para fora do seu esconderijo». 43

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44

Um electrão suspenso no vácuo

1956. Hans Dehmelt chega à Universidade de Washington em Seattle com uma ideia na cabeça: pretende, para o observar, isolar um electrão. Arranja uma «caixa de Penning», no interior da qual são fixadas frente a frente duas placas

. metálicas, faz o vácuo nessa caixa, carrega as placas negativamente e coloca o conjunto no campo de um íman. Um bico metálico carregado negativamente, verdadeira «fonte de electrões», injecta electrões na caixa. Pacientemente, em 1973, com a ajuda de dois assistentes, Philip Ekstrom e David Wineland, Dehmelt faculta a saída da caixa dos electrões emboscados um a um ... excepto um, o último, que mantém pre­ciosamente no interior da armadilha. Os três homens mantêm-no assim suspenso no vácuo, rodando indefinidamente no campo do íman e manifestando a sua presença através da emissão contínua de um sinal frequência de rádio. Eles conseguirão mesmo, alguns anos mais tarde, agarrar na sua armadilha um positrão*, electrão de antimatéria* ou electrão «a recuar no tempo».

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Quatro grandes ideias da física

Se a minha vida é bastante cheia, é porque verifico que não sei o que faço.

RICHARD FEYNMANN

Entrevista para Omni, 1979.

DEBRUÇAR-NOS-EMOS neste capítulo - separan­do-as do resto para sublinhar a sua impor­

tância - sobre quatro ideias da física que se vão revelar essenciais para uma boa compreensão da teoria moderna do átomo, que abordaremos em seguida. Curiosamente, apesar da sua importân­cia fundamental, essas ideias nem sempre são apresentadas com a clareza que seria necessária nos nossas tratados de física.

O que é o movimento?

Em 1647, três anos antes da sua morte no frio castelo da rainha Cristina da Suécia, então com 18 anos, René Descartes (1596-1650) publica a versão francesa dos seus Princípios da Filosofia. No capítulo XXXVI da segunda parte, escreve: «Na 45

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medida em que [Deus] moveu de varias maneiras diferentes as partes da matéria, quando as criou, e as mantém todas da mesma forma e com as mesmas leis que lhes atribuiu na sua criação, Ele conserva incessantemente nesta matéria uma quantidade igual de movimento» (os itálicos são de Descartes).

O que Descartes aqui nos diz é revolu­cionário e constitui, na minha opinião, uma das mais belas contribuições para a física: ele faz do movimento um igual da matéria - o que aliás está de acordo com o pensamento de Demócrito, com as suas ideias indivisíveis dotadas de ritmo. Mas Descartes via mais longe: ele explica como calcular a «quantidade de movimento» trans­portada por um corpo que se desloca à veloci­dade v. Cada parte desse corpo desloca-se ao mesmo tempo que o corpo à velocidade v; ela contribui assim para o movimento de conjunto do corpo através de uma quantidade de movi­mento igual a v. A quantidade de movimento total transportada pelo corpo é pois igual a v + v + v + ... = mv, representando mo número de partes contidas no corpo - dizemos hoje a sua massa. (Os tratados de física dizem habitual­mente que a quantidade de movimento é . igual «ao produto da massa pela velocidade»; como é que «se multiplica» uma massa por uma velocidade? Prefiro a definição operacional de Descartes.)

Grande viajante - como Demócrito e Des­cartes -, o filósofo, geómetra, escritor brilhante,

46 Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759)

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formula, em 15 de Abril de 1744, perante os mem­bros da Academia Real de Paris a proposição que vai imortalizar o seu nome: «Quando um corpo é levado de um ponto para outro, é necessária para isso uma certa acção [ ... ]. A quantidade de acção é tanto maior quanto maior for a velocidade do corpo, e o mais longo caminho que percorre; ela é proporcional à soma dos espaços cada um deles multiplicado pela velocidade com que o corpo o percorre.»

Soma das contribuições de cada uma das partes, a acção de um corpo que percorre a distância l à velocidade v é portanto igual a vl + vl + vl + ... = mvl, em que m representa, como anteriormente, o número de partes conti­das no corpo (a sua massa) . E como mv é igual à quantidade de movimento p transportada pelo corpo, à moda de Descartes (ver atrás), a acção é assim igual a pl. Em resumo, ela é, matematica­mente falando, igual ao produto da quantidade de movimento pela distância percorrida. Nada poderia ser mais simples.

Muito bem, diriam vocês. Mas para quê tudo isso? Aonde é que isto leva? Ainda mais uns instantes, e tudo vai ocupar os seus lugares. Examinemos a nossa terceira grande ideia.

Em busca das leis do absoluto

Em 1889, Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947), oriundo de Kiel, em Holstein, foi nomeado professor de Física na Universidade de 47

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Berlim. A 7 de Outubro de 1900, um domingo, ele recebe a visita do seu colega e amigo, o físico Heinrich Rubens (1865-1922), professor no Physikalisch Technische Reichsanstalt de Berlim, então um dos melhores laboratórios de física experimental do mundo. Depois da partida de Rubens, P lanck tem uma «iluminação». Diz ao seu filho : «Acabo de ter uma ideia que poderá ser tão importante como a da gravitação de Newton.» Transcreve a ideia para um postal que nessa mesma tarde envia a Rubens.

O ponto de partida desta ideia é a «lei da irradiação do corpo negro » conjecturada em 1858 pelo físico escocês Balfour Stewart (1828--1887) e formulada mais precisamente em 1860 por Gustav Kirchhoff (1824-1887). Plànck expri­miu-a da seguinte forma: «Num recinto fechado [um forno] limitado por paredes inteiramente reflectoras, há um momento em que a radiação contida no recipiente - com todas as suas pro­priedades incluindo a sua distribuição espectral de energia - [depende] apenas e exclusivamente da temperatura. » Ele verificou que esta lei da natureza exprimia um «absoluto » e, «tendo sempre considerado a pesquisa do absoluto como o objectivo supremo de toda a actividade científica», meteu ardentemente as mãos à obra.

Comunica os seus primeiros trabalhos ao ilustre físico austríaco Ludwig Boltzmann (1844--1906), fundador da mecânica estatística, que ele admirava profundamente, submetendo-os à sua apreciação. Boltzmann respondeu-lhe que, na

48 sua opinião, nunca conseguiria construir uma

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teoria verdadeiramente satisfatória da radiação do corpo negro sem introduzir nos processos de radiação um elemento de descontinuidade ainda desconhecido.

Planck introduziu no seu cálculo uma determi­nada grandeza W e descobre que, para a inter­pretar como convinha, «era necessário introdu­zir uma constante universal» a que chamou h, acrescentando: «Como esta constante tinha as dimensões de uma acção[ .. . ], dei-lhe o nome de quantum elementar de acção.»

Planck interrogou-se se não estaria a sonhar: «Ou toda a minha série de deduções não passa de um simples artifício de cálculo [ ... ]. Ou então o quantum de acção representa qualquer coisa de insuspeito até aqui... destinado a revolucionar um pensamento físico baseado na própria noção de continuidade.» Entremos nos detalhes.

Poder-se-ia julgar que a acção de Maupertuis é uma grandeza contínua, quer dizer, susceptível de tomar qualquer valor. Pois bem, não, diz-nos Max Planck! Existe uma «mais pequena quanti­dade de acção possível», uma unidade, um quantum de acção. É certo que, essa unidade, esse quantum é muito pequeno (à nossa escala vulgar de grandezas) e é por isso que não a descobrimos mais cedo. Mas existe, está realizada na natureza: qualquer acção é necessariamente um múltiplo inteiro dessa unidade.

Uma vez compreendida, a ideia de Planck é verdadeiramente simples: tal como existe uma unidade para os números inteiros (o número 1), existe uma unidade para a acção, o quantum 49

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elementar, h. A acção para transportar um corpo de um ponto para outro é igual a kh em geral, sendo k um número inteiro.

Como veremos mais em detalhe nos capítu­los seguintes, esta noção tornou-se a «alma» da física contemporânea, a que hoje chamamos a física quântica. Teremos ocasião de regressar às relações entre a energia e a acção na segunda parte deste livro. De momento, contentemo-nos com familiarizar-nos com a descoberta de Planck: ela vai tornar-se rapidamente o tema chave do nosso estudo do átomo. Vamos então à nossa quarta ideia.

Boy, man and genius .. .

A história de Lord Ernest Rutherford (1871--1937) é única nos anais da física. Quarto de uma família de doze filhos nascidos de pais pouco endinheirados emigrados na Nova Zelândia, recebe o Prémio Nobel da Química em 1908, com 37 anos ... embora não tivesse ainda iniciado a obra que respeita ao nosso assunto e que vai imortalizar o seu nome! Exemplo surpreendente de um homem glorificado pelos seus pares antes mesmo da sua hora de glória ter soado.

Em 1907, atrai a Manchester (pátria de Dalton), onde ensina, alunos brilhantes. Dois de entre eles são Hans Geiger (1882-1945) e Ernest Marsden (1889-1970). Em Maio de 1909, põe-nos a traba­lhar: «Bombardeiem uma folha de ouro com partículas alfa, pediu-lhes ele, e contem quantas

50 partículas voltam na vossa direcção.»

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m

A acção

(a)

-> V

..... -.. ' . . . . ' . , ·-·

(b)

a) Segundo Malpertuis (1744), o transporte de um corpo de massa m sobre a distância 1 à velocidade v requer uma quantidade de acção igual a mvl.

b) Segundo Planck (1900), a acção é um múltiplo inteiro de uma unidade universal, o quantum elementar de acção h.

Rutherford tinha anteriormente estabelecido que algumas substâncias radioactivas, como o rádon 222, emitem espontaneamente uma radia­ção potente, a radiação alfa. Sabia também, desde 1908, que essa radiação era na realidade constituída por partículas (de núcleos de átomos de hélio, descobrimos mais tarde).

Uma semana depois, Marsden, que tinha apenas 20 anos, encontra Rutherford na escada: «Sir! - Yes? . . » Marsden conta a Rutherford que em média uma partícula alfa em cada oito mil r etorna para ele. Rutherford diria mais 51

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52

tarde: «Foi o momento mais extraordinário da minha vida. Era como se bombardeassem uma folha de papel com obuses de quarenta milíme­tros e alguns deles ricocheteassem para si!»

Reflectiu: se as partículas fizeram ricochete, é porque encontraram na folha de papel de ouro qualquer coisa de muito duro ... , e muito pequeno porque, em média, só uma partícula em cada oito mil é que saltou ...

Retomando a ideia avançada alguns anos antes por Jean Perrin e pelo japonês Hantaro Nagaoka (1865-1950), formula então esta hipótese: o átomo consiste num núcleo em torno do qual giram electrões. Os electrões são leves, os núcleos são pesados. É batendo nestes núcleos duros e minúsculos, que as partículas alfa ricocheteiam nas experiências descritas atrás. E mais, os electrões transportam electrici­dade resinosa (negativa), os núcleos a electri­cidade vítrea (positiva). A própria electricidade positiva é granulosa (quer dizer, transportada sob a forma de «cargas elementares»).

A 7 de Março de 1911, Rutherford, a quem os seus colaboradores chamavam afectuosamente boy, man and genius, apresenta o seu modelo de átomo perante uma audiência petrificada. O átomo moderno nasceu. Era preciso agora tentar explicar o mecanismo de funcionamento íntimo - em suma, torná-lo o «átomo dos físicos».

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O átomo dos físicos

Segundo Filolaos, o Número é o elo todo­-poderoso e gerado por si que une eternamente os objectos do mundo.

JÂMBLICO

PARA Ecfanto, pitagórico lendário que terá sido contemporâneo de Demócrito, a

unidade (o «l »), longe de ser urna simples abstracção, é urna partícula que tem espessura e consistência. Partindo desta hipótese, Ecfanto constrói urna verdadeira «teologia aritmética» segundo a qual a mónada (o «l») e a díade indefinida (o «2», substracto material da mónada que é causa) geram números - que geram os pontos, que geram as linhas, que geram as superfícies, que geram as figuras a três dimensões, que geram os corpos sensíveis ... , construídos a partir dos elementos de Empé­docles, a terra, a água, o ar e o fogo. (Sucessor de Ecfanto, Filolaos de Tarento foi o primeiro a identificar os elementos com os poliedros regulares, tese retornada por Platão e já evocada na p. 21). 53

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p

Dispersão da luz através de um prisma

Um raio de sol que entra pela janela iria directamente na direcção Z; mas, ao encontrar um prisma, muda de direcção e produz um espectro colorido sobre um ecrã branco P. Desenho de uma vinheta publicada por Voltaire em 1738 nos seus Elementos da filosofia de Newton para ilustrar a descoberta daquilo a que hoje chamamos a espectroscopia.

A ideia de que o número pode desempenhar um papel fundamental no funcionamento da natureza em geral e no do átomo em particular impôs-se por si com a descoberta dos espectros* atómicos.

Paris, 1627. René Descartes examina a luz do Sol através de um prisma. Observa que à saída do prisma os raios, «ao serem conduzidos para um pano ou papel branco, pintam nele todas as cores do arco-íris».

Cambridge, 1666. Isaac Newton aperfeiçoa a experiência de Descartes e dá o nome de «espec­tro» (spectrum) à imagem colorida produzida

54 à saída do prisma. ·

Page 52: OATOMO - Escola da Luz

n=6 n=5 n=4 n = 3

(a)

ü

ü=R(.2__ - _!___) 22 n2

1 cm n entier

(b) (e)

A fórmula de Balmer

a) As quatro riscas do espectro de hidrogénio utilizadas por Balmer para estabelecer a sua fórmula.

b) A fórmula de Balmer. (com n = 3, 4, 5 e 6 para as riscas observadas em cima).

c) Uma rajada de projécteis todos com o mesmo comprimento passa à velocidade v, dando a impressão de constituir uma onda. Esta onda é caracterizada pelo número de projécteis que contém por centímetro, chamado «número de onda», designado por V e medido em cm-1. Tipicamente, para a risca vermelha do espectro de hidrogénio, À= 0,00066 cm e V= 15 233 cm-1

.

Universidade de Heidelberg, no Neckar, século XIX. Robert Bunsen (1811-1899) inventa o seu célebre bico de Bunsen cuja chama é incolor. Gustav Kirchhoff coloca sobre esta chama uma pequena quantidade de diversas substâncias. A chama torna-se imediatamente colorida. Aquilo que ele vê vai revolucionar a física (e a quí- 55

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mica): diferente de uma substância para outra, o espectro constitui uma verdadeira «assinatura de identificação» da substância considerada.

1859. Julius Plücker e Anders Angstrõm (1814-1874) estudam o espectro do hidrogénio por meio de um espectrógrafo no qual a luz a examinar passa por uma fenda estreita antes de atravessar o prisma, produzindo um espectro composto por uma série de riscas* distintas (sendo cada risca uma imagem d a fenda). Angstrõm identifica e mede cuidadosamente a posição de quatro riscas desse espectro.

A fórmula de Balmer

Basileia, 1885. Modesto professor de Matemática numa escola feminina - e pitagó­rico convicto-, Johann Jakob Balmer (1825-1898) examina com atenção os números de onda das quatro riscas d e hidrogénio publicadas por Angstrõm. Esses números n ã o t êm a priori nada de comum entre si: 15 233, 20 565, 23 032 e 24 373. Persuadido, contudo, de que eles encer­ram um segredo da natureza e que o «mundo, a arte e a natureza formam um enorme todo h a rmonio s o q u e se p o d e explica r a través d e combinações apropriad as d e números inteiros», Balmer dedica-se a tentar descobrir uma fór­mula que ligue esses quatro números, entre si, de maneir a simples. Encontra uma, que publica imed iatamente numa revis ta cientí-

56 fica local.

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A fórmula de Balmer tem qualquer coisa de fundamental, de elegante, de incontornável. Dado o papel que ela vai desempenhar na con­tinuação da nossa história, reproduzimo-la em todo o seu esplendor no diagrama da p. 55. Ela não é mais do a «ponta do icebergue». Ao publicar a sua fórmula, Balmer mostra-a a um professor de física da universidade de Basileia. Este sur­preende-se: o quê, não sabia? Desde os seus últi­mos trabalhos, «eles» identificaram não quatro, mas dezasseis riscas do espectro de hidrogénio. Balmer mete-se febrilmente ao trabalho. Milagre! A sua fórmula explica com precisão o conjunto das dezasseis riscas. E não é tudo!

Com 20 anos, à data da morte de Balmer, Walter Ritz (1878-1909) faz em 1908 uma descoberta surpreendente. Ele anuncia: as ris­cas de um dado espectro formam uma «con­fusão»: aparentemente inextricável, e no entanto é possível agrupá-las em várias «famílias » ou «séries» distintas, cada uma delas facilmente identificável e representável, à maneira de Balmer, pela diferença de dois termos cada um deles dependente de um número inteiro.

Esta hipótese recebe uma confirmação incon­testável no próprio ano da sua formulação com a descoberta por Friedrich Paschen (1865-1947), em Tübingen, de uma série até aí desconhecida de riscas do espectro de hidrogénio correspon­dentes à fórmula balmeriana V= R(l/32

- l/n2),

e a descoberta, por Theodor Lyman (1874-1954) em Harvard, pouco tempo depois, de uma outra série correspondendo esta a V= R(l / 12

- 1 / n2). 57

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Essas duas séries tinham até aí escapado à atenção geral porque correspondiam a riscas situadas, umas, na região infravermelha do espectro, e outras, na região ultravioleta.

Admire mos ainda aqui a maravilhosa presciência da visão pitagórica do mundo: do cosmos ao átomo, os números governam o universo.

Entremos no átomo

As ideias de Balmer e de Ritz intrigavam muito os físicos, mas estes tinham outras preocupações mais urgentes do que a de explicar o seu sucesso. Porque é que, perguntavam-se eles, os electrões no átomo não «caem» para o núcleo? Em princípio isso deveria acontecer, devido tanto ao seu peso (atracção gravi­tacional), como à atracção eléctrica exercida pelo núcleo - uma razão ainda mais forte. Alguma coisa, com toda a evidência, o impede. Mas o quê?

Estudante na universidade de Viena em 1910, Arthur Haas (1884-1941) tenta responder a esta questão. Ele imagina um electrão a oscilar no interior do átomo e considera que esta oscilação corresponda precisamente a um quantum de acção de Planck. Deduz deste modelo rudimen­tar um «raio» para o seu átomo igual a cerca de 0,55 x 10-7 milímetros. Resultado notável: pela primeira vez, um cálculo teórico permitiu

58 atribuir uma «dimensão» (plausível) ao átomo.

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(Infelizmente para Haas, como só se empresta aos ricos, o seu raio é hoje conhecido pelo nome de ... «raio de Bohr».)

Dois anos mais tarde, em Cambridge, John Nicholson (1881-1955) retoma a ideia de Haas sob uma forma aperfeiçoada: imagina um elec­trão de massa m girando à velocidade v numa órbita circular no interior do átomo, e considera que a acção para completar uma órbita seja igual a um número inteiro de quanta. esta acção cal­cula-se facilmente: se o raio da órbita for r, a distância do caminho percorrido no fim de uma volta é 27rr e a acção é pois igual a 27rrmv . Nicholson estipula então 27rrmv = kh, sendo k inteiro.

Convencionou-se chamar «momento angu­lar» do electrão e designa-se pela letra L a expressão rmv. O resultado de Nicholson escreve-se então L = kh/2'IT (k inteiro). É o mesmo que dizer que, no átomo, o momento angular do electrão está «quantificado». Já não dizemos hoje que «os electrões giram em órbitas Circulares no interior dos átomos», mas continua­mos a dizer que o seu momento angular está quantificado.

Os saltos quânticos

17 de Julho de 1912. O maior matemático do seu tempo (um dos maiores matemáticos de todos os tempos), Henri Poincaré (nascido em 1854), morre em sua casa, n a rua Gay-Lussac 59

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em Paris. Numa série de artigos publicados sob a forma de livro depois da sua morte, escreve: «É preciso explicar as leis tão curiosas da repar­tição das riscas no espectro. Segundo os traba­lhos de Balmer, de Runge, de Kaiser, de Rydberg, essas riscas repartem-se em séries e em cada série obedecem a leis muito simples.» Ele lança as bases de uma explicação: «Da mesma forma que uma corda vibrante tem uma infinidade de graus de liberdade, o que lhe permite dar uma infinidade de sons cujas frequências são múl­tiplas da frequência fundamental, [ ... ] não pode­ria o átomo dar, por razões idênticas, uma infinidade de luzes diferentes?»

Mas aponta uma dificuldade: «Segundo as leis espectroscópicas [contrariamente ao que se passa com a corda vibrante], a frequência não se torna infinita para as harmónicas de grau infinitamente elevado.» (De facto, em cada série, a frequência tende para um limite.) Assim, diz­-nos Poincaré, «a ideia tem que ser modificada ou abandonada». E constata: «Até aqui resistiu a todas as tentativas, recusou adaptar-se.»

Poincaré utiliza então uma ideia curiosa pro­posta por Ritz, pouco tempo antes da sua morte, para explicar esta «anomalia» aparente: «[Ritz representa] o átomo vibrante corno formado por um electrão girando e vários rnagnetões* postos topo a topo. Não é a atracção electrostática dos electrões que regula os comprimentos de onda, é o campo magnético criado pelos magnetões. » Voltaremos a encontrar esta ideia - sob uma

60 outra forma - na segunda parte d este livro.

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Num segundo artigo, intitulado «A hipótese dos quanta», Poincaré afirma: «Um sistema físico [como, por exemplo, um átomo] não é susceptível senão de um número finito de estados distintos; ele salta de um desses estados para outro sem passar por uma série contínua de estados intermédios » (os itálicos são de Poincaré).

Detenhamo-nos um instante sobre este texto, acto fundador da teoria moderna do átomo. Que se entende por um «estado» do átomo? A teoria de Nicholson explica-o. Tomemos o exemplo mais simples, o do átomo de hidrogénio, que contém apenas um electrão. Segundo Nicholson, este electrão encontra-se numa órbita correspon­dente a um número inteiro de quanta de acção. Esse número inteiro - esse número quântico -define um estado do electrão e, mais geralmente, um estado do átomo. (Para um átomo com vários electrões, a definição será mais complexa, mas é da mesma ordem. Voltaremos a falar nisso.)

Debrucemo-nos agora sobre a segunda parte do texto de Poincaré. Como é que o átomo passa de um estado para o outro? Segundo Poincaré, efectuando «saltos» (dizemos hoje saltos quân­ticos). Muito bem, mas como é que - e porquê -o átomo efectua esses saltos? Nunca saberemos como é que Poincaré, se estivesse vivo, respon­deria a esta pergunta. Sabemos unicamente o que outros, na sua esteira, concluíram.

Setembro de 1911: Niels Bohr (1885-1962), que acaba de defender a sua tese de doutora-mento na Universidade de Copenhaga, chega a 61

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casa de sir Joseph, em Cambridge, para uma estada de estudo de quatro meses. Nicholson explica-lhe a sua ideia a respeito da quantificação do momento angular do electrão no átomo. Bohr não ficou impressionado (di-lo-á mais tarde), em parte porque Nicholson tinha aplicado a sua teoria a um átomo hipotético, baptizado por nebulium porque se pensava que estava presente nas nebulosas; sabemos hoje que se tratava na realidade de um ião do átomo de oxigénio.

Fevereiro de 1913. Bohr empreende a redacção de um longo artigo sobre o átomo. Hans Marius Hansen (1886-1956), especialista de espectros­copia, pergunta-lhe: «Será que o seu artigo expli­cará a fórmula?» Bohr sobressalta-se. A fórmula? Que fórmula? Bohr inicia-se então na fórmula de Balmer de que falámos - contra todas as expecta­tivas, ele, o especialista em potência do átomo, não a conhecia. É uma paixão. Bohr apercebe-se de que a fórmula de Balmer contém uma teoria implícita do átomo e que, para compreender o átomo, é preciso tentar compreender o que esta fórmula tenta dizer.

Como funciona um átomo?

Tentemos decifrar por nosso lado a fórmula codificada de Balmer. Ela exprime a frequência da radiação do átomo sob a forma de uma diferença entre dois termos. Separemos esses dois termos e multipliquemo-los por h, e obtere-

62 mos hv = Rh/2 2 - Rh/n2

• Segundo Poincaré,

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admitamos que cada um dos termos da nossa equação representa um estado distinto do átomo e admitamos que o átomo efectua um salto quântico - «salto de um estado para outro» -quando emite (ou absorve) a radiação. Admita­mos que tudo isso seja verdade. Que represen­tam então Rh/22 e Rh/n2 precisamente? Os trata­dos de física respondem: «A energia do átomo antes e depois do salto.»

O que é que se passa na realidade? Temos, à partida, um núcleo e um electrão livres; cada um deles tem a sua energia própria, sendo a energia do conjunto a soma das duas. O electrão entra no campo do núcleo e forma com ele um átomo. Esse processo é acompanhado de uma perda de energia. É esta perda de energia que os nossos termos representam.

Teoria subtil do átomo, a fórmula de Balmer permite-nos seguir a variação da energia quando o núcleo e o electrão se unem para formar um estado quântico estacionário.

Construído com o objectivo confessado de «reproduzir» a fórmula de Balmer - ela mesma magicada para explicar o espectro de hidrogé­nio -, o «átomo de Bohr» incorpora ao modelo de Nicholson (um electrão a girar numa órbita circular com um momento angular quantificado) a ideia dos saltos quânticos de Poincaré e as con­siderações sobre a radiação que acabámos de apresentar. Na sua obra sobre o átomo publicada recentemente, Bernard Pullmann conta que o sucesso das proposições de Bohr «foi grande, e tanto mais p articular quanto se baseava apenas 63

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em intuições geniais, fundadas, é certo, em profundas reflexões.» Da parte de Bohr, ou da parte de Haas, de Nicholson, de Poincaré e de quem mais? Mas isso é outra história. Voltemos ao átomo.

Quantos electrões tem um átomo?

Quando se submete um átomo à acção de raios X, esses raios ejectam um electrão do interior do átomo; um segundo electrão toma imediatamente o lugar do electrão ejectado. A transição é acompanhada - e portanto mani­festa-se - pela emissão de um raio X secundário, perfeitamente assinalável.

Cambridge, 1913. Trabalhando dia e noite «a uma velocidade espantosa e [com] um excesso de energia característica da sua personalidade», Henry Moseley (1887-1915) mede o raio secundário emitido pelos átomos d e todos os elementos que consegue apanhar. Descobre que o comprimento de onda de uma das riscas do espectro secundário - a risca que os especialistas chamam a Ka - varia de um elemento para outro de acordo com uma fórmula muito simples do tipo da d e Ba lmer, tendo a v a ntagem , a lém disso, d e depender explicitamente do número de electrões presentes no átomo.

Admiremos o extraordinário talento de Moseley, que, de repente, se põe a contar os electrões no interior do átomo e nos revela um

64 dos grandes segredos d a natureza , até aí b em

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guardado. Curiosamente, com base nos resulta­dos obtidos, sir Joseph emite primeiro a opinião de que convém agrupar os elementos em duas famílias, «os membros sucessivos em cada família progredindo pela adição de uma unidade comum, embora os membros de uma família não possam converter-se nos de outra pela adição ou subtracção desta unidade». Sir Joseph mudará de opinião: os melhores físicos sucumbem por vezes (provisoriamente) a miragens.

Números quânticos

Munique, 1916. Arnold Sommerfeld (1868--1951), também ele pitagórico do fundo da alma, questiona-se: por que é que o electrão do átomo de hidrogénio seria obrigado a girar em órbitas circulares? Por que é que ele não poderia em vez disso girar em órbitas elípticas?

Tal como Cristóvão Colombo ao descobrir a América pensando estar a chegar às Índias, Sommerfeld constrói um novo modelo do átomo que o leva para bem longe do próprio modelo, para terras inexploradas da física atómica nascente. O modelo «ingénuo» do átomo desen­volvido por Haas e depois por Nicholson levava a definir um número quântico k, precisando o número de unidades de acção para uma volta do electrão na sua órbita. Sommerfeld introduz dois números quânticos que lhe permitem quan­tificar o movimento em função dos dois eixos das suas elipses. 65

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As elipses de Sommerfeld «evaporaram-se» mais tarde da física, mas os números quânticos que as sustentam permaneceram. Parte inte­grante das terras novas descobertas pelo genial muniquense, estão no centro da física moderna do átomo. Tentemos por um instante avaliar o seu significado mais profundo. Seguiremos, com este objectivo, algumas etapas do raciocínio uti­lizado por Sommerfeld para obter os seus resul­tados. A ideia de Sommerfeld equivale a dizer que os dois eixos a e b da elipse que constitui, segundo ele, a órbita do electrão devem ter entre si uma relação igual à de dois números inteiros, n e k, segundo a equação a/b = n/k. Como numa elipse o eixo menor b é no máximo igual ao eixo maior a (caso· em que elipse se torna um círculo), k é pois, no máximo, igual a n.

Para verificar alguns pormenores do espectro do hidrogénio chamados de «estrutura fina» que as teorias de Haas, de Nicholson e de Bohr tinham ignorado, Sommerfeld considera k = l + 1 e introduz no seu modelo um terceiro número quântico m que pqde tomar os valores inteiros compreendidos entre -l e +l; e depois .. . um quarto número quântico de que falaremos mais à frente.

Muito bem, dirá você, mas o que é exac­tamente um n úmero quântico? Por que é que são necessários quatro para designar os esta­dos do electrão no átomo? Trata-se aqui, na minha opinião, de um mistério ainda bem escon­dido da natureza. Examinemos a coisa de mais

66 perto.

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O que é um número quântico? Com um único número quântico, era fácil dizer que ele media a acção. Com quatro números quânti­cos, põe-se a seguinte questão: por que é que é preciso quantificar quatro vezes a acção?

Em quatro «direcções» diferentes, diria você. É efectivamente o que parece acontecer. Admite­-se geralmente que os números I e m quantificam uma «rotação» electrónica no átomo (do tipo da concebida inicialmente por Nicholson). O número quântico «principal» n, em contra­partida, parece quantificar uma acção que nada tem a ver com uma rotação. Quanto ao quarto número ... falaremos dele dentro em pouco (cf. também p . 69 e 106).

Tudo is to permanece muito mis t e rios o , reconhecemos, a menos que nos limitemos a aceitar os resultados sem procurar compreendê­-los. É a atitude de muitos físicos hoje, para quem a física pode - deve - dispensar interpre­tações de fenómenos além d as d e natureza pura­m ente matem ática.

É d e facto verdade que, repito, os números quânticos se referem, todos e sempre, à medição de uma acção. Veremos mais detalhadamente na segunda parte deste livro por que é que esta questão se mantém tão apaixonante e . . . funda­m ental.

e números mágicos

Munique, 1916. Um ano d epois d a morte de Moseley, a 10 d e Agosto d e 1915, na batalha de 67

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Suvla Bay, na Crimeia, Walther Kossel (1888--1956), aluno de Sommerfeld, procura alargar as teorias do seu mestre aos átomos com v ários electrões. Concebe um modelo tridimensiona l (Bohr nesta altura imagina os átomos como sendo «planos», de que os electrões giravam em órbitas circulares concêntricas). Depois, anotando o facto de os átomos dos gases raros (também chamados gases nobres) - hélio, néon, árgon .. . -interv irem d ificilmente em reacções químicas, avança a ideia de que, no átomo, os electrões ocupam camadas concêntricas (tridimensionais), não podendo cada urna delas receber senão um número m áximo de electrões, e não sendo esse número necessariamente igual de uma camada para a outra: 2 para a camada mais próxima do núcleo, designada pela letra K; 8 para a segunda camada, designada pela letra L; 8 para a terceira camada, designada pela letra M, etc. Quando num átomo a s camadas ocupadas estão satu­radas, quer d izer, contêm o número máximo de electrões que podem receber, o átomo forma um pequeno sistema fechado particularmente estável e pouco propenso a ganhar ou perder electrões. Pelo contrário, quando uma das camadas está incompleta, o átomo tem capacidade de captar - ou d e perder, conforme o ca so - um e lectrão p ara atingir urna configuração estável.

2, 10, 18 ... , a lista dos números correspon­dentes a á tomos particularmente estáv eis ia em breve crescer com muitos números suple­mentares (3 6, 54, 86) corres pondentes a o s

68 á tomos d e crípton, xénon e rádon, também gases

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raros, descobertos recentemente. Mas porquê esses números? Porquê estes e não outros? «Explicá-los» - como se tinha «explicado» a fórmula de Balmer - tornava-se o problema número um da física atómica nascente.

O spin do electrão

Passam-se coisas interessantes no átomo quando o submetemos à acção de um campo magnético (efeito Zeeman) ou de um campo eléc­trico (efeito Stark). Esses efeitos manifestam-se nomeadamente por uma modificação da aparên­cia do espectro. O estudo dessas modificações no caso do hidrogénio levou Sommerfeld a incluir um quarto número quântico na sua teoria. Ele tinha introduzido os três primeiros a partir de considerações puramente geométricas: for­mas e orientações espaciais de órbitas electróni­cas. Para explicar o efeito de Zeeman, descoberto por Pieter Zeeman (1865-1943) em Leyde em 1896, Sommerfeld postula a existência de uma «rotação escondida» do electrão no interior do átomo - rotação de um tipo diferente do consi­derado para a descrita por l e m.

1923. Virtuoso nestas coisas, Alfred Landé (1888-1975) aperfeiçoa a hipótese de Sommerfeld postulando que, contrariamente aos outros números quânticos, o novo número só poderia tomar valores semi-inteiros: 1/2, 3/2, etc. Perante estas brilhantes penetrações intuitivas, Wolfgang Pauli (1900-1958), então com 23 anos, insur- 69

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ge-se: «Sommerfeld tenta livrar-se das difi­culdades ... seguindo a sua convicção íntima da harmonia da natureza.»

Hamburgo, 1924. Pauli mostra o seu jogo: há realmente uma rotação escondida no átomo, afirma, e esta rotação corresponde na verdade a valores semi-inteiros, mas não é atribuível a um movimento do electrão no átomo; corresponde a uma «rotação intrínseca» do electrão sobre si próprio, correspondendo aos dois valores semi-inteiros+ 1/2 e -1/2.

Janeiro de 1925. O jovem americano Ralph de Laer Kronig, durante uma deslocação de estudo à Europa, chega a Copenhaga com uma ideia brilhante na cabeça, que explica a Kramers, assis­tente de Bohr. Pauli, que assiste à conversa, ridiculariza a sugestão: «É uma ideia brilhante, que nada tem, evidentemente, a ver com a reali­dade!» Kronig guarda a ideia para si.

20 de Novembro de 1925. Estudantes na Uni­versidade de Leyde, George Uhlenbeck (1900--1988) e Samuel Goudsmit (1902-1978) publicam um artigo em que anunciam que o electrão é ani­mado de um movimento intrínseco de rotação susceptível de duas orientações quando o elec­trão se encontra colocado no campo de um íman. Em Nova Iorque, Kronig toma conhecimento da novidade; escreve a Kramers: «De futuro terei confiança no meu próprio juízo e menos no dos outros. » Informado, Bohr exprime a Kronig «a sua consternação e as suas profundas descul­pas». Kronig responde-lhe: «Não me queixei [ ... ]

70 senão para fustigar os físicos do tipo «pregador»

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que estão sempre tão seguros de si e enfatuados com as suas próprias opiniões.» Magnanima­mente, Uhlenbeck devia declarar em 1976: «Não há qualquer dúvida de que Kronig tinha anteci­pado o essencial da nossa ideia.»

Aqui está esta ideia: o electr ão possui um spin*. Encontra-se - eternamente! - em «rotação em torno de si próprio» com uma velocidade correspondente a ... metade de uma unidade de acção. Metade de uma unidade de acção? Vere­mos na segunda parte desta obra como é que se pode compreender esta aparente anomalia.

Três trovões abalam a física ...

Paris, 1923. Persuadido de que o electrão pos­sui uma «fase interna», uma espécie de pequeno relógio elementar que o acompanha nas suas deslocações, Louis de Broglie (1892-1987) supõe que «quando um electrão descreve uma órbita em torno do núcleo no átomo de hidrogénio, a sua «fase interna» [ ... ] varia de um número inteiro de períodos durante cada volta na órbita», razão pela qual, pensa, «a órbita seria instável».

A hipótese não dá imediatamente o resultado esperado. De Broglie modifica-a. «Fez-se então uma enorme luz no meu espírito», diria mais tarde; ele imagina que o electrão é uma partícula acompanhada de uma onda e obtém o seguinte resultado: «Se o electrão descreve a órbita par­tindo de um ponto qualquer[ .. . ], sendo a órbita fechada (por exemplo circular) e indo a onda ?1

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72

mais depressa do que a partícula, ela apanhará esta»; mas o electrão será estável na sua órbita «se a onda o apanhar entrando em fase com ele», explicando assim o papel desempenhado pelos números inteiros no átomo. Assim nasceu, com um toque de varinha mágica, a mecânica ondu­latória de Louis de Broglie. Fez sensação, mas não por muito tempo, porque entretanto . ..

Ilha de Helgoland, mar do Norte, 7 de Junho de 1925. Werner Heisenberg (1901-1976), então com 23 anos, tenta desenvencilhar-se de uma severa crise de asma que o oprime durante várias semanas. Sentado numa rocha às 3 horas da manhã, contempla o mar e recorda o poema de Goethe, West-Ôstlicher Divan. É então que, de repente . . . De volta a Gõttingen, redige um artigo que confia a 9 de Julho ao físico Max Born (1882--1970), não ousando, diz-lhe, submetê-lo a uma revista científica séria de tal forma era «extra­vagante». Ao ler o artigo, Born descobre que Heisenberg utilizou, para explicar o átomo, uma técnica bizarra que lhe faz no entanto lembrar qualquer coisa: assemelha-se à técnica matemática obscura chamada «cálculo matri­cial». Auxiliado pelo seu aluno Pascual Jordan (1902-1980), Born torna o artigo «inteligível» e envia-o à revista Zeitschrift für Physik, que o publica.

Zurique, Novembro de 1925. O austríaco Erwin Schrõdinger (1887-1961) toma conhe­cimento do artigo de Heisenberg e sobretudo da tese de doutoramento de De Broglie, defen­dida na Sorbone no ano anterior. A tese é

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impressionante. «Os números inteiros intervêm em mecânica ondulatória da mesma forma natu­ral com que os nodos intervêm na teoria das cor­das vibrantes». (cf. diagrama p. 74). Schrodinger aperfeiçoa então a equação que vai ser a sua glória e ... subverter tudo. Ele mostra que esta equação, equivalente à teoria proposta por Heisenberg, resume todos os resultados conhecidos até aí a respeito do átomo, incluindo, bem entendido, a incontornável fórmula de Balmer! Adeus mecâ­nica ondulatória ... , bom dia mecânica quântica!

Vimos que, para de Broglie, o electrão é acom­panhado de uma onda cuja fase é o elemento importante (é por permanecer em fase com a sua onda que o electrão segue um movimento parti­cular - um movimento quantificado). Schrodinger adopta a ideia da onda mas faz ressaltar a sua amplitude. É preciso, diz ele, que a amplitude se anule onde o electrão não pode ir, por exemplo no infinito. Ao obrigar a onda a ter «nodos» (pontos onde a sua amplitude se anula), essas «condições nos limites» introduzem a quantificação na teoria: o número de nodos torna-se um número quântico.

Teoria espantosa que, em prejuízo de Louis de Broglie, teve nomeadamente o efeito de rele­gar a fase de onda para a secção dos objectos esquecidos. Foi preciso esperar... a publicação da presente obra para que alguém - sem ser o próprio de Broglie - tentasse restituir à fase o seu papel, como veremos com mais pormenor na segunda parte do livro.

Voltemos brevemente atrás. Perguntámo-nos (cf. p. 67) porque é que eram necessários quatro 73

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Como vibra uma corda

Um corda esticada fixa pelas duas extremidades (como uma corda de guitarra) vibra produzindo harmónicos caracterizados pelo número de «nodos» em que a corda permanece imóvel durante a vibração.

números . quânticos para quantificar a acção no átomo. Juntos, o espaço e o tempo constituem o espaço-tempo a quatro dimensões da relati­vidade - quatro dimensões, portanto quatro direcções para quantificar a acção. Delibera­damente construída na base de quatro compo­nentes, a equação inventada por Paul Dirac (1902-1984) em 1928 para satisfazer as exigên­cias da relatividade introduz directamente no modelo os quatro números quânticos (entre eles o correspondente aos valores semi-inteiros do spin). Esse resultado justifica, sem no entanto explicar completamente, porque é que são necessários quatro (em vez d e três) números quânticos para quantificar a acção no átomo .

. . . depois um relâmpago ilumina o céu

Princeton, Estados Unidos, 1941. Estudante 74 americano de origem russa, Richard Feynman

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(1918-1988), então também com 23 anos, vai à Nassau Tavern para aí beber tranquilamente uma cerveja. Em visita a Princeton, o profes­sor Herbert Jehle, um antigo colaborador de Schrodinger em Berlim, senta-se à mesa. Feynman pergunta-lhe se ele sabe utilizar o conceito de acção em mecânica quântica. Jehle responde que não, mas que Dirac (herói de Feynman!) tinha publicado um artigo sobre esse assunto cerca de oito anos antes. Os dois homens recuperam o artigo em questão no dia seguinte.. . numa obscura revista sovié­tica, Physikalische Zeitschrift der Sowjetunion . Feynman pega num giz, instala-se num quadro negro e descasca o artigo do seu ilustre ante­cessor.

Jehle não acredita no que vê! Abre um bloco e toma febrilmente umas notas ... De repente aparece diante dele a equação de Schrodinger! Feynman acaba simplesmente de inventar diante dele uma nova forma de fazer um cálculo em mecânica quântica!

O método inventado por Richard Feynman nesse dia interessa-nos no mais alto grau porque está inteiramente fundado na noção de acção, que nos é tão cara ... e que a mecânica quântica tinha, grandemente, abandonado entretanto. «Conseguimos encontrar uma forma para a acção apenas dependente do movimento das cargas, diz-nos Feynman. Consegui também descobrir aquilo que os velhos conceitos de ener­gia e de quantidade de movimento significam para esta acção generalizada.» 75

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Estudaremos as ideias de Feynman mais detalhadamente na segunda parte deste livro. Entretanto, completemos a nossa narrativa dizendo algumas palavras a propósito do átomo com vários electrões.

1921. Ocupado em organizar o seu lnstitut for Teoretisk Fysik, Bohr sulca a Europa, dei­xando entender por toda a parte que tinha cal­culado qualquer coisa, mas o quê? Arnold Sommerfeld impacienta-se. Até Rutherford fus­tiga Bohr. A situação está tensa. Porque Bohr . . . não calculou nada. «A verdade, dirá Kramers, é que ele tinha criado simplesmente, com uma visão divina, uma síntese dos resultados da espectroscopia e dos da química.» Situação tanto mais dramática quanto os rumores que come­çavam a circular nos meios da física de que Bohr (mais do que Sommerfeld) tinha sido escolhido para receber o Prémio Nobel da Física nesse ano - o que aconteceu realmente em 16 de Dezembro de 1922.

Fazer falar os espectros

Ao fazer «falar» o espectro de hidrogénio, a fórmula de Balmer tinha tornado possível a elaboração de um primeiro modelo do átomo. A fórmula de Ritz, cujo autor tinha morrido entretanto com 30 anos, ia permitir aprofundar esse modelo facilitando nomeadamente o estudo minucioso do espectro dos metais alcalinos: lítio,

76 sódio, potássio, rubídio e césio.

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O átomo dos metais alcalinos contém um «electrão de valência» cujo comportamento faz lembrar imenso o do electrão do átomo de hidrogénio. Tomemos o exemplo mais simples, o do átomo de lítio.

O átomo de hidrogénio contém um electrão, o átomo de lítio contém três. Mas tudo se passa como se dois dos seus electrões, intimamente ligados ao núcleo, pudessem ser ignorados no estudo das propriedades observáveis do átomo. Esta constatação permite conceber o átomo de lítio e o dos metais alcalinos em geral como átomos de hidrogénio «modificados», quer dizer contendo, como ele, um único electrão.

A análise do espectro fundada nesta afir­mação permite descobrir o seguinte facto notá­vel: o átomo nunca «salta» arbitrariamente de um estado para outro. Só alguns saltos é que pare­cem «autorizados» e contribuem para o espectro.

Esta constatação está na origem daquilo a que hoje chamamos as «regras de selecção». A princi­pal dessas regras atribui ao número quântico l um papel preponderante no átomo: só são permi­tidas as transições em que l mude de uma unidade. Voltaremos a falar nisso. Vejamos agora que partido é que os teóricos conseguiram tirar dessas observações nos seus esforços para apro­fundar e aperfeiçoar a teoria quântica do átomo.

Os números mágicos explicados

Dezembro de 1924. Wolfgang Pauli examina de perto a informação acumulada pelos especia- 77

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listas da espectroscopia na interpretação dos espectros.

Para cada átomo, os espectroscopistas tinham estabelecido, nomeadamente, uma lista dos esta­dos quânticos que contribuem para o espectro -estados a que chamam «termos» porque eram identificados como um dos «termos» da fórmula de Ritz. Do ponto de vista teórico, o que é um termo? Ele corresponde a um estado quântico do átomo no qual um conjunto de números quânti­cos é atribuído a cada electrão. Trata-se aqui, evi­dentemente, de uma aproximação: em princípio, só o conjunto do cortejo electrónico pode ser quantificado. Mas sem esta aproximação nada seria possível, de tal forma são difíceis os cál­culos. Pelo menos contentar-nos-emos com isso, de momento.

Pauli examina de perto a lista de termos esta­belecida pelos especialistas. E descobre o seguinte: nenhum dos termos inscrito na lista corresponde a um estado do átomo em que dois ou mais electrões possuam os mesmos números quânticos. Tudo se passa, diz Pauli, como se tais estados fossem «interditos». Ele decide que o são. Formula então, e publica em seguida, o seu célebre «princípio de exclusão» ou princípio de Pauli, segundo o qual «dois electrões num átomo não podem ter os mesmos números quân­ticos», ou melhor: «Üs electrões num átomo têm todos eles números quânticos diferentes.»

O que é engraçado na descoberta deste princípio é que os números quânticos de que se

78 trata não existem ... senão na imaginação do

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teórico (rigorosamente, já o dissemos, apenas o conjunto do cortejo electrónico pode ser quanti­ficado)! Contudo, o princípio é válido, mas por uma razão que só surgirá mais tarde depois do formalismo da mecânica quântica ter progredido substancialmente.

Para melhor avaliar o que está em jogo, comecemos pela notação inventada pelos espec­troscopistas para designarem os seus termos. O leitor pode ficar tranquilo, essas convenções espectroscópicas não são difíceis de dominar.

Dado o papel particular que o número quân­tico l desempenha na teoria dos espectros, foi necessário convencionar representar simbo­licamente os valores que ele pode tomar: s para l = O, p para l = 1, d para l = 2, f para l = 3, etc. Essas designações correspondem a conceitos espectroscópicos hoje esquecidos: s para sharp, p para principal, d para diffuse, etc.

Juntos, n e l indicam uma configuração: na ordem crescente dos valores, as configurações possíveis são então ls, 2s, 2p, 3s, 3p, 3d, etc. (2p por exemplo corresponde a n = 2, l = 1; 3d a n = 3, 1 = 2, etc.). O número quântico m toma valo­res inteiros compreendidos entre - Z e + l, ou seja, ao todo 21 + 1 valores distintos. A configuração nl corresponde assim a 21 + 1 estados distintos. Mas como o número quântico correspondente ao spin do electrão pode tomar dois valores, + 1/2 e -1/2, teremos finalmente 2(21+ 1) estados distintos.

Eis-nos chegados ao fim do nosso esforço. Ao aplicarmos o exposto ao número de electrões presentes em cada configuração, os termos 79

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correspondentes aos átomos dos gases raros são: ls 2 para o hélio, ls 22s 22p 6 para o néon, l s22s22p63s23p6 para o árgon ... , o que nos dá, para o número total de electrões nesses átomos : 10 para o néon, 18 para o árgon, 36 para o crípton ... Milagre! 10, 18, 36 . .. Esses números são os nos­sos números mágicos evocados atrás (cf. p. 68)!

Falarei aqui de uma outra forma de obter esses números. É fundada num pequeno jogo numérico que teria certamente encantado Balmer e Ritz se eles o tivessem conhecido. Digo que os nosso números são ... somas de quadra­dos.

De facto temos, como o leitor facilmente o poderá verificar:

2 (1 2 + 22) = 10,

2 (1 2 + 22 + 22) = 18,

2 (1 2 + 22 + 22 + 32) = 36,

2 (1 2 + 22 + 22 + 32 + 32) = 64

e 2 (1 2 + 22 + 2'! + 32 + 32 + 42) = 86,

para não citar mais do que os primeiros cinco desses números. Mas que significa este resultado surpreendente?

Para responder a esta questão - e aqui é que está o nosso jogo -, farei apelo a um teorema muito simples da teoria dos números segundo o qual «a soma dos n primeiros números ímpa­res consecutivos é igual a n2» , (assim 1 + 3 = 22

) ,

teorema que nos permite converter em somas de números ímpares os quadrados que apareciam nas nossas fórmulas, por exemplo: 12 + 22 = 1 +

80 + (1+3). Ora qualquer número ímpar é da forma

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geral 21+ 1 ... E o círculo fecha-se, em acordo perfeito com os resultados obtidos pelo método convencional. Os números inteiros estão deci­didamente no âmago do átomo!

Assim foi finalmente «explicado», com base numa aproximação parcialmente empírica, a origem desses números que tinham intrigado tanto os físicos no início da grande aventura. Com esta descoberta, o átomo dos físicos e o átomo dos químicos, partindo no entanto de pontos de vista literalmente diferentes, fundi­ram-se por fim num conceito igualmente satis­fatório para as duas disciplinas.

Que poderemos concluir disto? Que a natureza se nos apresenta com aspectos bem diferentes e que nos devemos regozijar quando conseguimos formular este ou aquele modelo do seu funcionamento que ela parece ter pelo menos parcialmente realizado. Mesmo se esses modelos não passam, aos olhos de todos, de modestas aproximações de uma realidade para sempre inatingível.

81

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Pensamos saber tudo E ter dito tudo sobre o átomo ...

Poderia ter-se no entanto Que recomeçar tudo de novo!

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Repensar o átomo

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A armadilha Sísifo

Poço de luz utilizado na Escola Normal Superior para capturar átomos.

© G. Grynberg

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SEGUNDO uma escola de pensamento contem­porânea na física, é inútil - e de qualquer

modo impossível - saber com precisão o que é que se passa no interior do átomo. Contentar­-nos-emos com dizer, por exemplo, que o átomo é capaz de «absorver» ou «emitir» uma partícula de luz sem com isso procurar representar ou esclarecer melhor o próprio processo.

Esta maneira de pensar não satisfaz o pai de Richard Feynman. Este perguntava insistente­mente ao seu filho: «Quando um átomo faz uma transição de um estado para outro, emite um fotão. De onde vem esse fotão? (Episódio muitas vezes contado pelo próprio Richard Feynman.)

Uma coisa é interessar-se pela maneira como o átomo estabelece as suas ligações químicas para formar as moléculas, ou escrever uma equação que permite traduzir espectros; uma 85

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86

outra é procurar saber o que se passa no interior do átomo: de que modo é que o núcleo retém electrões sob a sua influência? De que modo é que os electrões se repelem mutuamente entre si?

Na minha opinião, e explicá-lo-ei, convém dar uma nova resposta a estas questões. Nesta segunda parte, estudaremos então os processos elementares que têm lugar no interior do átomo e tentaremos explicá-los a partir de novas ideias.

A questão depressa será resolvida: ou con­seguimos atingir uma melhor compreensão do funcionamento do átomo, e nesse caso atingimos o nosso objectivo; ou então ... Mas porquê ser pessimista? Coloquemo-nos do lado de Demó­crito, que dizia: «A audácia é o princípio da acção» (acrescentando no entanto: «Mas é a sorte que decide o resultado!»).

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A matéria

Talvez uma coisa seja simples se puder descrevê-la completamente de diversas maneiras sem saber imediatamente que todas essas descrições se aplicam à mesma coisa.

RICHARD FEYNMAN, 1965.

A natureza compreende-se num duplo sentido, diz-nos Aristóteles: «por um lado como

matéria; e por outro, como forma. » Ele esclarece a diferença: «A forma é o porquê das coisas e a sua causa última.» Quanto à matéria, Aristóteles falava, recordo, de quatro elementos (a terra, a água, o ar e o fogo) e d e quatro qualidades (o calor, o frio, o seco e o húmido). Os físicos modernos substituíram estas perspectivas pelo modelo standard da física contemporânea. A eficácia previsível desse modelo coloca-o a um nível incomparavelmente superior ao que tinha levado a sistemática antiga.

É no entanto curioso constatar que os cons­trutores do modelo standard utilizaram também o número quatro de que Aristóteles tinha feito um dos pilares das suas concepções: defini-ram por exemplo um espaço-tempo a qua tro 87

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V

A transmutação

Interacção de um quark (representado aqui a ponteado) com um neutrino que recua no tempo.

dimensões, citam quatro forças da natureza e dizem-nos que a matéria seria constituída por doze partículas primordiais, quatro das quais predominantes: o quark* u, o quark d, o neutrino* v e o electrão e. Trata-se aqui de uma pura coin­cidência, de uma correlação profunda ou muito simplesmente, e de maneira mais verosímil, de uma manifestação da necessidade que tem o pensamento humano de caracterizar aquilo que observa para melhor tentar explicá-lo?

De todas estas partículas, o electrão é a que pensamos conhecer melhor. Mas o que é ver­dadeiramente um electrão? «Se o electrão nos ajudou a compreender muitas coisas, dizia Louis de Broglie, nós nunca compreendemos o próprio electrão.» Durante uma conferência dada na Universidade de Colúmbia, Llewellyn Thomas, descobridor de um dos mistérios do electrão, pega num pau de giz, avança para o quadro negro e inscreve nele ... um ponto. No fim da

88 conferência, Thomas não tinha escrito mais

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nada .. . além desse ponto, com o qual pretendera representar o electrão.

A ideia de representar a partícula como um objecto de dimensão zero surge claramente pela primeira vez no século XVIII no pensamento de Rudjer Boskovic (1711-1787). Excelente geóme­tra, Boskovic foi aliás muito mais longe: na sua Teoria de Filosofia Natural, publicada em 1758, introduz a noção de centros de forças ou pontos de energia e inventa o «atomismo punctiforme».

Hoje, é por pura necessidade, e não espon­taneamente, . que os físicos utilizam uma repre­sentação punctiforme do electrão: não sabem como fazer de outro modo. (A teoria das cordas*, que procura representar as partículas ele­mentares, e o electrão em particular, sob a forma de cordas tendo comprimento e tensão, ainda não está ... afinada. Falaremos disso mais tarde.)

Leon Lederman, Prémio Nobel da Física em 1988, resumiu de maneira divertida o problema que levanta a representação do electrão por meio de um ponto: «Se o electrão é um ponto ... onde está a massa? Onde se encontra a carga? Como sabemos que o electrão é um ponto? Can I have my money back? [Pode devolver-me o dinheiro?] »

O que é a energia?

Pouco tempo depois da descoberta do electrão, Henrik Kauffmann (1888-1963) apercebe-se de que quando se acelera um electrão a velocidades que se aproximam da da luz (300 000 Km/ s-1 [qui- 89 .

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lómetros por segundo]), a sua massa parece aumentar. Expressa em unidades de energia, como é costume fazer-se, . a massa do electrão é de cerca de 511 000 eV (electrão-volts*) em repouso. No grande anel do LEP (Large Electron Positron), túnel circular de vinte e sete quilóme­tros de comprimento cavado no Jura, no Centro europeu de pesquisas nucleares de Genebra, con­segue-se acelerar um electrão a velocidades que lhe permitem atingir uma energia da ordem de cem mil milhões de electrão-volts (100 GeV). Como é que conseguimos este resultado? Insu­flando energia no anel (sob a forma de radiação de frequências rádio) a cada passagem do electrão.

A questão que se põe de novo: se o electrão é um ponto, para onde vai a energia? Como é que - sob que forma - é «armazenada» no electrão? Voltamos a cair na questão posta a Richard Feyn­man pelo seu pai. Ataquemos de uma vez por todas esta questão fundamental.

E = hv: erro de agulhagem

Houve em 1905, numa viragem decisiva da história da física, um erro de agulhagem. Max Planck acabava de anunciar a sua descoberta do quantum de acção. Tinha, na realidade, posto uma dupla hipótese: a do quantum de acção, e a, anexa, da relação E = hv, ligando a energia do quantum à frequência da radiação. Ora esta relação, nas mãos de Albert Einstein, iria tor-

90 nar-se a origem de um mal-entendido cujas

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consequências atormentam ainda a física dos nossos dias. Narremos alguns episódios desse «psicodrama» da física.

Berna, 1905. Empregado no departamento federal suíço de patentes e desejoso de se dar a conhecer na qualidade de físico, Albert Einstein redige uns a seguir aos outros, no espaço de quatro meses, três artigos que submete à presti­giada revista Annalen der Physik, que os publica. No primeiro desses artigos, concluído a 17 de Março de 1905, retoma, com a intenção principal de demonstrar a sua fraqueza, a demonstra­ção de Planck que desemboca na invenção do quantum de acção. Com esse objectivo desen­volve um novo raciocínio, construído em torno de uma hipótese que baptiz a d e hipótese do quantum de luz, segundo o qual «uma radia­ção de densidade suficientemente fraca se comporta como se fosse composta por quanta de energia independentes uns dos outros» e de magnitude hv .

A ideia que sustenta esta hipótese consiste em dizer que a luz contém partículas (Einstein contenta-se de momento em dizer quanta) e sugere que a expressão hv é mais fundamental a este respeito do que o simples h de Planck. É esta ideia que convém repor em causa, na minha opinião. Mas voltemos à n arrativa.

Salzburgo, 1909. Johannes Stark (1874-1957) observa que «um electrão acelerado emite sob a forma de radiação luminosa uma quantidade de movimento igual a hv/c» (sendo e a velocidad e da luz). 91

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Antes desta descoberta, o quantum de luz de Einstein possuía um único atributo: transportava · energia, era um quantum de energia. (O próprio Einstein considerava os seus quanta como «pontos». Em 1909, fala a Sommerfeld de «da disposição da energia luminosa em torno de pontos que se deslocam à velocidade da luz».) Com a descoberta de Stark, o quantum de luz adquire um segundo atributo: transporta movi­mento, o que vai permitir tornar-se uma partícula completa (uma partícula que se respeita deve ser capaz de, no mínimo, transportar movimento).

Berkeley, 1962. O físico-químico Gilbert Lewis combina a hipótese de Einstein com a descoberta de Stark (reforçada pela descoberta do efeito Compton*) e dá o último passo: afirma que a luz é constituída por «partículas indes­trutíveis», que baptiza de fotões.

O nome ficou. Os físicos dirão doravante que a energia surge em «pacotes», os fotões, e só muito raramente falarão de «quantum de acção», rebaptizado «constante de Planck» e relegado a um papel universal, mas secundário. Eis o que Murray Gell-Mann, Prémio Nobel de Física, escreve na sua obra O Quark e o Jaguar, publicada em 1994: «A constante h é a relação universal ·de energia do quantum d e luz com a sua frequência de radiação.»

A passagem do quantum de acção ao quantum de energia constitui, na minha opinião, um lastimável erro de agulhagem. A energia, recordo, mede a cadência a que a acção se exerce num

92 dado movimento: tantas unidades d e acção por

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segundo. O «por segundo» nesta expressão não permite transformar hv num «pacote». Um exem­plo fará compreender melhor a questão: eu atiro uma rajada de metralhadora à cadência de vinte balas por segundo. A bala neste exemplo repre­senta o quantum de acção; a cadência de tiro cor­responde à frequência da radiação; e o produto das duas (vinte balas por segundo) é o equiva­lente a hv. Mas, «vinte balas por segundo» não constitui um pacote e menos ainda uma partícula no sentido próprio das palavras. O «por segundo» implicado em hv perturba. Erro de agulhagem.

Inventor do conceito, o próprio Einstein man­teve toda a vida uma dúvida sobre o fundamento da sua hipótese. No congresso de Solvay que reuniu a elite da física mundial em Bruxelas, em 1911, declara por exemplo: «Insisto no carácter provisório desse conceito.» E três anos antes da sua morte, em Princeton, em 1954, escreve ao seu amigo Michele Besso (a 12 de Dezembro de 1951): «Cinquenta anos de interrogações não me leva­ram mais perto de poder responder à questão: o que é um quantum de luz?» E acrescenta mesmo: «É certo que hoje qualquer parvo pensa conhecer a resposta, mas engana-se.»

Que físico de renome - ou que jovem físico audacioso - ousaria fazer eco deste aviso esque­cido de Einstein ao repor em questão, como é preciso resignarmo-nos a fazê-lo, o conceito de fotão considerado como solidamente estabele­cido e que, no entanto, o não é? O átomo, esse emissor de quanta de acção (e não de fotões!), impõe-nos esse dever. 93

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94

Voltar a honrar a acção

Dezembro de 1965. Depois de ter comprado um smoking novo e de se ter treinado a andar para trás (de maneira a nunca ter de voltar as costas ao rei Gustavo da Suécia), Richard Feyn­man vai a Estocolmo para receber o seu Prémio Nobel de Física. No seu discurso de recepção anuncia o seguinte: é possível, é desejável for­mular a «electrodinâtnica quântica», teoria fun­damental da interacção do electrão com a luz, «com a ajuda de um princípio da menor acção».

Formulada inicialmente por Maupertuis ao mesmo tempo que introduzia o conceito de acção, esse princípio - um dos mais notáveis de todos os princípios da física - estabelece que, entre todas as trajectórias possíveis permitindo a uma partícula em movimento ir de um ponto para outro, a partícula adopta a que lhe traz menor gasto de acção possível, a trajectória de «menor acção»! Como é que tal coisa é possível? perguntam vocês (e justamente). Como é que a partícula conhece antecipadamente a trajectória a seguir? Resposta no último capítulo deste livro.

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O vácuo

Não é razoável menosprezar a opinião de Demócrito, que, chamando aos demónios simu­lacros, diz que o ar está cheio deles.

HERMIPO

Astronomia

V OLTEMOS ao átomo. Deixámo-lo (cf. pp. 72-73) nas mãos de Sommerfeld, de Broglie, de

Schrodinger, de Dirac e de outros gigantes da física. Cada um deles tentou, à sua maneira, «explicar» a origem dos números quânticos que regem os estados quânticos do átomo, mas nen­hum deles se preocupou com a questão que é no entanto preciso pôr antes de todas as outras se quisermos compreender o átomo: como é que -de que modo - o núcleo retém os electrões sob a sua influência no interior do átomo? E como é que - e de que modo - os electrões se repelem entre si?

A explicação «ingénua» utilizada nos mode­los que estudámos até aqui consiste em dizer que o núcleo e os electrões se atraem e se repe­lem devido às cargas eléctricas positivas e nega­tivas que transportam. Trata-se de recuar para melhor saltar: porque, o que é uma carga? como é que as cargas exercem a sua influência? 95

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Por intermédio de campos, diziam os antigos (e não dos menores: Boskovic, Faraday, Eins­tein ... ); trocando partículas de um tipo parti­cular, os mediadores de força, dizem os físicos modernos.

Na sua obra Sob o átomo, as partículas, Étienne Klein deu uma explicação figurativa do processo de mediação. Escreve: «Imaginemos dois barcos à deriva num lago. [Se] um dos ocupantes dis­põe[ .. . ] de uma bola, e se a lançar com suficiente vigor à passagem do outro barco, que a devolve e assim sucessivamente, as duas embarcações afastam-se uma da outra. [ ... ] Houve interacção.»

Os barcos neste texto simbolizam electrões e a bola representa a partícula que trocam entre si. Oficialmente, esse «mediador da força electro­magnética» no átomo é o fotão. Mas, como já vimos (cf. p. 90), pretender que o fotão, igual a hv, seja uma partícula não é logicamente susten­tável. (Excepto se se entender o significado da palavra «fotão» num sentido diferente daquele que geralmente se lhe atribui, mas isso daria origem a confusão).

É preciso pois procurar outra coisa. Convido o leitor a seguir-me nesta busca.

As espécies intencionais

Enquanto Demócrito, em Abdera, inventa o vácuo e formula a teoria das ideias indivisíveis, Empédocles em Agrigento propõe a teoria dos

96 quatro elementos ... , Platão explica aos seus

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discípulos, nos jardins de Atenas, que o olho vê como o sol ilumina, quer dizer dardejando raios para o objecto observado.

Mas o que é um raio? Será preciso muito tempo para que um filósofo se arrisque a propor um modelo (e sobretudo ouse dizer que os raios são compostos por «átomos de luz»).

Saltemos os séculos. No que diz respeito ao nosso tema, o século XIII é, antes de tudo, o século de Roger Bacon, visconde de Saint Albans (1214--1294), o ilustre Doctor mirabilis membro da ordem dos Franciscanos, que foi, devido à exten­são dos seus conhecimentos e da sua riqueza de imaginação, acusado de bruxaria e de heresia e atirado para a prisão várias vezes (a última vez durante dez anos, por ordem do capítulo de Paris) . Em Oxford, Bacon estuda ciência com Robert Grosseteste (1170-1253), indo depois para Paris, onde obtém o grau de doutor em teologia e comenta as obras de Aristóteles.

Mas sobretudo, desenvolve a cosmogonia óptica que faz intervir as ideias de Demócrito, que aprendeu a conhecer no contacto com Grosseteste. Traduzindo a idea grega pela palavra inglesa species («espécie intencional» em francês do século XVII), formula uma teoria segundo a qual as espécies são verdadeiros raios de força que trans­mitem as acções à distância - calor, influência astrológica, magnetismo ... - e cuja propagação se faz por «multiplicação» de um ponto para outro.

O conceito de movimento por multiplicação constitui a originalidade da teoria e interessa-nos no mais alto grau por razões que vão tornar-se 97

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A bola 1234 de Descartes

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Reprodução do diagrama proposto por Descartes para ilustrar a sua concepção da luz «Como a acção [. .. ] de pequenas bolas que rolam nos poros dos corpos terrestres ».

L ES MÉTÉORES, p . 258.

evidentes. A espec1e, segundo Bacon, não é «material» e não se propaga portanto à maneira de um corpo. Nessa medida, não se multiplica instantaneamente, mas a velocidade finita: se a espécie pudesse estender-se no espaço instanta­neamente, diz-nos Bacon, estaria de facto simul­taneamente no início, no meio e no fim de si própria e encontrar-se-ia assim em vários sítios ao mesmo tempo, uma impossibilidade, segundo ele. Além disso, ainda segundo Bacon, quando uma espécie está no seu início ou no seu fim,

98 está imóvel, só se produzindo o movimento

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d)

~ Processos elementares no átomo.

a) Um electrão absorve um quantum proveniente de uma fonte exterior (x) e muda de direcção no espaço.

b) Um electrão emite um quantum que reabsorve imediata­mente.

c) Um electrão emite um quantum que reabsorve depois de dar meia-volta no tempo.

d) Um electrão surge subitamente no vácuo, recua no tempo e desaparece, deixando o vácuo no seu estado inicial. Entretanto, ao «polarizar» o vácuo, este electrão influencia a sua vizinhança. Na terminologia de Feynman o quantum é um «protão virtual». Segundo a nossa concepção trata-se de um quantum de acção. Nestes «diagramas de Feynman» o trajecto do quantum carre­gado não tem seta, reflectindo o facto de ser impossível precisar a direcção em que a carga se produz.

entre estes dois extremos. Afirmar que a espécie tem um movimento instantâneo seria então afir­mar que está ao mesmo tempo imóvel e em movimento. Geralmente acusado de ter pensado que a luz é «instantânea», Descartes retomará, apesar disso, este argumento.

Em 1633, na Holanda, depois de ter terminado a redacção do seu Tratado do Mundo ou da Luz, que não publica, Descartes redige três «ensaios», 99

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A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. À laia de prefácio a esses ensaios, escreve o Discurso do Método.

Em A Dióptrica, Descartes pensa primeiro poder ver-se livre das ideias de Demócrito, versão Roger Bacon. Escreve: «Por este meio o vosso espírito será liberto de todas essas pequenas ima­gens esvoaçantes pelo ar, chamadas espécies inten­cionais, que tanto trabalham a imaginação dos filósofos. » No entanto, em Os Meteoros, retoma afi­nal a representação abderita, sob uma outra forma. Afirma que a luz é «a acção ou o movimento de uma certa matéria muito subtil, cujas partes é pre- · ciso imaginar como pequenas bolas que rolam nos poros dos corpos terrestres» (nos poros e não no vácuo, de que Descartes tem horror) .

Observemos o que esta proposição tem de «hipermoderno». Perguntemos então a um físico contemporâneo: «Ü que é a luz?» E ele respon­der-nos-á: «A luz é constituída por fotões. » Imaginemos o seguinte diálogo: «Será que os fotões rodam sobre si próprios? - Sim, eles são dotados de spin. - De que são feitos os fotões? -São grãos de energia. - O que é energia? - Bem ... é uma matéria muito subtil ... »

O quantum de acção revisitado

No que se segue, proponho utilizar as ideias de Bacon e de Descartes que acabámos de exami­nar para representar, já não a luz, mas ... a acção. O objectivo desta tentativa tornar-se-á claro no

1 oo seguimento desta exposição.

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Digo primeiro que - trata-se da teoria geral -o vácuo formiga de Ideias indivisíveis, à maneira de Demócrito, que «rolam nos poros dos corpos terrestres», à maneira de Descartes, propagando­-se por «multiplicação», à maneira de Bacon ... E digo que essas ideias são ... os quanta de acção de Planck. Seguidamente digo - e trata-se da teoria restrita - que o quantum de acção é o mediador da força electromagnética no átomo. Por razões que se vão tornar evidentes, chamo a esta representação mecânica do passo (step mechanics em inglês) e chamo ao quantum de acção assim definido um xon (palavra delibera­damente forjada para evocar a Grécia antiga tendo ao mesmo tempo uma consonância resolu­tamente moderna).

Observemos imediatamente, antes de ir mais longe, o que esta concepção tem de atraente: não é natural supor que os electrões, animados de movimento, portanto portadores de acção, pos­sam trocar essa acção entre si e com o núcleo? Esta maneira de ver permite-nos também com­preender imediatamente por que é que é impos­sível «quantificar» individualmente o movi­mento dos electrões no átomo: passando continuamente de um para outro, a acção não é conservada, portanto quantificável, senão para o conjunto do cortejo.

Melhor. As muito desenvolvidas pesquisas experimentais e teóricas conduzidas desde há mais de meio século revelaram que, para além das atracções e repulsões clássicas de que acabámos de falar, os electrões no átomo estão 101

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102

submetidos a «efeitos subtis» que é indispensá­vel levar em conta se pretendemos ir até ao fim da sua descrição. Ora nenhuma das teorias do átomo que examinámos até aqui está à altura de o fazer.

Alguns desses efeitos subtis, chamados tam­bém «processos elementares», são representados a título indicativo na figura da p. 99. Richard Feynman inventou um método de cálculo que permite considerá-los, método revolucionário a duplo título: primeiro porque, em oposição às teorias evocadas nesta obra, ele baseia-se não numa equação mas mais simplesmente em regras de cálculo; e, em segundo lugar, porque a ferramenta fundamental que utiliza é ... a acção, o que a torna imediatamente traduzível para a linguagem da mecânica do passo (e não é para nos desagradar!).

Tudo isto é pura fantasia, direis talvez. Não. Os cálculos que consideram os efeitos subtis no átomo exigem prodígios de engenho mas são necessários se pretendermos obter resultados de acordo como os, muito rigorosos, da exp eriência.

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O quantum de acção

Segundo Demócrito, as ideias indivisíveis volteiam em todos os sentidos e esse movimento primordial é um só e único movimento.

SIMPLÍCIO

Comentário sobre a física de Aristóteles

A o reler hoje o Tratado de Química de Lavoisier J-\... - escrito há dois séculos!-, observa-se ime­diatamente o papel fundamental que o seu autor atribui, na constituição dos corpos, àquilo a que chama calórico. Constatando que todos os corpos da natureza são «sólidos ou líquidos ou no estado elástico e aeriforme (gasoso)» segundo o grau de calor a que estão expostos, Lavoisier sugere que é difícil conceber esses fenómenos «sem admitir que eles são o efeito de uma subs­tância real e material, de um fluido subtil que se insinua através das moléculas de todos os corpos» e os afasta. Dando-nos uma lição de sabedoria prudente, acrescenta no entanto que «não somos obrigados a supor que o calórico seja uma matéria real; [podemos] imaginar os seus efeitos de uma forma abstracta e mate­mática». 103

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No decorrer das páginas, fizemos do quantum de acção o actor principal das interacções no átomo e vestimo-lo de uma ideia de Demócrito, reencontrando finalmente alguns aspectos do pensamento de Lavoisier. Mas trata-se apenas de uma simples maneira de ver - apenas diferente na aparência do ponto de vista habitual da mecânica quântica? Ou tra ta-se antes de uma novidade talvez fundamental implicando conse­quências verificáveis? Tentemos, para começar, compreender o que, em termos «modernos», torna «indivisível» o nosso quantum de acção.

Indivisível, porquê?

Desejoso de aperfeiçoar a sua hipótese, Max Planck publica em 1906 as suas Lições sobre a radiação térmica. Define aquilo a que chama «um domínio elementar de probabilidade» e explica que devido ao teorema de Liouville, qualquer domínio de probabilidade, considerado num instante qualquer, «é um invariante em relação ao tempo». Depois escreve: «A hipótese dos quanta de acção consiste em supor que esses domínios, todos iguais entre si, já não são infini­t a m e nte p e que nos, m as finitos e (ig u a is ) a h, sendo h uma constante.»

Não podendo abordar tudo, não vou explicar aqui detalhadamente o que se entende por «domínio elementar de probabilidade» e por «teorema de Liouville», mas mostrarei a utili-

104 zação que pode ser feita desses conceitos.

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No seu artigo sobre «A hipótese dos quanta» de que já falámos (cf. p. 61), Poincaré, ao retomar a questão, escreve: «É preciso que procure esclarecer o que são os domínios de probabi­lidade.» Intervém então a frase chave: «esses domínios são indivisíveis», e explica porquê: «Desde que saibamos que estamos num desses domínios, tudo é então determinado; sem o que, se os acontecimentos que devem seguir-se [ ... ] têm que diferir conforme nos encontramos nesta ou naquela parte desse domínio, é porque esse domínio não seria indivisível [ ... ] dado que a probabilidade de alguns acontecimentos futuros não seria a mesma nas suas diversas partes.»

Aqui está uma utilização que pode ser feita desta brilhante análise de Planck e de Poincaré: o quantum de acção progride no vácuo trans­pondo «passos», sendo cada passo «um domí­nio elementar de probabilidade», à maneira de Liouville-Planck, o que o torna indivisível, à maneira de Poincaré. Transferimos assim para o movimento a indivisibilidade atribuída por Demócrito às suas Ideias!

Esta maneira de ver traz consequências inte­ressantes . Seja l o comprimento do passo, d o tempo gasto para dar um passo (a sua «duração»), p e E a quantidade de movimento e a energia transportadas pelo quantum. Sendo o passo indivisível, teremos então para cada passo: lp = 1 e Ed = 1. Se a velocidade de propagação é v, teremos além disso l = vd.

Notemos que, segundo essas fórmulas, o comprimento do passo e a quantidade de 105

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movimento transportada têm ligação: quanto mais longo for o passo, mais pequena é a quanti­dade de movimento transportada. Da mesma forma, duração para dar um passo e a energia transportada têm relação: quanto mais curta for a duração do passo, maior é a energia trans­portada. Esses resultados correspondem àquilo a que se chama em mecânica quântica o «princípio de incerteza».

Seria possível afirmar que os passos dados pelo quantum de acção no vácuo se fazem de uma maneira que Demócrito e Descartes com a sua bola 1234 não teriam renegado?

O spin revisitado

Voltemos ao problema do espectro. O meca­nismo pelo qual o átomo dá um «salto quântico» é regido, como já vimos (cf. p. 76), por uma mis­teriosa «regra de selecção» que não permite ao átomo fazer um salto qualquer. Ora, esta regra, no essencial, tem algo de simples: só são «permi­tidos» os saltos em que o electrão do átomo vê o seu número quântico l mudar de uma unidade. Esta regra explica-se muito bem se tivermos em conta o facto de que o quantum de acção roda ou «redemoinha» sobre si próprio e possui um spin: quando o átomo emite (ou absorve) um quantum de acção, o quantum leva (ou traz) com ele, por causa do seu spin, uma unidade de acção de rotação que obriga o l do átomo, que mede uma rotação, a mudar de uma unidade. Daí a famosa

106 regra de selecção.

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A existência do spin desencadeia um fogo de artifício de consequências diversas. Espantemo­-nos primeiro com o próprio facto: o quantum de acção é uma partícula que «redemoinha» eternamente sobre si própria no vácuo! Observe­mos seguidamente que o spin, como o passo, corresponde a uma unidade de acção. Um volta de spin equivale pois ao avanço de um passo. Reencontramos aqui a ideia da «bola que rola» de Descartes. Há ainda melhor! O spin pode tomar dois valores (notados + 1 e -1) corres­pondendo ao facto de o quantum poder rodar sobre si próprio «no sentido dos ponteiros do relógio» ou no sentido inverso. Um último detalhe: o spin introduz de forma natural a noção de fase na descrição do movimento, noção indispensável para a compreensão do fenómeno das interferências, como veremos um pouco mais à frente.

Também o electrão possui um spin, mas o seu valor, como já vimos (cf. p. 69), é um semi­-inteiro. O que é que se pode concluir? Que ao contrário do quantum de acção, o electrão precisa de duas voltas de spin para comple­tar um passo. Porquê esta diferença? Misté­rio. Os físicos contentam-se em dizer que o electrão (como o neutrino e os quarks) é um fermião (partícula com spin semi-inteiro) enquanto o mediador da força electromagné­tica (para nós, o quantum de acção) é um bosão (partícula de spin inteiro). Nenhuma explicação teórica desta diferença foi ainda encontrada. 107

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Os impulsões em orbe

A 3 de Junho de 1663, a Royal Society de Londres, recentemente instituída, admite um novo membro. Chama-se Robert Hooke (1635--1703), tem 28 anos e há já alguns anos que era muito falado devido à riqueza do seu engenho. Dois anos mais tarde publica a sua magnífica Micrografia, acompanhada de cinquenta e sete desenhos gravados em cobre pelo autor, na qual podemos ler esta frase premonitória: «Ü movi­mento da luz propaga-se num meio homogéneo por impulsões em orbe de força constante e que actuam perpendicularmente à direcção de propagação.»

Esta frase ensina-nos corno é que o quantum de acção - esta «impulsão em orbe» - age sobre os electrões que encontra: sujeita-os a um pequeno empurrão perpendicularmente à sua direcção de propagação. É o efeito principal (efeito miste­rioso, se é, e para o qual não ternos sombra de urna explicação). Devo acrescentar, para ser mais completo, que o quantum exerce também urna «pressão» na direcção do seu movimento. Esta pressão é habitualmente interpretada corno o efeito «magnético» (sendo o efeito principal o efeito «eléctrico» ). Eis um exemplo especta­cular daquilo que o e feito principal produz. Urna corrente eléctrica atravessa um fio con­dutor. O fio aquece. Porquê? Porque absorve quanta que, vindos de todos os pontos do espaço, caem perpendicularmente sobre ele, transmi­tindo em ângulo recto o seu «empurrão» aos

108 electrões da corrente que percorrem o fio.

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Resta-nos abordar aquilo a que chamarei «O mistério fundamental da mecânica quântica». Na sua obra A Natureza da Física, publicada em 1965, ano em que recebeu o Prémio Nobel, Richard Feynman definiu-o assim: «Vou contar­-vos a experiência das duas fendas. Ela contém o mistério geral, eu não evito nada, desvendo a natureza sob o seu aspecto mais elegante e mais difícil.»

O mistério fundamental

Enunciado na linguagem da mecânica do passo, esse mistério resume-se a isto: quando duas partículas da mesma natureza chegam jun­tas a um alvo, elas são eficazes (quer dizer, pro­duzem um efeito) se chegam «em fase» uma com a outra, são ineficazes (quer dizer não produzem qualquer efeito) se chegam «fora d e fase». Dize­mos neste caso que houve uma «interferência» (palavra d erivada do verbo ing lês to interfere, utilizada para descrever o passo de um cavalo que bate ou «interfere» os seus cascos um contra o outro).

Assinalemos no entanto uma dificuldade, «a» dificuldade: o fenóm eno produz-se m esmo se as partículas chegam isoladamente (uma a uma) ao alvo. Como é que se pode n esse caso explicar que se possam produzir interferências? Res­posta: no Laboratório federa l dos Estados Unidos, em Los A lamos, em 1982, Wojciech Zurech analisa aquilo a que chama o «efeito d e 109

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Utilização do efeito de túnel para o estudo do átomo

Trata-se aqui de átomos de gálio e de arsénio v istos ao microscópio com efeito de túnel.

© IBM França

descoerência» segundo o qual, quando partí­culas «suficientemente grandes» chegam a um alvo, as partículas da vizinhança - «a radiação ambiente, luminosa e térmica» - impedem as interferências de se produzir.

Utilizarei este argumento ... ao contrário. Quando as partículas que chegam ao alvo são suficientemente pequenas - quanta de acção ou electrões por exemplo - , as partículas da vizinhança permitem que as interferências se produzam.

As interferências produzem o princípio de 110 menor acção de que falámos (cf. p. 94). Tome-

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Ver um átomo

A radiação luminosa emitida por um átomo de rubídio isolado, capturado no «fundo» de um poço de potencial criado por raios laser.

mos o exemplo de dois electrões que trocam quanta no interior de um átomo. Se pensar­mos que um electrão-volt corresponde a cerca de 240 000 mil milhões de quanta de acção por segundo, com uma energia interna equiva­lente a 511 000 eV, cada electrão constitui uma reserva quase inesgotável de quanta para trocar. Mas os quanta interferem na maior parte das vezes uns com os outros, e portanto em nada contribuem para a interacção. Os únicos que contribuem efectivamente são os que seguem trajectórias que lhes permitam chegar conjun­tamente «em fase». Acontece que essas tra­jectórias são aquelas para as quais a acção é «a menor». Finalmente obtemos o que Feynman 111

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chama a amplitude do processo considerado, soma total das contribuições do conjunto dos quanta. Se a amplitude é nula, a interfe­rência é total e o processo não produz qualquer efeito detectável.

Para Platão, como já vimos (cf. p. 21), as «partículas elementares» são triângulos, o que permite combiná-los para construir átomos que têm a forma de poliedros. Para a mecânica quântica, hoje, as partículas são pontos; mas alguns dos melhores físicos deste fim de século esforçam-se por concluir uma teoria que fará dos objectos unidimensionais, minúsculos, caracterizados por um comprimento L e uma tensão T - objectos que baptizaram como «cordas» (supercordas numa versão da teoria). Que será do nosso quantum de acção se esta teoria prevalecer?

Quando uma corda se desloca no vácuo, o percurso que ela descreve assemelha-se a uma fita (a um «tubo» se a corda forma um anel). Para obter a acção, somos conduzidos então a multiplicar a superfície da fita desenrolada (que mede o «comprimento» do trajecto nesta teoria) pela tensão da corda antes de dividir o total por h - procedimento que equivale a dividir a super­fície da fita em «passos» elementares correspon­dendo a verdadeiras «pegadas», sendo essas marcas unidades de acção da teoria das cordas. Numa palavra, se tudo isto acontecesse, teríamos um quantum de acção renovado tendo o aspecto de uma pequena superfície, indivisível

112 evidentemente, de magnitude L2.

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Uma tal teoria, se vingasse, aproximar-nos-ia do ponto de vista inicial dos abderitas, para quem as ideias indivisíveis eram tudo menos pontos! Mais ainda, além do próprio objecto - a corda -, o dado fundamental na teoria das cor­das é ... a acção. Encontrar uma fórmula para a acção correspondente ao movimento de uma corda no espaço-tempo é um do~ seus principais problemas.

Perspectivas

Segundo a mecânica quântica, os raios emiti­dos (ou absorvidos) por um átomo são compos­tos de fotões dotados, enquanto tais, de duas características fundamentais: deslocam-se à velocidade da luz (igual a cerca de 300000 km/s-1

)

e cada um deles transporta um pacote de energia hv proporcional à frequência v da radiação considerada.

As coisas apresentam-se diferentemente na nossa representação. Os raios são compostos de quanta de acção a quem nem uma nem outra das res trições acima citadas se aplicam: os quanta podem mover-se menos ou mais depressa do que a luz e podem transportar uma energia menor ou maior do que hv. Será possível decidir entre os dois pontos de vista, observando por exemplo um quantum que se move mais depressa do que a luz, e transporta uma energia superior a hv?

Segundo o nosso ponto de vista, quando um quantum encontra no seu caminho um afunila-mento - um túnel - cuja largura ou diâmetro é 113

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da mesma ordem de grandeza que o compri­mento do seu passo, ele «alarga o passo» para atravessar esse obstáculo, o que tem como efeito fazê-lo emergir do outro lado do túnel, mais depressa do que o previsto: ele atravessa então o túnel a uma velocidade «superior à da luz». Esse fenómeno notável é conhecido em mecâ­nica quântica pelo nome de «efeito de túnel». No decurso dos anos 90, vários grupos de inves­tigadores (em particular Anedio Ranfani em Florença, Günter Nimtz em Colónia e Raymond Chiao em Berkeley) estudaram-no por meio de técnicas muito sofisticadas. Assim, a equipa de Colónia mediu velocidades cinco vezes supe­riores a e!

O fenómeno fascina ... e embaraça os físicos: é que eles estão habituados a pensar que «nada se pode mover mais depressa do que a luz». Para explica r as velocidades supraluminosas, a mecânica quântica recorreu a uma represen­tação do fotão que o considera como um «pacote de ondas», verdadeiro compósito ... de elementos individuais que se assemelham estranhamente aos nossos quanta de acção! Numa palavra, ela utiliza de facto a representação descrita atrás.

Um pacote de ondas embaraçoso

Aephrai:m Steinberg, em Berkeley, estudou de perto o comportamento de um pacote d e ondas a atravessar um túnel constituído nas suas exp e-

114 riências por uma fina camada reflectora que

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apenas um quantum em cada cem, em média, conseguia atravessar. A suas conclusões confir­mam que ao atravessar o túnel o pacote «viaja mais depressa do que a luz», apesar de concluir também que «não se pode explorar este efeito para transportar energia a urna velocidade média superior à da luz». A que se deve isto?

Os cálculos de Richard Feynman (cf. p. 102) mostram que em distâncias grandes só os quanta que se deslocam à velocidade da luz é que con­seguem entrar em fase uns com os outros e são portanto observáveis (são «reais» para os espe­cialistas). É o que nos leva a dizer que a luz tem uma velocidade e bem determinada, sempre a mesma no vazio. Mas esta restrição não se aplica a distâncias pequenas, à escala interna do átomo por exemplo.

Chegaremos algum dia a conseguir que um átomo nos forneça quanta a deslocar-se mais depressa do que a luz e que permaneçam em fase uns com os outros em distâncias longas? Ou estaremos antes confrontados com urna impos­sibilidade fundamental, parte integrante do sis­tema da natureza, corno o sugere a mecânica quântica?

A palavra é dos especialistas da óptica quân­tica. O futuro o dirá.

Para acabar ...

Através de técnicas ultramodernas aper­feiçoadas nos últimos decénios, os físicos rea-lizaram espantosos trabalhos de tipo artesanal 115

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116

utilizando o átomo. Assim, para a «escrita atómi­ca», os investigadores do centro IBM em Almaden desenharam com trinta e cinco átomos de xénon a sigla da sua companhia sobre um superfície de níquel; criaram um «coral quântico» composto por quarenta e oito átomos de ferro posicionados sobre uma superfície de cobre; construíram um «vulcão» de sete átomos de xénon dispostos sobre uma superfície de pla­tina ... e conseguiram muitas outras maravilhas.

Sim, o átomo, com os seus mistérios, é real­mente, como dissemos desde a primeira página, uma das Sete Maravilhas do mundo: misterioso, suspenso, fundo, insólito, dominador, frio, vistoso ... Vistoso? «Desenha-me um átomo», poderia ter pedido o Principezinho. Mas quem é que já viu um átomo?

Os físicos da Escola normal superior em Paris, entre outros, viram um átomo! Haverá algo mais apropriado para terminar este livro do que imaginar por nosso lado o átomo que esses físicos viram, ponto minúsculo, perdido no meio da página ...

Issirac, Março de 1997.

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Anexos

117

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Poincaré e a invenção do quantum de acção

Durante o último decénio do século XIX, Henri Poincaré inventa métodos novos para o estudo do movimento, que regeneram profundamente esse campo. Expõe-nos no seu grande tratado Os novos Métodos da mecânica celeste, publicado em três volumes em 1892, 1893 e 1899. Um deles está na origem da teoria do quantum de acção, segundo o seguinte esquema.

Considere-se um sistema dinâmico que possua n graus de liberdade e sejam q; as coordenadas genera­lizad as desse sistema e p; os momentos correspon­dentes. Através de um acto de imaginação que não teria certamente desagradado a P latão, podemos representar esse sistema por um ponto evoluindo num espaço cartesiano imaginário de 2n dimensões formado pelas coordenadas q1 • •• qn, p1 •• ,pn e chamado extensão em fa se do sistema considerado (extensão de um método inventado por Lagrange).

As transformações das coordenadas genera­lizadas chamadas «transformações canónicas» têm a propriedade de conservar a forma das equações 119

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hamiltonianas que regem a evolução do sistema. Põe­-se então a questão de saber se existem outras expressões invariantes sob essas transformações. Os «invariantes integrais» descobertos por Poincaré e descritos no seu tratado constituem um sistema de expressões desse género.

Poincaré interessa-se pelo elemento de superfície dq;dp; na extensão em fase (este elemento, note-se, tem as dimensões de uma acção) e demonstra que o inte­gral ffvlq ;dp; calculado para qualquer superfície bidi­mensional arbitrariamente escolhida na extensão em fase é um invariante integral do sistema considerado, no sentido acima indicado. Partindo deste notável teorema, encontra de passagem um resultado ante­riormente obtido por Joseph Liouville (1809-1882), segundo o qual a densidade de pontos na vizinhança de um dado ponto na extensão em fase é constante no tempo (teorema de Liouville).

Esses trabalhos fundadores de Poincaré põem o elemento de acção infinitesimal dq;dp; no centro da teoria e sugerem que a consideremos como consti­tuindo um domínio elementar de probabilidade - intervindo aqui a palavra «probabilidade» para reflectir o facto de que o domínio em questão respeita à representação de um sistema de que todos os esta­dos possíveis são considerados como igualmente prováveis, hipótese fundamental da termodinâmica clássica.

A teoria do quantum elementar de acção elaborada por Planck em 1900 postula que «os domínios elemen­tares de probabilidade, todos iguais entre si, não são infinitamente pequenos, mas sim finitos, e tem-se para cada um deles ffdq;dp; = h, em que h é uma constante».

É preciso ainda, para que esta hipótese possa funcionar, que o conjunto dos pontos que compõem

120 cada domínio elementar forme um bloco e que esse

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bloco seja indivisível do ponto de vista da probabili­dade. É o que Poincaré, fino conhecedor dessas coisas, exprimiu ao dizer: «Desde que saibamos que estamos num desses domínios, tudo é determinado por isso; sem o que, se os acontecimentos que devem seguir-se não fossem por esse facto inteiramente conhecidos, se tivessem que diferir conforme nos encontramos nesta ou naquela parte desse domínio [ ... ], esse domínio não seria indivisível [ ... ] do ponto de vista da proba­bilidade» e não poderia portanto desempenhar o papel que procuramos atribuir-lhe. Esta condição faz do domínio de probabilidade, e portanto do quantum de acção, uma entidade cuja indiv isibilidade é por essência fundamental. É o que sugerimos no nosso texto (cf. p. 104).

O que é notável em tudo isto - e um pouco embaraçosos à primeira vista - é que o quantum de acção assim definido o é na extensão em fase . E no entanto, tornou-se para nós uma realidade física no espaço real (não para toda a gente, no entanto, o leitor tê-lo-á notado, se pensarmos nos físicos que o relegaram para o papel de simples «constante uni­versal» (cf. p. 92).

Poincaré foi um dos primeiros a ousar afirmar: «Ü quantum de acção [ ... ] é um verdadeiro átomo», e a extrair desta afirmação a conclusão necessária: se vários pontos representativos constituem um domínio elementar indivisível na extensão em fase, então os estados do sistema que esses pontos repre­sentam constituem necessariamente, também eles, «um único e mesmo estado» no mundo real, cons­tatação que implica esta consequência: Um sistema físico não é susceptível senão de um número finito de estados distintos; e salta de um desses estados para outro sem passar por uma série contínua de estados inter-médios. 121

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Se essas profundas reflexões de Poincaré caíram um pouco no esquecimento, é em parte pelo seguinte: elas não consideravam a invariância do tipo exigido pela teoria da relatividade que Poincaré, em 1899, ainda não tinha elucidado. O quantum de acção não sobreviveu a este desajuste.

Os Antigos não foram os únicos a procurar, numa mistura de observação e raciocínio abstracto, a chave das portas da Natureza.

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Glossário

Âmbar amarelo: do árabe al-anbar, resina fóssil proveniente de coníferas que cresciam na actual região do mar Báltíco na época do segundo período da era terciária (oligocénico); chamado também súccino.

Antimatéria: a cada partícula de matéria corres­ponde uma partícula de antimatéria que tem as mes­mas características (mesma massa e o mesmo spin) mas de carga oposta. Na interpretação proposta pelo físico Richard Feynman e retomada na presente obra, uma antipartícula é uma partícula vulgar que faz meia-volta no tempo (a recuar no tempo).

Cátodo: do grego kata, «em baixo», e hodos, «cami­nho». Eléctrodo que num tubo de vácuo é a fonte de onde emanam os elementos (em oposição a ânodo, eléctrodo carregado positivamente para o qual os electrões se dirigem).

Corda: segundo uma concepção teórica ainda não provada, as partículas elementares assemelhavam-se mais a minúsculas «cordas» unidimensionais do que a «pontos» como geralmente se supunha. Segundo 123

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alguns, esta teoria e a sua extensão, a teoria das . supercordas, pressagiam a física do século XXI.

Cosmogonia: do grego kasmas, «universo», e ganas, «geração », a cosmogonia é a ciência da formação dos corpos que compõem o universo.

Doxografia: no sentido estrito, catálogo no qual são consignadas algumas opiniões dos antigos. Num sentido mais lato, trata-se de um escrito ou tratado em que um filósofo expõe o pensamento dos seus antecessores, quer para tirar partido disso, quer para o refutar. .. Aristóteles utiliza sistematicamente a doxografia nos seus escritos.

Efeito de Compton: colisão de uma partícula de luz com um electrão no decurso da qual a partícula de luz cede ao electrão uma parte da quantidade de movimento que transporta.

Electrão: partículas elementares leves, consti­tuintes essenciais do átomo, os electrões formam com os seus associados, os neutrinos, uma família de seis membros, ditos leptões, que fazem parelha com a família dos quarks (ver esta palavra), composta tam­bém ela por seis membros.

Electrão-volt: energia que um electrão ganha quando é acelerado por uma diferença de potencial de 1 volt (notação é 1 eV). A energia interna de um electrão em repouso é de cerca de 511 000 e V.

Espectro: em latim spectrum, palavra inventada por Newton para designar a imagem colorida pro­duzida sobre um ecrã pela luz depois da sua pas­sagem através de um prisma.

Ião: átomo que adquiriu (ou perdeu) um ou vários electrões (a mais ou a menos do número de electrões que normalmente o compõem). Assim o ião

124 do átomo de cloro, designado por c1-, possui um

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electrão a mais e o ião do átomo de sódio, designado por Na+, um electrão a menos do que o átomo neutro correspondente.

Magnetão: alguns físicos pensavam poder explicar a estrutura do átomo fazendo apela a um hipotético «Íman elementar», ou magnetão, que se supunha ser um constituinte universal da matéria (à semelhança do electrão). Ao supor n magnetões de comprimento a colocados ponta a ponta no átomo, um electrão colocado à distância 2a dos magnetões gravita no campo magnético devido aos pólos extremos com uma frequência proporcional a 1/2 2

- (2 + n)2, de acordo com a fórmula de Balmer. Hoje esquecida, esta teoria conheceu o seu momento de glória.

Neutrino: verdadeiro «electrão que perdeu a sua carga», o neutrino é o agente da transmutação, interacção no decurso da qual um quark d é transfor­mado num quark u, tornando-se o próprio neutrino num electrão. O sol bombardeia continuamente a terra com um fluxo de neutrinos cuja imensa maioria a atravessam como se ela não existisse, tão fraca é a sua propensão para interagir.

Positrão: anti-electrão, quer dizer electrão cons­tituído de antimatéria (ver esta palavra).

Quark: confinados no interior dos núcleos atómi­cos, os quarks, constituintes essenciais da matéria pesada, formam uma família de ::;eis membros, que emparelha com a dos leptões (ver electrão).

Risca: em espectroscopia, imagem da fenda do espectrógrafo produzida por um raio luminoso sobre a placa fotográfica utilizada para registar o espectro. 125

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126

Spin: descritos como «pontos » em mecan1ca quântica, as partículas elementares são no entanto dotadas de uma rotação interna, baptizada spin. O spin pode igualmente interpretar-se como medindo o número de «pequenas voltas» necessárias para completar um passo quando do movimento de uma partícula.

Valência: refere-se ao número de átomos a que um dado átomo está ligado numa molécula. O átomo de carbono é tetravalente (de valência 4) na molécula CH4, o átomo de azoto é trivalente em NH3, o átomo de oxigénio é bivalente em H 20. O átomo de hidrogénio é monovalente em todos os casos.

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Bibliografia

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em A. Pais, Subtle Is the Lord, p. 409. 131

Page 128: OATOMO - Escola da Luz

132

p. 91: EINSTEIN, A., Carta a Sommerfeld, 29 de Setembro de 1909, ci tada em A. Pais, Subtle Is the Lord, p. 403.

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p. 95: KLEIN, É., Sous l'atome les particules, Flammarion, col. «Dominos», 1993, p. 39.

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p. 46.

Page 129: OATOMO - Escola da Luz

Índice remissivo

(As páginas em itálico remetem para ilustrações)

Acção, 33, 41, 42, 49, 50, 51, 58, 59, 61, 64, 65, 67, 69, 71, 74, 75, 86, 90, 91, 92, 93, 94, 98, 99, 100, 10_1, 102, 103, 104, 105, 107, 110, 112, 114, 119, 120

âmbar amarelo, 37, 38, 40 Anaxágoras, 16 Anaximandro, 19 Anaxímenes, 19 Angstrõm (Anders), 56 antimatéria, 44, 123, 125 Aristóteles, 17, 20, 22, 23,

24, 87, 97, 124 Arrhenius (Svante), 35, 36 A vogadro (Amedeo di

Quaregna e Ceretto, conde), 28, 29, 30, 31

Bacon (Roger), 97, 98, 100, 101

Balmer, 55, 56, 57, 58, 60, 62, 63, 64,72,76,80, 125

Berzelius Gõns Jacob, barão), 28

Bohr (Niels), 59, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 70, 76

Born (Max), 72 Boskovic, 89, 96 Boyle (Robert), 24 Broglie (Louis de), 71 , 72,

73, 88, 95 Bunsen (Robert), 55

carbono (átomo de), 22, 33, 34,35, 126

constante de Planck, 92 cordas (teoria das), 73, 89,

112, 113 corpo negro (lei da radia­

ção do), 48, 49 Crookes (William), 41 133

Page 130: OATOMO - Escola da Luz

Dalton (John), 10, 26, 27, 28, Franklin (Benjamin), 39, 40 29, 30, 50

Dehmelt (Hans), 44 Galileu, 23 Demócrito, 14, 15, 16, 17, Gassendi (Pierre Gassend,

18,20,24,46,53,95,96, dito), 10, 23, 24 97, 100, 101, 103, 104, 105, Gay-Lussac (Louis), 28, 29, 106 59

Descartes (René), 23, 45, 46, Gell-Mann (Murray), 92 47, 54, 98, 99, 100, 101, Gerhardt (Charles), 31 106, 107 Gilbert (William), 37, 92

Dirac (Paul), 74, 75, 95 Gray (Stephen), 38 Du Fay (Charles François

de Cisternay ), 38, 39 Haas (Arth ur), 58, 59, 64, Dumas (Jean-Baptiste), 29 65, 66

Hansen (Hans Marius), 62 efeito de Compton, 124 · Heisenberg (Werner), 72, 73 efeito de túnel, 110, 114 Hooke (Robert), 108 Einstein (Albert), 90, 91, 92,

93 Ideia (de Anaxágoras), 16 electricidade, 10, 35, 36, 38, (de Demócrito), 16, 20, 46,

39,40,41,42,43,52 97, 100, 101, 104, 105 electrão, 41, 44, 58, 59, 60, (de Platão), 18, 20, 34

61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, 71, 77, 80, 88, 89, Jehle (Herbert), 75 90, 94, 99, 106, 111, 124, 125 Kirchhof (Gustav), 48, 56

Empédocles, 20, 22, 24, 25, Kossel (Walther), 68 96 Kram ers (Hendrik), 70, 76

energia, 48, 50, 63, 64, 75, Kronig (Ralph de Laer), 70, 89, 90, 91, 92, 100, 105, 71 106, 111, 113, 115, 124

espectro, 54, 55, 56, 57, 58, Landé (Alfred), 69 60, 63, 64, 66, 69, 76, 77, Lavoisier (Antoine de), 8, 78,79,85, 106, 125 25,28,31, 103, 104

espectroscopia, 54, 76, 78, Le Bel (Achille), 21, 34, 35 125 Lederman (Leon), 89

estrutura molecular, 32 LEP (Large Electron Positron), 90

Feynmann (Richard), 45 Leucipo, 14 134- fotão,85,93,96, 114 Lewis (Gilbert), 92

Page 131: OATOMO - Escola da Luz

luz, 13,25,26,38,54,56,71, Pitágoras, 19, 20 84, 85, 88, 91, 92, 93, 94, Planck (Max), 47, 48, 49, 50, 98,99, 100, 108, 113, 114, 51, 58, 90, 91, 92, 101, 104, 115, 124 105, 120

Lyman (Theodor), 57 Platão, 9, 16, 18, 20, 21, 22, 34,53,96, 112, 119

magnetão, 125 Plücker (Julius), 40, 41, 56 Maupertuis (Pierre Louis Poincaré (Henri), 59, 60, 61,

Moreau de), 46, 49, 94 62, 63, 64, 105, 119, 120, mecânica (do passo), 101, 121,122

102, 109 positrão, 44, 125 (ondulatória), 72, 73 princípio de exclusão, 78 (quântica), 73, 75, 79, 104, princípio de incerteza, 106

106, 109, 112, 113, 114, Proust (Joseph), 26 115 Pullmann (Bernard), 63

Millikan (Robert), 42, 43 quantum de acção, 49, 58, momento angular, 59, 62, 90, 91, 92, 93, 99, 100, 101,

63 103, 104, 105, 106, 107, Moseley (Henry), 64, 67 108, 112, 119,121, 122 movimento, 14, 15, 17, 18, quantum de luz, 91, 92, 93

22, 43, 45, 46, 47, 65, 70, quarks, 107, 124, 125 73, 75, 91, 92, 94, 97, 98, quatro elementos, 20, 24, 99, 100, 101, 103, 105, 106, 87,96 107, 108, 113, 119, 124, 126

radiação alfa, 51 neutrino, 88, 107, 124, 125 raízes (teoria das quatro), Newton (Isaac), 25, 48, 54, 20,25

124 Nicholson (John), 59, 61, 62, Richter (Jeremias), 26

63, 64, 65, 66, 67 Ritz (Walter), 57, 58, 60, 76, números quânticos, 65, 66, 78, 80

67, 69, 74, 78, 95 Rubens (Heinrich), 48 Rutherford (Ernest, lord),

Parménides, 14 50, 51, 52 Paschen (Friedrich), 57 Pauli (Wolfgang), 69, 70, 77, saltos quânticos, 59, 63

78 São Tomás de Aquino, 22 Pauling (Linus), 34, 35 Schrõdinger (Erwin), 72, 73, Perrin (Jean), 31, 32, 33, 41, 75,95

42, 43, 52 Sócrates, 9, 16, 18 135

Page 132: OATOMO - Escola da Luz

136

Sommerfeld (Arnold), 65, 66, 68, 69, 70, 76, 92, 95

spin, 69, 71, 74, 79, 100, 106, 107, 123, 126

Stark (Johannes), 69, 91, 92 Stewart (Balfour), 48 Stoney (George Johnstone),

41 substância dos corpos

(teoria da), 19

Tales, 19, 37 Thomas (Llewellyn), 88

Thomson (sir joseph), 41 transmutação, 21, 88, 125

vácuo, 9, 14, 15, 18, 20, 44, 95, 96, 99, 100, 101, 105, 106, 107, 112, 123

valência, 31, 32, 33, 77, 126 Van't Hoff (Jacobus), 21

xon, 101

Zeeman (Pieter), 69 Zurech (Wojciech), 109

Page 133: OATOMO - Escola da Luz

Índice

Prefácio............. ...... .... .... .. ..... .. ... ... ... ..... ..... ........ .... ... 9

Uma exposição para compreender

ABC DO ÁTOMO .. ..... .... .... .... ... .. .... .... ...... .. ........... . 11

A tomos idea .. ...... .. .. .. .. .. .. ....... .... ........ .. .. ...... .... . .. .. .. 13 O átomo dos químicos .. ............... ....... ........ .... .... 19 O poder misterioso do âmbar amarelo............ 37 Quatro grandes ideias da física .. . .. .. .... ..... .. .. .. .. 45 O átomo dos físicos ... .. ....................... ......... ....... . 53

Um ensaio para reflectir

REPENSAR O ÁTOMO... ....... ...... .. ........ ...... ...... .. .. 83

A matéria............................ .. ................................ 87 O vácuo .... .... ........... ....... .. ..... ......... .. ..... ............... . 95 O quantum de acção ...... ....................... ... .... .. .... .. 103

Anexos ... .. .... ..... ......... .. ..... ............. .. ........... .... ........ ... 117 137