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A MEDITAÇÃO MOLDA O CÉREBRO OS EFEITOS POSITIVOS DE UMA TÉCNICA MULTIMILENAR MARTE AQUÁTICO Planeta Vermelho já teve rios, lagos e uma atmosfera densa A REVOLUÇÃO DO XISTO Bom para a economia, péssimo para o meio ambiente SABEDORIA INDÍGENA O que os povos da Amazônia sabem, e nós não sabemos OÁSIS #198 EDIÇÃO

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A meditAção moldA o cérebro

Os efeitOs pOsitivOs de uma técnica multimilenar

MARTE AQUÁTICOplaneta vermelho já teve rios, lagos e uma atmosfera densa

A REvOlUçãO dO xIsTOBom para a economia, péssimo para o meio ambiente

sABEdORIA INdÍGENAO que os povos da amazônia sabem, e nós não sabemos

Oásis#198

ediçãO

2/32OÁsIs . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

N os tempos agitados que correm, quando quase todos nós nos tornamos presa fácil do estresse com todas as consequências que ele pode acarretar para a saúde física, psíquica, mental e

espiritual, mais do que nunca é preciso encontrar refúgio em técnicas de apaziguamento do corpo e da alma. ao longo dos milênios, o ser humano soube encontrar uma grande quantidade de caminhos que levam à paz e ao autoconhecimento – única forma, talvez, de se conquistar a paz verda-deira e duradoura. o mais importante e eficaz de todos esses caminhos é, sem dúvida, a meditação.

Que a meditação faz bem para a saúde, a concentração, a memória e o estado emocional, pouca gente duvida: diversos estudos ao redor do mundo comprovaram isso. até recentemente, porém, as pesquisas no setor deixavam algumas dúvidas incômodas. Feitas com voluntários expe-rientes, alguns com milhares de horas de prática, os testes não deixavam claro quando os benefícios começam a aparecer, nem mesmo se os meditadores têm uma predisposição física e mental capaz de favorecer tais

Prestar atenção de um modo diferente e estar mais consciente Podem ter um imPacto caPaz de mudar a estrutura da nossa mente

OÁsIs . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

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mudanças. Um novo estudo norte-americano responde a essas pergun-tas e sugere que qualquer pessoa pode, num prazo relativamente curto, conquistar os efeitos positivos da meditação.

Esse estudo corrobora vários outros, anteriores, evidenciando a “plasti-cidade” do cérebro, atributo pelo qual ele pode mudar de forma com o tempo. Já não há mais dúvidas quanto ao fato de que prestar atenção de um modo diferente e estar mais consciente podem ter um impacto capaz de mudar a estrutura da nossa mente.

as mais recentes descobertas sobre os efeitos benéficos da meditação sobre o cérebro e a mente são o tema da nossa matéria de capa. Confira.

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A MEDITAÇÃO MOLDA O CÉREBROOs efeitos positivos de uma técnica multimilenar

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OÁsIs . EsPiritUalidadE

ue a meditação faz bem para a saú-de, a concentração, a memória e o estado emocional, pouca gente duvida: diversos estudos ao redor do mundo comprovaram isso. Até recentemente, porém, as pesqui-sas no setor deixavam algumas dúvidas incômodas. Feitas com voluntários experientes, alguns

com milhares de horas de prática, os testes não deixavam claro quando os benefícios co-meçam a aparecer, nem mesmo se os medita-

Qestudo mostra que até mesmo um iniciante em meditação pode mudar sua estrutura cerebral em poucas semanas e beneficiar-se dessas alterações

EquipE Oásis

dores têm uma predisposição física e mental capaz de favorecer tais mudanças. Um novo estudo norte-americano responde a essas perguntas e sugere que qualquer pessoa pode, num prazo relativamente curto, con-quistar os efeitos positivos da meditação.

A técnica da atenção plena

Publicado em janeiro de 2011 na revista Psychiatry Research: Neuroimaging, o traba-lho analisou 16 pessoas, com idade entre 25 e 55 anos, que participavam do Mindfulness--Based Stress Reduction (MBSR), o progra-ma de treinamento desenvolvido há mais de 30 anos por Jon Kabat-Zinn, professor de Medicina e diretor fundador da Clínica de Redução do Estresse e do Centro de Atenção Plena em Medicina da Universidade de Mas-sachusetts.

Em oito encontros semanais, os participan-tes do programa aprendem exercícios de me-ditação destinados a desenvolver as habilida-des da atenção plena – a consciência ampla e tolerante dos pensamentos, dos sentimentos, das sensações corporais e do ambiente ao redor. Cabe a eles praticar esses exercícios no intervalo entre os encontros. Ao longo dos anos, o programa tem formado pesso-as que alegam sentir menos estresse e mais emoções positivas. Quem tem dores crônicas afirma que elas são amenizadas após o curso.

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A equipe do estudo examinou o cérebro de cada parti-cipante do MBSR duas semanas antes e logo depois do programa de oito semanas, comparando-o com um grupo de controle que não havia recebido o treinamento. Os que foram treinados – nenhum dos quais tinha experiência prévia na área – contaram que haviam dedicado pouco menos de meia hora por dia a essa meditação doméstica.Nos exames realizados no fim do programa, o cérebro dos não treinados não apresentou alterações. Já no dos pra-ticantes, a massa cinzenta mostrou-se bem mais espessa do que era antes, em várias regiões. Uma delas é o hipo-campo, cujas atividades têm relação com a aprendizagem, a memória e a regulação das emoções. Estudos anteriores já haviam mostrado que muitas pacientes de depressão e

transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) apresen-tam pouca massa cinzenta no hipocampo. Outras dife-renças substanciais foram notadas no cerebelo (região relacionada à regulação das emoções), na junção têm-poro-parietal e no córtex cingulado posterior do cérebro dos meditadores (áreas ligadas à empatia e à assunção da perspectiva de outra pessoa).

Regula as emoções, controla o estresse

Para a principal autora da pesquisa, Britta Hölzel – pes-quisadora do Massachusetts General Hospital e da Uni-versidade de Geissen, na Alemanha -, essas alterações podem indicar que a meditação aprimora a capacidade de regular as emoções, controlar os níveis de estresse

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e sentir empatia por outras pessoas. “Acho que o que é realmente positivo e promissor sobre esse estudo é que ele sugere que nosso bem-estar está em nossas mãos”, afirma ela. Britta também comentou a evidência, refor-çada por seu trabalho, da “plasticidade” do cérebro, pela qual ele pode mudar de forma com o tempo: “O que eu considero fascinante é que apenas prestar atenção de um modo diferente e estar mais consciente podem ter um impacto capaz de mudar a estrutura da nossa mente.”

Mas é sempre bom salientar que a meditação não é o úni-co recurso capaz de alterar o cérebro. Uma semana antes da divulgação do estudo de Britta, uma pesquisa publi-

cada na revista The Proceedings of National Academy of Sciences mostrou que o hipocampo de pessoas com 60 anos aumentou em volume depois de andarem três vezes por semana, durante um ano, em uma pista comum. Em pessoas que, no mesmo período, fizeram menos exercí-cios aeróbicos, o volume do hipocampo chegou a dimi-nuir.

Meditação e plasticidade cerebral

Pesquisa: Juliana Rejane da CruzFonte: http://polocultural.wordpress.com/2010/04/08/meditacao-e-plasticidade-cerebral/

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Ativação cerebral jamais vista

Em uma reportagem de 2005, no jornal The Washington Post, o neurocientista Richard Davidson afirmou que “o que descobrimos é que os praticantes de longa data apresentaram uma ativação cerebral em uma escala jamais vista an-teriormente. A prática mental que eles desenvolvem produz um efeito no cére-bro da mesma forma que uma prática do golfe ou tênis melhora o desempenho do esportista”.

Portanto, como ele afirmou, fica de-monstrado que é possível treinar o cére-bro e modificá-lo fisicamente através da meditação, muito mais do que as pesso-as imaginam.

Alguns dos benefícios da meditação, bastante divulgados por David Lynch, entre tantos outros, é o aumento do desempenho acadêmico e do autoconhecimento, mais tranquilidade e redução de ansiedades, diminuição de quadros depressivos e melhor comportamento de adoles-centes, entre outros.Esses são alguns dos resultados apresentados pelas pesquisas realizadas por diversas universidades nos Estados Unidos junto a David Lynch Foundation.Vale mencionar que não estamos falando de prática reli-giosa de nenhum tipo nem de nenhum “segredo”.

Seja colocando a mente em branco (ou tentando colocá--la) em silêncio, com um mantra ou com qualquer técnica entre tantas oferecidas pelas diversas linhas de medi-tação, os que já tentamos fazer isso sabemos que não é nada fácil. Porém, já se foi o tempo em que a meditação não passava de uma técnica de relaxamento. Hoje em dia, as técnicas que permitem visualizar imagens do cérebro em ação mostram as sinapses que ocorrem durante a me-ditação e como elas podem afetar o funcionamento cere-bral comoum todo.

de forma profunda.

A questão central passa pela relação entre o cérebro e a mente, que muitas vezes são identificados como um só, mas que na verdade não são. O que os cientistas dizem, porém, é que um melhor funcionamento do cérebro pro-duz diretamente um melhor funcionamento da mente.

Monges têm maior controle

Estamos recopilando alguns es-tudos científicos encontrados na internet que se referem ao “de-fault mode network”, uma espé-cie de funcionamento de fundo do cérebro enquanto ele não está realizando uma atividade espe-cífica como escrever ou calcular. Estudos realizados pela Emory University, por exemplo, mostra-ram que as pessoas sem prática de meditação, ao tentar se con-centrar, essa área relativamen-te amorfa ou de funcionamento não-focado entrava em funcio-namento com maior frequência enquanto estavam despertas. Por sua vez, os monges com maior prática de meditação tinham maior controle desse funciona-mento de fundo, principalmente porque podiam focar-se mais facilmente na atividade que lhes era solicitada, sem se perder em divagações. Isso indicaria que a meditação pode ser útil para resolver problemas não só de stress, DDA, desordem obsessivo-compulsiva, mas também de depressão. Tudo está, na verdade, na capacidade de nos conectarmos mais diretamente com a realidade, estar-mos mais conscientes do que nos rodeia, mais alertas e sensíveis às experiências da nossa vida, pois cada uma delas, desde palavras que escutamos ao passar até o que aprendemos na escola ou em casa, afeta nossos cérebros

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O cérebro não é uma pedra. É um rio

A apresentação do Dr. Fred Travis, por exemplo, afirma que o cérebro não é uma pedra, mas sim um rio, e muda tanto ao ponto de que 70% das sinapses mudam todos os dias. Por isso, ele (e muitos outros cientistas) fala da plasticidade do cérebro, da capacidade de mudar o que por séculos foi considerado imutável.

Assim, o que os cientistas mostram é que a meditação permite exercitar o cérebro, como um esportista exercita o resto do corpo, e os benefícios dessa prática podem ser vistos no dia-a-dia, na nossa capacidade de experimentar o mundo e de crescermos nele, desenvolvendo ao máxi-mo nossas potencialidades.

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As

TR

OMARTE AQUÁTICOPlaneta Vermelho já teve rios, lagos e uma atmosfera densa

A cratera Gale é uma das maiores na superfície de Marte. No seu centro está o Monte sharp

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o longo da sua história geológica, Marte viveu um longo período du-rante o qual sua atmosfera era bas-tante densa. Ela criava um efeito estufa de tal ordem capaz de per-mitir o derretimento dos gelos e a criação de rios e lagos de grandes

dimensões. Tais descobertas desmentem al-gumas hipóteses lançadas nos últimos anos, segundo as quais a água só esteve presente em Marte durante períodos muito breves,

Aapós dois anos de permanência na superfície do planeta vermelho, a sonda curiosity comprovou: em marte existiram lagos, rios e uma atmosfera densa, muito similar àquela que existe no planeta terra

pOr: EquipE OásisFOtOs: NAsA

sem possibilidade de formação de grandes cursos d’água permanentes. Todas essas novas conclusões foram dedu-zidas a partir de dados muito recentes, ob-tidos pelos pesquisadores da Nasa graças às prospecções efetuadas pela sonda Curiosity que, há quase dois anos, trabalha no inte-rior da cratera marciana Gale.

Atmosfera durou 10 milhões de anos O lugar da aterrissagem da Curiosity – as imediações da cratera Gale - foi escolhido exatamente porque as imagens feitas pelas várias sondas que orbitavam ao redor do

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A cratera Gale, onde hoje se encontra a sonda Curiosity, passou por uma longo período durante o qual ela foi muitas vezes enchida com água. rios caudalosos desciam até essa cratera vindos da planície circundante

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planeta vermelho mostravam sinais claros da presença de água no passado distante. “Se aquilo que descobri-mos for correto, podemos afirmar que há tempos Marte possuía um ambiente quente e úmido que durou pelo menos 10 milhões de anos”, explica Ashwin Vasavada, do JPL da Nasa. “Isso confirma que a atmosfera do pla-neta foi muito espessa, embora no momento ainda não tenhamos uma ideia precisa de come ela fosse constituí-da”. O Monte Sharp se eleva a cerca cinco quilômetros, e os seus flancos expõem centenas, talvez milhares de cama-

das de rochas que, segundo as análises, foram formadas graças a depósitos lacustres, fluviais e eólicos. Essas camadas testemunham uma série de fases repetidas de enchimento e de evaporação do próprio lago. No mo-mento, Curiosity está estudando as camadas situadas na base da montanha, a qual possui rochas com cerca de 150 metros de altura, chamadas de Formação Murray.

Deltas fluviais como na Terra

Ao redor da cratera Gale aparecem ainda, com muita nitidez, as marcas da passada existência de deltas flu

OÁsIs . astro

As camadas rochosas na base do Monte sharp indicam, sem sombra de dúvida, a presença da água em Marte durante longos períodos de tempo

No fundo da cratera Gale foram fotografadas formações sutis que comumente se formam em ambientes lacustres muito profundos

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viais muito parecidos com os que existem na Terra. “É muito interessante – explica John Grotzinger, do Cali-fornia Institute of Technology de Pasadena – o fato que o lago se encheu e esvaziou diversas vezes, e isso nos permitirá verificar como ocorreram as interações entre a água, o solo e a atmosfera nessas ocasiões. Poderemos estudar como as reações químicas aconteceram em mo-mentos diversos”. Uma montanha feita pelo vento

As imagens e as análises realizadas pela Curiosity per-mitem reconstruir fases durante as quais existia o lago e fases durante as quais prevaleciam os rios que chegavam à cratera provenientes das planícies circundantes, e que

formavam grandes deltas. Segundo essas análises, tudo leva a crer que, primeiro, a cratera Gale ficou cheia de água até a borda. Com a água vieram também enormes massas de sedimentos terro-sos. Quando a água desapareceu definitivamente atra-vés de um processo de evaporação cujas causas ainda nos são desconhecidas, o vento erodiu a parte terrosa que se encontrava entre as bordas e a região mais cen-tral da caverna, dando origem à montanha que hoje se pode observar (ver foto de abertura).

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A história da cratera Gale. A esquerda, as partes claras e escuras sobrepostas indicam os repetidos momentos nos quais a água estava presente ou evaporava. A direita: no centro da cratera surgiu o Monte sharp, formado pela erosão provocada pelo vento das camadas intermediárias situadas entre a borda da cratera e o centro da mesma

No momento, Curiosity está analisando as rochas que se encontram na base do Monte sharp. Este monte, por sua vez, se localiza no interior da gigantesca cratera chamada Gale

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Exatamente nas camadas de rocha que existem nos flan-cos do Monte Sharp podemos observar o resultado de um dos momentos mais importantes da história geoló-gica de Marte: o momento em que teria sido possível o desenvolvimento de formas de vida. Nos próximos me-ses, novos dados poderão eventualmente confirmar isso com certeza.

OÁsIs . astrorestos de um delta fluvial são bem visíveis em certa área da cratera Gale

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EA REVOLUÇÃO DO XISTOBom para a economia, péssimo para o meio ambiente

Enorme usina canadense para o processamento do xisto betuminoso

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ada como uma revolução tecnoló-gica para virar o mundo de cabe-ça para baixo e obrigar cientistas e governos a revisar os concei-tos e refazer as previsões. Quem diria que os Estados Unidos, o maior consumidor de energia do

mundo, poderiam se tornar autossuficien-tes em 2035? Pois esse é o prognóstico da

N

o gás extraído do xisto está transformando a produção de energia nos estados unidos e poderá tornar o país autossuficiente em 2035. a novidade significa uma revolução econômica e política, mas traz consequências perigosas ao meio ambiente – e protestos no mundo todo

pOr: EduArdO ArAiA

Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) no relatório 2012, o World Ener-gy Outlook, ao analisar as transformações por que o país vem passando desde que uma rocha – o xisto – e um polêmico meio de extrair petróleo e gás – o fraturamento hidráulico, mais conhecido como fracking – ganharam peso na produção energéti-ca americana. A extração do gás contribui para a recuperação econômica do país, mas abre perspectivas sinistras ao meio am-biente, alarmando os ecologistas.

Os EUA possuem enormes reservas de xis-to, mas até 2006 os métodos disponíveis para extrair combustível da rocha eram caros e não compensavam o investimento. Naquele ano, porém, empresas de petróleo e gás começaram a usar o fracking nessas áreas. O resultado não tardou: já existem mais de 20 mil poços em operação no país, e o gás natural, que até 2000 representava 1% da produção americana de energia, sal-tou para 30% em 2010 e poderá chegar a 50% em 2035.

Embora alguns especialistas afirmem que o tempo de produção de cada um desses po-ços não superará 15 ou 20 anos, a dimen-são das reservas norte-americanas de xisto garante uma boa longevidade ao setor. “Os suprimentos de gás natural agora econo-micamente recuperáveis do xisto nos

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EUA poderiam acomodar a demanda doméstica do país por gás natural nos níveis atuais de consumo por mais de cem anos”, anunciaram os pesquisadores Michael McElroy e Xi Lu, da Universidade Harvard, no artigo “Fracking’s Future”, publicado na edição de fevereiro de 2013 da Harvard Magazine.

Preços baixos e menos poluição

Em geral favorável às energias renováveis, o governo do presidente Barack Obama tem apoiado politicamen-te a produção do gás de xisto, mesmo com a controvér-

sia ambiental que cerca a questão. Em primeiro lugar, o gás natural é o menos poluente dos combustíveis fósseis, uma vantagem para um país que usa carvão e petróleo para gerar energia. A Agência Ambiental Americana (EPA, na sigla em inglês) credita a melhora geral da poluição atmosférica no país nos últimos anos ao aumento no uso do gás de xisto.

Em segundo lugar, as vantagens econômicas são in-discutíveis. O gás de xisto fez o preço do insumo cair nos EUA, nos últimos anos, de US$ 12 para US$ 3 por milhão de BTU (sigla para British Termal Unit, “uni-dade térmica britânica”, medida usada para gás). Para comparar, o preço do gás convencional no Brasil custa entre US$ 12 e US$ 16 por milhão de BTU. A queda de

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usina para o fracking do xisto na província de sichuan, China

quando queimado, o gás contido nas placas de xisto betuminoso pode produzir fogo intenso

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Na avaliação da IEA, o Brasil é o décimo colocado em reservas de gás de xisto tecnicamente recuperáveis, com 6,3 trilhões de metros cúbicos de reservas, basi-camente no Centro-Sul. Para a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, porém, as reservas em terra po-dem superar as do pré-sal e chegar a 14,16 trilhões de metros cúbicos. “Isso ainda precisa ser comprovado”, ressalva ela. “Temos de investir e saber o potencial do país.”

O Brasil não tende a se atirar ao gás de xisto, pois mal começou a exploração da camada do pré-sal, mas a nova riqueza não escapa aos olhos do governo. Das 72 áreas leiloadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) leiloou em novembro de 2013, 54 envolviam

preços faz os EUA importarem menos petróleo, explica o físico José Goldemberg, “uma vez que aquele com-bustível vem substituindo derivados do petróleo tanto na indústria quanto no transporte”. O país passou até a exportar gás.

A terceira razão é geopolítica: a autossuficiência ener-gética livraria os EUA da dependência de fornecedo-res problemáticos e/ou potencialmente hostis, como os países árabes, a Venezuela e a Rússia. Como efeito colateral, a saída do mercado desse megacomprador baixaria os preços do petróleo e até poderia inviabili-zar alguns projetos de produção, salienta Goldemberg. “Até a exploração do pré-sal no Brasil poderia ser afe-tada por essa queda de preços”, adverte o físico.

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Nas proximidades da cidade de Nova York, o xisto é abundante

e aparece em placas, na superfície do terreno

protestos contra o fracking do xisto, no Canadá

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a agência previa que o leilão de no-vembro seguiria os trâmites habi-tuais, com as áreas “previamente analisadas quanto à sensibilidade ambiental pelo Ibama e pelos órgãos estaduais competentes”.

O secretário de Minas e Energia, Marco Antônio Almeida, considera que bastam algumas adaptações para dar conta das variáveis envolvidas. “Teremos algumas exigências adicio-nais (em relação aos leilões habitu-ais), como fraturamento com poço revestido, cimentação mais adequa-da e projeto aprovado pela ANP”, afirma. Por seu lado, o Ministério do Meio Ambiente informa – olimpica-mente –, que não tem relação com o

tema.

Na seara ambientalista, porém, a dupla fracking-gás de xisto causa engulhos. “O único argumento por trás da exploração é o econômico”, diz Carlos Rittl, coor-denador do programa Mudanças Climáticas e Energia da organização ambientalista WWF-Brasil, que criti-ca a ausência de discussão sobre os aspectos sociais e ambientais da questão e a guinada do Brasil rumo aos combustíveis fósseis, na contramão do que recomenda o aquecimento global.

“Há uma clara vontade política para que a exploração por meio de fracking aconteça, especialmente após as

bacias de xisto. Empresas como Petrobras, HRT, OGX, Orteng, Cemig e Petra já demonstram interesse na ex-tração do gás de xisto.

Trâmites habituais

A polêmica que cerca o fracking não representa pro-blema, de acordo com as autoridades. A ANP reconhe-ce que faltam estudos sobre os impactos ambientais do método. Um comunicado à imprensa, em 13 de maio passado, afirma que “o tema do fraturamento hidráu-lico tem causado alvoroço na imprensa mundial, pois seus riscos não foram esclarecidos plenamente”. Mas

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A extração do xisto betuminoso costuma promover destruição em vasta escala do terreno circundante. isso é o que acontece nesta zona do Canadá

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recentes avaliações muito otimistas sobre o potencial de gás de xisto em terra, no Brasil”, afirma Antoine Simon, da divisão europeia da organização interna-cional Amigos da Terra. “Até agora, não existe nada específico sendo estudado pelo Ibama, Ministério do Meio Ambiente ou ANA (Agência Nacional de Águas)”, lamenta o ex-deputado Fabio Feldmann (PV).

De qualquer forma, não custa pensar como São Tomé e aguardar para ver. Afinal, no pré-sal os combustíveis já estão prontos para extração, enquanto a exploração do gás de xisto envolve uma série de indefinições. “No Brasil, pelo menos até agora, não temos legislação es-

OÁsIs . ambiEntE

pecífica para o gás não convencional nem incentivos fiscais ou financeiros que aumentem a atratividade do investimento”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “As reservas nós já temos. Se a produção vai se dar em 2 ou 10 anos, depende da vontade do governo de enfrentar os gargalos que preju-dicam o mercado de gás no Brasil.”

Após ser retirado das rochas de xisto pela tecnologia do fracking, o gás é canalizado e levado aos consumidores

Na inglaterra, um boneco monstruoso representando o fracking é levado por manifestantes contrários ao uso dessa tecnologia

Rocha transformadoraXisto é o nome popular da rocha denominada folhelho. Uma de suas variações, o xisto betuminoso, contém quero-gênio nos poros, uma mistura de compostos químicos orgânicos a partir da qual se produz hidrocarbonetos como óleo e gás (sobretudo metano). Estima-se que os depósitos de xisto betuminoso no mundo equivaleriam a um volu-me entre 2,8 trilhões e 3,3 trilhões de barris de óleo recuperável, enquanto as reservas provadas da Arábia Saudita, o maior produtor mundial, eram de 265,4 bilhões de barris em 2011. Já as reservas de gás de xisto seriam de 187,51 trilhões de metros cúbicos. Confira a seguir os países que abrigam as maiores jazidas do mundo.

Reservas tecnicamente recuperáveis de gás de xisto (em trilhões de metros cúbicos)

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China 36,10 EUA 24,41 Argentina 21,92 México 19,28 África do Sul 13,73 Austrália 11,21 Canadá 10,99 Líbia 8,21 Argélia 6,54 Brasil 6,40*

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Impactos ambientaisO fraturamento hidráulico, ou fracking, é conhecido desde a década de 1940, mas o aumento nos custos da exploração de petróleo e gás viabilizou economicamen-te sua utilização nos últimos anos. Os poços abertos para trazer à superfície os combustíveis contidos no xisto são inicialmente perfurados no sentido vertical, em geral até 2 mil metros de profundidade. Quando se atinge a camada desejada, entra em cena a inovadora perfuração horizontal, numa extensão que costuma variar entre 300 e 2.000 metros.

Por esse duto se injeta água, a uma pressão bastante alta, misturada com areia e produtos químicos. A ma-nobra causa fraturas nas rochas, por onde é liberado o combustível. Este sobe com a água para tanques de armazenagem, onde os produtos são separados.O fracking está longe de ser unanimidade. Na Euro-pa, ele é permitido no Reino Unido e na Polônia, mas já foi proibido na França e na Bulgária. Nos EUA, os Estados de Nova York, Pensilvânia e Texas aprovaram regulamentações exigentes relativas ao método. Os principais problemas são os seguintes:

1) Vazamento – Muitos depósitos de xisto estão abaixo de aquíferos. Se a vedação do poço tiver falhas, produ-tos químicos usados no fracking poderão ser liberados na água. Embora um executivo da Halliburton tenha sido notícia em 2011 ao beber o fluido de fracking uti-lizado pela empresa, para mostrar que ele é seguro, há dúvidas sobre a composição desse material. Uma pes-quisa da Universidade Duke (EUA) detectou um au-

mento da concentração de metano na água potável na vizinhança dos poços, que pode ocasionar incêndios ou explosões.

2) Contaminação – A mistura de água, areia e produtos químicos injetada nos poços sobe gradualmente para a superfície, podendo contaminar o solo e a água.

3) Consumo de água – Retirar as imensas quantidades de água usadas no processo pode prejudicar os ecossis-temas da região. Calcula-se que um poço normal exija em média entre 11 milhões e 30 milhões de litros de água durante sua vida útil.

4) Terremotos – Embora cientistas britânicos afirmem no Journal of Marine and Petroleum Geology que o fracking não causa abalos sísmicos importantes, não há consenso sobre o tema. Para eliminar o problema, um dos autores do estudo, o professor Richard Davies, da Universidade de Durham, sugere evitar perfurações perto de falhas tectônicas.

5) Poluição originária do processo – Um estudo da Universidade Cornell divulgado em 2011 na revista Cli-matic Science estima que a pegada de carbono do pro-cesso de extração do gás de xisto seja até 20% maior do que a do carvão, o mais “sujo” dos combustíveis fósseis.

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Xisto paranaenseO Brasil explora o xisto comercialmente desde 1972, quando a Petrobras abriu sua refinaria de Industrializa-ção do Xisto, a SIX, em São Mateus do Sul (PR). A cada dia, cerca de 7 mil toneladas de xisto são retiradas do solo por técnicas de mineração, moídas e submetidas a altas temperaturas. Desse processo são obtidos diaria-mente 4 mil barris de petróleo, além de derivados como o enxofre.

A atividade apresenta dois impactos ambientais salientes. O primeiro, ligado ao processo de abertura das mi-nas, envolve a retirada da vegetação e do solo. O segundo, relacionado ao processamento e refino, é a emissão de gases-estufa. A Petrobras afirma que controla as emissões e recupera em escala industrial as áreas explo-radas desde 1979. Um estudo da Universidade Federal do Paraná feito em 2009 reforça essa tese, ao mostrar que o solo original e o recuperado tinham composição química bem parecida.

Por outro lado, uma pesquisa do Instituto Ambiental do Paraná, órgão fiscalizador do Estado, revela que a SIX foi multada em 2004 e 2006 por descumprir normas de qualidade de água. Outro estudo, de Helvio Rech, da Universidade Federal do Pampa (RS), detectou que a exploração do xisto está diretamente relacionada à inci-dência de problemas respiratórios na população de São Mateus do Sul.

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SABEDORIA INDÍGENAO que os povos da Amazônia sabem, e nós não sabemos

ETN

O

OÁsIs . Etno

ark Plotkin é um dos principais etnobotânicos especializados na floresta amazônica. Nesta pales-tra, ele ressalta as mudanças e perigos que põem em sério ris-co de extinção as últimas tribos indígenas ainda não contatadas daquela região – e a sua sabe-

doria – e pede que protejamos esse repositório insubstituível de conhecimento.“Ainda mais rápido do que está desaparecendo a floresta, está se extinguindo o povo da flores-ta”, diz Mark Plotkin ao explicar porque trabalha

M“a maior espécie e em maior risco de extinção da floresta amazônica não é a onça-pintada ou a harpia,” diz o etnobotânico mark Plotkin: “são as tribos isoladas e não contatadas.” em uma palestra vigorosa e equilibrada, ele nos leva ao mundo das tribos indígenas da floresta e às incríveis plantas medicinais que os xamãs usam para a cura

VídEO: tEd – idEAs WOrth sprEAdiNGtrAduçãO: ViViANE FErrAz MAtOs. rEVisãO: ruY LOpEs pErEirA

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para a preservação tanto da floresta quanto dos seres humanos que a habitam.

Estudioso do uso tradicional das plantas nas florestas da América Central e do Sul, Mark Plotkin trabalha em estreito contato com xa-mãs e pagés indígenas, líderes comunitários que praticam técnicas tradicionais de cura com o uso de plantas e de animais, perpetuando um conhecimento oral que se transmite de geração em geração há incontáveis milênios.

Mas quando as florestas são destruídas (pelo desmatamento e a ocupação ilegal, por exem-plo) esse conhecimento corre o risco de ser irremediavelmente perdido. Plotkin concen-tra seus esforços na captação, no registro e na divulgação do conhecimento xamânico. Ao fazê-lo, ele tem um duplo objetivo: preservar a floresta ao mostrar o seu imenso valor como fonte de fármacos ainda não descobertos pela ciência farmacêutica oficial. Mark Plotkin começou suas pesquisas com os índios Trio, do sul do Suriname, Também tra-balhou com alguns dos grandes pajés do Mé-xico, Panamá, Venezuela, Equador, Peru, Co-lômbia e Brasil. É autor do best-seller Tales of a Shaman’s Apprentice (relatos de um xamã--aprendiz). Com Liliana Madrigal, sua esposa, ele fundou o Amazon Conservation Team, uma ONG que ajuda os povos indígenas a comprar e proteger os seus sítios sagrados.

Tradução integral da palestra de Mark Plotkin

Sou um etnobotânico. Um cientista que trabalha na floresta tropical documentando como o povo utiliza plantas nativas. Faço isso há mui-to tempo, e quero contar a vocês: esses povos conhecem as florestas e seus tesouros medicinais melhor do que nós e melhor do que pos-samos vir a saber. Mas também, essas culturas, as culturas indígenas, estão desaparecendo mais rápido que as próprias florestas. E a maior espécie com maior risco de extinção da Floresta Amazônica não é a onça-pintada, não é a harpia, são as tribos isoladas e não contatadas.

Quatro anos atrás, feri o pé em uma escalada e fui à médica. Ela me receitou compressa quente, compressa fria, aspirina, analgésicos, anti--inflamatórios, injeções de corticoide. Não funcionou. Meses depois, eu estava no nordeste da Amazônia, cheguei a uma vila, e o xamã disse: “Você está mancando”. Nunca esquecerei disso enquanto viver. Ele me olhou e disse: “Tire o sapato e me dê o facão.” (Risos)Ele andou até uma palmeira, arrancou uma folha, jogou-a no fogo, aplicou-a no meu pé, colocou-a num pote de água, e me fez beber o chá. A dor desapa-receu por 7 meses. Quando ela voltou, retornei ao xamã. Ele repetiu o tratamento, e estou curado há 3 anos. Por quem vocês prefeririam ser tratados? (Aplausos)

Mas, não se enganem – a medicina ocidental é o mais bem sucedido sistema de cura existente, mas há muitas falhas. Cadê a cura do câncer de mama? Cadê a cura da esquizofrenia? Cadê a cura do refluxo gas-tresofágico? Cadê a cura da insônia? O fato é que esses povos conse-guem, às vezes, às vezes, curar coisas que não conseguimos. Aqui você vê um curandeiro no nordeste da Amazônia tratando leishmaniose, uma doença protozoária terrível que aflige 12 milhões de pessoas no mundo. O tratamento ocidental são injeções de antimônio. Elas são dolorosas, caras, e provavelmente ruins para o coração; é um metal pesado. Esse homem a cura com 3 plantas da Floresta Amazônica.

Esse é o sapo mágico. Meu grande colega, já falecido, Loren McIntyre,

que descobriu a nascente do rio Amazonas, a Laguna McIntyre nos Andes peruanos, se perdeu na fronteira Peru-Brasil 30 anos atrás. Foi resgatado por um grupo de índios isolados chamados Matsés. Gesticularam para ele segui-los pela floresta, e ele o fez. Lá, pegaram cestas de folha de palmeira. Lá, eles pegaram esses sapos kambô-grandes sugadores, desse tamanho e começaram a lambê-los. Acontece que eles são altamente alucinógenos. McIntyre escreveu sobre isso e o editor da revista “High Times” leu. Os etnobotânicos têm amigos nas mais estranhas culturas. Esse cara decidiu ir até a Amazônia dar uma volta, ou uma lam-bida, e assim o fez e escreveu: “Minha pressão arterial foi às altu-ras, perdi controle total das funções corporais, desmaiei na hora, acordei numa rede 6 horas depois, me senti como um deus por 2 dias.”(Risos) Um químico italiano leu isso e disse: “Não estou interessado nos aspectos teológicos do sapo. Que história é essa de alterar a pressão arterial?” Esse químico italiano que trabalha

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O etnobotânico Mark plotkin

Tradução integral da palestra de Mark Plotkin

num novo tratamento para hipertensão baseado em peptídeos da pele do sapo kambô, e outros cientistas buscam a cura para a bactéria resis-tente MRSA. Que ironia se esses índios isolados e seus sapos mágicos provarem ser uma cura.

Aqui está um xamã ayahuasca no noroeste da Amazônia, no meio de uma cerimônia yagé. Fomos a Los Angeles encontrar um funcionário de uma fundação para conseguir verba para proteger a cultura deles. O cara olhou para o curandeiro, e disse: “Você não frequentou a faculdade de medicina, não é?” O xamã disse: “Não, não frequentei.” Ele disse: “E o que você sabe sobre curar doenças”? O xamã olhou para ele e disse: “Sabe, se você tem uma infecção, vai ao médico. Mas muitas aflições humanas são doenças do coração, da mente e do espírito. A medicina ocidental não chega à elas, eu as curo.” (Aplausos)

Mas nem tudo são rosas em aprender da natureza sobre novos medicamentos. Essa é uma víbora do Brasil, seu veneno foi es-tudado na Universidade de São Paulo. Depois foi desenvolvido em inibidores da ACE. Esse é um tratamento de ponta para hipertensão. Hipertensão causa mais de 10 por cento das mortes no planeta todos os dias. É uma indústria de 4 bilhões de dóla-res com base no veneno de uma cobra brasileira, e os brasileiros não ganharam um centavo. Não é uma forma aceitável de se fazer negócios.

A floresta tropical é a maior expressão de vida da Terra. Há um ditado no Suriname que eu adoro: “As florestas tropicais guar-dam respostas às perguntas que ainda faremos.” Mas como sabem, elas estão desaparecendo rapidamente. Aqui no Brasil, no Amazonas, no mundo. Tirei essa foto de um avião pequeno sobrevoando a fronteira leste da reserva do Xingu no estado do Mato Grosso, ao noroeste daqui. Na metade superior da foto, vocês veem onde os índios vivem. A linha no meio é a fronteira leste da reserva. Metade de cima: índios, metade de baixo: ho-mens brancos Metade de cima: drogas milagrosas, metade de baixo: um bando de covardes. Metade de cima: sequestro de carbono na floresta onde ele pertence, metade de baixo: carbono na atmosfera onde provoca mudança climática. Na verdade, a segunda causa de lançamento de carbono na atmosfera é a des-truição da floresta.

Mas falando sobre destruição, é importante ter em mente que a Amazônia é o cenário mais poderoso que há. É um lugar de beleza e maravilha. O maior tamanduá do mundo vive na flo-resta tropical, chega a 40 quilos. A aranha-golias-comedora-de--pássaros é a maior aranha do mundo. Também encontrada na Amazônia. A envergadura das asas da harpia é de 2 metros. E o

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Mark plotkin participa de reunião com chefes indígenas no Amazonas

Tradução integral da palestra de Mark Plotkin

jacaré-açú — esses monstros ultrapassam os 500 quilos. São conheci-dos por comerem gente. A sucuri, a maior cobra, a capivara, o maior roedor. Um espécime aqui do Brasil pesou 100 quilos.

Vamos visitar o lugar onde essas criaturas vivem, o nordeste da Ama-zônia, lar da tribo Akuriyo. Povos não contatados detêm um papel místico e icônico em nossa imaginação. Esses são os povos que melhor conhecem a natureza. São os povos que realmente vivem em total har-monia com a natureza. Alguns descartariam esses povos como primiti-vos. “Eles não sabem fazer fogo, ou não o fizeram quando contatados.” Mas conhecem a floresta bem melhor do que nós. Os Akuriyos têm 35 palavras para mel, e outros índios os respeitam como sendo os verda-deiros mestres do reino esmeralda. Aqui vocês veem o rosto do meu amigo Pohnay. Quando eu era adolescente curtindo os Rolling Stones na minha cidade de New Orleans, Pohnay era um nômade da floresta vagando pela selva do nordeste da Amazônia em um pequeno grupo, procurando se divertir, procurando plantas medicinais, procurando uma esposa, em outros pequenos grupos nômades. Mas são pessoas como essas que conhecem coisas que não conhecemos, e eles têm mui-to a nos ensinar.

Contudo, se vocês entrarem na maioria das florestas da Amazônia, não há povos indígenas. Vocês encontram isso: marcas encravadas nas pedras em que os indígenas, povos não contatados, afiavam a ponta do machado. Essas culturas já dançaram, fizeram amor, cantaram para os deuses, idolatraram a floresta, tudo que sobrou foram impressões em pedra, como podem ver.

Vamos para o oeste da Amazônia, que é o epicentro dos povos isolados. Cada um desses pontos representa uma pequena tribo não contatada, e a grande revelação é que acreditamos que há 14 ou 15 grupos isolados apenas na Amazônia colombiana.

Por que esses povos estão isolados? Eles sabem que existimos, sabem que há um mundo exterior. É uma forma de resistência. Eles escolheram permanecer isolados, e penso que é um direito humano de assim permanecer. Por que essas tribos se escon-dem dos homens? Eis o porquê. Obviamente, um pouco disso ocorreu em 1492. Mas na virada do último século foi o comér-cio de borracha. A demanda por borracha natural, que veio da Amazônia causou o equivalente botânico da corrida do ouro. Borracha para pneus de bicicleta, borracha para pneus de car-ros, borracha para zepelins. Foi uma corrida maluca para con-seguir borracha, e o homem à esquerda, Julio Arana, é um dos vilões da história. Seu pessoal, sua empresa, e outras empresas como a deles matou, massacrou, torturou, acabou com os índios como os Uitotos que vocês veem do lado direito do slide.

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Caciques da Amazônia colombiana

Tradução integral da palestra de Mark Plotkin

Ainda hoje, quando as pessoas saem da floresta a história raramente tem um final feliz. Esses são os Nukaks. Eles foram contatados nos anos 80. Em um ano, todos acima de 40 foram mortos. E lembrem-se, essas são sociedades incultas. Os idosos são as bibliotecas. Sempre que um xamã morre, é como se uma biblioteca se queimasse. Eles foram for-çados a sair de suas terras. Os traficantes de drogas tomaram conta da terra dos Nukaks, e os Nukaks vivem como mendigos em parques pú-blicos no leste da Colômbia.

Da terra dos Nukaks, quero levá-los ao sudoeste, ao cenário mais espe-tacular do mundo: o Parque Nacional de Chiribiquete. Ele era rodeado por 3 tribos isoladas e graças ao governo e colegas colombianos ele foi expandido. É maior do que o estado de Maryland. É um grande tesouro de diversidade botânica. Começou a ser explorado botanicamente em

1943 por meu mentor, Richard Schultes, visto aqui no topo da montanha La Campana, a montanha sagrada dos Karijonas, E mostrarei como está agora. Sobrevoando Chiribiquete, vejam que essas montanhas continuam perdidas do mundo. Nenhum cientista esteve lá. Ninguém esteve na montanha La Campana desde Schutes em 1943. E nós terminaremos aqui com a mon-tanha La Campana apenas ao leste da foto. Vou mostrar como está hoje.

Não apenas é um grande tesouro de diversidade botânica, não apenas é lar de 3 tribos isoladas, mas é o maior tesouro de arte pré-colombiana do mundo: mais de 200 mil pinturas. O cien-tista holandês Thomas van der Hammen descreveu-a como a Capela Sistina da Floresta Amazônica.

Mas indo de Chiribiquete para o sudeste, novamente, na Ama-zônia colombiana. A Amazônia colombiana é maior do que a Nova Inglaterra. A Amazônia é uma grande floresta, e o Brasil tem grande parte dela, mas não toda ela. Nesses 2 parques na-cionais, Cahuinari e Puré na Amazônia colombiana, essa é a fronteira brasileira à direita, lar de muitos grupos de povos iso-lados e não contatados. O olhar treinado consegue ver os telha-dos dessas malocas, e ver que há diversidade cultural. São de fato, tribos diferentes. Isoladas, como são essas áreas, mostrarei como o mundo exterior está se aproximando. Vemos o aumento do comércio e transporte em Putumayo. Com o enfraquecimen-to da guerra civil na Colômbia, o mundo exterior está aparecen-do. Ao norte, temos extração ilegal de ouro, também do leste, do Brasil. Há aumento da caça e pesca com fins comerciais. Vemos derrubada ilegal de madeira vinda do sul, e traficantes de drogas tentando se mover pelo parque e entrar no Brasil. Isso, no pas-sado, era o motivo de não se mexer com os índios isolados. E se parece que a foto está desfocada é porque foi tirada às pressas, é

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Jovem índia aprende a identificar plantas medicinais da floresta

Tradução integral da palestra de Mark Plotkin

por isso (Risos) Parece – (Aplausos) Parece um hangar da Amazônia brasileira. Essa é uma exposição de arte em Havana, Cuba. Um grupo chamado Los Carpinteros. É a percepção deles do porquê não mexer com os índios não contatados.

Mas o mundo está mudando. Esses são os Mashco-Piros na fronteira Brasil-Peru que fugiram da selva porque foram perseguidos por tra-ficantes de droga e madeireiros. E no Peru, há um negócio terrível. Chama-se safári humano. Levam turistas para tirar fotos dos grupos isolados. Claro, quando você lhes dá roupas, ferramentas, você tam-bém lhes dá doenças. Chamamos isso de “safári desumano.” Esses são índios na fronteira do Peru, que foram assediados por voos de missio-nários. Eles querem ir lá convertê-los ao cristianismo. Sabemos o fim dessa história.

O que fazer? Introduzir tecnologia às tribos contatadas, não às tribos não contatadas, de um modo culturalmente sensato. Esse é o casa-mento perfeito da antiga sabedoria xamânica e a tecnologia do século 21. Já fizemos isso com mais de 30 tribos, proteção mapeada, geren-ciada e crescente de mais de 70 milhões de acres de floresta tropical ancestral. (Aplausos)

Isso permite que os índios tenham controle de seu meio ambiente e destino cultural Eles também montaram guaritas para afastar os fo-rasteiros. Esses índios treinados como guardas florestais, patrulham as fronteiras e mantêm o mundo exterior afastado. Essa é uma foto de contato real. Esses são índios Chitonahuas na fronteira Brasil-Peru. Eles saíram da selva pedindo socorro. Levaram tiros, suas malocas fo-ram queimadas. Alguns foram massacrados. O uso de armas automá-ticas para chacinar povos não contatados é o abuso de direito humano mais desprezível e asqueroso em nosso planeta atualmente, e tem que acabar. (Aplausos)

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Vou concluir dizendo que esse trabalho pode ser espiritualmen-te compensador, mas é difícil e pode ser perigoso. Dois colegas meus morreram recentemente em um acidente aéreo. Eles esta-vam a serviço da floresta protegendo tribos não contatadas. En-tão, a questão é, e concluindo, como será o futuro. Esse é o povo Uray no Brasil. O que os aguarda no futuro, e o que nos aguarda no futuro? Vamos pensar diferente. Vamos fazer um mundo melhor. Se houver mudança climática, que ela seja para melhor e não para pior. Vamos viver em um planeta cheio de vegetação exuberante, em que povos isolados possam permanecer em isolamento, possam manter esse mistério e conhecimento, se assim escolherem. Vamos viver em um mundo onde os xamãs vivam nessas florestas e curem a si mesmos e a nós com suas plantas místicas e seus sapos sagrados.Mais uma vez, obrigado.

Mark plotkin com cacique da tribo Waurá, durante o Kuarup de 2007 no parque Nacional do Xingu