o uso do algodão colorido como estratégia

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O Uso do Algodão Colorido como Estratégia de Marketing Verde: o Caso da Entre Fios Autoria: Emmanuelle Arnaud Almeida Cavalcanti, Lucimeiry Batista da Silva O objetivo deste artigo é analisar como a empresa Entre Fios utiliza as estratégias de marketing ambiental e se posiciona no mercado. Em nível metodológico, caracteriza-se como estudo qualitativo, com levantamento de dados através de entrevista semi-estruturada. O tratamento se constituiu em análise de categorias temáticas. Os resultados apontam que a Entre Fios se posicionou como first mover no mercado paraibano; o mix de marketing está voltado para a estratégia ambiental; a vantagem competitiva se originou de estímulos internos e externos; e a Entre Fios se posiciona para atender às condições de diferenciação ambiental de Reinhardt (1999).

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O Uso do Algodão Colorido como Estratégia de Marketing Verde: o Caso da Entre Fios

Autoria: Emmanuelle Arnaud Almeida Cavalcanti, Lucimeiry Batista da Silva

O objetivo deste artigo é analisar como a empresa Entre Fios utiliza as estratégias de marketing ambiental e se posiciona no mercado. Em nível metodológico, caracteriza-se como estudo qualitativo, com levantamento de dados através de entrevista semi-estruturada. O tratamento se constituiu em análise de categorias temáticas. Os resultados apontam que a Entre Fios se posicionou como first mover no mercado paraibano; o mix de marketing está voltado para a estratégia ambiental; a vantagem competitiva se originou de estímulos internos e externos; e a Entre Fios se posiciona para atender às condições de diferenciação ambiental de Reinhardt (1999).

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1 Introdução Atualmente, as empresas têm buscado cada vez mais interagir com o meio ambiente e

com os cidadãos. Ser vista como uma empresa socialmente e ambientalmente responsável tem sido um ingrediente fundamental para a consolidação das marcas em novos mercados, além de ser fundamental para a otimização dos recursos.

A expansão e globalização do mercado mundial têm chamado a atenção dos consumidores para as questões ambientais. O uso de matérias-primas orgânicas e ecologicamente corretas na formação de produtos está favorecendo a criação de nichos de mercado voltados para o meio ambiente.

Como uma das recentes matérias-primas integradas aos chamados “produtos verdes”, o algodão colorido vem crescendo e ganhando mercado. O interesse por pesquisar os produtos produzidos com algodão colorido, como foco deste artigo, surgiu não só em função de ser um insumo diferenciado, como matéria prima de produtos ecologicamente corretos. A escolha se deu também em função de se tratar de um material utilizado na indústria local, com grande representatividade na região Nordeste brasileira, assim como pela ausência de artigos unindo os temas algodão e marketing em eventos acadêmicos, como os organizados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD).

Desta forma, três aspectos foram fundamentais para a escolha deste tema de pesquisa. Primeiro, a relevância ambiental, pois o algodão é orgânico, já nasce colorido. Além de o cultivo ocorrer de forma natural, também prescinde de tingimento, evitando assim que seja despejado nos rios e mananciais um volume considerável de resíduos poluente. Segundo, a relevância social, pois um dos objetivos principais do desenvolvimento desta cultura está relacionado à manutenção da mão de obra próxima a sua origem. Terceiro, a constatação de que existe uma carência de pesquisas unindo o tema do algodão colorido às estratégias de marketing ambiental.

A escolha da empresa Entre Fios como objeto de pesquisa se deu pelo fato desta ser a líder do mercado de produtos confeccionados com algodão colorido, na Paraíba. Sua história conta que a Entre Fios, vendo no surgimento do algodão colorido um mercado promissor, encontrou uma forma de unir “o útil ao agradável”, envolvendo sua cadeia produtiva com o trabalho social, ecológico, natural e politicamente correto. Desta forma, atuando com projetos de sustentabilidade e percebendo que o resultado desse trabalho não é apenas financeiro, mas também de dignidade, cidadania e respeito ao próximo, passou a utilizar algodão colorido em seus produtos (ENTREFIOS, 2008).

Apesar de ter se tornado um assunto bastante conhecido, a utilização do marketing ambiental, assim como o social, pelas empresas brasileiras ainda enfrenta certa escassez de estudos empíricos no Brasil. Esta necessidade conduz a algumas questões, tais como: as estratégias de marketing ambiental são utilizadas ou não pelas empresas que lidam com produtos ecologicamente corretos? O fato de trabalhar com uma matéria-prima que já nasce trazendo em sua bagagem um forte apelo de marketing faz com que as empresas usufruam desta oportunidade?

Para responder a estas questões, formulou-se como objetivo desta pesquisa: analisar como a empresa Entre Fios, na adoção do algodão colorido para a fabricação de seus produtos, utiliza as estratégias de marketing ambiental e se posiciona no mercado.

Este estudo foi elaborado da seguinte forma: inicialmente foi abordado o referencial teórico que se apresenta subdividido em: (i) marketing ambiental, (ii) o composto de marketing (mix de marketing), (iii) diferenciação ambiental de produtos e (iv) algodão colorido. Em seguida, foram apresentados os procedimentos metodológicos e as discussões dos resultados. Por fim, foram delineadas as últimas considerações e recomendações para futuras pesquisas.

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2 Referencial Teórico 2.1 Marketing Ambiental

Os estudos clássicos de Porter (1990) acerca da competição industrial apontam dois tipos genéricos de estratégia que as empresas podem desenvolver para obter vantagem competitiva: custo e diferenciação. No entanto, de acordo com D’Souza et al. (2006), no final dos anos 1980, tornou-se aparente que as estratégias baseadas na liderança de baixo custo ou apenas na diferenciação genérica não foram suficientes para prover as organizações com vantagem competitiva sustentável, o que, consequentemente, fez surgir um novo movimento, estratégico: a integração do Marketing Ambiental (ou Marketing Verde). Embora no campo teórico a investigação sobre o assunto ainda necessite do desenvolvimento de pesquisas conceituais e empíricas (POLONSKY, 1994), sendo difícil encontrar tipologias exclusivamente baseadas no enfoque de marketing verde (RIVERA-CAMINO, 2007), percebe-se que na prática empresarial esta perspectiva tem se consolidado.

Temas como responsabilidade social, desenvolvimento sustentável e consumo consciente foram incluídos no cotidiano das empresas, da sociedade e do governo (OTTMAN, 1994). Em decorrência desta preocupação com o bem-estar sócio-ambiental, as organizações passaram a enfrentar o desafio de relacionar questões como responsabilidade social e ambiental com o desenvolvimento de estratégias competitivas.

Marketing Ambiental, ou Verde, é conceituado por Peattie e Charter (2003, p. 727) como a “gestão holística dos processos responsáveis por identificar, antecipar e satisfazer as necessidades dos clientes e sociedade, de forma lucrativa e sustentável”. Polonsky (1994) acrescenta que o marketing verde pode ser entendido como um conjunto de atividades concebidas para produzir e promover a venda de qualquer produto ou serviço com a finalidade de atender necessidades e desejos humanos, porém causando impacto mínimo ao meio ambiente.

Em uma perspectiva mais crítica, Rivera-Camino (2007) esclarece que as empresas executam estratégias ambientais pro-ativas condicionadas pelas pressões que elas recebem a partir de seus stakeholders, os quais são percebidos como uma estrutura reguladora, que prescreve ou restringe comportamento, ou ainda como uma estrutura de incentivo às empresas. Neste sentido, D’Souza et al. (2006) acrescentam que os consumidores cada vez mais fazem compras com base no papel de uma empresa na sociedade. Assim, Peattie e Charter (2003) analisam que o sucesso do marketing ambiental depende da consideração de quatro Ss, os quais já contemplam o poder de influência dos stakeholders, a saber: satisfação do consumidor; segurança dos produtos e da produção para os consumidores, trabalhadores, sociedade e meio ambiente; aceitação social (social acceptability) dos produtos, da produção e das atividades da empresa; e sustentabilidade dos produtos.

Como a sustentabilidade dos recursos naturais empregados na produção de bens destinados ao consumo conduz a mudanças quantitativas e qualitativas da oferta e da demanda, a utilização do marketing verde parte do pressuposto de que é possível criar riquezas com a redução de impactos ambientais negativos e a promoção de mudanças sociais que alterem os hábitos de consumo no mercado (GONZAGA, 2005). Nesta perspectiva, Peattie e Charter (2003) ressaltam que o marketing ambiental está fazendo com que os profissionais de marketing não visualizem somente os processos internos de produção, ou os externos em relação aos consumidores, mas também as implicações desta produção, e posterior consumo, na qualidade de vida e no desenvolvimento sustentável da sociedade. Ainda segundo estes últimos os autores, o marketing, ao estimular o crescimento do consumo, é visto como parte do problema, porém, pode ser parte da solução quando usado para incentivar o consumo sustentável e responsável.

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De acordo com Rivera-Camino (2007), a operacionalização do marketing verde se baseia, atualmente, em três ações de gestão, as quais são fundamentais no processo de desenvolvimento e implementação estratégica de marketing: análise do potencial dos mercados verdes; ações orientadas para satisfazer as necessidades do mercado verde; e análise do comportamento dos concorrentes verdes.

Para adotar o marketing verde, Ottman (1994) afirma que as organizações devem se preparar para definir-se como integradas à natureza, atuar holisticamente e assumir a missão de criar riquezas enquanto auxiliam na promoção de mudanças sociais, buscando orientar-se por dois objetivos-chave, quais sejam:

a) desenvolver produtos que equilibrem necessidades dos consumidores, preço viável e conveniência, sendo compatíveis ambientalmente, ou seja, exerçam o mínimo impacto ambiental;

b) projetar imagem de alta qualidade, incluindo sensibilidade ambiental, sobre os atributos do produto e a trajetória do fabricante no que se refere ao respeito ao meio ambiente.

Estas ações podem demandar a fixação de nichos específicos de mercado para produtos ecológicos, investimento em técnicas de comunicação para aumentar o nível de informação do público quanto às características ambientais dos produtos e investimento na imagem da empresa, para que seja percebida como comprometida com a preservação ambiental (GONZAGA, 2005). Este é o caso da organização, objeto de estudo adotado nesta investigação, a qual confecciona e comercializa produtos reconhecidos como “ecologicamente corretos”, direcionando sua estratégia de marketing para destacar a diferenciação ambiental da matéria-prima, isto é: o algodão colorido utilizado na fabricação dos produtos.

2.2 O Composto de Marketing (Mix de Marketing)

“As estratégias de marketing envolvem a seleção e a análise dos mercados-alvos e a criação e manutenção de um composto de marketing apropriado para satisfazer as necessidades desses mercados” (FERRELL, HARTLINE, 2006, p.40). Assim, o desenvolvimento da estratégia de marketing compreende a elaboração de uma estratégia central (composta por objetivos e estratégias abrangentes), a definição de um posicionamento competitivo e a implementação (estabelecimento do composto de marketing, organização das atividades do marketing e a criação de métodos de controle) (HOOLEY; SAUNDERS; PIERCY, 2005).

Compreender, portanto, a estratégia de marketing, é fundamental para as organizações no ambiente competitivo atual. Tendo como foco desta pesquisa a utilização da matéria-prima algodão colorido como estratégia de marketing, interessa conhecer as variáveis que compõem o chamado “mix” de marketing e que podem influenciar na formação desta estratégia. Pretende-se, neste tópico, buscar o suporte necessário a este estudo, devido às diferentes concepções do tema estratégia de marketing e a importância da sua compreensão para o desenvolvimento desta pesquisa.

Nava (2004) considera que qualquer empresa que lide com comercialização deve planejar sua atuação baseada nas quatro variáveis-chave conhecidas como 4Ps: produto, preço, praça (distribuição) e promoção. Considerando a perspectiva do marketing verde, as varáveis que compõem o mix de marketing podem ser assim adaptadas: (1) política de concepção de produto verde; (2) distribuição com critérios verdes; (3) preços dos produtos verdes; e (4) publicidade e patrocínio verde (RIVERA-CAMINO, 2007).

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Figura 1: Mix de Marketing Fonte: elaborado a partir de Dias (2007 apud ENOKI et al., 2008) e Rivera-Camino (2007, p. 1333) A seguir será tratado cada um dos ‘Ps’ separadamente, a partir de uma abordagem

contemplada pelo marketing verde e focada no algodão colorido.

Produto É necessário esclarecer que os produtos a serem tratados nesta pesquisa são os itens

confeccionados com o algodão colorido, e não o próprio algodão enquanto matéria-prima para a produção de fios. A matéria-prima utilizada na fabricação dos produtos é considerada como um produto verde. Desta forma, o produto gerado a partir desta também é considerado “verde”. Ou seja, apesar de possuir características semelhantes a outros produtos confeccionados em algodão, ele não causa danos ao meio ambiente. Por si só, um produto classificado como “verde” já é considerado diferenciado. De acordo com Lambin (2002 apud ENOKI et al., 2008), os produtos verdes são aqueles que podem ser melhorados ou desenvolvidos de acordo com normas ecológicas e que satisfaçam às expectativas do consumidor.

Nava (2004, p. 61) coaduna com essas reflexões quando ressalta que o poder de escolha do produto passa a ir além somente de qualidade e preço, apontando o meio ambiente como uma terceira variável, ou seja, “a determinação da escolha de um produto agora vai além da relação qualidade e preço, pois este precisa ser ambientalmente correto, isto é, não prejudicial ao ambiente desde suas etapas de produção até seu consumo final”.

Preço

Alguns autores consideram o preço uma variável diferenciada porque é a única que não se traduz em despesa. Para Calomarde (2000 apud ENOKI et al., 2008, p. 3) “o preço de um produto deve incluir os custos normais de produção e, no caso de um produto verde, deve refletir os valores ambientais que ele possui”.

Na Paraíba, ao comparar-se o caso do algodão colorido com o algodão branco, há um preço relativamente mais alto recebido pelo pequeno produtor, em torno de 30 a 40% a mais que pelo algodão branco (LIMA et al., 2007), o que influencia diretamente na formação do preço dos produtos confeccionados com este algodão. Deve-se ainda considerar nesta formação, como no caso dos demais produtos verdes, as despesas com o processo de conscientização do consumidor. Estas despesas, porém, tendem a diminuir, na medida em que os consumidores se tornem mais conscientes, assim como o preço mais alto deixa de ser um

PPrreeççoo Estratégia de preço

e de custo

PPrroommooççããoo Estratégia de vendas

Propaganda, publicidade

PPrraaççaa (Distribuição)

Estratégia de canais de distribuição

PPrroodduuttoo Estratégia de produto

Pesquisa e desenvolvimento

QQuuaattrroo PPss do marketing

preço dos produtos verdes

publicidade e patrocínio verde

política de concepção de produto verde

distribuição com critérios verdes

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fator importante na hora da escolha. “Em regiões mais desenvolvidas, onde a consciência ambiental é maior, a variável preço tem menos influência no momento da compra, e por apresentarem características ambientais aumenta o poder da venda destes produtos” (ENOKI et al., 2008, p. 4). Este poder de venda se dá através do apelo do marketing ambiental por se tratar de um produto totalmente natural.

Praça

“As empresas podem optar por oferecer seus produtos ao mercado-alvo de duas formas: diretamente ou por meio de intermediários” (NAVA, 2004, p. 43). Os canais de distribuição dos produtos confeccionados com algodão colorido, na Paraíba, acontecem das duas formas citadas por Nava (2004), tanto diretamente, nos show rooms das fábricas ou em feiras, quanto indiretamente, através de revendedores em lojas distribuídas por grande parte das grandes cidades brasileiras. Além disso, inicia-se um caminho de exportações, através de escritórios especializados em intermediar essas transações.

Promoção

Esta variável está diretamente relacionada à informação e à comunicação. Os produtos confeccionados com o algodão colorido, na Paraíba, são típicos da região, como redes, mantas, cortinas etc. Portanto, já há um mercado composto principalmente de turistas para estes produtos. Assim, é justamente neste ponto onde o mix de marketing se encontra com as estratégias do marketing ambiental e de diferenciação. Porque além de já fazer parte da composição de produtos típicos, o produto confeccionado com o algodão colorido tem o apelo de ser um produto natural, o que facilita os canais de promoção.

Para Enoki et al. (2008) deve haver uma política de comunicação que informe sobre as características ecológicas dos produtos, que facilitará a visão da empresa como consciente ambientalmente, e que também deixe claro para o consumidor as vantagens de consumir de um produto ecologicamente correto.

Para o mercado do algodão colorido, é necessário levar em consideração o modelo proposto por Porter, incorporando a vantagem competitiva da diferenciação. Por ser um mercado sujeito a mudanças cada vez mais velozes, torna-se importante analisar, além do enfoque do mix de marketing a capacidade de proporcionar valor agregado aos produtos de algodão colorido. Este será assunto tratado a seguir.

2.3 Diferenciação Ambiental de Produtos

De acordo com Porter (1990), as empresas que adotam algum tipo de estratégia genérica normalmente apresentam desempenho consistentemente superior em relação as que não tem posicionamento definido. De modo geral, a diferenciação de produtos, um dos focos deste estudo, está centrada na criação ou ênfase de uma ou mais características benéficas em um produto que motive os consumidores a optar pelo consumo de tal produto (PORTER, 1990). A característica benéfica do produto deve ser percebida pelos consumidores como um valor vantajoso em relação ao seu custo.

Segundo Kotler (2003), o sucesso do marketing de diferenciação de produtos depende da capacidade da empresa em satisfazer aos seguintes critérios: (a) importância para um número suficiente de consumidores; (b) destaque em relação à concorrência; (c) superioridade em relação a outras formas de obter o mesmo benefício; (d) precaução em relação a cópias e imitações; (e) acessibilidade aos consumidores; (f) lucratividade para os produtores.

A diferenciação ambiental refere-se aos instrumentos mercadológicos utilizados para explorar os benefícios ambientais proporcionados por um produto (GONZAGA, 2005). Desta forma, o marketing verde gerou uma considerável gama de atividades, como a criação e/ou

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mudança de processos produtivos, matéria-prima, embalagens, como também nos processos administrativos, publicidade, pessoal, dentre outros.

As organizações podem alcançar vantagem competitiva se apresentarem ao público quais são seus compromissos ambientais e sociais (REINHARDT, 1999). D’Souza et al. (2006) corroboram com esta visão ao afirmarem que as ações de proteção ao meio ambiente são fundamentais no desenvolvimento de uma imagem corporativa positiva. Sendo elemento importante para o sucesso de uma empresa, havendo, inclusive, algumas evidências que demostram aumento na fidelização de clientes. Porter (1990) acrescenta que a lealdade dos consumidores ao produto, ou à marca, pode criar uma barreira de entrada ou significar um custo de mudança, reduzindo a ameaça da rivalidade dos concorrentes.

Reinhardt (1999) identifica algumas condições necessárias para a adoção da estratégia de diferenciação ambiental. Em primeiro lugar está a disposição do consumidor em pagar pelos custos da diferenciação ecológica. Tal disposição pode estar latente, necessitando ser ativada, ou pode não existir, carecendo ser criada através de educação e informação adequadas.

O segundo aspecto é a disponibilização de informações confiáveis acerca do produto ou serviço e de seus atributos ambientais. A terceira condição é a proteção das inovações da diferenciação contra imitação por parte dos concorrentes, a fim de compensar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Concebido dessa forma, o marketing torna-se um processo de aprendizagem e ensino, com o objetivo de influenciar a evolução das percepções dos consumidores, criando diferenciações perceptivas que não possam ser imitadas pelos concorrentes (GONZAGA, 2005).

As condições apresentadas por Reinhardt (1999) tornaram-se fator-chave para a compreensão da presente pesquisa, as quais serão posteriormente analisadas na estratégia de marketing da organização objeto de estudo.

2.4 Algodão Colorido

A origem do algodão colorido data de 4.500 anos, quando era cultivado por povos antigos das Américas, Ásia, África e Austrália. No Brasil, as tonalidades identificadas eram utilizadas apenas como ornamento ou decoração artesanal, principalmente na Bahia e em Minas Gerais. No ano de 1984, a Embrapa Algodão, na sua unidade localizada em Patos-PB, passou a preservar os algodões de cor diferente encontrados na lavoura em bancos de germoplasma. Em 1989, foi iniciada a pesquisa de melhoramento genético (REGINATO, 2002).

O cultivo no Brasil se deu

com o uso de espécies nativas e importadas, teve início nos primeiros anos da colonização. Dois famosos religiosos – os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta – defenderam a instalação de uma indústria têxtil em nosso país. Em carta a Simão Rodrigues, superior dos Jesuítas em Lisboa, Nóbrega pediu o envio de tecelões para fiar o algodão e tecê-lo. Anchieta defendia a mesma opinião e a justificava: “Para vestir, há muito algodão” (COSTA; BUENO, 2002, p. 15).

Apesar de haver registros da existência do algodão colorido com mais de quatro mil anos, este algodão não apresentava condições de ser fiado, portanto, era dispensado quando encontrado em meio à plantação do algodão branco. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), através da sua unidade descentralizada Embrapa Algodão, realizou pesquisa durante doze anos para fazer com que este algodão passasse a ter condições de ser fiado. O principal propósito desta pesquisa foi e ainda é trazer o homem do campo, que deixou sua terra por falta de oportunidades, de volta à Paraíba. Plantar uma matéria-prima diferenciada tornaria possível manter-se trabalhando e ganhar um sustendo digno. As variedades de algodão naturalmente colorido começaram a ser lançadas em 2000. A primeira

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tonalidade foi a marrom, seguida pela verde, safira e rubi. Todas cultivadas no Nordeste brasileiro (EMBRAPA ALGODÃO, 2008).

Com o sucesso das pesquisas, o algodão colorido transformou-se em uma das alternativas para a recuperação da cotonicultura no Nordeste. Atualmente, “os benefícios sociais e econômicos desses algodões são elevados, visto que existe um nicho de mercado para a fibra colorida” (LIMA, 2007, p. 1). E “o interesse pelo plantio do algodão colorido vem aumentando expressivamente no Nordeste brasileiro, principalmente no estado da Paraíba” (KOURI et al., 2005, p.2). A partir destas informações, pode-se afirmar que existe um nicho de mercado para a fibra de algodão colorido. Nicho este que se busca verificar com esta pesquisa como é aproveitado pela empresa que utiliza este insumo para confeccionar seus produtos.

3 Procedimentos metodológicos

Em relação à abordagem, esta investigação primou por uma vertente qualitativa, através de um roteiro de entrevista semi-estruturada, com questões abertas, para a investigação empírica realizada no local em que ocorre o fenômeno, o qual dispõe de elementos para explicá-lo. Para Minayo (1994) a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, pois trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que correspondem a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos. De acordo com Roesch (1999), as entrevistas semi-estruturadas permitem ao pesquisador entender e captar a perspectiva dos participantes da pesquisa, sem predeterminar sua expectativa através de uma seleção prévia de categorias de questões.

A estratégia de pesquisa selecionada foi a de estudo de caso único (YIN, 2001). A escolha pela empresa se deve ao fato da mesma ser líder do mercado de produtos confeccionados com algodão colorido, na Paraíba. A seleção dos sujeitos ocorreu com base nos critérios de acessibilidade e no potencial de contribuição dos mesmos para o alcance dos objetivos da pesquisa. Assim, foram entrevistadas cinco pessoas, sendo quatro delas pertencentes à área de vendas e a proprietária da empresa.

A principal técnica de coleta de dados centrou-se na realização de entrevista semi-estruturada (MERRIAM, 1998), por meio de questões abertas. De acordo com Roesch (1999), as entrevistas semi-estruturadas permitem ao pesquisador entender e captar a perspectivas dos participantes da pesquisa, sem predeterminar sua expectativa através de uma seleção prévia de categorias de questões. Para otimizar o tempo disponível, e após o consentimento dos entrevistados, as entrevistas foram gravadas em meio digital para posterior transcrição.

Utilizou-se tratamento qualitativo de dados para análise das entrevistas, empregando, em linhas gerais, os seguintes procedimentos: inicialmente fez-se uma leitura cuidadosa das entrevistas, transcritas e analisadas tematicamente, com o intuito de detectar os tópicos gerais que as mesmas apresentavam, para, posteriormente, identificar as categorias existentes, as quais foram, por fim, descritas e articuladas teoricamente.

Assim sendo, os temas e as variáveis selecionadas, a partir da análise das entrevistas, foram relacionadas com o referencial teórico, conforme disposto no Quadro 1, a seguir:

Temas Variáveis Autores

Ambiente competitivo Entrantes (first, second e late movers)

Hitt, Ireland e Hoskisson (2002); Porter (1990), Barney (1991)

Produto Preço Praça

Mix de Marketing

Promoção

Enoki et al. (2008); Rivera-Camino (2007); Resende, Mendonça, Araújo (2005); Kotler (2003)

Vantagem Competitiva Estímulos externos Hitt, Ireland e Hoskisson (2002); Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000);

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Porter (1990) Disposição do consumidor Informações confiáveis

Diferenciação ambiental de produtos

Proteção contra imitação

Kotler (2003); Orsato (2002); Porter (1990); Ottman (1994); D’Souza et al. (2006); Reinhardt (1999)

Quadro 1- Quadro comparativo entre achados de campo e teoria Fonte: elaboração própria.

3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A apresentação dos resultados está focada na discussão dos achados de campo, através da articulação teórica com os temas tratados. Assim sendo, a seguir serão descritas e analisadas as categorias que foram delimitadas durante a análise das entrevistas.

4.1. Ambiente competitivo

Segundo os relatos das entrevistadas, o algodão colorido, na cor marrom, aparecia aleatoriamente na plantação, mas era chamado de algodão “macaco” porque não era branco e não tinha resistência. A Embrapa Algodão passou a pesquisá-lo e após doze anos de investigações conseguiu desenvolver no algodão marrom uma fibra resistente, capaz de suportar a fiação, possibilitando o trabalho com fios coloridos naturalmente, sem necessidade de tingimento.

De acordo com Porter (1990), o objetivo estratégico de uma empresa deve ser se posicionar de forma a defender-se contra as forças competitivas do mercado ou influenciá-las em seu favor. Nesta perspectiva, os achados da pesquisa permitiram compreender que no mercado paraibano a Entre Fios se posicionou como uma first mover, ou seja, a primeira entrante a colocar em prática a ação competitiva de trabalhar com esta matéria-prima. Para Hitt, Ireland e Hoskisson (2002, p. 197) “as first mover têm a oportunidade de ganhar fidelidade dos clientes, tornando, assim difícil para que as empresas que reagem capturem clientes”.

O período de first mover da Entre Fios no mercado paraibano abrangeu quatro anos, sem que surgisse no mercado uma second mover. Apesar de já ter se passado igual período desde que surgiram outras empresas produtoras, ela ainda se mantém na liderança deste mercado.

Quando indagada sobre a necessidade de uma mudança estratégica para enfrentar a entrada de concorrentes neste nicho de mercado, a proprietária declarou que “não foi preciso tomar nenhuma decisão estratégica para enfrentar estas novas entradas. O que precisamos foi manter sempre a nossa qualidade e criatividade. Mas tem espaço para todo mundo, não dá medo”.

A esta questão foi acrescentado o dado de que para o artesanato a concorrência é tratada de forma relativa, uma vez que os trabalhos manuais são de difícil imitação. Por mais que um produto seja parecido dificilmente será igual, pois o que diferencia realmente é a qualidade e a criatividade de cada empresa. Esta característica pode contribuir para o alcance de vantagens competitivas sustentáveis (BARNEY, 1991).

Pode-se considerar que a Entre Fios não enfrentou as desvantagens de ser uma first mover, uma vez que passou bem pelo grau de risco e soube driblar com qualidade e criatividade as incertezas do mercado.

Ainda em relação à concorrência, na Paraíba, a Entre Fios atualmente disputa mercado com algumas outras empresas, como a Terra do Sol, que possui produtos de qualidade similar, na visão das entrevistadas. No entanto, o fato da Terra do Sol e outros concorrentes terem surgido algum tempo depois confere à Entre Fios uma vantagem na consolidação da marca e fidelização dos clientes, corroborando com as afirmações de Hitt, Ireland e Hoskisson (2002), citadas anteriormente, em relação a fidelidade dos clientes e à dificuldade de reação dos concorrentes.

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A Terra do Sol, como uma second mover no mercado paraibano, não conseguiu, até então, apropriar-se das vantagens de reação, talvez por não ter agido com a rapidez necessária a uma second mover neste setor. “Quando uma second mover reage rapidamente à ação competitiva de uma first mover pode ganhar parte das vantagens da first mover sem enfrentar as desvantagens” (HITT; IRELAND; HOSKISSON, 2002, p. 198).

Pode-se concluir a esse respeito que a vantagem competitiva permanece com a first mover, pois nem a segunda empresa a entrar no mercado, nem as últimas (late movers) conseguiram movê-la da liderança. Como observou a proprietária, durante a entrevista, a empresa já contava um público fidelizado e já era conhecida: “trabalhamos com um tipo de produto que já é diferenciado pela qualidade, pela criatividade e pela beleza, pois, ‘beleza é fundamental’, como dizia Vinícius de Moraes”.

4.2 Mix de Marketing Produto

A Entre Fios foi a primeira empresa a surgir no mercado paraibano, atuando no

segmento de decoração com produtos de algodão colorido, tais como: redes, tapetes, toalhas, mantas, jogos americanos, dentre outros. O início desta produção foi incentivado pela chamada da Embrapa Algodão para que as empresas da região confeccionassem produtos com o algodão colorido plantado na Paraíba. Com a convocação, algumas empresas se interessaram e foi formado um consórcio. Mas, destas primeiras empresas, apenas a Entre Fios obteve sucesso na utilização desta matéria-prima na sua produção, já realizada com algodão tingido.

Atualmente, apesar de continuarem confeccionando com algodão tingido, os produtos de algodão colorido são considerados o “carro chefe” da empresa e dentre estes a rede é considerada o produto mais importante. A introdução do algodão colorido na produção da Entre Fios pode ser considerada um “divisor de águas” na empresa, que já existia há cinco anos, quando iniciou o trabalho com esta matéria-prima.

Os produtos podem ser encontrados nas tonalidades: marrom, algodão cru, verde e rubi. O volume dos itens confeccionados com algodão colorido (128 itens) soma mais que o dobro do que é produzido com algodão tingido (63 itens). A partir destes dados, pode-se inferir que a Entre Fios, investindo em mais produtos de algodão colorido, aproveita-se do que Enoki et al. (2008) consideram como uma característica dos produtos verdes como geradores de vantagem competitiva. Esta constatação também é corrobora com que Rivera-Camino (2007) aponta como implicações que os produtos ecológicos podem ter sobre a formulação e implementação de estratégias empresariais adequadas.

Preço

Os produtos Entre Fios têm um preço mais elevado do que os concorrentes, como a

Terra do Sol, empresa do mesmo ramo, porque sua matéria-prima possui algumas particularidades. Por exemplo, o fato de a colheita do algodão ter que ser realizada manualmente para não sujá-lo, o que requer mais mão-de-obra, elevando o custo. Porém, apesar de ser um insumo mais caro, os preços praticados pela empresa, tanto no atacado quanto no varejo, são altamente competitivos. É importante ressaltar que, apesar da diferença de preço entre os produtos tingidos e os de algodão colorido, estes últimos custam mais que o dobro dos demais, isto não faz com que os produtos feitos com algodão tingido sejam comercializados em maior volume.

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O número superior de itens comercializados e o faturamento superior, 80% das vendas da empresa são obtidos com produtos de algodão colorido, podem estar relacionados ao que Rivera-Camino (2007) considera como uma preocupação dos consumidores com a proteção ambiental, influenciando sua atitude de compra. Ou seja: na medida em que o processo de conscientização do consumo de produtos naturais aumenta, mais os preços praticados são aceitos pelos consumidores finais.

Praça

Em relação à variável ‘praça’, os resultados apontam que pela forma como a mesma é tratada, pode-se inferir que o sucesso envolvendo o mix de marketing da Entre Fios está associado ao gerenciamento estratégico da cadeia de suprimentos, como se pode observar na figura 2.

Figura 2: a cadeia de suprimentos da Entre Fios Fonte: elaboração própria.

Como observam Resende, Mendonça e Araújo (2005), autores e especialistas

concordam que o que era tratado anteriormente como um simples exercício tático da cadeia de suprimentos passou a ser considerado uma função estratégica que pode impactar no sucesso ou fracasso de uma empresa. A partir dessa reflexão, pode-se dizer que, no caso da Entre Fios, o gerenciamento dos elos desta cadeia faz parte das estratégias de controle da empresa.

Na figura 2, adotou-se como primeiro elo desta cadeia a Embrapa Algodão. Para compreensão deste ponto é necessário ressaltar que embora este elo não tenha uma ligação direta com a Entre Fios, ele foi o principal responsável pela entrada da empresa neste nicho de mercado, convocando as indústrias têxteis para confeccionarem produtos com sua matéria-prima. A Coteminas, apesar de ser a única fornecedora do algodão já fiado para a tecelagem e confecção, é uma parceira que atende às necessidades de matéria-prima imediatamente, por estar também envolvida com a proposta da Embrapa Algodão. Um outro ponto importante a ser observado na figura 2 é o fato de a empresa distribuir diretamente seus produtos para os revendedores, excluindo o distribuidor como um elo intermediário. Assim, diminuindo o custo com o distribuidor, entende-se que na formação do preço para os consumidores finais a Entre Fios torna-o mais atrativo e, portanto, mais competitivo.

Em relação às vendas, estas são realizadas essencialmente no atacado, através de revendedores nos estados da Paraíba, Pernambuco, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais e alguns representantes internacionais que revendem nos Estados Unidos, Alemanha e França. A distribuição é realizada pela própria empresa, que além desses pontos mantém vendas no varejo no show room da fábrica, localizada em Campina Grande, município do estado da Paraíba.

Os resultados indicam que a diferença nos preços das redes, principal produto da empresa, pode alcançar patamares altíssimos, dependendo da praça onde são comercializadas. Foi citado o exemplo de um tipo de rede que custa R$ 143,00, na grande maioria dos revendedores, e que é comercializada por R$ 350,00 no aeroporto da capital baiana.

Promoção

Em relação à promoção, inicialmente foi necessário um trabalho de conscientização, desde os funcionários da empresa até aos clientes finais. Atualmente a Entre Fios tem reforçado a marca “Natural” através de programas de rádio, internet e panfletos em feiras.

Embrapa Algodão

Coteminas

Entre Fios

Revendedores

Consumidores

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Ainda há, segundo os relatos das entrevistadas, o marketing terceirizado, feito pelos revendedores, além da propaganda indireta, realizada por matérias em programas de TV como Globo Rural, Globo Repórter, Globo Ecologia e Fantástico, entre outros, que têm divulgado o algodão colorido e contribuído para ampliar a venda dos produtos. De acordo com as respondentes, as vendas mensais giram em torno de cem mil reais, das quais 80% são de produtos feitos com algodão colorido.

Para a Entre Fios, o importante na divulgação dos produtos não é só o apelo ecológico, mas também a questão social, pelo fato de ser um produto que possibilita ao sertanejo manter-se em sua terra. Kotler (2003, p. 600) corrobora com esta atitude quando considera que “o impacto da mensagem depende não só do que é dito, mas também de como é dito”, no caso da Entre Fios, seus argumentos de promoção visam também um posicionamento emocional, também citado por Kotler como um fator importante.

A proprietária considera que “é um produto que causa orgulho a empresa pelo seu objetivo social, que é trazer de volta o homem do campo para o sertão paraibano, com condições de receber um valor justo pelo seu trabalho” (entrevistada). Vale acrescentar que para a Entre Fios é importante poder realizar seu compromisso social desta forma.

A literatura reflete a preocupação dos consumidores em relação aos produtos considerados ecologicamente corretos. Assim, entende-se que o mix de marketing: produtos, preço, praça e promoção (os 4 Ps) são diretamente influenciados pela estratégia de marketing ambiental. Além disso, esta estratégia traz na sua esteira o diferencial como uma vantagem competitiva, abarcando assim vários componentes teóricos das estratégias de marketing.

4.3 Vantagem Competitiva

Como observam Hitt, Ireland e Hoskisson (2002, p. 188), “vantagens competitivas podem vir de áreas não tradicionais”. A partir dos relatos sobre o chamado da Embrapa Algodão para as empresas confeccionarem produtos com o algodão colorido, pode-se concluir que esta foi uma vantagem competitiva não tradicional, adquirida pela Entre Fios a partir de uma oportunidade externa.

É possível também relacionar esta questão com uma das escolas de estratégia abordadas por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), a escola ambiental, que provém da chamada ''Teoria da Contingência'', ou seja, o ambiente se apresenta à organização como um conjunto de forças gerais e torna-se o agente central no processo de geração de estratégia. Neste sentido, ressalta-se o fato de várias empresas terem sido chamadas pela Embrapa Algodão e apenas a Entre Fios ter obtido sucesso inicialmente, mantendo-se até os dias atuais em uma posição de liderança neste mercado.

Sob esta perspectiva, a sustentabilidade da vantagem competitiva depende também da diferenciação, pois, conforme afirma Porter (1990, p. 10): “todas as empresas devem melhorar de forma contínua a eficácia operacional das suas atividades, mas as diferenças de desempenho sustentável quase sempre dependem de uma posição estratégica distinta”.

4.3.1 Diferenciação

Os relatos coletados na pesquisa de campo que representam esta categoria serão analisados com base nas três condições propostas por Reinhardt (1999) como necessárias para a adoção da estratégia de diferenciação ambiental.

a) Os consumidores precisam estar dispostos a pagar pelos custos da diferenciação

ecológica A disposição dos consumidores de pagar por atributos ecológicos dos produtos é o

primeiro pré-requisito para a diferenciação de produtos/serviços (REINHARDT, 1999). Em

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termos gerais, a maioria dos consumidores precisa perceber que existe claro benefício para a sua compra.

Como observado anteriormente, os produtos da Entre Fios possuem um preço mais elevado por algumas razões peculiares: a quantidade de mão-de-obra empregada na colheita do algodão é substancialmente maior, pois a mesma é feita manualmente e a necessidade da cultura ser feita em um clima específico, o semi-árido.

Atualmente, os produtos ecologicamente orientados representam um nicho de mercado explorado mundialmente por empresas (KOTLER, 2003). De acordo com Orsato (2002), os atributos associados aos produtos permitem às empresas cobrar preços mais altos do que os produtos concorrentes que carecem de tal atributo.

Pode-se confirmar a aceitação dos produtos da Entrefios pelos consumidores através da existência dos dois tipos de itens, ou produzidos com algodão tingido e aqueles fabricados com algodão colorido. Desta forma, o percentual de vendas de produtos feitos com algodão colorido (80%) confirma que, apesar do preço mais elevado, os consumidores preferem o produto ecologicamente correto, pois percebem a existência de benefícios.

b) Informações confiáveis sobre o desempenho ambiental do produto precisam estar

disponíveis para o consumidor A empresa alcançou uma importante vantagem competitiva por ser a primeira entrante

no mercado de produtos de algodão colorido. Com o interesse da mídia em divulgar as pesquisas em programas de âmbito nacional, como Globo Rural, Globo Repórter e Fantástico. a empresa pôde associar facilmente sua marca à matéria-prima, tendo o respaldo da comunidade científica.

Assim, os programas de TV têm divulgado o algodão colorido como um insumo que não agride o meio ambiente, ampliando a venda dos produtos da Entre Fios. A partir desta perspectiva, todo o esforço vendas da empresa se concentra em evidenciar as características benéficas da matéria-prima, saudáveis ao consumidor.

Nestes termos, a diferenciação exige uma forte motivação para os consumidores adquirirem o produto, a qual não está relacionada ao seu preço (PORTER, 1990). Segundo Orsato (2002), no caso específico de prerrogativas ecológicas, a diferenciação ocorrerá quando um produto puder oferecer benefícios ambientais maiores, como é o caso dos itens fabricados pela Entre Fios.

c) A diferenciação deve ser difícil de ser imitada pelos concorrentes

Alguns aspectos retratam que a Entre Fios possui características singulares que tornam a imitação cara para seus concorrentes. A principal razão refere-se ao processo de patenteamento da marca “Natural” que a empresa está conquistando, a qual revela o diferencial competitivo do produto, sendo, de acordo com as respondentes, sinônimo de qualidade para os clientes.

Assim sendo, questionadas sobre a razão do sucesso da empresa, os entrevistados responderam que a qualidade do produto é um grande motivo, fato que permite que a empresa esteja sempre em primeiro lugar em vendas nas feiras especializadas. Neste sentido, a empresa tem cumprido um dos objetivos-chave propostos Ottman (1994), qual seja, o de projetar imagem de alta qualidade. Percebe-se, portanto, que embora os concorrentes possam reproduzir com certa facilidade a maioria dos produtos fabricados com algodão colorido, a imagem associada à marca é única, presente apenas nos produtos vendidos pela Entre Fios. Assim, trata-se de um atributo não facilmente imitável pelos concorrentes.

O argumento ecológico encontrado no site da empresa também revela a preocupação com o reforço da imagem da empresa, a saber: “Hoje a Entre Fios tem como meta, além da sustentabilidade, o design, a qualidade e a satisfação do cliente acima de tudo, procurando

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inovar, sempre trabalhando com novos produtos, novos projetos e novas idéias, visando o bem-estar de todos” (ENTREFIOS, 2008).

Este argumento confirma as afirmações de D’Souza et al. (2006) quando defendem que o desenvolvimento de uma imagem corporativa positiva é um elemento importante para o sucesso de uma empresa, bem como de Reinhardt (1999) quando coloca que esta imagem positiva pode representar o alcance de vantagem competitiva.

Em relação à promoção do produto, as respondentes citaram diversas características que revelam a estratégia de marketing ambiental no momento da venda: o argumento de que o produto não sofre processamento químico, sendo, portanto, ecologicamente correto, a existência e devida exposição do certificado da Embrapa Algodão para o algodão colorido e a fabricação de bichos de pelúcia feitos com o algodão colorido, que tornam o produto antialérgico. Tais constatações vão ao encontro do que afirma Orsato (2002), quando este destaca que a área comercial pode explorar os atributos ecológicos, de menor impacto ambiental, que resultem em ganhos durante o uso do produto. 5 Considerações finais

O sentido atribuído como propósito maior do estudo foi analisar como a empresa Entre Fios, na adoção do algodão colorido para a fabricação de seus produtos, utiliza as estratégias de marketing. Em decorrência dessa proposta, buscou-se na literatura especializada o embasamento necessário para uma melhor compreensão dos temas abordados, resgatando-se diversas propostas e modelos, recomendados pelos estudiosos, para o estudo de temas relacionados à estratégia e ao marketing.

Ao analisar os resultados, constatou-se, de acordo com o referencial teórico adotado, que o mix de marketing da empresa está voltado para a estratégia ambiental, e que a Entre Fios se posiciona estrategicamente para atender às três condições de diferenciação ambiental propostas por Reinhardt (1999). Além disso, verificou-se que a Entre Fios se posiciona como first mover no mercado e que a vantagem competitiva alcançada tem se originado tanto de estímulos externos quanto internos. Em última análise, percebeu-se que o sucesso da empresa é atribuído à exploração de um nicho de mercado ligado aos produtos ambientalmente corretos.

A principal limitação deste estudo refere-se ao fato de que foi lançado um olhar unilateral na pesquisa, deixando de lado uma perspectiva holística que envolvesse outros stakeholders. Portanto, pesquisas futuras poderiam verificar, além das estratégias de marketing e posicionamento, por exemplo, o comportamento do consumidor em relação a este produto.

Recomenda-se, ainda, que outras pesquisas sejam realizadas no âmbito dos produtos ecologicamente corretos, e que possam, assim como ocorreu com as autoras desta pesquisa, ajudar não só a compreender as estratégias de marketing, mas olhar para o ser humano com outros olhos. Como disse a proprietária durante a entrevista “não é só um produto, ao trabalhar com esta matéria prima, dá a sensação de que você está fazendo a sua parte neste mundo, você vende, mas também conta uma história, tem gente por traz, tem as cooperativas, o artesanato, a fiação, o homem que planta, o homem que colhe, as pequenas confecções”.

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