o uso da história das equações nos processos de ensino e de

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO DENISE BENINO DOURADO RIBEIRO O USO DA HISTÓRIA DAS EQUAÇÕES NOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA SÃO PAULO 2015

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO DENISE BENINO DOURADO RIBEIRO

O USO DA HISTÓRIA DAS EQUAÇÕES NOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA

SÃO PAULO 2015

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DENISE BENINO DOURADO RIBEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

O USO DA HISTÓRIA DAS EQUAÇÕES NOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação Matemática, sob a orientação da Profª. Drª. Aparecida Rodrigues Silva Duarte.

SÃO PAULO

2015

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3

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

R368u Ribeiro, Denise Benino Dourado

O uso da história das equações nos processos de ensino e de aprendizagem da matemática na educação básica. / Denise Benino Dourado Ribeiro. – São Paulo, 2015.

135 f.; il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação Matemática, Área de

concentração: História da Matemática) – Coordenadoria de Pós- graduação, Universidade Anhanguera de São Paulo, 2015.

Orientadora: Prof.ª Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte

1. Educação Matemática. 2. História. 3. Álgebra. 4. Equações

algébricas. I. Título. II. Universidade Anhanguera de São Paulo. CDD 510.7

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DENISE BENINO DOURADO RIBEIRO

O USO DA HISTÓRIA DAS EQUAÇÕES NOS PROCESSOS DE

ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO

BÁSICA

ESTE TRABALHO FOI JULGADO E APROVADO PARA A OBTENÇÃO DO

TÍTULO DE MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.

______________________________________________________ Profª Drª Aparecida Rodrigues Silva Duarte (Orientadora)

Universidade Anhanguera de São Paulo

______________________________________________________ Profª Drª Denise Medina de Almeida França (Titular Externo)

Universidade Severino Sombra

______________________________________________________ Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Titular Interno)

Universidade Anhanguera de São Paulo

São Paulo, 09 de março de 2015.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles que,

assim como eu, se encantam com a beleza da

História da Matemática; aos meus pais, Vera

Lucia de Aro Benino e Paulo Daniel Dourado

Ribeiro (In Memorian) e ao meu eterno

Mestre Antonio Sylvio Vieira de Oliveira.

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos devem ser feitos com o coração alegre e satisfeito, ainda mais

quando se realiza algo que se almejava tanto. Meu coração neste instante

transborda de alegria e satisfação por ter conseguido com muito esforço realizar o

honroso trabalho. Porém, jamais poderia deixar de compartilhar essa alegria com

sinceros agradecimentos que primeiramente devem ser direcionados a Deus, a

quem sempre confiei por se fazer presente em todos os momentos de minha vida,

sejam eles alegres ou tristes, sempre me fortalecendo a não desistir diante dos

obstáculos.

À Universidade Anhanguera de São Paulo, por me aceitar a fazer o curso de

Mestrado e por acreditar no meu potencial, concedendo-me uma bolsa de estudos.

Às professoras Doutoras integrantes da banca examinadora, Nielce Meneguelo Lobo

da Costa, Denise Medina de Almeida França e Cristiane Coppe de Oliveira, por

contribuirem com excelentes sugestões para a realização deste trabalho.

À minha orientadora, Professora Doutora Aparecida Rodrigues Silva Duarte, que em

2002 no congresso de História da Matemática, mesmo sem saber ou me conhecer,

contribuiu para a minha paixão pela História da Matemática. Como poderia imaginar

que anos depois eu iria contar com sua sabedoria e infinita bondade para me

orientar neste trabalho? Muito obrigada por não medir esforços a me ajudar e por ter

estendido sua mão no momento em que mais precisei.

Meus sinceros agradecimentos à coordenação, aos professores, colegas e

funcionários do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da

Universidade Anhanguera de São Paulo, em especial aos professores Ubiratan

D’Ambrosio, Rosana Nogueira, Marlene Alves Dias e Ruy César Pietropaolo.

Foi também nesta Instituição que tive o imenso prazer de reencontrar amigos e fazer

novos amigos. Obrigada Simone, Dosilia e Talita, pela nossa sincera amizade e pela

força que juntas tivemos para trilhar o caminho do conhecimento em busca de

nossos sonhos e realizações.

Agradeço ainda, à todos os meus amigos que diretamente ou indiretamente

estiveram do meu lado nesta trajetória, pois muitas vezes um simples sorriso me

fortalecia a seguir em busca do meu sonho.

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Ao meu marido Marcos, que com muita paciência e compreensão esteve ao meu

lado nestes dois anos que precisei me dedicar a este trabalho, obrigada por

acreditar em mim e por ter me apoiado na conquista deste sonho.

Às duas estrelas que brilham na minha vida, Nicolas e Maria Eduarda. A mamãe

agradece de coração pelos abraços e sorrisos que me fortaleceram nesta

caminhada e que continuam a me fortalecer, pois sem vocês minha vida não existe.

A minha maravilhosa irmã Renata, meu cunhado Sergio e meu amado sobrinho

Lucas, pois sem vocês minha vida não seria completa.

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RIBEIRO, Denise Benino Dourado. O uso da história das equações nos processos de ensino e de aprendizagem da matemática na educação básica. 2015. 135 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo, São Paulo, 2014.

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar, por meio de um estudo qualitativo, como a História da Matemática pode contribuir para o ensino e a aprendizagem da Matemática da Educação Básica. Trata-se de um estudo desenvolvido no âmbito da linha de pesquisa “Tendências Internacionais da História e da Filosofia da Matemática e seus reflexos na Educação Matemática” e encontra-se vinculado a um projeto do Programa Observatório da Educação – OBEDUC, intitulado “Educação Continuada do Professor de Matemática do Ensino Médio: Núcleo de Investigações sobre a Reconstrução da Prática Pedagógica”. Esta investigação fundamenta-se especialmente nos estudos de Antonio Miguel, quanto às potencialidades pedagógicas da História da Matemática; nos de Ubiratan D’Ambrosio, no que tange à importância e à motivação do uso da História da Matemática na sala de aula. Para sua consecução, realizou-se uma experiência formativa destinada a professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo, participantes do referido projeto OBEDUC, com a pretensão de apresentar e discutir as fases de desenvolvimento da álgebra tomando como base as equações algébricas e de refletir junto aos professores sobre o uso da História da Matemática em sala de aula por meio de métodos e procedimentos de problemas históricos. Para tanto, foram realizados três encontros, sendo que em cada encontro foi trabalhado um roteiro de atividades elaboradas conforme as fases de desenvolvimentos da álgebra, além da aplicação um questionário inicial e um final, com o intuito de nos inteirarmos quanto ao perfil dos professores participantes da experiência formativa. A coleta de dados foi realizada por meio dos questionários, vídeos, gravações e diário de bordo. As análises efetuadas evidenciam que a História da Matemática se mostra como fonte capaz de promover uma aprendizagem significativa e compreensiva para a resolução de equações algébricas. Palavras-chave: Educação Matemática. História. Álgebra. Equações algébricas.

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RIBEIRO, Denise Benino Dourado. Using the history of the equations in

processes of teaching and learning of mathematics in basic education. 2015.

135 f. Dissertation (Master in Mathematics Education). Graduate Program in

Mathematics Education Anhanguera University of São Paulo, São Paulo, 2015.

ABSTRACT

This research aims to analyze, through a qualitative study, as the history of

mathematics can contribute to the teaching and learning of Mathematics of Basic

Education. This is a study developed within the research line “Tendências

Internacionais da História e da Filosofia da Matemática e seus reflexos na Educação

Matemática” and is linked to a project of the Programa Observatório da Educação -

OBEDUC entitled “Educação Continuada do Professor de Matemática do Ensino

Médio: Núcleo de Investigações sobre a Reconstrução da Prática Pedagógica”. This

research is based especially in studies of Antonio Miguel, for the pedagogical

potential of the History of Mathematics; in the D'Ambrosio, regarding the importance

and the motivation of the use of history of mathematics in the classroom. For its

achievement, there was a formative experience for teachers of public schools of São

Paulo, participants OBEDUC project, with the intention to present and discuss the

algebra development phases on the basis algebraic equations and reflect with

teachers on the use of history of mathematics in the classroom through historical

problems of methods and procedures. For this, three meetings were held , and in

each meeting was worked a roadmap of activities prepared in accordance with

stages of algebra developments , in addition to applying an initial questionnaire and

an end , in order to acquaint in relation to the profile of the participating teachers the

training experience. Data collection was conducted through questionnaires, videos,

recordings and the logbook. The analyzes show that the history of mathematics is

shown as a source capable of promoting a meaningful and comprehensive learning

for solving algebraic equations.

Keywords : Mathematics Education. History. Algebra. Algebraic equations.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Símbolos e descrições.............................................................................. 54

Quadro 02: Representações e notações..................................................................... 58

Quadro 03: Equações enunciadas por Al-Khwarizmi.................................................. 58

Quadro 04: Resolução do exemplo............................................................................. 59

Quadro 05: Evolução histórica das notações algébricas............................................. 62

Quadro 06: Perfil profissional dos professores participantes...................................... 66

Quadro 07: Considerações dos professores participantes quanto à História da Matemática...............................................................................................

66

Quadro 08: Sobre a relevância do conhecimento algébrico........................................ 68

Quadro 09: Sobre o aprendizado de seus alunos quanto à formação de conceitos algébrico...................................................................................................

68

Quadro 10: Quanto às dificuldades dos alunos em aprender os conceitos algébricos..................................................................................................

69

Quadro 11: Quanto à utilização da História da Matemática como recurso para a formação de algum conceito algébrico.....................................................

69

Quadro 12: Sobre os problemas resolvidos pelo método da “falsa posição”.............. 74

Quadro 13: Opinião dos professores quanto à generalização do roteiro.................... 78

Quadro 14: Sobre as dificuldades de utilização do método babilônio em sala de aula...........................................................................................................

78

Quadro 15: Respostas dos professores sobre a possibilidade de aplicação dos problemas.................................................................................................

79

Quadro 16: Fala de uma professora participante sobre a aplicação dos métodos....................................................................................................

82

Quadro 17: Comentários dos professores sobre a aplicação dos métodos................ 82

Quadro 18: Continuação dos comentários, sobre a aplicação dos métodos.............. 83

Quadro 19: Reflexão de um professor a respeito da lógica dos problemas de Diofanto.....................................................................................................

85

Quadro 20: Falas dos professores que confirmam o argumento oito de Miguel (1997)........................................................................................................

87

Quadro 21: Comentários dos professores sobre o método de Diofanto...................... 87

Quadro 22: Respostas dos professores sobre o procedimento de Al-Khwarizmi..................................................................................................

89

Quadro 23: Comentário de um professor a respeito da demonstração geométrica –Al-Khwarizmi.............................................................................................

92

Quadro 24: Comentários dos professores a respeito da demonstração geométrica................................................................................................

94

Quadro 25: Respostas dos professores quanto à escrita das equações de Viète...... 95

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Quadro 26: Fala de um professor sobre introdução do ponto (.) como símbolo matemático................................................................................................

96

Quadro 27: Respostas dos professores sobre a demonstração de Viète.................... 96

Quadro 28: Comentários dos professores sobre a resolução do método de Viète..... 97

Quadro 29: Sobre a aplicação do método de Viète em sala de aula........................... 97

Quadro 30: Sobre as três fases de desenvolvimento da álgebra................................ 99

Quadro 31: Sobre a utilização da História da Matemática no ensino.......................... 101

Quadro 32: Pontos positivos sobre o uso da História da Matemática como metodologia de ensino..............................................................................

101

Quadro 33: Pontos negativos sobre o uso da História da Matemática como metodologia de ensino..............................................................................

102

Quadro 34: Sobre as potencialidades pedagógicas das três fases............................. 102

Quadro 35: Considerações dos professores sobre a experiência formativa............... 104

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Papiros de Rhind e Moscou ....................................................................... 40

Figura 02: Tableta de argila ......................................................................................... 40

Figura 03: Professores participantes da experiência formativa.................................... 71

Figura 04: Resolução algébrica do problema 24.......................................................... 72

Figura 05: Professora resolvendo problema 27............................................................ 73

Figura 06: Resolução retórica do problema 24............................................................. 74

Figura 07: Resolução algébrica do problema............................................................... 77

Figura 08: Resolução retórica do problema.................................................................. 77

Figura 09: Professores participantes do segundo encontro......................................... 81

Figura 10: Professores participantes do terceiro encontro........................................... 91

Figura 11: Professores realizando atividade................................................................ 93

Figura 12: Professora apresentando resolução do método geométrico – Al -

Khwarizmi....................................................................................................

93

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................14

CAPÍTULO 1.........................................................................................................................22

APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS..........................................................................22

1.1 O uso da História da Matemática em sala de aula.....................................................22

1.2 As potencialidades pedagógicas da História da Matemática.....................................27

1.3 Procedimentos metodológicos...................................................................................35

CAPÍTULO 2.........................................................................................................................39

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ÁLGEBRA........................................................39

2.1 História das equações: fases retórica, sincopada e simbólica...................................48

CAPÍTULO 3.........................................................................................................................65

A INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA.....................................................................................65

3.1 Primeiro encontro.......................................................................................................65

3.1.1 Do questionário inicial.............................................................................................65

3.1.2 Primeiro encontro: fase retórica..............................................................................71

3.2 Segundo encontro: fase sincopada............................................................................81

3.3 Terceiro encontro: fase simbólica..............................................................................91

3.3.1 Do questionário final..............................................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................106

REFERÊNCIAS..................................................................................................................112

APÊNDICES.......................................................................................................................116

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa está vinculada ao projeto 19366 do Programa Observatório da

Educação – OBEDUC, Intitulado “Educação Continuada do Professor de Matemática

do Ensino Médio: Núcleo de Investigações sobre a Reconstrução da Prática

Pedagógica” e se desenvolveu a partir de uma parceria entre a Universidade

Anhanguera de São Paulo (UNIAN) e as Diretorias de Ensino Norte 2, Guarulhos

Norte e Guarulhos Sul do Estado de São Paulo.

O referido projeto, a partir de agora denominado “OBEDUC – Práticas”, tem

como objetivo discutir práticas docentes, promover e analisar o desenvolvimento

profissional de professores de Matemática. Integra esse projeto um grupo de

professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo que participam de

encontros quinzenais para discutir e vivenciar atividades propostas pelos

coordenadores.

Esta investigação, inserida na linha de pesquisa “Tendências Internacionais

da História e da Filosofia da Matemática e seus reflexos na Educação Matemática”,

na Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN) tem como objetivo analisar

como a História da Matemática pode contribuir para o ensino e a aprendizagem da

Matemática da Educação Básica.

A escolha do tema para este trabalho foi influenciada pela minha experiência

acadêmica e pelo meu interesse pessoal. Formei-me no curso de licenciatura em

Matemática em 2004 e especialização em Educação Matemática, na Universidade

Guarulhos/SP, em 2006. Considero relevante o saber algébrico para o

desenvolvimento de minha carreira. Durante a graduação, tive a oportunidade de

cursar a disciplina de Álgebra Linear no programa de verão da Universidade de São

Paulo. Esse fato colaborou para a minha crença sobre a importância da Álgebra,

fortalecendo os meus interesses e despertando a minha curiosidade em saber como

os conceitos algébricos foram formados. Ao término de meus estudos, pude notar

que se tratava de um ramo da Matemática abrangente e indispensável para o

currículo acadêmico. Na especialização em Educação Matemática na Universidade

Guarulhos/SP, tive a oportunidade de realizar um trabalho de monografia que

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15

ressaltou a importância da formação de conceitos algébricos. Em 2008, participei do

curso de Extensão Universitária na modalidade de Difusão: História da Matemática

sob a responsabilidade do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de

São Paulo, despertando ainda mais o meu interesse pelo assunto. Neste presente

momento, como aluna do Programa de Pós- graduação em Educação Matemática

da Universidade Anhanguera de São Paulo - Unian, dou continuidade ao trabalho

iniciado na especialização, utilizando a História da Matemática como instrumento

didático, para resolver problemas matemáticos do cotidiano.

Justifico a escolha do uso da História da Matemática como metodologia pela

crença de que como fonte inesgotável de informação, a História serve, como

referência, à interpretação de fatos do passado que auxiliam na compreensão do

nosso presente.

Segundo D’Ambrosio,

Somente através de um conhecimento aprofundado e global de nosso passado é que poderemos entender melhor nossa situação no presente e, a partir daí ativar nossa criatividade com propostas que ofereçam ao mundo todo um futuro melhor (1999, p. 113).

O uso da História da Matemática como método de ensino, de acordo com

Miguel (1997), já era defendido pelo menos desde o século XVIII, por matemáticos

que consideravam a História como fonte de métodos adequados para o tratamento

didático de certas unidades ou tópicos da Matemática das Educação Básica. Por

exemplo, em 1741, o francês Alexis Claude Clairaut (1713-1765) em sua obra

“Eléments de Geometrie” propõe um caminho alternativo para o ensino de geometria

com base na História, pois acreditava que sua obra percorria um caminho parecido

com aquele que a humanidade percorreu na aprendizagem das leis e conceitos

matemáticos. (MIGUEL, 1997).

No século XX, Felix Klein (1949-1925) também demonstra sua preocupação

com o uso da História da Matemática. Em sua obra “Elementary Mathematics from

an Advanced Standpoint”, publicada em 1908, o matemático alemão, expressa em

seu prefácio sua satisfação em seguir o desenvolvimento histórico de várias teorias,

confrontando o método de produção das teorias matemáticas com o

Page 16: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

16

desenvolvimento histórico das mesmas e o método pedagógico que costumavam ser

apresentadas (MIGUEL, 1997).

Poincaré (1854-1912) também defendia o uso da História da Matemática

como recurso pedagógico, pois para ele “Não é suficiente duvidar de tudo, é preciso

saber por que se duvida” (apud MIGUEL, 1997, p.89).

Assim sendo, Miguel (1997) conclui que:

[...] com Poincaré, a função didática da história assume uma dimensão psicológica que consiste na possibilidade de se trazer para o plano de consciência do aprendiz a necessidade de submissão aos padrões atualizados de rigor. A função didática da história é psicológica, mas o objetivo que se busca é estritamente epistemológico (p.89 – 90).

Euclides Roxo (1890-1950), em 1929, no prefácio de seu livro Curso de

Mathematica Elementar, v.1, faz referências ao uso da História como recurso

pedagógico, porém segundo Miguel e Miorin (2005) ao analisar a obra de Roxo, não

foi possível identificar a presença do método histórico na elaboração da mesma,

submetendo os autores a refletir sobre as possibilidades implícitas da existência de

formas de participação da História no método de ensino e de aprendizagem da

Matemática na Educação Básica.

Como ocorre no texto de Clairaut, é possível considerar que a história pode ser um elemento orientador na elaboração de atividades e situações-problemas, de seleção e sequenciamento de tópicos de Matemática em livros didáticos, sem que elementos históricos sejam explicitamente colocados (MIGUEL e MIORIN, 2005, p. 44).

Durante o 4º Congresso Internacional de Educação Matemática (4th ICME), o

professor Meserve, da Universidade de Vermont, fez seus apontamentos quanto ao

uso da História da Matemática e a resolução de problemas, afirmando que “a história

da matemática é útil, antes de tudo, como um auxílio para a compreensão de tópicos

que já fazem parte do currículo. Matemática desenvolvida a partir de técnicas de

resolução de problemas práticos”. (MESERVE apud MIGUEL e MIORIN, 2005, p. 45)

No 5º Congresso Internacional de Educação Matemática (5th ICME), realizado

na cidade de Adelaide, Austrália, 1984, surgiu a proposta de vincular a resolução de

problemas com a História da Matemática, propondo que a Matemática seja ensinada

por meio de resolução de problemas históricos.

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Assim como ocorreu nas edições do ICME, os Parâmetros Curriculares

Nacionais – PCN, no final da década de 90, reconhecem a resolução de problemas

como um de seus alicerces e procuram justificativas relacionadas ao

desenvolvimento histórico da Matemática para confirmar a importância do trabalho

com problemas históricos.

A própria História da Matemática mostra que ela foi construída como resposta a perguntas provenientes de diferentes origens e contextos, motivadas por problemas de ordem prática (divisão de terras, cálculo de créditos), por problemas vinculados a outras ciências (Física, Astronomia), bem como por problemas relacionados a investigações interna à própria matemática (BRASIL, 1998, p.40).

Ainda de acordo com os PCN (BRASIL, 1998), educadores matemáticos

consideram a resolução de problemas como ponto de partida da atividade

Matemática e que o conhecimento matemático adquire significado quando os alunos

encontram situações desafiadoras que possibilitam o desenvolvimento de

estratégias de resolução.

Para resolver certo tipo de problema são construídas aproximações

sucessivas de um conceito. Posteriormente, o aluno aplica esse conhecimento para

resolver outros, passando pelos procedimentos de modificações, correções,

rupturas, conforme um processo análogo ao que se pode verificar na História da

Matemática (BRASIL, 1998).

Sendo a Álgebra um dos campos fundamentais da Matemática; faz-se

necessário que o aluno tenha conhecimento da linguagem algébrica, desenvolvendo

habilidade para fazer generalizações, aumentando seu desempenho em atividades

matemáticas que necessitem de abstração. Muitos problemas do cotidiano advêm de

questões algébricas envolvendo equações de primeiro e segundo grau.

Na busca de auxiliar os processos de ensino e de aprendizagem de

determinados conceitos algébricos, procurou-se na História da Matemática recurso

para a elaboração de atividades envolvendo equações de primeiro e segundo grau,

por meio de problemas históricos.

O escritor Nesselmann, citado por LINS e GIMENEZ (1997, p. 92), classifica

as fases de desenvolvimento da álgebra numa análise cronológica, tendo como

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18

ponto de partida a fase retórica (verbal), passando pela sincopada (abreviações de

palavras) e chegando até a simbólica que passou por várias transformações até se

tornar estável.

A fase retórica é definida pela descrição de procedimentos, em que

orientações verbais produzidas eram aplicadas a um processo de casos específicos.

A álgebra babilônica, egípcia e a álgebra geométrica grega pertenciam à fase

retórica.

Com a ocupação romana, a Matemática grega parou de se desenvolver e,

somente no século III d.C. ganhou novo impulso com as contribuições do

matemático grego Diofanto de Alexandria (250 d.C.)1, que inseriu a Álgebra na fase

sincopada, sendo particular o uso de abreviações de palavras para escrita de

equações.

Segundo Baumgart (1992) a fase sincopada, iniciada por Diofanto, adquiriu

outras representações com Brahmagupta (628 d.C.). A solução das equações de

segundo grau pelo procedimento de completar quadrados foi desenvolvida pelos

algebristas hindus, assim como os primeiros procedimentos gerais para a solução

das equações indeterminadas. Os matemáticos Brahmagupta e Bhaskara (1150

d.C.) deram atenção especial à equação de Pell (y² = ax² + 1, em que a é um

número inteiro não quadrado perfeito).

A invasão e a conquista da Índia, Pérsia, Mesopotâmia, Norte da África e

Espanha, pelos povos árabes, foi encorajada pela ascensão do islamismo,

permitindo o acesso às produções cientificas dos gregos e hindus que, traduzidas

para o árabe, foram preservadas durante a Idade Média. A álgebra européia iniciou

seu desenvolvimento por meio do acesso as traduções para o latim de publicações

dos gregos, árabes e hindus, e especialmente pela obra “Liber abaci” (1202) de

Fibonacci (Leonardo de Pisa).

A fase simbólica iniciou-se por volta de 1500 com as contribuições do francês

François Viète (1540 – 1603). Viète introduziu um cálculo com letras, iniciando assim

a era das fórmulas em Matemática. Sua obra favoreceu a criação da geometria

1 Existem controvérsias quanto a data de nascimento de Diofanto, adotaremos neste trabalho a data 250 d.C (LORIA, 1929, p.108).

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19

analítica do filósofo René Descartes (1596 – 1650) tornado a álgebra completamente

simbólica.

Apesar de todo o desenvolvimento da Álgebra, iniciado com os babilônios e

os egípcios por volta de 1700 a.C., ainda na década de 1990 os livros textos não se

preocupavam em apresentar os conteúdo de álgebra de uma forma mais didática

para seus leitores, pois possuíam uma linguagem que cuidava mais da

sistematização do que dos significados dos conceitos algébricos. Nos dizeres de

Lins e Gimenez,

[...] isso é praticamente tudo que encontramos na quase total maioria dos livros didáticos disponíveis no mercado brasileiro, e essa é uma situação bastante ruim. O que é, talvez, até pior é que essa prática não se baseia em investigação ou reflexão de qualquer natureza ou profundidade, apenas em uma tradição, tradição essa que estudos e projetos de todos os tipos, e por todo o mundo – inclusive no Brasil – já mostraram ser ineficaz e mesmo perniciosa à aprendizagem (1997, p. 106).

De acordo com Ribeiro (2001), sabemos que, em pesquisas e mesmo em

livros didáticos, o que acontece com a Álgebra é, na maioria das vezes, um exagero

de utilização mecânica dos símbolos, que transmite a falsa ideia de facilidade, porém

que com o passar do tempo revela-se ineficaz e sem aplicabilidade da mesma.

Gil (2008) aponta em sua pesquisa que a Álgebra nos dias atuais ocupa um

papel privilegiado nos livros didáticos, porém os cuidados a respeito do seu ensino

não foram consideráveis para diminuir o problema das dificuldades e compreensão

dos seus conceitos e procedimentos.

Os livros didáticos compõem ferramentas pedagógicas a alunos e

professores, servindo de apoio aos professores em suas aulas, tendo como objetivo

principal promover a aprendizagem. Para tanto, Pacheco (2011) destaca que as

coleções que são aprovadas para participar do Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD) precisam estar de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais Oficiais,

em concordância com as tendências atuais de ensino. Neste sentido o autor ressalta

que no ano de 2008, a maioria, dos livros de Matemática participante do PNLD para

o Ensino Médio, apresentou a História da Matemática como um recurso para os

processos de ensino e de aprendizagem.

Page 20: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

20

Como os autores citados, concordamos que o ensino da Álgebra merece um

cuidado especial, pois a formação de conceitos algébricos e dos significados dos

conceitos é fundamental para a aprendizagem escolar, uma vez que posteriormente

esses conceitos serão utilizados para a aprendizagem de novos conceitos e na

solução de problemas.

Assim, justificamos nossa escolha em apresentar a formação de conceitos

algébricos, em especial a equação de primeiro e segundo grau, tendo a História da

Matemática como recurso para resolver problemas por meio de métodos e

procedimentos2 históricos.

Antonio Miguel (1997) aponta alguns argumentos que considera reforçadores

das potencialidades pedagógicas da História da Matemática. Dentre eles, constata

seu uso como elemento motivador e como fonte de métodos e procedimentos para o

ensino e a aprendizagem da Matemática.

Dentro dessa perspectiva, esta investigação pretende responder a seguinte

questão: de que maneira a História da Matemática pode auxiliar os professores nos

processos de ensino e de aprendizagem da matemática da educação básica?

Especificamente, como a História das equações algébricas, considerando as

três fases de desenvolvimento da álgebra, qual sejam, a retórica, a sincopada e a

simbólica, pode auxiliar no ensino das equações de primeiro e segundo grau na sala

de aula? Quais das potencialidades pedagógicas da História da Matemática

puderam ser observadas durante a experiência formativa de que se trata esta

pesquisa?

Nesse sentido, esta pesquisa, de cunho qualitativo, tem como principal

objetivo analisar como a História da Matemática pode contribuir para o ensino e a

aprendizagem da Matemática da Educação Básica.

Especificamente, pretende-se verificar a contribuição da História da formação

de conceitos algébricos nos processos de ensino e aprendizagem em uma

2 Nesta investigação, utilizamos o termo método como o caminho para se atingir um determinado

fim e procedimentos como os modos específicos com os quais operacionalizamos o método (LUCKESI, 1994).

Page 21: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

21

experiência formativa, com professores de Matemática da rede pública de ensino do

Estado de São Paulo, por meio de atividades que se utilizam de alguns fatos da

História das equações de primeiro e segundo grau do cotidiano escolar.

Ainda, verificar as potencialidades pedagógicas da História da Matemática na

sala de aula por meio de métodos e procedimentos históricos em conformidade com

o desenvolvimento histórico da álgebra.

Para tanto, elaboramos um questionário de caráter diagnóstico que foi

aplicado no início dos encontros realizados nas dependências da Diretoria de Ensino

Norte 2, com o intuito de verificar qual a opinião desses professores sobre o

conhecimento algébrico e sobre o uso da História da Matemática como recurso

metodológico. Em seguida, desenvolvemos o processo formativo que consistiu em

apresentação e realização de práticas relativas à História das três fases do

desenvolvimento da álgebra. Após o término dessas atividades, os sujeitos

participantes responderam a um questionário final referente às questões discutidas

durante os encontros realizados.

Para a realização deste estudo, o primeiro capítulo apresenta os aportes

teóricos e metodológicos que sustentam esta investigação, notadamente sobre o

uso da História da Matemática em sala de aula e suas potencialidades pedagógicas.

O segundo capítulo trata do desenvolvimento histórico da álgebra e das

equações de primeiro e segundo grau para, posteriormente verificar como essa

História pode auxiliar na formação continuada de professores de Matemática.

Já o terceiro capítulo, diz respeito às atividades desenvolvidas durante o

processo formativo. Descreve e analisa os dados obtidos por meio dos questionários

aplicados e as intervenções efetuadas pelos professores participantes durante o

desenvolvimento das atividades efetuadas.

Finalizando esta dissertação, apresentamos nossas conclusões e sugestões

para futuras pesquisas.

Page 22: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

22

CAPÍTULO 1

APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS

1.1 O uso da História da Matemática em sala de aula

Na busca dos fundamentos teóricos que justificassem o uso da História da

Matemática e sua aplicação na sala de aula, encontramos importantes contribuições

em D’Ambrosio (1996; 1999), Miguel (1997), Miguel e Miorin (2005), Nobre (1996),

Radford (2011), Mendes (2001), Bicudo (1999) e Baroni e Nobre (1999), que nos

auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa e que são discutidos neste tópico.

A História da Matemática é um importante recurso para o ensino e a

aprendizagem da Matemática na Educação Básica, pois está relacionada com várias

situações dentro da construção do conhecimento. O contato com o passado pode

ser uma ação bastante interessante para abordar conceitos matemáticos em sala de

aula, podendo ser apresentada de forma lúdica com problemas curiosos “enigmas”,

como introdução de um conteúdo ou atividades complementares de leitura e como

fonte de pesquisa e conhecimento geral.

Para justificar a importância da História da Matemática na abordagem dos

conceitos matemáticos destacamos o pensamento de Ubiratan D’Ambrosio (1999):

As práticas educativas se fundam na cultura, em estilos de aprendizagem e nas tradições, e a história compreende o registro desses fundamentos. Portanto, é praticamente impossível discutir educação sem recorrer a esses e a interpretação dos mesmos. Isso é igualmente verdade ao se fazer o ensino das várias disciplinas. Em especial da Matemática, cujas raízes se confundem com a história da humanidade (p. 97).

É evidente que a História da Matemática permite mostrar que a Matemática

tem um crescimento histórico, que está relacionada com a História da humanidade,

estando presente em todas as ações humanas, sendo indispensável fazer História

Page 23: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

23

do conhecimento, História da Matemática vista, que em geral é produzida pelas

necessidades práticas sendo desenvolvida para atender a certas buscas da

sociedade.

O uso da História da Matemática como instrumento de apoio ao ensino e

aprendizagem da Matemática não é recente, vem sendo estudado e pesquisado por

investigadores e também professores interessados em promover uma compreensão

mais significativa da Matemática.

Segundo Costa Junior (2010), atualmente essas pesquisas têm angariado

destaque no cenário educacional, por meio de produções de artigos, dissertações e

teses defendidas, além de um número relevante de encontros, congressos e

seminários realizados na área.

Baroni, Teixeira e Nobre são exemplos de autores que justificam a

importância de pesquisas com relação ao uso da História da Matemática em sala de

aula, pois

[...] o ensino da História da Matemática tem obtido reais avanços no âmbito das universidades, mas ainda são bastante tímidas as iniciativas ou o interesse em levar a História da Matemática a alunos de Ensino Fundamental e Médio (BARONI, TEIXEIRA e NOBRE, 2004, p.171).

Baroni e Nobre (1999) consideram que a História da Matemática não deve ser

usada apenas como elemento motivador ao desenvolvimento do conteúdo: “sua

amplitude extrapola o campo da motivação e engloba elementos cujas naturezas

estão voltadas a uma interligação entre o conteúdo e sua atividade educacional”

(p.132).

Nobre (1996) atenta para o fato que muitos estudos matemáticos são

conduzidos como se fossem de fácil compreensão, de forma natural e apresentados

como privados de erros e dificuldades. Nessa percepção, o autor aponta a

necessidade de o professor atentar que a forma acabada na qual hoje se encontra o

conceito matemático, oculta alterações sofridas ao longo de sua História e que isso

deve ser levado em conta na elaboração de atividades para aprendizagem, já que a

forma como um assunto é abordado intervém na sua compreensão. Nesse sentido,

esta investigação comunga com as ideias de Nobre (1996), pois acreditamos que

Page 24: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

24

uma abordagem didática por meio da História da Matemática pode auxiliar na

compreensão de conceitos matemáticos.

Para Miguel (1997) deve-se realizar uma reconstituição dos contextos

epistemológicos, psicológicos, sociopolítico, e cultural e não apenas dos resultados

matemáticos. Dessa forma, os alunos atentariam onde e como esses resultados

foram elaborados, colaborando para a determinação das relações que a Matemática

consegue criar com a sociedade em geral, com as distintas atividades teóricas

específicas e com as ações produtivas. O autor também considera que a Matemática

vista nos currículos oficiais e nos manuais didáticos, apresenta os conteúdos como

reprodução de resultados sem contextualização. Para tanto, o professor deve

apresentar a História da Matemática em sala de aula como uma criação humana,

induzindo os alunos a estudá-la como fruto da necessidade do homem. Dessa

maneira, o conteúdo articulado à História pode estimular o interesse nos alunos.

Também considera que a História pode apresentar o ensino e a aprendizagem da

Matemática da Educação Básica, por intermédio da compreensão e da significação,

proporcionando ao aluno compreender também que o conhecimento matemático é

produzido historicamente.

Neste sentindo, Radford (2011) considera que a construção histórica do

conhecimento matemático é uma das abordagens atuais resultantes de estudos de

Educação Matemática. Para o autor, a investigação epistemológica histórica ajuda a

compreender melhor as dificuldades cognitivas dos alunos, assim como analisar de

maneira adequada os erros e concepções incorretas que aparecem quando

aprendem conteúdos específicos da Matemática, além disso, a tomar decisões

baseadas no conhecimento que está sendo ensinado; de modo especial, tal

abordagem pode possibilitar o surgimento de novos meios de estruturar e vincular

este conhecimento na sala de aula. O autor ainda considera que os resultados da

investigação epistemológica didático-histórico podem favorecer em novas maneiras

de pesquisa didática, proporcionando um entendimento importante quanto aos

conceitos incluídos nos currículos atuais, destacando que a pesquisa histórica pode

exercer papel importante em programas de formação inicial e continuada de

professores. Praticamente, na maioria das vezes, os professores possuem uma

Page 25: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

25

concepção sob o conteúdo matemático que eles ensinam procedente da formulação

matemática contemporânea do conteúdo analisado. Contudo, essa formulação

contemporânea resulta de um longo caminho de mudanças e transformações

conceituais que nem sempre é o melhor ponto de partida para os alunos. Porém, na

ausência de outras possibilidades, a formulação contemporânea torna-se sua única

opção de conteúdo a ser ensinado, em sua organização e desenvolvimento com

outros conhecimentos.

Conforme D’Ambrosio (1996) a História da Matemática no ensino deve ser

analisada, sobretudo especialmente pelo seu valor de motivação para a Matemática.

Devem-se realizar atividades interessantes que despertem a curiosidade, assim

motivando alguns alunos. Ainda segundo o autor, as atividades não devem dar a

impressão de um desfilar de nomes, datas, resultados, casos, fatos, que se está

ensinando a origem de resultados e teorias matemáticas. Sabemos que as

necessidades e as ideias vão se organizando ao longo da História, em tempos e

lugares difíceis de serem localizados. Com o tempo as ideias vão se organizando, e

tomando corpo, e sendo identificadas, a partir daí entram para a “História”, mas não

nascem assim. Também considera que a História da Matemática ajuda a definir o

que se entende por Matemática. Ensinar a Matemática pesquisando a sua História é

abordá-la como uma apresentação cultural.

Uma percepção da história da matemática é essencial em qualquer discussão sobre a matemática e o seu ensino. Ter uma ideia, embora imprecisa e incompleta, sobre por que e quando se resolveu levar o ensino da matemática à importância que tem hoje são elementos fundamentais para se fazer qualquer proposta de inovação em educação matemática e educação em geral [...] (D’AMBROSIO, 1996, p. 29).

Desse modo, a História da Matemática e sua compreensão podem ser vistas

como essencial à Educação Matemática, pois

[...] não é necessário que o professor seja um especialista para introduzir História da Matemática em seus cursos. Se em algum tema o professor tem uma informação ou sabe de uma curiosidade histórica, deve compartilhar com os alunos. Se sobre outro tema ele não tem o que falar, não importa. Não é necessário desenvolver um currículo, linear e organizado, de História da Matemática. Basta colocar aqui e ali algumas reflexões. Isto pode gerar muito interesse nas aulas de Matemática. E isso pode ser feito sem que o professor tenha se especializado em História da Matemática (D’AMBROSIO, 1996, p. 13).

Page 26: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

26

Bicudo (1999) considera que o estudo da História das aplicações da

Matemática e de sua utilização nos mais diversos campos da sociedade – para além

da História das grandes descobertas – pode ser de grande alcance tanto para a

elaboração dos currículos como para dar suporte à ação do professor na sala de

aula.

Ao longo dos últimos anos um dos possíveis e maiores problemas que o

ensino da Matemática vem apresentando parece estar relacionado ao fato de que a

maioria das pessoas, inclusive muitos professores de Matemática, apresentam um

entendimento de uma Matemática perfeita, pronta e acabada, sem levar em

consideração fatos históricos envolvidos no desenvolvimento da mesma. Segundo

Miguel e Miorin (2005):

Os defensores desse ponto de vista acreditam que a forma lógica e emplumada através da qual o conteúdo matemático é normalmente exposto ao aluno não reflete o modo como esse conhecimento foi historicamente produzido (MIGUEL e MIORIN, 2005, p. 52).

Esse pensamento equivocado da Matemática por parte de alguns professores

pode conduzir a uma mistificação do conhecimento matemático e da própria

Matemática, afetando de maneira direta a formação de seus alunos. Nesse sentido a

História da Matemática pode contribuir para minimizar esse equivoco

proporcionando ao professor o conhecimento de uma Matemática que evoluiu ao

longo do tempo.

Para Mendes (2001) este problema está relacionado à maneira como os livros

didáticos apresentam as referências históricas ou como são abordados durante a

formação dos professores, pois estes não os levam a uma compreensão significativa

do assunto para que possam utilizá-los em sua prática.

A História da Matemática como metodologia de ensino permite trabalhar

questões em sala de aula relativas às necessidades humanas que proporcionaram a

origem dos conceitos matemáticos e as produções teóricas decorrentes das

abstrações e generalizações realizadas.

Abordando a História da construção de conceitos matemáticos podemos

propiciar uma visão da produção Matemática, revelando que a Matemática é um

Page 27: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

27

produto da cultura humana, sendo possível perceber que essa ciência percorreu um

longo caminho na História da humanidade, passando por várias fases de seu

processo evolutivo.

Assim, a História da Matemática nos possibilita conhecer e entender como os

conceitos matemáticos foram construídos ao longo do tempo em diversas

civilizações. O mesmo ocorre com a formação de conceitos algébricos que podem

ser articulados à História, estimulando e motivando o interesse dos alunos em

conhecer como e por que determinados conceitos surgiram ao longo dos tempos,

suas necessidades, desafios e obstáculos enfrentados, estimulando o espírito crítico,

fazendo com que os mesmos compreendam melhor as teorias e os teoremas,

desenvolvidos na Matemática.

Antonio Miguel (1997) contribui com um importante aporte teórico,

apresentando potencialidades pedagógicas sobre os diversos modos de se utilizar a

História da Matemática, as quais utilizamos como fundamento principal para nossas

análises. Esse aporte teórico será discutido na próxima seção.

1.2 As potencialidades pedagógicas da História da Matemática

Antonio Miguel (1997) apresenta argumentos que apontam as potencialidades

pedagógicas da História da Matemática para o ensino e aprendizagem de conceitos

matemáticos. Com base na analise de literaturas pertinentes ao assunto, faz menção

a doze argumentos reforçadores para o uso da História da Matemática em sala de

aula, a saber:

1. A História como uma fonte de motivação para o ensino e aprendizagem da

Matemática;

2. A História como uma fonte de objetivos para o ensino da Matemática;

3. A História como uma fonte de métodos para o ensino e aprendizagem da

Matemática;

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28

4. A História como uma fonte para seleção de problemas práticos, curiosos,

informativos e recreativos a serem incorporados nas aulas de Matemática;

5. A História como um instrumento que possibilita a desmistificação da

Matemática e a desalienação de seu ensino;

6. A História como um instrumento de formalização de conceitos matemáticos;

7. A História como um instrumento de promoção do pensamento

independente e crítico;

8. A História como um instrumento unificador dos vários campos da

Matemática;

9. A História como um instrumento promotor de atitudes e valores;

10. A História como um instrumento de conscientização epistemológica;

11. A História como um instrumento que pode promover a aprendizagem

significativa e compreensiva da Matemática;

12. A História como um instrumento que possibilita o resgate da identidade

cultural.

O primeiro argumento de Miguel (1993) refere-se à História como uma fonte

de motivação para o ensino e aprendizagem da Matemática, tendo como destaque

alguns matemáticos que recorrem a esse argumento para justificar o uso da História

da Matemática no processo ensino-aprendizagem da Matemática, sejam eles:

Simons (1923), Hassler (1929), Meserve (1980), Swetz (1989), entre outros. Os

seguidores desse ponto de vista consideram que o conhecimento histórico do

desenvolvimento da Matemática, despertaria a curiosidade do aluno quanto ao

conteúdo que está sendo ensinado. Os mais inocentes, chegam a conceder um

poder quase mágico à História, poder esse de modificar a conduta do aluno quanto à

Matemática. Miguel atenta para o fato de que se esse fosse o caso, o ensino da

própria História seria motivador, de modo que os professores de História não teriam

dificuldades em despertar o interesse de seus alunos e muito menos de fazê-los

compreender a sua importância, a sua natureza, bem como seus objetivos e

Page 29: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

29

processos. Os autores que defendem esse ponto de vista, infelizmente possuem

uma perspectiva mecanicista da motivação. Entende-se que o argumento motivação

torna-se questionável quanto a sua justificativa para a integração da História no

ensino.

O segundo diz respeito a História como uma fonte de objetivos para o ensino

da Matemática, que tem como principal defensor o matemático Jones (1969), a

quem defende a utilização adequada da História, de maneira associada a um

conhecimento atualizado da Matemática e de suas utilizações, de modo que levem

os alunos a perceber alguns objetivos: a Matemática como criação humana; os

motivos tal quais as pessoas concebem a Matemática; as necessidades práticas,

sociais, etc, que estimulam o aprimoramento das ideias matemáticas; os contatos

existentes entre a Matemática e a filosofia, religião, lógica, etc; o interesse

completamente intelectual que pode levar ao desenvolvimento e ampliação de

conceitos e teorias; os conhecimentos que os matemáticos possuem do próprio

objeto matemático, os quais se alteram e se aprimoram ao longo do tempo; a

característica de uma estrutura, de uma axiomatização e de uma prova. É evidente,

que tais objetivos não podem ser todos alcançados segundo qualquer reconstituição

histórica das diversas noções e conceitos matemáticos, porém é na argumentação

dessa perspectiva que se mostra o poder da História para um ensino-aprendizagem

da Matemática com fundamento na compreensão e na significação.

O terceiro trata da História como uma fonte de métodos para o ensino e

aprendizagem da Matemática, que tem como defensores os que acreditam que

poderíamos encontrar contribuições na História da Matemática para escolhermos

procedimentos pedagogicamente apropriado e relevante que permeassem temas

tais como: resolução de equações e sistemas de equações, determinação de área

de um círculo, construção de polígonos regulares, etc. Esse ponto de vista já era

defendido pelo menos desde o século XVIII. Com o objetivo declarado de facilitar o

dever daqueles que deveriam começar no estudo da geometria, o matemático

francês Alexis Claude Clairaut, demonstrou essa preocupação em sua obra

“Eléments de Geometrie” publicada em 1741. Em sua obra Clairaut apresenta o

ensino da geometria com base na História, traçando caminhos semelhantes aquele

Page 30: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

30

percorrido pela humanidade na aprendizagem das leis e conceitos matemáticos. No

século XX Felix Klein, matemático alemão, revela uma posição semelhante no

prefácio de seu livro “Elementary Mathematics from na Advanced Standpoint”

publicado em 1908 – onde declara:

[...] deu-me um prazer especial seguir o desenvolvimento histórico de várias teorias a fim de compreender as marcantes diferenças nos métodos de apresentação quando confrontados com os demais métodos presentes na instrução atual (KLEIN, 1945, prefácio, apud MIGUEL, 1992, pg. 79).

Klein revela ter se deixado levar por um gosto especial em confrontar o

método de produção das teorias matemáticas, o qual pode ser alcançado pela

análise e desenvolvimento histórico das mesmas. Destaca que a importância

pedagógica da História está vinculada à questão da escolha de métodos adequados

de ensino-aprendizagem dos conceitos matemáticos. Para ele apenas o método

histórico apresenta o potencial necessário para se alcançar o ideal pedagógico de

conduzir a juventude a pensar cientificamente, o que se refleti no objeto e no

objetivo de toda educação efetivamente científica.

Não podemos desconsiderar a concepção positivista da História, ainda hoje,

implícita a esse ponto de vista. Para Miguel seria mais coerente defender a

existência de diversas maneiras de se realizar a reconstituição histórica, todas com

base em vestígios históricos, do que histórias incertas ou de pouca credibilidade.

O quarto argumento refere-se à História como uma fonte para seleção de

problemas práticos, curiosos, informativos e recreativos a serem incorporados nas

aulas de Matemática. Esse ponto de vista traz a busca por métodos motivadores

para as aulas de Matemática por meio da História. Onde esses métodos são

entendidos de maneira simplesmente externa ao conteúdo do ensino, e de maneira

vinculada e produzida na prática intelectual da solução de um problema. O professor

Meserve (1980), da Universidade de Vermont, durante o 4º ICME (Congresso

Internacional de Educação Matemática) apresenta a importância da associação de

duas tendências em educação Matemática: a que coloca em destaque a

necessidade pedagógica da História da Matemática e a que vê a resolução de

problemas como foco didaticamente eficaz para a aprendizagem da Matemática. No

ponto de vista de Meserve a História da Matemática se faz útil, primeiramente, como

Page 31: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

31

um auxílio para a compreensão de tópicos pertencentes ao currículo, Matemática

realizada a partir de métodos de resolução de problemas práticos. No 5º ICME,

surge a proposta de vincular a resolução de problemas com a História da

Matemática, propondo que a Matemática seja ensinada por meio de resolução de

problemas históricos. Swetz (1989) destaca que os problemas históricos motivam

porque: 1) permitem o entendimento e a contribuição de diversos conceitos que

estão sendo abordados; 2) transfere informação cultural e sociológica; revelam as

preocupações práticas ou teóricas das diversas culturas em diversos momentos

históricos; 3) consiste em meio de analisar a habilidade Matemática de nossos

ancestrais; 4) permite revelar a existência de uma comparação ou continuidade entre

concepções e métodos matemáticos do passado com o presente. Miguel destaca

que as mesmas criticas aplicadas à História como motivação aplicam-se a

vinculação da História e problema, pois essa vinculação não os coloca em grau de

vantagens que os demais, uma vez que o fato do problema ser motivador não

consisti em ele ser histórico ou não, mas sim no grau de desafio que esse problema

desperta no aprendiz.

O quinto argumento apresenta a História como um instrumento que possibilita

a desmistificação da Matemática e a desalienação de seu ensino. Um dos

defensores desse ponto de vista é o professor de Matemática e grande historiador

dessa ciência Morris Kline, que aponta para o fato de que o modo como

normalmente o conteúdo matemático é ensinado não revela o modo como esse

conceito foi historicamente produzido. Logo, convêm à História assegurar essa

conformidade desmistificando, deste modo, os cursos regulares de Matemática que

conduz uma falsa impressão de que a Matemática é coerente, que está pronta e

acabada, etc. Desse modo os cursos regulares de Matemática ocultam os

obstáculos dos processos criativos, as desilusões e o longo e trabalhoso caminho

que os matemáticos tiveram que percorrer para chegar a uma estrutura significativa.

O sexto argumento revela a História como um instrumento de formalização de

conceitos matemáticos. De acordo com Ferreira et al., (1992) a formalização é um

processo de traçar caminhos para se chegar a um determinado fim. Neste sentido,

segundo os autores, a História torna-se um recurso indispensável para a

Page 32: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

32

formalização de conceitos, pois é no desenvolvimento histórico da Matemática que

percebemos as diferentes formalizações de um mesmo conceito. Comparado a uma

aprendizagem significativa, deseja-se que o estudante adquira uma visão dessas

diferentes formalizações (MIGUEL, 1997).

O sétimo argumento reporta-se à História como um instrumento de promoção

do pensamento independente e crítico. Quem defende esse argumento, segundo

Miguel (1997), considera que o objetivo pedagógico da História é uma reconstrução

racional da História da Matemática, ou seja, o puro jogo dialético das ideias apartado

da realidade social.

Porém, Miguel atenta para o fato de que essa reconstrução racional da

História da Matemática evidencia uma problematização, pois

Nela, as ideias, processos e métodos aparecem voluntariamente desligados do contexto social mais amplo de sua produção, fazendo com que tal contexto desempenhe um papel pouco significativo [se é que desempenha algum papel] para a constituição da destilação (MIGUEL, 1997, p. 85).

O autor acredita que o objetivo de formar cidadãos com base na construção

do pensamento independente e crítico, requer um entendimento de problematização

pedagógica do conhecimento matemático que não se limite apenas à questão lógica

e epistemológica da produção desse conhecimento.

O oitavo argumento de Miguel, aponta a História como um instrumento

unificador dos vários campos da Matemática. De acordo com os defensores desse

argumento, somente a História poderia fornecer uma visão globalizada da

Matemática por meio do relacionamento de seus variados campos. Morris Kline

(1908-1992), afirma que:

Os cursos usuais apresentam segmentos da matemática que parecem ter pouca relação entre si. A história pode fornecer uma perspectiva para a matéria como um todo e relacionar os conteúdos dos cursos não apenas uns com os outros como também com o corpo, com o núcleo principal do pensamento matemático (KLINE, apud MIGUEL, 1997, p. 88).

Nesse sentido, Kline condiciona a relevância da existência desses campos a

uma possível contribuição que eles possam trazer para a conservação da unidade

interna da Matemática.

Page 33: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

33

Ainda de acordo com Kline (apud MIGUEL, 1997), o modo de contribuir para a

manutenção da unidade interna do conhecimento matemático, seria tomar ciência

das conquistas realizadas no passado, das tradições e dos objetivos da Matemática,

de maneira a conduzir a pesquisa nesse âmbito a caminhos promissores.

O nono argumento refere-se à História como instrumento promotor de atitudes

e valores. Miguel (1997) menciona novamente as ideias de Kline para justificar essa

potencialidade da História. Kline defende a importância de se eliminar a divergência

entre o modo como a Matemática é apresentada ao estudante e o modo como ela

foi, na verdade, produzida. Nesse sentido, não se deve esconder do aluno os erros,

as lacunas, e as incertezas que os grandes matemáticos enfrentaram na produção

do conhecimento, uma vez que, a exposição das dificuldades enfrentadas pelos

matemáticos, em seu ofício, pode promover o desenvolvimento de atitudes positivas

nos alunos, tais como aquelas presentes na essência da formação e da prática do

pensamento científico, coragem para enfrentar problemas e persistência na busca

de soluções.

O décimo argumento, intitulado A História constitui-se num instrumento de

conscientização epistemológica, foi inspirado na obra “Science et Methode” de

autoria do matemático e filósofo Henri Poincaré (1854 – 1912), especificamente, no

capítulo intitulado “Les Definitions Mathematiqes et L’enseignement”. Nele, Poincaré

apresenta como questão central: “por que as crianças frequentemente não

conseguem compreender aquelas definições que satisfazem aos matemáticos?”

(MIGUEL, 1997, p.89)

Para responder tal questionamento, Poincaré discute o papel do rigor e da

intuição no ensino da Matemática. Para ele, recorrer à História é mais uma ajuda

que o professor deve considerar, devido à imaturidade psicológica do aluno. Nesse

aspecto, segundo Poincaré, é praticamente inevitável que o professor não siga os

padrões atualizados de rigor, para fazê-lo no momento oportuno. Mais tarde, quando

o pensamento do aluno estiver acostumado com o raciocínio matemático, as dúvidas

surgirão naturalmente e a demonstração será bem vinda, de modo que “não é

suficiente duvidar de tudo, é preciso saber porque se duvida” (apud Miguel, 1997, p.

89).

Page 34: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

34

Essa afirmação revela uma preocupação de Poincaré em não preocupar a

mente do aluno com os padrões atualizados de rigor a todo custo, mas em ensinar a

Matemática, recorrendo a procedimentos que estimulem a formação da consciência

da necessidade de se sujeitar a esses padrões. Esse papel pedagógico e

conscientizador são de incumbência da História, ou seja, a obrigação didática da

História é psicológica, porém o objetivo a ser alcançado é exclusivamente

epistemológico.

O décimo primeiro argumento nos aponta a História como instrumento que

pode promover a aprendizagem significativa e compreensiva da Matemática. Para

esse argumento Miguel (1997) fez uso do ponto de vista de Zúñiga (1988):

Não se trata de fazer uma referencia histórica de duas linhas ao iniciar um capítulo, mas de realmente usar a ordem histórica da construção matemática para facilitar uma melhor assimilação durante a reconstrução teórica. Isso é central (apud, MIGUEL, 1997, p. 90).

Não se deve, entretanto, efetuar a simples reprodução da ordem histórica dos

conceitos matemáticos, fazendo uma adaptação do estado atual do conhecimento. A

função pedagógica da História se dá a partir de um ensino da Matemática

fundamentado na compreensão e na significação, que precisa ser realizada de modo

a considerar os questionamentos dos alunos, justificando os motivos pelos quais se

deve aceitar certos fatos, raciocínios e procedimentos.

O décimo segundo argumento de Miguel (1997) denomina-se a História como

instrumento que possibilita o resgate da identidade cultural, inspirados em Gerdes

(1953-2014), apesar de que as potencialidades pedagógicas da História não foram

explicitamente discutidas por esse autor.

Segundo Miguel (1997), a principal preocupação de Gerdes está focada no

processo de reconstrução a ser representado pela Matemática no sistema

educacional moçambicano, após Portugal ter abolido o regime colonial naquele país.

A importância que Gerdes atribui ao resgate cultural está relacionada ao fato

de se incorporar as tradições matemáticas no currículo, assim reconhecendo o

caráter matemático das tradições por meio de um desenvolvimento do que se

entende por Matemática.

Page 35: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

35

A esse respeito Gerdes faz menção à necessidade de se revelar o que

chama de Matemática oprimida, ou seja, reconstruir os elementos matemáticos que

fazem parte do dia a dia de uma população e não são devidamente reconhecidos

como matemáticos pelo pensamento dominante.

Nesse sentido, Miguel conclui que “apenas a história produzida com tais

objetivos possuiria um valor pedagógico” (1997, p. 94), pois para Gerdes somente

uma História cultural da Matemática, teria condições de recuperar a individualidade

da cultura africana, proporcionando ao aluno a autoconfiança social e cultural, fator

considerado por ele, indispensável para ativar a imaginação.

Os doze argumentos arrolados por Miguel (1997) quanto às potencialidades

pedagógicas da História da Matemática, foram constatados durante as atividades

desenvolvidas sobre a História das equações de primeiro e segundo grau no

“OBEDUC Práticas”. No capítulo 3, que descreve e analisa as atividades

desenvolvidas na experiência formativa, fazemos referência aos argumentos

descritos neste tópico.

1.3 Procedimentos metodológicos

Para a realização dessa pesquisa elaboramos e desenvolvemos uma

experiência formativa por meio de um curso denominado por: “Problemas históricos

nas três fases de desenvolvimento da álgebra”, o qual foi destinado a professores da

rede pública de ensino do estado de São Paulo, participantes do projeto “OBEDUC –

Práticas”.

A experiência formativa teve por objetivo apresentar aos professores as fases

de desenvolvimento da álgebra tomando como base as equações algébricas e

refletir junto aos professores sobre o uso da História da Matemática em sala de aula

por meio de métodos e procedimentos de problemas históricos.

Assim, este estudo, notadamente de cunho qualitativo, investiga o uso da

História da Matemática na sala de aula, em conformidade com a descrição

elaborada por Bogdan e Biklen (1994). Para esses autores, são características

Page 36: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

36

básicas de uma pesquisa qualitativa:

O ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador

como instrumento fundamental. Os problemas são estudados no

ambiente em que ocorrem, naturalmente, sem qualquer manipulação

intencional do pesquisador;

Os dados coletados são principalmente descritivos. Todos os dados da

realidade são importantes. Nada é trivial, pois tudo é considerado

essencial para melhor compreensão;

Preocupação maior com o processo do que com o resultado ou

produto;

A análise dos dados encaminha-se para um processo indutivo;

O “significado” que os participantes dão às coisas e à sua vida são

focos de atenção especial.

Além disso, os pesquisadores qualitativos criam “estratégias e procedimentos

que lhes permitam tomar em considerações as experiências do ponto de vista do

informador” (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 51).

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009) “o questionário é um dos instrumentos

mais tradicionais de coleta de informações” (p. 116). Sendo assim, para a coleta de

dados, criamos dois questionários, um para ser aplicado na fase inicial das

atividades e outro ao final delas.

O questionário inicial constou de nove questões fechadas, uma questão mista

e seis questões abertas (Apêndice I), e foram aplicados em quinze professores

presentes no primeiro encontro. Cabe lembrar que neste trabalho, entendemos como

questões fechadas aquelas definidas por Fiorentini e Lorenzato (2009), como as que

apresentam alternativas para respostas, sem possibilidade de se obter qualquer

resposta fora do assunto tratado. As abertas, por sua vez, não apresentam

alternativas para respostas e possibilitam ao pesquisador obter informações não

previstas por ele ou pela literatura. Já as mistas são aquelas que combinam

questões fechadas e abertas.

Page 37: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

37

Das dezesseis questões que compunham o questionário inicial dez delas

tinham como finalidade conhecer o perfil dos professores, sujeitos da pesquisa e as

outras seis questões o intuito de verificar qual a opinião desses professores sobre o

conhecimento algébrico e sobre o uso da História da Matemática como recurso

metodológico.

O questionário final (Apêndice V) constou de cinco questões abertas, com a

finalidade de verificar a opinião dos professores participantes quanto ao conteúdo

apresentado nos três encontros.

Todos os encontros foram registrados em áudio e vídeo complementando as

anotações do diário de bordo realizadas durante o processo formativo. Para

Fiorentini e Lorenzato (2009), o diário de bordo é um instrumento de coleta

fundamental para o pesquisador. “É nele que o pesquisador registra observações de

fenômenos, faz descrições de pessoas e cenários, descreve episódios ou retrata

diálogos” (p. 119). Nesta pesquisa utilizamos o diário de bordo para anotar as

impressões e informações dos encontros da experiência formativa. Posteriormente,

esses registros foram transcritos, com a intenção de subsidiar as análises

realizadas. Cabe informar que os participantes concordaram em participar das

atividades das gravações e fotos conforme consta no Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido. Além disso, o projeto inicial que originou essa pesquisa foi aprovado

pelo Comitê de Ética na Pesquisa (CEP), com o Parecer CEP 495.973.

As atividades propostas foram realizadas em três encontros, nas

dependências da Diretoria de Ensino Norte 2, no período matutino, com início às

8h30m e término às 12h30m. No total, participaram dezesseis professores do Ensino

Fundamental Anos Finais e Ensino Médio da rede pública.

No primeiro encontro, após as devidas apresentações e explicações quanto à

proposta da experiência formativa, aplicamos o primeiro questionário com o intuito

de verificar como os professores participantes pensam e fazem uso da História da

Matemática em suas aulas. Por meio desse questionário, tivemos condições de

obter informações a respeito da vida docente desses professores, como sua

formação, graduação e tempo de atuação na docência, bem como sobre a

Page 38: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

38

metodologia utilizada para ensinar conceitos algébricos e em seguida realizamos a

apresentação da primeira fase de desenvolvimento da álgebra. Nesta primeira fase

abordamos os métodos e procedimentos dos egípcios e babilônios para resolverem

equações do primeiro e segundo grau.

No segundo encontro, apresentamos a segunda fase de desenvolvimento da

álgebra, referindo-se as contribuições do grego Diofanto de Alexandria e o árabe Al-

Khwarizmi, bem como os métodos e procedimentos por eles utilizados na resolução

de equações do segundo grau.

O terceiro e último encontro, relacionado à terceira fase de desenvolvimento

da álgebra, contamos com as contribuições do matemático francês Viète, para a

resolução de equações do segundo grau. No encerramento desse encontro,

aplicamos o questionário final com o intuito de nos informarmos quanto à opinião dos

participantes a respeito do que lhe fora apresentado nos três encontros.

Em todos os encontros os professores contaram com o apoio de um roteiro de

atividades elaborado pela autora e orientadora, contendo problemas históricos

referentes a cada fase de desenvolvimento da álgebra, conforme consta nos

Apêndices II, III e IV.

Page 39: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

39

CAPÍTULO 2

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ÁLGEBRA

Para melhor compreender a importância desse ramo da Matemática, é

interessante fazer uma breve retrospectiva histórica, destacando seus avanços ao

longo dos séculos.

Em 1842, o escritor Nesselmann classifica o desenvolvimento histórico da

álgebra em três fases: retórica, sincopada e simbólica. É por meio dessa

classificação que será feita esta retrospectiva.

A primeira fase, da álgebra retórica, é, exclusivamente, de palavras da

linguagem geral, ou seja, sem símbolos. Surgiu nas primeiras civilizações - 1700 a.C -

com os egípcios e babilônios, chegando até os gregos, aproximadamente 250 d. C.

O conhecimento, hoje existente, da Matemática do antigo Egito, deve-se,

grande parte, à descoberta dos papiros3. Sem essa descoberta não seria possível

conhecer a Matemática dessa civilização, bem como a "álgebra" por eles utilizada.

Há um limite para a quantidade de informação matemática que se pode retirar de calendários e pedras tumulares. As idéias sobre a contribuição egípcia seriam muito imprecisas a se depender, somente, de material de origem cerimonial e astronômica. [...] Felizmente temos outras fontes de informação. Um certo número de papiros egípcios de algum modo resistiu ao desgaste do tempo por mais de três e meio milênios (BOYER, 2010, p. 8).

O primeiro papiro a ser descoberto foi o de Ahmes ou Rhind em 1858, pelo

antiquário escocês Alexander Henry Rhind na cidade de Luxor, Egito. O segundo foi

de Golonishev ou de Moscou, comprado também no Egito, em 1893. Neles é

possível perceber que os egípcios estavam na fase retórica. Além dos dois papiros

mencionados, outros foram encontrados e tratavam de problemas diversos que

3 Papiro é uma planta aquática que era encontrada as margens do rio Nilo. Os egípcios

desenvolveram a técnica de fabricar folhas de papiro, que era utilizado pelos escribas para escreverem textos e registrar as contas do império. (http://www.egipto.com.br/papiro/acesso).

Page 40: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

40

incluíam equações de primeiro e segundo graus.

Figura 1: Papiros de Rhind e Moscou

Fontes: http://www.matematica.br/historia/prhind.html;

http://www.matematica.br/historia/pmoscou.html

Os Babilônios, por sua vez, possuíam conhecimento numérico apropriado das

tabletas sumerianas de argila cozida de tamanho variável, datadas da primeira

metade do terceiro milênio a.C. Segundo Eves (2004) descobriu-se cerca de meio

milhão de tabletas, sendo que 400 foram identificadas como estritamente

matemáticas. Esses documentos contribuíram para a evolução do conhecimento

matemático dessa civilização.

Figura 2: Tableta de argila

Fonte: www.math.ubc.ca/~cass/courses/m446-03/pl322.html

Page 41: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

41

Os babilônicos eram habilidosos com os cálculos e muito bons algebristas.

Por meio de procedimentos verbais desenvolveram métodos algorítmicos, como a

extração da raiz quadrada.

Trataram de maneira eficaz as equações quadráticas em antigos problemas e

descobriram soluções de equações cúbicas puras (x³ = a) e cúbicas mistas (x³ + x² =

a), utilizando-se de tabelas de quadrados e cubos.

Segundo Victor Katz (1993, p. 14), há poucas equações lineares nos textos

Babilônios, por outro lado, os sistemas lineares com duas incógnitas são mais

detalhados, revelando o entendimento do problema da linearidade nessa civilização.

O problema a seguir exemplifica tais conhecimentos: “Um quarto da largura mais o

comprimento é igual 7 mãos. O comprimento junto com a largura são 10 mãos. Qual

é o comprimento e qual a largura?” (GUELLI, 1992, p.37).

A álgebra grega, sob a influência dos pitagóricos e de Euclides, foi

desenvolvida num contexto fortemente geométrico. Por esta e outras razões

históricas, particularmente a ocupação romana, manteve-se estacionada por mais de

300 anos.

A segunda fase refere-se à álgebra sincopada. Impulsionada pelo grego

Diofanto, 250 d.C, que introduz o estilo sincopado de escrever equações, a

característica geral dos textos permanece verbal, mas nota-se a introdução de

símbolos, que servem apenas como abreviações, sem uma função independente.

As contribuições de Diofanto foram verdadeiras riquezas para a Matemática.

Uma de suas principais contribuições à matemática foi a sincopação da álgebra grega. “[...] Diofanto de Alexandria teve uma importância enorme para o desenvolvimento da álgebra e uma grande influência sobre os europeus que posteriormente se dedicaram à teoria dos números” (EVES, 2004, p. 206-207).

Os hindus também adotaram o mesmo estilo tendo como destaque os nomes

dos algebristas, Brahmagupta viveu em 628 na Índia Central e Bhaskara (1114 a

cerca de 1185) considerado o matemático mais importante do século XII. Ambos

possuíam um estilo sincopado na resolução de equações de soluções

indeterminadas, o qual, muitas vezes, se mostrava superior ao de Diofanto.

Page 42: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

42

A álgebra hindu é reconhecida em seu desenvolvimento da análise das

equações de soluções indeterminadas. Brahmagupta fez várias contribuições nesta

área. Considerado o matemático hindu de grande destaque do século VII,

apresentou todas as soluções inteiras da equação linear diofantina, pois nem o

próprio Diofanto havia se preocupado em oferecer tal solução, contentando-se em

dar uma solução particular de uma equação indeterminada. Sua obra Brahmasphuta

Siddhanta, que tratava de um trabalho de astronomia em vinte e um capítulos,

apresenta pela primeira vez a aritmética sistematizada dos números negativos e do

zero (BOYER, 2010).

As contribuições de Brahmagupta à álgebra são de ordem mais alta que suas regras de mensuração, pois aqui achamos soluções gerais de equações quadráticas, inclusive duas raízes mesmo quando uma delas é negativa (BOYER, 2010,p.150).

Na segunda metade da Idade Média, a Índia produziu muitos matemáticos,

entre eles Bhaskara considerado o último matemático medieval importante da Índia.

Ele preencheu algumas lacunas na obra de Brahmagupta como o problema da

divisão por zero. Também se destacou por suas obras Lilavati, o mais conhecido, e

Vija-Ganita, ambas contendo diversos problemas sobre equações lineares e

quadráticas. Exemplificamos com o problema do “bambu quebrado”, que era

conhecido na China e também foi considerado por Brahmagupta, aparece na obra

de Bhaskara: “se um bambu de 32 cúbitos de altura é quebrado pelo vento de modo

que a ponta encontra o chão a 16 cúbitos da base a que altura a partir do chão ele

foi quebrado?” (BOYER, 2010, p. 152).

Eves (2004, p.264) menciona que: "A álgebra árabe, salvo no que se refere

aos árabes ocidentais dos últimos tempos, era retórica". Embora estivessem na fase

sincopada, a obra de destaque dessa civilização foi escrita no estilo totalmente

retórico pelo astrônomo árabe Mohammed ibn-Musa Al-Khwarizmi que morreu algum

tempo antes de 850 d.C. "Mesmo os números são escritos em palavras em vez de

símbolos!" afirma Boyer (2010, p. 156).

Foi por volta do ano de 825 que a palavra álgebra foi cunhada. Originou-se da

tradução latina de al-jabr, usada no título do livro "Hisab al-jabr w'al-muqabalah",

escrito em Bagdá, tratava-se dos procedimentos de “restauração” e de “redução”,

Page 43: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

43

composto por três partes: álgebra, geometria e questões de heranças. Por

restauração atribui-se a transposição de termos de um lado para o outro da equação

e por redução a anulação de termos semelhantes em lados opostos da equação. “A

influência árabe na Espanha muito depois do tempo de al-Khowarizmi pode ser vista

no Dom Quixote, onde a palavra algebrista é usada para indicar um “restaurador” de

ossos” (BOYER, 2010, p.156).

As contribuições de Al-Khwarizmi foram muito importantes para a época, tanto

que, hoje, quando o assunto é a História da Álgebra, de imediato, seu nome é

mencionado. O professor e educador matemático Julio Cesar de Mello e Souza

(1875-1984), cujo pseudônimo é Malba Tahan, homenageou Al- Khwarizmi fundando

e dirigindo uma revista de recreações matemáticas, curiosidades, história,

paradoxos, problemas etc, intitulada “Al-Kwarizmi”4, editada no Rio de Janeiro em

1946.

Alguns livros e autores até mencionam o árabe como sendo o pai da álgebra

e esse mérito, segundo Boyer (2010), pode ser atribuído a ele devido o fato de sua

exposição ser tão sistemática que seus leitores não devem ter tido dificuldade para

aprender as soluções.

Nesse sentido, pois, al-Khowarizmi merece ser chamado ‘o pai da álgebra’. No entanto, nenhum ramo da matemática aparece já maduro, e não podemos deixar de perguntar de onde veio a inspiração para a álgebra árabe (BOYER, 2010, p. 157).

Boyer (2010) não oferece resposta categórica para essa pergunta, mas

argumenta que a obra do árabe lembra a Matemática da Babilônia antiga e da Índia

medieval.

Já Lauand (2005) menciona que a Álgebra ajuda a compreender muitos

aspectos culturais, pois surge como “ciência árabe”; destaca que isso ocorre num

sentido muito mais relevante do que a simples coincidência de ter sido criada por um

árabe. Para o autor o fator histórico definitivo para o surgimento da Álgebra como

ciência árabe foi o alcorão. Desta forma, a Álgebra é criada para resolver questões

4 Sobre Malba Tahan e a revista Al-Kwarizmi ver a tese “A sombra do arco-íris: um estudo histórico-mítico do discurso pedagógico de Malba Tahan” de autoria de Coppe (2007).

Page 44: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

44

de herança, ou seja, problemas do cotidiano árabe, que além de ser difícil em

qualquer sociedade, era também para o Islã, um sério problema de consciência

religiosa, isto é, a Álgebra surge para equacionar os versículos do alcorão.

A incógnita nas equações algébricas era denominada pelos matemáticos

muçulmanos como xay (coisa). Omar Khayyam, nascido na província de Khorassan

por volta de 1044 e falecido em 1123 nessa mesma localidade, na introdução de sua

obra intitulada “Tratado sobre demonstrações de problemas de Álgebra”, comenta:

A álgebra é uma arte científica. Seu objeto são os números absolutos e as grandezas mensuráveis, as quais são desconhecidas, mas referem-se a qualquer coisa conhecida, de tal maneira que podem ser determinadas e a esta coisa conhecida se chega analisando as condições do problema; e nesta arte se buscam as relações que vinculam as grandezas dadas no problema com a incógnita, a qual da forma antes indicada constitui o objeto da álgebra. A perfeição desta arte consiste no conhecimento dos métodos matemáticos, com ajuda dos quais pode realizar-se a determinação mencionada, tanto das incógnitas numéricas como geométricas. A resolução algébrica, como é bem conhecida, se realiza somente mediante uma equação, ou seja, pela igualdade de umas potências com outras (GALERA, 2002, p. 80)

5.

Do mesmo modo como Al-Khwarizmi, Omar Khayyam tinha o conceito de

número como entidade oculta ou “coisa”. Um número como 2 ou 3 era considerado

como algo diferente de x ou x2 e a ideia de resolver uma equação algébrica era

somente considerada quando se tratava de algum problema bem específico, tal

como, por exemplo, encontrar um número cujo quadrado mais duas vezes o próprio

número é igual a 15 (LINTZ, 1999). Ao resolver essa equação por meio de regras

estabelecidas e encontrar o resultado 3 e -5, Khayyam somente considerava o

resultado positivo, uma vez que o termo “número” significava um “inteiro positivo

bem definido” (LINTZ, 1999, p. 458).

Em sua obra denominada “Álgebra” Omar Khayyam explica que a álgebra

trata da determinação de entidades desconhecidas, sejam elas números (inteiros ou

grandezas geométricas) ou números reais como se utiliza a nomenclatura atual.

Segundo interpreta Lintz, “a representação de magnitudes por segmentos era

sempre entendida com a medida do segmento com certa unidade, e não como o

segmento mesmo, como era peculiar ao pensamento grego” [Grifos do autor]

5 Tradução nossa.

Page 45: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

45

(LINTZ, 1999, p. 460).

Khayyam comenta que a equação x2 = 2 não tem solução enquanto número

inteiro e, nesse sentido, deve-se procurar uma solução geométrica, ou seja, a

construção de um segmento cuja medida é tal que seu quadrado é igual a 2.

Khayyam também fez um estudo sistemático da resolução das equações algébricas,

baseada na noção de medida e não em conceitos puramente geométricos

(LINTZ,1999).

Omar Khayyam foi autor de trabalhos de álgebra além de inúmeras

contribuições na astronomia e na poesia. Alcançou um nível muito superior à

maioria de seus predecessores árabes e é considerado um dos grandes

matemáticos do mundo árabe (GALERA, 2002).

Na terceira fase, simbólica, os símbolos não são apenas abreviações, sendo

possível operar, diretamente, com eles, sem preocupações ontológicas.

Essa fase está relacionada ao trabalho de François Viète, que viveu de 1540

a 1603, considerado o maior matemático francês do Século XVI.

Conforme destaca Boyer,

... sem dúvida foi à álgebra que Viète deu suas mais importantes contribuições, pois foi aqui que chegou mais perto das idéias modernas [...] A álgebra de Viète merece atenção pela generalidade de sua expressão (2010, p. 208-209).

As idéias de Viète abriram caminho para a álgebra simbólica, porém, não

foram suficientes para uma mudança definitiva de fase. Segundo Boyer (2010), a

álgebra de Viète

... é fundamentalmente sincopada e não simbólica, pois embora ele sensatamente adotasse os símbolos germânicos para adição e subtração, e ainda mais sensatamente usasse símbolos diferentes para parâmetros e incógnitas, o resto da álgebra consistia de palavras e abreviações (p.208).

A álgebra tornou-se completamente simbólica no Século XVII, com o filósofo

René Descartes (1596-1650). Descartes tinha como desafio transformar os

problemas geométricos em equações, livrando a geometria do inútil recurso, ou seja,

as figuras, algo que, no seu entender, apenas cansava a imaginação. Tinha o intuito

Page 46: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

46

de atribuir significado às operações algébricas, interpretando-as, geometricamente,

levando a tradução dos problemas geométricos para a linguagem algébrica.

Descartes, ainda, não aceitava a concepção da geometria como ciência

dedutiva que provinha dos axiomas e dos teoremas. Seu objetivo era elaborar um

método universalmente válido para a resolução de problemas geométricos, ou seja,

construí-los e depois analisá-los com os meios fornecidos pela álgebra.

Dessa forma, sua maior contribuição para a Matemática foi à Geometria

Analítica, passo importante para a álgebra simbólica.

Descartes ia mais longe do qualquer de seus predecessores, em sua álgebra simbólica e na interpretação geométrica da álgebra. A álgebra formal vinha progredindo, constantemente, desde a Renascença, e atingiu seu auge na “La géométrie de Descartes”, o texto matemático mais antigo que um estudante de hoje possa seguir sem encontrar dificuldade com a notação. (BOYER, 2010, p. 232).

No Século XVIII, vêm as idéias de D'Alembert (1717-1783), que destacam o

valor da álgebra, bem como a sua importância junto à Matemática.

Para D'Alembert (apud GOMES, 2003), a álgebra era uma ciência puramente

intelectual e abstrata, merecendo um lugar privilegiado entre as ciências, pois, para

ele,

... os princípios da álgebra não carregam senão noções, puramente intelectuais, sobre idéias que nós mesmo formamos por abstração, simplificando e generalizando idéias primeiras; assim, esses princípios não contêm propriamente senão aquilo que nós nele colocamos, e aquilo que há de mais simples em nossas percepções; eles são, de alguma maneira, nossa obra - como podem, portanto, deixar ainda alguma coisa a desejar em relação à evidência? (p.355).

Segundo Gomes (2003), D'Alembert enfatiza em seus textos a conceituação

generalizadora da álgebra e a percebe como ampla, o suficiente para abrigar

diferentes facetas desse campo da Matemática.

Michel Paty (2005) conta que D'Alembert concebia a Matemática como uma

língua. Descartes e Newton já tinham destronado a geometria pura em favor das

expressões analíticas, por serem simples e de fácil aplicação.

O aparecimento da geometria analítica provocou a preferência à relação, em

detrimento da forma, e introduziu a álgebra e a análise como quadros de referência.

Page 47: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

47

A análise transformou-se com a emergência do cálculo diferencial e integral, e a

álgebra assumiu papel de identidade fundamental na linguagem Matemática. Esta

seguiu sua sintaxe própria de uma língua bem feita.

A álgebra participa dessa identidade como língua, comportando-se não só

como sintaxe (símbolos), mas, também, como semântica (significação).

A álgebra tornou-se superior à geometria. Os caracteres algébricos eram, e

são, especialmente, adequados para as representações matemáticas. Além de

resolverem questões numéricas, puderam ser aplicados, proveitosamente, nas

questões geométricas.

Essa relevância da álgebra repercutiu na algebrização dos conceitos

matemáticos. Atualmente, diante de um processo histórico-cultural, tais conceitos,

embora formados retoricamente, passam a ser simbólicos e permitem sua

operacionalização. Completa-se o ciclo das três fases de Nesselmann.

Quase ao final da terceira fase, e após quarenta anos da publicação da

geometria analítica de Descartes, Jean Prestet (1648-1691) coloca a álgebra no livro

didático de Matemática. Sua ação é citada por Schubring (2003), com a menção da

abertura de seu livro considerando a nova língua essencial para as relações

matemáticas:

a álgebra era mais geral, ao passo que a geometria era um ramo aplicado da matemática. Isso também explica o título do livro: como a álgebra fornece a base para toda a matemática, um livro didático de álgebra é chamado corretamente de elementos de matemática (PRESTET 1675, apud SCHUBRING, 2003, p. 51).

Com esse breve relato histórico sobre a álgebra, é possível perceber o quanto

foi difícil chegar às notações algébricas encontradas hoje. Todo o desenvolvimento

da álgebra, até a sua fase simbólica atual, demorou, aproximadamente, 3000 anos.

Especificamente sobre álgebra simbólica, são apenas 500 anos de uso.

Dessa forma, o interesse é investigar a formação dos conceitos,

proporcionando uma visão da origem, do desenvolvimento histórico e do

pensamento algébrico na Matemática escolar, pois “conhecer a história do

desenvolvimento da matemática nos permite conhecer seu objeto, bem como

Page 48: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

48

compreender o lugar dessa ciência na atividade produtiva e social dos homens”.

(SOUSA, 2004, p. 77).

2.1 História das equações: fases retórica, sincopada e simbólica

“Qualquer problema que possa ser solucionado através dos números certamente será tratado, direta ou indiretamente, por

meio de equações.” GARBI, 2007.

As equações estão presentes em nosso dia a dia por toda parte, muitas vezes

sem nos darmos conta de que estamos lidando com elas. O verbo equacionar se faz

presente sempre que precisamos encontrar alguma coisa que não conhecemos.

Assim como nos tempos atuais, na antiguidade as equações também tiveram

papel decisivo em grandes momentos da História do desenvolvimento da

Matemática, sendo consideradas, por Baumgart (1992), a melhor tradução para o

termo “Álgebra”, ou seja, “a ciência das equações”.

Um breve relato histórico pode nos ajudar a compreender melhor a

importância desse conteúdo dentro da Matemática.

Segundo Boyer (2010): “Um certo número de papiros egípcios de algum modo

resistiu ao desgaste do tempo por mais de três e meio milênios” (p.8). Dentre eles,

destacamos o Papiro de Ahmes ou Rhind, que contém 85 problemas copiados em

escrita hierática6 pelo escriba Ahmes por volta de 1650 a.C. Trata-se do mais

extenso documento matemático do antigo Egito e que se associa às primeiras

evidências do uso de equações. Além dele, o Papiro de Moscou ou Golenischev,

onde constam 25 problemas matemáticos escritos aproximadamente em 1890 a.C.

Segundo EVES (2004), os 110 problemas dos papiros de Rhind e Moscou

são numéricos e grande parte apresenta sua origem prática com questões

alimentícias, como o pão, a cerveja, balanceamento de rações e armazenamento de

grãos. A resolução para muitos desses problemas não precisava mais do que uma

6 Escrita hierática diz respeito a um sistema de escrita egípcio organizada em formato cursivo e usada

para fins comerciais (BRASIL ESCOLA, 2015).

Page 49: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

49

simples equação linear, esse método ficou conhecido mais tarde na Europa como

regra da falsa posição e posteriormente como Método de Horner, pois os egípcios

não conheciam a simbologia algébrica moderna.

Assim, para resolver x + x/7 = 24 assume-se um valor conveniente para x, digamos x = 7. Então x + x/7 = 8, em vez de 24. Como 8 deve se multiplicado por 3 para se obter 24, o valor correto de x deve ser 3(7) ou 21. (EVES, 2004, p. 73).

O método da falsa posição inicia-se com um palpite falso, uma aproximação

ou “chute”, para se chegar ao resultado correto. Usado em diversos momentos da

História, o método pode fornecer uma maneira de resolver equações

aritmeticamente, sem utilizar os procedimentos algébricos.

Tomemos como exemplo o problema 25 do papiro de Rhind, que pertencia ao

grupo de problemas de aha, onde “aha” significa número ou quantidade, ou seja,

problemas onde era necessário encontrar um valor desconhecido quando se é dado

o resultado. Atualmente a solução seria obtida por meio de uma equação linear, mas

os egípcios tinham uma técnica bem diferente da nossa. Vejamos:

Problema 25: Uma quantidade e sua metade somadas fazem 16. Qual a quantidade?

Solução: Suponhamos que a quantidade procurada seja 2. Assim teremos,

\ 1 2 \ ½ 1

Total: \ 1 ½ 3

(Roque, 2012, p. 80).

Observação: a barra \ é para indicar os números que são somados enquanto que a

barra / indica uma fração.

Nesta primeira etapa, obtemos o resultado 3, pois 2 adicionado a sua metade

resulta em 3. Mas o valor procurado é 16. Logo, teremos que procurar o número que

multiplicado por 3 resulte em 16, e este novo valor será multiplicado por 2 achando

assim o valor procurado. Tanto o chute inicial quanto o resultado errado são usados

para se obter resultado correto.

Page 50: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

50

\ 1 3

2 6

\ 4 12

\ 3

1 1

Total 3

15 16

Logo, 3

15 é o número pelo qual 3 deve ser multiplicado para resultar 16.

Agora basta multiplicar este número por 2.

\ 1 3

15

\ 2 3

210

Total 3 16

O valor de “aha” é 3

210 , pois este valor somado com sua metade dá 16.

Ou seja, sugere-se que a solução seja 2, o que daria a soma 1 + 2 = 3. Depois, investiga-se por que número se deve multiplicar 3 para obter 16, que é 16/3. Multiplica-se, então, a falsa solução 2 por esse número para se obter a solução verdadeira: 2 x 16/3 = 32/3 = 10 2/3 (ROQUE, 2012, p.81).

O problema analisado faz parte de uma lista contendo diversos problemas do

mesmo tipo, todos resolvidos pelo mesmo método, tais como:

Problema 24: Uma quantidade e seu 1/7 somados fazem 19. Qual a quantidade? Problema 26: Uma quantidade e seu 1/4 somados fazem 15. Qual a quantidade? Problema 27: Uma quantidade e seu 1/5 somados fazem 21. Qual a quantidade? (ROQUE, 2012, p. 82).

Por meio de nossa linguagem algébrica, podemos generalizar e expressar de

uma única maneira o que o escriba egípcio parece ter desejado indicar, um método

geral de resolução: descubra o valor de x na equação cn

xx , onde c pode

assumir um valor qualquer.

Os egípcios, por volta de 1650 a.C, por meio dos papiros trataram de

equações lineares, porém os babilônios por volta de 2000 a.C. já havia evoluído

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51

para uma Álgebra retórica bem desenvolvida, pois não só desenvolviam equações

quadráticas, como também se discutiam algumas cúbicas.

Embora a Matemática dos egípcios tenha se desenvolvido quase que ao

mesmo tempo em que na Babilônia, o nível de desenvolvimento da Álgebra

babilônica era mais sofisticado, assim como o seu desenvolvimento econômico.

Localizada numa região que era rota de grandes caravanas, os babilônios eram

povos que ocupavam a região da Mesopotâmia situada no Oriente Médio, no vale

dos rios Eufrates e Tigre, onde atualmente é o Iraque.

Os babilônios usavam tábulas de argila cozida para registrar sua escrita.

Entre um número muito grande de tábulas descobertas cerca de 400 foram

identificadas como exclusivamente matemáticas, contendo listas de problemas

matemáticos.

Para exemplificar o grau de sofisticação da Álgebra babilônica, tomemos

como exemplo um dos problemas, segundo Baumgart (1992), encontrados em

escrita cuneiforme em tábulas de argila.

“Comprimento, largura. Multipliquei comprimento por largura, obtendo assim a

área: 252. Somei comprimento e largura: 32. Pede-se: comprimento e largura”

(BAUMGART, 1992, p. 04).

O método de resolução dos babilônicos é no estilo retórico, ou seja,

Tome metade de 32 (que é 16);

Multiplique 16 por 16 (o que dá 256);

Subtraia 252 de 256 (o que dá 4);

4 é o quadrado de 2;

Agora some 2 a 16 e subtraia 2 de 16 (o que dá 18 e 14);

Multiplique 18 por 14 (o que dá 252)7.

Este método de resolução dos babilônicos foi apresentado e discutido com os

sujeitos participantes desta pesquisa e os resultados encontram-se no capítulo 3.

7 Este método de resolução dos babilônicos e os demais métodos apresentados neste capítulo foram discutidos com os sujeitos participantes desta pesquisa e os resultados encontram-se no capítulo 3.

Page 52: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

52

Em notação moderna, temos uma equação do tipo, CBxAx 2 o método a

seguir equivale a um roteiro babilônico para encontrar:

1) multiplique A por C (obtendo AC) 2) encontre metade de B (obtendo B/2) 3) multiplique B/2 por B/2 (obtendo (B/2)

2)

4) adicione AC a (B/2)2 (obtendo (B/2)

2 + AC)

5) a raiz quadrada é ( )

6) subtraia B/2 da raiz acima 7) tome o recíproco de A (obtendo 1/A) 8) multiplique 1/A pelo resultado do passo (6) para obter o lado do quadrado 9) o lado do quadrado é (ROQUE, 2012, p. 65)

Para BAUMGART (1992) o método acima é usado diversas vezes em

problemas semelhantes e por varias razões tem significado histórico. Em primeiro

lugar, não é a maneira como resolveríamos hoje e em segundo, porque a Álgebra

grega (geométrica) dos pitagóricos e de Euclides (que organizou a maior parte da

Matemática existente em seu tempo com sua obra Elementos) seguiu o mesmo

procedimento, interpretada, contudo, em termos de segmentos de retas e áreas e

ilustrada por figuras geométricas.

Tanto a Álgebra egípcia quanto a babilônica se desenvolveram num conceito

de Álgebra retórica. Já a álgebra sincopada tem início na Grécia, com estudos

desenvolvidos sobre equações algébricas por Diofanto de Alexandria, que viveu

aproximadamente em torno do século 250 d.C.

Pouco sabemos a respeito da vida de Diofanto, o que conhecemos está

contido em um enigmático verso da “Antologia Grega” que se propõe a dar alguns

detalhes de sua vida.

Deus lhe concedeu ser um menino pela sexta parte de sua vida, e somando uma duodécima parte a isto cobriu-lhe as faces de penugem. Ele lhe acendeu a lâmpada nupcial após uma sétima parte, e cinco anos após seu casamento concedeu-lhe um filho. Ai! Infeliz, criança tardia; depois de

A

BAC

BL

1

22

2

A

BAC

BL

1

22

2

Page 53: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

53

chegar à metade da vida de seu pai, o destino frio o levou. Depois de se consolar de sua dor durante quatro anos com a ciência dos números ele terminou sua vida. (BOYER, 2010, p. 121).

Precursor do uso da simbologia através de abreviações de palavras, Diofanto

destaca-se com sua principal obra “Aritmética”, um tratado de treze livros, dos quais

só os seis primeiros se preservaram. “Em geral, considera-se que a primeira

ocorrência da notação simbólica que caracteriza nossa álgebra remonta ao livro

Aritmética, escrito por Diofanto.” (ROQUE, 2012, p. 231), e sua contribuição mais

conhecida foi ter introduzido uma forma de representar o valor desconhecido em um

problema, designando-o como arithmos, de onde provem a nome “aritmética”.

Exemplificando, na obra Aritmética, “o inverso do arithmo multiplicado pelo

biquadrado do arithmo resulta no cubo do arithmo”8 (apud VER EECKE, 1959, p.5),

ou seja, ..4

1 34 xx

O primeiro livro dos seis que se preservaram, Diofanto introduz símbolos para

representar os diversos tipos de quantidades que aparecem nos problemas, aos

quais denomina “designações abreviadas”. Tais abreviações mostravam a palavra

usada para indicar essas quantidades, que de acordo com o alfabeto grego, era

representado por sua primeira ou última letra.

Para um número desconhecido, Diofanto usou o símbolo parecido com a letra

grega ζ (última letra da palavra arithmos), o quadrado de um número desconhecido

era representado por , as duas primeiras letras da palavra grega dynamis

(∆YNAMI∑) que significa potência, o cubo como yk , as duas primeiras letras da

palavra grega kybos (KYBO∑) que significa cubo. Naturalmente se explica os

demais símbolos para as potências seguintes, y (quadrado-quadrado) que significa

a quarta potência, yk (quadrado-cubo) que significa a quinta potência e kk y (cubo-

cubo) que significa a sexta potência.

Assim resumidamente temos o quadro a seguir:

8 Maiores exemplos de problemas envolvendo arithmos encontram-se no roteiro de atividades Apêndice III.

Page 54: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

54

Quadro 01: Símbolos e descrições

Simbolos

Diofantinos Descrição Notação moderna Descrição

ζ Arithmos x Incógnita

y Dynamis x² Quadrado

yk Kybos x³ Cubo

y Dynamis- Dynamis x

4 4ª potência

yk Dynamis- Kybos x5

5ª potência

kk y Kybos- Kybos x

6 6ª potência

Fonte: quadro adaptado pela autora segundo Roque (2012)

As seis obras preservadas da Aritmética, dedicam-se a resolução de 150

problemas, numa variedade relevante que conduzem a equações do 1º e 2º graus, a

uma ou mais incógnitas, determinadas ou não. Apenas uma equação cúbica muito

particular é resolvida. Diofanto usava de artifícios engenhosos para resolver cada

problema específico, não existia um método geral de solução. Para os problemas

propostos, são aceitas somente soluções racionais positivas, e na maioria dos

casos, encontrava-se apenas uma resposta do problema. Boyer (2010) considera

que

De certa maneira é injusto criticar Diofante por se satisfazer com uma única resposta, pois ele estava resolvendo problemas, não equações. Num certo sentido a Arithmetica é uma coleção de problemas de aplicação de álgebra, não um texto de álgebra (p. 124).

Para tanto, Roque (2012) justifica que o objetivo da obra de Diofanto era de

mostrar como se podem utilizar procedimentos sistemáticos para a resolução dos

problemas em etapas, e não de resolver efetivamente os problemas.

Nesse sentido, entendemos que a preocupação de Diofanto estava em

perpetuar um modo de resolver eficazmente problemas que interessavam à

sociedade grega da época, o que possibilita inferir ainda uma preocupação

pedagógica, na medida em que se preocupava em expor ao seu leitor, um padrão

para resolução de problemas ao invés de se preocupar com um único problema.

Buscando relacionar o ensino das equações com a História da Matemática

grega, exemplificaremos o problema 27 do livro I de Diofanto:

Page 55: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

55

Livro I - Problema 27

“Encontrar dois números com soma e produto dados”. [Grifos nossos]

(ROQUE, 2012, p. 232).

a) Descrição da solução por Diofanto (retórico): Considere que a soma é

20 e o produto, 96. Supondo que a diferença entre os dois números seja 2 arithmos,

começamos por dividir a soma desses números (que é 20) por dois (obtendo 10). A

partir desse resultado, consideramos um arithmos somado a e subtraído de 10,

respectivamente, cada uma das metades. Como a metade da soma é 10, tomando a

metade subtraída 1 arithmos mais a metade acrescentada de 1 arithmos obtendo 20,

que é a soma desejada. Para que o produto seja 96, multiplicamos essas mesmas

quantidades, obtendo 100 subtraído do quadrado do arithmos (um dynamis).

Chegamos, assim à conclusão de que o dynamis deve ser 4, logo, o valor do

arithmos é 2. Os valores procurados serão, portanto, 10 mais 2 e 10 menos 2, ou

seja, 8 e 12 (SERRÃO; BRANDEMBERG, 2013).

b) Resolução empregando as abreviações (sincopada): Se esses números

fossem iguais, cada um deles seria 10. Supomos que a diferença entre eles seja 2ζ,

ou seja, os dois números procurados são obtidos retirando ζ de um destes 10 e

adicionando ζ ao outro. Como a soma não muda após essas operações, temos 10 –

ζ + 10 + ζ = 20. Mas sabemos também que o produto desses números é 96, logo,

podemos escrever (10 – ζ) (10 + ζ) = 96. Observamos, então, que 10² - = 10² - ζ²

= 96, e concluímos que o valor de ζ deve ser 2. Logo, os números procurados 10 – ζ

e 10 + ζ são, respectivamente, 8 e 12 (SERRÃO; BRANDEMBERG, 2013).

c) Resolução em notação moderna: Supondo x e y = 10, ou seja, supondo

que os números sejam iguais, e a diferença entre eles seja 2x, então existe z, tal que

x = 10 – z e y = 10 + z. Obtemos (10 – z) (10 + z) = 96 ao substituir esses valores na

equação x.y = 96. Efetuando o produto temos que 100 + z² = 96. Logo, z é igual a 2

e os números procurados são 8 e 12 (SERRÃO; BRANDEMBERG, 2013).

Percebemos que o enunciado do problema exemplificado, não apresenta

números em particular, no entanto, para cada problema Diofanto descreve uma

Page 56: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

56

técnica utilizando valores numéricos. “Fica claro que a técnica continuaria a

funcionar, caso esses números fossem substituídos por outros, mas isso não chega

a ser feito” (ROQUE, 2012, p. 235).

Nossa sugestão, para o devido entendimento desse problema, é partir no

sentido inverso da resolução proposta por Diofanto. Iniciando um problema

propondo dois números quaisquer para encontrar a soma e produto, e assim

identificar expressões em situações análogas. Ilustrando: Dados os números 8 e 12,

encontre a soma e o produto deles, por exemplo.

As contribuições de Diofanto constituíram um passo importante em direção à

abstração, chegando-se a considerá-lo o “pai da álgebra”, pois o fato de assumir

uma representação para quantidades desconhecidas seria a principal característica

de um pensamento algébrico. De maneira cautelosa, essa particularidade levou

Nesselman a designar o procedimento de Diofanto como uma “álgebra sincopada”.

Porém “se caracterizarmos a álgebra como uma teoria das equações, concluiremos

que não existia álgebra antes dos árabes, pois o objetivo da Aritmética não era

resolver equações” (ROQUE, 2012, p. 236).

Vários aspectos da Matemática de Diofanto foram analisados com base na

Álgebra atual, conduzindo a sua posição na História da Álgebra como um

prognóstico incorreto de técnicas, simbolismos e generalizações características da

atividade algébrica dos nossos dias, porém, como já mencionamos sua obra não

tinha o objetivo de resolver equações e sim de mostrar procedimentos metódicos

para resolvê-los em etapas, esse objetivo aproxima Diofanto de Viète, que ressalta a

importância de um novo simbolismo para o desenvolvimento da Álgebra. Porém,

antes de abordarmos essa fase, analisamos a prática dos árabes na resolução de

equações.

No inicio do século IX a cultura árabe progrediu para uma Matemática original,

apresentando a Álgebra como um de seus pontos fortes e tendo Al-Khwarizmi como

o matemático mais ilustre desse século.

Roque (2012) considera que os trabalhos iniciados por Al-khwarizmi deram

origem à álgebra no estudo organizado dos procedimentos para classificar e resolver

Page 57: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

57

equações. Já havia nos trabalhos dos gregos e indianos recursos para o

desenvolvimento da teoria das equações, mas uma nova concepção tornou-se

visível com os árabes, que após tomarem conhecimento das obras gregas e

indianas, expandiram sua sabedoria, e fortalecer a Álgebra foi um meio de desfazer

a supremacia do conhecimento grego, pois a Álgebra dos árabes foi além da divisão

entre número e grandeza, que era formada pela Matemática euclidiana. Além disso,

elaboraram um cálculo algébrico sobre expressões polinomiais e expandiram as

operações aritméticas a essas expressões, também consideraram os irracionais, que

eram quantidades que os antigos não reconheciam como sendo número.

O termo “Álgebra” originou-se do clássico da História da Matemática intitulado

“Al-kitab al-jabr wa’l muqabalah”, escrito por Al-Khwarizmi, podendo ser traduzido

como “O livro da restauração e do balanceamento”.

A palavra “Álgebra” ou al-jabr, em árabe, era utilizada para indicar

“restauração”, umas das operações empregadas na resolução de equações. Temos

também, a palavra al-muqabala que era utilizada para indicar algo como

“balanceamento”, podemos perceber que ambas as palavras representam duas

fases do procedimento para resolver equações.

“Al-Khwarizmi não empregava nenhum simbolismo; ao contrário de Diofanto,

sua linguagem era exclusivamente retórica” (Roque, 2012, p. 249). Ainda assim,

possuía um vocabulário modelo para representar os objetos que apareciam nos

problemas, especialmente para a raiz, o quadrado e o número simples, que eram

representados pelas palavras Jidhr, Mal e Adad, respectivamente. A raiz que era

indicada por Jidhr, também era chamada de “coisa” (shay), ambas eram utilizadas

para representar, em termos modernos, a incógnita, ou seja, o termo desconhecido.

A função do termo “raiz” para representar quantidades desconhecidas está

relacionada à questão de que o quadrado dessa quantidade também representa um

valor desconhecido, porém com representação própria (Mal). Quanto ao termo Adad,

era utilizado para representar um número qualquer, ou seja, a quantidade

desconhecida.

O quadro 2, a seguir, descreve tais representações.

Page 58: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

58

Quadro 02: Representações e notações

Palavra Significado na

linguagem árabe Significado nos

problemas Notação moderna

Adad Número ou quantidade

de dinheiro Quantidade conhecida

(número dado) c

Jidhr Raiz Quantidade desconhecida x

Mal Possessão ou tesouro Quadrado da quantidade

desconhecida x²

Fonte: Quadro adaptado pela autora segundo Roque (2012)

Em sua obra Al-Khwarizmi resolve em seis capítulos curtos, seis tipos de

equações enunciadas de modo retórico (Quadro 3).

Quadro 03: Equações enunciadas por Al-Khwarizmi Modo retórico Notação moderna

Cap. I - Quadrados iguais a raízes ax² = bx

Cap. II - Quadrados iguais a um número ax² = c

Cap. III - Raízes iguais a um número bx = c

Cap. IV - Quadrados e raízes iguais a um número ax² + bx = c

Cap. V - Quadrados e um número iguais a raízes ax² + c = bx

Cap. VI - Raízes e um número iguais a quadrados bx + c = ax²

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Nos seis casos apresentados os coeficientes eram sempre considerados

positivos, pois se tratava de quantidades de quadrados ou raízes. A resolução das

equações era uma combinação de métodos algébricos e geométricos, pois para

cada tipo Al-Khwarizmi apresentava um procedimento para a solução e os

exemplificavam geometricamente reproduzidos dos Elementos de Euclides.

Tomemos como exemplo o quarto caso, onde Al-Khwarizmi considera o

exemplo “um Mal e dez Jidhr igualam 39 dinares”. (ROQUE, 2012, p. 252).

Em notação moderna, temos a equação 39102 xx

Algoritmo de resolução:

Page 59: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

59

Tome a metade da quantidade de Jidhr (que neste exemplo é 5) Multiplique essa quantidade por si mesma (obtendo 25) Some no resultado ao Adad (fazemos 39 + 25 = 64) Extraia a raiz quadrada do resultado (que dá 8) Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr, encontrando a solução (essa solução é 8 – 5 = 3) (ROQUE, 2012, p. 252).

Em notação moderna temos a resolução da equação cbxx 2, que pode

ser resolvida por cbb

42

2

.

Com o intuito de comparar a resolução de Al-Khwarizmi com a notação atual,

organizamos a resolução do exemplo no quadro a seguir.

Quadro 04: Resolução do exemplo

Solução apresentada por Al-Khwarizmi

Operações correspondentes em linguagem moderna

Operações correspondentes em linguagem moderna considerando uma

equação genérica do tipo x² + bx – c = 0

Tome a metade da quantidade de Jidhr

10/2 = 5 b/2

Multiplique essa quantidade por si mesma

5² = 25 (b/2)²

Some no resultado os Adad

25 + 39 = 64 (b/2)² + c

Extraia a raiz quadrada do resultado 864 cb

2

2

Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr,

encontrando a solução 8 – 5 = 3

22

2bcb

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Analisando a terceira coluna do quadro podemos perceber que o método de

resolução equivale à notação atual a fórmula de resolução de equação do segundo

grau. Assim sendo, podemos concluir que o método de resolução de equações de

Al-Khwarizmi existia certa generalidade, pois permitia tratar de qualquer exemplo

pertencente a um caso determinado. Para aplicar o método algébrico a situações

concretas, era necessário reduzir um problema qualquer a um dos seis tipos

apresentados no quadro 3. Essa é a função dos métodos de “restauração” (al-jabr) e

“balanceamento” (al-muqabala).

Page 60: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

60

Embora as técnicas utilizadas por Al-Khwarizmi fossem equivalentes à

fórmula para resolver equações do segundo grau, não se pode dizer que existia

realmente uma fórmula, pois para isso é necessário:

1. representarmos simbolicamente as incógnitas e as operações contidas em uma equação; e 2. a equação do segundo grau passar a ser considerada de modo genérico, ou seja, com todas as parcelas possíveis e com os coeficientes indeterminados. (ROQUE, 2012, p. 256)

Essas etapas foram adquiridas depois de séculos de pesquisa, começando

com Diofanto, passando por indianos e árabes, até chegar ao século XVI com os

trabalhos de Viète que introduz o simbolismo para os coeficientes, dando início a

fase simbólica da Álgebra.

François Viète viveu entre os anos 1540 e 1603, padronizou as

representações, utilizando vogais para representar as incógnitas e consoantes para

os coeficientes, todas em letras maiúsculas do alfabeto.

Vale ressaltar a diferença entre uma “incógnita” e um “coeficiente”. A primeira

trata-se de uma quantidade desconhecida, que será revelada de acordo com as

restrições impostas pela equação; já a segunda representa uma quantidade

conhecida que ocupa um papel indeterminado na expressão de uma equação

qualquer.

Tanto uma como a outra indicam indeterminações, porém com características

diferentes. O coeficiente é determinado de maneira arbitrária, ou seja, pela escolha

de uma equação particular. Já a incógnita, a determinação do valor é de maneira

não arbitrária. Segundo Roque (2012), “de modo distinto, no universo das equações,

a escolha arbitrária de coeficientes determina uma equação”. (p. 277).

Utilizamos como exemplo a equação 02 cbxax , e escolhemos

arbitrariamente os valores de a = 2, b = 6 e c = 200, logo determinamos um “caso”:

020062 2 xx .

De acordo com Roque (2012), o simbolismo utilizado por Viète, deveria

demonstrar uma generalização dos métodos algébricos, que permitisse atuar no

Page 61: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

61

universo das equações, utilizando coeficientes, sendo assim possível classificar as

equações e considerar os exemplos particulares como “casos”.

“Se Viète tivesse adotado outros simbolismos já existentes em seus dias, ele

poderia ter escrito todas as equações quadráticas na forma única

02 DCABA , onde A é a incógnita e B, C, e D são parâmetros”. (BOYER,

2010, p. 208)

A apresentação de uma fórmula geral diminuiria a resolução dos casos

particulares a um procedimento mecânico. Entretanto, classificações e fórmulas não

eram prioridades naquela época, pelo fato de a Álgebra não ser vista como uma

disciplina, e seus procedimentos eram utilizados na resolução de diversos

problemas.

A Álgebra de Viéte é basicamente sincopada e não simbólica, pois embora

ele adotasse símbolos diferentes para coeficientes e incógnitas, o resto de sua

Álgebra era constituído de palavras e abreviações. Por exemplo, a terceira potência

não era representada por A3, ou por AAA e sim por A cubus, a segunda por A

quadratus, para a multiplicação Viète usava a palavra latina in, a divisão era

representada pela barra da fração e a igualdade pela abreviação da palavra latina

aequalis, porém, como afirma Boyer (2010, p.208) “não é dado a um só homem

fazer toda uma dada transformação; ela deve vir em passos sucessivos”.

Diante de tal afirmação apresentamos o quadro a seguir com a evolução das

notações algébricas iniciando com Viète, passando por Harriot (1560-1621)

chegando a Descartes (1596 – 1650).

Page 62: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

62

Quadro 5: Evolução histórica das notações algébricas Viéte (1540 – 1603) Harriot (1560 – 1621) Descartes (1596 – 1650)

A quadratus aequalis 50 AA = 50

A quadratus A in 2 aequalis 0 AA – A2 = 0

A quadratus A in 5 6

aequalis 0

AA – A5 + 6 = 0

A quadratus A in 2 1

aequalis 0

AA – A2 + 1 = 0

B in A quadratus + C in A + D aequalis 0

B in AA + C in A + D =0

Fonte: Quadro elaborado pela Autora.

O método utilizado por Viète de substituir vogais e consoantes na incógnita

era utilizado com a intenção de conseguir simplificar a equação o máximo possível,

tornando-as assim, mais fácil e simples de serem resolvidas.

Segundo Amaral (1988) vamos descrever o método de Viète para a resolução

de equações do segundo grau.

O método:

Seja 02 cbxax , a ≠ 0

Fazendo-se vux , onde u e v são incógnitas auxiliares, e substituindo na

equação, temos:

0)()2(

0)()(22

2

cvubvuvua

cvubvua

Reescrevendo essa igualdade como uma equação na incógnita v, obtemos:

0)2( 22 cbuauvbauav

Viète transformou essa equação numa equação incompleta do segundo grau,

anulando o coeficiente v , isto é, escolhendo a

bu

2

Substituindo na equação, obteve:

Page 63: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

63

022

2

2

c

a

bb

a

baav

E chegou, após simples manipulações, a: 2

22

4

4

a

acbv

Se 042 acb

Então a

acbv

2

42

Logo a

acbb

a

acb

a

bxvux

2

4

2

4

2

22

Que é a fórmula da equação de segundo grau.

Esse método utilizado por Viète possibilita uma demonstração da fórmula de

equação de segundo grau, de fácil compreensão e sem grandes artifícios,

oferecendo a possibilidade de chegar-se à solução de uma equação completa do

segundo grau, sem que haja necessidade de utilizar a fórmula de maneira decorada,

além de ter um contato com a História.

Vejamos a aplicação do método de Viète na equação 0232 xx

Resolução:

Fazendo vux e substituindo na equação dada, temos:

02332

02)(3)(22

2

vuvuvu

vuvu

que é equivalente a:

0233)32(2 vuvuv

Escolhendo 2

3u (para anular o coeficiente de v ) teremos:

Page 64: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

64

2

1

4

1

4

1

04

1

022

9

4

9

022

3.3

2

33

2

3.2

2

2

2

2

2

v

v

v

v

v

vv

2

1

2

3 xvux .

Logo, as soluções da equação são 2 e 1.

Podemos perceber que as equações algébricas se desenvolveram ao longo

dos séculos, para tanto foi estudada pelos: egípcios, mesopotâmicos, gregos,

hindus, árabes, chineses e europeus, percorrendo um longo caminho até chegar aos

dias atuais. Com o passar do tempo os métodos e procedimentos no trato com as

equações algébricas foram sendo cada vez mais aperfeiçoados.

Viète tinha o objetivo de constituir uma nova Álgebra, sendo esta com a

mesma importância da Geometria, para tanto, buscou fazer da Álgebra uma ciência

nos padrões gregos, revelando-a de maneira incontestável, pois acreditava na sua

capacidade, uma vez que utilizava os métodos algébricos de resolução de

equações.

Como já mencionado, as contribuições de Viète não foram suficiente para

uma mudança total de fase, mas sem dúvida foi ele quem impulsionou a fase

simbólica, permitindo que futuros Matemáticos, como Descartes, contribuíssem para

uma mudança definitiva.

Page 65: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

65

CAPÍTULO 3

A INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA

Este estudo se constitui em uma pesquisa qualitativa sobre o uso da História

da Matemática na sala de aula.

Foram realizados 3 encontros com os professores participantes do projeto

“OBEDUC – Práticas” com 4 horas de duração, no período da manhã e ocorreram

nas dependências da Diretoria de Ensino Norte 2. Cada encontro dizia respeito a

uma fase de desenvolvimento histórico da álgebra. Ainda, no primeiro deles foi

aplicado um questionário inicial e, no último encontro, um questionário final. Esses

encontros estão relatados e analisados nos tópicos que se seguem.

3.1 Primeiro encontro

No primeiro encontro, foi aplicado o questionário inicial e, em seguida,

iniciamos a apresentação da primeira fase de desenvolvimento histórico da álgebra,

conforme consta nos tópicos a seguir.

3.1.1 Do questionário inicial

No primeiro dia da experiência formativa, logo após as apresentações dos

professores participantes daquele encontro, solicitamos que eles respondessem a

um questionário, com o intuito de conhecer algumas características do perfil

profissiográfico desses sujeitos. A partir das respostas obtidas nas questões

fechadas, abertas e mistas, contidas no questionário inicial, elaboramos os quadros

que seguem. As respostas dos professores quanto às questões abertas e mistas

estão grafadas em itálico dentro dos quadros.

Page 66: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

66

Quanto ao perfil profissional dos professores participantes temos, no quadro

6:

Quadro 6: Perfil profissional dos professores participantes

1. Nível de ensino em que atua:

Cinco professores atuam no ensino fundamental, cinco no ensino médio e cinco em ambos.

2. Formação profissional Onze professores são apenas graduados e quatro deles possuem especialização.

3. Tempo de formação Seis professores são formados a mais de 1 ano e menos de 10 anos. Dois são formados a mais de 10 anos e menos de 20 anos e sete são formados a mais de 20 anos.

4. Tipo de formação Doze professores são formados em Licenciatura Plena em Matemática, um possui Licenciatura Curta, um é Bacharelado em Matemática e um possui Licenciatura Plena e Bacharelado em Física.

5. Tempo de atuação como professor de Matemática

Quatro professores atuam menos de 2 anos. Dois professores de 2 a 5 anos. Dois professores de 6 a 9 anos e sete professores a mais de 10 anos.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Como podemos observar, a maioria dos participantes da experiência

formativa são formados a mais de 20 anos, possuem Licenciatura Plena em

Matemática e atuam como professores de Matemática no Ensino Médio.

Quanto à História da Matemática temos:

Quadro 7: Considerações dos professores participantes quanto à História da Matemática

6. Contato com a História da Matemática

Seis professores tiveram contato na graduação com a História da Matemática, quatro na formação continuada e três em publicações, durante a graduação e em formação continuada. Dois deles alegaram que não tiveram contato com a História da Matemática.

7. Quanto à disciplina História da Matemática em sua formação

Quatro professores responderam que tiveram como disciplina optativa, oito como disciplina obrigatória e três em nenhuma disciplina.

8. Sobre a apresentação da História da Matemática como metodologia de ensino em sua graduação

Dois professores responderam que a História da Matemática foi apresentada consistentemente como metodologia de ensino em sua graduação. Seis deles tiveram uma apresentação breve quanto ao assunto e sete não lhes foram apresentada.

9. Sobre o uso da História da Matemática como metodologia ou recurso didático para o ensino da Matemática em suas aulas

Cinco professores responderam que não utilizam a História da Matemática como metodologia ou recurso didático em suas aulas e dez deles que sim. Os que apresentaram respostas positivas justificaram que:

Sempre, para explicar e justificar alguns conceitos.

Page 67: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

67

Para introduzir um tema novo sempre recorro a fatos históricos.

Não necessariamente o estudo mas, em alguma situação onde precise abordar determinado conteúdo, mas muito breve.

Breve introdução ao conteúdo com pouco da história.

Muito pouco, citando algumas características e descobertas de matemáticos, fatos e interesses que levaram a descoberta ou estudo de assuntos que até hoje ensinamos em sala de aula.

Filmes, narrativas e leitura.

Apresentando como se chegou em cada questão Matemática.

Pesquisa com os alunos.

Na sala de multimídia.

Surgimento e a necessidade de contagem.

10. Sobre considerar a História da Matemática como auxiliar nos processos de ensino da disciplina de Matemática.

A esse respeito afirmaram que:

A história é a melhor maneira de justificar, comparar e demonstrar mudanças e conceitos.

para dar ciência ao aluno que a Matemática está presente na sociedade e não é uma disciplina avulsa.

acredito que em algumas situações sim, mas deve-se considerar que é importante que se busque esta reciprocidade com os alunos e claro, deve-se iniciar isso nas fases iniciais para que se tenha o costume, daí tudo acontece.

o aluno precisa saber o porque daquele conteúdo, breve histórico para despertar o interesse em sua aprendizagem.

ela pode tornar mais significativo o que estudamos hoje.

através da história é possível mostrar a necessidade do aprendizado da matemática.

temos que mostrar aos alunos a importância da matemática em nosso cotidiano.

os alunos devem saber o porque de aprender aquele conteúdo, para que serve e porque se chegou aquela conclusão.

Não pensei a respeito.

ajuda na explicação.

os conceitos iniciais seja na matemática ou em qualquer área sempre facilita o entendimento, na matemática é quase obrigatório.

Sim, pois os alunos questionam quem a inventou, com a história da matemática consigo explicar que não teve um inventor e sim uma necessidade.

desde as séries iniciais o aluno precisa saber sobre a história da matemática.

falando da importância da matemática na nossa vida.

pois é uma maneira de mostrar a importância de matemática através de suas origens e descobertas.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Em síntese, a maioria dos professores teve contato com a História da

Matemática na graduação e fazem uso dela como metodologia ou recurso didático

em suas aulas. Alegam abordar o assunto de diversas maneiras, uns com maior

objetividade e outros de maneira mais indireta.

Page 68: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

68

Além disso, os professores consideram que a História da Matemática pode

auxiliar nos processos de ensino da disciplina de Matemática, pois seus

apontamentos nos levam a crer que a mesma é indispensável para um bom

entendimento seja para responder a perguntas sobre matemáticos que a

desenvolveram, para destacar a sua importância na nossa vida, de sua origem e

para dar significado ao conteúdo explicado.

Relativamente à álgebra temos:

Quadro 8: Sobre a relevância do conhecimento algébrico

Sim, pois consigo através da álgebra “generalizar”, demonstrar de uma forma mais abrangente.

Sim, além de fazer parte da grade curricular pode ser aplicado em problemas práticos do cotidiano.

Com certeza, porem em testes que aplicamos tipo AAD ou mesmo avaliação diagnóstica ainda se percebe que os alunos sentem “resistência” dificuldade em associar e resolver.

Sim, a aplicação algébrica no cotidiano exemplificando torna a aprendizagem significativa.

Sim, há necessidade do conhecimento algébrico para resolução de problemas.

Sim, capacita a aluno para outras matérias dependentes dos conteúdos algébricos.

Sim, como sempre explico para os alunos é uma forma de descobrir um número desconhecido.

Sim para demonstrar os tópicos matemáticos.

Sim, para demonstrações.

Sim, o passa a passo ajuda no entendimento.

Sim, é muito importante saber transformar um problema matemático em uma expressão algébrica, isso facilita a compreensão.

Sim, e constante a procura no dia a dia por respostas matemáticas para diferentes problemas, a álgebra vem sanar esses problemas.

Sim.

É de muita importância, para o aprendizado.

Sim, pois demonstra um melhor entendimento e prática pelos alunos.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Quadro 9: Sobre o aprendizado de seus alunos quanto à formação de conceitos algébrico.

Acredito que como tudo, quando ele compreende de fato, ele perde “um pouco o medo”, pois a principio é difícil para cabecinha deles entenderem como as letras podem fazer parte da matemática.

Estou a pouco tempo no ensino mas vejo uma grande dificuldade de forma geral.

Então, talvez devêssemos abordar melhor este tema, usando a escrita, uma breve história para abordá-la porque eles têm dificuldades de reconhecer e desenvolver o assunto.

O aluno hoje (geração) é desinteressado não encontrando objetivo nos conteúdos propostos e ao introduzir conceitos algébricos com exemplos do seu dia a dia, torna o entendimento mais favorável.

Péssimo (um dos grandes problemas no ensino da matemática).

Péssimo.

Atualmente, somente alguns se destacam, mas dos que se destacam é de grande valor para fixar os conhecimentos.

O aluno verá que matemática vai além das quatro operações básicas.

Eles têm pouca paciência para resolver, eles querem o resultado rápido.

Muita dificuldade em interpretar um enunciado na forma algébrica, é necessário um pouco mais de prática.

Muito fraco, a deficiência ano por ano só aumenta.

Page 69: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

69

Nas 6ª séries há interesse, eles acham interessante a mistura de números e letras. No médio poucos alunos se interessam.

É de grande importância.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Quadro 10: Quanto às dificuldades dos alunos em aprender os conceitos algébricos.

Sim, pelos motivos já mencionados anteriormente.

Idem a anterior.

Em minha opinião esta dificuldade se dá em decorrência não só por não entender o conceito, mas, porque não entendem o que se pede e o que se está escrito, “o que se quer”.

Sim, para os alunos é difícil compreender o calculo do termo desconhecido. (Por que existem vários valores).

Sim, há falta de vivência do “passar de uma determinada situação par aa linguagem matemática”.

Sim, pois não ocorre o amadurecimento dos conceitos ensinados.

Muita dificuldade. Eles questionam o porquê de ter letras e números juntos, pois dificulta a resolução.

Sim, mas em minha opinião, é mais em função do ambiente escolar, pois quando leciono especificamente, ou seja, em particular, o aluno consegue absorver o conteúdo.

Sim, conceitos algébricos é um conteúdo abstrato, os alunos de hoje tem dificuldades com conteúdos abstratos.

Sim, são imediatistas e um tanto desinteressados.

Sim, muitas vezes a própria leitura não faz parte do seu cotidiano, logo a leitura matemática é inexistente.

Sim, estou pesquisando e ainda não tenho uma opinião formada.

Sim, no médio falta de interesse. No fundamental conseguimos envolver a maioria.

Sim, pois eles têm algumas dificuldades básicas.

Sim, em virtude da falta de pré-requisitos apresentados pelos alunos.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Quadro 11: Quanto à utilização da História da Matemática como recurso para a formação de algum conceito algébrico.

Sim, como uma maneira de comparação.

Sim, mas estou em busca de aperfeiçoar esse método.

Depende da turma, depende do costume de cada turma, há uma turma que é + recíproca, gosta de ouvir, outras mais agitada.

Não

Sim, (tentativa de justificar a utilização de “símbolos”).

Não.

Sim, acho interessante para os alunos conhecer a história, como o pensador chegou aquele conceito.

Sim, para ilustrar e repassar a(s) origem(ns) e as soluções dos tópicos.

Não.

Sim. Porém preciso me aprofundar um pouco mais.

Não utilizei ainda, mas gostaria de utilizar mas como já disse na minha formação não tive a oportunidade de estudar a História em si.

Não utilizei ainda.

Sim.

Ainda não.

Atualmente não.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Pelos comentários efetuados, constatamos que três professores utilizam a

História da Matemática como instrumento metodológico e doze deles nunca a

Page 70: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

70

utilizaram. Todos os participantes responderam que não conheciam as três fases do

desenvolvimento histórico da álgebra.

Pudemos perceber, em conformidade com as respostas obtidas no

questionário, que todos os professores participantes consideram relevante o

conhecimento algébrico, por fazer parte da Matemática e sendo indispensável para

sua compreensão, demonstrações e resolução de problemas. A maioria considera

fraca a formação de conceitos algébricos nos alunos, pois percebem que eles

apresentam grandes dificuldades em lidar com a álgebra. Dentre essas dificuldades,

destacam a falta de interesse, de amadurecimento e a dificuldade em trabalhar com

letras e números.

Aproximadamente a metade dos professores não utilizou a História da

Matemática como recurso, mas deram a entender que pretendem utilizar. Entre os

que já utilizaram, alguns gostariam de conhecer melhor o assunto e alegaram que a

utilizaram como apoio para justificar o conteúdo aplicado, porém a maioria não

utilizou a História da Matemática como instrumento metodológico para ensinar

equações.

Diante das respostas dadas às questões que constam quadros 9, 10 e 11,

julgamos pertinente a realização dessa experiência formativa com os professores

abordando os conceitos algébricos, em especial, as equações de primeiro e

segundo grau, tomando a História da Matemática como recurso para explicar e

exemplificar os métodos e procedimentos desenvolvidos ao longo dos tempos, por

civilizações e matemáticos utilizando as três fases de desenvolvimento da álgebra.

Page 71: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

71

3.1.2 Primeiro encontro: fase retórica

Figura 3: Professores participantes da experiência formativa

Fonte: Acervo da pesquisa

As atividades do primeiro encontro foram destinadas à fase retórica da

álgebra, abordando os métodos e procedimentos de resolução das equações de

primeiro e segundo grau dos egípcios e babilônios.

Para tanto, entregamos aos sujeitos participantes um roteiro das atividades

que seriam desenvolvidas naquele primeiro encontro, contendo os problemas

históricos relacionados à fase retórica, de modo que os professores pudessem

acompanhar as discussões e efetuar resoluções de alguns desses problemas. (Ver

Apêndice II).

Iniciamos essa abordagem com um breve relato das três fases de

desenvolvimento histórico da Álgebra, para que os professores participantes

pudessem inteirar-se brevemente do que seria apresentado a eles. Quanto à fase

retórica, primeiramente, apresentamos suas características, os métodos e

procedimentos utilizados pelos matemáticos egípcios e babilônios para resolução de

equações de primeiro e segundo grau.

Assim, discutimos sobre a importância dos papiros e também suas possíveis

intenções pedagógicas. Esse entendimento surgiu na medida em que observamos

que alguns dos problemas contidos nesses papiros eram semelhantes, mudando

apenas as quantidades, sugerindo, desse modo, a provável pretensão de que seus

Page 72: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

72

“Problema 24: Uma quantidade e seu somados fazem 19. Qual a

quantidade?” (ROQUE, 2012, p.82)

leitores, por meio de repetição, aprendessem um determinado método de resolução

de problemas.

Após essa discussão, foram apresentados três problemas contidos no papiro

de Rhind, problemas 24, 26 e 27 extraídos da obra de Roque (2012), com o objetivo

dos professores conhecerem a linguagem por eles utilizada. Em seguida sugerimos

que resolvessem os problemas cada qual a sua maneira, com o intuito de que

pudessem comparar os resultados após a apresentação do método dos egípcios.

Com a intenção de proporcionar um clima descontraído, sugerimos que eles fossem

à lousa e apresentassem suas resoluções. Entretanto, os professores naquele

momento mostraram se inibidos. Dessa maneira, para que todos pudessem se sentir

a vontade resolvemos o primeiro problema na lousa.

Figura 4: Resolução algébrica do problema 24

Fonte: Acervo da pesquisa

Após nossa iniciativa em resolver o problema, conseguimos contar com a

participação de duas professoras para a resolução dos problemas 26 e 27, a saber:

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73

“Problema 26: Uma quantidade e seu somados fazem 15. Qual a

quantidade?” (ROQUE, 2012, p. 82).

“Problema 27: Uma quantidade e seu somados fazem 21. Qual a

quantidade?” (ROQUE, 2012, p. 82).

Figura 5: Professora resolvendo problema 27

Fonte: Acervo da pesquisa

Após essas resoluções, onde cada um apresentou o seu modo particular de

resolver os problemas, apresentamos e explicamos o método de resolução de

equação de primeiro grau ou equação linear denominado “regra da falsa posição”

utilizado pelos egípcios e extraído de Guelli (1992).

Explicamos como funcionava o método da falsa posição e em seguida

sugerimos aos participantes que resolvessem os problemas que anteriormente

foram resolvidos algebricamente por eles pelo método apresentado (regra da falsa

posição). (Ver Apêndice II).

Resolvemos um novo problema juntos, pois eles demonstraram certa

insegurança em resolver sozinhos.

Page 74: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

74

Figura 6: Resolução retórica do problema 24

Fonte: Acervo da pesquisa

Então, deixamos os próximos para eles resolverem sozinhos durante o

encontro.

Houve curiosidade por parte dos professores em saber se os egípcios

conheciam frações, se eles deixavam os resultados com valores quebrados ou

transformavam em fração. Nesse momento, iniciamos uma discussão sobre os

problemas resolvidos e a possibilidade de trabalhar, o método apresentado, em sala

de aula. Assim obtivemos os seguintes comentários por parte dos professores

integrantes dessa experiência formativa:

Quadro 12: Sobre os problemas resolvidos pelo método da “falsa posição”

“Essa didática... passar um pouquinho antes de você começar a questão da equação, porque até ai eles já tiveram divisibilidade, eles já tiveram regra de três em alguns conteúdos, talvez eles conseguissem entender um pouquinho melhor a equação.”

“Uma boa opção para introduzir as equações, sem começar logo de cara com o x.”

“Eu vejo assim, se costuma muito falar em você não dá nada pronto que você precisa fazer com que o aluno descubra, tudo bem! Você pegar agora isso aí, você não falou de fórmula algébrica, você não falou de formulas, você não falou de regras se você for analisar essa montagem que eles faziam se você for verificar de fato existe um caminho, tem um raciocínio, e se você for analisar primeiro passo você vai bolar um valor, aí qual é a dificuldade que nos encontramos o aluno pode escolher qualquer valor falso, perfeito, agora se ela não tiver esse domínio de divisão porque ele tem que pensar em um número.”

“Ele vai ter que fazer uma tabela isso não deixa de ser uma regra, você não precisa dizer que isso é uma regra de três”.

“O entrave que eu vejo aí e você sair do enunciado do problema, você vai ter que passar isso para a linguagem algébrica, isso aí vai ter que ter o auxilio do professor, não é um trabalho que não seja direcionada, vai ter que ter essa participação, inclusive no “chutometro” o professor vai ter que dá uma mãozinha”.

“Eu vejo também que muitos professores erram, principalmente, quando eles vão começar a equação, que, por exemplo, eles começam a equação eles explicam a

Page 75: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

75

equação somente por operações inversas, e aí eles não explicam outra forma de resolver equação, aí eles passam uma lista de equação sei lá, 50 equações, sem nenhuma problemática nisso, então o aluno mecaniza se você for jogar um problema desse realmente ele não vai saber resolver, não era mais fácil você ter pego uma lista com problemas, resolvido 20 questões junto com eles, e deixar as outras 30 para eles resolverem, ou começar invés de resolvendo equação começar com as problemáticas da equação.”

“Você vai trabalhando a linguagem, pois a questão da linguagem ainda é muito confusa para eles”.

“Acho interessante começar assim a introdução às equações através de problemas, inclusive assim a introdução de símbolos”.

“É importante à revisão ao iniciar um conteúdo, seja ele qual for”.

“A deficiência dos alunos em interpretar as questões, então o que podemos fazer, parar de só colocar “efetue” e colocar mais problematização, e não só calcule, efetue, resolva. A problematização das questões auxilia na passagem do concreto para o abstrato nós no geral, matemáticos aprendemos assim, e nós não problematizamos as questões”.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Diante desses apontamentos pudemos perceber que o argumento dez de

Miguel (1997) quanto a História como um instrumento de conscientização

epistemológica se faz presente, pois os professores deixaram transparecer a

necessidade de iniciar a abordagem informal das equações algébricas devido à

imaturidade dos alunos em lidar com a linguagem, interpretação e entendimento.

Esse ponto de vista ficou evidente em alguns trechos dessa discussão, na qual os

professores afirmam: “Uma boa opção para introduzir as equações, sem começar

logo de cara com o x.” “O entrave que eu vejo aí e você sair do enunciado do

problema...”. “A deficiência dos alunos em interpretar as questões...”. “Você vai

trabalhando a linguagem, pois a questão da linguagem ainda é muito confusa para

eles”.

Os professores também manifestaram interesse sobre a Matemática

desenvolvida pelos egípcios, especialmente no que tange ao conteúdo referente às

frações. Nesse sentido, entendemos que, o argumento dois de Miguel (1997), sobre

a História como uma fonte de objetivos para o ensino da Matemática, pode auxiliar

na compreensão e na significação do fazer matemático dos egípcios sobre esse

conteúdo. Nota-se também que essa abordagem contribuiu para motivar os

professores sobre a História das frações, o que pode vir a refletir em novas práticas

para o ensino da Matemática.

Page 76: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

76

“Comprimento, largura. Multipliquei comprimento por largura, obtendo assim a

área: 252. Somei comprimento e largura: 32. Pede-se: comprimento e largura”.

(BAURGART, 1991, p. 4)

Para encerrar, realizamos a resolução de um problema sobre um quebra-

cabeça hindu do século VII pelo método da regra da falsa posição, extraído de

Guelli, 1992. (Ver apêncide II)

Nesta parte do encontro, percebemos que os professores gostaram do

método “regra da falsa posição”. Embora desconhecidos por eles, muitos apontaram

ser uma boa opção de ensino, pois ficaram entusiasmados com a prática de resolver

uma equação utilizando outros conteúdos, ainda que implicitamente, como

proporção, fração, regra de três, números múltiplos, etc. Também julgaram o método

eficiente para se trabalhar a questão da linguagem algébrica, segundo eles, um

grande obstáculo para o aluno, assim como a resolução de problemas.

Dando continuidade iniciamos a apresentação dos métodos e procedimentos

dos babilônios para a resolução das equações de segundo grau.

Apresentamos uma breve História dos babilônios, explicando sobre as tábulas

de argilas e seu avanço em trabalhar com equações de quadráticas e algumas

cúbicas.

Foi apresentado um problema de área e largura para exemplificar o método

de resolução dos babilônios.

Do mesmo modo como desenvolvemos a atividade anterior, sugerimos que os

participantes resolvessem algebricamente para que pudéssemos comparar os

resultados após a resolução pelo método utilizado pelos babilônios.

Equacionamos o problema para os professores na lousa, por meio de um

sistema de equações e aguardamos que eles o resolvessem.

Após a resolução do problema pela forma algébrica, questionamos os

professores sobre qual método utilizaram para resolver o referido problema. Todos

Page 77: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

77

responderam que utilizaram a fórmula para a resolução da equação do segundo

grau.

Então resolvemos o problema na lousa do jeito que eles sugeriram, utilizando

a equação do segundo grau (Figura 7).

Figura 7: Resolução algébrica do problema

Fonte: Acervo da pesquisa

Em seguida, apresentamos a eles o método de resolução dos babilônios para

uma equação do segundo grau. Fomos realizando os cálculos, passo a passo, de

acordo com o procedimento que os babilônios utilizavam ao mesmo tempo em que

os professores acompanhavam essas explicações por meio de leitura do roteiro de

atividades disponibilizado. (Ver Apêndice II, p. 119).

Figura 8: Resolução retórica do problema

Fonte: Acervo da pesquisa

Page 78: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

78

Propusemos aos professores que resolvessem outro exemplo incluso no

roteiro apresentado. Minutos depois verificamos que os professores não

conseguiram avançar com a resolução. Então optamos por resolver o problema junto

aos participantes, discutindo cada etapa envolvida no processo.

Após resolvermos os problemas pelo procedimento retórico, apresentamos

uma generalização algébrica do roteiro e questionamos a opinião deles quanto ao

método apresentado.

Quadro 13: Opinião dos professores quanto à generalização do roteiro

“O método para trabalhar a soma e o produto é mais fácil, ou seja, o roteiro sem generalizar.”

“Eu acho que teria mais sucesso com os alunos seguindo o roteiro e não a fórmula generalizada se for para utilizar fórmula ai seria a fórmula de segundo grau.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Explicamos a eles que ao generalizarmos o roteiro temos condições de

encontrar as duas raízes da equação e que pelo roteiro só era possível encontrar

uma raiz, ou seja, fizemos uma interpretação do pensamento babilônico trazendo

para a nossa Matemática moderna, porém diante das opiniões dos professores

podemos perceber que eles consideram a resolução retórica mais simples que a

generalização do roteiro, ou seja, nem sempre as fórmulas apresentam-se como o

melhor caminho para se resolver um problema. Nesse sentido, o roteiro histórico se

apresenta como uma opção didática para introduzir as equações de segundo grau.

Questionamos a respeito dos obstáculos, por eles identificados, para trabalhar

o método em sala de aula.

Quadro 14: Sobre as dificuldades de utilização do método babilônio em sala de aula

“O português, a questão da interpretação, pois muitos de nós nos confundimos na hora de resolver”

“O aluno utiliza a fórmula de Bhaskara9 sem saber o porquê utiliza a fórmula como uma

receita. Essa formula seria um início para entender a formula geral da equação de segundo grau.”

“Eu acho que é válido porque a partir do momento que você tem outras maneiras você dá opções para o aluno escolher. E aí vai da maturidade do aluno para descobrir o que

9 A partir da década de 1960 autores brasileiros de livros didáticos passaram a denominar a fórmula

da resolução da equação de segundo grau do tipo ax2

+ bx + c = o como “fórmula de Bhaskara”,

denominação conhecida apenas por professores e alunos brasileiros (NOBRE, 2006).

Page 79: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

79

é mais pratico para ele.”

“Você tem caminhos mais simples e às vezes o aluno prefere o mais longo, nem sempre o mais simples é o mais fácil para o aluno. Trabalhando diversas maneiras vai fazendo com que o aluno perceba que a formula de segundo grau é o método generalizado que ira resolver qualquer equação. É muito bom ter cartas na manga.”

“Creio que se eu fizer algumas adaptações é possível trabalhar na sala de aula, sempre dando uma orientação ao aluno. O professor precisa intermediar.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Tais opiniões nos remetem ao entendimento de Miguel e Miorin (2004) que

argumentam quanto à possibilidade de considerar a História como elemento

orientador na elaboração de atividades e situações problemas, sem que a mesma

seja revelada.

Perguntamos então se seria possível aplicar os problemas em sala de aula.

Quadro 15: Respostas dos professores sobre a possibilidade de aplicação dos problemas

“Dá, porém de inicio eu pensaria em simplificar um pouco mais a linguagem para eles entenderem melhor e depois iniciar com o problema histórico, e contar um pouquinho da história, falar dos papiros”.

“A matemática exige uma linguagem única, é preciso trabalhar a linguagem com eles, e os problemas podem auxiliar nesse trabalho, pois só exercício simples faz com que eles fiquem acostumados a uma rotina.”

“Isso impede o aluno de estudar sozinho, falta à interpretação, a linguagem para que eles possam caminhar sozinhos.”

“Os alunos têm dificuldades de identificar o que fazer com os problemas, não sabem o que é adição, subtração, não conseguem identificar o caminho e com isso não conseguem resolver. Eles querem calcular, calcular, não querem pensar, querem a resposta e pronto.”

“Temos que convencer esse aluno que a matemática é importante para o seu dia a dia, ela faz parte da vida.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

A última fala nos reporta às ideias de Ubiratan D’Ambrosio (1999), ao

destacar que as raízes da Matemática se confundem com a História da humanidade,

produzida pelas necessidades práticas e desenvolvida para atender certas buscas

da sociedade.

Neste segundo momento do encontro, pudemos verificar nas falas dos

participantes que eles se interessaram pelo método de resolução dos babilônios

para as equações de segundo grau, porém fizeram apontamentos quanto às

dificuldades que os alunos podem apresentar ao utilizar o método generalizado.

Page 80: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

80

Entre as dificuldades apontadas estão a interpretação dos problemas e

entendimento da linguagem Matemática por parte dos alunos. Alguns alegaram que

o roteiro seria muito mais fácil de trabalhar, por outro lado, também destacaram a

importância de se trabalhar a questão da generalização, realizando adaptações para

facilitar o processo, tendo o professor como mediador e a importância de se utilizar

desse método para fazer o aluno compreender de onde surgiu a formula da equação

de segundo grau.

Essas discussões foram muito produtivas, pois possibilitaram a reflexão das

práticas adotadas em sala de aula de modo a vislumbrar novos modos de abordar

as equações de primeiro e segundo grau, a partir de uma perspectiva histórica.

Nesse primeiro encontro, pudemos perceber que a História da Matemática

pode contribuir na escolha de métodos e procedimentos pedagógicos, pois de

acordo com o terceiro argumento de Miguel (1997) defendido por Klein, a

importância pedagógica da História esta vinculada à questão da escolha de métodos

adequados de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos. Observamos, nas

falas dos professores, que o quinto argumento apresentado por Miguel (1997), qual

seja a História como um instrumento que possibilita a desmistificação da Matemática

e a desalienação de seu ensino também faz parte dessa discussão, uma vez que a

História da Matemática aponta para o fato de que o modo como normalmente o

conteúdo matemático é ensinado não revela o modo como esse conceito foi

historicamente produzido. Da mesma forma, o sexto argumento está presente, pois

revela a História como um instrumento de formalização de conceitos matemáticos,

por se tratar de um processo de traçar caminhos para se chegar a um determinado

fim. Contamos ainda, com o décimo primeiro argumento de Miguel (1999), que

apresenta a História como um instrumento que pode promover a aprendizagem

significativa e compreensiva da Matemática, pois permitiu aos professores presentes

nessa experiência formativa conhecer métodos e procedimentos que podem ser

utilizados como recurso para ensinar a Matemática com propriedade, dando

significado ao que está sendo ensinado.

Page 81: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

81

Encerrando esse encontro, deixamos como sugestão, que os professores

participantes aplicassem, na medida do possível, os métodos e procedimentos

discutidos durante nossa reunião.

3.2 Segundo encontro: fase sincopada

Figura 9: Professores participantes do segundo encontro

Fonte: Acervo da pesquisa

Para o segundo encontro, contamos com a presença de 16 professores.

Nesse dia não pudemos utilizar a mesma sala do primeiro encontro. O local que nos

fora destinado era um laboratório de informática e não pudemos contar com o apoio

de um quadro para a resolução das atividades. Tínhamos apenas uma prancheta e

por essa razão não foi possível apresentar, para todos os participantes, as

resoluções efetuadas pelos professores contidas no roteiro de atividades, entregue

logo no início do encontro. (Ver Apêndice III). Entretanto, os professores mostraram-

se mais participativos e a vontade em comparação com a participação deles no

primeiro encontro. Isso talvez porque já estavam mais inteirados do assunto, e

estabeleceram relação de coleguismo entre eles.

Iniciamos relembrando os pontos mais marcantes do encontro anterior,

relativos ao método de resolução dos egípcios e dos babilônios. Perguntamos

também se eles conseguiram utilizar, em suas aulas, algum dos métodos discutidos

na reunião anterior, conforme havíamos sugerido.

Page 82: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

82

A esse respeito apenas uma professora se pronunciou dizendo:

Quadro 16: Fala de uma professora participante sobre a aplicação dos métodos

“Eu fiz alguma coisa até mesmo porque eu já estava começando equação, ai eu passei um pouquinho de história, mas eu ainda não passei os problemas em si, então eu levei eles até a sala de informática, então nós pesquisamos sobre os papiros, sobre a Lilavati e cheguei a mostrar alguns problemas para eles, mas não iniciei as resoluções, para o próxima semana eu pretendo trabalhar essa parte dos métodos com eles.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Continuamos conversando sobre a opinião deles a respeito da possibilidade

de aplicar os métodos apresentados no primeiro encontro, em sala de aula, pois

como havia se passado uma semana, estávamos interessados em saber o que eles

conseguiram assimilar das informações obtidas no primeiro encontro. Três

professores se pronunciaram dizendo:

Quadro 17: Comentários dos professores sobre a aplicação dos métodos

“Eu achei interessante sim, e acho que é interessante mostrar pra eles, saber a opinião deles, sentir como é isso neles. É como pra gente, o que é a história da matemática? A gente gosta porque é da área de matemática, mas assim, como é para o aluno? Como ele vê a história? Como eles iriam desenvolver isso? Eu pretendo planejar para trabalhar com eles, realizar uma experiência para ver como seria isso.”

“Penso que se planejar direitinho e fazer algumas adaptações por conta do tempo disponível que temos, porque isso não pode ser em apenas uma aula ou duas aulas, eu não posso chegar lá e jogar a história, tem que saber trabalhar, é preciso trazer para o mundo deles, apresentar de uma forma lúdica, porque é valido, mas não dá para chegar é disser isso é história da matemática e pronto é preciso ter um planejamento.”

“Penso também que primeiro o professor deve amadurecer a ideia da história, estudar a respeito, para poder passar a diante, pois o aluno tem curiosidade, eles perguntam: Quem inventou a matemática professor? Como começou isso aí? Quem foi o louco? E esse número com essa letra? Então essa ideia de vocês vem de certa formar unir com a necessidade deles de trabalhar....”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Nesse instante iniciamos uma discussão de como poderíamos trabalhar esses

métodos com os alunos em sala de aula, ou seja, do ponto de vista dos professores,

qual seria a maneira mais indicada para discutir esses conhecimentos?

Não faltaram sugestões, tais como: em forma de projetos, em experiências

com uma única sala, de maneira lúdica e gradativa, entre outras. Assim,

Page 83: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

83

percebemos que é uma proposta de trabalho que não está pronta e acabada, mas

que é passível de ser adaptada para ser trabalhada em sala de aula.

Nas falas acima, pudemos identificar as considerações de D’Ambrosio (1996)

quanto à importância das atividades serem elaboradas de maneira lúdica e

interessante para despertarem o interesse do aluno.

Ainda podemos constatar o décimo primeiro argumento de Miguel (1997), a

História como um instrumento que pode promover a aprendizagem significativa e

compreensiva da Matemática, que aponta a importância de se levar em

consideração os questionamentos dos alunos, justificando os motivos pelos quais se

devem aceitar certos fatos, raciocínios e procedimentos.

Seguindo, ainda, com essa abordagem, contamos com mais algumas

opiniões.

Quadro 18: Continuação dos comentários, sobre a aplicação dos métodos

“Eu tenho a ideia de trabalhar isso no nono ano. Qual minha intenção, primeiro fazer de forma algébrica e depois apresentar a forma retórica e para verificar, de repente alguns podem gostar mais dessa ou mais daquela, então deixar pra eles verificar qual caminho pra eles seria mais interessante, mais acessível, ver na prática quem tem em meio a sua aplicação.”

“Eu acho que o que ele falou é interessante, porque você dá vários caminhos para o aluno chegar ao resultado, qual ele vai pegar e vai escolher, sei lá, de repente o aluno que tem dificuldade em realizar operações inversas ele pode optar pelo método da regra da falsa posição.”

“Aí minha intensão Denise, é trabalhar com eles vários exercícios e ver qual o método que foi mais utilizado, e aí tabular para ver quantos fizeram pela forma algébrica e quantos fizeram pela forma retórica. Na sua proposta eu percebo uma segunda opção de trabalho.”

“Eu percebo que podemos sair do meio comum do mecânico.”

“O fator principal é você, o professor quebrar essa resistência, geralmente observar, estudar e compreender né, para você passar. Então primeiro passa por nossa própria resistência, querer e aceitação e verificar que isso é valido, porque se você tem uma outra opção, que você pode explicar aquilo ali, uma maneira totalmente diferente, acho que isso ajuda bastante né os alunos e acho também que enriquece a aula do professor.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Como se pode observar um dos participantes (primeiro comentário do quadro)

sugeriu fazer o inverso em relação ao que ocorreu na História, mas da forma como

vivenciou no curso. Entendemos que essa sugestão está acordada com o nono

Page 84: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

84

argumento de Miguel (1997) A História como um instrumento promotor de atitudes e

valores, pois permite eliminar as diferenças existentes entre o modo como a

Matemática é apresentada ao estudante e o modo como ela foi, na verdade,

produzida.

As falas que finalizam as sugestões de trabalho deixam entrever, para nós,

que estávamos no caminho certo para atingir nosso objetivo de pesquisa (analisar

como a História da Matemática pode contribuir para o ensino e a aprendizagem da

Matemática da Educação Básica), pois estávamos conseguindo promover reflexões

e propostas de ensino.

Os professores, por sua vez, consideraram a possibilidade de utilizar a

História da Matemática em sala de aula. O conhecimento histórico construído, até o

presente momento, pelos participantes, despertou o interesse em conhecer melhor a

História da Matemática. Essa abordagem contribui para motivar os participantes

desse estudo.

Quanto à motivação, D’Ambrosio (1996) aponta que a História da Matemática

no ensino deve ser analisada, sobretudo pelo seu valor de motivação para a

Matemática. Baroni e Nobre (1999) consideram que não se pode apenas considerar

a História da Matemática como elemento motivador, uma vez que engloba

elementos associados ao conteúdo matemático e sua atividade educacional. Essa

associação “se fortalece a partir do momento que o professor de Matemática tem o

domínio da história do conteúdo que ele trabalha em sala de aula” (p.132). Já Miguel

(1997), em seu primeiro argumento, apresenta criticas a essa potencialidade.

Porém, ao analisarmos as falas dos professores participantes, entendemos que os

mesmos se sentiram motivados para a realização de novas atividades em sala de

aula envolvendo a História da Matemática, ilustrando dessa maneira, a presença

dessa potencialidade.

Em seguida, iniciamos então a apresentação da fase sincopada, primeiro

mencionando as ideias de Diofanto, sua História e contribuições para a fase em

questão, em conformidade com o roteiro de atividade 2, entregue aos professores no

início desse segundo encontro.

Page 85: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

85

“Encontrar dois números com soma e produto dados” (ROQUE, 2012, p. 232).

Iniciamos as atividades com o método utilizado por Diofanto para resolver

problemas do segundo grau e sistemas lineares. Para demonstrar o procedimento

apresentamos um poema escrito em sua lápide.

Deus lhe concedeu ser um menino pela sexta parte de sua vida, e somando uma duodécima parte a isto cobriu-lhe as faces de penugem. Ele lhe acendeu a lâmpada nupcial após uma sétima parte, e cinco anos após seu casamento concedeu-lhe um filho. Ai! Infeliz, criança tardia; depois de chegar à metade da vida de seu pai, o destino frio o levou. Depois de se consolar de sua dor durante quatro anos com a ciência dos números ele terminou sua vida (BOYER, 2010, p. 121).

Resolvemos junto o poema utilizando a notação algébrica, equacionando os

versículos e assim encontrando a idade da morte de Diofanto.

Logo após, apresentamos o procedimento que Diofanto utilizava para resolver

os problemas da época. Para exemplificar trouxemos o problema 27 do livro I de

Diofanto.

Primeiramente, como já de costume, resolvemos esse problema pelo método

algébrico e depois pelo método sincopado. (Ver p. 124).

A partir dessa resolução, iniciamos uma discussão sobre a lógica que estava

por trás das ideias de Diofanto. Um professor apresentou várias hipóteses sobre os

motivos pelos quais Diofanto utilizava daqueles procedimentos:

Quadro 19: Reflexão de um professor a respeito da lógica dos problemas de Diofanto

“Da outra vez que você apresentou resolução da soma e o produto, será que não tem muito a ver com o problema de calculo de área? O fato de ele chegar e dividir por dois, já saber que a área máxima é o quadrado e essa diferença que ele faz do arithmo lá no produto com certeza ela vai aparecer né, existe uma parte que pode ser do x e a outra será do y. Quando ele divide por dois eu imagino que ele já tinha ideia da área máxima, então qual seria? Seria o quadrado, então com certeza em um dos lados você teria um número a mais e no outro, talvez, menos, e aí que o produto aparece. Eu achei que fica fácil, você pode até trabalhar com uma corda fechada e você pode verificar isso ai tranquilamente, eu fiquei pensando isso: Será que não tem a ver com a geometria? E até a garantia da escolha do número, talvez, esteja ligado a isso.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Page 86: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

86

“Achar dois números cuja soma seja um número dado e cujos quadrados

somados deem um número dado” (SERRÃO; BRANDEMBERG, 2013, p.6).

Para vocês resolverem: encontre x, y, z tal que e

em que

Nessa fala do professor, identificamos a presença do argumento oito de

Miguel (1997) quanto à História como um instrumento unificador dos vários campos

da Matemática, pois aqui o professor busca na geometria uma justificativa do seu

pensamento para a lógica do procedimento de Diofanto. Além disso, as hipóteses

aventadas pelo professor deixam entrever que o argumento sete a História como um

instrumento de promoção do pensamento independente e crítico está presente

nesses questionamentos que remontam ao modo como Diofanto elaborou e

desenvolveu os procedimentos próprios desse método da fase sincopada.

Dando continuidade, propussemos aos professores presentes a resolução do

problema 28 do livro I de Diofanto.

Os professores não encontraram dificuldades para resolver esse problema.

Assim, em seguida, sugerimos que resolvessem um problema de sistema linear que

elaboramos. Nossa intenção era elaborar um problema cuja solução apresentasse

pelo menos um resultado negativo. Queríamos desse modo, justificar qual o

procedimento usado por Diofanto para a escolha dos números, pois ao atribuir

valores para a, b e c, tinha o cuidado de observar que o resultado da divisão por dois

da soma desses valores, não poderia ser menor do que o maior valor escolhido para

a, b e c. Assim procedendo, Diofanto sabia que a solução encontrada não teria

nenhum número negativo.

Page 87: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

87

Esse problema apresenta como resultado números negativos e esse aspecto

foi enfatizado durante a atividade, uma vez que para Diofanto os números negativos

eram desprezados. Então levantamos a questão de qual era a explicação

Matemática para que o procedimento de Diofanto atendesse às restrições impostas

para que a solução encontrada fosse sempre números positivos.

Discutimos e explicamos qual era a lógica que Diofanto utilizava para não

obter resultados negativos em seus problemas e novamente percebemos nas

respostas dos professores a presença do oitavo argumento de Miguel (1997) como

podemos verificar nas falas a seguir:

Quadro 20: Falas dos professores que confirmam o argumento oito de Miguel (1997)

“Mas será porque isso tudo era voltado para a geometria, e na geometria a gente não tem medida negativa. Porque em algumas leituras que fiz, não se usa medida negativa porque era tudo voltado a geometria. Se era voltado à geometria não tinha medida negativa.”

“Esse método é a resolução por substituição.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Perguntamos aos professores presentes qual a primeira ideia que eles

tiveram para resolver o problema apresentado. Eles disseram que utilizaram o

método do escalonamento. Em seguida, apresentamos o procedimento que Diofanto

utilizava para a resolução desse tipo de sistema. Observamos que todos ficaram

surpresos com a facilidade e simplicidade para resolver um sistema de três

equações com três incógnitas tomadas duas a duas. Por conseguinte, surgiram os

seguintes comentários:

Quadro 21: Comentários dos professores sobre o método de Diofanto

“Percebemos que a história é colocada em sala de aula sem que o professor saiba que está trabalhando técnicas passadas.”

“Eu vejo também que esse assunto da resolução de sistema, pode ser utilizado no ensino médio, aí você apresenta essa forma de resolver porque na resolução de sistema da forma escalonada às vezes é difícil do aluno entender, mas isso aí do jeito que foi feito fica muito mais fácil para iniciar a resolução de sistemas. Claro que tem sistemas que não dá para serem resolvidos dessa maneira, mas é um bom inicio. Iniciar dessa forma facilita, vale a pena essa contextualização histórica. Mostrar essa questão histórica e até fazer um comentário de que esse método era resolvido em determinada época.”

“Essa é a função da história, utilizar a história como recurso pedagógico.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Page 88: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

88

“Suponhamos, em notação atual, a equação ” (ROQUE,

2012, p. 254)

1) Reduza a equação ao quarto caso. ( )

2) Resolva a equação pelo método de Al-Khwarizmi.

Como podemos notar, as falas dos professores participantes indicam a

importância dada à História como recurso pedagógico, além de suas contribuições

para abordar determinados conteúdos em sala de aula. Em conformidade temos o

terceiro argumento de Miguel (1997) qual seja, a História como fonte de métodos

para o ensino e aprendizagem da Matemática, inferindo que a dimensão pedagógica

da História pode estar “vinculada à questão da seleção de métodos adequados de

ensino-aprendizagem dos conteúdos matemáticos” (p.79). Pudemos verificar, no

primeiro comentário do quadro 18, o argumento cinco de Miguel (1997), o qual

consiste na História como um instrumento que possibilita a desmistificação da

Matemática e a desalienação de seu ensino, visto que, tal argumento aponta para o

fato de que a maneira como normalmente o conteúdo matemático é apresentado

para os alunos não revela a maneira como os conceitos foram construídos

historicamente.

Ainda na fase sincopada, apresentamos o método de resolução para as

equações de segundo grau com o árabe Al-khwarizmi.

Antes de iniciarmos a exposição do método, apresentamos alguns fatos

históricos importantes dessa civilização, tais como a invenção do zero no século IX,

o surgimento da palavra álgebra, etc.

Realizamos passo a passo a resolução de um problema de equação de

segundo grau pelo método de Al-khwarizmi e sugerimos que eles resolvessem o

problema a seguir, utilizando o referido método:

Para essa equação de segundo grau, ( ), de acordo com o método

de Al-Khwarizmi, o coeficiente de x2 = 1 denomina-se mal; o coeficiente de x = b

Page 89: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

89

denomina-se jidhr e a variável independente c, denomina-se adad. (Ver Roteiro de

atividade III, p. 128).

Novamente, junto com os professores, resolvemos o problema passo a passo,

para que pudessem compreender de maneira clara o procedimento utilizado por Al-

Khwarizmi. Destacamos que só era possível encontrar uma solução, pois a outra

seria um valor negativo o qual Al-Khwarizmi não possuía conhecimento.

Então questionamos, porque o procedimento utilizado por Al-Khwarizmi dava

certo, obtendo as seguintes respostas por parte dos professores participantes:

Quadro 22: Respostas dos professores sobre o procedimento de Al-Khwarizmi

“Eu acho que cai de novo no problema da área do quadrado.”

“Eu usei na verdade a metade do perímetro. Tem que igualar que é a soma dos dois, de um quadrilátero sei lá, é (a+b). Você considera x+y que é a soma. (x+y) é 10 que é soma e produto, então se você pensar que é um quadrado e considerando x e y igual, mesma ideia, você divide por 2 dá 5. É o que falta para completar desse lado.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Após essas falas, os professores conseguiram visualizar o que estava

acontecendo, concluindo que se tratava de um complemento de quadrados, que era

a regra do balanceamento dos árabes naquela época. Então fizemos a

demonstração para eles, na prancheta, do complemento de quadrados, e eles

ficaram surpresos em perceber o quanto era fácil o método utilizado pelos árabes.

Explicamos que tudo o que Al-Khwarizmi resolvia algebricamente também

resolvia geometricamente. Houve um grande interesse por parte dos participantes

em conhecer como era feita essa resolução, pois desde o inicio da apresentação da

fase sincopada verificamos que as respostas dadas pelos professores quanto aos

motivos pelos quais os métodos dessa fase eram resolvidos daquela forma tinham

relação com a geometria, caracterizando o argumento oito de Miguel (1997) que diz

respeito à História como instrumento unificador dos vários campos da Matemática.

Apresentamos mais algumas equações para que os professores presentes

naquele dia resolvessem pelo método árabe e mais uma vez não tiveram nenhuma

dificuldade em desenvolver pelo método de Al-Khwarizmi.

Page 90: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

90

Encerramos esse encontro com muita satisfação, pois pudemos perceber que

os professores participaram ativamente das atividades e muito contribuíram com

suas opiniões quanto ao uso da História da Matemática em sala de aula. Não

pudemos deixar de notar a satisfação deles em estar conhecendo uma proposta

nova de trabalho e seus interesses em buscar um novo conhecimento, uma nova

ferramenta para auxiliar no ensino e aprendizagem da Álgebra.

As potencialidades por nós destacadas para esse encontro evidenciam,

dentre outros já comentados, o quarto argumento de Miguel (1997) que aponta a

História como uma fonte para seleção de problemas práticos, curiosos, informativos

e recreativos a serem incorporados nas aulas de Matemática. Esse ponto de vista de

Miguel (1997) também é reverenciado por D’Ambrosio (1996) quando discorre sobre

as características das atividades, que devem ser lúdicas de maneira que desperte o

interesse do aluno. Outro argumento presente é oito sobre a História como um

instrumento unificador dos vários campos da Matemática, pois percebemos que ao

discutimos a resolução algébrica de um problema fomos reportados ao campo

geométrico da Matemática. Não podemos deixar de citar, igualmente, a História

como um instrumento que pode promover a aprendizagem significativa e

compreensiva da Matemática (argumento onze), pois percebemos que os

professores gostaram muito dos dois métodos apresentados por terem tido a

oportunidade de aprender com significado e compreensão.

Page 91: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

91

3.3 Terceiro encontro: fase simbólica

Figura 10: Professores participantes do terceiro encontro

Fonte: acervo da pesquisa

Em nosso terceiro e último encontro, contamos com a presença de nove

professores. As atividades foram realizadas no mesmo espaço em que ocorreu o

primeiro encontro e novamente contamos com ativa participação dos professores.

Iniciamos o encontro recapitulando as duas últimas fases vistas

anteriormente, dando maior ênfase à fase sincopada, por ter sido a última e, embora

fosse uma fase em que se iniciavam as abreviações, a escrita ainda era muito

presente, como pudemos observar nos métodos e procedimentos utilizados por

Diofanto e principalmente por Al-Khwarizmi.

Como no encontro anterior os professores manifestaram interesse pelas

demonstrações geométricas. Nesse terceiro encontro trouxemos uma demonstração

geométrica utilizada por Al-Khwarizmi que foi discutida e comentada pelos

presentes.

Para tal demonstração utilizamos a equação 4882 xx , que já havia sido

resolvida pelo método de Al-Khwarizmi, pelos professores participantes do segundo

encontro. (Ver Apêndice IV – Roteiro de Atividade III)

Seguimos o raciocínio de primeiro resolver algebricamente e em seguida pelo

método de Al-Khwarizmi, com o propósito de relembrar e comparar os resultados no

final da atividade. Resolvemos a equação na lousa, enquanto os professores

Page 92: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

92

acompanhavam pelo roteiro de atividade. Relembramos que Al-Khwarizmi só

encontrava uma resposta para a equação, pois ainda não tinha conhecimento dos

números negativos e, em seguida, apresentamos uma apropriação da resolução

geométrica utilizada por Al-Khwarizmi extraída de Guelli (1992).

Realizamos a demonstração passo a passo, na lousa, e sugerimos que os

professores fossem resolvendo conosco no roteiro de atividades (Apêndice IV). Ao

término da demonstração, um dos comentários efetuados foi:

Quadro 23: Comentário de um professor a respeito da demonstração geométrica – Al-Khwarizmi

“Gostei muito, pois é uma proposta diferente de trabalho. Pensando no lado do aluno, trabalhar com desenho pode ser mais interessante para ele.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Esse comentário nos remete aos apontamentos de D’Ambrosio (1996)

quando enfatiza a necessidade de desenvolver atividades que despertem a

curiosidade do aluno nas aulas de Matemática, buscando assim na História da

Matemática recursos para a elaboração dessas atividades. Ainda entendemos que o

argumento três de Miguel (1997) quanto à História como uma fonte de métodos para

o ensino e aprendizagem da Matemática também se faz presente nesta fala, pois

segundo esse pesquisador,

[...] poderíamos buscar apoio na história da matemática para escolhermos métodos pedagogicamente adequados e interessantes para a abordagem de tópicos tais como: resoluções de equações e de sistemas de equações, [...], etc. (MIGUEL, 1997, p. 78).

Demos continuidade a essa abordagem da demonstração geométrica com a

realização de outras atividades contidas no roteiro, tais como dado uma figura

encontrar a equação do segundo grau e calcular a raiz (Ver problemas 1 e 2,

Apêndice IV). Explicamos para os participantes que, para AlKhowarizmi, a figura do

quadrado representava o quadrado da incógnita e o lado do quadrado representava

a incógnita de primeiro grau. Em seguida, resolvemos o primeiro problema na lousa

e propomos aos professores a resolução do segundo. Novamente fomos

percorrendo as mesas e conversando com eles para ver se ainda tinham alguma

dúvida, mas todos acertaram de primeira.

Page 93: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

93

Figura 11: Professores realizando atividade.

Fonte: Acervo da pesquisa

Enquanto os professores resolviam as atividades do roteiro percorríamos as

mesas para auxiliá-los caso eles apresentassem alguma dificuldade ou dúvida

durante a resolução.

Contamos com a ajuda de uma professora para a resolução na lousa do

segundo problema proposto (Figura 13).

Figura 12: Professora apresentando resolução do método geométrico – Al-Khwarizmi

Fonte: Acervo da pesquisa

No quadro 24 apresentamos os comentários efetuados pelos professores a

respeito da demonstração.

Page 94: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

94

Quadro 24: Comentários dos professores a respeito da demonstração geométrica

“Então Denise, nós descobrimos que x é 7, mas como explicar para o aluno que a medida menor é 10 e a maior é 7, porque o lado x no desenho é maior e vale 7 e o quadrado menor vale 10?”

“Eu acho assim, que ali você só fez uma ilustração da situação, então aquilo não está numa escala não está na medida real, então é mais para ele visualizar.”

“O que dá para perceber é que o quadrado do meio seria pequenininho e os retângulos seriam grandes.”

“Dá até de repente para trabalhar a questão da comparação, proporção, vincular a outros conteúdos.”

“Fatalmente você pode até induzir o aluno. Assim ele estimar que realmente vai dá maior, que você vai completar o quadrado, que pode ter um quadrado maior que aquele do início.”

“Poderia ser até uma questão que a gente falasse: qual geometricamente, no desenho, qual o desenho seria mais adequado, também pode tirar daí essa construção e tentar trabalhar essa questão da proporção, muito bom!”

Fonte: acervo da autora

Essa discussão foi positiva, pois suscitou muitos comentários e reflexões.

Mais uma vez percebemos a História da Matemática como fonte para seleção de

problemas práticos, curiosos, informativos e recreativos a serem incorporados nas

aulas de Matemática, conforme o quarto argumento de Miguel (1997) e ainda a

História como um instrumento unificador dos vários campos da Matemática,

argumento oito, também do mesmo autor.

Essa demonstração geométrica não estava dentro do nosso plano de

atividades, mas no momento em que os comentários dos professores foram

tomando corpo, surgindo maior interesse a respeito desse assunto, julgamos

importante buscar e trazer essa demonstração, pois além de sanar as curiosidades

advindas das atividades realizadas no segundo encontro, também fomos buscar na

História da Matemática respostas para os questionamentos quanto ao tema em

questão. Dessa forma, buscamos apresentar um novo conhecimento e uma nova

opção para se trabalhar com os alunos. Assim, entendemos que fizemos valer a

nossa percepção quanto aos dois argumentos fundamentados por Miguel (1997)

citados acima.

Chegou então o momento de falarmos da fase simbólica da Álgebra, que

contou com as contribuições de Viète. Para tanto, realizamos uma breve

Page 95: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

95

apresentação da vida de Viète, onde viveu sua profissão e contribuições a

Matemática, além de sua habilidade em decifrar códigos secretos.

Tais informações contribuíram para que os professores esboçassem interesse

e se envolvessem com a História da vida de Viète. Conversamos um pouco a esse

respeito sem desviar do foco do nosso propósito, qual seja o de apresentar a fase

simbólica da álgebra.

Prosseguimos apresentando os principais símbolos utilizados por Viète para

escrever uma equação algébrica. Tal escrita era composta por alguns símbolos,

algumas palavras abreviadas e outras escritas por extenso, o que fez com que os

professores percebessem as três fases juntas (APÊNDICE IV).

Questionamos os professores sobre a importância de se ensinar ao aluno a

escrita de uma equação na época de Viète, o que fez surgir as seguintes respostas:

Quadro 25: Respostas dos professores quanto à escrita das equações de Viète

“Nossa senhora, pra gente sim, mas para o aluno não. O professor precisa sim saber de onde surgiu, mas talvez para o aluno... Para o professor é valido, é um fato histórico, é importante.”

“Eu acho que é legal apresentar para o aluno do ensino médio que tem um entendimento uma maturidade melhor e até para você explicar que hoje em dia é mais fácil fazer essa comparação, tá vendo como é difícil, a gente acha que a matemática é fácil, mas antigamente dava mais trabalho, você tinha que escrever mais, acho que é uma comparação legal para tranquilizar o aluno que tem esse conceito.”

“É preciso ter cuidado ao trabalhar a história para não tornar uma coisa maçante, o professor deve ter o conhecimento.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Diante de tais respostas identificamos a importância para o professor em ter

conhecimento da História do conteúdo a ser desenvolvido em sala de aula. Os

autores Baroni e Nobre (1999) nos faz recordar que “é plausível dizer que tanto

quanto o conteúdo matemático há a necessidade de o professor de Matemática

conhecer sua História, ou seja: A História do Conteúdo Matemático” (p. 130).

Neste sentido, podemos perceber que nossa questão de pesquisa (De que

maneira a História da Matemática pode auxiliar os professores nos processos de

ensino e aprendizagem da Matemática da educação básica?) aos poucos foi sendo

respondida, pois naquele momento da experiência formativa evidenciou a

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96

importância do conhecimento da História da Matemática para o ensino de conteúdos

matemáticos presentes na educação básica.

Dando continuidade, propomos algumas equações escritas na linguagem de

Viète para os professores traduzirem para a notação moderna com o proposito de

trabalhar as notações antigas e atuais (Ver Apêndice IV). Mostramos ainda um

quadro10 com a evolução das notações algébricas, iniciando com Viète, passando

por Harriot e chegando a Descartes.

Também apresentamos informações quanto ao surgimento do ponto (.), como

símbolo para representar a multiplicação, introduzido por Leibniz em 1698. Neste

momento fomos surpreendidos com a seguinte fala:

Quadro 26: Fala de um professor sobre introdução do ponto (.) como símbolo matemático

“Eu iria perguntar justamente isso, que curioso, achei muito bom!”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Trata-se, ao nosso ver, de mais uma fala que reforça nossa crença quanto à

importância do conhecimento histórico da Matemática.

Em seguida, apresentamos como Viète resolvia uma equação de segundo

grau. Solicitamos aos professores que acompanhassem conosco a resolução de

Viète passo a passo, devido à complexidade da demonstração11.

Diferentemente de outros momentos do processo formativo, o término da

demonstração foi acompanhado de silencio, o que nos fez questionar sobre o que os

professores acharam dessa demonstração. A esse questionamento obtivemos as

seguintes respostas:

Quadro 27: Respostas dos professores sobre a demonstração de Viète

“Por isso que Bhaskara é mais popular.”

“Na verdade isso é uma demonstração da formula de segundo grau.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

10

Ver capítulo 2, p. 62. 11

Essa demonstração encontra-se no Capítulo 2, p. 62.

Page 97: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

97

A atitude dos professores, diversamente daquelas até então observadas,

deveu-se ao fato da complexidade da demonstração elaborada por Viète e que a

maioria deles nunca tinham visto.

Sugerimos que a equação fosse agora resolvida pelo método de

Viéte, uma vez que já havia sido resolvida no início do terceiro encontro pelo método

de Al-Khwarizmi, algebricamente e pela demonstração geométrica. Tinhamos como

intuito de fazer uma comparação ou prova de que os resultados davam o mesmo,

independentemente do método utilizado. Fomos acompanhando os professores e

durante a resolução sugiram os seguintes comentários:

Quadro 28: Comentários dos professores sobre a resolução do método de Viète

“Achei muito mais interessante esse método, faz mais sentido do que o geométrico, é muito bom, acho legal iniciar com o geométrico e depois mostrar o algébrico, para que o aluno perceba a diferença e a necessidade que se tem de trabalhar com a álgebra, pois o método geométrico só dá para encontrar uma raiz, já o algébrico, pelo Viète, dá para encontrar as duas. Acho importante mostrar essa limitação.”

“Achei trabalhoso, mas é gostoso.”

“Gostei mais do método do Al-Khwarizmi.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Embora apresentassem opiniões diferentes, notamos que os professores

estavam satisfeitos com o que estava sendo apresentado a eles.

Ao término da resolução iniciamos uma discussão quanto à possibilidade de

se trabalhar esse método em sala de aula, obtendo diferentes opiniões, conforme

consta no quadro a seguir:

Quadro 29: Sobre a aplicação do método de Viète em sala de aula

“Eu acho assim, talvez seja difícil pelo menos com os meus alunos. Eu percebi assim que são poucas coisas que eles gravam, então gravar todo o processo.... Talvez se fizer um roteiro como você fez eles consigam, eu acredito que eles consigam.”

“Eu sinto isso como uma aventura, a gente treina a logica das coisas, sentir onde isso vai dá, só que pra eles, eles não ligam isso a alguma coisa da vida deles, pelo menos nesse momento, então é complicado isso, porque, o porque que eu estou estudando isso? Pra que eu vou mostrar isso?”

“Também eu vejo que no dia a dia ele não precisa disso.”

“Eu vejo que é o momento que eu posso associar a equação do segundo grau.”

“O único momento que eu vejo assim, quem vê aplicação do processo de evolução da equação do segundo grau quando ele associa com a física, o professor consegue,

Page 98: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

98

digamos assim, associar de forma no momento do século ele começa a ter uma noção clara da utilização disso daí, ele consegue até fazer abstrações mais isso ai leva um pouquinho de tempo.”

“Assim, eu só ia colocar que mesmo abrindo essa inter né, relacionando com outras disciplinas, eu acho assim que resolver um problema de física também não é interessante para o aluno, eu acho assim que se preocupa muito em saber pra que que serve essa matemática, serve pra isso, isso e isso, então ela perdeu o caráter de ciência. Então o quê que nos vamos ter futuramente, nos não vamos ter pesquisadores mais, é triste isso.”

“Exatamente, não pensar na matemática como ferramenta e exigir do professor de matemática que ele dê um exemplo de cada situação cotidiano que ela vai, sei lá que caminho você vai tomar, eu vou fazer medicina onde é que eu uso isso, eu não tenho como te dizer eu não sou médico, o que eu tento passar pra ele é o seguinte eu estou te ensinando se o médico for usar você tem que saber né, mas eu não sou capaz, é pedir demais de mim que eu dê um exemplo para cada área do conhecimento.”

“É até professor, desafiador pra nos, você trabalhar buscar essa linha.”

“É muito complicado você trabalhar o tempo todo buscando exemplo.”

“Mas é impossível é exigir demais, tem que ser bom em tudo, não tem como, é exigir demais, tem coisa que não dá para associar com o cotidiano, a matemática é ciência é exata.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Percebemos em algumas falas a necessidade de relacionar o conteúdo que

se trabalha em sala de aula com o cotidiano do aluno. Neste sentido Radford (2011)

considera que a investigação epistemológica histórica auxilia na compreensão das

dificuldades intelectuais do aluno, além de contribuir com a possibilidade de surgir

novos meios de relacionar esse conhecimento com a sala de aula, ou seja, com o

cotidiano. O décimo argumento de Miguel (1997), a História como um instrumento de

conscientização epistemológica, também discute a necessidade do aluno em

relacionar o conteúdo matemático com o seu cotidiano e indica que esse aluno ainda

não está maduro o suficiente para conceber a Matemática como ciência, o que se

constata na última fala do quadro 29, “a Matemática é uma ciência é exata”. Bicudo

(1999) ainda considera que o estudo da História da função da Matemática e de sua

aplicação nos diferentes campos da sociedade, pode ser de grande valia para a

elaboração dos currículos tanto quanto para dar suporte ao professor na sala de

aula. A dificuldade em encontrar exemplos próprios do cotidiano escolar para alguns

conceitos matemáticos mostrou ser uma das preocupações dos professores,

interessados em uma introdução da abstração de forma progressiva.

Page 99: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

99

Perguntamos aos professores se era importante para os alunos conhecer as

três fases de desenvolvimento da álgebra ou se isso era válido somente para o

professor.

Quadro 30: Sobre as três fases de desenvolvimento da álgebra

“Alguns tópicos sim, muito interessante, agora para o professor mais ainda, ter o domínio para você poder argumentar, isso é muito interessante.”

“Agora eu acho interessante assim, passar pelas 3 fases não falando que é, mas colocando como situações como problemas pra eles sentir que realmente a matemática do simples é o que permite mais resolver algumas coisas com mais facilidade e que há a necessidades das fórmulas mesmo né, porque ele precisa ter um entendimento dessa fórmula.”

“Eu acho assim, o correto seria passar por essa construção, o aluno nem precisa saber que é da fase sincopada ou simbólica, mas a gente assim procurar direcionar a construção sei lá de tal conhecimento baseado, embasado nisso aí.”

“Mas um ou outro, porque é assim a gente precisa de um ou outro, então a gente vai despertar a atenção, então de fato eu acho que vale sim, talvez naquele dia com aqueles mais interessados.”

“Eu já vejo assim essa parte de você trabalhar, mostrar, eu não sei se vai causar interesse, mas de repente eles perceberem a importância, né, você hoje chega você mostrar isso antes de você chegar a fórmula de Bhaskara pra dar importância como não foi nada assim fácil, foi muito trabalhoso, muitos estudos, houve controvérsias, até chegar. Para eles sentirem a importância da matemática, agora desenvolver isso, acho que não, mas mostrar pelo menos né.”

“Porque você tem outro artificio pra você poder estar mostrando de uma maneira diferente, sem você estar falando de fórmula, você dá uma aplicação né que ele vai conseguir desenvolver e ai você chegar na formula e aí a fórmula vai tornar mais pratica, mas é... eu acho que é isso, o lado positivo.”

“Falando assim da minha experiência como professor o aluno pergunta assim quem inventou isso como se alguém chegasse num belo dia e falasse: o tá aqui, ele não vê isso como um desenvolvimento como um processo que foi se aprimorando, o contexto histórico é muito importante por isso pra ele poder mostrar para o aluno que isso é um caminhar e até mesmo pra ele não vê a álgebra como algo pra complicar a vida dele, i agora vem letra agora complica tudo, que sim pra facilitar.”

“Que hoje ele sabe mais, porque é bem trabalhoso não é fácil não.”

Fonte: Quadro elaborado pela autora

De acordo com as opiniões dos professores podemos notar que eles

consideram importante que os alunos tenham conhecimento das três fases de

desenvolvimento da álgebra, porém destacaram que esse trabalho deve ser

realizado de maneira gradativa, sem que o aluno perceba que está estudando

determinada fase, ou seja, como acentua D’Ambrosio (1996), sem um desfilar de

datas, nomes, resultados, fatos, etc. Percebemos também, a necessidade de se

desenvolver o argumento cinco de Miguel (1997) que revela a História como um

Page 100: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

100

instrumento que possibilita a desmistificação da Matemática e a desalienação de seu

ensino, esse argumento fica evidente quando os professores destacam a

importância da construção histórica dos conceitos matemáticos abordados em sala

de aula, pela necessidade de mostrar como esses conceitos foram sendo

historicamente produzidos. Ainda contamos com o argumento nove de Miguel

(1997), tomando a História como um instrumento promotor de atitudes e valores, por

revelar a importância de se eliminar a divergência entre a maneira como a

Matemática é apresentada ao estudante e a maneira como ela foi realmente

produzida.

Foi notória a preocupação dos professores em oferecer respostas aos

questionamentos dos alunos e de ensinar com significado e compreensão. Para

justificar essa preocupação contamos, novamente, com o décimo primeiro

argumento de Miguel (1997) – a História como um instrumento que pode promover a

aprendizagem significativa e compreensiva da Matemática, por considerar os

questionamentos dos alunos justificando os motivos pelos quais se devem aceitar

certos fatos, argumentos e procedimentos.

Corroborando com as ideias citadas acima, Mendes (2001) declara que “A

Matemática, como qualquer área do conhecimento humano tem seu desenrolar

evolutivo capaz de caracterizá-la como uma ciência que também se desenvolve a

partir de sua própria história” (p.18).

Dando continuidade, encerramos essa parte da discussão e solicitamos aos

professores que respondessem o questionário final. Após o término do

preenchimento do questionário final, finalizamos nossas atividades com os

professores, agradecendo a todos por terem participado dos encontros e por terem

contribuído com suas opiniões e sugestões.

3.3.1 Do questionário final

Para finalizarmos nossas análises, neste tópico descrevemos o questionário

final, aplicado aos professores participantes no último encontro. Esse questionário

Page 101: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

101

contém apenas questões abertas relativas ao conteúdo apresentado nos três

encontros. As considerações dos professores quanto aos três encontros encontram-

se grafadas em itálico dentro de quadros, cada um deles referente a uma questão.

Quadro 31: Sobre a utilização da História da Matemática no ensino

Sim, o conceito histórico traz um olhar diferente para a disciplina.

Sim, pois é de grande importância, falar do surgimento da matemática até os dias de hoje.

Sim, pois mostrar a origem e sua construção matemática garante uma maior visibilidade, relevância e importância em aprender matemática.

Sim, sempre que conveniente e adequado ao momento (interesse, amadurecimento, etc).

Sim, de forma parcial, adequada a realidade de cada sala de aula.

Provavelmente, pois dependerá da situação e do contexto da aula. Acho interessante e complementa a aula.

Sim, pretendo deixar as aulas atrativas.

Sim. Agora com um conhecimento dessa possibilidade de uso das fases de desenvolvimento da álgebra.

Pretendo sim, mas não de forma “contínua” e curricular, em um momento interessante, uma sala mais receptiva e digamos presente para o assunto.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

De acordo com as respostas obtidas na primeira questão, percebemos que

nossos objetivos para essa experiência formativa (apresentar aos professores as

fases de desenvolvimento da álgebra tomando como base as equações algébricas e

refletir junto aos professores sobre o uso da História da Matemática em sala de aula

por meio de métodos e procedimentos de problemas históricos) foram atingidos,

uma vez que os professores participantes desta investigação consideraram que a

História da Matemática auxilia no processo de ensino e aprendizagem das equações

de primeiro e segundo grau, favorecendo a dinâmica das aulas, tornando-as mais

atrativas, justificando sua relevância em transmitir o conhecimento. Ressaltaram a

importância do conhecimento histórico para a prática em sala de aula afirmando que

traz “um olhar diferente para a disciplina”, e que a História possibilita ao professor

ensinar com mais propriedade, complementando sua aula.

Quadro 32: Pontos positivos sobre o uso da História da Matemática como metodologia de ensino

Responde uma das perguntas dos alunos que é “de onde vem”? “quem inventou”?

Para facilitar o aprendizado.

Eu entendo que quanto mais maneiras diferentes para abordar determinado assunto facilitam e contribuem na formação dos alunos no ensino-aprendizagem.

Page 102: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

102

É o processo de construção do conhecimento.

Instigar o aluno para a pesquisa.

O grau de evolução.

Tornar a aula significativa.

Fazer com que os alunos valorizem a ciência Matemática, tenham o conhecimento de como chegar às fórmulas.

Em que o aluno entenda que existe uma história além da criação apenas de uma fórmula, foi algo estudado ao longo dos anos e que a fórmula resume o assunto.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Quadro 33: Pontos negativos sobre o uso da História da Matemática como metodologia de ensino

Não existe, só existe a falta de tempo para aplicá-la.

Sem argumentos.

Não vejo de forma negativa, algumas situações, o professor pode reformular conforme a realidade de cada sala de aula.

Não considero negativo, mas como justificar as raízes negativas (1º e 2º método, equações do 2º grau).

Nenhuma.

Não vejo pontos negativos, pois qualquer fato novo ou que não seja tão novo, mas agregador é valido para ser aplicado.

Em minha opinião trabalhar com as formas de equacionar os exercícios na rede pública, mas na rede privada não.

Demonstrações muito complexas; o professor ter esse conceito é primordial para o seu desenvolvimento em sala, já para os alunos fica um pouco difícil, mais é bom conhecer. Talvez colocando de forma mais amena.

Os negativos é que é preciso de concentração e por detalhar, pois é necessário, o aluno se perde, pois não tem esta tal concentração e talvez não queira dar atenção e partir sim para o final.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Quando questionados a respeito dos pontos positivos e negativos do uso da

História da Matemática como metodologia de ensino, os professores consideraram

que os pontos positivos estão relacionados ao aprendizado dos alunos e os pontos

negativos apontados, por alguns desses professores, diz respeito à maneira de

conduzir essa metodologia em sala de aula, ou seja, trata-se mais de obstáculos de

aplicação da metodologia do que pontos negativos.

Quadro 34: Sobre as potencialidades pedagógicas das três fases.

a) Retórica:

A retórica que era uma das disciplinas na Idade Média (não relacionar com a fase retórica da álgebra) ajuda o aluno a entender o enunciado trazendo o aluno para uma

Page 103: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

103

reflexão do que ele precisa usar para resolver a situação apresentada.

Como ela surgiu a muitos anos atrás, foi muito importante naquele momento pelo o seu método de ensino.

Entendo que contribui na construção do conhecimento.

O aluno descrever uma dada situação em “linguagem materna”.

É possível a sua abordagem, mostrando ao aluno a possibilidade de resoluções matemáticas, sem o rigor formal.

Me fez reter um conhecimento sobre a história da matemática e vontade de pesquisar sobre esse assunto.

De uma maneira simplificar as possibilidades pedagógicas sem dar nomes e mostrando após o resultado final. Acho esta forma mais correta a passar para os alunos. “Agradeço a sua disposição e empenho para nos passar esse conhecimento”.

b) Sincopada

Essa fase acredito ser importante para a demonstração da evolução.

Também sempre descobrindo varias maneiras e fórmulas para facilitar o aprendizado.

Contribui na construção epistemológica principalmente no conceito de números não negativos.

O aluno sentir que pode-se “criar” ao abreviar algumas informações da situação por conveniência (diminuir o trabalhoso).

Nesta etapa, pode-se abordar a matemática com certos conceitos formal e geométrico. Acredito despertará muita curiosidade ao nosso aluno.

c) Simbólica

É a fase onde podemos “mecanizar” os processos, o uso de simbolismos e fórmulas, ajudam a trazer resultados de forma mais rápida.

Os símbolos as letras, facilita para soluções de equações de termos desconhecidos.

Vem a facilitar o desenvolvimento matemático de forma resolutiva e construtiva.

Por fim, o aluno percebe que a utilização de símbolos torna menos trabalhosa a resolução de determinadas situações, inclusive soluções que não podemos perceber no “concreto manipulável”.

Esta etapa é aquela que deve-se trabalhar a formalização, utilizando os códigos de linguagem da ciência matemática.

Uma obra de arte, simplesmente atrativa.

Facilitada pelo meu interesse “no caso” como professora em saber a fase final.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Diante dos apontamentos efetuados pelos professores quanto as

potencialidades das três fases, podemos depreender que os argumentos seis e dez

de Miguel (1997) se fazem presentes. O argumento seis, História como um

instrumento de formalização de conceitos matemáticos, revela-se nas falas dos

professores pela preocupação em se transmitir o conhecimento com propriedade,

Page 104: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

104

pois essa metodologia auxiliou os professores a perceberem diferentes

formalizações de um mesmo conceito. No argumento dez, História como um

instrumento de conscientização epistemológica, identificamos que os professores

enfatizam a necessidade da construção do conhecimento sem muito rigor formal,

atentando para a maturidade cognitiva do aluno, uma vez que ensinar de maneira

gradativa favorece o despertar do espírito investigativo. Radford (2011) corrobora

com tais argumentos quando afirma “que a história da Matemática pode nos dar uma

nova perspectiva sobre o ensino”. (p.44). O autor ainda considera que a

compreensão do conhecimento matemático possibilita encontrar dentro de sua

estrutura histórica, novas alternativas de ensino, ou seja, “sempre descobrindo

várias maneiras e fórmulas para facilitar o aprendizado”.

Quadro 35: Considerações dos professores sobre a experiência formativa

Eu sou apaixonado por história da matemática e história da Educação Matemática. Eu aprendi muito nesse trabalho, parabéns! Realmente fantástico. Bem elaborado e bem aplicado todo conteúdo muito bem trabalhado.

O trabalho foi muito bom, de grande importância para quem trabalha a matemática no dia a dia. Vai ser muito valioso falar da matemática daqui para frente.

Quero parabenizar a professora Denise e a Cida pela maneira competente que conduziram as aulas, contribuindo na formação do professor.

Gostei muito do trabalho apresentado. Sou professora do ensino médio (1ª série noturno, só tenho uma turma). Estou esperando um momento conveniente para apresentar a resolução da equação de 2º grau pelo método da álgebra retórica na Babilônia, mas estou pensando em como deveria introduzir a resolução da equação

(já conhecida como “Bhaskara”) para a forma .

Precisamos de mais trabalhos deste porte, para que possamos ter alternativas (ferramentas) nos nossos trabalhos dentro da sala de aula.

Acho que deveria ter cursos assim todo semestre para melhorar nossa didática.

Você relatar de maneira geral. Gostei do que foi apresentado a fase de desenvolvimento algébrico junto com o registro em geometria, e saindo de um e indo ao outro. Para o aluno o importante é sobre o porquê, e dar a opção de escolha é para nós mais um caminho seja ela qual for para a solução do problema. E tudo que podemos facilitar o nosso trabalho e dar opção para continuar o nosso trabalho. Agradeço a oportunidade.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Quanto às considerações dos professores referentes à experiência formativa,

verificamos que os professores consideraram importante para seu próprio

conhecimento a abordagem histórica da Matemática e enfatizaram a necessidade de

cursos de formação que colaborem com a didática e metodologia de ensino. Neste

sentido, Radford (2011) contribui com a ideia de que a pesquisa histórica pode

Page 105: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

105

exercer importante papel em programas de formação continuada de professores de

Matemática.

Page 106: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta investigação foi analisar como a História da Matemática pode

contribuir para o ensino e a aprendizagem da Matemática da Educação Básica.

Nesse sentido, buscamos responder aos seguintes questionamentos: como a

História das equações algébricas, considerando as três fases de desenvolvimento

da álgebra, retórica, sincopada e simbólica, podem auxiliar no ensino das equações

de primeiro e segundo grau na sala de aula? Quais as potencialidades pedagógicas,

postas por Antonio Miguel (1997)’ da História da Matemática puderam ser

observadas durante a experiência formativa de que se trata essa pesquisa?

Com a finalidade de encontrar respostas aos questionamentos que deram

origem a esta pesquisa, realizamos uma experiência formativa em três encontros

com professores de Matemática da rede pública do Estado de São Paulo,

participantes do “OBEDUC – Praticas”. Para tanto, elaboramos um breve panorama

histórico da Álgebra e das equações algébricas, o que nos auxiliou na elaboração

das apresentações e do roteiro de atividades para a experiência formativa. Além

disso, durante os referidos encontros aplicamos um questionário inicial e um

questionário final, além de apresentarmos métodos e procedimentos históricos das

equações de primeiro e segundo grau por meio das três fases de desenvolvimento

da álgebra.

Nosso estudo tomou como principais aportes teóricos as potencialidades

pedagógicas da História da Matemática segundo Antonio Miguel (1997), nos de

Ubiratan D’Ambrosio (1996;1999), no que tange à importância e a motivação do uso

da História da Matemática na sala de aula, os quais nos auxiliaram nas análises dos

encontros com os participantes do “OBEDUC – Praticas”.

Com base no questionário inicial, pudemos verificar que o grupo de

professores participantes, em sua maioria, possuía formação em licenciatura plena

em matemática há mais de 20 anos e atuavam no magistério há mais de 10 anos.

Page 107: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

107

Esses professores revelaram ter alguns conhecimentos sobre a História da

Matemática e sua utilização em sala de aula e reconheciam a importância da mesma

como metodologia de ensino. Quanto ao conhecimento dos conceitos algébricos,

consideraram relevante para o ensino da Matemática, sendo indispensável para sua

compreensão e significação. Na averiguação que fizemos quanto ao uso da História

da Matemática como metodologia, o questionário revelou-nos que, embora esses

professores apresentassem conhecimentos sobre a História da Matemática e sua

utilização em sala de aula, a maioria nunca fez uso dela como metodologia para

ensinar equações. O questionário também nos mostrou que os professores

participantes não tinham conhecimento das três fases de desenvolvimento histórico

da Álgebra.

Em resposta aos nossos questionamentos, concluímos que a História da

Matemática se mostrou como uma fonte adequada para a abordagem de métodos e

procedimentos para resolver equações e também como metodologia capaz de

promover uma aprendizagem significativa e compreensiva desse conteúdo

matemático, pois os professores, em seus comentários, nos permitiu inferir que a

experiência formativa realizada contribuiu para o conhecimento das equações de

primeiro e segundo grau, oferecendo novas propostas de trabalho, além de

incentivar os professores participantes a pesquisar, a se inteirar da História da

Matemática. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais não é suficiente o

professor “situar no tempo e no espaço cada item do programa de Matemática ou

contar sempre em suas aulas trechos da História da Matemática” (1998, p. 43). Ao

contrário, é preciso que o professor encare a História como um recurso para se

ensinar conteúdos sem reduzi-la a fatos, datas e nomes a serem memorizados

(D’AMBROSIO, 1996).

Essa experiência formativa também nos levou a concluir que as

potencialidades pedagógicas da História da Matemática se fizeram presentes em

diversos momentos dessa formação, uma vez que evidenciamos a presença dos

doze argumentos apontados por Antonio Miguel (1997).

Em nosso entendimento, o primeiro argumento a História como uma fonte de

motivação para o ensino e aprendizagem da Matemática se fez presente em nossa

Page 108: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

108

experiência formativa ao constatarmos a motivação dos professores em participar

dessa formação, cuja abordagem era a História da Matemática em sala de aula e a

possibilidade aventada pelos participantes de utilizar a História da Matemática como

metodologia em suas aulas.

Quanto ao segundo argumento a História como uma fonte de objetivos para o

ensino da Matemática identificamos sua presença pelo fato dos professores

considerarem importante o ensino e a aprendizagem fundamentada na

compreensão e na significação. Isso foi evidenciado quando eles perceberam que a

História da Matemática pode auxiliar o aluno a entender alguns objetivos da

Matemática por estimular o aprimoramento das ideias matemáticas.

Durante o processo formativo, os professores puderam perceber que, por

meio da História da Matemática, pode-se escolher métodos e procedimentos

adequados para o ensino e aprendizagem de determinados conteúdos matemáticos,

tais como as equações de primeiro e segundo grau, o que caracteriza o terceiro

argumento idealizado por Miguel (1997), qual seja, A História como uma fonte de

métodos para o ensino e aprendizagem da Matemática.

A História como uma fonte para seleção de problemas práticos, curiosos,

informativos e recreativos a serem incorporados nas aulas de Matemática, quarto

argumento, foi assunto comentado em diversas ocasiões durante os encontros.

O interesse dos professores em apresentar para seus alunos o

desenvolvimento histórico das equações algébricas, sem ocultar os obstáculos, os

desapontamentos e o grande percurso que os matemáticos tiveram que percorrer

para chegar a uma estrutura significativa, está em conformidade com o quinto

argumento, a História como um instrumento que possibilita a desmistificação da

Matemática e a desalienação de seu ensino.

O sexto argumento, a História como um instrumento de formalização de

conceitos matemáticos, foi percebido nas falas dos professores, que se mostraram

satisfeitos em terem aprendido diferentes formalizações de um mesmo conceito

algébrico.

Page 109: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

109

A História como um instrumento de promoção do pensamento independente e

crítico, argumento sete, é destacado pela preocupação dos professores em ensinar

de maneira coerente os conteúdos matemáticos, que possibilite aos alunos criarem

diferentes estratégias para a resolução de problemas algébricos.

Apontado em vários momentos da nossa experiência formativa, temos o

argumento oito, a História como um instrumento unificador dos vários campos da

Matemática, pois os professores conseguiram buscar na geometria e na aritmética,

respostas para um entendimento mais fundamentado dos conceitos algébricos.

O nono argumento, a História como um instrumento promotor de atitudes e

valores, está em conformidade com o quinto argumento já mencionado, ambos

defendido pelo matemático Morris Kline. Neste sentido, os professores consideraram

importante utilizar-se da História da Matemática para eliminar as divergências

existentes entre a Matemática de hoje e a sua produção.

Os professores também consideraram que os métodos e procedimentos

apresentados auxiliam na formalização gradativa dos conceitos, uma vez que

utilizando a ordem cronológica da evolução histórica da álgebra, o aluno poderá aos

poucos atingir uma maturidade psicológica a qual proporciona a formação

consciente da necessidade de se sujeitar às formalizações. Nestas considerações

evidenciamos o décimo argumento, a História como um instrumento de

conscientização epistemológica.

Destacando a importância de responder a certos questionamentos dos

alunos, tais como: de onde veio isso? Porque isso é assim? Quem inventou? Para

justificar o porquê de determinadas fórmulas, raciocínios e procedimentos, os

professores consideraram que a História da Matemática auxilia em sala de aula a

responder tais questionamentos, o que nos indica a presença do argumento décimo

primeiro, a História como um instrumento que pode promover a aprendizagem

significativa e compreensiva da Matemática.

O décimo segundo argumento de Miguel (1997), a História como um

instrumento que possibilita o resgate da identidade cultural, não foi identificado por

nós nos comentários dos professores participantes, mas entendemos que ele se fez

Page 110: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

110

presente nesta experiência formativa, ainda que indiretamente, uma vez que no

desenvolvimento das atividades, os professores refletiram sobre a cultura, os

métodos e procedimentos utilizados pelos egípcios, babilônicos e hindus e buscaram

alternativas para adequá-los à sua prática pedagógica.

Assim sendo, consideramos que as doze potencialidades pedagógicas da

História da Matemática apresentadas por Miguel (1997), foram observadas durante a

experiência formativa.

À luz dos fundamentos teóricos adotados para a consecução desta

investigação concluímos que é pertinente abordar conceitos algébricos adotando

como recurso metodológico a História da Matemática em sala de aula, pois essa

abordagem pode propiciar ao aluno novas estratégias para a resolução de

problemas matemáticos, em especial, aqueles que dizem respeito aos conceitos

algébricos.

Entendemos que, da mesma forma como ocorreu com os professores durante

a experiência formativa, ao tomar ciência e utilizar métodos e procedimentos

adotados durante o desenvolvimento histórico de um determinado conceito

algébrico, o aluno pode atribuir significados a esses métodos e procedimentos,

revelando uma humanização da Matemática, fato que pode auxiliar a Matemática a

ser tornar mais significativa para esse aluno.

Esperamos ainda, contribuir com o conhecimento do professor no que diz

respeito às equações de primeiro e segundo grau para que ele tenha mais opções

para ministrar suas aulas sobre este assunto.

Finalizando nossas considerações, apontamos para a importância do

processo formativo para os professores de Matemática, voltadas à História da

Matemática, pois os professores participantes reconheceram essa relevância, muito

embora admitissem a existência de dificuldades e falta de conhecimento histórico

para que sua utilização ocorra de maneira mais efetiva nas salas de aula.

Nesse sentido, reconhecemos que esta investigação não esgota a

possibilidade da realização de novas experiências formativas envolvendo a História

Page 111: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

111

de outros conteúdos matemáticos e esperamos que este estudo possa contribuir

para a formulação de novos questionamentos voltados a esse tema.

Page 112: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

112

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LORIA, Gino. Storia delle Matematiche. Milano, Ulrico Hoepli, 1929. 3v.

LUCKESI. Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MENDES, Iran A. O uso da história no ensino da matemática: reflexões teóricas e experiências. Belém: EDUEPA – Editora da Universidade do Estado do Pará, 2001.

MIGUEL, Antonio. As potencialidades pedagógicas da história da matemática em questão: argumentos reforçadores e questionadores. 73-105p. In: ZETETIKÉ, v.5,

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MIGUEL, Antonio; MIORIN, Maria Ângela. História na educação matemática:

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NOBRE, Sergio. Alguns “porquês” da História da Matemática e suas contribuições para a Educação Matemática. In: História e Educação Matemática. Cadernos CEDES 40. Campinas, SP: Papirus, 1996. p. 29-35.

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PACHECO, Edilson Roberto; VAILATI, Janete de Souza, Usando a história da matemática no ensino da álgebra. Secretaria de Estado da Educação – Governo do Paraná – 2011.

PATY, Michel. Figuras do saber. Tradução por Flávia Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

PINO, Angel. Cultura e desenvolvimento humano. Coleção Memória da pedagogia. Suplemento especial: A educação na idade média. Rio de Janeiro, v. 2, 2005, p. 14-21.

RADFORD, Luis. Cognição matemática: história antropologia e epistemologia.

Tradução Bernadete Morey/Iran Abreu Mendes. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2011

RIBEIRO, Alessandro Jacques. Analisando o desempenho de alunos do ensino

Page 115: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

115

fundamental em álgebra, com base em dados do SARESP. 145 p. Dissertação

(Mestrado em Educação Matemática). PUC/SP, 2001.

ROQUE, Tatiana. História da matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e

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SCHUBRING, Gert. Análise histórica de livros de matemática: notas de aula.

Tradução por Maria Laura Magalhães Gomes. Campinas/SP: Autores Associados, 2003.

SERRÃO, Marcelo Miranda; BRANDEMBERG, João Claudio. Utilizando problemas da história antiga da matemática como estratégia para o ensino de equações no 9º ano da escola básica.In: X Seminário Nacional de História da Matemática. Anais..., Campinas, 2013.

SOUSA, Maria do Carmo. (2004). O ensino de álgebra numa perspectiva lógico-histórica: um estudo das elaborações correlatas de professores do Ensino

Fundamental. 286 p. Tese (Doutorado em Educação: Educação Matemática). Campinas: FE/Unicamp.

VER EECKE, Paul. Diophante d’Alexandrie. Les six livres arithmétiques e le livre des nombres polygones. Desclée de Brouwer. Liège. Réimpression. Albert Blanchard, Paris, 1959.

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http://www.egipto.com.br/papiro/

http://www.emis.de/journals/DM/vX1/art7.pdf

http://www.httopos.com/vdletras7/suzanahtm

http://www.matematica.br/historia/pmoscou.html

http://www.matematica.br/historia/prhind.html

http://www.math.ubc.ca/~cass/courses/m446-03/pl322.html

Page 116: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

116

APÊNDICES

APÊNDICE I

QUESTIONÁRIO – INICIAL

Nome:______________________________________________________

1. Em quais níveis de ensino você atua:

( ) Fundamental. Qual(is) série (s)?_______________________________

( ) Médio. Qual(is) série(s)?____________________________________

2. Qual o nível de sua formação:

( ) Graduação ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado

3. Há quanto tempo é formado?_____________

4. Qual o tipo de formação que você possui?

( ) Licenciatura Plena em Matemática

( ) Licenciatura Curta em Matemática

( ) Bacharelado em Matemática

( ) Outra Formação. Qual?_____________________________________

5. Há quanto tempo atua como professor de Matemática?

( ) Menos de 2 anos

( ) De 2 a 5 anos

( ) De 6 a 9 anos

( ) Mais de 10 anos

6. Você já teve algum tipo de contato com a História da Matemática?

( ) Sim ( ) Não. Se sim, de que modo?

( ) Em publicações

Page 117: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

117

( ) Em sua graduação

( ) Em sua formação continuada

7. Qual o caráter da História da Matemática em sua formação?

( ) De disciplina obrigatória

( ) De disciplina optativa

( ) Inexistente

8. Em sua Graduação, foi-lhe apresentada a História da Matemática como

metodologia de ensino?

( ) Sim, consistentemente

( ) Sim, brevemente

( ) Não

9. Você já utilizou a História da Matemática como metodologia ou recurso didático

para o ensino da Matemática em suas aulas? Se sim, de que modo?

( ) Sim ( ) Não

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

10. Você considera que a História da Matemática pode auxiliar nos processos de

ensino da disciplina de Matemática? Justifique.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Quanto a Álgebra.

1. Você considera relevante o conhecimento algébrico? Justifique

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Page 118: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

118

2. Qual a sua opinião sobre o aprendizado de seus alunos quanto à formação de

conceitos algébricos?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

3. Em sua opinião, os alunos enfrentam dificuldade para aprender os conceitos

algébricos? Justifique.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

4. Você já utilizou ou utilizaria a História da Matemática como recurso para a

formação de algum conceito algébrico? Justifique.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Você já utilizou a História da Matemática como instrumento metodológico para

ensinar equações?

( ) Sim ( ) Não

6. Você conhece as três fases do desenvolvimento histórico da Álgebra? Em caso

afirmativo, cite as fases.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Obrigada pela sua colaboração!!!

Page 119: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

119

APÊNDICE II

ROTEIRO DE ATIVIDADE I

PROBLEMAS HISTÓRICOS NAS TRÊS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA ÁLGEBRA Denise Benino D. Ribeiro

Aparecida R. S. Duarte

A ÁLGEBRA RETÓRICA NO EGITO (ROQUE, 2012, p. 82)

Problema 24: Uma quantidade e seu 1/7 somados fazem 19. Qual a quantidade?

Resolução Algébrica Resolução Retórica

Problema 26: Uma quantidade e seu 1/4 somados fazem 15. Qual a quantidade?

Resolução Algébrica Resolução Retórica

Problema 27: Uma quantidade e seu 1/5 somados fazem 21. Qual a quantidade?

Resolução Algébrica Resolução Retórica

Page 120: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

120

A ÁLGEBRA RETÓRICA NO EGITO

Exemplo da regra da falsa posição Um montão, sua metade, seus dois terços, todos juntos são 26. Digam-me: Qual é a quantidade? (GUELLI, 1992, p. 8) Resolução: Inicialmente, atribuíam a montão um valor falso, por exemplo: 18

18.3

218.

2

118 3912918

Os valores falsos (18 e 39) eram então usados para montar uma regra de três simples com os

elementos do problema

Valor Falso Valor verdadeiro

18 Montão

39 26

Quebra-cabeça hindu do século VII

Um colar se rompeu quando brincavam dois namorados. Uma fileira de pérolas escapou. A sexta parte na cama ficou. Um terço pela jovem se salvou. A décima parte o namorado recolheu. E com seis pérolas o colar ficou. Diga-me, leitor, quantas pérolas tinha o colar dos namorados. (GUELLI, 1992, p. 09)

Resolução Algébrica Resolução Retórica

12montão

39

468montão

261839montão

26

montão

39

18

Page 121: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

121

A ÁLGEBRA RETÓRICA NA BABILÔNIA 1) “Comprimento, largura. Multipliquei comprimento por largura, obtendo assim a área: 252. Somei comprimento e largura: 32. Pede-se: comprimento e largura” (BAUMGART, 1992,p. 04)

Resolução Algébrica Resolução Retórica

Tome metade de 32 (que é 16); Multiplique 16 por 16 (o que dá 256); Subtraia 252 de 256 (o que dá 4); 4 é o quadrado de 2; Agora some 2 a 16 e subtraia 2 de 16

(o que dá 18 e 14); Multiplique 18 por 14 (o que dá 252).

2) Comprimento, largura. Eu multipliquei comprimento e largura, assim obtive a área igual a

16. Então, eu adicionei comprimento e largura e obtive 10. Qual o comprimento e a largura?

Resolução Algébrica Resolução Retórica

3) Equação do tipo Ax2 + Bx = C Resolução:

1) multiplique A por C (obtendo AC) 2) encontre metade de B (obtendo B/2) 3) multiplique B/2 por B/2 (obtendo (B/2)2) 4) adicione AC a (B/2)2 (obtendo (B/2)2 + AC)

5) a raiz quadrada é (C.A

2

B2

)

6) subtraia B/2 da raiz acima 7) tome o recíproco de A (obtendo 1/A) 8) multiplique 1/A pelo resultado do passo (6) para obter o lado do quadrado 9) o lado do quadrado é

A

1

2

BAC

2

BL

2

A

1

2

BAC

2

BL

2

Page 122: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

122

Refletindo...

É possível utilizar os problemas matemáticos históricos para introduzir a álgebra?

A ÁLGEBRA RETÓRICA NA BABILÔNIA

4) “Comprimento, largura. Multipliquei comprimento por largura, obtendo assim a área: 252. Somei comprimento e largura: 32. Pede-se: comprimento e largura”.

Resolução

Transformando em equação de 2º grau temos:

De acordo com o roteiro temos:

A = B = C =

1) multiplique A por C :

2) encontre metade de B :

3) multiplique B/2 por B/2 :

4) adicione AC a (B/2)2 :

5) a raiz quadrada é :

6) subtraia B/2 da raiz acima:

7) tome o recíproco de A obtendo1/A :

8) multiplique 1/A pelo resultado do passo (6) para obter o lado do quadrado :

Page 123: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

123

APÊNDICE III

ROTEIRO DE ATIVIDADE II

PROBLEMAS HISTÓRICOS NAS TRÊS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA ÁLGEBRA Denise Benino D. Ribeiro

Aparecida R. S. Duarte

A ÁLGEBRA SINCOPADA – DIOFANTO (aproximadamente 250 d.C)

Estava escrito na lápide de Diofanto: Deus lhe concedeu ser um menino pela sexta parte de sua vida, e somando uma duodécima parte a isto cobriu-lhe as faces de penugem. Ele lhe acendeu a lâmpada nupcial após uma sétima parte, e cinco anos após seu casamento concedeu-lhe um filho. Ai! Infeliz, criança tardia; depois de chegar à metade da vida de seu pai, o destino frio o levou. Depois de se consolar de sua dor durante quatro anos com a ciência dos números ele terminou sua vida. (BOYER, 2010, p. 121).

Linguagem vernácula Linguagem algébrica

Deus lhe concedeu ser um menino pela sexta parte de sua vida,

e somando uma duodécima parte a isto cobriu-lhe as faces de penugem.

Ele lhe acendeu a lâmpada nupcial após uma sétima parte,

e cinco anos após seu casamento concedeu-lhe um filho.

Ai! Infeliz, criança tardia; depois de chegar à metade da vida de seu pai, o destino frio o levou.

Depois de se consolar de sua dor durante quatro anos com a ciência dos números ele terminou sua vida.

Diga-me quanto anos tinha Diofanto quando morreu?

Resolução Algébrica

Page 124: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

124

Problema 27 do Livro I de Diofanto “Encontrar dois números com soma e produto dados”. (ROQUE, 2012, p. 232)

Resolução Sincopada/Retórica Resolução

Considere que a soma é 20 e o produto, 96.

Supondo que a diferença entre os dois números seja 2 arithmos, começamos por dividir a soma desses números (que é 20) por dois (obtendo 10).

A partir desse resultado, consideramos um arithmos somado a e subtraído de 10, respectivamente, cada uma das metades.

Como a metade da soma é 10, tomando a metade subtraída 1 arithmos mais a metade acrescentada de 1 arithmos obtendo 20, que é a soma desejada.

Para que o produto seja 96, multiplicamos essas mesmas quantidades, obtendo 100 subtraído do quadrado do arithmos (um dynamis).

Chegamos, assim à conclusão de que o dynamis deve ser 4, logo, o valor do arithmos é 2.

Os valores procurados serão, portanto, 10 mais 2 e 10 menos 2, ou seja, 8 e 12. (ROQUE, 2012).

Agora é com vocês... Problema 28 do livro I de Diofanto “Achar dois números cuja soma seja um número dado e cujos quadrados somados deem

um número dado.” Encontrar dois números cuja soma seja um número igual a 20 e os quadrados somados

deem um número igual a 208.

Resolução Sincopada/Retórica Resolução

Queremos encontrar dois números com soma 20 e a soma dos quadrados seja igual a 208.

Supondo que a diferença entre os dois números seja 2 arithmos, começamos por dividir a soma desses números (que é 20) por dois (obtendo 10).

A partir desse resultado, consideramos um arithmos somado a e subtraído de 10, respectivamente, cada uma das metades.

Page 125: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

125

Como a metade da soma é 10, tomando a metade subtraída 1 arithmos mais a metade acrescentada de 1 arithmos obtendo 20, que é a soma desejada.

Para que a soma dos quadrados seja 208, somamos os quadrados dessas mesmas quantidades e obtemos: (10 menos arithmos)² mais (10 mais arithmos)² igual 208.

Chegamos, assim à conclusão de que o dynamis deve ser 4, logo, o valor do arithmos é 2.

Os valores procurados serão, portanto, 10 mais 2 e 10 menos 2, ou seja, 8 e 12. (ROQUE, 2012).

Problema 16 do Livro I de Diofanto

Encontrar três números que, tomados dois a dois, formam números propostos. Em notações modernas, o problema se escreve:

x+y = a y+z = b z+x = c

onde a, b e c são os números propostos.

Resolução Sincopada/Retórica Resolução

Diofanto escolheu a = 20 unidades, b= 30 unidades e

c = 40 unidades. Em seguida, ele diz: “Consideremos

que a soma de três números é 1 arithmos (1A).

Assim, como o primeiro número mais o segundo

formam 20 unidades, se subtraímos 20 unidades de

1 arithmos (1A), teremos como terceiro número 1

arithmos menos 20 unidades. Pela mesma razão, o

primeiro número será 1 arithmos menos 30

unidades, e o segundo número será 1 arithmos

menos 40 unidades.

É preciso ainda que a soma dos três números seja

igual a 1 arithmos. Mas, a soma dos três números

forma 3 arithmos menos 90 unidades.

Igualando-os a 1 arithmos e o arithmos se torna 45 unidades. Voltando ao que foi colocado: o primeiro número será 15 unidades, o segundo será 5 unidades e o terceiro será 25 unidades, e a prova é clara."

Page 126: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

126

Para vocês resolverem: encontre x, y, z tal que x + y = a; y + z = b e z + x = c em que a= 10;

b= 5 e c = 4.

x+y = 10 y+z = 5 z+x = 4

Resolução Sincopada/Retórica Resolução

Consideremos que a soma de três números é 1 arithmos (1A)

Assim, como o primeiro número mais o segundo formam 10 unidades, se subtraímos 10 unidades de 1 arithmos (1A), teremos como terceiro número 1 arithmos menos 10 unidades.

Pela mesma razão, o primeiro número será 1 arithmos menos 4 unidades,

e o segundo número será 1 arithmos menos 5 unidades.

É preciso ainda que a soma dos três números seja igual a 1 arithmos.

Mas, a soma dos três números forma 3 aritmos menos 19 unidades.

Igualando-os a 1 arithmos e o arithmos se torna 9,5 unidades.

Voltando ao que foi colocado: o primeiro número será 1 arithmos menos 5 unidades, o segundo será 1 arithmos menos 4 unidades e o terceiro será 1 arithmos menos 10 unidades.

Qual a explicação Matemática para que o procedimento de Diofanto atenda as restrições impostas por ele mesmo.

Page 127: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

127

A ÁLGEBRA SINCOPADA – Al - Khwarizmi (aproximadamente 780 d.C – 850 d. C)

Tomemos como exemplo, em notação atual, a equação: 58x20100x2 2

1) Reduza a equação ao quarto caso. (x²+bx=c) 2) Resolva a equação pelo método de Al-Khwarizmi.

Resolução Sincopada/Retórica Resolução Tome a metade da quantidade de jidhr:

Multiplique essa quantidade por si mesma:

Some no resultado os Adad:

Extraia a raiz quadrada do resultado:

Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr, encontrando a solução:

Resolva pelo método de Al-J=Khwarizmi a equação: 2x + 35 = x²

Resolução Sincopada/Retórica Resolução Tome a metade da quantidade de jidhr:

Multiplique essa quantidade por si mesma:

Some no resultado os Adad:

Extraia a raiz quadrada do resultado:

Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr, encontrando a solução:

Resolva pelo método de Al-J=Khwarizmi a equação: x² + 10 = 6x

Resolução Sincopada/Retórica Resolução

Tome a metade da quantidade de jidhr:

Multiplique essa quantidade por si mesma:

Some no resultado os Adad:

Extraia a raiz quadrada do resultado:

Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr, encontrando a solução:

Page 128: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

128

APÊNDICE IV

ROTEIRO DE ATIVIDADE III

PROBLEMAS HISTÓRICOS NAS TRÊS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA ÁLGEBRA Denise Benino D. Ribeiro

Aparecida R. S. Duarte

A ÁLGEBRA SIMBÓLICA – VIÈTE (1540 - 1603) Relembrando o método de Al-Khwarizmi (aproximadamente 780 d.c. – 850 d.c.)

Adad = c Jidhr = coeficiente de x Mal = x² Resolva a equação:

Resolução Sincopada/Retórica Resolução Tome a metade da quantidade de jidhr:

Multiplique essa quantidade por si mesma:

Some no resultado os Adad:

Extraia a raiz quadrada do resultado:

Subtraia desse resultado a metade dos Jidhr, encontrando a solução:

Resolvendo geometricamente uma equação do 2º grau.(uma apropriação do método de Al-Khwarizmi)

Vejamos agora, como podemos determinar uma raiz da equação sem utilizar

nenhuma fórmula.

Construímos um quadrado, cuja área vai ser o termo x².

O termo 8x significa a área de um retângulo de lados 8 e x.

Page 129: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

129

Dividimos esse retângulo em quatro retângulos de mesma área.

Aplicamos cada um desses quatro retângulos sobre os lados do quadrado de área x².

Área da figura formada:

A equação do 2º grau é:

Completamos o quadrado.

A área desse quadrado é igual a:

O lado do quadrado é dado por:

Finalmente determinamos o valor de x:

Vamos jogar com a Matemática?

Para cada figura escreva uma equação do 2º grau e calcule uma raiz.

1) Área = 105 ______________________________________________________________________________

Page 130: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

130

2)

Área = 329

A ÁLGEBRA SIMBÓLICA – VIÈTE (1540 - 1603)

Principais símbolos

Viète Atual

+ (mais)

- (menos)

in vezes

A x

Aequalis = (igual)

Quadratus x²

Cubus x³

Notação Viète para atual

A quadratus 124 in A aequalis 0

2 in A quadratus 8 in A 16 aequalis 0

A quadratus 5 in A 6 aequalis 0

O Método de Viète para resolver equação do 2º grau.

Seja a equação:

Suponha x = u+v, onde u e v são incógnitas auxiliares.

Substitua u+v na equação :

Desenvolva os termos da equação:

Reordene os termos da equação colocando em primeiro os termos que contêm v:

Coloque v em evidência do termo: e

reescreva a equação:

Page 131: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

131

Descubra o valor de u para anular o coeficiente v:

Substitua o valor de u na equação:

Desenvolva a equação de modo a isolar v:

Se x=u+v, então:

Logo as raízes da equação são:

Seja a equação:

Suponha x = u+v, onde u e v são incógnitas auxiliares.

Substitua u+v na equação :

Desenvolva os termos da equação:

Reordene os termos da equação colocando em primeiro os termos que contêm v:

Coloque v em evidência e reescreva a equação:

Descubra o valor de u para anular o coeficiente v:

Substitua o valor de u na equação:

Page 132: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

132

Desenvolva a equação de modo a isolar v:

Se x=u+v, então:

Logo as raízes da equação são:

Generalizando o Método de Viète para

Suponha x = u+v, onde u e v são incógnitas auxiliares.

Substitua u+v na equação :

Desenvolva os termos da equação:

Reordene os termos da equação colocando em primeiro os termos que contêm v:

Coloque v em evidência e reescreva a equação:

Descubra o valor de u para anular o coeficiente v:

Substitua o valor de u na equação:

Page 133: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

133

Desenvolva a equação de modo a isolar v:

Se x=u+v, então:

Logo as raízes da equação são:

Page 134: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

134

APÊNDICE V

QUESTIONÁRIO - FINAL

Nome:______________________________________________________

1. Você pretende utilizar a História da Matemática para ensinar equações? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

2. Em sua opinião, quais são os pontos positivos dessa metodologia nas aulas de

Matemática?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

3. Em sua opinião, quais são os pontos negativos dessa metodologia nas aulas de

Matemática?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

4. Comente sobre as possibilidades pedagógicas das três fases de desenvolvimento

da Álgebra.

a)Retórica:___________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b)Sincopada:_________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Page 135: o uso da história das equações nos processos de ensino e de

135

c)Simbólica:__________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Utilize o espaço abaixo caso queira fazer alguma proposta ou observação sobre o

trabalho aqui desenvolvido.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________