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Diálogos literários

(onde – com suspiros profundos, lágrimas em fio e

valsas de Chopin – se assiste aos compassos

românticos do que se chama de literatura)

Marisa Lajolo

Ilustrações de Gessiely Aparecida Sperandio

Fotos de Victor Hugo Gomes Martins

Revisão de tradução: Anselmo Ludwig

Professor PDE/2008: Irene Gomes Martins

Área: Língua Portuguesa

Professor Orientador: Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo

IES vinculada: Universidade Estadual de Londrina

Escola de implementação: Colégio Estadual Professor Francisco Villanueva – Ensino

Fundamental e Médio

Público objeto da intervenção: Alunos do 2º ano do Ensino Médio

Natureza da produção didático-pedagógica: Unidade didática

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Diálogos literários

Fruto da imaginação criadora do artista, o universo literário é, muitas vezes, dotado de elementos fantásticos. Por mais que a literatura se aproxime do mundo real, nem sempre explicações racionais darão conta de todos os fenômenos. É o que se pode observar no conto O gato preto1, de Edgar Allan Poe, em que o leitor ora se depara com situações naturais, ora com situações absurdas. Na leitura de um conto fantástico, o leitor não perde o contato com a realidade, por esse motivo é que fica surpreso com os acontecimentos estranhos ou aparentemente sobrenaturais. Durante a leitura, observe sua reação e a dos colegas frente aos acontecimentos narrados.

O Gato Preto

Não espero nem peço o crédito do leitor para tão estranha, e ainda assim simples narrativa que estou prestes a escrever. Seria realmente louco se esperasse, neste caso em que meus sentidos rejeitaram a própria evidência. Entretanto, não sou louco – e com certeza não sonhei aquilo que pretendo narrar. Mas amanhã eu morrerei, e hoje desejo aliviar meu espírito. Meu propósito imediato é o de colocar diante do mundo, simplesmente, sucintamente e sem comentários, uma série de eventos meramente domésticos. Através de suas consequências, esses acontecimentos me terrificaram, torturaram e destruíram. Todavia não tentarei esclarecê-los. Para mim representaram apenas Horror, para muitos parecerão menos terríveis do que góticos. Mais tarde, talvez, algum intelecto surgirá para reduzir minha fantasia a lugar-comum – alguma inteligência mais calma, mais lógica, e muito menos excitável que a minha; e esta perceberá, nas circunstâncias que detalho com espanto, nada mais que uma sequência comum de causas e efeitos muito naturais.

Já na minha infância notaram a docilidade e humanidade de meu caráter. A ternura de meu coração era de fato tão nobre que eu acabava por me tornar alvo de piadas de meus companheiros. Possuía especial afeição por animais e, assim, meus pais permitiam que eu tivesse uma variedade deles. Passava a maior parte do meu tempo com eles e minha felicidade era alimentá-los e acariciá-los. Essa característica de meu caráter me acompanhou e, ao tornar-me homem, encontrava nela uma de minhas principais fontes de prazer. Para aqueles que já tiveram uma relação de afeto com um cão sagaz e fiel, não preciso dar explicações da natureza ou da intensidade da gratificação que daí advém. Há alguma coisa no amor desinteressado de um animal, no sacrifício próprio, que vai diretamente ao coração de quem teve diversas ocasiões de testar a amizade mesquinha e a vulnerável fragilidade humana.

Casei-me jovem e tive a felicidade de encontrar em minha esposa uma tendência que não era diferente da minha. Vendo como gostava de animais domésticos, ela não perdia a

1 Tradução de Irene Gomes Martins.

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oportunidade de me trazer exemplares das espécies mais agradáveis. Tínhamos pássaros, peixes de aquário, um belo cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era notavelmente um animal grande e belo, completamente preto e admiravelmente sagaz. Quando falávamos de sua inteligência, minha esposa, que não era de todo livre de superstição, fazia frequentes alusões à crença popular de que todos os gatos pretos eram bruxas disfarçadas. Não que ela sempre se referisse a esse assunto a sério – e se menciono isso agora não é por qualquer razão especial, apenas porque me lembrei do fato.

Pluto – esse era seu nome – era meu animal favorito e companheiro de brincadeiras. Só eu o alimentava e ele me seguia por toda parte da casa. Difícil mesmo era impedir que ele me seguisse nas ruas.

Nossa amizade durou, desse modo, por vários anos, durante os quais meu temperamento e meu caráter – devido ao demônio da Intemperança – tinham (envergonho-me de o confessar) sofrido uma piora radical. Dia após dia, eu me tornava mais melancólico, mais irritável, mais indiferente aos sentimentos alheios. Permitia-me usar de uma linguagem grosseira com minha esposa. Com o tempo, cheguei até a usar de violência contra ela. Naturalmente, meus animaizinhos de estimação sentiram a mudança de meu caráter. Não só os negligenciava como os tratava mal. Por Pluto, contudo, eu ainda conservava suficiente estima que não me deixava maltratá-lo, ao passo que não tinha escrúpulos em maltratar os coelhos, o macaco e até o cão, quando por acaso, ou por afeição atravessavam meu caminho. Porém, minha doença tomou conta de mim – pois que doença é pior que o álcool? – e, por fim, até Pluto, que agora estava ficando velho e, consequentemente, um tanto impertinente, até Pluto começou a sentir os efeitos de meu temperamento perverso.

Uma noite, ao voltar para casa, bastante embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, quando, assustado com a violência de meu gesto, feriu-me levemente a mão com os dentes. Uma fúria demoníaca, instantaneamente, se apossou de mim. Eu não me reconhecia. Foi como se minha alma original tivesse fugido de meu corpo e uma ruindade mais do que demoníaca, alimentada pelo gim, fizesse vibrar cada fibra do meu corpo. Tirei um canivete do bolso do colete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, deliberadamente, arranquei-lhe um olho da órbita. Encho-me de rubor e estremeço todo ao escrever essa abominável atrocidade.

Quando, com a manhã, voltei à razão, depois que o sono apagara a maior parte do excesso da noite – experimentei um sentimento misto de horror e de remorso pelo crime que tinha cometido. Mas era um sentimento débil e equívoco, e a minha alma permanecia insensível. Novamente mergulhei nos excessos, e depressa afoguei na bebida toda lembrança do meu ato.

Nesse meio tempo, o gato se recuperou lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, na verdade, um aspecto assustador, mas ele não aparentava qualquer sofrimento. Andava pela casa, como de costume, mas, como era de esperar, fugia aterrorizado cada vez que me aproximava dele. Restava-me ainda o suficiente de meu velho coração para lamentar a evidente aversão por parte de uma criatura que antes me amara tanto. Mas esse sentimento logo deu lugar à irritação. E, então, para minha queda irrevogável, surgiu o espírito da Perversidade. Desse espírito a filosofia não cura. Agora não estou mais certo da existência da minha alma que do fato que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma dessas indivisíveis faculdades primárias, ou sentimentos, que dão direção ao caráter do Homem. Quem já não se surpreendeu, uma centena de vezes, cometendo uma ação tola ou vil, por nenhuma outra razão a não ser a de saber que a não deveria cometer? Nós temos em nós uma inclinação perpétua, mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é Lei, simplesmente porque sabemos que é lei. Esse espírito de perversidade, eu digo, veio para minha queda final. Foi esse anseio insondável da alma por se atormentar – de violentar sua própria natureza – por praticar o mal só pelo mal - que me levou a continuar e finalmente consumar o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, passei-lhe um nó

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corredio em torno do pescoço e o pendurei no galho de uma árvore; - enforquei-o com os olhos cheios de lágrimas, e com o mais amargo remorso em meu coração; - enforquei-o porque sabia que ele me amava, e porque reconhecia que não me tinha dado razão para a maldade; - enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado – um pecado mortal que iria manchar minha alma imortal a ponto de a colocar – se isso fosse possível – até mesmo fora do alcance da infinita misericórdia do Deus mais Misericordioso e mais Severo.

Na noite do dia em que cometi esse ato cruel, fui despertado do sono por gritos de fogo. As cortinas da minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha esposa, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa.Todos os meus bens materiais foram consumidos, e a partir desse momento mergulhei no desespero.

Estou acima da fraqueza de tentar estabelecer uma relação de causa e efeito entre o desastre e a atrocidade. Mas estou detalhando um encadeamento de fatos – e não quero deixar um elo sequer incompleto. No dia seguinte ao incêndio, visitei as ruínas. Todas as paredes, com exceção de uma, tinham desmoronado. Essa exceção era constituída por um fino tabique interior, não muito espesso, que estava no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco tinha, ali, resistido em grande parte à ação do fogo – coisa que atribuí ao fato de ter sido recentemente restaurado. Em torno dessa parede juntara-se uma densa multidão, e muitas pessoas pareciam estar examinando um pedaço especial dela, com minúcia e grande atenção. As palavras ―estranho‖, ―singular‖ e outras expressões semelhantes despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se tivesse sido gravado em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem estava desenhada com uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Ao redor do pescoço do animal havia uma corda.

Da primeira vez que observei tal aparição – porque não podia considerar aquilo como sendo outra coisa - meu assombro e meu terror foram extremos. Mas, por fim, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado em um jardim junto a casa. Após o alarme de incêndio, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão – alguém deve ter tirado o animal da árvore, lançando-o, pela janela aberta, para dentro de meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, no intuito de me acordar. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima da minha crueldade na substância do reboco recém-aplicado; a cal, combinada com as chamas e o amoníaco do cadáver, produzira a imagem tal como eu a via.

Embora satisfizesse prontamente minha razão, não totalmente minha consciência, sobre o fato surpreendente descrito, este não deixou de causar profunda impressão em minha imaginação. Durante meses não consegui me livrar do fantasma do gato; e, durante esse período, voltou ao meu espírito um sentimento que quase se assemelhava a remorso, mas não era. Cheguei a ponto de lamentar a perda do animal, e a procurar, nos lugares que então costumava frequentar, por outro animal da mesma espécie e de aparência semelhante , que preenchesse seu lugar.

Uma noite, estava eu sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, quando minha atenção foi subitamente despertada por um objeto preto que jazia no topo de um dos enormes tonéis de gim ou de rum que constituíam o principal mobiliário do recinto. Havia vários minutos que eu olhava fixamente para a parte superior do tonel e o que me surpreendeu foi o fato de não ter percebido logo o objeto que se encontrava sobre a peça. Aproximei-me e toquei-o. Era um gato preto – um gato enorme – tão grande quanto Pluto, e semelhante a ele em todos os aspectos, exceto em um. Pluto não tinha um único pelo branco em todo o seu corpo; mas esse gato tinha uma mancha larga e branca, ainda que de forma indefinida, que lhe cobria toda a região do peito. Assim que o toquei, ergueu-se imediatamente, ronronou bem alto, esfregou-se em minha mão, e parecia feliz por eu tê-lo notado. Era esta, pois, a criatura que eu procurava. Imediatamente, ofereci-me para comprar o animal, mas o dono do lugar disse que o animal não lhe pertencia – não o conhecia – nunca o tinha visto antes.

Continuei a acariciá-lo, e quando me preparava para ir para casa, o animal demonstrou disposição em me acompanhar. Permiti que o fizesse, parando de vez em

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quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar em casa, adaptou-se e logo se tornou o animal preferido de minha esposa.

Da minha parte, logo passei a sentir aversão por ele. Era exatamente o contrário do que eu esperava, mas – não sei como nem por quê – seu evidente afeto por mim me desgostava e aborrecia. Lenta e gradativamente, esses sentimentos de desgosto e de aborrecimento transformaram-se na amargura do ódio. Evitava o animal; uma sensação de vergonha e a lembrança do ato de crueldade que praticara impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não bati nem o maltratei violentamente; mas, gradualmente – muito gradualmente – passei a encará-lo com uma indescritível aversão, e fugir silenciosamente de sua odiosa presença, como se fugisse do hálito de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou minha aversão pelo animal foi descobrir, na manhã seguinte ao dia em que o trouxe para casa, que, como Pluto, ele também havia sido privado de um de seus olhos. Tal circunstância, entretanto, apenas fez aumentar a estima de minha mulher pelo animal, pois, como já disse, ela possuía em alto grau aquela humanidade de sentimentos que, em outros tempos, tinha sido minha principal característica, bem como a fonte de muitos dos meus prazeres mais simples e mais puros.

A minha aversão pelo gato, porém, parecia aumentar sua predileção por mim. Seguia meus passos com uma pertinácia que seria difícil fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou saltava sobre meus joelhos, cobrindo-me com suas carícias repugnantes. Se me levantava para caminhar, metia-se entre meus pés e quase me fazia cair, ou então, fincava suas unhas compridas e aguçadas em minha roupa, e assim, subia até meu peito. Nesses momentos, embora tivesse vontade de matá-lo com um golpe, era impedido de o fazer, em parte pela lembrança de meu crime anterior, mas, especialmente – devo confessá-lo de imediato – pelo absoluto pavor que tinha do animal.

Esse pavor não era exatamente o pavor de um mal físico – no entanto, não saberia como defini-lo de outra forma. Quase me envergonho de admitir – sim, mesmo nesta cela de criminoso, eu quase me envergonho de confessar – que o terror e a repugnância que aquele animal me inspirava tinham sido intensificados por uma das mais puras fantasias que é possível conceber. Minha esposa, mais de uma vez, tinha chamado minha atenção para o aspecto da mancha de pelo branco que já mencionei, e que constituía a única diferença entre o estranho animal e aquele que eu enforcara. O leitor deve se lembrar dessa marca que, embora grande, era, originalmente, bastante indefinida; mas, lentamente – de forma quase imperceptível, e que durante muito tempo a minha Razão lutou por rejeitar como fantasiosa – assumira, por fim, uma rigorosa nitidez de contornos. Era, agora, a representação de um objeto, cujo nome me faz tremer – e por isso eu o desprezava e temia acima de tudo e teria me livrado dele se tivesse coragem – era agora, eu digo, a imagem de uma coisa medonha – uma coisa horrenda – de uma FORCA! – oh, deplorável e terrível instrumento de Horror e de Crime – de Agonia e de Morte!

E agora eu era realmente um miserável, que estava além da miséria da Humanidade. E um animal bruto – cujo amigo eu destruíra com desprezo – um bruto animal a dominar-me – homem feito à imagem do Deus Altíssimo – tanta angústia insuportável! Ai, nem de dia nem de noite, nunca mais conheci a bênção do Descanso! Durante o dia, a criatura não me deixava sozinho por um momento; e, à noite, despertava, de hora em hora, de sonhos indescritivelmente pavorosos, para sentir o hálito quente da coisa sobre meu rosto, e seu peso enorme – encarnação de um Pesadelo que eu não podia apartar de mim – pesando eternamente sobre meu coração!

Sob a pressão de tais tormentos, os débeis vestígios do que havia de bom em mim sucumbiram. Os maus pensamentos tornaram-se meus companheiros – os mais sombrios e os mais infames dos pensamentos. O mau humor habitual de meu temperamento transformou-se em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade; enquanto eu me entregava cegamente aos súbitos, frequentes e incontroláveis acessos de fúria, minha dócil esposa, ai de mim! era a mais paciente das sofredoras.

Um dia, acompanhou-me ao porão do velho edifício, no qual nossa pobreza nos obrigava a morar, para executar alguma tarefa doméstica. O gato seguiu-me nas escadas

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íngremes e quase me fez cair, o que me exasperou a ponto de perder o juízo. Erguendo um machado, e esquecendo, em minha cólera, o medo infantil que até então contivera minha mão, desferi contra o animal um golpe que, naturalmente, teria sido fatal se tivesse atingido onde eu queria. Mas esse golpe foi impedido pela mão de minha esposa a segurar-me o braço. Essa interferência me levou a uma raiva mais do que demoníaca, arranquei meu braço de seu aperto e enterrei o machado em seu cérebro. Ela caiu morta, sem um gemido.

Tendo executado esse terrível assassinato, entreguei-me, resoluto, ao trabalho de esconder o corpo. Eu sabia que não podia removê-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem o risco de ser flagrado pelos vizinhos. Muitos planos surgiram em minha mente. Por um instante, pensei em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los no fogo. Noutro, resolvi cavar-lhe uma cova no chão do porão. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço que ficava no pátio – ou colocá-lo num caixote, como se fosse mercadoria, com todos os cuidados que essa prática exige, e contratando um carregador para retirá-lo da casa. Finalmente, tive uma ideia que me pareceu melhor que as outras. Resolvi emparedar o corpo no porão – como os monges da Idade Média costumavam fazer com suas vítimas.

O porão estava perfeitamente adaptado para esse propósito. Suas paredes tinham sido mal construídas e, recentemente, haviam sido cobertas com uma argamassa grossa, que a umidade do ambiente impedira de endurecer. Além do mais, em uma das paredes havia uma projeção, produzida por uma falsa chaminé ou lareira, que tinha sido preenchida para se assemelhar ao resto do porão. Não tive dúvidas de que seria fácil, nesse ponto, introduzir o cadáver e depois restaurar a parede, de tal modo que não fosse possível descobrir qualquer sinal que despertasse suspeita. E não me enganei nesses cálculos. Com o auxílio de um pé de cabra, desloquei facilmente os tijolos e, depois de depositar cuidadosamente o corpo contra a parede interna, amparei-o nessa posição, enquanto, com certo esforço, recoloquei os tijolos tal como estavam anteriormente. Procurei argamassa, areia e pelo, e com toda a precaução possível, preparei um reboco que não se distinguia do antigo, e com o maior cuidado, reboquei os tijolos. Quando terminei, eu me senti satisfeito com a perfeição do trabalho. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido modificada. Recolhi os resíduos do chão com o cuidado mais minucioso. Olhei em volta, triunfante, e disse a mim mesmo: ―Pelo menos aqui meu trabalho não foi em vão‖.

Meu próximo passo foi procurar o animal que tinha sido a causa de tamanha desgraça; pois tinha, finalmente, a firme decisão de matá-lo. Se o tivesse encontrado naquele momento, não haveria dúvidas quanto ao seu destino; mas parecia que o esperto animal se amedrontara com a violência da minha cólera anterior, evitando aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar a profunda sensação de alívio que a ausência da detestável criatura provocou em meu peito. Não apareceu durante a noite – e assim, ao menos por uma noite, desde que entrara em casa, dormi profunda e tranquilamente; sim, dormi mesmo com o peso do assassinato em minha alma.

Passou-se o segundo e depois o terceiro dia, e ainda meu algoz não aparecera. Novamente respirei como um homem livre. O monstro, aterrorizado, tinha fugido para sempre! Nunca mais tornaria a vê-lo! Minha felicidade era suprema! A culpa de minha ação tão negra pouco me perturbava. Algumas indagações foram feitas, porém estas foram prontamente respondidas. Até mesmo havia sido feita uma busca – mas naturalmente nada foi descoberto. Eu considerava como certa a minha felicidade futura.

No quarto dia após o assassinato, um grupo da polícia retornou, muito inesperadamente, em minha casa, e procedeu a uma rigorosa investigação do prédio. Estava seguro, no entanto, quanto à impenetrabilidade do lugar em que escondera o corpo. Não senti qualquer perturbação. Os policiais ordenaram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram um só canto sem explorar. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram ao porão. Não me perturbei. Meu coração batia calmamente como o de um inocente. Percorri o porão de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, andava, calmamente, de um lado para outro. Os policiais estavam completamente satisfeitos e prontos para partir. A alegria em meu coração era tão grande que não consegui me conter.

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Ansiava para dizer ao menos uma palavra, à guisa de triunfo, e também para garantir duplamente a minha inocência.

―Cavalheiros‖, disse, por fim, enquanto o grupo subia as escadas, ―Estou satisfeito por ter desfeito todas as suspeitas. Desejo a todos vocês ótima saúde e um pouco mais de cortesia. A propósito, senhores, esta – esta é uma casa muito bem construída.‖ (No meu violento desejo de dizer qualquer coisa, mal sabia o que dizia.) – ―Posso até dizer que esta casa é muito bem construída. Estas paredes... já estão indo, senhores? – estas paredes são solidamente ligadas‖; nesse ponto, por simples fanfarrice, bati com força, com a bengala que tinha na mão, na parede atrás da qual jazia o cadáver de minha amada esposa.

Que Deus me proteja e me salve das garras do Demônio! Tão logo o som dos golpes mergulhou no silêncio, uma voz respondeu de dentro do túmulo! – um choro abafado e entrecortado, como o soluço de uma criança, e de repente se transformou num grito prolongado, sonoro, estridente, completamente anormal e inumano – um lamento agudo, meio de horror e meio de triunfo, tal como só poderia vir das profundezas do inferno, provindo das gargantas dos condenados, em sua agonia, e dos demônios que exultam na condenação.

É um disparate tentar descrever meus pensamentos. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até a outra parede. Por um instante, o grupo de policiais que subia as escadas permaneceu imóvel, tomado por extremo espanto e terror. Em seguida, doze braços vigorosos avançaram contra a parede. Esta desabou. O cadáver, já bastante decomposto, e coberto de sangue coagulado, estava ereto diante dos olhos dos espectadores. Sobre sua cabeça, com a boca vermelha completamente aberta e uma chispa de fogo no único olho, estava o horrendo animal, cuja astúcia me levou a cometer o assassinato e cuja voz delatora agora me entregava ao carrasco. Eu tinha emparedado o monstro dentro do túmulo! EM BUSCA DOS SENTIDOS DO TEXTO 1- No conto lido, o narrador se propõe a contar os fatos estranhos que se sucederam e que o aterrorizaram. Em que lugar o narrador se encontra e por que razão está ali? 2- A narrativa, permeada de justificativas por parte do narrador, revela o sentimento que o domina e que o leva a contar os fatos. Que sentimento é esse?

3- Dois gatos estão presentes na vida do narrador. O que representa para ele

a) o gato totalmente preto (Pluto): b) o gato preto adotado :

4- No decorrer da narrativa, os conflitos do narrador são revelados a partir das seguintes dualidades: bem x mal; salvação x condenação; perversidade x ternura. Seu objetivo em expor diante do mundo os fatos está intimamente ligado a esses conflitos. Segundo a crença do narrador, a partir de que momento poderá sentir algum alívio?

SOBRE O AUTOR

Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809. Perdeu os pais antes de completar dois anos e foi entregue aos cuidados do casal Allan. Contudo, sua relação com John Allan foi conturbada em virtude das farras, da propensão para o alcoolismo e do jogo, das dívidas e das inclinações literárias de Poe e da recusa do pai adotivo em lhe atender nos infortúnios. Na adolescência já se destacava em línguas e compunha versos. Além de poemas e contos, escreveu ensaios literários, fez revisões de livros, foi conferencista, trabalhou como editor e colaborador de revistas. Em maio de 1836, casou-se publicamente com sua prima Virgínia Clemm que, onze anos mais tarde, falece de tuberculose. Após a morte da esposa (1847), Poe sofre de profunda depressão e se entrega à embriaguez. Entregue a uma contínua bebedeira, em 7 de outubro falece em Baltimore. Considerado o mestre do fantástico e sobrenatural, foi também o precursor das narrativas policiais e de suspense. Venerado pela subcultura gótica, também influenciou a obra de grandes escritores da literatura universal como Charles Baudelaire (1821-1867), Stéphane Mallarmé (1842-1898), Júlio Cortázar (1914-1984), e muitos outros de igual importância.

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5- Em várias passagens, há uma tentativa do narrador em justificar seus atos. Que justificativas ele apresenta? Como leitor, você se sente persuadido a aceitar essas justificativas? Fundamente sua resposta.

6- Em outras passagens do texto o narrador procura explicar racionalmente os fatos extraordinários que testemunhou. Você concorda com essas explicações? Considera-as plausíveis? 7- Paradoxo é uma afirmação que subverte as ideias, apresentando fatos que mantêm relações incompatíveis entre si. Que sentimento o narrador revela ao se referir a Deus como ―Deus Mais Misericordioso e Mais Terrível‖?

8- Releia: ―Quando falávamos de sua inteligência, minha esposa, que não era de todo livre de superstição, fazia frequentes alusões à crença popular de que todos os gatos pretos eram bruxas disfarçadas. Não que ela sempre se referisse a esse assunto a sério – e se menciono isso agora não é por qualquer razão especial, apenas porque me lembrei do fato.‖ O narrador não teria mesmo nenhuma razão especial para mencionar esse fato? Argumente. 9- O gênero fantástico na literatura surgiu entre os séculos XVIII e XIX numa reação às ideias iluministas que se propagaram no século XVIII. Caracteriza-se pela utilização do terror, do grotesco e sobrenatural, do macabro, do mistério e do suspense para compor suas histórias. No conto lido, identifique elementos que o caracterizam como fantástico.

A partir da leitura do conto e do fragmento acima, responda:

Qual é o efeito que a cor preta do gato provoca na trama?

A CULTURA GÓTICA A década de 1980 foi marcada pela volta dos góticos que, com bastante morbidez, cultuam as sombras e apreciam a literatura de Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Baudelaire, Byron , Edgar Allan Poe, Anne Rice, entre outros. Usam roupas pretas, veludo, couro, renda e botas bem engraxadas. Para as moças, batas leves com decotes profundos e tecidos transparentes lembram as camisolas usadas pelas vampiras ao seduzirem suas vítimas nas histórias de terror. Usam acessórios como crucifixos, joias de prata, bolsas pretas, luvas até os cotovelos e o indispensável batom roxo. Costumam frequentar cemitérios ou lugares abandonados.

Na cultura popular e nos estudos em geral sobre a sua simbologia, o preto é a cor das trevas, do mundo inferior e subterrâneo. O preto representa ―o que nega a luz do dia‖ tornando-se um símbolo do mal. É a cor de Anúbis, deus dos mortos no Egito; a cor do demônio na crença popular cristã; as vestes negras simbolizam dor e morte; na superstição cotidiana, animais pretos como gato ou bode representam infortúnio. Alguns escritos clericais da Idade Média revelam no preto o desprezo pelo mundo e pela vida. Disponível em http://www.literaturafantastica.pro.br/teoria.html

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Vale lembrar que elementos da cultura gótica, além da moda dark, estão presentes também em personagens do cinema como Batman , Mulher-Gato e Edward Mãos de Tesoura, em letras de bandas de rock, nas HQs. AMPLIANDO LEITURAS Que tal percorrer as alamedas de um cemitério abandonado e ser invadido pela solidão e pelo silêncio tão característico desses ambientes? Aceite o convite e leia o conto Venha ver o pôr-do-sol, de Lygia Fagundes Telles e troque impressões com os colegas e com seu professor. Você poderá encontrar o conto na biblioteca de sua escola em Antologia: Meus contos preferidos, da autora. Confira um fragmento: O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira as alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados. TELLES, Lygia Fagundes. Antologia: Meus contos preferidos. Rio de Janeiro: Rocco, 2004

1- Embora apresente um desfecho surpreendente, há indícios, no transcorrer da narrativa, que dão sentido à trama. Quais são esses indícios? 2- Em muitas narrativas contemporâneas o desfecho se abre para várias possibilidades de encerramento. Você, como leitor, assume um papel significativo na interação com o texto. Por isso, dê sua sugestão: Quais podem ser as possibilidades de encerramento do conto?

A LITERATURA GÓTICA

Tendo surgido como gênero no século XVIII, com Castle of Otranto (1764) de Horace Walpole, caracteriza-se pela presença do sobrenatural e por ambientes sombrios. Já na primeira metade do século XVIII, poetas como Thomas Parnell, Thomas Gray e Edward Young escreviam longos poemas meditativos cujos elementos poéticos giravam em torno de cemitérios, sombras, ruínas, almas penadas, e que mais tarde serviriam como temas para o romance gótico. Embora o início do século XIX tenha marcado a decadência do romance gótico, o cenário e a atmosfera gótica continuam presentes em obras de grandes escritores estrangeiros como E. A. Hoffmann e Edgar Allan Poe; em obras de Anne Rice, a autora da sequência de best sellers sobre o vampiro Lestat; e mais recentemente nos livros da série Crepúsculo, da escritora estadunidense Stephenie Meyer. Crepúsculo, título do primeiro livro da série cujo enredo gira em torno de uma história de amor entre uma mortal e um vampiro, tem tido uma grande repercussão entre os adolescentes, mesmo entre aqueles que não apreciam a cultura gótica. Na literatura brasileira, Álvares de Azevedo, influenciado por Lord Byron e Musset, é o principal representante da prosa gótica. Conhecer sua obra é a melhor forma de enveredar por esse universo repleto de sombras, terror, sedução, mistério e morte.

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NOITE NA TAVERNA: SATANISMO2 E FANTASIA

Em uma taverna, repleta de bêbados e loucos, alguns rapazes conversam e, estimulados pela bebida, relatam aventuras amorosas e macabras de seu passado. Os relatos são todos fantásticos e os temas – amor e morte – permeiam cenas de adultério, incesto, necrofilia, violência e desejo carnal, as quais prendem e fascinam o leitor. Cada relato traz como título o nome da personagem que narra a história. O conto que você lerá a seguir é o relato de Johann. A história é narrada antes do conto Último beijo de amor, o qual retoma as personagens desta leitura e surpreende pela fantasia materializada num final trágico.

JOHANN

- Agora a minha vez! Quero lançar também uma moeda em vossa urna: e o cobre

azinhavrado do mendigo: pobre esmola por certo! Era em Paris, num bilhar. Não sei se o fogo do jogo me arrebatara, ou se o kirsch e o

Curaçao me queimaram demais as ideias... Jogava contra mim um moço: chamava-se Arthur.

Era uma figura loira e mimosa como a de uma donzela. Rosa infantil lhe avermelhava as faces, mas era uma rosa de cor desfeita. Leve buço lhe sombreava o lábio, e pelo oval do rosto uma penugem doirada lhe assomava como a felpa que rebuça o pêssego.

Faltava um ponto a meu adversário para ganhar. A mim, faltavam-me não sei quantos: sei só que eram muitos e pois requeria-se um grande sangue frio, e muito esmero no jogar.

Soltei a bola. Nessa ocasião o bilhar estremeceu... O moço loiro, voluntariamente ou não, se encostara ao bilhar...A bola desviou-se, mudou de rumo: com o desvio dela perdi. A raiva levou-me de vencida. Adiantei-me para ele. A meu olhar ardente o mancebo sacudiu os cabelos loiros e sorriu como d’escárnio.

Era demais! Caminhei para ele: ressoou uma bofetada. O moço convulso caminhou para mim com um punhal, mas nossos amigos nos sustiveram.

- Isso é briga de marujo. O duelo, eis a luta dos homens de brio. O moço rasgou nos dentes uma luva, e atirou-ma à cara. Era insulto por insulto; lodo

por lodo: tinha de ser sangue por sangue. Meia hora depois tomei-lhe a mão com sangue frio e disse-lhe no ouvido: - Vossas armas, senhor? - Sabê-las-eis no lugar. - Vossas testemunhas? - A noite e minhas armas. - A hora? - Já. - O lugar? - Vireis comigo...Onde pararmos aí será o lugar...

2 Em desacordo com os valores comuns; profundo egotismo.

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- Bem, muito bem: estou pronto, vamos. Dei-lhe o braço e saímos. Ao ver-nos tão frios a conversar creram uma satisfação. Um

dos assistentes, contudo, entendeu-nos. Chegou a nós e disse: - Senhores, não há pois meio de conciliar-vos? Nós sorrimos ambos. - É uma criançada, tornou ele. Nós não respondemos. - Se precisardes de uma testemunha, estou pronto. Nós nos curvamos ambos. Ele entendeu-nos: viu que a vontade era firme: afastou-se. Nós saímos. ________________________________________________________ Um hotel estava aberto. O moço levou-me para dentro. - Moro aqui, entrai, disse-me. Entramos. - Senhor, disse ele, não há meio de paz entre nós: um bofetão e uma luva atirada às

faces de um homem são nódoas que só o sangue lava. É pois um duelo de morte. - De morte, repeti como um eco. - Pois bem: tenho no mundo só duas pessoas - minha mãe e... Esperei um pouco. O moço pediu papel, pena e tinta. Escreveu: as linhas eram poucas. Acabando a carta

deu-ma a ler. - Vede - não é uma traição, disse. - Arthur, creio em vós: não quero ler esse papel. Repeli o papel. Arthur fechou a carta, selou o lacre com um anel que trazia no dedo.

Ao ver o anel uma lágrima correu-lhe na face e caiu sobre a carta. - Senhor, sois um homem de honra. Se eu morrer, tomai esse anel: no meu bolso

achareis uma carta: entregareis tudo a... Depois dir-vos-ei a quem... - Estais pronto? perguntei. - Ainda não! antes de um de nós morrer é justo que brinde o moribundo ao último

crepúsculo da vida. Não sejamos Abissínios: demais o sol no cinábrio do poente ainda é belo.

O vinho do Reno correu em águas d'ouro nas taças de cristal verde. O moço ergueu-se.

- Senhor, permita que eu faça uma saúde convosco. - A quem? - É um mistério - é uma mulher, porque o nome daquela que se apertou uma vez nos

lábios, a quem se ama, é um segredo. Não a fareis? - Seja como quiserdes, disse eu. Batemos os copos. O moço chegou à janela. Derramou algumas gotas de vinho do

Reno à noite. Bebemos. - Um de nós fez a sua última saúde, disse ele. Boa noite, para um de nós... bom leito,

e sonos sossegados para o filho da terra! Foi a uma secretária, abriu-a: tirou duas pistolas. - Isto é mais breve, disse ele. Pela espada é mais longa a agonia. Uma delas está

carregada, a outra não. Tirá-las-emos à sorte. Atiraremos à queima-roupa. - É um assassinato. - Não dissemos que era um duelo de morte, que um de nós devia morrer? - Tendes razão. Mas dizei-me: onde iremos? - Vinde comigo. Na primeira esquina deserta dos arrabaldes. Qualquer canto de rua é

bastante sombrio para dois homens dos quais um tem de matar o outro. À meia-noite estávamos fora da cidade: Ele pôs as duas pistolas no chão. - Escolhei, mas sem tocá-las.

Escolhi.

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- Agora vamos, disse eu. - Esperai, tenho um pressentimento frio e uma voz suspirosa me geme no peito. Quero

rezar... é uma saudade por minha mãe. Ajoelhou-se. À vista daquele moço de joelhos - talvez sobre um túmulo - lembrei-me

que eu também tinha mãe e uma irmã e que eu as esquecia. Quanto a amantes, meus amores eram como a sede dos cães das ruas, saciava-se na água ou na lama. Eu só amara mulheres perdidas.

- É tempo, disse ele. Caminhamos frente a frente. As pistolas se encostaram nos peitos - as espoletas

estalaram: um tiro só estrondou, ele caiu quase morto... - Tomai, murmurou o moribundo, e acenava-me para o bolso. Atirei-me a ele. Estava afogado em sangue. Estrebuchou três vezes e ficou frio. Tirei-

lhe o anel da mão. - Meti-lhe a mão no bolso como ele dissera. Achei dois bilhetes. A noite era escura: não pude lê-los. Voltei à cidade. À luz baça do primeiro lampião vi os dois bilhetes. O primeiro era a

carta para sua mãe. O outro estava aberto: li. - "À uma hora da noite na rua de... nº 60, 1º andar: acharás a porta aberta.

Tua G." Não tinha outra assinatura. Eu não soube o que pensar. Tive uma ideia: era uma infâmia. Fui à entrevista. Era no escuro. Tinha no dedo o anel que trouxera do morto...Senti

uma mãozinha acetinada tomar-me pela mão, subi. A porta fechou-se. Foi uma noite deliciosa! A amante do loiro - era virgem! Pobre Romeu! Pobre Julieta!

Parece que essas duas crianças levavam a noite em beijos infantis e em sonhos puros! (Johann encheu o copo: bebeu-o, mas estremeceu.) Quando eu ia sair, topei um vulto à porta. - Boa noite, cavalheiro, eu vos esperava há muito. Essa voz pareceu-me conhecida. Porém eu tinha a cabeça desvairada... Não respondi: o caso era singular. Continuei a descer: o vulto acompanhou-me.

Quando chegamos à porta vi luzir a folha de uma faca. Fiz um movimento e a lâmina resvalou-me no ombro. A luta fez-se terrível na escuridão. Eram dois homens que se não conheciam; que não pensavam talvez terem-se visto um dia à luz, e que não haviam mais ver-se porventura ambos vivos.

O punhal escapou-lhe das mãos, perdeu-se no escuro: subjuguei-o. Era um quadro infernal, um homem na escuridão abafando a boca do outro com a mão, sufocando-lhe a garganta com o joelho, e a outra mão a tatear na sombra procurando um ferro.

Nessa ocasião senti uma dor horrível: frio e dor me correram pela mão. O homem morrera sufocado, e na agonia me enterrara o dente pela carne. Foi a custo que desprendi a mão sanguenta e descarnada da boca do cadáver. Ergui-me.

Ao sair tropecei num objeto sonoro. Abaixei-me para ver o que era. Era uma lanterna furta-fogo. Quis ver quem era o homem. Ergui a lâmpada...

O último clarão dela banhou a cabeça do defunto...e apagou-se... Eu não podia crer: era um sonho fantástico toda aquela noite. Arrastei o cadáver pelos

ombros... levei-o pela laje da calçada até ao lampião da rua, levantei-lhe os cabelos ensanguentados do rosto... (Um espasmo de medo contraiu horrivelmente a face do narrador - tomou o copo, foi beber: os dentes lhe batiam como de frio: o copo estalou-lhe nos lábios).

Aquele homem - sabei-lo! era do sangue do meu sangue - era filho das entranhas de minha mãe como eu - era meu irmão: uma ideia passou ante meus olhos como um anátema. Subi ansioso ao sobrado. Entrei. A moça desmaiara de susto ouvindo a luta. Tinha a face fria como o mármore. Os seios nus e virgens estavam parados e gélidos como os de uma estátua... A forma de neve eu a sentia meio nua entre os vestidos desfeitos, onde a infâmia asselara a nódoa de uma flor perdida.

Abri a janela - levei-a até aí...

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ROMANTISMO Designação dada ao movimento estético, traduzido num modo de vida e de arte em que a imaginação, o sentimento e a emoção se opõem à visão racional de mundo. Predominou no Ocidente no período compreendido entre o século XVIII e a metade do século XIX. No Brasil, estendeu-se de 1836 a 1881.

Na verdade que sou um maldito! Olá, Archibald, dai-me um outro copo, enchei-o de Cognac, enchei-o até a borda! Vede: sinto frio, muito frio: tremo de calafrios e o suor me corre nas faces! Quero o fogo dos espíritos! a ardência do cérebro ao vapor que tonteia... quero esquecer!

- Que tens, Johann? tiritas como um velho centenário! - O que tenho? o que tenho? não o vedes, pois? Era minha irmã!...

AZEVEDO, Álvares de. Noite na Taverna. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000010.pdf

SOBRE O AUTOR Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852). Nasceu em São Paulo, estudou Humanidades no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro; cursou Direito em sua terra natal, contudo não concluiu o curso devido à morte precoce aos 21 anos. Sua obra – poesia, prosa, teatro – foi escrita em apenas quatro anos e publicada postumamente. Na plenitude da adolescência, deixou-se arrebatar pela imaginação, pela fantasia, pelo conflito entre o real e o imaginado, numa angústia, embriaguez, aspiração e temor da morte. Apresentou grande capacidade intelectual. Leu escritores como Byron, Musset, Shakespeare, Hoffmann, Victor Hugo. Participou de agremiações literárias e tornou-se a figura de maior relevo da segunda geração do Romantismo brasileiro, também conhecida por mal-do-século ou ultrarromântica. De uma sensibilidade aguda, cultuou o subjetivismo exacerbado diluído no devaneio, no erotismo difuso, na melancolia, no pessimismo e no culto à morte. Obras: Poesia: Lira dos vinte anos (1853); Conde Lopo (1866) Conto: Noite na taverna (1855) Teatro: Macário (1855)

EM BUSCA DOS SENTIDOS DO TEXTO 1- No primeiro capítulo da obra Noite na taverna há um narrador em terceira pessoa que nos apresenta as personagens na taverna. No relato de Johann, Álvares de Azevedo dá voz a esse narrador. Em que passagens esse narrador se manifesta? Transcreva-as. 2- Ao iniciar sua história, Johann situa seus interlocutores no ambiente em que se encontrava com Arthur. Que informações o narrador apresenta e que antecipam um provável conflito?

3- O narrador tem certeza de que realmente Arthur tenha tido a intenção de trapacear? Justifique transcrevendo uma passagem do texto. 4- Quais as atitudes dos dois jovens nos momentos que antecedem ao duelo e que para os nossos dias soam como estranhas, num contexto em que ambos sabem que um morrerá assassinado pelo outro?

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5- Após sair vitorioso do duelo, Johann lê uma das cartas que se encontrava no bolso do rapaz e vai ao encontro daquela que assina apenas G.. Que expressão do texto revela sua intenção em se passar por Arthur?

6- Histórias mórbidas, ambientes sombrios e misteriosos são alguns dos elementos relacionados à cultura gótica. No conto lido, de que forma a atmosfera gótica se faz presente e em que medida contribui para o desfecho da trama?

7- Tchekhov, célebre contista russo, destaca como característica do conto a força, ou seja, a capacidade de prender a atenção do leitor. No conto Johann, como Álvares de Azevedo mantém a atmosfera de mistério e suspense de forma que o leitor se sinta impelido a continuar a leitura? 8- As personagens devassas de Noite na taverna representam o tédio, o pessimismo, a melancolia, a solidão, a obsessão pela morte, tão comuns à segunda geração do Romantismo brasileiro, também conhecida por Ultrarromantismo. Que sentimentos Johann manifesta ao final da narrativa? 9- Numa atmosfera de Sonho, em que o mundo é descrito como se estivesse coberto por um véu, Álvares de Azevedo revela, em sua obra, uma ânsia por mulheres imaginárias. Num idealismo amoroso, de forte tendência imaginativa, a figura da mulher surge ora idealizada, inalcançável; ora erotizada, porém envolta numa névoa em que o amor físico é apenas sugerido. No relato de Joahnn, de que forma o autor faz referência à realização amorosa, no plano físico? Como ele descreve a figura feminina? E por falar em figura feminina, leia agora um poema de Álvares de Azevedo e confronte-o com o poema O adeus de Teresa, de Castro Alves, poeta da terceira geração romântica.

Soneto Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! Na escuma fria... Pela maré das águas embalada... - Era um anjo entre nuvens d’alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti – as noites eu velei chorando Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo! AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf

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O “adeus” de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala ―Adeus‖ eu disse-lhe a tremer co’a fala... E ela, corando, murmurou-me: ―adeus!‖ Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... era a pálida Teresa! ―Adeus‖ lhe disse conservando-a presa... E ela murmurou-me: ―adeus!‖ Passaram tempos... séc’los de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... ... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse – ―Voltarei!... descansa!...‖ Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou-me: ―adeus!‖ Quando voltei... era o palácio em festa!... E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!... E ela arquejando murmurou-me: ―adeus!’

São Paulo, 28 de agosto de 1868.

CASTRO ALVES, Antônio de. Espumas Flutuantes. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000006.pdf

1- Os românticos elegeram cores espectrais como as de reflexos amarelados, esverdeados e azulados como forma da expressão dolorosa do subjetivismo, da doença e da morte. No poema de Álvares de Azevedo, como isso se dá na descrição da figura feminina? Que imagens ele cria para dar mais ênfase à palidez romântica? 2- Com relação ao poema de Castro Alves, responda:

a) Considerando-se o período em que o poema foi escrito, as atitudes de Teresa

correspondem ao que se esperava de uma mulher no modelo de sociedade patriarcal, vigente no século XIX? Justifique.

b) No século XIX, as convenções sociais não permitiam maior proximidade física entre

moças e rapazes. No primeiro encontro, o que favorece essa proximidade entre os amantes?

3- Como a figura feminina é representada em cada um dos poemas?

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UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA DA FIGURA FEMININA Em nossa literatura, uma voz tem se destacado por expressar o universo feminino, valorizando o cotidiano da mulher contemporânea. Adélia Prado, em sua obra, canta a mulher do lar, esposa, mãe, trabalhadora; enfim, a mulher que constrói sua identidade sem, contudo, opor-se ao universo masculino. Observe nos versos do poema Casamento como a escritora revela um lirismo repleto de sensações no simples ato da mulher ajudar o marido a limpar os peixes. [...] ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, [...] somos noivo e noiva. Leia agora um fragmento de um outro poema da escritora - Bilhete em papel rosa - e observe como o eu lírico dialoga com Castro Alves, apresentando uma maneira genuinamente feminina de expressão de sentimentos.

Para conhecer esses e outros poemas na íntegra, você pode assistir ao vídeo em que a própria escritora os lê. É só acessar! http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=videos

A VALSA E OS ROMÂNTICOS O contato físico entre os sexos está regulado por determinadas convenções sociais, que variam de acordo com lugar e época. A valsa, por exemplo, diferentemente do que representa em nossos dias, provocava reações ligadas ao comportamento afetivo dos românticos. Para compreender as reações à valsa, devemos lembrar que os sexos estavam, na sociedade brasileira do século XIX, separados por uma grande barreira física, e que os seus contatos eram regulados por um ritual muito mais rígido do que o nosso. A valsa, ao permitir que o casal se aproximasse fisicamente, e se isolasse dos outros, representava uma situação quase única na época. Por isso, os seus efeitos aparecem muito claramente na literatura romântica, onde a valsa passa a apresentar uma situação de perigo real ou potencial. É na valsa que os amores se declaram, ou é nela que os heróis se apaixonam pelas heroínas.

LEITE, Dante Moreira. O amor romântico e outros temas. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1979, p.51.

A meu amado secreto, Castro Alves. Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio. Vê estas olheiras dramáticas, [...] Antônio lindo, meu bem, ó meu amor adorado, Antônio, Antônio. Para sempre tua.

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AMPLIANDO LEITURAS A valsa, com todo o fascínio e encantamento de que era dotada no século XIX, permeia tanto a poesia quanto a prosa do período romântico. Confira a descrição dos efeitos de uma valsa sobre Fernando, personagem do romance Senhora, de José de Alencar. Quando a mão de Aurélia calcava-lhe no ombro, transmitindo-lhe com a branda e macia pressão o seu doce calor, era como se todo o seu organismo estivesse ali, naquele ponto em que um fluido magnético o punha em comunicação com a moça.

ALENCAR, José Martiniano de. Senhora. São Paulo: Ática, 2002. p.185.

Qual era o valor que a valsa tinha para os românticos e como isso se evidencia no fragmento acima, extraído do romance romântico Senhora?

Você já ouviu falar de José de Alencar? Sabe o que sua obra representa no conjunto da literatura brasileira? Converse com seu professor! Pesquise! Descubra! Leia José de Alencar e outros romancistas românticos como Bernardo Guimarães, Joaquim Manuel de Macedo, Visconde de Taunay. E MAIS Você leu um poema lírico de Castro Alves e conferiu no poema de Adélia Prado um eu lírico dialogando com esse poeta do século XIX. Por seu humanitarismo e indignação abolicionista, a obra de Castro Alves marcou a fase romântica da poesia de caráter político e social na década de 1860. Em parte de sua obra, o negro, inferiorizado pelas correntes da escravidão, é tratado como herói e como ser humano, com sentimentos e angústias, como podemos comprovar nos versos abaixo, do poema ―A canção do africano‖:

Lá na úmida senzala, Sentado na estreita sala, Junto ao braseiro, no chão, Entoa o escravo o seu canto, E ao cantar correm-lhe em pranto Saudades do seu torrão ...

. De um lado, uma negra escrava Os olhos no filho crava, Que tem no colo a embalar... E à meia voz lá responde Ao canto, e o filhinho esconde, Talvez pra não o escutar!

CASTRO ALVES, Antônio de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1971, p.148.

Enquanto a poesia social de Castro Alves retrata a luta pela abolição da escravatura, o desafio dos negros, atualmente, é vencer o preconceito racial e se afirmar como identidade cultural. Na literatura, por exemplo, é grande o número de afro-brasileiros que têm se dedicado a retratar a ancestralidade africana, bem como a experiência de suas personagens negras no Brasil. Exemplo disso é o da escritora Conceição Evaristo. Em seu romance Ponciá Vicêncio, a personagem, além de sofrer com a marginalização proveniente do passado africano, sente-se despojada de sua identidade por carregar o sobrenome do antigo dono da terra (Vicêncio).

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“Quando mais nova, sonhara até um outro nome para si. Não gostava daquele que lhe deram. Menina, tinha o hábito de ir à beira do rio e lá, se mirando nas águas, gritava o próprio nome: Ponciá Vicêncio! Ponciá Vicêncio! Sentia-se como se estivesse chamando outra pessoa. Não ouvia o seu nome responder dentro de si. Inventava outros. Panda, Malenga, Quieti, nenhum lhe pertencia também. Ela, inominada, tremendo de medo, temia a brincadeira, mas insistia. A cabeça rodava no vazio, ela vazia se sentia sem nome. Sentia-se ninguém. Tinha, então, vontade de choros e risos.”

EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições. 2003. p.19.

Amplie seu universo de leituras. Converse com seu professor e pesquise os escritores das literaturas afro-brasileira e africana. Você pode conhecer algumas obras acessando: www.quilombhoje.com.br/

UM POUCO MAIS DE POESIA O poema abaixo, um dos mais representativos da obra de Álvares de Azevedo, ilustra as características do Ultrarromantismo (1853–1870) - denominação dada ao segundo momento do Romantismo brasileiro em que os poetas, influenciados pelo poeta inglês Lord Byron, procuram imitar sua vida e sua obra. Congregados numa sociedade chamada Epicuréia, estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo organizavam, nos cemitérios ou nas repúblicas, reuniões nas quais improvisavam bestialógicos, ou seja, discursos estapafúrdios em prosa ou em verso, e entregavam-se a orgias e extravagâncias. O ideário ultrarromântico substitui o nacionalismo da primeira geração de poetas românticos pelo tédio, pela desesperação, pelo satanismo. Geração da angústia cósmica, exalta a morte, desejada e temida, e busca a solidão como forma de evadir-se do desprezo da sociedade e da Humanidade.

Lembrança de morrer No more! Oh never more!

Shelley

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima

Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro...

Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minh'alma errante,

Onde fogo insensato a consumia,

Só levo uma saudade — é desses tempos

Que amorosa ilusão embelecia.

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Só levo uma saudade — é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas...

E de ti, ó minha mãe! pobre coitada

Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,

Poucos — bem poucos! — e que não zombavam

Quando, em noite de febre endoudecido,

Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

Se um suspiro nos seios treme ainda,

É pela virgem que sonhei!... que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora

Do pálido poeta deste flores...

Se viveu, foi por ti! e de esperança

De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,

Verei cristalizar-se o sonho amigo....

Ó minha virgem dos errantes sonhos,

Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nela

— Foi poeta — sonhou — e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha

Que minh'alma cantou e amava tanto,

Protegei o meu corpo abandonado,

E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d'aurora

E quando, à meia-noite, o céu repousa,

Arvoredos do bosque, abri as ramas...

Deixai a lua prantear-me a lousa!

AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf

Busque no poema elementos que o relacionem àquilo que você aprendeu sobre o poeta e sobre a geração ultrarromântica, principalmente as metáforas e comparações empregadas para criar imagens referentes à morte, ao túmulo e à vida.

Os versos de Álvares de Azevedo que você acabou de ler revelam o fascínio dos ultrarromânticos pela ideia da morte. Na literatura brasileira do início do século XX, um outro

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poeta também elegeu a morte como um dos temas de sua poesia, apresentando, contudo, uma visão bastante peculiar. Leia o poema abaixo, de Augusto dos Anjos, e encare a morte por um outro ângulo.

Vozes de um túmulo

Morri! E a Terra – a mãe comum – o

[brilho Destes meus olhos apagou!... Assim Tântalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu próprio filho! Por que para este cemitério vim?! Por quê?! Antes da vida o augusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho E que me assombra, porque não tem fim! No ardor do sonho que o fronema exalta Construí de orgulho ênea pirâmide alta... Hoje, porém, que se desmoronou A pirâmide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou matéria e entulho Tenho consciência de que nada sou! ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1772

Enquanto os românticos viam a morte sob um prisma espiritual e sentimental, na visão de Augusto dos Anjos, o que ela representa?

O SENTIMENTALISMO NO ESTILO DE VIDA E NA ARTE Observe os fragmentos abaixo: ―Amor é vida; é ter constantemente/ Alma, sentidos, coração – abertos/ Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,/ D’altas virtudes, té capaz de crimes!” “Dizei vós: Triste do bardo!/ Deixou-se de amor finar!/ Viu uns olhos verdes, verdes,/ Uns olhos da cor do mar:/ Eram verdes sem esp’rança,/ Davam amor sem amar!‖ “O tempo que eu perdi, pensando em ti Que serviu pra me ensinar, mas tudo acaba aqui Eu nunca previ, achei que nunca iria dizer goodbye”

Embora os dois primeiros fragmentos tenham sido escritos no século XIX pelo poeta Gonçalves Dias e o último seja parte de uma composição musical contemporânea de Lucas Silveira, da banda gaúcha Fresno, em que se assemelham?

Numa reação à literatura clássica, presa à tradição e a regras, o movimento romântico busca a liberdade criativa. Em decorrência disso, os românticos dão vazão à expressão do eu, traduzida num individualismo exacerbado que, por sua vez, revela-se num

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sentimentalismo e sensibilismo tão ao gosto do público da época. É o que se pode observar nos versos acima, de Gonçalves Dias, poeta romântico que exaltou o sentimento amoroso em grande parte de sua obra. Mas esse sentimentalismo não é privilégio apenas do período romântico, como vimos nos versos acima que compõem a letra de Goodbye. Mas por que estamos nos referindo a isso agora?

Nos últimos anos, muitos adolescentes têm sido atraídos por um gênero musical cujas letras falam de sentimentos como o amor, a decepção e a dor - o gênero emocore - uma mistura de letras românticas com batida pesada e um toque gótico, cultivado por bandas como Good Charlotte, The Used e My Chemical Romance. São eles – os emos! Enquanto muitos jovens tentam se afirmar pela agressividade ou pelo consumismo, essa tribo urbana deixa-se guiar pela livre expressão dos sentimentos. No Brasil, a banda gaúcha Fresno é uma das favoritas dos simpatizantes dessa tribo, pois faz um rock emotivo. Certas atitudes dos emos como trocar elogios, abraços e beijos publicamente podem parecer estranhas, porém eles são assim mesmo: não escondem seus sentimentos e procuram expressar suas emoções sem preconceito. Não é só nas atitudes que os emos se distinguem de outras tribos. Eles podem ser reconhecidos por suas franjas em cima dos olhos pintados; apreciam roupas

pretas, camisetas com motivos infantis e acessórios como o colar da Wilma, dos Flintstones, munhequeira , broches em mochilas e bonés. Para conversar:

Que motivos podem levar um jovem a pertencer a uma tribo urbana?

Como você encara a opção de alguns jovens pelo estilo e atitudes emo?

AMPLIANDO LEITURAS: A METAFICÇÂO HISTORIOGRÁFICA Para conhecer um pouco mais sobre poetas como Gonçalves Dias e Augusto dos Anjos, você não precisa recorrer somente a compêndios de literatura ou a obras de crítica literária. Nos últimos anos, ganhou força um gênero denominado metaficção historiográfica, que resgata a história literária e reflete sobre o processo de escrita, numa recriação da própria literatura. Ana Miranda, um dos grandes expoentes desse gênero no Brasil, num diálogo com ilustres escritores, mescla história literária e ficção. Em Dias e Dias, cria um romance inspirado na vida do poeta Gonçalves Dias e traça um panorama dos hábitos provincianos no interior do Brasil do século XIX. Em A última quimera, recria a vida e a obra de Augusto dos Anjos, apresentando os principais acontecimentos do final do século XIX e início do século XX. Confira um fragmento de Dias e Dias e anime-se a ler a obra:

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Logo que soube da chegada de Antônio no dia 3 de novembro, no Ville de Boulogne, viajei para São Luís e aqui estou, esperando no embarcadouro a chegada do velho brigue francês que partiu do Le Havre, e há dias e dias sinto o meu coração como um sabiá na gaiola com a porta aberta, tenho vontade de girar, girar até ficar tonta e cair no chão, como eu fazia quando era menina. Trago nas minhas mãos os versos que Antônio escreveu para meus olhos, quantos anos, mesmo, tínhamos? eu doze, e ele treze, pois isso se deu em 1836. A poesia fala em olhos verdes, e naquele momento, quando a li pela primeira vez, acreditei que fossem os meus olhos, mas meus olhos não chegam a ser verdes, têm mais a cor da folha quase seca da palmeira, ou talvez a cor da água da baía de São Marcos, uma água suja de lama e areia dos moventes baixios, revolvida pelas dimensões da lua, pelo percorrer incessante dos saveiros de pesca, esta água que agora vejo ao sol da manhã.

MIRANDA, Ana. Dias e Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.p.15.

Como você pode notar, na leitura do fragmento acima, o texto de Ana Miranda dialoga, especialmente, com um poema de Gonçalves Dias: Olhos verdes. Quanto mais amplo for o universo de nossas leituras, mais facilidade teremos para perceber os diálogos entre os textos e com outros objetos culturais. Nesta unidade você fez um mergulho na mente sombria de um personagem obcecado pelos fatos extraordinários que testemunhou e pelo horror de seus atos; penetrou na atmosfera de um relato fantasioso e mórbido; caminhou pelas alamedas de um cemitério abandonado e experimentou a sensação de medo e choque diante do desfecho inusitado. Certamente, indignou-se com a liberdade e a

identidade roubada de um povo e perturbou-se com a lembrança de que os vermes, um dia, roerão nossas entranhas; e, junto à melancolia de Álvares de Azevedo, pressentiu a morte tão desejada e temida! Mas também se encantou com o fascínio pela figura feminina revelada nos devaneios de um poeta; concreta e sensual na obra de outro; e tão presente no cotidiano descrito por uma voz feminina contemporânea! Assim é literatura. A arte da palavra, que encanta, que emociona, que conquista! Uma arte que coloca o ser humano diante de seus dramas existenciais, da crueza, bem como da beleza da vida que vibra em cada palavra estilizada. Então, caro estudante, aqui vai uma sugestão: Leia a vida, lendo um livro! AMPLIANDO AINDA MAIS SUAS LEITURAS Para ampliar suas leituras, aqui vão algumas sugestões de contos que, diferentemente dos românticos, apresentam uma visão mais objetiva da realidade.

Passeio noturno, de Rubem Fonseca.

A descoberta do amor por e-mail, de Elias José.

Missa do galo, de Machado de Assis.

A cartomante, de Machado de Assis.

Incidente na loja, de Dalton Trevisan.

Leia, troque ideias com seu professor e colegas! Em equipe, escolha um conto (lido ou não pela turma), estabeleça um diálogo com outras obras literárias ou com outros objetos culturais e apresente para sua turma. Procure ser criativo!

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