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/. °^J/^- O TUBÉRCULO CONSIDERADO NO CAMPO D'ANATOMIA PATÏÏ0L0GICA DEBAIXO DOS PONTOS DE VISTA DA SUA SEDE, EVOLUÇÃO, E DA SUA NATUREZA /

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/ . °^J/^-

O TUBÉRCULO CONSIDERADO NO

CAMPO D'ANATOMIA PATÏÏ0L0GICA

DEBAIXO DOS PONTOS DE VISTA

DA

SUA SEDE, EVOLUÇÃO, E DA SUA NATUREZA

/

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O TUBÉRCULO CONSIDERADO NO

CAMPO D'ANATOMIA PATHOLOGICA

DEBAIXO DOS PONTOS DE VISTA DA SUA SEDE, EVOLUÇÃO

E DA SUA NATUREZA \

-vuviWWtfUM- - —

THESE APRESENTADA E DEFENDIDA

NA

ESCOLA iEDICQ-CIRURGICA DO PORTO DEBAIXO DA PRESIDÊNCIA DO LENTE DA 1 0 . a CADEIRA

O ILLUSTRISSIMO SENHOR

JSQZK A L V E S JHunio in* » K BIARHWS

PELO AIOMNO

JOAQUIM PINTO D'AZEVEDO

A / W V V W

X » 0 * * . T C O fTIOOBiPHIA DE ANTONIO Al'GVSTO I.EAl,

Rua da Fabrica n.° 10

1864

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ESCHOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

Director

0 Exc.m0 snr. Conselheiro Francisco d'Assis Sousa Vaz, Lente jubilado Secretario

O ill.m0 snr. Agostinho Antonio do Souto

CORPO CATHEDRATICO

Lentes proprietários

jll mo» e Exc.m0

" Snrs.

1.* Cadeira—Anatomia Descriptiva e Geral. . . Luiz Pereira da Fonseca. 2.» » —Physiologia José d'Andrade Gramacho. 3. a » —Historia natural dos medicamentos

Materia medica José Pereira Reis. , / 4.» » —Palhologia e Therapeutica exter­

nas Antonio Ferreira Bra_ g i » —Operações e apparelhos Caetano Pinto d'Azevedo. 6.* » —Partos, moléstias de puerperas e

recem­nascidos M. Maria da Costa Leite.,. 7_a B —Pathologia e Therapeutica internas Francisco Velloso da Cruz. 8.» » —Clinica Medica A. F. de Macedo Pinto* 9.» „ —Clinica cirúrgica A. Bernardino d'Ameida 10.a » —Pathologia geral, Historia Medica,

Anatomia pathologica J. A. Moreira de Barros. 11.» » Medicina legal, Hygiene publica e

privada, e Toxicologia geral... J. F. Ayres de G. Osório.

■.entes sbstitutos

(JoãoXavierd'0. Barros, Secção medica j j o s é Carlos Lopes Junior.

(Agostinho A. do Souto, L Secção cirúrgica j J o ã o P e r e i r a D i a s L e b r e .

Lentes demonstradores

Secção medica Pedro Augusto Dias. Secção cirúrgica Miguel À. C. d'Andrade.

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i y # « ateeètaa TeetJ auefadaj cxaeJ •y«

Qutíd spiro, et placeo, siplaceo, vestrum est

«. HOBATIIS FI.ACCI

Liv. IV. Od. Il.ver. 24.

ff)iUl « Juwl^ftajudtJuua luMaftiwtaa « tun Ao otoiftlut A« UWNMX

OMK («Ali «IÏYV iwúfm !W0!wW>kli OAMAMOA. QTMXÎAÛ iwôft A a n ma a^z

a &Mx «w aw* nucuAftH ntfia AIY CJIA'AA, * iwâft Uw ^aAmma b o a b/tka.

S* ft Aéto, « î>« AVlla kftAehb* « a l W jactai», IYVUAUA!* « < W a a f t i ,

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i m i t o u . J la l» J>K, Wn AUMJtwAa, ^AUAA inK, aVw\fl a^/t ^ou<ft * ««au,

coAlkú OM« « AwAft aMaiWAft mai>

0 vosso filho agradecido

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c&he^ewawe^ Atoj&jjo.'èej

Á> v-óa-, «neiando* minutm da |aaa aaoiada da i-audt, dew

tu a aa& koj& KM*, e ámmkm muito- matai- íeiá ainda a divida,.

mdoto- |at, de ceita, o ttaWiW, aue forniu, j/iaia eu. ckeaai

aaui; mai mat*, muita mai*- atem Judeia eu ii, a de vó* tuda

a iawttai-á-e. Ámm nãa ckeaa a faaducta dacatàetta^aiacaw^-

ft&m-cLl o* cuidada* e ea-meia da cultura,] moa- kai aia ieceívei

tde jtauca aue em ttdtmunko- de aiatuiãa, va>

0 vosso discípulo respeitador

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<^aet4aa<* canauct/meáj

VÛOJWWIYUOA «Yifaaiixi ma k i w M a Aa i«À«iv\«Ãa, * am. moi A«IWIA!X

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a o m W i a IMOJX A!» ko,iw\)Wia«ài Aa kc jda taimWaMa.

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iAiïuia A fnA/umaaA, « flw Wjto «a«A««Jv A koMJulcuàa an 3WaÀa im« «aÀa/jw

a.ima MMÁjma Wa/ua, * iwúi ta am niai A /îXlla UaAÀÃMuÀl» A MAIYV\ * A

iw\au. wT W i d e AM* A «Ma raxà «OM«, kaAam ivvãa « i á rwúiYwa, iwvai

t anmVm /uAiia, « «iw\ kiojua Aa i amkt a i W ã a a a « koA mai Jx«miÀa

«Jui*«\ mo Uiw\ A« «aAa aux Aoîx m a i k a i MaLavkoJ» «UoiaWx, niai

0 vosso afleiçoado condiscípulo

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I ïliElSILI CONSIDERADO NO

CAMPO D'ANATOMIA PATHOLOGICA DEBAIXO DOS PONTOS DB VISTA

» A SUA SEDE, EVOLUÇÃO, E DA SUA NATUREZA

Nihil forsam novum, sed neglecta reducit, sparsa colligit, ntilia seligit, necessária ostendit, sic utile.

BAGI/IVt.

• I

Não vai longeaepocha; ainda muitos séculos não são passados desde que a Medicina jazia envolvida nas sombras do obscurantismo: e se não era um ceu sem lua o que cobria os domínios da filha d'Esculapio, o clarão da ver­dade apenas bruxuleava baço nos vastíssimos horisontes, que os Medicos d'entao já previam, mas não podiam ainda abranger.

A luz era pouca para tanta vastidão, e se já lá ia bem longe o tempo da idolatria em que no Egypto se levantavam templos a Hygia, e creavam sacerdotes, denominados primeiro Pastophoros, e depois Asclepiades, para lhe renderem culto e homenagens, e para serem só elles os sagrados recepto­res e guardadores do livro precioso da saúde ou canhenho não muito extenso em que se lançava a copia das mezinhas, que neste e aquell'outro caso tinham apro­veitado; se a pratica da Medicina já não era um mister exclusivo dos pa­dres pagãos, que nos templos d'Hygia e Apollo applicavam remédios em hon­ra das fingidas divindades, que alli guardavam; pelo menos havia muita con­fusão, e pouco ou nenhum methodo no muito ou pouco, que então se sa­bia— Sabia-se pouco, e os meios d'aproveitar bem, e administrar com es­crúpulo a riqueza scientiíica d'aquellas eras, eram desconhecidos, ou, quan­do muito, trabalhava-se ainda mal com elles.

Em fim, sabia-se pouco, e os instrumentos para chegar a mais saber se eram conhecidos, não se aperfeiçoavam.

O anathema despedido com vjgorozo braço de sobre a cadeira de S. Pedro, 2

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já não fazia vergar a cervix d'aquelles, que no monótono e silencioso recinto da morte, perscrutavam nos órgãos, já desprehendidos da vida, as intimas re­lações em que estiveram durante essa prizão; já não era no interior das sel­vas, que os obreiros d'esse grande edifício em principio de construcção — da Medicina— iam procurar material com que levar a cabo a momentosa empreitada. — Sim, já não era o cadaver do mico, ou do mono, que ali­mentava o embrião d'anatomia, desde muito concebida; eram já os hospi-taes, e depósitos mortuários, que forneciam ao medico o assumpto das suas perscrutações

E, comtudo, a arte de dissecar ainda que já ha muito viera á luz do dia, apenas então se podia considerar na infância.

E não era só Î anatomia; eram todas as columnas d'esse immenso périptéro, que viviam enfesadas e rachiticas, qual estiolada e resiquida flo-rinha na cumeada da serra.

A physiologia, a historia critica dos phenomenos vitaes, e leis que os regulam, era então um romance, um fructo bem ou mal sazonado do espi­rito. E senão veja-se o que escreveu Van-Helmont em relação á vida: ana-lysem-se as ideias physiologicas d'esté creadord'uma entidade imaginaria su­perior a dominar innumeras outras, que se deixavam governar dentro de certos e determinados limites; em fim, folheie-se a historia do archeo, e em pouco se reconhecerá na obra do grande medico allemão o romance da vida, em vez d'ideias physiologicas—A physiologia d'entao era uma sciencia sys­tematica, sem outros fundamentos, que não fossem supposições, e princípios estabelecidos a priori, e aos quaes se referiam os factos conhecidos, fican­do assim bem explicados. E se o acaso fazia brilhar um novo phenomeno no processo da vida, e que em ponto nenhum se podia amolgar com o principio admittido,. então, pobre d'esté, que de modificação em modificação, soffria tractos indisiveis até poder explicar o novo achado.

Experiências, se as havia, eram também escravisadas pelo systema; o resultado previa-se ; procurava-se o que o systema dizia que devia ser, e não o que era. Em fim, o caminho, que os sábios da epocha seguiam, era illu-minado pela luz da synthèse. As hypotheses eram o pêndulo da sciencia phy-siologica, eram a pedra de toque dos factos da vida.

A pathologia geral da idade media, se não estava peor que a anotomia e physiologia d'aquelle tempo, melhor não estava com certeza. Os pathologis-tas resentiam-se das ideias bastardas que haviam bebido, quando aprendiam a doutrina physiologica dos aulhores contemporeanos — Assim como se ti­nham acostumado a romantizar a vida normal, ou a saúde, achavam come­zinho, e ate methodico romantizar a vida anómala, ou a doença.

Saúde e doença eram mais duas entidades alojadas no envolucro ma­terial, no corpo, que era a arena em que continuamente se gladiavam os dons antagonistas. O estrondo d'esta lueta incidia no exterior e interior de

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materia, e era a doença, que se reflectia por este intermédio nos ouvidos do pratico, que impedia, quando isso lhe era possivel, o triumpho d'uma que era a morte, e auxiliava a victoria da outra, que era a cura. Era pois a moléstia representada por um conjuncto determinado de symptomas, a que a abstracção dava um corpo, e individualisava—«Moléstia é um ex-forço da alma para restabelecer o equilíbrio das acções normaes, e para expellir as potencias nocivas»; dizia Stha!—«Moléstia é primitiva n imme-diatamente, desde o seu principio, o resultado das desordens do archeo»; dizia ainda Van-Helmont.

Era isto tudo em que consistia a sciencia do medico; em estabelecer, e crear individualidades mórbidas, e applicar a cada uma d'elliis um remédio empírico especial. Era a Medicina d'entao, não uma sciencia, menos que uma arte; era um mister.

E como seria possivel considerar incessantemente a natureza viva de­baixo de todos os pontos de vista; assistir á producção de tantos phenome-nos; seguir a existência do ser physico e moral n'estas suas phases da saú­de para a moléstia, e da moléstia para a saúde, e da vida para a morte, sem haver ideias mais claras e justas do homem, das suas faculdades e do verdadeiro fim da sua existência?

A convicção da necessidade de transformar o systema em theoria, e trocar as hypotheses pela observação escrupulosa e minuciosa dos factos, transpareceu na mente de todos, e desde logo a doutrina de Hippocrates apresentou uma nova face, e fascículos de luz irradiaram prestes de todos os pontos do immenso campo em que se laborava. Debaixo d'esla forma, os factos, e só os factos, serviam de fundamento a sciencia; os sábios do coração se votavam a multiplical-os quanto possivel, e a estudar-lhes as re­lações, para lhes assignarem as leis. Desde este momento os progressos da arte de curar teem sido rápidos, e sua marcha innimterrompida. As bazes do edifício augmenlaram nas dimenções e a solidez do alicerce cada vez tem utilisado mais com isso.

Medrou a sciencia da organisação desde que a mão do anatómico ita­liano empunhou o escalpello para, no homem gelado pelo frio da morte, per­guntar á natureza as partes materiaes de que elle se compunha.

E, se o ferro de Malpighi ainda não estava sufficientemcnte afiado pa­ra bem extremar os apparelhos dos órgãos, estes dos tecidos, os tecidos das fibras, e estas do elemento primordial, lá faz eccho no ceu da França o va­gido d'aquelle, que duas dezenas d'annos depois havia engrandecer as scien-cias anatómicas e physiologicas. A circulação do sangue foi então melhor co­nhecida, assim como as suas variedades no adulto e no feto; a circulação dos vazos chyliferos, do seu reservatório e dueto thoraxico melhor estudada. A estruetura das glândulas, bem comi as suas funeções, foram previstas e demonstradas; emfim, emprehenderam-se investigações physiologicas e pa-

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thologicas sobre os différentes tecidos, principalmente no tecido cellular; de-terminaram-se brilhantes, ainda que muitas vezes infiéis, experiências nas partes irritáveis e sensíveis. Tal é a amostra dos fructos preciosos e ines­timáveis, colhidos pelo zelo infatigável e perseverante de muitos homens laboriosos, que por uma serie não interrompida de trabalhos bem regulados, chegaram a levar a anatomia do homem até ao grau de perfeição actual. Tal é o resultado do trabalho d'aquelles, que souberam combinar a aridez e enfado que se encontra na exactidão e precizão das descripções dos ór­gãos, com a attracção e prazeres que semeam o caminho, que com mais ou menos trabalho, com mais ou menos certesa, conduz ao conhecimento dos phenomenos da vida, das suas leis, e das suas condições. À linha que até alli estabelecia o marco consagrado pelo uso, e respeitado pelo tempo, en­tre a anatomia e a physiologia, desappareceu; os despojos da morte não fo­ram d'ahi por diante só do dominio do anatómico, assim como os pheno­menos da vida não o foram exclusivo do physiologista.

Uns e outros se auxiliavam mutuamente; uns e outros reconheciam a estreiteza do laço, que encadeava os trabalhos d'um lado com as investiga­ções do outro; reciprocidade que resulta da necessidade de bem se conhe­cer o effeito para ás vezes se ter apenas uma ideia da cauza.

E não se pense que a pathologia, a sciencia das affecções morbificas, não havia de lucrar com tanta luz derramada no campo das perscrutações e experiências anatomo-physiologicas. Lucrou, e mais lucrará ainda, quan­do o medico observador e experimentador poder servir-se de todos os auxí­lios e recursos que as sciencias physicasnos fornecem, e promettem fornecer.

Sim, satisfeitos os ânimos observadores com o muijo que já se conhe­cia da organisação normal do homem, não quizeram depor o prodigioso bis­turi, que tanto tinha mostrado, e proseguiram mais além; foram até aos estragos de que os órgãos e tecidos se achavam ressentidos depois d'esse duello de sangue entre a saude e a doença, entre a vida e a morte; foram até á séde presumida d'essa lucta. E qual foi o resultado?

Caracterisou-se a moléstia por uma lezão anatómica, abriram-se os ca­dáveres, escrutaram-se os órgãos, e creou-se a anatomia pathologica.

Era um dos fins principaes da medicina, era um dos desideratas da sciencia. E d'ahi para estabelecer a relação de causa para effeito é só ou­tro passo.—Era isto já muito para quem até alli tivera de seu tão pouco e tão mau; mas esta sancta ambição dos homens votados d'alma e coração ao bem da humanidade que soffré a dôr, não deixava de os aguilhoar conti­nuamente; não os deixava parar meio cançados, e vangloriosos do que des­cobriram, na direcção d'esse luzeiro que lá alem tanta luz promette espa­lhar sobre a neta d'Apollo.

E elles seguiram o estimulo do aguilhão, e sentiram nascer o desejo de mais gloria. Limparam o suor que os cobria, exoraram á Deusa d'inspira-

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ção, e lá se foram para a terra promettida. No fira de caminho tão longo eis que apparece nova luz cheia de mais brilho e fulgor; reunem-se-lhe os fascículos, prepara-se um foco e nasce a physiologia pathologica. Aprende-se a conhecer por signaes physicos durante a vida as anomalias das func-ções, as lezões dos órgãos, e prevê-se antes da morte o que o escalpello do anatomo-pathologico nos poderia mostrar depois d'ella.

Eis os serviços prestados pela auscultação e pela percussão. — Nem é judicioso e acertado, o dizer-se, que a anatomia pathologi­

ca absorve inutilmente o tempo, e todos os cuidados do medico observador, e que em vez de manarem d'ella preceitos e luzes para a tberapeutica, ao contrario é um compromisso, um obstáculo levantado no caminho do pro­gresso d'esta parte da scieneia medica, que, para se lembrar só das lesões materiaes, e dos meios adequados para as combater, se esquece do poder da natureza medicatriz. Nem isto é verdade, nem verdade é também o que dizem alguns apologistas d'esta scieneia, fanatisados pelo ardor do seu en-thusiasmo, julgando poder fundir todo o corpo medico n'uma só peça, na anatomia-pathologica, como a única verdadeira, e como a única capaz de 1er nas profundezas do corpo doente, como um hábil physionomista leria no ros­to de qualquer as paixões, que lhe assoberbam o interior, e por uma espé­cie de previsão superior á dos mais sublimes génios dos tempos antigos, a natureza, a sede do mal, e os remédios que se lhe devem oppôr.

Não, isso não, que seria cegar-nos de novo cora a poeira do obscu­rantismo; mas também ninguém poderá negar, que algumas vezes, e mui­tas são ellas, se invoca o nosso saber para remediar perturbações das con­dições physicas dos órgãos, em cujo caso é d'indubitavel utilidade, reconhe­cido merecimento e urgentíssima necessidade, o conhecimento do estado a-natomico d'esses órgãos em que se dá o mal

Alem d'isto, sendo certo, como ninguém duvida, que a etiologia tem extrema e delicadíssima importância no capitulo de pathologia geral, que diz respeito ao diagnostico; e havendo uma estreita ligação e pronunciada affinidade entre a etiologia e a anatomia pathologica, pelos motivos de re-iação entre causa e effeito, não podemos deixar de conferir a esta parte dos conhecimentos medicos um papel de grande vulto no aperfeiçoamento e pro­gressos futuros da medicina, tanto theorica, como pratica, tanto da que se professa nas cadeiras das escolas e academias, como da que se exerce á ca­beceira do doente nos hospitaes, ou no domicilio particular.—Mas para que isto assim succéda é mister que o escalpello do anatomo-pathologista não se limite a descobrir processos mórbidos; é preciso também que ponha a nú as relações que ha entre elles, e que procure as leis physiologicas, que presidiram ao seu nascimento e evolução.

E, effectivamente, não sendo estes processos mórbidos mais do que modalidades insólitas d'esse todo harmónico, chamado—organisação viva,—

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assim como o são também a saúde e a moléstia; e derivando de modifica­ções dos elementos anatómicos, que nas variadas phazes da sua evolução obedeceram ás leis que regulam e harmonisam a sua vitalidade, em vez de serem, como muitos querem, productos de nova formação, ou gerações es­tranhas ao organismo, é certo que o ponto de vista mais importante, d'on­de podem e devem ser vistos e estudados estes processos, é o do seu nas­cimento e desenvolução. E isto mesmo, e não a sua forma e apparencia muitas vezes grosseira, deveria servir para as bases d'uma classificação, que, quando ainda não fosse perfeita, pelo menos melhor satisfaria ás vis­tas e iins do medico clinico. Mas, se por ora ainda é cedo para tentar se-nielhsnte comniettimento, devemos esperar que não se faça tardar muito o tempo cm que os estudos aperfeiçoados da histologia, accumulando factos sobre factos, descobrindo verdades, e sabendo tirar lodo o proveito dos meios de que uzamos, principalmente do microscópio, nos venham forne­cer todos os elementos para sem receio levarmos ao cabo tão grandiosj me­lhoramento. E é do microscópio, que a anatomia e physiologia pathologi-cas esperam mais recursos e auxílios, quando por meio d'elle não seja nos­so intento descobrir corpúsculos ou cellulas especificas, e fazer diagnósti­cos, que não teem razão* de ser nas couzas, e que por isso eu julgo impos­síveis. E' preciso dirigir o foco das lentes para os différentes estádios da e-volução physiologica e pathologica dos tecidos, não para irmos direito ao capitulo do mal, mas para se tornar menos difficil e espinhoso esse cami­nho, no fim do qual encontramos a denominação e natureza do soffrimento. —O microscópio, todos o sabem, tem prestado importantíssimos e valiosos serviços no campo da observação; é elle a origem de quasi todo esse gran­de numero de verdades de que as sciencias naturaes estão hoje de posse, e nós, que tanto esperamos d'elle, devemos aperfeiçoar-nos no seu uso, e alargar d'esta maneira os limites do seu poder; porque será assim, proce­dendo como em todos os outros ramos da sciencia, conquistando passo a passo esse immenso terreno a que tem direito, e as verdades que n'elle se comprehendem, em vez de querer com um só salto chegar a essa posse tão desejada, que a micrographia oceupará o lugar que lhe compete. Os factos gerados pelos defeitos da observação, envolvidos por uma multidão d'erros, propagados e escravisados pelo espirito do systema, desprender-se-hão de longe em longe d'esses erros, c apparecerão limpos das impurezas da an­tiga observação. Isto trará necessariamente comsigo a multiplicação d'esses padrões por onde se affere a sciencia, a ligação intima pelas relações reci­procas, a sua coordenação, e por ultimo abrirá variados e novos caminhos, que todos conduzirão ao adiantamento do nosso estudo, ainda que assim o não queira um grande numero d'authores, que duvidam, e até mesmo re­batem absoluta e terminantemente, o proveito e utilidade dos resultados fornecidos pelo microscópio.

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Mas eu tomo isto no sentido, em que .muitos authores o consideram, como um meio de se livrarem d'estar em dia com as ideias, que contra­riam e destroem as suas opiniões de ha tanto tempo nascidas, e com as quaes se comprasíam e vangloriavam, como obra infallivel e sem impure­zas.

Outros, não se atrevendo a negar os bons serviços do instrumento d'o-ptica, teimam, comtudo, que é desnecessário, e até um desperdício, o gas-tar-se tempo cora experiências microscópicas sobre tecidos normaes, e que todas as nossas attenções e observações deviam dirigir-se immadiatamente para os tecidos alterados. Mas nós que não estamos allucinados por alguma preoceupação systematica, ou o quer que seja, sem diffieuldade descobrimos que taes trabalhos, e regulados por taes princípios, da nenhuma utilidade seriam, e em vez d'obtermos resultados proveitosos, teríamos a lamentar a perda de tempo tão precioso em tentativas vãs, e infruetuosas. Portanto, antes que as nossas vistas se dirijam para os tecidos lesados, precizamos possuir conhecimento claro dos tecidos sãos, e ter gravadas na mente as suas formas, e modos de desenvolvimento physiologic»,

II

O conhecimento da vida não se adquire, sem que os corpos dotados d'ella sejam o assumpto do nosso estudo analytico escrupuloso, e sem que por meio d'esse estudo cheguemos a isolar e tornar distinctas as variadíssi­mas partes, que os constituem. E mesmo assim, mssmo conhecendo as par­tes constituintes do todo material, lá fica para nós oceulto um elemento, que muita influencia tem no processo da vida, e ao conhecimento do qual não podendo nós chegar, assim ficará ainda muito incompleta, senão de to­do imperfeita, a ideia que fazemos delia. O desejo que nos instiga a che­gar depressa ao nosso fim, é um dos maiores empecilhos, que nos tolhe os passos, porque nos arrasta para alem dos domínios positivos da pura e sim­ples intuição da natureza, A analyse é limitada, e nós a todos os momen­tos somos levados a fazer uma pergunta: —se o escalpello e o microscópio não podem passar além da substancia orgânica:—a resposta também é sem­pre a mesma:--nem o escalpello pode dissecar, nem o rucroscopio compre* hender no seu campo d'ampliaçao, por maior que seja, o immaterial, o que não possue as propriedades da materia. Mas por esta impossibilidade de co­nhecermos a essência da força não paremos a meio caminho do conheci­mento dos seus efeitos sobre a materia. Criemos imagens, que não tendo nada de real, e tendo isto sempre em vista, nos possam mostrar, da mes­ma maneira que a entidade imaginaria—átomo—nos mostra as relações de

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quantidade, as scenas que se passam na substancia orgânica, e o modo por que ella se produz em certas e determinadas circumstancias debaixo de for­mas différentes e extremamente variadas, sem que, comtudo, nos conven­çamos de que as cousas se passam exactamente assim no complicado labo­ratório da vida. Assim, e só assim, é que deixará de nos prejudicar a opi­nião que muitos teem de que o conhecimento completo e perfeito da vida virá apóz trabalhos perseverantes e contínuos d'analyse, que um dia nos revelará os interessantes mysterios da natureza, dando luz áquillo, que ná machina viva, ainda se acha para nós incoberto por um denso véo d'obs-curidade. Mas isto, que para alguns é um ponto de fé, e para outros uma base fictícia de hypotheticas theorias, temos para nós que nunca se verifi­cará, pois que estamos convencidos que por mais extrema que seja a divi­são material a que possamos chegar pelos meios que possuímos, e de que por ventura poderemos dispor, nunca alcançaremos com a nossa vista ana-lytica mais do que a face exterior da vida, e nunca a sua essência, a sua razão de ser, ou a sua causa.

E é dominados por estas considerações que são o resumo das nossas crenças em relação á vida, que vamos fallar com exiguidade das metamor­phoses ou transformações orgânicas em geral, e d'uma delias em especial.

— -Assim como a vida não é sempre a mesma em todos os tempos e nos différentes indivíduos; assim como ella muda de face com a coincidên­cia d'innumeras circumstancias, que a modificam, do mesmo modo os seus produetos, as formações orgânicas, variam a muitos respeitos. O desvio da normalidade pode tirar sua origem da qualidade, quando a modificação sof-frida não foi compensada por outra, qne, neutralisando a acção da primei­ra, restabelecesse o equilíbrio, a attitude orgânica, necessária ao organis­mo, e que por consequência, affastando-se muito do caracter fundamental, ou não sendo tariada por um movimento inverso, se tornou permanente e estável. Eis o que accontece, quando esse systema de forças parciaes de que se compõe a vida, não dá mais que uma resultante na fabricação orgâ­nica, ou quando sobre os intrumentos diversos, e principalmente sobre o motor d'essa fabrica, actuou por muito tempo ou com muita energia uma causa qualquer excitante; então ha preponderância de umas acções vitaes sobre as outras, e os seus resultados também sahem modificados, e marca­dos pelo sêllo d'essa preponderância. E' ainda isto mesmo que accontece quando se dá um conflicto insólito entre o organismo e as influencias ex­teriores, que perderam as qualidades proprias, ou adquiriram outras incon­venientes para produzirem este grau d'excitamente que a vida exige de todos os corpos que a cercam; ou então foi que a actividade vital, tornan-do-se móbil e muito versátil, perdeu o grau de fixidez necessário para não

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aberrar do typo. Pode mesmo aecontecer que depois de certos exercícios a que nos entregamos, ou comcomitantemente á acção de determinadas in­fluencias, senão pela sua malignidade propria, como pela estreita corres­pondência entre as diversas potencias vitaes postas em jogo, se interrompa subitamente uma d'essas formações, com que o organismo estava a braços, ou, transtornando as condições normaes do processo da formação, se dê nas­cimento a uma degeneração, que depois de passar por um certo numero de phases pode chegar a ser uma anomalia de vulto, ou então pode ficar pa­ra nós occulta, e para o organismo muito pouco prejudicial, se o jogo das actividades vitaes se restabelecer, ou se apparecerem circumstancias favorá­veis á normalidade d'esté jogo, e desfavoráveis ao progresso e desenvolvi­mento ulterior da anomalia.—Nem nós podemos mais que aventurar seme­lhantes explicações sobre factos que o dominio dos nossos sentidos ainda não pôde avassallar.

São phenomenos puramente moleculares, e basta-lhes este caracter con­vencional para se subtrahirem, e para nós os considerar-mos muito alem do campo da nossa observação analytica. E este é o caso em que está a maior patte das outras affecções mórbidas de que nós não conhecemos senão os fructos, e ainda as ramificações, sem termos uma ideia que não seja hypo-thetica em relação á raiz, á origem do trabalho. E' por este motivo, por esta impossibilidade de chegar até ás acções intimas, que se passam no or­ganismo para depois d'um certo tempo se manifestar a doença, que muitos authores, descrendo da superioridade do homem conferida pela intelligen-cia, teem querido explicar a origem de todas as moléstias pela transmissão hereditaria, como um resultado immanente do peccado original, ou como u-ma aragem empestada que um mau génio soprou sobre o género humano. E, se nem pela superstição, nem pelo concurso d'um espirito maligno fal­so, podemos dar uma explicação plausível dos phenomenos ; o que mais convém, e aquillo com que a sciencia mais interessa, é com a observação e contemplação d'elles, ainda que, conhecendo a causa d'um pequeno nu­mero, a respeito dos outros só os comprchendamos por hypotheses. Por emquanto admitta-se que as actividades vitaes plásticas, influenciadas pelas acções normaes da vida, e pela ligação intima em que esta as conserva, podem affectar estados diversos em relação á qualidade. — Agora já não é do processo de formação, do acto organo-vital que cria, mas dos que con­servam e desenvolvem, que temos a fallar. Estes ainda são os mesmos que vimos servirem no complexo trabalho da fabricação orgânica, só com a dif-ferença de serem olhados por uma outra face. Aqui já não ha a criar os e-lementos d'um tecido, e provocar n'elles uma serie de transformações até affectarem um typo determinado, ha só pela combinação de movimentos an­tagonistas a dar sahida ás fezes d'essas transformações, e fornecer princí­pios para a conservação e desenvolvimento d'este typo. Do equilíbrio d'es-

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tes movimentos é que resulta a no-malidade do trabalho, e, quando um d'elles faltar, ainda que muito pouco ás condições de regularidade, lá ap-parecem nos tecidos e órgãos os signaes d'esté desvio. Este acto orgânico pelo qual os tecidos e órgãos se conservam e desenvolvem, pode perverter-se de diversos modos, ou cm relação ao todo do órgão, ou em relação aos seus elementos. E estes movimentos assim pervertidos, á maneira de todas as acções lentas, manifestam-se só pelos seus produclos, e passam-se e reno-vam-se insensivelmente, podendo os órgãos mudar dd forma, substancia, e até volume, ou seja no estado normal, ou em circumstancias anómalas da vida, sem que os sentidos do doente ou do medico d'isso se tenham adver­tido. Todavia, o facto não tem a mesma applíração a todos os tecidos or­gânicos; e necessariamente se sujeita ás leis physiologicas que lhes regu­lam a nutrição, isto é, ha de regulasse pela facilidade ou promptidão com que se prehencher esse trabalho de renovamento do material orgânico. D'a-hi vem o tornar-sc qualquer alteração de certos tecidos em menos tempo, e mais facilmente apreciável, do que seria em outros em que as activida­des plásticas fossem reguladas por um chronometro mais vagaroso. Nem nós aproveitaríamos muito mais com a consciência do principio do trabajho pervertido, senão o ficar sabendo, e conhecendo algumas das phazes por que esse trabalho passou desde que teve origem até que chegou a produzir o maximum dalteração. Da essência do trabalho ignoráramos o mesmo que até ai li. O que os factos multiplicados nos teem dito, sem d'isso nos deixar duvida, é que os órgãos podem augmentar ou diminuir de volume, na to­talidade da massa, ou em cada um dos seus corpúsculos elementares, e isto em virtude d'uni excesso ou defeito na nutrição, cuja perversão é muito provavelmente a causa d'esta transformação orgânica.

Digo que isto é muito provavelmente devido a uma perversão da nu» trição, e antes de passar a mais, preciso é dizer, que nem todos os-escrip» tores dão o mesmo valor de significação a esta palavra, e nem todos con* cordam com o espirito d'ella.—Nutrição não é para alguns a denominação d'um trabalho complexo, do acto complicado da formação continua da subs­tancia orgânica, c só significa a geração do liquido vermelho, do sangue.

Para outros não é ainda o acto da sanguificação, que constitue o es­pirito d'esta expressão, é menos que isso, é apenas o conjuncto d'actos pre­paratórios e necessários para a recepção e assimilação de matérias estranhas, e também a acquisição, não só immediata, mas mediata dos alimentos. E muitos, finalmente, teimam qije a significação d'esta palavra comprehende, não a formação de novas partes orgânicas, mas única e exclusivamente a conservação das já existentes.—E que diremos nós no meio de tal diversi­dade d'opiniôes?—Que se o desenvolvimento das variadas substancias, que tiram a sua genesis do sangue, serve para a conservação do organismo, não pode produzir outro effeito alem da ligação c encadeiaraento intimo,

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que especialmente convém á sua conservação, e da repulsão d'aquillo que de maneira alguma pode prehencher este officio, isto é, d'aquillo que não tem as virtudes d'entreter esta ligação e encadeiamento. A' vista d'isto reconhece-se uma serie de formações em que as substancias, que se geram no sangue, se vem localisar no meio do trama orgânico, como substratum permanente da vida. Estas substancias, soffrendo assim a acção de varia­das phazes, adquirem continuidade c limites próprios; tomam e apresen­tam uma forma orgânica, em relação com a vida, e em virtude da qual conservam não só a sua existência, mas ainda passam além d'isto, fazendo-se instrumentos d'ella, e servindo para o complemento das acções vitaes.

E' a este complexo d'actos, a esta serie de mudanças e* acções inti­mas porque passam as matérias vindas do sangue até tomarem a* caracte­rística orgânica, que nós chamamos nutrição—ou formação orgânica.—De­pois d'isto diremos que da regularidade na successão e complemento dos différentes actos da formação orgânica resultam os elementos physiologicos typos—cellula e fibra—-e da combinação variada d'elles lá appareeem os di­versos tecidos e órgãos, todos instrumentos da vida. E da irregularidade ou afastamento do prumo normal das actividades orgânicas resultam certas mudanças e transformações nos tecidos, que, caracteris^ndo-os de aberra­ção dos typos normaes, fazem com que se denominem também tecidos pa-thologicos.

Esta denominação, senão nova na sciencia, pelo menos com uma si­gnificação nova e différente da que em outro tempo, se lhe assignava, com-prehende todas as formações originadas d'um trabalho orgânico, que não é normal, e que por isso se chama pathologico, e não os tecidos modificados na sua estructura e composição durante o curso d'uma moléstia. E' a estas formações novas filiadas d'um desvio da normalidade das actividades plás­ticas, que modernamente se dá o nome de—neoplasmas—que, a mau gra­do dos primeiros histologistas, se podem sujeitar ás regras e princípios da classificação physiologic?» dos tecidos, e reconhecem os mesmos typos, que a histologia tem conferido ás formações normaes.—Não ha muito que em anatomia pathologica se fazia obra na distincção dos tecidos normaes e a-nomalos, por um único principio, e pela vascularidade. A'quelles, em que os instrumentos d'analyse anatómica podia descobrir uma rede de vasos, da-va-se o nome de tecidos orgânicos normaes, e a antithèse d'esta denomi­nação, ou a de neoplasma servia para se extremarem os em que a vascu­laridade tinha ficado occulta aos meios da observação, que não vacillou muito em negar-lh'a absolutamente. A organisação aíferia-se pelas redes vasculares, e tecidos em que ellas não apparecessem não podiam ser conside­rados como produetos da acção da vida. Sem muita difOculdade se reco­nhece por onde pecca a base d'esta distincção; os pellos e as unhas podem servir para exemplo.—N'esse tempo não seria difficil fazerem o que accoa-

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— n — teceu a Galileo, quando descobriu o movimento da terra, e a estabilidade do globo solar, a qualquer medico que se aventurasse a proclamar, como regra geral e invariável, a não existência de productos heterologos, no sen­tido em que elles tomaram esta expressão, e a analogia dos princípios dos neoplasmas com os dos productos physiologicos. Mas hoje que ha a liber­dade de fazer obra pelo que a razão, auxiliada pelos meios d'observaçao, crê mais bem fundado, correm ja em muitos círculos da sciencia estas i-deias, que em pouco se tornarão geraes. E não são princípios de systema, nem preoccupações theoricas, que geraram, ehão de fazer vingar as ideias da homologia, são resultados d'estudos práticos aturados, e d'experiencias minuciosas e bem dirigidas, emíim, são fructos, que germinaram aquecidos pela luz da sciencia desapaixonada. Razão d'existencia, se a ha, para a pa­lavra heterologia em anatomia pathologica, de certo que não será aquella que os apologistas dos corpúsculos específicos, tiveram para a introduzirem nos livros da sciencia, mas antes uma outra que é a que tem Virchow pa­ra ser d'opiniao, que ella continue a correr na sciencia, não com a signi­ficação, que até agora a sellava, mas com a restricta, com a que elle lhe dá,*e que todos lhe devemos dar.—Segundo o author da pathologia cellu­lar, esta palavra servirá para designar não uma differença absoluta d'extru-ctura e composição dos productos mórbidos, mas sim o modo insólito da sua formação, ou nascimento, em relação á sede, ao tempo de formação, e mesmo á quantidade. D'ahi vem a origem de três denominações por elle creadas, e que perfeita e claramente dão ideia d'aquillo que comprehen-dem; e são—heterotopia (aberratio locis); heterochronia (aberratio tempo-ris), e heterometria (aberratio quantitatis).

D'aqui se conclue com boa lógica, que a palavra heterologia não com-prehende uma classe de formações novas sem análogas no organismo, e só significa, no sentido restricto, uma differença no typo dos tecidos em que se desenvolveram. E' o que os fructos colhidos d'um estudo incessante e desapaixonado da physiologia pathologica nos mostram, quando dizem não havermos razão de crer num estado particular da vida, em que as forças e leis que presidem ao todo orgânico, sejam inteiramente différentes das que vemos actuar na vida normal, na saúde. A. biologia mórbida não sub­entende physica, chymica, semeiologia, e morphologia, etc., pathologicas; porque a apreciação da moléstia não exige leis especiaes para a patholo­gia; conlenta-se com saber, que num dos cazos, na saúde, estas forças o-bram conjunctamente, observando a invariabilidade de leis proprias, e da ligação estreita em que se acham, e n'outra, na doença, ainda são estas mesmas forças que representam no theatro orgânico, mas as scenas é que variaram; multiplicaram-se as acções e os effeitos, como bem diz Lebert. Estas modificações interiores ou intimas, que erradamente se teem chama­do—heteromorphoses—não são senão resultados dimanentes do mechanis-

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mo pervertido, da dynamica transviada, quando se dava a sua acção sobre os elementos dos tecidos, e de que resultou uma aberração de forma, mas só de forma, e não de natureza. — Quasi outro tanto se diz, e melhor se comprehende ainda, a respeito da heterotopia. Aqui nem afastamento da forma typo se deu; o que se nota é uma transposição, e não uma modifi­cação; apparece um tecido qualquer n'um lugar em que no estado normal se não via, 'nem para elle a natureza o destinara; houve confusão na fa­brica orgânica; os papeis trocaram-se, e os instrumentos que haviam depro-duzir tecido membranoso, deram em resultado substancia óssea, por exem­plo. Mas mesmo nos cazos em que a chimica vital se alterou, ainda teem lugar as mesmas considerações; ahi ha só modificações de cellulas e de ma-teriaes, que servem para a conservação e entretenimento da saúde.—De­pois disto é já tempo de desligar a expressão heterologia da ideia de ma­lignidade, que até estes tempos, sempre lhe andava associada. Em hetero­logia nem sempre ha malícia; nem todos os produetos são damninhos. Um tecido pode ser heterologo, sem prejudicar o individuo, e sem que o nosso prognostico seja d'alguma maneira desfavorável, e se resinta da peçonha d'aquillo que a não tem. —N'este drama de transformações orgânicas, que no intimo da machina viva se representa em circumstancias especiaes, é protagonista a cellula, a inicial da massa orgânica commum, e cuja reunião constitue o tecido fundamental, que liga todos os órgãos, e os elementos histológicos de todos os tecidos. E' o tecido conjunctive, que, sendo na vi­da normal o foco donde irradiam todos os outros, se torna, depois d'uma determinada desintelligencia entre os agentes vitaes, o fundamento, a ori­gem de quasi todas, ou, como quer Virchow, e eu concordo, de todas as formações novas, que teem analogia com a massa orgânica primordial. E é não só pelo grande numero d'affeeçoes, a que elle está sujeito, mas lam­bem pela sua generalisação em todo o organismo, que este tecido repre­senta um papel de grande e extrema importância em anatomia pathologica. Lebert, e depois d'elle Virchow, basearam todo o grandioso edifício da a-natomia mórbida nas transformações anómalas da cellula e tanto os instru­mentos analyticos d'um, como os do outro lá foram encontrar, em qualquer órgão ou tecido affectado de producções, ou degenerações insólitas, o mal a partir dos elementos do tecido que lhe servia de substratum. Nem é mui­to para duvidar que isto assim seja, mettendo em conta as innumeras e in­cessantes metamorphoses, que são uma condição indispensável e essencial para que o seu encargo physiologico seja bem desempenhado. E que mui­to é que, no meio desse trabalho continuo e complicado, de que a cellula éo fulchro, se rompa o equilíbrio orgânico, dando em resultado producções impróprias e inconvenientes?....

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III

Antes d'anatomia pathologica reverdecer mais folhuda e cheia de viço, pela cultura esmerada e cuidadosa dos modernos observadores, não havia um padrão, que servisse de norma na aferição dos productos mórbidos. Havia uma classificação sem base lixa, e onde se acamavam, como melhor se podia, todas as neoplasias conhecidas então. Dava-se-lhes um lugar nas classes, ordens e géneros, e não se podia ainda reconhecer n'ellas o direito de propriedade d'esse lugar, que a arbitrariedade lhes tinha assignado.— O methodo natural por toda a parte se via alargar domínios na formação das classificações, e a anatomia pathologica ainda não sabia tirar da natu­reza os materiaes para o seu ediíicio, que, por defeituoso, precisava ser reconstruído. E, com effeito, a reconstrucção principiou-se, e as primeiras peças da obra assentaram sobre a consistência dos materiaes. O lugar que estas différentes peças occupavam era determinado pelo nome da cousa com que mais ou menos se assimilhavam, já na consistência, ja, muitas ve­zes, na forma. Mas isto ainda não era bastante para a segurança que se e-xigia; porque muitas vezes se faziam parailelos sem exactidão.—Uma nova tentativa veio mudar a face antiga das classificações anatomo-pathologicas, e tomou para ponto de partida dos seus trabalhos a similhança dos produ­ctos accidentaes com os tecidos normaes e componentes do aggregado vivo. E hoje, diante dos interessantes progressos da sciencia, mais importância se tem dado á analogia nas nomenclaturas anatomo-pathologicas, especialmen­te pelo que diz respeito á terminologia. Ha cazos em que só basta, e mui­tos em que não ha mais que dados anatómicos, e outros em que a symp-tomatologia é tudo, e só ella é o fundo d'uma parte do quadro. E se nós só desejássemos, e contentássemos com vêr a moléstia pela face pura e simplesmente graphica, então teríamos só a attender á sua physionomia, e a sua definição não seria mais que um enunciado dos principaes e mais notáveis signaes physionomicos.

Em historia natural o espirito que dirige e regula a disposição me-thodica dos différentes seres nas divisões d'uma escala, não é o mesmo que preside á formação das taboas de nomenclatura nas sciencias, que, como a medicina, teem um fim todo pratico. A verdade d'isto salta aos olhos com uma simples leitura das obras medicas; e o eu trazer isto a campo n'este capitulo do meu trabalho justifica-o a relação, que ha entre a historia da neoplasia de que vou tratar, do tubérculo, e a confusão, que até estes tempos tem ennevoado a atmosphera das classificações em medicina. —No decijrso da historia d'esté producto mórbido, se verá a impropriedade com que;outr'ora se dava uma denominação, que muitas vezes, em lugar de ca-racjerisar bem aquillo que denominava, servia antes para o mascarar, e lornar menos conhecido.

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A origem d'esta denominação data dos primeiros tempos. Já Hip­pocrates e Galeno usavam d'ella quando nas suas obras descreviam cer­tos estados mórbidos, cujos productos se assimilhavam a uma peque­na excrescência (tuber.) — E não era uma só producção, que em no-sologia se caracterisava por esta denominação; todas as que apresentavam um aspecto de nodosidades, eram comprehendidas debaixo d'esté vocábulo todo genérico, embora fossem, como muitas vezes eram, de natureza intei­ramente différente. Desde que estas producções apresentavam dimensões pouco consideráveis, que as não faziam sahir fora dos limites marcados pa­ra os pequenos tumores, a expressão—tubérculo—cabia indistinctamente a todas, ou fossem da mesma natureza, ou da natureza do schirro, do carci-nomo, do fungo, etc. Até aqui tínhamos uma designação genérica, que só nos accusava a forma, e só a forma do processo pathologico, que no in­terior ou exterior do corpo vivo se tinha gerado, sem de modo algum dar ideias da essência e origem da doença. Depois quizeram substituil-a por outra, que em nada nos vinha ser mais proveitosa; pois se não era basea­da na forma e dimensões da neoplasia, fundava-se n'uma qualidade de to­das ellas, que era o crescimento, e que era nem mais, nem menos, o que significava a palavra—phyma,—palavra vaga, e incapaz de se lhe assignar um sentido determinado, que Fuchs quiz fazer passar em vez d'esta outra que corria, e ainda hoje voga. Appareceu Lennec, e com o seu appareci-menlo desterrou-se a significação etymologica da palavra—tubérculo, que d'um sentido amplo e indefinido, passou a exprimir uma ordem de cousas, que, em vez de género, designava agora uma espécie, um producto mór­bido, que a sciencia da epocha julgava ser resultado d'uma accumulação de materia especifica na intimidade dos órgãos e tecidos, e que podia affe-ctar formas diversas e variadas, de que as mais geraes, eram a— granula­ção tuberculosa—quando este producto apparecia limitado na totalidade do tecido, e—infiltração tuberculosa — quando pelo contrario toda a massa do órgão tinha sido atacada e invadida. Já então principiavam a transparecer as tendências de caracterisar os productos mórbidos por alguma cousa que n'elles houvesse, e que podesse servir-lhes de característica. E foi assim que se chegou a especificar o tubérculo pela transformação cazeioza, que a ob­servação tinha mostrado effectuar-se n'este producto mórbido, Assim se con> fundiam debaixo da mesma denominação processos mórbidos variados, mas que num certo tempo da sua evolução tinham de passar por uma phase que servia de distinctivo d'uma espécie pathologica determinada. Era, portanto, o tubérculo, não uma producção definida e isolada de todas as outras, mas só marcava um estádio entre a origem e o resultado final de todas ellas; era o termo que designava a passagem do estado solido para um outro de menos consistência, e que então se chamava—estado cazeiozo.—E com isto concordava a opinião de muitos, que diziam, dominados, ao menos era ap.

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pareneia, por uma convicção profunda e intima, que qualquer exsudaeã"o ou fosse orgânica, ou desprovida das qualidades de organisação, podia affe-ctar a fornia tuberculosa, iogo que as partes liquidas que faziam parte da sua constituição, fossem eliminadas por um trabalho de rcabsorpção, epodesse depois d'isto soffrer a metamorphosecazeiosa. Outros, então, revoítavam-secon­tra esta incertesa em caracterisar um produeto pathologico, e apregoavam a especificidade; diziam que o tubérculo era o resultado d'exsudaçào d'u-ma substancia especial, que se depositava no interior dos tecidos, * e dava assim nascimento ao mal. Estas ideias dominaram, e acharam n'aquelle tempo, e ainda hoje quem a julgasse boas, e bastantes para a explicação do facto, c o maior numero de sectários surgia do meio dos que acredita­vam na existência em substancia dos elementos de todos os produetos mór­bidos na massa do sangue. Ahi hiam elles encontrar as cellulas especificas do tubérculo, c descobrir o trabalho orgânico em virtude do qual eram ex-sudadas, e depositadas em forma de blastema tuberculoso, que pouco tar­dava em tomar a forma propria, apoz o trabalho d'um processo morbide especial. E não era isto uni previlegio do produeto tuberculoso; todos os outros se geravam pelo mesmo processo, e todos eram caracterisados por cellulas especiaes, que se moviam na arvore circulatória d'envolta com os princípios do sangue, com que se achavam intima e completamente mistu­radas, tornando-se por isso difficil o encontral-as e isolal-as.

Andral, admittindo duas espécies de trabalhos secretores;—uma originando líquidos especiaes por acção dapparelhos, cuja cslructurae organisação já lora para isso destinada;—e outra, dando cm resultado um cerlo fluido perspiratorio, e para cuja fabricação não eram mister outras condições especiaes na cons­tituição do órgão secretor, senão as da vitalidade, dava extrema importân­cia aos desarranjos d'estas funeções, como sendo muitas vezes a origem, o foco e ponto de partida de muitos processos mórbidos. O trabalho secretor podia peccar por ter fabricado de mais n'uma certa medida de tempo, isto é, em quantidade, ou por ter adulterado o produeto, e simultaneamente por um e outro d'estes modos; por quantidade e qualidade. Na transviação qualitativa da secreção perspiratoria é que o professor da faculdade de Me­dicina de Paris hia descobrir a origem do tubérculo. Para elle não havia cellulas especificas espalhadas no sangue, e que em condições especiaes, e ainda não conhecidas, transudavam dos vazos circulatórios para o interior ou exterior dos tecidos, onde se desenvolviam e germinavam. A vesícula transparente ou a hydatidc do doutor Baron e do professor Alfort não ti­nha fundamento para explicar a formação da materia tuberculosa, e não passava d'uma complicação que elle uma vez só observara no homem, bas­tantes no cavallo pthisico, e muitas no porco leprozo. A opinião de Cru-

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veilhier parecera-lhe melhor, e mais d'accordo com o resultado das suas in­vestigações multiplicadas. Pús, e só pús, via Andral no producto perverti­do da exhalação perspiratoria, d'onde provinha a concreção, que, ohrando por fim á maneira de corpo estranho no tecido ou órgão cm que se aecu-mulára, o irritava, provocava a suppuração das partes ambientes, e por ulti­mo se dissolvia. A fusão do tubérculo era para Andral, não a ultima pha­se, a mais perigosa e a mais de temer de quantas o tubérculo tinha soffri-(io, mas só o processo d'uni trabalho d'eliminaçâo, d'expulsâo d'um, corpo que não convinha ao organismo, que prejudicava a economia. E não para­vam aqui as ideias d'Andral em relação á pathogenesis da materia tuber­culosa; segundo elle, esta depravação purulenta da perspiração molecular era sempre seguida ou acompanhada por uma congestão sanguínea activa, e d'uma tal ou qual irritação, que elle não se atrevia a considerar como causa necessária ou essencial, mas como muito frequente e enérgica na ge­nesis tuberculosa.—O e'emento anatómico denominado epithelio mereceu a Kuss as honras de gerador da concreção purulenta de Cruveilhier e An­dral, só porque não tomara na verdadeira conta os resultado- das experiên­cias e observações a que procedeu. Enganou-se, como se tinham enganado lodos os que até alli quizeram metter-se muito pelo assumpto.

Para Mandl a existência d'elementos específicos de certos productos palholo-gicos nãopode justificar-se pela experiência, e naopassad'ura meio de mais com-moda e facilmente explicar processos insólitos e anormaes. No tubérculo, assim como na diathese cancrosa, não encontra elle elementos, que, por não se assimilharem aos dos productos normaes, precizem de ser estrema­dos por uma denominação especial, pela palavra—específicos—. Analogia é o que elle sempre descobriu no fim de cuidadosas e repetidas experiências e observações; mas analogia, não com os elementos do tecido em que se manifestava a degeneração, mas com outros productos da economia. Mas ainda que Mandl não acreditasse no pús e nos glóbulos pyoides d'Andral e Cruveilhier, nem nos corpúsculos específicos de Lebert e outros, mostra-va-se, comtudo, adepto esforçado datheoria da exsudação. A massa sanguí­nea podia em circumstancias especiaes das constituições individuaes eivar-se d'uma substancia amorpha, que, passando do interior dos vazos para o te­cido dos órgãos, dava lugar a uma producção mórbida, que tanto podia ser o cancro, como o tubérculo, ou outra qualquer neoplasia. Burdach, o il-lustrado professor da universidade de Koenigsberg, considerava o tubérculo como um coagulo simples depositado no parenchyma dos órgãos, em vir­tude da anomalia da funcção d'esses órgãos em converter em substancia propria e normal, os materiaes que a circulação lhes transmittia; e isto de­vido, ou ás qualidades d'essas substancias impróprias para o jogo regular

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da vida, ou a uma impotência assimiladora do tecido. E apezar d'elle con­siderar, como cauza principal do phenomeno o ter-se a actividade plástica afastado das condições normaes, que o organismo exigia, lá deixa transpa­recer na sua doutrina as tendências humoristas, ligando á degeneração e perversão do sangue uma consideração de não pouca importância.

Por este elenco dasprincipaesopiniões relativasá natureza e desenvolvimen­to do tubérculo, vê-se, que n'umas, na maior parte d'ellas, domina a theoria da exsudação, revestida de todas as suas formas mais ou menos rasoaveis, mais ou menos adequadas; e n'outras descobre-se o cahos das neoplasias, isto é, a confusão dos productos pathologicos de natureza e origem différentes, uns com os outros. E a prova mais frizante d'esta confusão dá-a Mandl, quan­do affirma ter encontrado em tumores schirrosos os corpúsculos do tubér­culo. E quem á vista disto se saberia decidir por um schirro, ou por um tubérculo? Só Mandl, ajudado pelo seu microscópio infallivel !!... E deque natureza seriam os tumores de dimensões d'uma laranja de que falia An-dral, e a que elle chamava tubérculo? E' provável que não se enganasse denominando-os assim; porque os seus instrumentos d'analyse haviam de descobrir n'elles 06 glóbulos do pús !!!...

Por isto, digo ainda, se vê quanto é hoje motivo de grandes questões, que em histologia dominam todas as outras, o decidir, se tem, e qual seja a organisação da producção tuberculosa. E d'estas questões depende a so­lução de problemas importantíssimos não só em relação á anatomia, como muito especialmente para a sciencia dos estados mórbidos, para a patholo-gia. Ha muito quem não admitta organisação, nem, sequer, princípios d'el-la. no produeto em questão; em quanto que outros lhe conferem uma estru-ctura orgânica, mais ou menos completa. O crescimento por intuscepção, e conforme as leis habituaes á organisação, caractérisa o desenvolvimento do tubérculo, dizem uns; o tubérculo cresce por juxta-posição á moda das subs­tancias amorphas e inorgânicas, apregoam outros. Mandl affirma que a subs­tancia tuberculosa não affecta signaes d'organisaçâo sensível, e não passa d'uma massa amorpha no íntimo da qual s'encontram semeadas delicadíssi­mas moléculas de gordura. Esta massa a principio concreta c depois dif-fluente, infiltra-se nos tecidos, solidílica-se nos seus interstícios, e os ins­trumentos mais apurados da optica não teem podido marcar dimensões, nem form?, aos seus corpúsculos constituintes.—Apoz isto fácil era ao pro­fessor d'anatomia pathologica concluir, que a materia tuberculosa não era um aggregado d'elementos orgânicos, que crescem e se desenvolvem por um trabalho próprio; e que a multiplicação d'esta massa não podia subtra-hir-se ás leis do crescimento dos corpos inorgânicos, ás leis da juxta-posi­ção. Pelo contrario Kuhu, esquecendo e despresando as opiniões adversas

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dos outros authores, proclama uma organisação para o tubérculo, e descre-ve-a, como um entrançado de fibras tenuíssimas, ou filamentos hyalinos, extremamente delicados, adhérentes a innumeraveis corpúsculos globulares, e envolvidos por uma atmosphera mucosa. D'esta organisação resultava um programma determinado para o trabalho d'evoluçao desde o momento da origem até ao instante da morte d'esse producto. E esta opinião, nova, e herética para muitos, era reforçada pelos resultados experimenlaes de Ro-choux que nunca podéra encontrar na substancia tuberculosa, senão um te­cido de fibras semelhantes ás do tecido conjunctive Gerber vinha compli­car a questão, e multiplicar as duvidas, apresentando nos quadros nosolo-gicos duas espécies de materia tuberculosa, inteiramente distinctas, e para elle bem determinadas. Uma onde se não via mais qus a composição irre­gular das substancias albuminosas, e outra constituída só por fibrina. Os e-lementos, tanto d'uma, como da outra d'estas espécies eram bem caracte-risados por este observador, não só em dimensões, como em forma e dis­posição. A segunda d'estas espécies é a única que Albers encontra e ad-mitte em todas asmassas tuberculosas sobre que tem trabalhado com o fim d'obter e determinar as leis e condições histogenesicas que regulam a ge­ração e desenvolvimento dos corpos tuberculosos. — Um conjuncto de cel-lulas, contendo uma multidão de cytoblastes (nucleos) mais ou menos dis-tinctos, e soffrendo todas as mudanças e transformações que a histologia tem descoberto nos tecidos normaes, são as ideias professadas por Vogel e Sebastian, e que muita relação teem com as mais modernas, e que eu mais adiante adoptarei e perfilharei, não como mais um devaneio da sciencia histológica, mas como aquellas que a luz da verdadeira experiência tem mostrado.

IV

Um exame attento e despreoceupado da materia tuberculosa nos diffé­rentes órgãos, em que a necropsia a tem encontrado, mostrar-nos-ia, sem que disso ao menos nos ficasse duvida, que nem todo o tecido orgânico reúne condições que lhe deem a susceptibilidade de ser affectado, e de poder ser a sede do producto tuberculoso. Em todos os órgãos encontra a analyse ana­tómica um factor commum que liga os seus elementos, e que lhes serve de substratum.

E' n'esse tecido, que assim se acha generalisado no organismo, e que a anatomia moderna denomina conjunctivo, que o instrumento anatomo-pa-thologico vai descobrir sempre o principio, a origem, a raiz do tubérculo, e ahi mesmo assignar-Ihe a sua sede. No cérebro não é a substancia propria

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do órgão que se acha tuberculísada; e se as nossas vistas analyticas soube­rem bem estrtmar o que é substancia parenchymatoza, do que é substan­cia intermediaria, ou connectiva, ahi, n'esta veremos o mal a nascer e a ger­minar. Não é também no tecido puramente pulmonar, que as nodosidades tuberculosas se nos hão de patentear; iremos mais alem no intimo do órgão e na substancia lobular toparemos a fonte do soffrimenlo, a eiva tubercu­losa. Em outros tecidos que não são mais que entrançados do tecido con­junctivo, com que se misturam delicadas libras elásticas, primeira modifi­cação d'esté tecido, ahi, digo eu, certamente que não haverá duvida em referir as variadas alterações, e entre ellas o tubérculo, aos elementos do tecido, aos corpúsculos da substancia conjunctiva. E' assim que acontece a respeito dos tubérculos das membranas sorosas, cuja simplicidade d'exlructu­ra não consente que a sede do processo mórbido se ponha em duvida, e que para a marcar se abram discussões. Nas mucosas ainda é o elemento corpuscular do tecido conjunctive, que predomina sobre os outros, epilhe­lioso, e glandular, e é nelle que se passam as variadas e multiplicadas me­tamorphoses, que hão­de dar em resultado as différentes alterações do pe­renchyma, e entre ellas a tuberculosa. E não é d'agora que na "sciencia ap­parece esta ideia; já de ha muito que para alguns observadores era o teci­do cellular a sede única da neoplasia tuberculosa, e por outros que não que­riam peccar, declarando­se positivamente, era elle julgado, como o elemento anatómico mais ordinária e frequentemente affectado pelo vicio do tubércu­lo. Era um d'estes o famoso Andral, que admittia a perversão perspiratoria em qualquer tecido, em todo o organismo, por toda a parte onde houvesse materia para segregar, e fluido perspiratorio para ser exhalado; mas não podendo ser totalmente irreverente aos resultados experimentaes, confessa­va ser o tecido connectivo, ou livre, ou combinadonos diversos órgãos com os variadíssimos elementos, que os constituem, aquelle em que mais vezes se encontrava semelhante degeneração. Mais modernamente apparece Lebert ageneralisar a ideia, e a tornal­a mais positiva, não admittindo outra sede mais geral para este soffrimento. E seria este o pensar de todos; seria esta a ideia exclusiva e absoluta relativamente á localisação do tubérculo, se não existira tanta preoccupaçâo, e tanta falta de luz na avaliação d'esté proces­so pathologico, já na sua natureza e origem, já no seu desenvolvimento e transformações.

Para alguns tubérculos não ha que duvidar da sua sede. k naturesa dos tecidos em que se manifestam aponta como tal o seu único elemento, o te­cido connectivo. N este caso estão os tubérculos submucosos, subsorosos e intermusculares. E se para os do baço, cérebro, figado, etc, isso se tornava mais difficil, não era, comtudo, baldo o trabalho tendente a dar­lhes o mes­mo elemento anatómico por sede, e no fim d'elle de boamente renunciaría­mos a pretensão de Iocalisar esta producção no parenchyma próprio d'estes

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órgãos, nos seus elementos constituintes, essenciaes e especiaes, mas iría­mos colloeal-a n'um tecido accessorioá funeção d'esses órgãos, no tecido in­tersticial, na massa conjunctiva. A coincidência por todos notada na sede da materia tuberculosa, e na existência dos vasos capillares n'esses logares, se não foi que deu origem á theoria da exsudação, pelo menos foi que fez com que os sectários d'essa doutrina fizessem passar como principio decidi­do, e dogma scientifico, que a sede do tubérculo era em toda a parte onde apparecesse um vaso capillar.

E nem eu me proponho aqui a anathematisal-os por semelhante con­clusão, que nem outra devia ella ser, admiltindo-se que os princípios eram verdadeiros. Effectivamente, assentando-se como cousa certa, que o tubér­culo tinha os seus princípios nc sangue alterado do invídividuo em que se encontra a tuberculisação, e que se originou n'um blastema segregado pe­la rede capillar, não seria concluir mal, que onde houvesse um vaso ca­pillar podia haver ujia porção d'esse blastema, um ou muitos tubérculos, e para elles uma sede indefinida. Mas o que é certo, não são os princípios da theoria da exsudação, e menos ainda as suas conclusões, é sim, que o elles encontrarem vasos nos pontos em que ha tubérculos não é mais que o re­sultado da disposição e fim orgânico de certos tecidos; do que condições de certos elementos anatómicos, como é o connectivo, que tanto no fígado, co­mo nos rins, no cérebro e como em todo o organismo, é o conductor, o sus­tentáculo e envolucro do systema capillar. A conclusão, pois, a tirar, não era a da exsudação, mas qie:—em toda aparte, onde ha vasos capillares, ha tecido conjunctivo, e sendo este tecido a sede do tubérculo, pode este apparecer em toda a parte em que ha vasos capillares — Se rapidamente analysarmos em todos os órgãos, como se faz a distribuição vascular, vere­mos no pulmão a rede sanguínea serpentear no tecido uniente dos elemen­tos parenchymatozos até penetrar nas paredes das vesículas em divisões ad­miravelmente tenuíssimas, e verdadeiramente capillares. No fígado serão os immensos e multiplicados desdobramentos da capsula de Glisson, que acom­panharam as ramificações circulatórias até ao intimo do órgão; e no cérebro veremos uma das suas três membranas, a pia mater, decompor-se em tantas bainhas cellulares, quantos são os vasos destinados a alimentar o manancial sanguíneo da massa cerebral.—E acompanhando assim os instrumentos ver-dadeirameate anatómicos no descobrimento das ligações e disposições dos différentes tecidos, e seus elementos, que ha ahi, que nos faça admirar d'en-contrar-mos sempre o tubérculo no meio d'um encrusamento de vasos? Que tem mesmo, que a perscrutação do anatomo-pathologico vá descobrir tumo­res tuberculosos nas paredes proprias dos vasos?... Não é a relação mais ou menos approximada com o liquido sanguíneo que explica a existência d'es-tas granulações, como doutrinalmente se apregoava nos livros da divisa ex-sudatoria. É' a naturesa d'essas paredes, e o tecido conjunctivo, que as cons-

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titue quasi na totalidade, que as poem nas condições de poderem ser sede d'esté producto mórbido. E seria ahi, na rede capillar sanguínea, onde os partidários da exsudação nos deveriam mostrar mais veses, e em maior nu­mero as producções tuberculosas, pela relação intima que julgam existir en­tre ellas e os canaes do sangue. Ahi é que se comprovariam as asserções, e satisfariam as exigências theoricas da exsudação; pois que admittida a ori­gem do tubérculo n'um blastema segregado pelos vasos, sem difficuldadese deveria concordar, e encontrar experimentalmente a relação entre o producto segregado e o apparelho secretor. Mas infelizmente para a theoria exsudatoria é exactamente ahi, nas paredes dos capillares, onde a observação nada encontra, e nada ha que se assimilhe ao tubérculo; e se disserem que as dimensões diminutas do objecto não permittem descobrir-se n'elle alguma degeneração, assentiremos, e apoiaremos a lembrança, admittindo a existência dos tubér­culos na rede capillar, senão por dados experimentaes, se quer por argu­mentos d'analogia; isto é, porque ahi mesmo, nas divisões microscópicas do todo continuo vascular, ha tecido conjunctivo, que, como diz Velpeau, é o trama fundamental de todo o organismo, sede primitiva do maioria, senão de todas as inflammações, abscessos, e outras alterações mórbidas. A única relação, portanto, que desapaixonadamente podemos encontrar entre a pro-ducção tuberculosa, e o systema vascular em geral, é a sede commum, que a disseção para ambos descobre no tecido connectivo.

O órgão em cuja intimidade mais vezes se tem querido penetrar com a luz da observação a propósito de debaçar o processso mórbido tuberculo­so, é o pulmão. Ahi, ou por má interpretação dos phenomenos da optica, ou porque a diffusão do maravilhoso imponderável confundisse as entidades, tem-se tomado não poucas vezes por tubérculo, o que não participa da na­tureza d'elle. A hypertrophia das eellulas cpitheliaes da vesícula pulmonar, assim como certas concreções provenientes d'uma accumulação de pús nos alvéolos pulmonares, e cujos princípios líquidos foram por uma acção orgâ­nica reabsorvidos; ambas estas alterações filhas d'um trabalho inflammatorio do parenchyma próprio dos bofes Icem sido por muito tempo, e ainda hoje, mal descriminadas, e por tal arte denominadas impropriamente—tubérculo. —E eis o motivo porque na questão da sede da tuberculisação pulmonar que­rem uns referil-a aos alvéolos, que soffreram, segundo elles, uma hetero-morphose; e outros vão delinial-a no tecido cellular que servia de receptá­culo d'um producto de natureza vaga que ahi se fora depositar. Tudo isto é verdade emquanto se descrevem os productos vesiculares, e os depósitos purulentos tantas vezes encontrados em cazos de pneumonias, mas desde que a pretensão não tem este limite, e se propõem ir mais alem, até uma denominação genérica que os comprehenda; desde que se lhes chama—tu­bérculo—apparece o erro. Tubérculo é este outro processo pathologico, que se desenvolve só, ou acompanhado por outras alterações, no tecido conjun-

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ctivo geral, ou intersticial, e que no seu desenvolvimento e evolução segue um programma próprio, e só seu, como no seguinte capitulo faremos por mostrar.

V

O tubérculo, este flagello, que impiedoso interpõem sua má indole ao v'uer regular e saudável de mil existências, em toda a parte tem o mesmo modo de formação, e as scenas do seu desenvolvimento são também as mes­mas no cérebro ou no fígado, nos ossos ou no pulmão. Não é a grandesa do producto que denuncia a profundesa a que chegaram as raizes do vicio; são os pontos multiplicados em que essas raizes senos descobrem, que nos manifestam a generalisação d'affecçào. As cellulas plasmáticas do tecido connectivo, estes pequeníssimos corpus:ulos que a histologia chama fusifor-mes, e estrellados, são o fulchro de todos os movimentos d'esté processo mórbido. Mesmo no estado normal é elle o tbeatro em que se representam complexos e variados dramas de metamorphoses e transformações histoló­gicas normaes. Ahi se vê a rede das cellulas plasmáticas perder a caracte­rística especial, soffrer certas mudanças no conteúdo e paredes das vesícu­las, adquirir uma resistência mais ou menos notável, e metamorphosear-se em fibras elásticas, conforme as necessidades ftmecionaes das différentes partes orgânicas. Esta transformação dos corpúsculos conjunctivos cm fibras elásticas apresenta todos os graus e phases variadas exigidas pelo conflicto entre o instrumento e a acção; emfim, pela tendência dos tecidos orgânicos a cada vez melhor se affeiçoarem ao fira para que foram destinados. O au­gmenta de volume dos corpúsculos, a multiplicação das cellulas e núcleos é o trabalho orgânico, que n'este tecido se manifesta, quando a affecção hypertrophica se declara e patenteia. E é ainda isto mesmo que a obser­vação descobre no momento em que o botão tuberculoso desabrocha pro­piciado pelo bafo da diathese ruinosa de que está imbebido o aggregado vivo em que apparece o mal. N'isto, n'este primeiro movimento d'uma e-volução, nada ha que a luz da sciencia não tenha, e não vá mostrar no desenvolvimento d'outras alterações. Não ha aqui alguma cousa que espe-cialise o trabalho, ha só um acto commum a muitos processos; o drama da tuberculisação ainda se não representa verdadeiramente; por ora ha só uma excessiva actividade na nutrição do tecido, e que pode dar em resultado produetos différentes. A multiplicação nucleolar não affecta um mechanisma especial, e era nada diffère do processo ordinário de toda a proliferação. O núcleo segmenta-se em fragmentos, estes desenvolvem-se era raaior ou

menor numero, e chegam a tomar as dimensões medias de — de millimo

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tro. E ainda que não seja muito fácil vêr-se, e perceber bem como se faz esta divisão nucleolar por serem os corpúsculos divididos de tenuíssimas di­mensões, nota-se, com tudo, que d'estes se estrangulam uns, e outros dei­xam vêr na sua superfície um pequeno botão que pouco depois se destaca, e separa da massa principal. O resultado d'estas segmentações do conteúdo das vesículas do tecido conjunctivo é a aggregação d'um numero indeter­minado de segmentos d'um núcleo em cada uma das cellulas plasmáticas do tecido.

E isto o que perfeitamente se tem e pode observar nos pontos em que os corpúsculos da massa conjunctiva se acham já em quasi todos os graus de transformação. Ahi, na peripheria d'uma granulação, descobre-se a dila­tação corpuscular motivada pelo empilhamento dos núcleos na sua intimi­dade; e como consequência natural d'esta distensão, o desapparecimento progressivo e regular da substancia intercellular. Até aqui fácil é a obser­vação, e uma por uma se podem seguir as metamorphoses dos elementos cellulares, em que já se deu principio ao trabalho de formação dos nódulos tuberculosos; mas o que depois se passa, o papel que agora vão represen­tar essas metamorphoses, o acto intermédio da segmentação nucleolar, e da degeneração regressiva, é a maior difficuldade que se topa, estudando-se o desenvolvimento do tubérculo. Chega-se a uni ponto da observação em que o microscópio nos apresenta á vista myriades de núcleos formando a maior porção, a porção central do nódulo tuberculoso, livres apparentemente, não se devisando as vesículas em que ha ainda pouco eram contidas. O que se nota distinctamente muitas vezes é o desapparecimento da continuidade dos corpúsculos, e como que a divisão d'elles em volta de cada núcleo que d'al-gum modo se constitue em centro d'attracçào, approximando de si uma cer­ta porção do conteúdo do corpúsculo, e formando assim um envolucro pró­prio, uma verdadeira cellula, que algumas vezes mal se distingue, e até se confunde com o núcleo, por demasiadamente d'elle se ter approximado. — Uma segmentação das cellulas plasmáticas cm volta de cada núcleo, dando lugar á formação d'um numero de pequenas vesículas correspondente ao dos segmentos dos núcleos, seria o caracter que competia a esta phase do trabalho mórbido. Assim o quer e professa Virchow na sua pathologia cel­lular.

Mas isto que a observação algumas vezes tem podido mostrar será u-ma verdadeira phase do processo tuberculoso, um acto constante e invariá­vel d'esté drama mórbido, ou será um phenomeno accidental e secundário sem ligação alguma com a essência do trabalho? A isto ainda não pode muito bem responder a observação. Se é no principio do processo mórbido, ao despontar d'uma granulação tuberculosa, que nos dispomos para obser­var, só cellulas plasmáticas mais ou menos repletas de núcleos segmentados cahem debaixo do foco do instrumento; é o despertar da evolução, os ele-

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mentos ainda não passaram senão pelas primeiras formas, a definitiva não podemos nós dizer que é essa.

Se progressivamente nos formos afastando d'esté estádio para tocarmos mais de perto a degeneração regressiva do nódulo tuberculoso; se analvsar-mos os pontos periphericos d'uma nodosidade em principio de transforma­ção caseioza, ainda ahi não encontramos mais que a proliferação nucleolar, sem que se possam avaliar bem as outras phases, naturalmente pouco du­radouras e ephemeras porque passa o processo antes de retrogradar. Fica assim indecisa e obscura a solução d'esté problema d'anatomia e physiolo-gia pathologicas. Não se pode por emquanto determinar experimentalmente se a forma definitiva e ultima do trabalho da tuberculisação antes de dege­nerar em substancia caseioza, é a de pequenas cellulas, ou a de núcleos simples, que a ruptura das paredes das vesículas, em que eram contidos, tornou livres e independentes.

D'alguma maneira poder-se-hia explicar o porque se não pode distin­guir uma cellula para cada nucleolo. A cellula plasmática entumecida pelos segmentos nucleolares que a enchem quasi completamente, cede e rompe-se, deixando livres estes corpúsculos, que, não só por estarem intimamente unidos, mas ainda porque a cellula mãi não continha materia sufficiente, não poderam ser envolvidos isoladamente por uma cellula propria, ou se es­ta se chegou a formar foi tão imperfeitamente, que as suas paredes se con­fundiram com as do núcleo. Mas não será isto; não haverá uma segmenta­ção da cellula em que se deu a proliferaço dão núcleo; será antes uma ge­ração endogenea de pequenos núcleos ou corpos vesiculosos, que tendo sua origem no interior do corpúsculo conjunctivo, se fizeram livres no momento em que nas paredes d'esté, predominando a impulsão interna, se destruiu o equilíbrio e rompeu a vesícula. Mas seja, como for, ou haja uma verda­deira proliferação da cellula plasmática, ou a ultima phase do trabalho, an­tes da transformação regressiva, não passe d'uma formação endogenea dos núcleos proliferados, o certo é que os nódulos tuberculosos promptamente desapparecem para soffrerem a ultima e decisiva transformação, a transfor­mação gordurosa. Não teem senão uma existência ephemera, circumstancïa esta que parece estar d'alguma maneira ligada á essência do mal, e dispo­sição d'elle nos tecidos e órgãos.—O amollecimento do nódulo é o annun-cio da sua morte. Os vazos, que nutriam o producto mórbido, acharam-se abafados pela grande accumulação de nodosidades, deixaram de conduzir o liquido da vida, e o tubérculo morreu. E' este o geradouro da metamorpho­se retrograda ou da degeneração gordurosa, que pouco e pouco depois lá vai percorrendo os tramites d'um processo especial e próprio. Mas esta meta­morphose não é sempre o resultado d'um trabalho pathologico; umas vezes é immanente da condição especial em que se encontra uma parte do corpo, ou qualquer elemento d'esté aggregado, a de se achar dominada pela in-

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fluência das forças geraes da materia, por já não participar da vida coro-mum, da actividade vital do todo. Outras vezes, então, é um verdadeiro phénomène pbysiologico, um acto normal orgânico, que se effectua em cer­tos elementos especiaes, como são os epithelios das glândulas mammarias, sebacias, etc. Mas n'um e n'outro cazo; ou debaixo da influencia das forças physicas, ou regularisado pelas leis e condições da vida, o facto é o mes» mo, é sempre a degeneração gordurosa, e effectua-se, pelos menos appa-rentemente, do mesmo modo e pelo mesmo processo. Se é n'um tecido, cujo trama tem por elemento a cellula, ou o corpúsculo vesicular, que re» cabem os raios analyticos da nossa observação, ahi se descobre anarchia na disposição d'esteg corpúsculos elementares, e aberração na sua extructura intima. Já não são pequenas vesículas, contendo um liquido mais ou me­nos transparente, mais ou menos consistente; são agora granulações irregu­lares, em cujo interior se notam pequeníssimos glóbulos gordurosos, affec-tando um brilho que desfigura inteiramente o aspecto uormal dos corpús­culos vesiculares. Estas partículas gordurosas pela continuação do processo augmentam de volume, adberem umas ás outras, exercem uma pressão ex­cessiva sobre a parede interna da vesícula, cuja capacidade já não é bas-

' tante para as alojar, e rompem o receptáculo que as envolvia. Aqui desap-parece toda a característica d'organisaçao; como que se dissolveram os ele­mentos histológicos, e deram em resultado uma materia amorpha, um li­quido albuminoso, tendo em dissolução différentes saes, e suspensas innu-meras granulações gordurosas de dimensões extremamente variadas. Com a grandesa d'estas dimensões coincide uma cor especial, e de grande im­portância na pathologia do tubérculo. Se a divisão granulosa é extrema, e ás dimensões dos glóbulos gordurosos são pouco consideráveis, a massa tu­berculosa affecta uma cór amarella especial, que será branca opaca, quando esta divisão não existir, e quando as dimensões ultrapassarem os limites a-pontados para o primeiro cazo.

A chymica que rege e régularisa estas transformações da materia or-ganisada em gordura, desconhece-se ainda. Vê-se um vehiculo suspendendo gordura, dissolvendo saes e matérias proteicas solúveis, e não se sabe co­mo se fez esta suspensão, nem como estas substancias se dissolveram. O que se sabe é que pela continuação do trabalho, pela absorpção da parte liquida d'esta emulsão, perde este produeto a consistência primitiva. Os saes precípitara-se, concentram-se apoz esta absorpção, e as partículas gorduro­sas fazem com elles uma espécie de amalgama ou combinação com a con­sistência e aspecto do queijo, e que por isso se denomina estado caseiozo. Esta scena do processo tuberculoso desenvolver-ge-ha tanto mais depressa, quanto os tecidos, em cujo trama ella se effectua, em mais alto grau pos­suírem as faculdades da absorpção.

Esta, ainda que a principal, não é a única condição favorável ao des-

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envolvimento do estado caseiozo do tubérculo. À peqnena proporção, em que entram as partes aquosas no producto da transformação gordurosa des­te processo, é uma segunda condição, e de não menos importância que a primeira, para favorecer este trabalho d'endurecimcnto. —Este estado, esta phase em que o nódulo tuberculoso affecta maior consistência serviu, como já em outra parte dissemos, para caracterisar este processo mórbido, e tor-nal-o distincto dos outros nos quadros nosologicos. Já ahi, quando tocamo-n'esta doutrina dos tempos passados, mostramos que isto, que então se Jul­gava urna condição inhérente á essência do suberculo, não era mais que a mesma scena em dramas mórbidos différentes, a mesma phase em proces­sos pathologicos diversos.

Mas agora que já se acha explicada a formação e origem do estado caseiozo no tubérculo, não haverá duvida em adoptar a mesma explicação, e admittir o mesmo phenomeno nas degenerações em que a anatomia pa-thologica tem descoberto a transformação gordurosa.

Agora vejamos quaes são os prodromos do amollecimento da granula­ção tuberculosa, como elle se annuncia, e quaes as mudanças que se notam no theatro da degeneração até ao momento de se completar o trabalho.

O amollecimento parte do centro da granulação, e a sua invasão é an-nunciada por uma pequena mancha amarellada, que corresponde exactamen­te ao ponto onde primeiro se hade manifestar o abatimento de consistên­cia.

Este ponto central, cuja coloração amarella revela uma alteração mo­lecular na extructura da granulação, torna-se cada vez mais volumoso, vai alargando os limites do seu campo de devastação, e por esta epocha de des­envolvimento, submettido a uma pressão qualquer, deixa passar atravez de si uma substancia de consistência ambígua, ouctuosa, e sirailhante ào quei­jo. Um conjuncto de granulações moleculares gordurosas, e alguns nú­cleos igualmente granulados, e que ainda não soffreram toda a influencia da transformação retrograda, é o que o microscópio pode descobrir n'esta substancia oriunda do amollecimento do tubérculo. Este estado seria o em que mais ordinariamente terminaria o processo tuberculoso, segundo Yir-chow, e o em que sempre findava, segundo Andral, que, como já em ou­tra parte escrevemos, julgava ser este estado o resultado da solução da massa tuberculosa, da concreção purulenta, que assim a considerava elle, no pús desenvolvido nos tecidos ambientes á maneira do que se forma nos pontos orgânicos onde existe um corpo estranho. Broussais parece querer isto mesmo, quando explicava o amollecimento do tubérculo pela acçjjo li-

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quefaciente sobre elle exercida pela inflammação, que despertava nos teci­dos que accommettera. Como se originava este artigo no programma datu-berculisação já o dissemos: era primeiro a mortificação dos elementos or­gânicos, e depois a reabsorpção da parte liquida e aquosa, que entrava na constituição dos detritos d'esse esfacelo. Isto é o que basta em relação a este estado, e agora analyse-se um outro que alg imas vezes, em circums-tancias especiaes, se desenvolve, e que, pela sua apparencia e qualidades, se denomina—cretificação ou estado cretáceo.—

Deu-se a reabsorpção, a parte aquosa desappareceu, e ficaram, consti­tuindo o nódulo, só partículas gordurosas e saes mais ou menos solúveis. Agora uma de duas; ou estes saes se combinam com a gordura, e temos a substancia caseioza; ou essa união chymica entre os princípios salinos e as matérias gordas não tem lugar, e um novo trabalho de reabsorpção vem ti­rar da arena mórbida as partículas gordurosas, e deixar só em campo as matérias salinas, que, concentrando-se, formam espécies de cálculos ou mas-sas cretáceas. E é a isto qua em physiologia e anatomia pathologicas se dá o nome de cretificação. Mas este phenomeno, assim como o da transformação caseioza, não é um previlegio do processo mórbido tuberculoso; no decor­rer d'outros trabalhos pathologicos também se encontram estas peripécias de physiologia mórbida.

Ha pouco escrevia eu uma tal ou qual explicação da origem das mas­sas cretáceas em geral, e não disse então que entre" os pathologistas havia muitos, que encontravam muitas difficuldadesem conceber a formação d'essas concresões salinas em seguida á reabsorpção das partículas gardurosas e da parte liquida da degeneração que agora entrava em via rotrograda. Se o não disse então dil-o-hei agora, porque é certo havel-os, e direi também, que em consequência de depósitos suecessivos e secundários de princípios sa­linos, taes como saes calcareos, phosphates e sulfatos de soda que tão abon­dantes são no estádioprimitivodatransformação retrograda, no estadocazeioso, se podem originar concreções de dimensões indeterminadas e só limitadas pe­la cessação d'esse deposito, e pela maior ou menor quantidade em que as su­bstancias salinas entravam na materia caseiosa. Effectivamente. alguns ca-zos ha em que as massas cretáceas teem affectado uma duresa e dimensões consideráveis, a ponto de se considerar o pulmão, que é o órgão em que o phenomeno mais vezes se tem notado como tendo boflrido uma verdadeira ossificação. Nãoé diflicil encontrar a falta de rigor no modo de considerar este estada da materia cretácea. Aqui não ha substancia óssea; o mais que se encontra são algumas das suas qualidades. Vê-se uma substancia dura, mas a duresa não é que constitue a essência do tecido ósseo, nem tão pou­co outras apparencias exteriores que por ventura ainda se possam notar na substancia cretácea. Falta a extruetura propria, a disposição molecular cara­cterística do osso; e sem isto, como chamar ossificação, ao que não é senão

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uma accumulação de différentes saes, ainda que alguns d'estes se encontrem também na composição intima da substancia óssea?!!!.. Esta circumstancia, o eneontrar-se no tubérculo no estado cretáceo alguns saes, que também se encontram nos ossos, não pode de modo algum levar-nos a semelhante de­nominação, O que caractérisa o osso não são os saes que entram.na sua composição, é sim a condição de ser um tecido vivo, desenvolvido debaixo da influencia de leis physiologicas proprias, e que não pode filiar-se duma metamorphose, que teve origem, e se desenvolveu pela acção das forças geraes sobre elementos em que já se não sentia o calor da vida,"nem o laborar das actividades orgânicas para em resultado darem a partícula ou corpúscu­lo ósseo. E ainda que o tecido conjunctiva seja a origem, ou uma das duas origens da substancia óssea, d'esta circumstancia nada se pode concluir para a questão pendente; o que disto resulta é que o osso se pode desenvol­ver em toda a parte em que houver tecido conjunctivo, mas não que o tu­bérculo possa soffrer uma transformação óssea no rigor da expressão. — Fi­nalmente, tem querido alguém qne a transformação cretácea do tubérculo fosse um meio de que a natureza medicatriz se servia para destruir a má indole d'esta doença, trocando o minar lento do tubérculo por entre as rai­zes da vida, pela innoeencia d'uma concreção, que de malicioso não tinha senão a condição de ser um corpo estranho. Nos factos éque se tem queri-encontrar as provas da asserção que aventuraram. Teem-se visto pulmões de pessoas, que suecumbiram ao pezo d'outras moléstias, semeados de pequenas e innumeras concreções cretáceas.

D'aqui uma conclusão:—este individuo foi em tempo victimado pelos tubérculos, mas por uma transformação salutar que estes soffrerão, chegou a viver largos annos sem que o inquinamento da eiva tuberculosa progre­disse, e continuasse a fazer estragos no parenchyma do órgão da respiração. Falsíssima conclusão!!!... Pois o se tubérculo não é senão a manifestação d'u na diathese, d'um estado geral mórbido, só quando esta se desvaneces­se é que se fixariam tregoas na invasão; mas ella lá continua occulta a ser maldosa, porque a medicina ainda não sabe o segredo de lhe ir ás mãos, e o tubérculo, que é filho seu, hade viver emquanto ella o alimentar, e em quan­to a vida, que vai consumindo nas trevas, não se exhaurirámingoa de força.

Essas concreções que na banca anatómica pareceram tubérculos cre­táceos semeando o pulmão, nem apenas a elles se assemelhariam, se, trans­portados ao gabinete d'estudo, ahi se sujeitassem á acção da chymica e da physica. Ahi dir-nos-ia o microscópio; isso são concreções tuberculiformes fi­lhas de chronicas pneumoniascatarrhosas; são produetos dinflammações an­tigas de que esse órgão foi a sede e o theatro. O mesmo, e mais terminan­temente, diria a chymica, quando não recebesse resposta reactiva d'essas suppostas concreções tuberculosas á acção dos reagentes que costuma em­pregar nos seus laboratórios.

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Vejamos agoraoqueochymiconosdiz dasuanaturesa,e quaes são os ca­racterísticos de constituição intima e mollecular que ctremam este produ-çto.

Foi Thénard um dos primeiros chymicos debaixo de cujas mãos se en­controu o tubérculo para á suasahidado laboratório se lhe ter conferido uma composição mollecular.

Desejos teve-os Thénard; o que não tinha era meios de os lograr. Ou os meios scientiíicos, ou os materiaes, ou uma e outra cousa, faltava-lhe, a analyse sahiu imperfeita, e ao tubérculo assignou-se uma composição chy-micaquenãoeraa sua. Gmelin veio depois, e se fez mais que Thénard, a com­posição da neoplosia não ficou por isso mais bem determinada, nem melhor conhecida. Estaheleceu as desproporções que a sua analyse descobrio nas substancias que Thénard tinha encontrado, publicou algumas outras maté­rias inorgânicas, que os seus reagentes denunciarão; mas d'ahi para a rea­lidade d'ahi, para a composição, senão verdadeira, pelo menos a mais ap-proximada, era preciso decorrer o tempo que mediou entre elle e o obser­vador Preuss.

Antes d'esté trabalharam ainda Vogel e Lombard, mas nada mais fise-ram do que tinham feito os primeiros. Lassaigne quiz ir mais alem e esta­beleceu comparação quantitativa entre a composição do tubérculo em diffé­rentes órgãos; a qualitativa julgava-a elle já feita pelos que oprecederam. E' pre­ciso, como disse, chegar ao tempo de Preuss para se conhecer cbymicamente o tubérculo. Éentáoque senão se chega a topar a verdade, pelo menos tocas-se-lhe mais de perto pelos cuidadosos meios d'analyse, e religiosa observân­cia dos preceitos chymicos no descobrimento duma verdade que ha tanto tempo se almejava. Depois dos d'esté observador, ainda outros se teem encetado, e concluído; e, na ordem do seu merecimento, são de FelixBou-det os mais interessantes,

Preuss consequentemente a numerosas e repetidas experiências, acom­panhadas todas dos maiores cuidados tendentes a adquirir a certesa compa­tível com as faculdades da chymica do seu tempo, encontrou numa deter­minada quantidade de substancia pulmonar affectada de tuberculose a com­posição, que.se segue;

Agua «• X Materia tuberculosa Y Residio fibroso, vasos e bronchios . . Z

A. Mas o'poder dos reagentes chymicos de Preuss não se limitou só a is­

to, como aconteceria no tempo de Thénard; foi mais adiante na indagação, e a constituição da materia do tubérculo, assim como a do resíduo fibroso, etc., também foi por elle determinada.

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Pela natureza dos reagentes, que n'estas operações empregara, dividuo Preuss as substancias que entravam na composição da materia tuberculosa em:

ÍSubstancias solúveis no alcool fervente. Substancias solúveis no alcool frio, mas não na agua. Substancias solúveis na agua, e nao no alcool. Substancias insolúveis no alcool, e na agua.

Na primeira d'estas quatro classes não pode elle encontrar mais que um género, na segunda descobriu cinco, na terceira quatro, e na quinta não lhe deram os reagentes mais que seis: Substancias solúveis no,

alcool fervente jCholestrina . . . . . A

Substancias solúveis no/Oleato de soda B alcool frio, mas não \ Uma substancia particular .' . na agua <Chlorureto de sódio I n

I Lactato de soda \ Sulfato de soda

Substancias solúveis na agua, mas não no ai­ I Caseina ' . . . cool lChlorureto de sódio

j Sulfato de soda ' Phosphato de soda

í Caseina alterada pelo calor c . . • ■ , • V Oxido de ferro Substancias insoIuveisna\n, , . , ,

. . ! Phosphato de cal agua e no alcool . . . < n , l , , , > „ ° ILarbonato de cal ( t

/.Magnesia \ Enxofre

A analyse do resíduo fibroso, vasos e bronchios deu em resultado os componentes seguintes:

Resíduo fibroso, vasos e i Gordura M bronchios /Substancias fornecendo colla pela cocção. . . N

(Substancia não fornecendo colla pela cocção. . O

Os trabalhos de Felix Boudet merecem menção, não porque dessem em resultado novos elementos para a composição da neoplasia de que trata­

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mos, mas por serem uma contraprova do que Preuss tinha annuntiado—O estado cretáceo prendeu também a attenção do grande experimentador. No cadinho de Boudet appareceram saes solúveis, e um resíduo em que entra­va o carbonato de cal, a silica, urn pouco d'oxido de ferro, e o phosphato de cal er.i grande proporção. A soda era a base de todos os saes solúveis descobertos nas concreções cretáceas, juntamente com uma pequena propor­ção de potassa, que reagia á acção do acido tartarico e chlorurelo de pla­tina.—Finalmente, muitos outros trabalhos se tem emprehendido por outros experimentadores, que todos se deixavam arrastar n'estas analyses pelas ideias que d'antemào tinham bebido e adoptado, como as melhores para a expli­cação da naturesa do tubérculo. Era um d'estes o medico allemão Prout, que, considerando os tumores tuberculosos, como accumulaçoes d'albumina no estado de desenvolvimento incompleto, nos différentes trabalhos, a que procedeu tendentes a avaliar-lhes a composição chymica, nada mais encon­trava que aquella substancia nas condições em que elle theoricamente a jul­gava.

Hecht, não sei se também dominado pela fascinação d'algum systcma, só via albumina, fibrina, gelatina e agua nos tubérculos amollecidos que analysára. E albumina misturada com alguns saes em exce;so, reagin­do á maneira dos alcalis sobre as cores vegetaes, e coagulando-se pela ac­ção dos ácidos e do calor, era o resultado dos repetidos trabalhos de Gen-drin. —E' isto uma amostra que claramente prova, quanto até hoje mal se conhecia a constituição chymica da materia tuberculosa, e como n'esses livros de pathologia que tantas vezes nos teem passado entre mãos, se sa­crificava a verdade da doutrina ás prcoccupações theoricas que o author pro­

cessava. E quando se deixara d'olhar para as cousas da vida no estado nor­mal ou no anómalo pelo lado illusorio do prisma, por aquelle que nos fas­cina o espirito, apparentando-nos as bellas e variegadas cores do espectro, que deleitam, mas enganam?!

IV

Degenerarem em gordura, transformarem-se em caseium e concreções, pode isto acontecer a certos productos inflammatories do tecido conjunctivo, e ao mesmo tempo effectarem a forma de nodosidades mais ou menos circunscriptas. Verificar-se assim, e anciarem muitos authorespor descobrir idêntica naturesa n'uns e n'outros processos, na inflammação e no tubérculo, era natural ; rasoavel e lógico não sei se também o seria.

Por outro lado havia também quem respondesse ao appelo; a lueta tra-

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vou-se, e ouviu-se o signal d'incitamento para novos trabalhos. Os productos da inílammação e o tubérculo bem caracterisado passarão pelo crysol da comparação, e foram porphyrisados pela perspicácia e engenho dos melhores observadores.

Uns, os que abusaram dos instrumentos d'anatomia, do microscópio e dos reagentes, bradaram:—productos da inílammação e tubérculo é tudo o mesmo.— Não;—disseram os Pontífices da sciencia, — acolá segmenta-se a cellula logo depois do desdobrar do núcleo primitivo, e aqui é só depois da agglomeração dos pequenos corpúsculos no seu seio.

Acolá apenas se encontram dousnucleolos, quando muito três, em cada cellula, aqui é incommensuravel e indeterminado o numero d'elles. É que uns contentaram-se com ver alvorecer no horisonte a filha de Titan, a pre­cursora do dia, e, como lhe sentiram brilho e luz, chamaram-lhe — sol! !.. Os outros não; esperaram-o no rasto da estrella e viram-no nascer; seguiram-no com a vista até ao seu zenith, e d'ahi até se reclinar brandamente no regaço de Tethys (*) ; ficaram absortos na poesia do crepúsculo, e disseram : —«O sol dos outros era a mensageira, a annunciada do maravilhoso astro.» —Aqui aconteceu o mesmo; no contemplar da evolução dos dons processos, do tubérculo e dos productos phlegmasicos, limitaram-se uns á observação do despontar do trabalho mórbido; viram que em ambos os cazos n'esta primeira phase, na phase inicial, eram os mesmos elementos que soffriam modificações com pouca differença análogas, e julgaram desnecessário se­guir mais alem na investigação para terminantemente decidirem, que o tu­bérculo era um products da inflammação!!!— Mais difficeis de satisfazer, e tendo em muita mais conta a verdade, os outros não se sentiram cançados depois d'estes primeiros ensaios: cada vez ardiam mais em desejos de aca­bar de levantar o veo, de que os primeiros não desenrolaram senão uma das pontas, e seguiram passo a passo o desenvolver do processo. Viram-no nascer, acompanharam-no na sua vida mais ou menos duradoura, e presen-ciáram-lhe a transição para a morte. Aqui tinha acabado a missão dos gran­des observadores, e com ella findaram também os trabalhos d'investigaçâo. Mas isto ainda não era tudo; para que das fadigas passadas se podesse co­lher proveitoso frueto, e auferir ainda que por ventura mingoado interesse, preciso era encetar outras novas. Coordenar os resultados da observação, e aferil-os pelo raciocínio para chegar a uma illaçâo, era a ultima chancella da obra. Assim se fez, e o frueto colhido foi a distineção entre os productos da phlogose e os tumores tuberculosos.

(*) Veja-se o Ensaio mythologico de J. Brocas, em que se mostra que era esta Deusa a esposa do Oceano e não Amphitrite, como outros querem.

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Aquilatemos esses dados da experiência e observação. À hypertrophie da eellula plasmática, e a divisão multiplicada dos cy-

loblastes, são movimentos communs, e annunciadores, quex do processo in-ílammatorio, quer do drama da tuberculisação. As transformações consecu­tivas, a successão das scenas até ao producto final, é que constitue a diffe­rence', e marca a distincção entre uma e outra espécie nosologica. No tra­balho infiammatoi'io a scena primitiva é a segmentação da eellula, e em se­guida a proliferação do núcleo. A geração d'um numero indeterminado de elementos cellulares de variada forma, mas approximando-se mais da es-pherica ou oval, e alojando em si um núcleo volumoso e apparentando um certo brilho, ó o resultado d'estes primeiros movimentos no evolver da in-fiammação. O tecido conjunctivo assim modificado pela acção d'esté traba­lho perdeu a característica de substancia fundamental intercellular, desap-pareceram do seu âmago as myriades de tenuíssimos corpúsculos fusiíormes e estreitados, que o microscópio n'elle enxergava, e fica sendo um conjun-cto de corpos vesiculares, um verdadeiro tecido cellular. Este estado de hy­perplasia que marca o termo da primeira phase do processo inílammatorio, umas vezes, como que estaciona, e na. scena mórbida não se descobre mo­vimento sensível; as actividades vitaes descançam agora do trabalho que até alli tiveram para mais logo proseguirem na obra da destruição ou da reap-ração. E' esta estase, este período de descanço no acto phlegmasico que Virchow denomina—estado dindifferença.—Outras vezes então não ha tre-goas na invasão, o luetar é incessante, e a evolução pathologica chega de­pressa ou cá creação de tecidos novos, ou á destruição do que existia. No primeiro cazo, quando as tendências do trabalho são todas regeneradoras, as metamorphoses da eellula e dos núcleos são benignas, e ahi não ha mais que a substituição de corpúsculos plasmáticos por fibras tenues e elásticas, e muitas vezes mesmo por novos e mais numerosos corpos fusiformes e es-trellados; é uma verdadeira reparação. No segundo já assim não c; o fim do processo não é crear os materiaes do tecido que affecta, muito pelo con­trario dá origem a um elemento de destruição c destroço. Agora já os cor­púsculos conjunctivos não tendem apoz variadas transformações para um re­sultado com que o organismo aproveita, e, continuando a ser influenciados d'um modo para nós estranho e desconhecido, não cessam de se proliferar para ao cabo d'um certo numero de phases gerarem um elemento especial de que a economia anceia por se ver fôrra. Este elemento destruidor, to­xico, e como que o producto da fusão do tecido inflammado, é o pús. Tanto n'um, como n'outro caso; ou o processo termine creando novo tecido, ou acabe gerando o glóbulo purulento, o principio é o mesmo, o prefacio em nada diffère, é sempre a hypertrophia c a hyperplasia dos elementos cel­lulares que inauguram a serie d'aeçoes de que ha de dimanar, já o tecido inodular ou cicatricial, já os glóbulos pyoides fazendo parte do pús.

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Confrontem-se agora os dous morbos, — tubérculo e produelo da in­flammação—procurem-se-lhes os pontos de contacte, e apreciem-se bem as qualidades dilíerenciaes. O acto hypertropbico é sempre o mesmo ou seja o tubérculo que desponte, ou a inílammação que alvoreça; com o segundo tempo já assim não succède, abi já as actividades actuam differentemente conforme o género do producto. Àquellas, a que em sorte coube fabricar tubérculo, estremaram-se das outras logo no principio do movimento hy­perplasia); a proliferação nucleolar foi muito alem, os cytoblastes dividi-ram-se multiplicadamente, accumularam-se no corpúsculo conjunctivo, e a ruptura, ou segmentação, se a ha, d'esté corpúsculo não se faz senão de­pois d'um certo tempo. A hyperplasia na inflammação não segue este pro­gramma no seu caminhar. Como já disse, ao dividir do nucleosegue-se im-mediatamente o segmentar da cellula, que em resultado dá or igem a innu-meraveis vesículas mais ou menos volumosas, affectando as qualidades da cellula plasmática, e que depois de certas metamorphozes passam a ser te­cido permanente, ou degeneraão em liquido purulento. O fim final do tu­bérculo é um elemento pouco considerável em grandesa, ephemero na sua duração, e pobre, muito pobre em princípios aquosos. Elementos de dimen­sões mais dilatadas, manifestando maior actividade na sua vegetação, e mais riquesa de princípios, são os filiados da inílammação. N'esta ha ainda mais que isto; o quadro não se enche só com phenomerios idiopathicos, ha outros concomitantes e que servem para caractérisai' o processo mórbido, por isso que nunca faltam. É dos phenomenos reflexos exercidos pelo estado inflam-matorio sobre o syslema circulatório por meio dos nervos vaso-motores. que quero fallar. Esta acção reflexa, pelo quer que seja motivada, porduz uma espécie d'erelhismo na rede circulatória da sede da inflammação, um alg-mento do calibre dos vasos, e em seguida um afluxo de liquido sanguíneo mais considerável do que no estado normal, e é isto o que constitue a es-tase capilar e a hyperemia. Este phenomeno, que por muitos tem sido con­siderado como a inicial do trabalho mórbido inflammatorio, não é senão se­condare e filiado d'um outro que é uma perturbação na nutrição dos ele­mentos globulares do tecido inflammado. Kuss no 'seu tratado.— De la vas-cularité et de l'inflammation—M o primeiro que dirigio a attenção dos authores para este ponto extremamente inportante.—

Era agora de geito, e não vinha pouco a propósito, para aperfeiçoar a confrontação, analysar o processo da fabricação do pús. Sei que, se o'fises-se, não era mal para o trabalho que levo entre mãos, mas também não

, ignoro que para fazel-o teria de esmiunçar improfícuas e duvidosas theorias sem que a final podesse dizer:—o pus fabrica-se de tal modo.—O producto da suppuração também não ha mister de descrevel-o, e comparal-o na sua composição com a das concreções tuberculosas. Hoje já ninguém se sente

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levado resoavelmentc para as ideias de Cruveilhier e Andral. Como não tinham em que se basear, cahiram, e n'esta sciencia, como em tudo, todos gostam da novidade, e quando a esta lhe cabe a sua vez de envelhecer todos se afastam das ruinas. Á vista d'isto fecharemos o capitulo acrescen­tando os últimos caracteres differenciaes dos dotis estados mórbidos em questão.

O vicio tuberculoso não tem uma acção deslimitada sobre o tecido con-junctivo, isto é, não affecta na totalidade uma porção qualquer da massa connectiva, restringe a sua acção, dando lugar á formação de nódulos que se podem multiplicar indefinidamente por lodo o organismo. É esta tendên­cia para a generalisação, este caracter de generalidade, que muito destin­gue o tubérculo da inllammação que nunca pode affectar esta phisionomia. Effectivamcnte o acto plilegmasico é geralmente diffuso, e, podendo mani-festar-se extensa ou limitadamente, nunca passa o mais das veses alem do marco que as dimenções do órgão estabeleceram. Algumas veses até não é o órgão, são algumas porções d'elle, que limitam o progredir da phlogose. Outras veses então vesse passar o mal dum órgão para outro, que lhe fica­va visinho, e em muitos casos affectar um apparelho inteiro. E seria que houve uma verdadeira transmissão d'orgao para órgão; uma espécie de con­tagio, ou infecção pela maldade d'uma certa aura inflammatoria, ou então foi que em cada um d'elles se deu a causa do sofrimento?... Se tivesse es­colhido a inflammaçâo para assumpto do meu trabalho desenvolveria este assim como muitos outros pontos que ainda hoje muito se questionão. Por agora limitar-me-hei ao ponto que me namorou, e que para fallar com fran-qíesa já vai perdendo d'affeieçào. É que eu d'antes ideialisava-o, mas de­pois que peguei na penna materialisou-se o meu idolo, e íiquei a sympathi-sar menos com elle. Ja agora hade ir até ao fim; já que viu a luz não ha­de morrer senão depois de desenvolvido. A prova d'isto que disse está n'esta digressão em que, sem sentir, me ia deixando correr atraz da penna.

VII

Haverá differença real entre o vicio tuberculoso e a affecção escrofu­losa? Tem havido gente para tudo. Nem todos se deixaram seduzir pelos sectários da inflammaçâo, nem também á carga serrada foram perfilhar as ideias modernas sobre tuberculisação. Ficaram ainda alguns fora d'um e d'outro campo, adorando um outro idolo, evangelisando outras doutrinas. A alporca era o falso idolo, e a doutrina evangelisada eram as ideias heréticas, de que, ainda mal, se deixaram compenetrar os catechisadores, que, apoz

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as primeiras gottas aspiradas na pura e límpida fonte ái observação, senti­ram refrigério e allivio na sua sede de saber.

Este estado mórbido constitucional em que especialmente se acbam af-fectados os ganglios e vasos lymphaticos, assim como os líquidos que os imbebem e precorrem; esta doença, que os antigos já observaram e conhe­ceram,tem sido considerada áluz dasciencia moderna, como a manifestação d'affecçào tuberculosa no systema ganglionar lymphatico. Assim como todas aquellas, que dependem d'uma modificação geral do organismo, e em cuja pathogenesis reina o horror das trevas que nos occultam a sua causa, esta moléstia tem desde a primeva idade da Medicina, desde as eras do Patriar-cha de sciencia, do velho de Cós, soffrido a sorte das revoluções da arte de curar, e das theorias que n'ella teem apparecido. As ideias humoristas voga­ram afamadas entre os medicos dos primeiros tempes, e a existência d'um fermento, gérmen, virus, ou o quer que fosse vicioso, que alterava os hu­mores, era ponto para elles d'arraigada crença. Era assim que Hippocrates e Galeno explicavam o escrofulismo. A pituita alterada adquirira insólita e descommunal densidade, e depositando-se sobre os ganglios, como que os suffocára, e dera em resultado a alporca. Depois, muito depois d'alvorece-rem estas ideias, appareceram grandes vultos scientifieos que as adoptaram e apregoaram como verdadeiras. Os mais esforçados misssionarios de doutri­na de Cós a respeito das escrófulas foram—Pareu, Duret, Sanctorius, Mead, Bordeu, Peyrilhe, etc, D'ahi por diante apparecia de tempos em tempos nos templos da sciencia um novo arauto annunciando o descobrimento do acido d'Ettmuler e Hunter, que segundo Baumes era o pbosphorico; ou o vicio es­pecifico de Benard, ou ainda a transformação varioloide de Dehaen, para explicar o processo mórbido gerador da escrófula.

Até aqui os líquidos representando o papel de protagonista do drama; agora trocaram-se as scenas, e os sólidos vieram supplantar o humorismo. Soemmering apresentava a asthenia dos vasos e ganglios lymphaticos, como o verdadeiro fundo mórbido da doença, e Bichat, Pinei, Richerand e Caba­nis, apoiaram a ideia, e encarregaram-se de a generalisar. E generalisou-se até ao tempo em que Lepelletier protestou por uma reforma que levou ao cabo, attribuindo o morbo escrufuloso a um desarranjo no processo da nu­trição, a uma falta d'elaboraçao vital, carência de animalisação, á um ver­dadeiro esliolamenlo dos tecidos orgânicos. A escola physiologica veio depois affirmar perante o concilio dos sábios, que a affecção escrofulosa era o re­sultado da irritação exercida por variadas causas estimulantes sobre o sys­tema lymphatico, e que devia ser considerada como uma pura sub-in-flammacão. O depoimento de Girtanner, que era o representante d'esta es-»

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cola, encontrou nujaerosos adeptos, e n'alguns authorisados livros da scien­cia, ainda hoje se professa esta doutrina. Mais modernamente amalgamoii­se o tubérculo com a escrófula, e fez­se d'eslas moléstias uma única espécie nosologica — tuberculose.— Vejamos agora até onde ha rasão para pensar assim; sujeitemos esta asserção dos innovadores á acção dos reagentes da physiologia e anatomia pathologicas.

Os tumores escrofulosos que pela sua forma especialmente tecni sido denominados tubérculos pelos authores, ou sejam filhos d'uma irritação de­terminada nos tecidos cm que se distribuem os vasos que dos ganglios ema­nam, ou estejam ligados a um estado geral diathesico, consistem sempre no augmenta de volume, e multiplicação dos elementos da glândula affectada. Tanto n'uni como n'outro caso se despertou um trabalho particular nos ele­mentos cellulaires dos folliculos, e de que resultou uma accumulação de vo­lumosas cellulas, contendo geralmente um núcleo, e algumas vezes um nu­mero indeterminado d'elles. D'esté trabalho hyperplastico, d'esté enxamear dos alvéolos do ganglio pelos elementos cellulares multiplicados, resulta o augmente de volume, a hypertrophia da glândula. Umas vezes as cellulas, abundantemente produzidas por um movimento d'endogenesis, affeclam a for­ma de glóbulos brancos, entram na torrente circulatória, misturam­se com o sangue, e constituem o estado denominado — leucocytose—\ior Yirchow. Outras vezes então, ou porque o trabalho mórbido occupe agora um estádio já muito adiantado, ou porque condições e circumstancias especiaes a elle se vieram juntar, os elementos proliferados não seguem a direcção dos ca­canaes sanguíneos, e suecessivamente se vão depositando no interior dos folliculos. Então, estes adquirem dimensões consideráveis, o seu volume augmenta cm extremo, e apparece o que em pathologia se chama — engor-gilamento ganglionar hjmphatico ■—'A explicação d'esté deposito apenas se pode aventurar, porque nada se tem podido colher da observação para di­zer ao certo, como as cousas se passam. Foi talvez a propagação d'aeçao mórbida até aos prolongamentos cellulares que encrusam os vasos efferen­tes, que deu em resultado o augmento d'espessura n'estes, e em seguida a compressão e obstrucção das divisões alveolares da glândula.

Mas seja como for, ou seja este o mechanismo d'esta parte do trabalho mórbido, ou outro qualquer que nós ainda não conhecemos, o que a obser­vação mostra sem n'isso haver duvida, quando se abre um ganglio engor­gitado, é a ampliação dos folliculos, a immensidade de cellulas n'elles con­tidas, e a proliferação d'innumeras outras. Às funeções da glândula perdem­se d'aqui por diante; as cellulas dos folliculos não são já elementos physio­logicos, constituem um produeto mórbido, e não tardará muito o momento em que se annuncie a sua mortificação e o principio da degeneração retro­

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grada, resultado da anullação da vida n'esta porção do todo organisado. A-pôz esta phase, novas desordens vêem embarulhar o campo da lacta mór­bida, e muitas vezes mesmo estender a assolação a tecidos que até alli se achavam a coberto d'ella.

Apparece a suppuração, forma-se um abscesso, e o produeto dos alvéolos ganglionares corre para o exterior, transformado em pús. Estas desordens, comtudo, não apparecem sempre, e quando se manifestam é depois d'um certo tempo, muitas vezes longo, em que o trabalho mórbido se conservou estacionário, e como que solapado. O mais ordinário é o conteúdo dos fol-heulos soffrer as metamorphoses porque tem de passar toda a substancia orgânica abandonada no meio dos tecidos, isto é, a transformação caseioza. Eílectua-se então a reabsorpção dos princípios aquosos, o isolamento d'uma substancia gordurosa, o seu concretamente e a final a combinação d'ella com sacs diversos, e patentea-se o estado cazeioso. É esta terminação da doen­ça, assim como a forma cinunscripta que a materia caseiosa a'ffecta no in­terior dos alvéolos, que tem feito confundir as escrófulas com o tubérculo. E effectivamente, comparando-se a evolução d'uni e doutro processo mór­bido, acha-se realmente alguma similhança, mas só por isto poderemos nós por ventura concluir que as alporcas dependem e estão ligadas á diathese tuberculosa?...

De certo que não. A differença no desabrochar d'uma e d'outra doen­ça, assim como no seu desenvolvimento até murcharem, é notável e clara para nos tirar d'esta duvida; e se assim mesmo ainda vacillarmos na reso­lução que devemos tomar, outras circumstancias se poderiam trazer a lume para nos guiarem pelo verdadeiro caminho. Estas circumstancias são as que todos os dias se notam nos individaos affectado das alporcas. «efiro-me a estados mórbidos concomitantes com os escrófulas nas membranas mucosas e na pelle, cm que se destribuem multiplicadissimas ramilicacões do sv«te-ma lymphatico.

Effectivamente, quando a vista do pratico cahe sobre um individuo con-demnado a esta affecção, que ve elle? Os lábios engorgitados e greta­dos; os dentes careados, as gengivas fungosas. Mas o quadro não se limita só a isto; se a analyse penetra nas cavidades vê-se a mucosa boccal affecta-da, a da pharyngé e dos olhos inflammada, estes remelosos, corysas chroni-cas, crostas no naris, bronchites refractárias a todo o tratamento", corrimen­tos leucorrhoicos e blennorrhagicos ; dyspepsias, diarrheas, dermatoses de todas as especias, etc, etc.

xMais cedo ou mais tarde em seguida a este cortejo de symptomas da **

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aífeccão vê-se o apparociraento d'ella cora todos os horrores de que se cos­tuma" revestir. É assim que os ganglios reflectem o estado alterado da nu­trição das superficies cutâneas em que se destribuem. Com isto, todavia, não quero eu dizer, que estes órgãos não se possam affectar primitivamen­te. O que affirmo, fundado na aucthoridade dos aulhores, é que na maioria dos casos é esta affecção filha de lesões das superfícies epithéliaes, cuja nu­trição se alterou.

VIII

Eix a ultima parte do trabalho, aquella que apparentemente se julgaria a mais fácil por ser uma conclusão indusida do que nos precedentes capitu­las com mais ou menos proficiência se expendeu. E com tudo, não aconte­ce assiní; porque, dedicando um capitulo á naturesa do tubérculo, de modo algum pretendemos marcar-lb'a definitivamente, por nenhuma arte lhe que­remos assignar a essência. Faremos ponto d'apoio na authoridade dos mais acreditados escriptos sobre o assumpto, diremos o que nos parece, e, ma­nifestando as nossas crenças, diremos cm que as baseamos.

Confesso que me sedusiram as ideias modernas, e que o livro de Vir-chow é, e será para mim uma preciosidade, E não digam que ha alli belle-sas d'estylo que fascinam, e enganam os espíritos menos cautos c mal acos­tumados'ás subtilesas dos que, sabendo pouco, se querem fazer passar por grandes pensadores. O que fascina alli, e attrahe, é a concordância da dou­trina com a rasão do que attenta e despreoceupadamente a peza, pondo d'iim lado o que aprendera de physiologia, e do outro o que a anatomia mórbida lhe ensina. Assim o liz, pareceu-mc que a doutrina era boa, e communguci aquellas ideias; se me enganei, ainda mal para mim, que foi tempo baldo o que gastei em folhear volumosos tractados, e esmiunçar fasti­diosos lheorias. Acostumei-me a ver no tubérculo o resultado d'uni desman­do das leis e condições, que a vida prescreve á formação orgânica, e não posso obstinadamente negar a este produclo as garantias da organisação, e muito me peza vêr que os outros lh'a neguem. Foi assim dominado por es­tas ideias, que ma alistei nas fileiras dos modernos observadores, não para (ompetir com elles nos meios d'observar, mas para, como recruta sua, pre­senciar do lado o que descobriam, e aprender com elles. E algumas vezes ainda fui mais alem, porque me aventurei a pegar no microscópio, pre-

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parar uma porção de materia tuberculosa, e dirigir para o tubérculo nas­

cente o foco do instrumento. E que presenciei; e que vi eu pelo microscópio? O que diz Yillemin, Virchow e outros; vi o verdadeiro producto tuber­

culoso, e não as massas caseiozas, que essas já o não são, e só podem con­sidérasse, como transformações realisadas depois da sua morte. E', pois, «ntre os dous limites, do nascimento e da morte da doença, da origem e do amollecimento, que se deve construir o campo para as manobras da nos­sa observação, quando houvermos desejos d'alguma cousa saber do processo mórbido em questão. Se assim se tivera feito, se não se tivesse tomado a nuvem por Juno, não se diria que o tubérculo é uma substancia amorpha, que nã« é um producto orgânico, porque ahi se não encontram signaes de ■vascularisação. Assim será; mas antes d'assentir decedidamente a estes re­sultados da* antigua experiência, careço de que do espirito se me varram as duvidas que o olfuscam e obscurecem. Ponha­se d'um lado a experiência e a observação dos tempos que já são passados, e do outro carregue­se a ba­lança com" o producto dos trabalhos modernos, e veremos para onde pende o fiel. E nem são precisos extremos de sensibilidade no instrumento para reconhecer a differença, que aliás depressa se distingue, por não ser de pouca monta.

Quando nas alterações quantitativas do sangue se via o foco d'onde partiam estas pseudo­organisações, como então se chamavam, numerosas e pacientes investigações se fizeram, julgando­sa descobrir no fim d'ellas o segredo d'esta, e d'immensas outras questões de pathologia. Tudo se fazia depender d'uma desproporção dos elementos do liquido da vida; albumina de mais ou de menos, pouca ou muita fibrina, e glóbulos e saes em exces­so ou defeito, uma ou muitas d'estas cousas, explicava as causas essenciaes do grande numero das affecções dyscrasicas. A final veio o desengano, e os humoristas soffreram a decepção de reconhecer que andaram até alli il­ludidos, porque viram, quando já não podiam deixar de vêr, que em muitos estados normaes da vida se notavam estas mesmas desproporções!! Isto era pouco ainda para desarraigar raizes tão profundas, como as que no espirito d'estes systematicos tinha estendido a doutrina dos humores.

Viram quebrado o fio que os guiava no meio d'aquelle labyrinthe, mas animo não lhes faltou, e ás, apalpadellas quizeram achar meios de chegar até ao fim. Se as alterações quantitativas lhes tinham sido infiéis, as de qualidade não o seriam, e, como o naufrago que se apega a tudo que vô, até mesmo, á propria morte, para chegar á praia, assim se apegaram elles á differença na qualidade dos elementos constituintes do sangue, como a u­nica tahoa de salvação naquelle mar encapellado do seu systema.

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Foi segunda e mais terrível decepção, porque quando já viam peto os rochedos solitários da praia hospitaleira, esmagou­os o impulso da vaga contra o insidioso escolho, escondido na horda do oceano. Imaginadas im­mensas e variadas alterações qualitativas, seguia­se o serem julgadas pela experiência, e elles, abrindo as veias dos dyscrasieos, encheram o seu ca­dinho de sangue que acreditavam estar alterado, e como que já viam rea­lisados os seus sonhos. Infelizmente nunca poderam dar um passo, porque ignoravam, como nós ainda hoje, a verdadeira composição do liquido que analysavam. Assim se foi desvanecendo a doutrina humorista, e com ella caducando as suas bellas e fascinadoras theorias sobre a origem e natureza do tubérculo. Hoje encontram n'elle substancias orgânicas, fazendo parte da sua extruetura, e nega­se­lhe organisação; ve­se desenvolver por um traba­lho, ou de proliferação ou d'endogenesis, e chama­se­lhe substancia amor­pha!L Se não ha organisação no tubérculo, como se formou ahi a gordura que é um produeto orgânico?!

Mas não é preciso recorrer á ultima instancia; analjsemos como a mo­léstia se desenvolve, e a conclusão será fácil. ■—«Os nódulos tuberculosos são o resultado d'uma proliferação d'eknicnlos cellulares preexistentes; for­mam­se­pela agglomeiaçâo de núcleos, ou de pequenas cellulas encostadas, ou quasi colladas aos seus corpúsculos nucleolares; são produzidos pelos cor­púsculos conjunctives, ou cellulas plasmáticas.»

Eis o que se conclue.

Similhança entre este produeto mórbido e outros mais, que aflligem a humanidade, não a nego eu, porque também a não negam muitos authores de pezo, e a que muita consideração eu ligo em negócios de doenças para não ir conforme com elles, e seguir o mesmo caminho na boa camaradagem que me offerecem. Aos outros também aítenderia, se me dissesse a cons­ciência que elles, antes de prepararem tudo para a experiência, e terem escolhido o roteiro que haviam de seguir, não tinham já decidido entre si o que haviam de vôr e encontrar.

E quantas vezes se fizeram experiências antomo­palhologicas sobre ma­téria que não era tuberculosa?...

Quantas vezes, querendo­se estabelecer relação entre o tubérculo e a alporca, se comparava a escrófula com a escrófula?...

EÍTectivamente, essa materia, que o génio da experiência ia tirar d'um pulmão agora exhausto de vida, mas que antes da mortífera exhaustão fora doente de pretendidos tubérculos, não era senão uma massa de núcleos tu­berculiformes, que se geravam debaixo da influencia d'outros trabalhos mor­

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bidos. A tuberculose nem sequer se disposera para o ataque n'esses in­divíduos, que feneceram por lhe faltar um órgão, que lhes levasse o ar ao sangue. O caminho que o ár estava de posse seguir para chegar até ao pabulum vitce, ao sangue, atravancára-se com os productos de adenites e pneumonias vesiculares e catarrhosas, sem em alguns pontos haver res­quício por onde subtil se escapar. Quando se abria um thorax, que abriga­va um pulmão assim, viam-se os olhos do experimentador cobrir com um véo de tristesa e dó, e nos seus lábios até alli estáticos percebia-se um mo­vimento em que se tradusiam as palavras — pthisica tuberculosa!!!...

E nos ângulos abobadados da casa das disseções ouvia-se muitas vezes o echo d'estas palavras fataes, e o microscópio vinha depois confirmal-as, ao mesmo tempo que engrandecer a perspicácia e — lacto anolomo-pathologico — do observador ! !..

Era assim que d'antes se observava, e não admira que nos livros se encontre a cada passo um labyrintho inextricável de diatheses que a má ob­servação confundiu. Felismente, porem, ergueu-se radiante de luz o sublime génio de sciencia, e vem mostrar, pelo caminho da boa experiência, muitas verdades que jasiam envolvidas nas vestes imperfeitas d'obsoleta obser­vação.

O dever que lodos temos de ser úteis á humanidade, que soffre a in­fluencia d'incommodas moléstias, é para o philosopho um praser inexprimí­vel, mas para nós, que somos os Sacerdotes d'Hygia, é mais que isso, é uma obrigação. Por isso, não desanimar no meio do trabalho ; caminhemos cheios de vontade e intrepidez pelos paizes virgens da sciencia para lhe explorar-inos as riquezas, porque é assim, engrandecendo a sciencia, que satisfaremos os deveres, que. como Medicos, temos a comprir com os nossos semelhantes,

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PROPOSIÇÕES

Operações

0 catheterismo forçado deve sempre preceder a punctura da bexiga.

Hygiene

Os casamentos especulativos são factos, que repugnam aos princípios da boa hygiene, e da moral.

Therapeutica

Os casos fataes da applicação do chloroformio provam, menos a ma­lignidade da substancia, do que a imperícia e mau methodo no modo de o applicar.

Patlioïogia externa

Não ha signaes pathognomonics pelos quaes se possa distinguir a blen-norrhagia syphilitica da que o não é.

Historia da Medicina

Os que marcam para a infância da Medicina uma epocha anterior a Hippocrates, não são cohérentes com a historia.

Obstetrícia

O puerperio favorece o contagio e a infecção.

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VISTO. PÔDE IMPRIMIB-SE

"TfldO^eitch 3e vJQ/VtOA Por*0 8 de Julho de 1864 Presidente, €U/toi*io %UUMA líbtaaa,

servindo de Director. 8