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1 O TRÁFICO DE ESCRAVOS NA COLÔNIA DO SACRAMENTO Paulo César Possamai As referências à presença de escravos negros na Colônia do Sacramento, estabelecimento implantando pelos portugueses na margem norte do Rio da Prata em 1680, são muitas. Infelizmente, contamos com pouquíssimas notícias sobre o intenso tráfico de escravos entre Colônia e Buenos Aires, pois o mesmo tratava-se de contrabando e, portanto, evitou-se deixar registros escritos sobre o mesmo. As poucas fontes de que dispomos a esse respeito, na maioria das vezes, referem-se às capturas de feitas pelos espanhóis entre os cativos dos portugueses. Além de servir como mercadoria no tráfico, os africanos e crioulos desempenharam um importante papel como mão-de-obra em diversas atividades na Colônia do Sacramento, entre as quais se destacava a agricultura e a caça ao gado selvagem. Porém, mais uma vez, as fontes fazem poucas referências diretas ao trabalho dos escravos, já que somente tomamos conhecimento da sua presença através dos relatos das investidas dos espanhóis contra as quintas que rodeavam Sacramento. Junto a seus senhores portugueses, os escravos sofriam os riscos decorrentes das incursões espanholas, especialmente por ocasião das idas à campanha para a extração de couros, a mais importante atividade econômica da região depois do contrabando. Mas, se os cativos viviam numa área onde o medo de um ataque inimigo constituía-se numa preocupação cotidiana, um conflito hispano-português podia ser a desejada ocasião de fuga, caso fosse possível aproveitar a confusão do momento. A maior parte das fontes que dispomos para o estudo do tráfico de escravos na Colônia do Sacramento está no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, Portugal, acessíveis em CD-ROOM Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de História e do PPGH da Universidade Federal de Pelotas. Este artigo sintetiza partes da minha tese de doutorado, publicada em 2006 pela Editora Livros do Brasil, de Lisboa, com o nome: A vida quotidiana na Colónia do Sacramento, e conta com acréscimos resultados de pesquisas posteriores à defesa da tese e a sua publicação. [email protected]

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O TRÁFICO DE ESCRAVOS NA COLÔNIA DO SACRAMENTO

Paulo César Possamai

As referências à presença de escravos negros na Colônia do Sacramento, estabelecimento

implantando pelos portugueses na margem norte do Rio da Prata em 1680, são muitas. Infelizmente,

contamos com pouquíssimas notícias sobre o intenso tráfico de escravos entre Colônia e Buenos

Aires, pois o mesmo tratava-se de contrabando e, portanto, evitou-se deixar registros escritos sobre

o mesmo. As poucas fontes de que dispomos a esse respeito, na maioria das vezes, referem-se às

capturas de feitas pelos espanhóis entre os cativos dos portugueses.

Além de servir como mercadoria no tráfico, os africanos e crioulos desempenharam um

importante papel como mão-de-obra em diversas atividades na Colônia do Sacramento, entre as

quais se destacava a agricultura e a caça ao gado selvagem. Porém, mais uma vez, as fontes fazem

poucas referências diretas ao trabalho dos escravos, já que somente tomamos conhecimento da sua

presença através dos relatos das investidas dos espanhóis contra as quintas que rodeavam

Sacramento.

Junto a seus senhores portugueses, os escravos sofriam os riscos decorrentes das incursões

espanholas, especialmente por ocasião das idas à campanha para a extração de couros, a mais

importante atividade econômica da região depois do contrabando. Mas, se os cativos viviam numa

área onde o medo de um ataque inimigo constituía-se numa preocupação cotidiana, um conflito

hispano-português podia ser a desejada ocasião de fuga, caso fosse possível aproveitar a confusão

do momento.

A maior parte das fontes que dispomos para o estudo do tráfico de escravos na Colônia do

Sacramento está no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, Portugal, acessíveis em CD-ROOM

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de História e do PPGH da

Universidade Federal de Pelotas. Este artigo sintetiza partes da minha tese de doutorado, publicada em 2006 pela Editora Livros do Brasil, de Lisboa, com o nome: A vida quotidiana na Colónia do Sacramento, e conta com acréscimos resultados de pesquisas posteriores à defesa da tese e a sua publicação. [email protected]

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do “Projeto Resgate Barão do Rio Branco”. Também pesquisamos fontes impressas nos Anais da

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, nas revistas do IHGB, do IHGRS e em documentos do

Archivo General de La Nación, de Buenos Aires, organizados e publicados por Carlos Correa Luna.

Na documentação analisada, conjuntamente com a bibliografia consultada, buscaremos

compreender como se dava o comércio de escravos entre os súditos de Espanha e Portugal no Rio

da Prata durante o século XVIII, suas implicações para a economia regional, a problemática do

contrabando numa zona em disputa entre duas monarquias rivais, os usos locais da mão-de-obra

escrava e as possibilidades e tentativas de escapar ao cativeiro.

O comércio com Buenos Aires

A fundação da Colônia do Sacramento na margem norte do Rio da Prata buscava atender

interesses de comerciantes do Rio de Janeiro, interessados na retomada do intenso comércio com

Buenos Aires na época da União Ibérica, assim como da Coroa, que desejava expandir seus

domínios até o Rio da Prata. Os principais elementos responsáveis pelo desenvolvimento da rede

contrabandista na região platina eram os portugueses. A relativa proximidade do Prata com os

portos brasileiros e a facilidade da obtenção de escravos em suas feitorias na África eram os

principais fatores da preponderância comercial dos luso-brasileiros em Buenos Aires durante a

União Ibérica.1

No Rio da Prata, a economia baseava-se primordialmente na pecuária, atividade que

necessitava de pouca mão-de-obra. Estudos recentes nos mostram que o trabalho escravo também

foi usado na pecuária, mas a documentação nos indica que foi preferencialmente utilizado em

trabalhos especializados, como artífices, capatazes, cocheiros e em vários serviços domésticos.2 O

jesuíta Gaetano Cattaneo escrevia, em 1730, que, em Buenos Aires, os negros faziam os serviços

domésticos, trabalhavam nos campos e em outras atividades. Acrescentava ainda que se não

houvesse tantos escravos, não se poderia viver nas cidades da região platina, pois, por mais pobres

1 Consultar: CANABRAVA, Alice Piffer. O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1984. 2 VILLALOBOS, Sergio R. Comércio y Contrabando en el Río de la Plata y Chile. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1965, pp. 32.

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que fossem, os espanhóis negavam-se a trabalhar, enquanto que raros eram os índios que se

sujeitavam à encomienda ou ao trabalho remunerado.3

Para além da própria cidade, o porto de Buenos Aires também abastecia de escravos um

vasto território que compreendia as províncias do interior da atual República Argentina, o Chile, o

Paraguai e, principalmente, as regiões mineiras do Alto Peru, na atual Bolívia. Essa conjunção de

fatores tornou Buenos Aires um local muito atraente para os traficantes de escravos negros.

Já em 1680, na expedição que fundou a fortaleza do Santíssimo Sacramento, os portugueses

levaram escravos destinados ao comércio, pois, segundo depoimento de um soldado espanhol, o

filho do capitão de um navio português ofereceu-lhe dezesseis ou dezessete negros, enquanto que o

capelão do mesmo navio queria vender-lhe seis ou oito escravos além de outras mercadorias. Um

piloto português que o mesmo conheceu em Buenos Aires disse-lhe ainda que “trazia seis moleques

para vender”.4

Alguns anos depois, numa carta datada de 1691, o governador D. Francisco Naper de

Lencastre relatava que o número de escravos diminuíra sensivelmente em Colônia devido à venda

de muitos deles em Buenos Aires, comércio que ultrapassava a quantia de vinte mil pesos.5

Pensamos que o principal método de executar o tráfico de escravos com os domínios espanhóis era

exatamente o motivo da queixa do governador, uma vez que muitos dos escravos vindos como

propriedades dos donos que se deslocavam para a Colônia do Sacramento eram vendidos aos

castelhanos na primeira oportunidade. Outra estratégia que alimentou o tráfico foi o apresamento

dos escravos dos lusos durante as freqüentes batalhas que portugueses e espanhóis travaram pelo

domínio do território de Colônia. Porém desta maneira, evidentemente, o lucro era somente dos

súditos da coroa espanhola.

Segundo Guilhermino César, nem mesmo a obtenção, pelos ingleses, do contrato de asiento,

que lhes delegou o monopólio do comércio de negros na América espanhola depois do Tratado de

3 Carta do padre Gaetano Cattaneo ao seu irmão. Redução de Santa Maria, 20 de abril de 1730, in: MURATORI, Lodovico A. Il Cristianesimo Felice nelle Missioni de’ Padri della Compagnia di Gesù nel Paraguai. Venezia, 1743, p. 171. 4 Declaração do soldado Fernando Antonio de la Fuente. Buenos Aires, 11 de fevereiro de 1680, in: Campaña del Brasil – Antecedentes Coloniales. Buenos Aires: Archivo General de la Nación, 1931, tomo 1 (1535-1749), p. 134. 5 Carta do governador D. Francisco Naper de Lencastre ao rei. Colônia do Sacramento, 06 de dezembro de 1691, in: AZAROLA GIL. Luis Enrique. La Epopeya de Manuel Lobo. Madrid: Compañía Ibero-americana de Publicaciones, 1931, pp. 201-204.

4

Utrecht, conteve o tráfico de escravos efetuado através de Sacramento.6 Apesar dos diretores do

contrato pedirem ao governador de Buenos Aires que publicasse um bando ordenando a captura dos

escravos contrabandeados pelos portugueses7 o comércio ilícito dificilmente era combatido com

eficácia. Mesmo porque muitas vezes as autoridades encarregadas de impedi-lo eram coniventes

com ele.

Uma das poucas referências que temos sobre o número de escravos contrabandeados data do

tempo em que o brigadeiro José da Silva Pais ocupou o cargo de governador interino da Colônia do

Sacramento (de primeiro de junho de 1744 a 31 de maio de 1745), quando o mesmo introduziu uma

taxa de sete mil e quinhentos réis para cada escravo vendido aos espanhóis. O tráfico então foi

bastante intenso, pois, em dezembro de 1745, a taxa já havia rendido à Fazenda Real a quantia de

três contos e duzentos e sessenta e dois mil e quinhentos réis, valores que revelam a venda de 435

escravos, de meados de 1744 ao fim do ano seguinte.8

Em 1746, o governador Antônio Pedro Vasconcelos pediu ao rei se deveria continuar a

cobrar a taxa sobre o comércio de escravos, dizendo que “a mim, sem embargo de me parecer que é

só do direito real semelhantes impostos, também não me pareceu, quando tornei a prosseguir no

governo, alterar esta novidade”.9 Alegava que, sabendo que teria que desembolsar dez pesos por

cada escravo adquirido, o comprador espanhol conseguia rebaixar o preço, com prejuízo dos

vendedores. O Conselho Ultramarino respondeu que tal tributo não poderia ser cobrado sem a

expressa ordem do monarca e que, portanto não deveria continuar a ser exigido.

Fabrício Prado viu na atuação do governador Antônio Pedro de Vasconcelos uma ligação

com as atividades de Manuel Pereira do Lago, que chegou a Sacramento em princípios da década de

1720 com o ofício de cirurgião, mas que em 1730 comerciava couros para o Reino e no ano

seguinte obteve o posto de almoxarife e tesoureiro da alfândega da Colônia do Sacramento com o

respaldo do governador. Em 1731, tornou-se por indicação do mesmo capitão de ordenanças e, em

6 CESAR, Guilhermino. O Contrabando no Sul do Brasil. Caxias do Sul: UCS; Porto Alegre: EST, 1978, pp. 19-21. 7 STUDER, Elena F. S. La Trata de Negros en el Río de la Plata. Buenos Aires: Libros de Hispanoamérica, 1984, p. 226. 8 PIAZZA, Walter F. O Brigadeiro José da Silva Paes, estruturador do Brasil Meridional. Florianópolis: UFSC, 1988, p. 106. 9 Carta do governador Antônio Pedro de Vasconcelos ao rei. Colônia, 18 de junho de 1746,

AHU_ACL_CU_012, C. 4, D. 409.

5

1747 obteve segunda nomeação para o cargo de almoxarife e tesoureiro da alfândega. No mesmo

ano, Manuel Pereira do Lago obteve permissão para o envio, pelo Rio de janeiro, de uma

embarcação sua à África para trazer escravos.10

Como o comércio com os espanhóis era ilegal, temos poucas referências sobre a entrada de

negros na Colônia do Sacramento. Entretanto, alguns registros podem nos dar uma idéia do tráfico.

Em 1746, na estância de Marcos Velasco, em Canelones, nas proximidades de Montevidéu,

foram presos dois escravos trazidos do Rio Grande de São Pedro pelo irmão do estancieiro. Ele

pretendia trocar o escravo por cavalos e a escrava por prata.11

Em 1755 uma corveta portuguesa

encalhou num banco de areia no Rio da Prata. Salvou-se a tripulação abandonando no navio 27

negros.12

Um anônimo espanhol escreveu em 1766 que “a média de negros introduzidos a partir da

Colônia do Sacramento nunca era inferior a 600”.13

O confisco dos escravos dos inimigos

Em 1722, a população escrava de Colônia era de 204 homens e 90 mulheres;14

em 1726,

atingia o número total de 38715

que, em 1730, subiu para 687.16

O aumento do número de escravos

no decorrer dos anos relacionava-se com o constante desenvolvimento agrícola, pecuário e

comercial da Colônia do Sacramento.

10 PRADO, Fabrício. Colônia do Sacramento: O Extremo Sul da América portuguesa. Porto Alegre: F. P. Prado, 2002, pp. 179-181. 11 BETANCUR, Arturo Ariel. Contrabando y Contrabandistas. Montevideo: Arca, 2008, p. 83. 12 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento (1680-1777). Porto Alegre. Globo, 1937, Vol. 1, p. 372. 13 SANTOS, Corcino Medeiro dos. Negros e tabaco nas relações hispano-lusitanas do Rio da Prata. Actas do Congresso Internacional “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades”. Lisboa, 2 a 5 de novembro de 2005. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/corcino_medeiros_santos.pdf Acesso em 18 de maio de 2010. 14 Carta do governador Antônio Pedro de Vasconcelos ao rei. Colônia, 31 de outubro de 1722.

AHU_ACL_CU_012, Cx. 1, D. 86.

15 Carta do governador Antônio Pedro de Vasconcelos ao rei. Colônia, 13 de maior de 1726. AHU_ACL_CU_012, Cx. 2, D. 165. 16 Carta do governador Antônio Pedro de Vasconcelos ao rei. Colônia, 05 de abril de 1730. AHU_ACL_CU_012, Cx. 2, D. 220.

6

O considerável número de escravos sob o domínio dos portugueses deve ter atiçado a cobiça

dos vizinhos espanhóis, especialmente daqueles que não tinham condições de comprá-los, mas,

podiam adquiri-los através do saque ao inimigo.

Nos freqüentes ataques espanhóis às expedições portuguesas que se afastavam de Colônia, a

fim de caçar o gado selvagem, muitos cativos foram confiscados junto com couros e as carretas que

os transportavam.

Segundo o cronista Simão Pereira de Sá, nos primeiros tempos da administração de Antônio

Pedro de Vasconcelos, governou a Colônia do Sacramento de 1722 a 1749, um alferes e dez

soldados espanhóis capturaram sete carretas e quatorze escravos de propriedade de Cristóvão

Pereira de Abreu, um sertanista com grande interesse em comerciar o gado da região platina em

Minas Gerais, tanto que obteve autorização para levar a primeira leva de gado por terra de

Sacramento até a região mineira.17

No decorrer do ataque, alguns negros escaparam e, chegando a

Colônia, deram notícia do ocorrido ao seu senhor, este partiu no encalço dos espanhóis com oito

homens, conseguindo reaver seus bens após pôr em fuga os inimigos.18

Em 1726, o governador Antônio Pedro de Vasconcelos mandou uma escolta para impedir

que os espanhóis atacassem um comboio de quarenta carretas que foram matar gado e retirar couros

na campanha, “por irem os ditos carros com bastante número de escravos”.19

No ano seguinte, os

espanhóis tomaram aos portugueses treze carretas carregadas de couros, sendo que o governador de

Buenos Aires somente restituiu os sete negros que as guiavam.20

Quando, porém, a mesma situação

voltou a repetir-se em 1733, com o confisco de setenta carretas carregadas de couro, o governador

não procedeu à devolução dos escravos.21

A atitude das autoridades espanholas variava conforme o momento político, passando da

cooperação, quando as duas Coroas estavam em harmonia, para a negação de qualquer pedido,

quando as relações luso-espanholas eram marcadas pela tensão, cuja origem podia encontrar-se na

política da metrópole ou mesmo na salvaguarda dos interesses dos habitantes de Buenos Aires.

17 Sobre o papel de Cristovão Pereira de Abreu na comercialização do gado platino, consultar: POSSAMAI, Paulo. A Vida Quotidiana na Colónia do Sacramento. Lisboa: Livros do Brasil, 2006, pp. 153-155 18 SÁ, Simão Pereira de. História Topográfica e Bélica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata [1737]. Porto Alegre: Arcano 17, 1993, p. 57. 19 Requerimento do alferes Brás dos Santos Alves ao rei. AHU_ACL_CU_012, Cx. 4, D. 367. 20 Consulta do Conselho Ultramarino de 07 de fevereiro de 1728. IHGB, Arq. 1.1.26, f. 41. 21 Consulta do Conselho Ultramarino de 05 de setembro de 1733. IHGB, Arq. 1.1.26, ff. 195-195v.

7

Provavelmente por causa de tantos perigos, os portugueses fizessem grande uso de mão-de-

obra escrava na extração dos couros, o que também é sinal de que esse era um negócio altamente

rentável somente para os que dispusessem de cabedal suficiente para investir em escravos para a

mão-de-obra necessária e em carretas, cavalos e bois para o transporte. Mas, se os escravos viviam

numa área onde o medo de um ataque inimigo constituía-se numa preocupação cotidiana, um

conflito hispano-português podia ser a desejada ocasião de fuga, caso fosse possível aproveitar a

confusão do momento.

Nos períodos em que a permanente tensão afrouxava e havia uma maior colaboração entre as

autoridades luso-espanholas, ficava mais difícil para os negros a resistência contra a escravidão

através da fuga. Em outubro de 1694 o Conselho Ultramarino solicitava ao rei que pedisse à Coroa

espanhola a restituição dos escravos fugidos para Buenos Aires.22

Em janeiro de 1695 o Conselho

de Estado de Castela deliberou que se soltassem os prisioneiros portugueses e se lhes devolvessem

seus escravos, “por pedirlo así la razón y buena correspondencia que hay entre esta Corona y la de

Portugal”.23

Em maio do mesmo ano, o mesmo conselho determinou que se devolvessem aos

legítimos proprietários os valores da venda dos escravos que buscaram refúgio em Buenos Aires.24

Em 1725, o governador Antônio Pedro de Vasconcelos escreveu ao rei dizendo-lhe que

conseguira que o governador de Buenos Aires restituísse os escravos que haviam fugido de Colônia

e foram capturados pelos espanhóis.25

Como se vê, havia pouca possibilidade de se conseguir a

liberdade através da fuga, pois os espanhóis não hesitavam em tomar para si os escravos dos

portugueses.

Por vezes, a resistência atingiu um desesperado grau de violência, como aconteceu em

fevereiro de 1730, quando Bernardo e Antônio de Freitas foram assassinados por seus escravos.26

22 Consulta do Conselho Ultramarino de 27 de outubro de 1694, in: ALMEIDA, Luís Ferrand de. A Diplomacia Portuguesa e os Limites Meridionais do Brasil. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1957, p. 539. 23 Consulta do Conselho de Estado. Madrid, 18 de janeiro de 1695, in: ALMEIDA, Luís Ferrand de. Op. cit., p. 544. 24 Consulta do Conselho de Estado. Madrid, 21 de maio de 1695, in: ALMEIDA, Luís Ferrand de. Op. cit., p. 545. 25 Consulta do Conselho Ultramarino de 25 de janeiro de 1726. IHGB, Arq. 1.1.21, f. 346v. 26 RIVEROS TULA, Aníbal M. Historia de la Colonia del Sacramento, 1680-1830. Apartado de la Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay. Montevideo, tomo XXII, 1959, p. 164. Infelizmente o autor não dá maiores detalhes do ocorrido e não faz referência alguma à fonte que pesquisou.

8

Durante o sítio de 1735-1737, os escravos foram armados e chamados para auxiliar seus

senhores a defender a povoação. Foi o caso dos cativos do escrivão da Fazenda Real em Colônia,

Caetano do Couto Veloso que, com seu filho e dez escravos de sua propriedade, apresentaram-se ao

governador para ajudar a reconstruir a muralha. Os trabalhos estenderam-se por seis meses, durante

os quais Couto Veloso ainda recebeu a incumbência de defender o baluarte da bandeira com seus

escravos armados de espingardas e chuços. Mais tarde, o mesmo foi transferido para o porto, onde

continuou o serviço com “os seus dez escravos que a todas as funções o acompanhavam, fazendo

rondas e sentinelas por toda aquela parte”.27

Outra pessoa que ajudou na defesa da praça foi João da Costa Quintão, que arrematou o

assento para o fabrico de pão em 1732 e que se tornaria almoxarife em 1742. Segundo o

governador, Quintão auxiliou na defesa “fazendo uma perpétua assistência na muralha na parte em

que [os espanhóis] abatiam em brecha; e no reparo da mesma foi o seu trabalho, e dos seus escravos

incansável, quem ajudou conseguíssemos fazer-se em breves dias um lanço de muralha de quatorze

palmos de grosso de terra batida ao pilão”.28

O mesmo teria perdido sete escravos, capturados pelos

espanhóis em sua estância, situada a três léguas de Sacramento.

Manuel de Almeida Cardoso, antes de sentar praça como soldado, ajudou o pai, Antônio

Lopez, “na ocasião do sítio dos espanhóis, trabalhando de dia e de noite com seus irmãos, pai e

escravos na fortificação da mesma praça à custa da fazenda do dito seu pai”.29

A documentação

indica que muitos dos escravos trabalharam na defesa da Colônia do Sacramento ao lado de seus

donos.

Silvestre Ferreira da Silva relacionou os negros que ajudaram a guarnecer a praça, sem

identificar se eram escravos ou não. Nos baluartes de Santo Antônio e no de São João estavam a

postos “alguns pretos de préstimo para o manejo da lança e da artilharia do dito baluarte”. Na

bateria de Santa Rita, quatro negros cuidavam da artilharia e na bateria de São Pedro de Alcântara,

estão relacionados mais sete negros. Curiosamente, Ferreira da Silva omitiu a presença dos escravos

na defesa da zona portuária, a qual foi encarregado de defender, referindo-se somente a “cem

27 “Certificados referentes a los servicios y méritos funcionales de Caetano de Couto Vellozo...” Archivo Regional de Colonia. Reg. 217, 38 T5, doc. 3, f. 23. 28 Carta do governador Antônio Pedro Vasconcelos ao rei. Colônia, 10 de novembro de 1746. AHU_ACL_CU_012, Cx 4, D. 417. 29 Requerimento de Manoel Almeida Cardoso ao rei. Colônia, 02 de março de 1747. AHU_ACL_CU_012, Cx 5, D. 422.

9

homens avulsos”,30

enquanto Simão Pereira de Sá escrevia que “a mais parte da mencionada

Marinha, guarnecia uma numerosa companhia de escravos a cargo de Silvestre Ferreira da Silva”.31

Nessa companhia encontravam-se os cativos do escrivão de Colônia, pois Sá acrescentava que nela

serviam de oficiais Caetano do Couto Veloso, Pedro Lobo Botelho e Clemente da Silva Pais.

Os escravos continuavam a ter os piores serviços mesmo em tempo de guerra. Em 15 de

novembro, o governador mandou que Couto Veloso juntasse seus homens às tropas do capitão

Pedro Lobo, “compostas de sessenta homens pretos” para que, numa perigosa expedição, saísse do

recinto fortificado para demolir o que restava das construções extramuros a fim de fornecer

madeiras para a confecção de plataformas para a artilharia da praça.32

Algum tempo depois, todo o

esquadrão de negros e uma parte da infantaria passaram quatro noites tapando a brecha que o fogo

inimigo, somado às chuvas constantes, havia aberto na muralha. Expostos à chuva e ao perigo de

um ataque inimigo, os escravos cumpriram sua missão na defesa da praça.33

A mobilização dos escravos negros para atuar na defesa das comunidades portuguesas em

momentos de perigo foi bastante comum nos domínios ultramarinos, na África, Ásia e América.

Um dos primeiros relatos é João de Barros que, no século XVI exaltou a coragem e a lealdade dos

escravos negros da Guiné, escrevendo que seu potencial militar era superior aos mercenários suíços,

conhecidos como os melhores soldados da época.34

Segundo Boxer, “os portugueses confiavam muito mais nas qualidades guerreiras dos seus

escravos africanos do que qualquer das outras nações colonizadoras européias”.35

Entretanto,

segundo esse mesmo autor, continuava a existir um forte preconceito racial que impedia a

integração entre brancos e negros no exército, no qual, apesar de servirem lado a lado, persistia a

política discriminatória. Apesar da vontade da Coroa em favorecer a integração, como na

repreensão à atitude do governador Sebastião da Veiga Cabral, que havia recusado alguns recrutas

30 SILVA, Silvestre Ferreira da. Relação do Sítio da Nova Colônia do Sacramento. Facsímile da edição de 1748. Porto Alegre: Arcano 17, 1993, pp. 51-66. 31 SÁ, Simão Pereira de. Op. cit., p. 79. 32 “Certificados referentes a los servicios y méritos funcionales de Caetano de Couto Vellozo...”. Archivo Regional de Colonia. Reg. 217, 38 T5, doc. 3, f. 27. 33 Idem, f. 29. 34 COTTA, Francis Albert. No Rastro dos Dragões: Políticas da Ordem e o Universo Militar nas Minas Setecentistas. 2004. 302 p. Doutorado em História. UFMG. Belo Horizonte, p. 74. 35 BOXER, Charles Ralph. O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 288.

10

por serem mulatos, a discriminação não deixava de ser institucional, pois a preferência no soldo e

na promoção era sempre dada ao militar branco.36

Os espanhóis procuraram tirar vantagem da presença dos escravos entre os defensores de

Colônia, oferecendo-lhes a liberdade caso desertassem e passassem para os domínios do rei

Católico. O governador Vasconcelos também buscou favorecer a deserção entre as fileiras inimigas,

porém não prometia nada aos escravos, dizendo que “não disputa aos escravos a fuga do domínio de

seus senhores, por ser contra a moral cristã”.37

Ou seja, apelava para princípios religiosos a fim de

salvaguardar a propriedade privada. Com certeza os portugueses não deixaram de se utilizar da

contrapropaganda, como fizeram durante o cerco de 1705, quando o governador Veiga Cabral

mandou espalhar o boato de que o governador de Buenos Aires queria reduzir toda a população

sitiada à condição de prisioneiros e se apoderar dos seus escravos, escravizando também os negros e

mulatos livres.38

Em 1760, ao tomar posse do governo da Colônia do Sacramento, o Brigadeiro Vicente da

Silva da Fonseca sentiu que as restrições ao movimento dos portugueses pelos espanhóis eram cada

vez maiores, com o confisco de embarcações que iam às ilhas do delta do rio Paraná em busca de

lenha e mesmo pequenas canoas de pescadores. Prevendo um novo conflito com os espanhóis

organizou companhias de ordenança e de pardos e negros, libertos e escravos.39

Dois anos depois, o governador de Buenos Aires, D. Pedro de Cevallos, em conseqüência do

alinhamento de Portugal aos inimigos da Espanha durante a Guerra dos Sete Anos, atacou a Colônia

do Sacramento. Como dos outros ataques à Colônia, os espanhóis anunciaram que concederiam a

liberdade aos escravos dos portugueses que buscassem refúgio entre eles.40

Entretanto, dessa vez,

segundo Rego Monteiro, o governador de Colônia também ofereceu a liberdade aos escravos que se

alistaram.41

Não sabemos se a promessa foi cumprida, pois nos termos de capitulação da praça,

36 Idem, p. 297. 37 SILVA, Silvestre Ferreira da. Op. cit., pp. 72-75. 38 Relación del sitio, toma y desalojo de la Colonia.... Lima, 1705, in: Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, tomo VI, nº 1, 1928, p. 205. 39 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. Op. Cit. Vol. 1, p. 377. 40 Breve noticia da Colonia do S.mo Sacram.to, e Diario do seu ultimo attaque pelos Castelhanos. Anno de 1762, in: SÁ, Simão Pereira. Op. cit., p. 175. 41 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. Op. Cit., vol. 1, p. 382.

11

Cevallos concedeu ao governador, oficiais e soldados licença para que pudessem embarcar

livremente com seus bens móveis e escravos ou vendê-los antes da evacuação.42

Obrigados a abandonar a Colônia do Sacramento pela força das armas, os portugueses

voltaram no ano seguinte, pois o tratado de paz com a Espanha previa a devolução da praça a

Portugal. Alguns anos depois Lisboa reorganizaria o sistema defensivo de suas colônias. Através da

carta régia de 22 de março de 1766, enviada ao vice-rei e aos governadores e capitães-generais do

Brasil a Coroa portuguesa ordenava que se alistassem todos os homens válidos para o serviço

militar: “nobres, brancos, mestiços, pretos, ingênuos e libertos”. O objetivo era aumentar os efetivos

das tropas de ordenanças e auxiliares para defender a colônia dos ataques dos inimigos.43

Enquanto

as tropas de ordenança não eram obrigadas a se deslocar de suas bases, os auxiliares podiam ser

enviados ao front durante as guerras, quando deveriam receber soldo e munição como os soldados

das tropas regulares.

Particularmente exposta ao perigo de uma invasão, na Colônia do Sacramento também se

criaram companhias de libertos. Em 1770, o negro forro João de Vitória solicitou ao rei D. José I, a

confirmação da carta patente que lhe conferia o posto de capitão de uma das companhias dos

homens pretos e forros da Colônia do Sacramento, vago por morte de António Alves Pacheco. O

governador informava que nomeara João de Vitória capitão “sem vencimento algum da Fazenda

Real”, pois “tendo-se empregado diuturnamente nas faxinas da fortificação, antes e depois da guerra

na qual pospondo a vida ao real serviço deu provas de seu conhecido valor”.44

Ainda não

encontramos outra fonte que nos esclareça sobre a atuação das companhias de negros na Colônia do

Sacramento, porém o documento acima analisado é claro em apontar a existência de mais de uma

companhia de negros forros na dita praça.

Dentre os registros dos libertos nos livros da paróquia da Colônia do Sacramento,

pesquisados por Carlos G. Rheingantz, encontramos os dados de somente três soldados forros.

Antônio José Coelho, pardo forro, nascido em Colônia, ali casado em 17 de outubro de 1769 com

Maria do Rosário, parda forra. Florêncio Álvares Brandão, nascido em S. João de Icaraí, bispado do

42 Breve noticia da Colonia do S.mo Sacram.to, e Diario do seu ultimo attaque pelos Castelhanos. Anno de 1762, in: SÁ, Simão Pereira. Op. Cit., p. 188. 43 MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Forças Militares no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: E-papers, 2009, p. 143. 44 Requerimento de João de Vitória ao rei, 17 de novembro de 1770. AHU_ACL_CU_012, C. 7, D. 604.

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Rio de Janeiro, casado em Colônia em 06 de fevereiro de 1769 com Caetana Maria do Espírito

Santo, filha natural da preta forra Simôa Maria. José Joaquim da Silva, nascido em Lisboa; casado

em Colônia em primeiro de setembro 1773 com Maria do Carmo, parda forra.45

Em maio de 1777 os espanhóis organizaram um novo ataque à Colônia do Sacramento.

Diante da grande superioridade das tropas que D. Pedro de Cevallos trouxera da Espanha, o

governador, coronel Francisco José da Rocha, assinou a capitulação da praça em três de junho. Os

termos foram os mesmos que Cevallos ofereceu para a capitulação da ilha de Santa Catarina, que

ocupou na sua nova investida contra a América portuguesa. Os oficiais, com suas famílias e

escravos, assim como a tropa seriam transportados por navios espanhóis até o Rio de Janeiro.46

Segundo a relação feita pelo padre Pedro Pereira Fernandes de Mesquita, no dia 25 os

oficiais com suas famílias e alguns particulares que pagaram para obter a licença de partir

embarcaram em quatro embarcações. Os demais foram obrigados a passar a Buenos Aires com seus

bens, muitos deles roubados pelos espanhóis encarregados do transporte, segundo o cronista. Na

capital do recém criado vice-reino do Rio da Prata, os moradores de Colônia tiveram que apresentar

seus escravos perante as autoridades espanholas. Havia então uma lei que taxava em 20 pesos cada

escravo vendido, mas os espanhóis criaram um tribunal que praticamente obrigava os portugueses a

desfazerem-se de seus escravos, pois avaliava o preço que o cativo valia em Sacramento e em

Buenos Aires, sendo que a diferença do preço deveria ser paga pelo proprietário, além dos custos do

processo. “E assim se viam obrigados a se desfazerem dos seus escravos pelo primeiro dinheiro que

lhes ofereciam, para pagarem estes iníquos direitos”,47

escreveu Mesquita.

O governador da Colônia do Sacramento seguiu para Buenos Aires “com seus soldados, aos

quais não quis abandonar na desventura”,48

segundo as palavras de Rego Monteiro. Entretanto é

provável que buscasse fugir de uma condenação por ter entregue a praça sem opor muita resistência

ao inimigo. De fato, os oficiais que chegaram ao Rio de Janeiro puseram a culpa da rendição no

governador, que foi processado.

45 RHEINGANZ, Carlos G. Os últimos povoadores da Colônia do Sacramento. Notas genealógicas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1949, n.º 113-116, pp. 427-430. 46 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. Op. Cit., vol. 1, p. 446. 47 Da relação da conquista de Colônia, pelo Dr. P. Pedro Pereira Fernandes de Mesquita, escripta em Buenos-Ayres em 1788, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, primeiro trimestre de 1869, tomo 32, p. 356. 48 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. Op. Cit., vol. 1, p. 452.

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Com a assinatura do tratado de paz entre as coroas de Espanha e Portugal, em outubro de

1777, alguns dos antigos habitantes da Colônia do Sacramento, ainda residentes em Buenos Aires,

pediram a D. Pedro de Cevallos a restituição dos seus escravos. O vice-rei mandou que se

procedesse à devolução dos mais de trezentos negros que se encontravam no Real de San Carlos e

em Montevidéu, mas seus subordinados recusaram-se a fazê-lo. Em Buenos Aires foram presos

cincos escravos, mas a atitude de Cevallos mudou quando voltaram os capitães dos navios que

haviam levado ao Rio de Janeiro os oficiais portugueses capturados em Santa Catarina, com notícia

de que os prisioneiros espanhóis eram maltratados pelos portugueses. Mandou então soltar os

escravos e prender Jacinto de Almeida que tinha ido buscar dois dos seus. A mãe de Jacinto

intercedeu pelo filho, pedindo que o vice-rei o soltasse, pois não tinha culpa em executar o que fora

ordenado pelo próprio Cevallos, que lhe respondeu dizendo “que os portugueses eram uns velhacos

e uma canalha, que os escravos eram livres, que ele não tinha dado aquele nem outro despacho

semelhante”.49

O coronel Francisco José da Rocha Rocha se manteve em Buenos Aires até agosto 1778,

quando pediu ao sucessor de D. Pedro de Cevallos no governo do vice-reino do Rio da Prata, D.

Juan José de Vértiz y Salcedo, condução para ele e os habitantes da Colônia do Sacramento que

ainda se achavam na cidade para o Brasil. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Rocha foi “preso,

julgado e condenado à morte, sendo-lhe comutada a sentença em degredo perpétuo para Angola,

onde morreu, depois de 1781, pois nesse ano, a 5 de novembro, estava preso em Belém, de onde

datou a sua defesa, que enviou à rainha D. Maria I”.50

Com a tomada da Colônia do Sacramento pelos espanhóis, Montevidéu se converteu no

principal centro de comércio ilícito no Rio da Prata. Com as mais diversas alegações, especialmente

ligadas às avarias provocadas (ou não) por tempestades, as embarcações portuguesas entravam no

porto. Em setembro de 1779, a sumaca Nossa Senhora das Neves, trazia do Rio de Janeiro cento e

dois escravos e mil e quinhentas arrobas de tabaco. Entre 1781 e 1782, ancoraram em Montevidéu

trinta e oito navios com bandeira portuguesa. Nesse último ano o comerciante Joaquim José da

Silva estimava em seis mil o número de escravos introduzidos. Muitas vezes os escravos eram

49 Da relação da conquista de Colônia... Op. Cit., p. 362 50 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. Op. Cit., vol. 1, p. 453.

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transportados como se fossem membros da tripulação do navio e não como uma parte da

mercadoria destinada ao contrabando.51

É somente através de fragmentos que conseguimos saber mais sobre a presença dos escravos

negros na Colônia do Sacramento, pois, apesar da importância da sua contribuição no

desenvolvimento da praça, servindo como mão de obra na agricultura e pecuária e auxiliando na sua

defesa, os documentos que consultamos raramente foram escritos ou se referiam exclusivamente a

eles. Ainda mais fragmentário é o nosso conhecimento sobre o lucrativo tráfico de escravos com

Buenos Aires já que o contrabando raramente é documentado. Entretanto, acreditamos que

conseguimos contribuir, com a análise dos poucos dados de que dispomos, para o estudo da

presença negra no domínio português no Rio da Prata.

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51 BETANCUR, Arturo Ariel. Op. cit., pp. 31, 45, 58.

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