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O trabalho no capitalismo global – uma perspectiva crítica A Reestruturação da Cadeia de Valor e os Impactos no Emprego na Europa Ursula Huws Professora de Estudos Internacionais do Trabalho Universidade Metropolitana de Londres Diretora do Centro de Pesquisas Sociais e Econômicas Analytica UNESP, Marília 25 de maio de 2010

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Page 1: O trabalho no capitalismo global – uma perspectiva crítica A Reestruturação da Cadeia de Valor e os Impactos no Emprego na Europa Ursula Huws Professora

O trabalho no capitalismo global – uma perspectiva crítica

A Reestruturação da Cadeia de Valor e os Impactos no Emprego na Europa

Ursula HuwsProfessora de Estudos Internacionais do Trabalho

Universidade Metropolitana de LondresDiretora do Centro de Pesquisas Sociais e Econômicas

Analytica

UNESP, Marília 25 de maio de 2010

Page 2: O trabalho no capitalismo global – uma perspectiva crítica A Reestruturação da Cadeia de Valor e os Impactos no Emprego na Europa Ursula Huws Professora

Organização desta apresentação

» a reestruturação das cadeias de valor globais»alguns resultados do projeto europeu WORKS» o impacto da crise financeira» considerações sobre o motivo da dificuldade

dos profissionais do conhecimento em resistir à reestruturação

Page 3: O trabalho no capitalismo global – uma perspectiva crítica A Reestruturação da Cadeia de Valor e os Impactos no Emprego na Europa Ursula Huws Professora

O que é uma cadeia de valor?Explicando a interconectividade das unidades econômicas» a ‘cadeia’ é a metáfora mais popular dentre todos os outros termos que descrevem como as diferentes unidades econômicas se unem. Outras metáforas incluem:» ‘filières’ (na tradição francesa), associadas à ideia de ‘correntes’; por exemplo, em indústrias de processamento, mas, na verdade, com um sentido mais de ‘fios.’» ‘redes’ (por exemplo, no trabalho de Castells, 1996)» estas são diferentes maneiras de pensar a divisão do trabalho e o processo pelo qual o trabalho de um grupo de empregados agrega valores e fornece um insumo para as atividades do grupo posterior.» outro modo de pensar sobre isso seria imaginar cada processo do trabalho como um módulo separado – como no Lego – que podem se conectar uns aos outros de jeitos diferentes.» cada abordagem tem seus fortes e baixos.

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Origens teóricas do século XVIII

» três conceitos, regressando ao Iluminismo, no século XVIII» a divisão do trabalho (Adam Smith, 1776)» a teoria do valor-trabalho (Adam Smith, 1776, aprimorada por Karl

Marx, vários autores)» A teoria da vantagem comparativa (também em Smith de forma

pouco desenvolvida, aperfeiçoada por Ricardo, 1817)» combine-os e você terá um modelo de cadeia de

valor/filière/rede, no qual:» ‘empresas’ são desmembradas em diferentes ocupações

comerciais/subcategorias/funções» quanto mais especializada for a divisão de trabalho, mais valor

será agregado a cada operação» as vantagens comparativas regionais tornam rendosa a introdução

de uma dimensão espacial do trabalho (mas isto pode ser restringido por limites da ramificação operacional dos mercados e movimentações de capital)

» é necessário um controle organizado para que isso funcione com eficácia

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como são reestruturadas as cadeias de valor?

» a dinâmica da concorrência e o crescimento suscitam buscas contínuas por economias que levam a um processo de reestruturação

» isto pode tomar muitas formas, como por exemplo:

» inovação tecnológica» fusões e aquisições» agregação/desagregação de organização» reciclagem da força de trabalho» realocação» terceirização

» a fragmentação da cadeia de valor pode ocorrer através de duas dimensões – espacial e contratual

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A dinâmica subjacente da mudança estrutural

» A transformação do conhecimento tácito em conhecimento codificado

» A padronização de processos existentes; o que, por sua vez, torna possível:

» O gerenciamento por resultados (ou indicadores de desempenho); o que, por sua vez, torna possível:

» O gerenciamento remoto – deslocamento em termos tanto de tempo, quanto de espaço

» Desagregação organizacional (tanto internamente, quanto externamente); o que, por sua vez, leva à:

» Elaboração de cadeias de valor – contratualmente (proliferação de entidades legalizadas e separadas) ou espacialmente, ou ambos os casos

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Diferentes formas de reestruturação

» centro de custo em separado

» testes de mercado

» reciclagem » introdução de

novas práticas de trabalho

» empresa dependente fora do país» fornecedor mundial fora das jurisdição

local» parceiro estratégico distante do local de

atuação da empresa» franquia» aliança estratégica

empregados (internos)

terceirizados

nasinstalações

localafastado

» agência terceirizadora» trabalhador temporário

(possivelmente sem registro)

» recrutamento de especialistas

» empresa derivada» fornecedor externo

trabalhando nas instalações

» fábrica afastada» retaguarda (deptos.

adm.)» trabalhadores à

distância» trabalhadores

nômades no país do cliente

» outras subdivisõesNão há tendências inevitáveis – estas são opções alternativas para o capital. E encontram resistência da parte do trabalho.

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De que maneira essas mudanças podem ser mensuradas e monitoradas?» como os processos são terceirizados, novos

setores vêm à tona» como os processos do trabalho mudam, novas

profissões nascem» como as organizações são reestruturadas,

novas empresas são criadas» ‘setores’, ‘ocupações’ e ‘empresas’ não são,

portanto, unidades estáveis de análise para que façamos comparações ao longo do tempo

» nós, dessa forma, precisamos de outra unidade de análise – a função empresarial

» Uma abordagem – para estudar a função empresarial por meio de um contexto setorial específico em uma comparação internacional

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A Reestruturação da Organização do Trabalho na Sociedade do Conhecimento (WORKS)

» Um amplo ‘projeto integrado’ financiado pela União Europeia (6º. Programa-Quadro) 2005-9

» 17 institutos parceiros abrangendo a União Europeia» Pesquisa teórica, quantitativa e qualitativa» Estudos de caso organizacionais» Estudos de caso ocupacionais» Perspectiva comparativa» Unidades de análise: funções de negócio nos setores

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Alguns dos questionamentos da pesquisa WORKS

» As cadeias de valor estão realmente ficando mais extensas e mais elaboradas, tanto contratualmente quanto espacialmente?

» Qual é a relação entre a codificação do conhecimento dos trabalhadores e a reestruturação da cadeia de valor?

» Até que ponto, e como, os ambientes institucionais nacionais e as diretrizes moldam decisões para posicionar funções de negócio específicas em seus territórios?

» Há indícios de que novos tipos de cadeias de valor estão emergindo em serviços de negócios? Se sim, eles seguem os mesmos padrões daqueles na produção?

» Que relações de poder vêm à tona entre diretores e empregados nas unidades de cadeias de valor e entre as diferentes unidades e como esse poder é posto em prática?

» Qual é o impacto da reestruturação nas habilidades, identidades ocupacionais e a qualidade de vida no trabalho?

» Quais são os indícios da resistência dos trabalhadores em mudar?» Qual é o papel dos sindicatos na reestruturação?

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A pesquisa qualitativa WORKS na reestruturação da cadeia de valor

Pesquisa e Desenvolvi

mento/ Projetos

Produção LogísticaServiço de

Atendimento ao

Consumidor

Tecnologia da Informação

Indústria têxtil/roupas

Bélgica; França; Alemanha; Portugal; Itália

Bélgica; Itália; Portugal; Hungria; Grécia

França; Alemanha; Holanda; Portugal; Hungria

   

Indústria alimentícia

  Grécia; Bulgária; Itália; Noruega; Dinamarca; Reino Unido

Bélgica; Noruega; Bulgária; Grécia; Reino Unido

   

Tecnologia da Informação

Alemanha; Áustria; Reino Unido; Bélgica; França; Noruega

Alemanha; Áustria; Hungria; Bulgária; Suécia

     

Setor da Administração Pública

      Áustria; Bélgica; Bulgária; Hungria; Itália; Reino Unido; Suécia

Bélgica; Holanda; Reino Unido; França; Alemanha; Noruega; Suécia; Portugal

Serviços de Interesse Geral:Postais e Ferroviários

      Alemanha; Áustria; Suécia; Holanda; Grécia

 

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Conclusões do WORKS» Em geral, as cadeias de valor estão se tornando mais elaboradas tanto espacialmente, quanto contratualmente» Terceirização de serviços públicos» Realocação de empregos de produção fora da União Europeia» Realocação de empregos em Tecnologia da Informação, produção e logística para os Novos Países-membro da UE» ‘race to the bottom’ [“A expressão ‘race to the bottom’ não possui

tradução consagrada para o português, referindo-se à disputa entre países pela atração de investimentos externos via desmantelamento dos sistemas nacionais de regulamentação, resultando em aumento da pobreza”], especialmente visível em setores alimentícios & do vestuário, mas também perceptível na Tecnologia da Informação & logística» Quanto mais padronizada for a tarefa, maior será a probabilidade de terceirização e/ou realocação (mas com algumas exceções)» Como a padronização possibilita a reestruturação, a reestruturação gera mais padronização, levando a um ‘efeito bola de neve’.» Quanto mais desqualificada e precária a tarefa, maior a probabilidade do uso de trabalho imigrante» Como resultado da terceirização de serviços, novos setores estão aparecendo com suas próprias cadeias de valor internas – uma nova espécie de empresa multinacional está vindo à tona nos serviços empresariais» As relações de poder nas cadeias de valor são veementemente contestadas e dinâmicas, seguindo lógicas diferentes em setores diferentes. A comoditização e a padronização tendem a levar a um aumento nas relações baseadas em mercado, mas elas coexistem com outras formas de controle (legais, burocráticas, profissionais)» Alguns exemplos do engajamento ativo dos sindicatos na reestruturação

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A situação em 2007-8» Apesar de diferenças nacionais, setoriais e ocupacionais, o projeto

WORKS (2005-9)* revelou alguns fortes índices comuns no local de trabalho, resultantes da reestruturação, especialmente:» A intensificação do trabalho» A aceleração do ritmo do trabalho

» Isso não somente causa um impacto na qualidade de vida no local de trabalho, mas também fora dele, especialmente para aquelas pessoas que têm filhos ou outras responsabilidades familiares

» Funcionários administrativos são, particularmente, afetados por essas mudanças, por exemplo, porque têm que» Trabalhar para nichos externamente determinados (por exemplo, Acordos de

Nível de Serviço);» Trabalhar migrando de um fuso horário a outro;» Interagir cada vez mais diretamente com clientes e absorver o impacto de suas

demandas;» Participar de esquemas de seleção de atendimento ao cliente instantaneamente» Exercitar habilidades comunicacionais e emocionais, assim como tarefas

essenciais ligadas a elas.» Embora tenha havido alguma resistência organizada contra essas

mudanças, isso tem sido feito irregularmente, e os sindicatos tendem a ser reativos e o foco de suas negociações, limitado

* Acesse www.worksproject.be

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Qual é o impacto da crise financeira – desde 2008?» tendências contraditórias

» Trabalhadores migrantes são demitidos em grande quantidade, o que resulta em miséria considerável

» Mas a informalização também substitui os trabalhadores migrantes por pessoas do próprio local, melhor remuneradas e mais bem amparadas

» De modo parecido, muitas empresas europeias primeiro demitem trabalhadores fora de suas origens, o que acarreta o desemprego na Índia, China, etc.

» MAS, em alguns casos, trabalhadores mais bem amparados, em locais ‘centrais’, são demitidos em favor de mão de obra mais barata proveniente de locais afastados

» Crescimento geral da terceirização» A terceirização dos serviços públicos vista como uma ‘solução’ para

problemas de países com dívida interna.» Está claro que a combinação de crise e reestruturação exerce uma

força disciplinar imensa, no trabalho, em todos os lugares.» Em muitos países, o setor público é o principal fornecedor de

‘empregos decentes’, assim como é o mais sindicalizado. Uma derrota para os trabalhadores, nesse setor, dessa forma, rebaixa o padrão para todos eles.

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Contradições do trabalho do ‘conhecimento’» Ele é tanto um impulsionador da comoditização e da

padronização, quanto uma vítima disso» Possui um conteúdo ideológico; os profissionais têm de

fazer escolhas éticas e negociar concessões» Envolve propriedade intelectual, que pode ser contestada» Na visão da direção:

» Há uma necessidade insaciável de novas ideias e novos talentos.» MAS há, também, uma necessidade em controlar a força de trabalho

criativa, captar sua propriedade intelectual e maximizar sua produtividade

» Existe um equilíbrio delicado a ser rompido entre se ter certeza de que há um ‘gerenciamento do conhecimento’ rígido e a criação de um ambiente que é tão Taylorista e sufocante que o talento pode se esgotar

» Da perspectiva dos trabalhadores» Existe um forte desejo de encontrar um sentido no trabalho, para

vivenciar o prazer da criação e sentir-se autônomo» MAS há, também, uma necessidade de proventos garantidos, um

equilíbrio entre o trabalho e o lazer e a capacidade de planejar o futuro

» Isso cria conflitos entre as necessidades de autonomia e segurança

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Por que tem sido tão difícil aos profissionais do ‘conhecimento’ resistir à reestruturação?» Altos níveis de comprometimento com o próprio trabalho e

atender às necessidades dos usuários de serviços – especialmente no trabalho ‘criativo’ e em serviços públicos

» Identidades profissionais fortes e códigos de ética» Complexidade nos padrões de controle no trabalho

executivo – interação entre:» controle ‘pessoal’ exercido por meio de obrigações de lealdade e

serviço pessoal individualizado; formas patriarcais de controle» Controle burocrático exercido por meio de regras e padrões

genericamente aplicáveis;» Formas Tayloristas de controle, exercidas por meio de uma divisão

elaborada do trabalho, geralmente apoiadas por sistemas tecnológicos;

» Tudo isso também é moldado por relações de gênero historicamente definidas.

» Esta complexidade cria contradições e fidelidades divididas e dificulta, aos trabalhadores, o desenvolvimento de necessidades claras e estratégias de resistência

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» padronização e fragmentação (‘modularização’ – SISTEMA DO LEGO, EM MÓDULOS) de tarefas e processos são pré-requisitos para a terceirização ou realocação desses profissionais. Isso facilita formas Tayloristas de gerenciamento

» MAS para que os processos fragmentados do trabalho sejam continuamente administrados ao longo do tempo e do espaço, novas habilidades ‘práticas’ também são necessárias. Elas demandam comprometimento e motivação da equipe e não podem ser administradas Tayloristicamente.

» Os trabalhadores lidam com tamanhas contradições numa variada gama de maneiras, incluindo:

» o controle de internalização (‘auto-exploração’); » desenvolvendo alianças pessoais com gestores que são vistos

como benevolentes;» atos isolados de ‘desabafo’ (ou sabotagem);» estafa;» absenteísmo;» problemas psicológicos;» deixando que suas famílias tomem as rédeas;» abandono dos empregos

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Os grandes questionamentos»Como essas mudanças afetam o senso de

identidade e fidelidade dos trabalhadores?»Até que ponto as novas formas de

organização e resistência estão surgindo?»Até que ponto esses progressos incluem uma

dimensão de solidariedade internacional?»Até que ponto eles podem contribuir com

movimentos políticos de maior alcance?

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