o trabalho docente com.par.t(r)ilhado: focalizando a...

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MARISSOL PREZOTTO O TRABALHO DOCENTE COM.PAR.T(R)ILHADO: FOCALIZANDO A PARCERIA CAMPINAS 2015

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MARISSOL PREZOTTO

O TRABALHO DOCENTE COM.PAR.T(R)ILHADO:

FOCALIZANDO A PARCERIA

CAMPINAS 2015

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Resumo

No trilhar do caminho percorrido, a professora-pesquisadora vai se constituindo e

reafirmando que a escola é reconhecida como lugar de formação profissional

quando assume o pressuposto do trabalho com.par.t(r)ilhado. Esta pesquisa

constitui-se da narrativa tecida a partir de vivências específicas da professora-

pesquisadora e de um grupo de professores em diferentes espaços de conversa e

de parceria (formais ou não) que foram possibilitando a reflexão, o diálogo e a

construção de conhecimento sobre o trabalho com.par.t(r)ilhado evidenciando

alguns princípios que o permeiam: confiança, diálogo, negociação, afetividade e

escuta sensível. Com o olhar atento e ancorado na Teoria Histórico-Cultural, no

Cotidiano e na Reflexividade, a professora-pesquisadora foi buscando compreender

o que é parceria e, neste percurso, vivenciou outras parcerias que extrapolaram as

consideradas ‘normais’, com os professores, para ampliá-las chamando os alunos e

suas famílias para mostrar que outros olhares, registros e linguagens despertam a

reflexão e a busca de um trabalho efetivo de colaboração. As principais

contribuições trazidas pela pesquisa dizem respeito às possibilidades de trabalho

com.par.t(r)ilhado que potencializam o desenvolvimento pessoal-profissional dos

sujeitos e favorecem a transformação pelo ensino e pela aprendizagem de todos os

envolvidos.

Palavras-chave: Formação docente, trabalho colaborativo, cotidiano, narrativa,

reflexividade.

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Abstract

In the tread of the path, the teacher-researcher will constitute and reaffirming that the

school is recognized as a place of training when it assumes the assumption of

shared work. This research constitutes the narrative woven from specific

experiences of teacher-researcher and a group of teachers in different spaces of

conversation and partnership (formal or otherwise) that were enabling reflection,

dialogue and the construction of knowledge shared work showing some principles

that permeate: trust, dialogue, negotiation, affection and sensitive listening. With

watchful eye and anchored in the Historic-Cultural Theory in Everyday Life and

Reflexivity, the teacher-researcher was trying to understand what partnership and in

this way, experienced other partnerships that went beyond those considered

'normal', with teachers, to enlarge them calling students and their families to show

that other looks, records and languages evoke reflection and the search for an

effective collaborative work. The main contributions of the research concern shared

work opportunities that enhance personal and professional development of

individuals and promote the transformation in teaching and learning for all involved.

Keywords: Teacher education, collaborative work, everyday, narrative, reflexivity.

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Sumário

1. Orientações para sentir e percorrer a trilha... 01

2. Memórias e caminhos.. 11

2.1 .Origens...trajetos...caminhos percorridos 16

2.2. Uma pausa no caminho...reencontrando o percurso 34

3. A constituição da professora-pesquisadora 41

4. O caminho trilhado: o cotidiano da escola 53

5. Caminho percorrido...a escola e seu contexto 67

6. O encontro do caminho da reflexividade 87

7. Nos caminhos possíveis...em busca do trabalho com.par.t(r)ilhado 101

7.1. O início da busca 105

8. Por qual caminho vou? 121

8.1. Compreendendo as paradas com.par.t(r)ilhadas:

focalizando a parceria 127

8.1.1. A parceria como caminho 129

8.1.2. A parceria como janela 134

8.1.3. A parceria como espaço diverso 137

8.1.4. A parceria como charneira 142

8.1.5. A parceria como pertencimento 146

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8.2. 1ª parada com.par.t(r)ilhada:

O registro e a importância do Outro no olhar 151

8.2.1. Episódio: No meio do caminho teve o seu olhar

que melhorou o meu.. 152

8.3. 2ª parada com.par.t(r)ilhada:

Assembleia Docente e a importância do Outro

no diálogo e nas reflexões 165

8.4. 3ª parada com.par.t(r)ilhada:

A importância do Outro para a partilha 183

8.4.1. O que vejo? O que penso e o que sinto?

O que faço com tudo isso? 190

9. Não era pau. Não era pedra. E não era o fim do caminho –

Lições apre(e)ndidas no caminhar 195

Referências 207 Anexos 227

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xiii

Dedico a todos que, assim como eu, acreditam na formação docente no cotidiano da escola.

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Agradecimentos

Iniciar um agradecimento não é fácil, mas tentarei fazê-lo da melhor forma

possível. Digo que não tem em primeiro, segundo lugar, pois todos, cada um a seu

modo, tem seu lugar especial em minha vida.

Agradeço aos meus pais por me ensinarem desde pequena que a educação

é trans.formadora. Que é nela, por ela que nos formamos e nos tornamos pessoas

conscientes do nosso papel na família e na sociedade. Por isso, cheguei aonde

cheguei, constantemente me formando na e pela escola pública que me mostrou

desde sempre o que é ser professora.

À minha irmã Marilu que esteve presente em todos os dias da minha vida.

Presencialmente ou, por telefone, me acolheu nos momentos de alegria e de

desespero e, com suas palavras de admiração me fez persistir no caminhar da vida

e da profissão.

Minha eterna gratidão ao Alexandre, meu companheiro de tanto tempo que

incessantemente me incentivou a desvendar novos caminhos e a conquistar novos

espaços de trabalho. Compreendeu minhas ausências e sempre me lembrou da

capacidade que tenho quando, às vezes, duvidava de mim mesma.

Ao João Pedro, meu filho, que mesmo não compreendendo muito o início

desse processo, mostrou-se amoroso nos momentos solitários de escrita quando

adentrava o escritório e dizia que me amava. No seu olhar e nas suas inquietações,

buscava compreender a importância do trabalho vivido na escola e fora dela.

Mamãe ama você!

À minha irmã café que comigo partilhou a educação de João Pedro nos

momentos em que precisei para trabalhar, para escrever ....e sempre com uma

palavra amiga, me encorajava e me mandava seguir em frente. Pois é! Cá estou

Luciana!

Aos meus sogros França e Maria Inês e aos meus tios Jonas e Zuleica que

me incentivaram a ir atrás dos meus sonhos e do que acredito. Cada um a sua

maneira estendeu as mãos nos mais diferentes momentos, seja com a bolsa do

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cursinho, com o carro emprestado, com as palavras incentivadoras... Meu muito

obrigada.

À Maria Amália e Gabriela que se dispuseram a ficar com João Pedro em

momentos diferentes da vida, mas que possibilitaram minha ausência para dar conta

do que era proposto.

À Érica, minha querida prima, que me instigou e me deu forças para continuar

quando as forças pareciam estar sumindo.

À Mila que junto com sua família tomou conta de João Pedro nos últimos

momentos de imersão da escrita, não há como agradecer, a não ser expressando

meu respeito e afeto.

À Nana Haddad, minha eterna parceira de longa caminhada. Não há palavras

para descrever o que sinto. Posso dizer que desde 2004 muitas coisas bonitas não

podem ser vistas ou tocadas, mas que são sentidas dentro do coração. O que você

fez por mim, é uma delas. Estendeu as mãos e juntas nos aventuramos no processo

seletivo, nas idas a São Paulo, nas aulas, nas angústias e belezuras da pesquisa e,

principalmente, na ousadia de deixarmos a família e irmos nos aventurar em terras

portuguesas. Eu agradeço do fundo do coração. Obrigada amore! Que possamos

viver muito mais!

À Escola em que atuo, em especial à Coordenação e à Direção, que

permitiram a produção de dados e a partilha de minhas inquietações e apreensões

que foram amadurecendo e vivenciando que é possível realizar um trabalho coletivo

e partilhado.

À Suzi que acreditou em meus desassossegos e juntas fomos experienciando

e questionando o trabalho com.par.t(r)ilhado no cotidiano da escola. Com você

aprendi, de fato, o que é ter uma parceira que respeita, que questiona independente

da situação vivida, sempre com o olhar atento para o trabalho realizado da melhor

forma possível. Seremos parceiras para sempre não importa onde cada uma estiver.

A parceria transversal sempre acontecerá.

Às demais parceiras de série e de segmento que se dispuseram a escrever

quando solicitadas, a refletir conjuntamente nos mais variados espaços de conversa

(oficiais ou não) e a desvendar comigo o caminho desta pesquisa. Minha eterna

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gratidão pela parceria, pelo diálogo e pela confiança estabelecida. Esse trabalho é

nosso!

Meu agradecimento especial aos meus alunos e suas famílias que

extrapolaram a relação professora-família. Tornaram-se amigos e parceiros desta

pesquisa com as reuniões que fazíamos, com os desabafos feitos em encontros

rápidos ou bilhetes enviados. Obrigada pela possibilidade da parceria que me fez

outra professora.

Às outras parcerias constituídas no decorrer deste caminhar, aos tutores os

quais coordeno; as formadoras, supervisoras e coordenadores do Pacto Nacional

pela Alfabetização na Idade Certa (Pacto-Pnaic); ao Grupo de Estudos e Pesquisas

em Educação Continuada (GEPEC) que acreditaram em meu projeto de pesquisa

desde o início; às Seletas que atentamente ouviram e partilharam momentos de

estudo, de alegria, de sofrimento... À Marciene Reis que leu atentamente a escrita

desde a qualificação e que hoje vive o trabalho com.par.t(r)ilhando comigo no chão

da escola se encantando e me questionando constantemente! À Adriana Pierini que

me acolheu nas manhãs com café online escutando sensivelmente minhas

inquietudes e encantamentos.

Ao Guilherme, à Renata e à Nana Haddad que, com olhar atento,

contribuíram imensamente para a finalização desse trabalho no momento da

qualificação da tese. Acreditaram nas minhas escolhas e se colocaram a pensar

juntos o caminho possível de trabalho com.par.t(r)ilhado. Espero que possamos

viver outras parcerias de trabalho.

À Silvia Rocha, à Ana Guedes, à Jussara Tortella, à Nana Ayoub e à Adriana

Koyama que aceitaram o convite para dialogar, abrir e trilhar caminhos. Que daqui

possamos continuar a percorrer os possíveis percursos que estão por vir.

Enfim, a você, Ana Aragão que confiou em mim desde o início sem me

conhecer e sem saber o que estava vendo de fato. Caminhou com firmeza na

escuridão e na certeza de que estava guiando os passos, ora meus, ora seus, ora

nossos. Acreditou no que propunha, foi a força que me impulsionou quando precisei

e me acolheu sempre. Com você re.aprendi que é preciso ter fruição pessoal para

se ter um bom desempenho profissional. Minha gratidão. Simples assim. Sabe por

que? Porque uma orientanda sua até pode cair, mas cair em pé, não é mesmo?

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Terminar. Difícil né? Mas é preciso... Agradeço a todos que por mim

passaram, desde o início da minha docência em terras piracicabanas e campineiras.

Saibam que cada um deixou impresso, em mim, algo que compõe o meu jeito de

viver e de trabalhar com.par.t(r)ilhado, pois sou assim e não sei viver eou trabalhar

de outro jeito.

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Lista de ilustrações

1. Imagem da janela do Mosteiro de Santa Maria da Vitória capturada por mim em

Batalha, Portugal 03

2. Imagem composta por capas de livros literários. Produção digital de própria

autoria 20

3. Imagem composta por capas de livros literários. Produção digital de própria

autoria 25

4. Imagem captura por mim do bloco de notas do tablet que uso para anotações 74

5. Imagem capturada por mim do Cronograma de janeiro e fevereiro do Colegiado

de Professores disponibilizado pela Coordenação de Curso 75

6. Imagem capturada do registro feito por mim de um encontro de CP Coletivo 77

7. Imagem composta pela imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no

dia 07 de setembro de 2014 com a imagem produzida pela aluna Giovanna a partir

da leitura da mesma. Produção digital de própria autoria 83

8. Imagem composta pelas duas últimas imagens para apresentar os dados.

Produção de própria autoria 84

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9. Composição de imagens, capturadas por mim e meus alunos, em 2012, que

retratam um pouco do trabalho realizado na minha sala de aula 157

10. Imagem do Diário de Bordo produzido pelos alunos de 2012 158159

11. Composição de Imagens dos registros feitos pelas famílias em 2012 185

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O que vale na vida não é o ponto de partida

e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.

Cora Coralina1 1 http://www.mensagenscomamor.com/poemas_e_poesias_de_cora_coralina.htm . Acesso em: 08 maio 2014.

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Capítulo 1: Orientações para sentir e

percorrer a trilha...

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Janela do Mosteiro de Santa Maria da Vitória

A imagem que fotografei em janeiro de 2012, em Batalha, Portugal, no

Mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido como Mosteiro da Batalha,

revela como sou. Uma pessoa constituída de tantas outras.

É dessa professora-pesquisadora que está na escola básica que

investiga a própria prática para compreender a formação de professores desde

a época de graduação que falo nesse texto.

Falarei do que anda me inquietando nos últimos tempos: Como se dá o

processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais

são os elementos constitutivos e quais as implicações educacionais desse

processo?

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É importante que você, leitor, saiba que o caminho foi e está sendo longo

no Memorial de formação apresentado no Mestrado fui percebendo que a

parceria já era um tema presente em minhas inquietações desde muito tempo.

Nele, fui vendo as marcas impressas em mim e por mim nos lugares e

nas pessoas com as quais convivi/convivo.

E o que fazer diante de tudo isso?

Em um processo de compreensão e reflexão do meu próprio percurso

profissional e pessoal, resolvi reimprimir novas marcas ao lado do que já tinha

produzido já que, desde 1988, quando iniciei minha docência em um Centro de

Convivência Infantil em Piracicaba, como auxiliar de classe, o registro e o

trabalho coletivo foram se tornando elementos constituintes do meu jeito de

trabalhar.

O registro por uma exigência do local onde o caderno era o começo e o

fim do trabalho. O começo pelo planejamento, o fim... Fim, não: meio... pela

reflexão diária que ali acontecia...desde uma simples descrição, bem como os

encaminhamentos dados de acordo com a situação. Ali também havia a leitura

e bilhetes da coordenadora que semanalmente, lia o caderno e fazia

intervenções e apontamentos no cotidiano ali tratado.

Reuniões de equipe eram constantes e como eu adorava ouvir e ler o

que as pessoas mais experientes do que eu traziam, tinha sede de aprender, de

trocar, de realizar um bom trabalho pedagógico.

O tempo passou e a busca pela graduação em Pedagogia se instaurou.

Saída de emprego, cursinho no período noturno e Magistério pela manhã...

Estudo em grupo para vencer a etapa. Malas prontas, novos ares chegaram...

Cá estava em Campinas, na UNICAMP.

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Cheguei e encontrei pessoas que me mostraram a importância do Outro2

no trabalho e isso foi sendo vivenciado intensamente por mim. Na sala de aula,

na pesquisa cientifica, nos estágios, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),

na Dissertação de Mestrado e no mercado de trabalho.

Trabalhar com/no/junto ao Outro foi o eixo principal da minha vivência

como professora em terras campineiras. Estar em uma escola onde teria que

alfabetizar de maneira diferente da qual fui alfabetizada só poderia dar certo

porque o Outro - da academia, da escola, da vida - foi me ajudando a olhar para

o que ocorria dentro e fora da sala de aula com lentes teóricas que

provocavam uma interlocução constante para entender as minúcias, o que não

estava dito, a busca pelo Outro e pelo trabalho significativo...

Registrar constantemente! Com fotos, com poesias, com trabalhos

coletivos com as crianças, com as professoras da mesma série, com

professoras das outras séries...

Dialogar em intervalo, em e-mails, em projetos escritos para realizar com

as crianças, em encontros com a Coordenação, nas reuniões mensais. Aos

poucos fui estabelecendo parcerias que consolidavam o trabalho realizado na

escola. Na escola, porque não posso dizer que só acontecia na sala de aula, já

que acredito que o trabalho ultrapassa as paredes de onde estamos inseridos.

Tempo passa... Passa tempo e vivencio novos desafios: outra escola,

outras pessoas, outra maneira de organizar o trabalho pedagógico...

Reuniões semanais com a Coordenação, com as outras professoras da

série, com as outras professoras da escola.... De imediato, um susto. Susto

porque o que era dito que era compartilhado não era tão compartilhado assim...

Mas isso é outra parte da historia, não é mesmo?

2A palavra Outro está com letra maiúscula porque assumo que o Outro me constitui e me

transforma uma vez que é improvável dizer algo sem me referir ao Outro. Nessa relação dialógica e valorativa com o Outro construo minha identidade, consciência, opinião e visões de mundo.

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Desse jeito mesmo, diferente de olhar e de experienciar, fui me

apropriando do que a escola propunha como trabalhar com o meu jeito de

compartilhar com os meus pares – alunos, professores, famílias...

Olhando por esse prisma, fui percebendo as marcas do trabalho

com.par.t(r)ilhado3 que foi se constituindo, consolidando e inquietando maneiras

de ver o que estava posto, o que estava dito e, olhar para o que estava velado

nas entrelinhas e compreender o porquê e, principalmente, olhar para as

possibilidades do que estava/está por vir e com quem realmente se estabelece

a parceria mais profícua. Nessa intensidade vivida dentro da escola e fora

dela, procurei me inspirar e dialogar com o livro Abrindo Caminho, de Ana Maria

Machado, que despertou em mim uma sensação de incompletude, de caminhos

diferentes que bifurcam, mostrando que nem sempre os nossos caminhos são

fáceis de trilhar, mas isso não é motivo para desistir. Afinal, grandes são

aqueles que não desanimaram diante de uma “pedra no meio do caminho” e

abrem um túnel.

Na busca por compreender melhor o que se vive na escola como

professora-pesquisadora, tenho buscado perceber como se dá o processo de

construção da parceria no cotidiano do trabalho docente e quais são os seus

elementos constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo.

Caro leitor, para ajudá-lo neste percurso, traçarei algumas orientações

para que você possa escolher qual caminho trilhará.

Em Memórias e caminhos: iniciando o percurso, trago meu memorial de

formação desde o início da minha escolarização na escola pública, nos anos

1980 passando pelas minhas primeiras experiências docentes e os diferentes

3 Brinco com a palavra: com.partilhar ou ainda com.par.t(r)ilhar que pareceu ser um jogo

interessante que talvez consiga deslocar o olhar para as variáveis da formação docente, o que mostra outras possibilidades de interpretação daquilo que parecia ser uma constante, como o trabalho cotidiano. O com.partilhar me remete ao estar junto na partilha e o com.par.t(r)ilhar faz com possa estar com o outro na caminhada que se estabelece ao longo do caminho percorrido ou até mesmo o isolamento que vivemos quando estamos realizando o trabalho docente.

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lugares pelos quais imprimiram suas marcas em mim e reafirmaram minhas

escolhas profissionais.

Em A constituição da professora-pesquisadora, retomo e esclareço os

caminhos e escolhas teórico-metodológicas que fiz. Rockwell & Ezpeleta,

Cortesão, Stenhouse, Elliott, Carr, Kemmis, Fiorentini, Souza Jr & Melo

contribuíram muito com o jeito de olhar, perceber e sentir a pesquisa e a

maneira como esta foi interferindo e contribuindo na minha formação como

professora-pesquisadora.

Em O caminho trilhado: o cotidiano da escola busco nas palavras de

Esteban, Ferraço, Certeau, compreender e refletir sobre a escolha de falar da

formação do professor que acontece no chão da escola, no cotidiano. É pela

narrativa apresentada que procuro dar sentido à experiência vivida, mostrando

como o professor-pesquisador vai se constituindo nas minúcias do trabalho

desenvolvido na escola.

Em Caminho percorrido...a escola e seu contexto apresento a escola em

que estou inserida como professora-pesquisadora e como os momentos de

encontro dos professores são organizados. Atenta à importância da produção

de dados, os inventario para dar a dimensão do trabalho realizado

Em O encontro do caminho da reflexividade, há o entrelaçamento de

teoria e da prática na experiência singular de cada sujeito. Neste sentido,

nenhuma experiência significativa acontece sem a reflexão. Dialogar com

Alarcão, Aragão e Schön, me ajudou a compreender como se dá a reflexão e a

constituição do professor reflexivo.

Nos caminhos possíveis... em busca do trabalho com.par.t(r)ilhado, faço

uma imersão teórica para compreender as diferentes nomeações para o

trabalho docente coletivo e como o professor se organiza diante de tantas

solicitações. Aponto ideias iniciais de alguns princípios que facilitam a

concretização de uma parceria de trabalho docente na escola

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Em Por qual caminho vou? indico qual caminho escolho percorrer.

Apresento cinco narrativas produzidas pelas professoras com as quais trabalho

para mostrar como estou compreendendo o que é parceria. Compõe este

momento três paradas com.par.t(r)ilhadas que procuro evidenciar as

implicações da parceria na minha formação como professora ampliando o

diálogo com que está sendo dito e o que reverbera em mim.

Você também verá que, no decorrer do caminho, trago em alguns

momentos, o recurso da caixa de texto para explicitar uma ideia ou esclarecer

um conceito que está sublinhado na página.

Enfim, este foi o meu jeito de delinear o caminho, mas nada impossibilita

que você o percorra de outra forma perante novas orientações que possa dar

ou descobrir.

Com o intuito de provocar as possibilidades de caminhos, convido-o a ler

o poema de Fernando Pessoa.

QUALQUER CAMINHO LEVA A TODA PARTE

Fernando Pessoa

(2007)

Qualquer caminho leva a toda parte.

Qualquer ponto é o centro do infinito.

E por isso, qualquer que seja a arte

De ir ou ficar, do nosso corpo ou ‘spr’rito,

Tudo é ‘stático e morto. Só a ilusão

Tem passado e futuro, e nela erramos.

Não há ‘strada senão na sensação

É só através de nós que caminhamos.

Tenhamos p’ra nós mesmos a verdade

De aceitar a ilusão como real

Sem dar crédito à sua realidade.

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E, eternos viajantes, sem ideal

Salvo nunca parar, dentro de nós,

Consigamos a viagem sempre nada

Outros eternamente, e sempre sós;

Nossa própria viagem é viajante e ‘strada.

Que importa que a verdade da nossa alma

Seja ainda mentira, e nada seja

A sensação, e essa certeza calma

De nada haver, em nós ou fora, seja

Seja inutilmente a nossa consciência?

Faça-se a absurda viagem sem razão,

Porque a única verdade é a consciência

E a consciência é ainda uma ilusão.

E se há nisto um segredo e uma verdade

Os deuses ou destinos que a demonstrem

Do outro lado da realidade,

Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem

O caminho é de âmbito maior

Que a aparência visível do que está fora,

Excede de todos nós o exterior

Não pára como as cousas, nem tem hora.

Ciência? Consciência? Pó que a ‘strada deixa

E é a própria ‘strada, sem ‘strada ser.

É absurda a oração, é absurda a queixa.

Resignar(- se) é tão falso como ter.

Coexistir? Com quem, se estamos sós?

Quem sabe? Sabe o que é ou quem são?

Quantos cabemos dentro de nós?

Ir é ser. Não parar é ter razão.

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Capítulo 2: Memórias e caminhos:

iniciando o percurso

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No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura. No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra. No meio do caminho de Tom tinha um rio. Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho? Cada um no seu canto com o seu canto nos chamou. E nenhum de nós, nunca mais, ficou sozinho. No meio do caminho de Dante teve uma estrada. No meio do caminho de Carlos teve um túnel. No meio do caminho de Tom teve uma ponte. No meio do caminho de Cris tinha um oceano. No meio do caminho de Marco tinha um inimigo e deserto. E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.

(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)

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A maior riqueza do homem é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai

Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

Como falar de mim sem retomar minhas experiências pessoais e

profissionais ao longo do percurso que venho trilhando como mulher e

professora?

Impossível não recuperar em minha memória momentos marcantes que

foram compondo a pessoa que sou/estou: professora-pesquisadora. Para mim,

há um enfoque emotivo-volitivo, como nos coloca Bakthin (2000), cheio de

emoções e identificações quer permitem uma volta a mim mesma, recuperando

o lugar de onde narrei para iniciar um acabamento do meu próprio eu.

Mas como fazer este percurso sem esquecer-se do que já foi escrito no

Mestrado? Reescrevo, retomo, anuncio momentos.... dúvidas que sempre

estiveram presentes até que lembrei-me das palavras de João Wanderlei

Geraldi no Exame de Qualificação do Doutorado de Claudia Roberta Ferreira,

na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), quando a questionou: “Cadê a Claudia do Mestrado? Ela tem que

estar aqui presente no texto do Doutorado!”4.

4 FERREIRA, Cláudia Roberta. "Labirinto de perguntas: reflexões sobre a formação de

professores na e a partir da escola". 2013. 274f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação da UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

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Tomada pelas palavras de Geraldi, resgatei o memorial de formação

apresentado na minha Dissertação de Mestrado5, mas, que neste momento,

houve a necessidade de pequenas adaptações ao final do texto. É importante

dizer que ao reler, percebi marcas de parcerias estabelecidas por mim e, senti a

necessidade de inserir algumas imagens e complementar com algumas

informações ou aspectos com a caixa de texto ao lado para que, assim,

evidenciasse as reflexões suscitadas no instante da leitura que possibilitou uma

ampliação dos meus horizontes de referência brindando com outras formas de

afabilidade nem sempre percebidas ou sentidas nopelo percurso que fui

trilhando ao longo da minha vida pessoal e profissional.

Então, vamos lá!

2.1. Origens...Trajetos...Caminhos percorridos

A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.

Confúcio6

Iniciei minha escolarização na escola pública quando o Brasil estava

vivenciando o fim da ditadura militar, no início dos anos 1980. A escola pública

foi minha única opção – desde a 1a série, em 1980, até o ensino superior, no

fim da década de 1990.

Recordo-me da dificuldade de minha família em obter uma vaga em uma

escola perto de minha casa e também da própria estrutura da escola, que

5 PREZOTTO, Marissol. A professora e os usos de si: entre o trabalho prescrito e o trabalho real na sala de aula. 2003. 121f. Dissertação (Mestrado em Formação de Professores) – Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas.

66 Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frases_de_confucio/ . Acesso em: 16 mar. 2014.

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funcionava em uma sala improvisada no Centro

Comunitário do bairro, em um contêiner anexo.

Junto com a alfabetização que estava se

consolidando através das diferentes experiências vividas

por mim - escola, catecismo, clubinho (espaço de leitura e

recreação), brincadeiras com meus amigos e primos, os

programas de televisão que despertavam a imaginação

(como o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”) - tive meus

primeiros ensaios como professora. Brincar de ensinar e

de ser professora era uma rotina no meu cotidiano. O

quadro negro e o giz já eram recursos utilizados por mim,

quando dava aulas para outras crianças e para minhas

bonecas.

Como todas as pessoas que passam pela escola,

seja ela pública ou privada, tive professores mais

compromissados que outros com a educação. Lembro-me

de que alguns simplesmente transmitiam conteúdos

(Dona Sônia e Dona Lina) – estavam ali para repassar

informações - e outros (Leonete, Lúcia, Dona Nair) que,

de uma maneira ou de outra, construíam coletivamente

conhecimento em suas aulas, junto aos alunos.

Nesse período, a literatura já fazia parte da minha

vida através dos livros. As leituras aconteciam muito

ligadas ao contexto escolar. Relacionavam-se às

atividades desenvolvidas em sala de aula, orientadas

pelas professoras.

Literatura vista como

gênero literário

conforme BAKHTIN

(2000, p. 279) define:

“Qualquer enunciado

considerado

isoladamente é, claro,

individual, mas cada

esfera de utilização da

língua elabora seus

tipos relativamente

estáveis de enunciados,

sendo isso que

denominamos gêneros

de discurso”. Este

estudo vai referir-se

diversas vezes à

literatura infantil, mas

não tem como objetivo

entrar no campo da

teoria literária. Apenas

tomo a literatura para

destacar a prática

pedagógica.

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Ao terminar o Ensino Fundamental I7 e ao me

mudar de escola, iniciei outro percurso como leitora, que

até hoje marca minha atuação em sala de aula.

Durante o Ensino Fundamental II8 tive uma

professora de Português (a mais temida do colégio – D.

Conceição) que exigia seminários de livros de literatura.

Nesses seminários, trabalhava a língua portuguesa, a

literatura e explorava os gêneros discursivos. A leitura

obrigatória dos livros exigidos por D. Conceição fez com

que eu descobrisse a biblioteca da escola, que passou a

ganhar um papel importante em minha vida. As obras

consideradas clássicas para a escola e os livros

“contemporâneos” (Coleção Vaga-Lume, Para Gostar de

Ler e outras), lidos por prazer, foram se fundindo e, com o

passar do tempo, a leitura era pura fruição.

No curso de Magistério, deparei-me com uma

diversidade de práticas pedagógicas entre os professores.

Havia aqueles que não se desgrudavam de seus

cadernos amarelados pelo tempo, provavelmente velhos

de tanto manuseio para olhar os “pontos” para as aulas, e

outros que mostravam que a leitura era instrumento de

formação (dos professores e dos alunos). Através da

professora de Literatura Infantil, que fazia um curso de

especialização em uma universidade, fui tomando

conhecimento das produções teóricas sobre Educação

que se destacavam naquela época.

7 Refiro-me as séries iniciais do Ensino Fundamental.

8 Refiro-me as séries finais do Ensino Fundamental II.

A leitura fruição está

relacionada ao deleite e

à experiência estética

da palavra

proporcionando ao

leitor um aspecto

formativo evidenciando

a emoção, o

sentimento, o

desenvolvimento

pessoal e profissional, o

autoconhecimento e,

assim, ter o

desvelamento do

mundo com novas

possibilidades de

caminhos a serem

percorridos.

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Por meio das falas dos professores em sala de aula

ou das conversas nos corredores da escola, das reflexões

que faziam e compartilhavam conosco, das leituras e

cursos que realizavam fora do ambiente escolar, fui

percebendo que o comprometimento político-pedagógico

com a Educação ultrapassava o ambiente escolar.

Mostravam-se inquietos com a profissão, com as políticas

educacionais, com as novas diretrizes vindas de cada

governo, com a política salarial.

Buscar auxílio no sindicato, reivindicar melhores

condições de trabalho, ter acesso à formação continuada,

utilizar os recursos disponíveis da melhor forma possível

eram (e ainda são) alguns dos aspectos impressos por

eles em mim.

Durante o curso de Magistério (1988 – 1991),

trabalhei em um Centro de Convivência em Piracicaba.

Iniciei como auxiliar de professora (sem sala específica),

depois tornei-me auxiliar de professora de maternal em

1989 e, finalmente, professora titular de uma classe de

maternal (1989 a 1991).

Nesse novo percurso, enveredei entre um coro de

vozes – a professora de Português do ginásio, a

professora de Literatura Infantil, as companheiras de

curso de Magistério e de trabalho, as professoras com as

quais realizava estágio, os teóricos da Educação que lia

na época – que foram compondo a professora que se

iniciava na carreira docente.

Aprendizados do início

da docência:

- planejamento como

norteador das ações

cotidianas na escola;

- registro como relato

das experiências vividas

e como uma das

possibilidades de

organização do

trabalho;

- revisitar o registro

para reorganizar as

ações (reflexão);

- literatura como eixo

norteador do trabalho;

- compromisso político-

pedagógico.

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A literatura infantil marcou presença, novamente,

quando trabalhei como professora de crianças do

curso maternal em Piracicaba. Os livros faziam parte

do material fixo de cada sala de aula e assim me

utilizava deles sem pretensões, fazia a leitura pela

leitura. Na época, lia muita coisa da Editora Ática,

principalmente os livros de autores como Eliardo

França e Fernanda Lopes de Almeida. Diariamente

fazia leitura em voz alta dos livros das histórias e

releituras das imagens, contando as histórias para os

pequenos alunos.

Nesses anos iniciais de docência, mesmo sem possuir experiência

docente, tive que aprender a fazer planejamento das tarefas e relatórios diários

dos alunos que passavam por mim. O registro das atividades e dos

acontecimentos servia de instrumento de reflexão e de auxílio na elaboração de

um relato mais complexo do aproveitamento escolar dos filhos, para os pais.

Escrever para registrar para mim mesma e para a responsável pelo Centro de

Convivência foi um exercício que constituiu a minha prática inicial de trabalho.

E, a partir dessa experiência, fui, aos poucos, apropriando-me desse modo de

ser professora.

Hoje, posso identificar alguns fatores ainda presentes no meu cotidiano

escolar. Planejar as atividades a serem feitas rotineiramente, compartilhando

esse planejamento com os alunos, possibilita a construção de um tempo próprio

na relação pedagógica. O que me intriga, ao olhar para essa ‘rotina escolar’, é

perceber que isso era feito por uma exigência da escola em que trabalhava e

hoje não é mais uma obrigação, mas um pressuposto do meu trabalho como

professora. Apropriei-me dessa prática. Hoje ela constitui parte do meu ser

professora.

Imagem composta por capas de livros de literários

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Interromper a experiência de trabalho para voltar

aos estudos foi uma das escolhas que fiz, ao optar por

cursar Pedagogia na UNESP, em Araraquara. Porém,

devido a questões pessoais, resolvi desistir da Faculdade

e voltei para Piracicaba, onde comecei a dar aulas no

Estado como professora substituta. Voltar à escola em

que tinha estudado quando pequena, agora no papel de

professora e poder reencontrar pessoas importantes na

minha vida - que me marcaram, como

professores/profissionais da Educação - foi essencial para

que outras escolhas sobre as quais, naquele momento, eu

refletia, se consolidassem.

Nessa época, dava aulas todos os dias e nos dois

períodos, nas mais variadas escolas da cidade. Convivi

com o melhor e o pior ensino, com a riqueza e a pobreza

das crianças. Exercitar o magistério nas escolas do

Estado, como professora substituta, implicava (e ainda

implica) ir para qualquer unidade de ensino que me

convocasse e a qualquer hora do dia evidenciando assim

a precarização do trabalho docente. Dei aulas em escolas

consideradas boas na cidade, ou seja, escolas bem

localizadas, com prédios bem conservados, materiais

(desde os textos fotocopiados até recursos como vídeo e

televisão) à disposição do professor, bibliotecas com

excelentes acervos e um corpo docente permanente. Já,

em outros momentos, fui para escolas na periferia da

cidade, onde o prédio escolar mais se parecia com uma

prisão: grades nas portas e janelas, móveis acorrentados

Quando Bezerra & Silva,

(2006) e Abonizio

(2012) falam de

precarização do

trabalho docente, o

professor é visto como

executor de atividades

que qualquer indivíduo

pode realizar desde que

seja treinado para tal.

Aqui a prática

pedagógica que

compreende o observar

o fazer, aprender como

fazer e fazer com

reflexividade é

desconsiderada uma

vez que que o trabalho

pedagógico é visto a

partir de uma lógica

sequencial e em uma

temporalidade a que

todas as profissões

foram sujeitadas na

história das sociedades

modernas.

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ou chumbados; corpo docente flutuante, giz como único instrumento de

trabalho, crianças sem materiais básicos e, para mim, o pior: grande parte dos

profissionais que trabalhava com essa realidade encarava a Educação como

assistencialismo. Para a grande maioria deles parecia ser suficiente deixar as

crianças na escola e dar a merenda.

Essas realidades distintas faziam com que vários questionamentos

florescessem.

Que metodologia adotar? Como trabalhar com as crianças, sem um

vínculo mais constante? Como trabalhar com salas lotadas, sem materiais e

sem estrutura de trabalho deixada pela professora titular da sala? Como atrair a

atenção das crianças?

Os incômodos se tornaram desafios que me foram indicando outros

caminhos de trabalho junto à literatura. Muitas vezes, os livros eram minha

“tábua de salvação”, quando me via diante de uma classe de alunos que mal

conhecia e precisava desempenhar o papel de professora. A literatura, então,

me servia de “fiel escudeira”, fornecendo-me o caminho, ainda meio nebuloso,

de como agir em sala de aula. Aqui, a literatura começou a ganhar espaço

como eixo de trabalho.

Novamente, as vozes dos sujeitos que me constituíram no passado

voltam a ecoar, o que me fez olhar para as aprendizagens anteriores e retirar,

delas, encaminhamentos que me auxiliassem naquele novo caminho que

iniciava a percorrer - o de professora das séries iniciais do ensino fundamental.

A prática de ler literatura, vivenciada por mim no início da escolarização, no

Ginásio, no Magistério e na prática pedagógica exercida no Centro de

Convivência, foi aos poucos aflorando quando me envolvia nas salas como

professora substituta. Esse foi um processo lento e gradativo: com o passar do

tempo, experimentando-me como professora, e através da observação do

cotidiano do ensino escolar, fui me identificando com uma prática pedagógica

específica.

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Assim, fui à busca de livros didáticos e de literatura em editoras, sebos,

bibliotecas e no meu pequeno acervo: essas eram as fontes para “fazerem

brotar” as atividades que realizaria com as crianças.

Debruçar-me sobre o material que tinha em mãos e mergulhar na

realidade das crianças com as quais estava trabalhando foi um dos maiores

aprendizados por que passei. Pensar em atividades que trouxessem a atenção

delas para uma pessoa ‘estranha’, diferente da professora efetiva de sala, e que

não destoasse do conteúdo trabalhado no cotidiano escolar era o meu desafio.

Assim, fiz algumas escolhas para sobreviver como professora substituta e

‘ganhar’ a confiança das pessoas responsáveis pela atribuição de aulas. Optei

por trabalhar com a leitura, interpretação e elaboração de textos e erros de

grafia através de jogos, fichas e imagens encontradas em jornais e revistas.

Com base nessas opções, passei um ano inteiro (1992) trabalhando com

classes do denominado Ciclo Básico, 3a e 4a séries. O Ciclo Básico foi uma

iniciativa formal de organização em ciclos no estado de São Paulo que se deu

por meio de um decreto que atingiu todas as escolas da rede. O Ciclo Básico

integrava as duas séries iniciais em um único bloco, sem reprovação na

passagem do 1º ano para o 2º ano. Assim, o ensino estava dividido em dois

grandes ciclos: 1º ao 4º ano e 5º ao 8º ano.9

Essa experiência trouxe de volta a ideia de retornar à faculdade10, pois

muitas questões me incomodavam e intrigavam desde a época do Magistério,

no tempo em que atuava como auxiliar de sala...

9 Para outras informações consulte DURAN, Marília Claret Geraes & ALVES, Maria Leila. Ciclos

e progressão continuada na rede pública do estado de São Paulo: avanços ou retrocessos? In Revista Múltiplas Leituras, v. 4, 1, 2010, pp 23-35. 10

Leia o box na próxima página.

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Novamente, precisei encarar a realidade do

vestibular e, dessa vez, eu tinha um objetivo específico: ir

para Campinas, fazer Pedagogia na UNICAMP, pois

percebia, em algumas professoras do curso de Magistério

que participavam de cursos nessa Universidade, uma

visão mais flexível e inovadora com relação à Educação.

Durante os anos do curso de Pedagogia, tive aulas

com professoras/professores que utilizavam a literatura

para despertar o interesse das alunas adultas que ali

estavam e, com esse procedimento de trabalho, nos

mostravam que isso era possível com as crianças. A

busca por aliar o prazer da leitura ao conteúdo necessário

a ser trabalhado tornou visível uma prática e uma

necessidade: a importância da leitura e do registro no

processo de formação no qual eu estava inserida e a qual

já tinha sido experienciada nos anos iniciais da docência

em terras piracicabanas.

Esse momento de “reencontro” com o uso da

literatura na escola foi significativo em minha formação, já

que até hoje me recordo do livro lido por uma professora

no primeiro semestre do curso: Uxa, Ora fada, ora bruxa,

de Sylvia Orthof, Ed. Nova Fronteira, foi muito marcante,

pois, até hoje, ao lê-lo sozinha ou com meus alunos, vejo

a imagem da professora entusiasmada com o texto que

lia, mostrando as possibilidades de leitura junto ao

referencial teórico que assumia – histórico-cultural. Cada

início de aula daquela disciplina era marcado por uma

nova leitura feita pela docente, que suscitava reflexão

Ao dialogar com Schön,

Alarcão (1996) nos

coloca que pode-se

iniciar a profissão de

forma diferenciada, seja

por si só ou junto de

outro profissional,

como ao artesão que

aprende fazendo,

sentindo o que está

diante dele. Ou ainda,

imitando-o, que

também é um espaço

de verificação de

possíveis alternativas

para agir em

determinadas situações

que também serão

refletidas.

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sobre o ser professora e a prática pedagógica vivenciada por cada uma das

alunas, futuras pedagogas.

Nos semestres seguintes, outras professoras apresentaram outros textos

do gênero literário e nos fizeram vivenciar a literatura como uma possibilidade

de dialogar com as questões educacionais. Nas pesquisas e práticas

pedagógicas, nas aulas sobre alfabetização, nas didáticas de História e de

Língua Portuguesa, em todos os momentos estava presente a literatura... ‘Era

urso?’11, ‘O frio pode ser quente?’12, ‘O menino marrom’13, ‘A bruxinha

Atrapalhada’14, ‘O jogo do contrário’15, ‘Manual de

tapeçaria’,16 ‘Vidas Secas’17, ‘Contos de Grimm’18,

‘Contos de Perrault’19... As narrativas entrelaçavam-se

umas às outras e, principalmente, formavam novas

leituras e registros de práticas, que ali se iniciavam, sob

a forma de pequenas participações nas salas de aula

onde estagiávamos, permitindo, com isso, futuros

encaminhamentos pedagógicos.

11

NASCIMENTO, Esdras do & TASHLIN, Frank. Era Urso?. SP, Ediouro – Sinergia. 12

MASUR, Jandira, O frio pode ser quente?. SP, Ed. Ática. 13

PINTO, Ziraldo Alves. O menino marrom. SP, Ed. Melhoramentos. 14FURNARI, Eva. A bruxinha atrapalhada. SP, Global Editora. 15

MASUR, Jandira. O jogo do contrário. SP, Ed. Ática.

16 LACERDA, Nilma. Manual de tapeçaria. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.

17 RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. José Olympio Editora.

18 GRIMM, Jacob e GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm. SP, Ed. Cia das Letrinhas.

19 Coletânea de textos com os contos Chapeuzinho Vermelho, O Barba azul, O pequeno

polegar...

Imagem composta por capas de livros de literários.

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Da vivência de aluna em sala de aula para a prática

em sala de aula, na disciplina de estágio supervisionado,

passei por um momento de desafio. Novamente, as

indagações surgiam e as possibilidades de trabalho com a

literatura, de novo, me salvavam. Mais uma vez, “fiel

escudeira”. Acredito que, naquele momento, uma parceria

tornava-se mais sólida. Devido aos desencontros vividos

com a professora da sala de aula onde realizava o estágio

obrigatório, encontrava-me desacreditada com o mesmo.

O livro “O frio pode ser quente”, de Jandira Masur,

permitiu-me que a porta para o trabalho com as crianças

fosse aberta e, principalmente, possibilitou o

entendimento de toda a diversidade e contradição

presentes na escola na qual estava inserida naquele

momento.

Junto a essas práticas vivenciadas durante a

graduação, aprendi que o compromisso político-

pedagógico precisa estar presente em qualquer área de

atuação do professor. Tive também a oportunidade de

vivenciar o papel da pesquisadora em formação, ao atuar

em projetos na área de História da Educação e na área de

meu interesse particular, Formação de Professores. Aliar

essas diferentes áreas de conhecimento e as vivências

que tinha como docente / professora-estagiária / aluna fez

com que reencontrasse a importância do registro das

experiências vividas na escola. O uso do diário de campo

era fundamental no desenvolvimento desse tipo de

trabalho, pois, através das anotações detalhadas dos

Momento em que a

palavra parceria

aparece pela primeira

vez em meus registros

com o sentido de

companhia. No

dicionário encontramos

o significado: reunião

de indivíduos para

alcançar um objetivo

comum; companhia,

sociedade.

Fonte: HOUAISS, Antonio e

VILLAR, Mauro de Salles.

Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2001.

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acontecimentos e das relações que se teciam na escola,

tinha condições de retomar o vivido e enfrentar os

desafios e as tensões característicos do processo de

formação da professora.

Assim, ao me formar, no ano de 1997, comecei a

trabalhar em uma escola particular de Campinas, como

professora de Educação Infantil. Tinha, como parceira de

trabalho, uma professora “da casa” que já havia lecionado

anteriormente nas séries iniciais do Ensino Fundamental,

mas que, naquela época, estava de volta à Educação

Infantil. Ou seja, para aquela professora, retornar a

lecionar naquele segmento de ensino representava, além

de um rebaixamento salarial significativo20, não ter mais o

horário de lanche junto ao grupo de professores todos os

dias, não ter “janela” para preparar as aulas, não ter

horário com a coordenadora e até mesmo não ter tempo

para atender os pais.

Naquele momento específico, minha condição de

trabalho igualava-se à de minha parceira de série; no

entanto, o meu era um "olhar não-viciado" para o

cotidiano que a escola nos apresentava. Sendo nova no

colégio e na profissão em Campinas21, tinha o desejo de

colocar em prática aquilo que ouvira durante a faculdade,

20

As professoras de 1a a 4

a série daquela escola eram mensalistas,

como as professoras do Infantil, mas o valor da hora/aula era maior. Além disso, possuíam aulas vagas, as janelas para atenderem os pais, organizarem o trabalho. As professoras do Infantil recebiam um valor menor e não possuíam momentos vagos para se dedicarem a outros aspectos do trabalho pedagógico. 21

Como disse anteriormente, já havia lecionado em Piracicaba no período de 1988-1992.

Desde aquele

momento, já buscava

uma parceria na escola

enquanto possibilidade

de interlocução e de

troca de práticas.

Mesmo seguindo meus

princípios e as

possibilidades que tinha

no momento, tinha

muito a aprender e a

ensinar quando

partilhava meu ponto

de vista com meus

pares. Assim, era nas

brechas do cotidiano

que procurava e

instaurava a parceria

possível para poder

refletir sobre minhas

escolhas e ações.

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lera nos livros, recolhera do contato com as crianças, dos

acontecimentos que vivenciara em sala de aula, na

escola, nos encontros com colegas e professores da

faculdade... Mas, acima de tudo, ter uma parceira de

trabalho, alguém com quem compartilhar as minhas

dúvidas, os meus fracassos e acertos, significava uma

possibilidade de construir um trabalho conjunto.

No início das minhas atividades naquela escola,

mesmo sem horário para compartilhar o trabalho com

minha parceira de série, com a coordenadora e com o

grupo, procurava momentos para estabelecer a troca (os

minutos antes da entrada, o intervalo, bilhetes, em que se

comentava o trabalho realizado em sala de aula...).

Vivenciei muitos encontros e confrontos com a estrutura e

organização da escola e os professores que ali estavam.

Não era fácil construir uma relação de trabalho com uma

estrutura que inviabilizava os encontros entre os

professores - desde a Educação Infantil ao Ensino

Fundamental I.

Nessa realidade, novamente a literatura voltou a

ocupar espaço e importância na minha prática

pedagógica. Por meio dos livros de literatura infantil, pude

ir constatando o que já havia aprendido na Faculdade de

Educação a importância de tê-los em mãos. Primeiro,

porque serviam, em diversas ocasiões, de vínculo com as

crianças, pois estas se aproximavam de mim, sentadas

em círculo, para a leitura feita por mim e, provocadas

pelas histórias e pelo próprio contexto particular da leitura,

Como diz Marisa Lajolo

(1997, p.7), “ninguém

nasce sabendo ler:

aprende-se a ler à

medida que se vive.” As

palavras presentes em

um texto vão

compondo o seu jeito

de olhar e sentir o

mundo. A leitura

acontece na escola, mas

não se pode encerrar

nela, pois quanto mais

se lê, mais se abre os

horizontes diante do

mundo em que se vive.

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confidenciavam suas emoções, suas experiências familiares. Em outras

situações, a literatura disparava outras leituras e discussões que faziam com

que a sistematização dos conteúdos se tornasse mais prazerosa e significativa

para todos nós.

Durante os anos de 1998 e 1999, trabalhei com a 3a série nas áreas de

Português, História e Geografia, com parceiras que possuíam não apenas

referenciais teóricos diferentes dos meus, como também sistema de trabalho

distinto.

Tornar-me professora da 3a série do Ensino Fundamental, em 1998,

gerou um desconforto em algumas pessoas do grupo ao qual pertencia, pois a

outra professora da Educação Infantil, aquela mais velha “de casa”, de

experiência profissional mais antiga, permaneceu no mesmo posto de trabalho

(professora de Educação Infantil). Ou seja, eu, professora iniciante "estava

‘ocupando’ o lugar que era dela por direito" (palavras ouvidas nos burburinhos

da sala de professores). Os olhares atravessados e a pouca confiança no

trabalho que desenvolvia eram constantes.

Em 1999, a escola passou a adotar o material apostilado do sistema de

ensino do qual fazia parte. Utilizar o material apostilado implicava que o

professor tivesse domínio sobre todo o conteúdo a ser desenvolvido no ano,

uma vez que este já viria planejado aula a aula, com objetivos a serem

trabalhados. Além do mais, a escola adotaria um calendário e um cronograma

sem flexibilidade. O calendário compartilhado com o usuário do sistema - os

alunos e suas famílias - já trazia agendadas as datas das entregas dos

cadernos/apostilas, as provas bimestrais, as reuniões de pais, as festas

comemorativas, as recuperações e as entregas de boletins. Isso quer dizer que

o professor, nesta forma de gestão e organização do trabalho, necessita

cumprir o que foi estabelecido no cronograma definido no início de cada ano

letivo.

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Com essas mudanças vindas “de fora”, aplicadas à

minha prática pedagógica, sentia necessidade de

compartilhar minhas angústias e, nesse momento, tentei

buscar interlocutores por meio da participação em cursos

de formação continuada, em outro espaço que não a

escola; não encontrei, porém, respostas às minhas

indagações e angústias.

Em 1998, trabalhei na 1a série em outra escola da

rede particular de Campinas. Ali vivenciei reuniões

coletivas (com o grupo de 1a a 4a séries) e de duplas (a

coordenadora do curso e eu) que me possibilitaram

perceber que a “minha” sala de aula estava inserida num

projeto político-pedagógico maior, ou seja, havia

conteúdos, posturas assumidas em grupo, leituras a

serem trabalhadas que desencadeariam o trabalho da

série seguinte. Assim, os trabalhos que desenvolvia

precisavam ser pensados a partir dessa premissa.

Com a experiência de alfabetizar na Educação

Infantil e os estágios realizados em várias outras séries,

inclusive naquela em que estava como professora, pude

iniciar o planejamento do trabalho que desenvolveria no

decorrer do ano.

Outro aspecto em que me empenhei durante o ano

de 1998, em ambas as escolas em que trabalhava, foi a

organização da sala e a disponibilidade dos materiais para

os alunos, como os livros de literatura infantil e

informativa, jogos, sucatas e muitos outros. Não foi fácil

aprender e apreender a importância de organizar os

A parceria efetiva foi se

instaurando e o registro

partilhado ora

individual, ora coletivo

foi se se tornando

essencial no processo

de investigação e

reflexão sobre nossas

práticas e as condições

de trabalho vividas.

Posso dizer que um

ambiente formativo foi

sendo construindo já

que era permeado de

uma aprendizagem

individual, coletiva e

colaborativa. (ARAGÃO,

2010, p.61 e 62)

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materiais dos e para os alunos e, assim, deixar a sala de aula mais

“arrumadinha”, como diria R., Coordenadora de uma das escolas.

Com o passar do tempo, dar aula em duas escolas veio a prejudicar meu

trabalho, pois priorizava uma em detrimento da outra. Mas, me dei conta disso

quando a Coordenadora de uma dessas escolas me chamou a atenção, em

uma das reuniões individuais para falar da 1a série.

Segundo ela, o trabalho com a linguagem na 1a série desenvolvia-se com

tranquilidade, porém as atividades com matemática revelavam-se deficitárias.

Propus-me a rever meu trabalho e tentei reverter a situação. No final de ano,

junto à Coordenadora, pudemos analisar e concluir que as crianças estavam

alfabetizadas e dominando as operações básicas de matemática, mas que eu

poderia ter caminhado mais com os alunos no raciocínio matemático. Saí de lá

com uma lição de casa para as férias: estudar e preparar um projeto de

matemática. Infelizmente, no ano seguinte, ao voltar com todo o planejamento,

fui informada de que estava sendo desligada da escola, por questões

administrativas e financeiras, a escola sofreu uma diminuição no número de

matrículas e minha dispensa, por ser eu a mais nova no grupo, seria menos

onerosa para escola.

Em 2000, trabalhei na escola que utilizava o material apostilado, em uma

1a série, em parceria com uma professora que compartilhava comigo os

mesmos referenciais teóricos. Mediada, é claro, por seu olhar, por sua história

de vida, por seus próprios limites, fui percebendo a importância de os

momentos compartilhados serem sistematizados pelo registro, pela análise

conjunta entre nós e com nossa coordenadora. Essa experiência me levou a

buscar indicadores e olhares de como se estabeleciam as relações de parcerias

efetivas, pois estas surgiam e tornavam-se importantes, já que até o que era

incômodo, era ”ressignificado” e retomado como novas possibilidades de

trabalho.

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Em 2001 e 2002, estive novamente com a 1a série. No entanto, sem

parceira de série. Trabalhar sozinha e em outro momento da minha vida

profissional foi um desafio que exigiu muita reflexão teórica e prática.

Desenvolver projetos de trabalho com os alunos, além do uso do material

apostilado adotado pelo colégio, tornou-se, aos poucos, um encontro de

desejos e provocações.

Essas “ausências de sintonia”, se assim posso nomear, ficaram mais

claras e presentes em algumas atitudes que passei a observar nas famílias e na

própria linha de atuação da direção da escola.

Mas para quê você precisa de álbum de fotos da família? (fala de uma

mãe – 2001 –, referindo-se ao álbum de fotos da família para que a criança

compreenda e conheça melhor as suas origens).

Eu fiz todo o livro da vida porque você sabe, professora, a minha filhinha,

ainda não escreve bem, bonito e bastante (fala de uma mãe – 2001 –, quando

questionada sobre o por quê de a própria filha não fazer o registro como havia

sido solicitado em bilhete de orientação).

Mas essa escola cansa, hein!? O que essa professora quer? Um poema!

Eu não tenho tempo! (fala de uma mãe – 2002 –, resposta dada à orientadora

da escola quando solicitei que a mesma ligasse para a casa de alguns alunos

que não haviam trazido a poesia pedida).

Nossa! Trabalhar na 1ª série dá um trabalhão! Como vocês inventam

coisas.. .Faz aqui, manda pra casa e depois trabalha em cima... (fala do Diretor

escolar – 2001)

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Vivenciar o ambiente escolar com um leque variado

de interferências – posicionamentos dos pais, dos

diretores, das crianças, de outros professores, decisões

administrativas e pedagógicas –, somado aos próprios

conflitos e desejos de constituir um trabalho articulado, fez

com que eu registrasse minhas indagações durante esse

processo, para que pudesse aprofundá-las e refletir sobre

elas, tendo em vista o processo de constituição da

professora, em mim...

Olhando o ano de 2003, para esse caminho

percorrido, percebo que a prática do uso sistemático da

literatura em minhas aulas e a prática do registro do que

desenvolvo sempre têm se constituído como recursos do

meu fazer de professora. Tendo o material apostilado

como prescrição, tenho-me utilizado das brechas, tenho

buscado, junto a outras pessoas, alternativas para realizar

o trabalho paralelamente à prescrição. E, aí, encontro-me

novamente diante da literatura – é ela que me tem

apontado possibilidades de saídas. Presente diariamente

na prática pedagógica, tornou-se eixo de trabalho, a fim

de encontrar um caminho. Seja na leitura em roda, nos

textos para trabalhar linguagem, nas informações lidas em

diferentes fontes, ela tem-se feito presente no meu

cotidiano escolar como professora.

Nesse movimento, o registro do cotidiano passou a

constituir-se o interlocutor da minha prática, com algumas

reflexões feitas por mim - seja o sucesso ou o fracasso,

seja o prescrito ou não prescrito. Acredito que esse

A literatura, na sua mais

variada forma que se

apresenta - poesia,

contos, romances,

peças de teatro, jornais,

quadrinhos, ensaios

longos - provoca no

sujeito um movimento

de pensamentos que

podem ser relançados a

atividade de

simbolização, de

construção de sentido,

permitindo assim, que

cada um se torne

narrador da própria

história. (PETIT, 2003)

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registro tem historiado o processo do meu fazer pedagógico e certamente indica

como tenho me constituído, ao longo do tempo, como professora das séries

iniciais do Ensino Fundamental.

Nos registros que faço, uma das marcas constantes tem sido o uso

frequente da literatura como eixo de trabalho, o que, muitas vezes, em uma

escola cuja linha já estava prescrita pelo material apostilado, causava muitos

momentos de tensão. Assim, nesse movimento entre a opção por seguir as

possibilidades de trabalho abertas pelo uso da literatura e a necessidade de

seguir um plano de trabalho já definido, percorri certos caminhos que foram

discutidos em minha Dissertação de Mestrado e que aqui também se fará

presente.

2.2. Uma pausa no caminho...reencontrando o percurso

Fazer da interrupção um caminho novo.

Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte,

da procura um encontro! Fernando Sabino

(2005)

Uma pausa no caminho foi necessária. Diante dos trajetos feitos, olhei e

selecionei alguns deles para compreender onde estou/cheguei.

Em 2002, tive minha primeira experiência docente no ensino superior em

uma faculdade de Sumaré, no curso de Pedagogia. Fiquei encantada pela

maneira que fui apresentada ao Ensino Superior e pela possibilidade de

trabalho com futuras professoras. Em um único semestre experimentei

oficialmente o que era ser professora de professoras e me espelhei nas

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professoras com as quais estabeleci parceria na Faculdade, aquelas que liam

os livros de literatura para provocar discussões e, fui aos poucos percebendo

que o caminho não era somente flores. Havia espinhos que me cortavam

amargamente: a escrita precária dos alunos, o descaso da instituição com o

curso em si, a ausência de diálogo entre as pessoas envolvidas. Experiência

vivida e decisão tomada: estar com as crianças me satisfazia mais do que

nunca.

Em 2003, continuei o percurso de professora titular na escola apostilada

e, paralelamente, comecei a trilhar um novo caminho, o de professora auxiliar22

em uma escola que trabalhava com projetos.

Nesta nova função, comecei a ouvir o termo parceria, como forma de

organização do trabalho. Semanalmente, as professoras do Ensino

Fundamental se reuniam para trabalhar em períodos de duas horas. Ora as

professoras da série, que geralmente era entre seis e oito, para discutirem os

encaminhamentos dados e pensar em possibilidades de trabalho, ora era com a

Coordenação do curso que propunha formação através de textos teóricos

relacionados à prática.

Aos poucos, fui percebendo que os caminhos se cruzavam e que alguns

desvios eram encontrados em ambos, mas que podiam ser contornados para

que a caminhada fosse contínua e com aprendizados.

Novamente vivenciei o novo que era olhado com estranheza ou

curiosidade pelas pessoas. Quem era aquela pessoa que estava chegando?

Devido a minha experiência na escola com o sistema apostilado, a clareza e a

praticidade da organização do trabalho eram fatores que geraramgeram certa

desconfiança e a trilha a ser percorrida era questionada.

22

Nesta escola, a professora auxiliar trabalha junto com a professora titular da classe. É responsável por atuar com as crianças com dificuldades, de assumir a sala quando necessário, de fazer correções e preparar atividades e de acompanhar uma das aulas de Educação Física durante a semana. A professora auxiliar tem um salário menor da titular e tem seu horário de trabalho dividido entre as salas da série.

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Mas, em ambos os caminhos, o acolhimento foi tão

significativo que as pessoas com as quais trabalhava

enriqueceram meu jeito de ser professora que continuava

pautado no uso da leitura da literatura agregando as

novas mídias como forma de organizar e registrar o

trabalho que foi apresentado em minha dissertação de

mestrado, defendida no final do ano.

Em 2004, logo no início do ano me tornei mãe e,

assim como no livro ‘Se as coisas fossem mães’, de

Sylvia Ortof, fui percebendo e vivenciando um novo jeito

de ser e de ver o mundo. A licença-maternidade me

trouxe uma grande surpresa na escola apostilada: uma

parceria de trabalho que enriqueceu e solidificou o que

estava realizando no 2º ano. Ora a professora que me

substituiria assumia, ora eu, a professora titular. Arte e

literatura se encontraram e novos rumos foram traçados

e, assim, a arte do cotidiano foi sendo instaurada como

mola propulsora do trabalho docente ali desenvolvido. A

razão foi dando mãos para a emoção que foram sendo

articuladas e expostas de uma maneira que começou a

invadir o outro caminho, o da escola com projetos.

A escuta sensível foi instaurada, não que ela não

estivesse em mim, mas acredito que o encontro com a

maternidade e com a nova parceira, fez com ela

ganhasse corpo, imaginação, razão e afetividade em uma

relação de totalidade com o Outro.

A maternidade,

experiência única e

singular, mas que, ao

mesmo tempo, está ligada

a outras mulheres que

constituem uma rede em

permanente movimento,

fez com que a afinidade

essencial potencializasse

uma busca individual e

coletiva pelo qual eu

passava naquele

momento. Algumas

atitudes e sentimentos

foram desvelados e

fazendo com que o olhar e

a escuta sensível para as

situações cotidianas da

escola e da vida fossem

mostrando outras

possibilidades de trabalho

docente. Hoje vejo que a

maternidade me fez ter

uma leitura mais

emocional, captando o

conteúdo sensível em vez

de aprender ou avaliar os

conceitos linearmente.

Tornei-me uma

pessoa/profissional com

um olhar mais amplo e

sutil aos que estavam ao

meu redor e comigo

mesma, permitindo que o

que não me servia,

seguisse seu caminho sem

me distrair do que

realmente me tocava

naquele instante.

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Nessa existência dinâmica, outras pessoas com as quais trabalhava

foram se tornando essenciais para compreender quem eu era como professora

e como mãe.

Nos anos seguintes, fui entrelaçando e apurando o uso da literatura, a

sensibilidade, a arte do fazer com as mãos, a fotografia e outros recursos

digitais como maneiras de explicitar as parcerias de trabalho. Parcerias de

trabalho com as crianças, com as famílias, com as outras professoras, com as

coordenadoras, com o que lia de teoria e de leitura fruição.

Trabalho fortalecido em ambas as escolas até que de repente um

caminho foi reconfigurado no final de 2006. Saí da escola apostilada e pude

experienciar que as parcerias estabelecidas em qualquer tempo ou espaço

extrapolam os muros, logo, um novo trajeto foi incorporado.

Em 2007, iniciei um percurso que entrelaçava duas experiências de

escolas que trabalhavam com projetos: na antiga, continuava como professora

auxiliar e, na nova, como professora titular.

Desafios novos provocaram em mim a necessidade de me aventurar em

lugares ainda não conhecidos. Novamente, a acolhida e o trabalho em equipe

foram se configurando e mostrando que, para ter parceria, não precisava estar

no mesmo local de trabalho ou série uma vez que o e-mail23 podia ser uma

ligação mais do que virtual no momento de elaboração e organização do

trabalho pedagógico.

Intensidade na vida profissional e pessoal até que optei por ficar na

escola onde era professora auxiliar para ter tempo para a minha família.

Ocupando a função de professora auxiliar, passei por diferentes anos –

3º, 4º e 5º ano, mas não deixei de ser a professora que partilhava o que

23

Aqui me refiro ao e-mail como um dos meios de comunicação, mas se faz importante ressaltar que os encontros presenciais para um café, um recado recebido, um encontro ´por acaso’, uma postagem nas redes sociais também constituem a elaboração e organização do trabalho docente.

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pensava, o que fazia com as professoras titulares e a Coordenação com as

quais trabalhava.

As inquietações continuavam perambulando em minha mente e

começaram a ganhar força e evidência com a redução de jornada de trabalho

que tinha feito. Novas leituras, escritos anteriores retomados foram delineando

um projeto de pesquisa que foi marcando um novo lugar que ocupava: a de

professora orientadora de TCC e de professora tutora presencial de Educação à

Distância (EAD) no Ensino Superior.

Foi assim que tomei coragem de prestar o processo seletivo para o

Doutorado. Projeto escrito, entrevista feita e a expectativa de novas

possibilidades de trabalho.

Assim foi em 2011. Tornei-me aluna de doutorado do Grupo de Estudos

e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC) e professora titular na escola

em que estava desde 2003.

Novas parcerias foram se formando, outras nem tão novas foram se

reconfigurando e novos desafios estavam postos.

Reencontrar a professora-pesquisadora que sempre fui, mas que ficou

em ritmo lento por determinado momento da vida devido à maternidade e à

jornada dupla de trabalho foi a conexão que faltava para me tornar uma pessoa

mais completa porque estudar, para mim, sempre foi a mola propulsora da vida

e do conhecimento.

Novas possibilidades de trabalhos foram revisitadas por mim e

instauradas junto aos meus alunos diante do que vivíamos em sala de aula.

Registrar o cotidiano da sala de aula em um diário de bordo, ter livre acesso à

máquina fotográfica para registrarmos o que quiséssemos, costurar para

trabalhar outras habilidades como foco, atenção e paciência, escrever para

além da sala de aula...

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Não posso me esquecer de que, por ter sido professora auxiliar por

muitos anos - atuandodividindo o planejamento das atividades a serem

desenvolvidas em sala de aula e fora dela com as crianças -, fez com que cada

vez mais as minhas aulas fossem partilhadas com a professora auxiliar da sala

em que estava como professora titular. Dialogar, encaminhar e redirecionar o

planejamento e as atividades foram momentos de intensa aprendizagem.

Estar em parceria com as outras professoras da série foi me instigando

cada vez mais a pesquisar o tema já que nem sempre estar junto na mesma

série significa trabalhar junto, em conjunto. Porém, posso afirmar que de cada

parceria vivida nestes anos pude aprender/apreender um jeito novo de

organizar e olhar para o trabalho. Lógico que algumas parcerias são mais

efetivas, pois há uma proximidade e uma disponibilidade em escutar e pensar

junto que favorece a todos, principalmente, aos alunos.

Com a diversidade de lugares que estava e estou ocupando fui

procurando aprender e apreender o que podia dos encontros com Ana Aragão e

das suas orientadas, do GEPEC, das disciplinas cursadas na UNICAMP e na

USP, dos Congressos que participei e ajudei a organizar, das reuniões

pedagógicas vividas na escola com as outras professoras e a Coordenação de

curso, das aulas que dava na Faculdade e das relações de trabalho que tinha

agora como coordenadora de professores a distância no EAD.

Diante da convergência de caminhos, em janeiro de 2012, tive a

oportunidade de realizar um estágio de docência na Universidade do Minho, em

Braga (Portugal), a convite do Professor Doutor Pedro Rosário, do

Departamento de Psicologia Educacional. Neste momento, revisitei o projeto de

Doutorado e fui apurando o olhar e o referencial teórico da presente pesquisa.

Além disso, visitei escolas com práticas pedagógicas que valorizavam/valorizam

a formação do professor e o trabalho coletivo ali desenvolvido.

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Aproveitando que estava em terras além-mar, participei de um Seminário

de Formação Contínua e tive a oportunidade de dialogar sobre o meu percurso

de professora-pesquisadora e das questões da pesquisa aqui apresentada com

as professoras Idália Sá-Chaves e Luzia Lima-Rodrigues que, em uma escuta

sensível, perceberam o encantamento do desenvolvimento desta pesquisa.

Em 2013, fui convidada pela professora Ana Lúcia Guedes Pinto a

participar do programa Pacto Nacional pela Alfabetização da Idade Certa

(PNAIC)24, na UNICAMP, como supervisora de formadores. Desafio posto,

desafio aceito. Retomar as leituras sobre alfabetização e pensar em formação

continuada tem me proporcionado experiências de intensa aprendizagem e vem

instaurando outras parcerias que tem me enriquecido em meu jeito de ser

pessoal e profissional.

Concomitantemente a todos estes caminhos, tantos outros foram

trilhados e deixando suas marcas em mim, mas acredito que este é o meu jeito

de contar o percurso feito.

Digo que para se chegar até aqui, o caminho foi longo, tortuoso,

desafiador e, algumas vezes, surpreendente. Juntar as trilhas feitas e explicitá-

las também requisitou, em mim, um processo de busca e organização que nem

sempre resultaram em belas imagens, mas sempre estive amparada, se assim,

posso dizer, por pessoas/parceiras que me mostraram a possibilidade do

desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada.

24

Mais informações sobre o programa disponíveis em: http://pacto.mec.gov.br/. Acesso em: 13 maio 2015.

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Capítulo 3:

A constituição da professora-

pesquisadora

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Preciso ser um outro para ser eu mesmo

Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando o sexo das árvores

Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço Mia Couto

(1981)

Além da formação formal que tive - Magistério, Graduação em Pedagogia

e Mestrado em Educação - não posso deixar de citar os espaços de trabalho

que sempre tive (e tenho até então) como formativos: da escola básica ao

ensino superior ou os espaços de formação de professores pelos quais passei

como formadora e aluna.

É neste trilhar de possibilidades que me constituo e me percebo como

professora-pesquisadora que consigo interpretar que nem sempre a escola que

me acolhe(u) está isenta de momentos de perplexidade como aquele em que

há uma adesão pequena da proposta de trabalho do projeto de pesquisa

apresentado por mim no Colegiado de Professores, coletivo de professores do

Ensino Fundamental junto à Coordenação da escola.

Neste emaranhado de sentimentos vividos e experienciados, me

distancio procurando olhar as possibilidades de trabalho e vejo que ao trazer a

escola como ambiente potencializador de formação, carrego também uma

certeza que acredita que é no chão do cotidiano escolar que nos formamos e

que, nele, temos que olhar atentamente para o que está visível ou não e

pensar, repensar as estratégias de formação do corpo docente, dos

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funcionários, das crianças e das famílias que ali se

encontram. A escola não é a mesma em todo o mundo e

nem nela mesma, pois mesmo que se extraiam leis e

estruturas gerais, a escola se realiza de maneira

diferenciada e diversa. Ao compartilhar a realidade não

desejo, de maneira abstrata, unificar e fragmentar a

experiência, mas não posso deixar de olhar atentamente

para “o movimento social a partir de situações e dos

sujeitos que realizam anonimamente a história.”

(ROCKWELL & EZPELETA, 2007, p. 133)

Dessa forma, é possível olhar para o contexto da

pesquisa de maneira natural, na qual a experiência

humana se delineia trazendo as circunstâncias

particulares que só podem ser compreendidas se

estiverem todos os fenômenos e acontecimentos ali

presentes.

Diante da minha trajetória profissional, optei em

investigar a própria prática uma vez que a professora-

pesquisadora que souestou, sempre inserida na sala de

aula e, consequentemente, na escola, procurando

respostas para minhas inquietações e indagações no

mundo real. Com o olhar atento ao conhecimento que é

construído dentro da escola, através das parcerias de

trabalho, pergunto: como se dá o processo de construção

da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais os

seus elementos que são constitutivos e quais as

implicações educacionais deste processo?

A memória é uma

tessitura feita a partir

do presente, é o

presente que nos

empurra em relação ao

passado, uma “viagem”

imperdível, uma

“viagem” necessária,

uma “viagem”

fundamental, para que

a gente possa trazer à

tona os encadeamentos

da nossa história, da

nossa vida, ou da vida

do Outro. (GALZERANI,

1999, p.8)

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Durante o desenvolvimento da pesquisa nos anos de 2011 e 2012,

estando imersa neste contexto natural de trabalho, tentei não perder o foco de

que fazia parte de todas as variáveis possíveis e de que minha sensibilidade às

situações ou às experiências teria que ser fortalecida.

Mas como consolidar tudo isso?

Não sei se há primeiro lugar, segundo lugar, mas posso dizer que, ao

tornar consciente o fato de que faço parte da pesquisa, evidencio a

pessoalidade e a singularidade de todos os sujeitos nela envolvidos, inclusive a

importância da minha presença e atuação no grupo de trabalho que

estou/estava inserida. Assim, falo de um lugar que conheço e de que estive

presente em todos os momentos da produção de dados. Caso o registro feito

por palavras ou imagens não seja suficiente, poderei recorrer à memória que

carrega todas as lembranças, sensações e sentimentos que podem dialogar o

constante ir e vir da professora-pesquisadora.

Dessa maneira, a pesquisa foi se constituindo já que olho da/na/para a

prática educacional. Assim, a intenção não é acumular saberes sobre o ensino

ou a compreensão dos fatos, “mas, fundamentalmente, contribuir com

informações que orientem a tomada de decisões e os processos de mudança

para a sua melhoria.” (ESTEBAN, 2010, p. 167)

Quando inserimos a ação no âmbito das competências teóricas para

responder às necessidades dos práticos que se confrontam na urgência de

resolver o problema, estamos transgredindo ao propor que se faça uma parada

para refletir e produzir conhecimento no meio da ação (CORTESÃO, 2004).

Ao deparar-me com tais vivências, não tem como não me lembrar de

Stenhouse (1975a, b, c, 2007) quando diz que os docentes melhoram a sua

prática quando fazem experiências com elas e analisam de maneira critica.

Assim, quando realizo uma estratégia em sala de aula ou experiencio uma

possibilidade de trabalho nos espaços de conversas da escola, procuro

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vivenciá-la outras vezes para que possa, a cada momento, olhar o que deu

certo e o que não deu, o que poderia ter feito para que o processo e resultado

de ensino e de aprendizagem meu e dos meus alunos e/ou professores fossem

mais ajustados, encontrando assim, a singularidade do trabalho docente

daquele momento ou de determinada estratégia de ensino produzindo novos

saberes

Para que este processo de trabalho se torne efetivo fui a cada dia

percorrendo um caminho que foi compondo o percurso da minha formação

docente no trabalho com.par.t(r)ilhado. O sentido e o significado de cada

experiência se materializavam quando dialogava com outros sujeitos -

professores, alunos, pais, Coordenação, monitoras - e com as leituras que

realizava, buscando estratégias que pudessem ser vivenciadas para mostrar o

valor diante de cada situação prática a qual me deparava.

Novamente, Stenhouse (1975a, b, c, 2007) dialoga comigo quando diz

que se a experiência pedagógica for genuinamente conduzida por valores da

dimensão criativa como a compreensão das pessoas e fomento ao pensamento

crítico de todos os envolvidos, o processo de desenvolvimento deste espaço

inovador se faz mais importante do que o resultado a ser alcançado.

Tendo certa clareza dos critérios implícitos de valor que permeiam as

ações que realizo no cotidiano escolar, procurando aprimorar a própria prática

pedagógica e a capacidade de possibilitar outros encaminhamentos, a ideia de

professor como investigador da sua própria prática ganha sentido e potencializa

a formação docente que acontece diariamente na escola.

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É importante esclarecer que, muitas vezes, os

critérios se tornavam claros/evidentes quando revisitava

os registros que produzia e atentamente buscava

compreender o que estava dito e não dito. Mesmo diante

da frustração das poucas mônadas recebidas em 2011 –

o que relatarei um pouco mais à frente - o olhar e o

manuseio de todo o material, no ano seguinte, foi se

tornando essencial para compreender os processos

formativos e os sentidos produzidos por mim nos mais

variados momentos.

Nesta retomada da produção de dados durante e

após a pesquisa, o ato de manter uma atitude reflexiva foi

constante para que os questionamentos pudessem

continuar contribuindo para a produção de conhecimento

que foi produzido (e que ainda continua sendo),

evidenciando todas as escolhas realizadas ao longo do

processo.

Acredito que este jeito de trabalhar e olhar para a

ação docente sempre esteve presente nos caminhos que

percorri desde a minha iniciação docente com as crianças

da Educação Infantil, no fim da década de 1980, em

Piracicaba, quando já registrava nos cadernos

compartilhados com a Coordenação da escola. Mas não

posso deixar de dizer que as indagações sobre as ações

que tinha/fazia no cotidiano ganharam destaque quando

me deparei com as práticas vividas em escolas que

possibilitavam/possibilitam a experimentação sobre o

Mônadas são partes-

todo e não apenas

partes de um todo onde

reunimos a

perceptibilidade,

sensibilidade e

receptividade,

constituindo em seu

estado presente não

apenas o que o

precedeu, mas o que

está prenhe de futuro.

Enfim, as mônadas

podem ser entendidas

como pequenos

fragmentos de histórias

que juntas exibem a

capacidade de contar

sobre um todo, muito

embora esse todo possa

também ser contado

por um de seus

fragmentos.

(ROSA et al., 2011)

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currículo que efetivamente acontecia na sala de aula, mostrando os ideais

educativos que acreditava/acredito.

Um currículo é um meio de estudar os problemas e os efeitos inerentes à realização de uma qualquer linha definida de ensino. A qualidade única e singular de cada turma pressupõe que toda a proposta – inclusivamente a nível escolar – necessita de ser posta à prova, verificada e adaptada por cada professor na sua turma. O ideal é que a especificação do currículo estimule uma investigação e um programa de desenvolvimento pessoais por parte do professor, mediante os quais este possa aumentar progressivamente a compreensão do seu próprio trabalho e, assim, aperfeiçoe a sua própria forma de ensinar. (STENHOUSE, 2007, p. 195)

Dessa forma, o professor está em constante desenvolvimento

profissional já que se apresenta em um movimento permanente da reflexão da

sua própria prática e da epistemologia sobre os diferentes modelos de

educação encontrados nas mais variadas experiências docentes.

Isso tudo não é novo. Esta discussão vem desde a década de 1930, mas

foi Lawrence Stenhouse quem evidenciou o tema, 30 anos mais tarde.

Após certo tempo, o desenvolvimento de projetos com este caráter

prático já acontecia durante a década de 1970, na Grã-Bretanha, com John

Elliott e seus colaboradores que exprimiam significativamente a ideia de

professor como investigador de sua prática.

Outro ponto abordado por Elliott (2010, 2012) sobre a investigação-ação

é a importância do grupo ao qual o professor está inserido já que este pode ser

tomado pelas indagações do conjunto de sujeitos com os quais se relaciona ou

vice-versa (reflexão cooperativa), tornando-se única e individual quando traz

para si ou para o outro.

Neste sentido, o professor-pesquisador, ao produzir conhecimento sobre

o que vive no cotidiano da escola, está procurando transformar sua maneira de

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trabalhar, o seu jeito de ser e, consequentemente, a coletividade a qual

pertence.

Já na década de 1980, Wilfred Carr e Stephen Kemmis e a equipe da

Universidade de Deakin (Austrália) avançam na discussão dos saberes

docentes, formação de professores e a prática pedagógica quando colocaram

em evidência a prática emancipatória, propondo que os próprios professores

elaborem uma teoria de ensino através da reflexão crítica sobre seus

conhecimentos práticos.

(...) Neste contexto, valorizam tanto os conhecimentos teóricos produzidos por teorias que recortam a realidade como aqueles saberes complexos produzidos reflexivamente pelo professor ao produzir o trabalho docente. Mas, o professor crítico, ao privilegiar a dimensão da práxis, reelabora ou modifica os conhecimentos teóricos de que se apropria como também não considera definitivos aqueles que produz na prática. (FIORENTINI, SOUZA Jr, & MELO, 1998, p. 325, grifos meus)

Dessa forma, a prática pedagógica é vista como uma prática social onde

os saberes se tornam flexíveis e inconstantes, no entanto, assumem valores

ético-políticos já que atende as necessidades e anseios dos professores que

estão no chão da escola produzindo a prática. Todo este movimento vivido pelo

professor-pesquisador não garante que haja uma prática educativa reflexiva

nomeada de emancipatória, pois o professor nem sempre poderá estar com

este foco.

Fiorentini, Souza Jr, & Melo (1998) ao olharem para as palavras de Carr

e Kemmis (1998) destacam que o professor pode estar interessado em aplicar

os resultados de pesquisas externas, ou ainda, criando vínculos cooperativos

com os pesquisadores externos para organizar suas próprias

dúvidasinquietações planejando os encaminhamentos a serem dados refletindo

sobre o ocorrido e ações para mudanças, ou ainda, o professor está vinculado a

um coletivo que assume a responsabilidade de libertar-se do que é posto

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ideologicamente e socialmente reconhecendo que há limitações para que todas

as mudanças ocorram, mas procura ter ações que valorizem os princípios

educacionais assumidos.

Diante disso, olho para meu foco de pesquisa que é o trabalho

com.par.t(r)ilhado e vejo marcas de uma pesquisa que tem um interesse

humano libertário na minha prática pessoal e profissional que se concretiza na

lida diária, buscando uma melhoria contínua do ato de educar realizado na

escola em que atuo. Tenho uma necessidade enorme de dialogar para

compreender e pensar em possibilidades de mudanças que sempre são

disparadas por questões problematizadoras vivenciadas e observadas junto aos

meus alunos ou das colocações que outras professoras e coordenadoras

compartilham/questionam comigo num processo reflexivo de formação da

professora-pesquisadora.

Tanto Elliott quanto Carr e Kemmis apontam que é preciso lidar com a

mudança de comportamento na formação docente para que a pesquisa

realizada não seja tomada como idealista demais diante das condições

históricas de trabalho e de pesquisa em que nos encontramos (condições

intelectuais, políticas, culturais, socioeconômicas e emocionais). A cada dia

temos vivido no cotidiano da escola um trabalho excessivo a ser realizado fora

do ambiente escolar (que nem sempre é remunerado), como elaboração,

correções de atividades e avaliações, alimentar plataformas online das

instituições e responder a e-mails de trabalho.

A importância da pesquisa é potencializar o deslocamento dos

professores de um movimento individual para um processo coletivo de pesquisa

e atuação em relação à maneira como são percebidas as mudanças

curriculares e o desenvolvimento profissional dos professores (FIORENTINI,

SOUZA Jr, & MELO, 1998)

Dessa maneira, o professor, em sua dimensão pessoal e profissional,

precisa estar situado no real contexto em que foi se formando e em que atua

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para que potencialize suas ações da prática pedagógica que revelam o seu

conhecimento e suas escolhas político-pedagógicas e afetivas, pois ao se

mover com clareza nas ações que pratica, vai se apropriando e conhecendo as

diferentes dimensões que permeiam o cerne pedagógico, tornando-o um

professor mais seguro no próprio desempenho.

Enfim, tornar-se um professor-pesquisador que atua no chão da escola

exige um esforço enorme uma vez que tem que dar conta com competência e

responsabilidade da tarefa de ensinar os alunos a se apropriarem de

conhecimentos essenciais e fundamentais para que se sintam inclusa na

sociedade de maneira responsável e comprometida.

Além disso, o professor-pesquisador precisa ter disciplina e certa

exigência consigo mesmo para que possa diante das decisões imediatas e das

ações imprevisíveis que se tem na sala de aula e em outros espaços da escola,

para se distanciar observando e indagando o que está posto ou não para que

assim, diante de uma escolha de registro, possa produzir e analisar os dados

de maneira mais rigorosa como nos solicita a Academia.

Somente isso basta para se tornar um professor-pesquisador?

Lógico que não! O professor-pesquisador precisa estar disponível a

procurar respostas para suas inquietações. É preciso que tenha formação para

que possa ir se constituindo como professor-pesquisador que no decorrer do

percurso formule perguntas, selecione quais caminhos quer trilhar (métodos) e

o que analisará; e, que esteja inserido em um ambiente que proporcione a

constituição de grupos de estudo com acesso a diferentes materiais de

pesquisa.

Mas uma lição que venho aprendendo na lida diária da escola e da

universidade é que não posso me esquecer de que sou professora-

pesquisadora que se forma nopelo trabalho, que é dali do chão da escola que

falo, que olho e coloco as reais condições de trabalho, de que valorizo o que dá

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certo, de que diante das dificuldades busco alternativas para redirecionar o

caminho tomado, de que é possível articular a prática à teoria e vice-versa.

Ressalto que nem sempre o problema ou a questão que está sendo investigada

é resolvida eou solucionada durante a pesquisa. No entanto, ao ter consciência

dos processos de produção de conhecimento, das ambiguidades presentes,

das diferenças e semelhanças ali vigente que permitem um adaptar-se

constante diante das certezas e incertezas, dos valores e convicções, podem-

se tirar lições que se apoiam nas experiências vividas por nós mesmos ou por

outros professores e, não só em conhecimento científico, mas em diálogos

constantes entre eles para que seja possível encontrar uma validação e

reconhecimento exigido napela pesquisa acadêmica assim como um

conhecimento mais detalhado da realidade a qual estamos inseridos olhando

para o aprimoramento do ensino e das práticas pedagógicas e à autonomia do

professor.

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Capítulo 4:

O caminho trilhado: o

cotidiano da escola

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A maior riqueza do homem é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai

Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros25

Diante do que venho narrando, não há como separar a Marissol,

professora das séries iniciais do Ensino Fundamental e coordenadora de

tutores a distância, da Marissol, pesquisadora do GEPEC (Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Continuada) que integra o Programa de Pós-

Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP. É justamente nesta

transposição de caminhos que a pesquisa vai se materializando e se

concretizando no cotidiano da escola e aqui nesta escrita.

E o que é cotidiano da escola?

No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa26 me deparo com a palavra

cotidiano que tem origem do Latim quotidianus ou cottidiannus que traz vários

significados: que acontece diariamente; que é comum a todos os dias; diário.

Que é comum; banal. Que aparece ou se publica diariamente. O que se passa

todos os dias; o que é comum. Conjunto de ações realizadas por alguém todos

os dias de modo sucessivo e contínuo.

25

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/manoel_de_barros/ . Acesso em: 16 mar. 2014. 26

HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. RJ, Objetiva, 2001, p.856.

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Ao me remeter aos diferentes significados encontrados no dicionário,

quero mostrar que é urgente dar visibilidade ao que acontece na escola

diariamente para que assim ganhe forma e vida nas vozes anônimas dos

professores que ali estão e ecoem na academia e nos diferentes

espaçostempos que formam os futuros professores.

Todas as acepções se fazem presentes e importantes no/do cotidiano

da/na escola, pois até o que parece ser banal, como um simples registro ou

comentário feito pela criança ou por outro professor, ou um pensamento que

toma a mente diante de um ocorrido, é material para analisar, observar,

inquietar-se e refletir em busca de outras possibilidades de trabalho.

Assim, há uma busca incessante de produzir novas pesquisas do/no/com

o cotidiano escolar, pois sempre se está lidando com uma visão do que

acontece que pode nos levar para um terreno instável já que o caminho da

pesquisa está sendo traçado ali, naquele momento, com todos os acertos e

fracassos possíveis. (FERRAÇO, 2008)

Mas, é importante deixar claro que, mesmo diante dos riscos, há um

cuidado muito grande quando se opta por quais caminhos teóricos trilhar, pois

se faz necessário evidenciar tudo o que ocorre durante o percurso da pesquisa

e da formação docente. Há uma necessidade de encontrar pistas que ampliem

o olhar sobre a realidade vivida na sala de aula e, consequentemente, na

escola.

É neste ir e vir que se precisa quebrar o que está cristalizado nas

práticas culturais e potencializar o que ainda é emergente ou invisível aos

olhos.

Para que esse caminhar se torne em um processo de pesquisa formativo

faço a opção por compreender meu trabalho como professora inserida em um

grupo de professores que estabelece parcerias e suas implicações. Acredito

que seja possível encontrar “microdiferenças onde tantos outros só vêem

obediência e uniformização” (CERTEAU, 1994, p. 19), pois eu não percorrerei o

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caminho para a produção dos dados, eu estou no caminho, vivendo a cada

segundo os dissabores e a boniteza deste momento.

E como justificar essas opções?

Prado e Cunha (2007), Prado e Soligo (2007) e Trahar (2009)

apresentam a narrativa como a abordagem metodológica mais apropriada

nestes momentos, pois estou focalizando a própria experiência vivenciada

em/com pares, já que quando você está preparando um caminho, você o possui

e uma vez começado a percorrê-lo, o percurso é o que irá lhe guiar.

De acordo com os autores, a investigação narrativa não prioriza um único

método de produção de dados porque estes ocorrerão como a vida é vivida no

dia-a-dia e no seu todo, mas ambos, cada um do seu jeito, nos entremeios das

palavras, reafirmam que a narrativa possibilita compreender o enraizamento

cultural de aprender e ensinar conhecimentos que são narrativamente

compostos nas pessoas e nas práticas que possuem.

Neste trilhar de caminhos possíveis da narrativa, me reencontro com as

palavras de Benjamin (1975), em seu texto “O Narrador” e, ressalto que ao

assumir, ao mesmo tempo, o papel de professora-pesquisadora e a narração

desse processo, estou assumindo uma posição política em um determinado

lugar social – a escola. Ponho em relevo certa história sobre um sujeito em

relação a outros tantos, trazendo à tona uma sabedoria própria:

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. (BENJAMIN, 1975, p. 201)

Ao narrar, partilho minhas experiências docentes que trazem em si um

uma dimensão utilitária, como nos coloca Benjamim (1975), ao dizer que

consiste em ensinar um valor, uma sugestão prática em um simples momento

de “contar um causo” uma vez que quem narra, é um sujeito que sabe dar

conselhos ou que quer compartilhar as lições que aprendeuapreendeu, como

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sempre se ressalta no GEPEC e, dessa forma, não se deixa de comunicar o

que se vive e aprende na escola.

Falar deste jeito de produzir conhecimento não é fácil, mas se faz

necessário porque marco o lugar de onde falo – a professora nada escola – e

uma maneira narrativa de fazer pesquisa que se constitui nopelo percurso a

partir nada prática.

Nesta busca de entender e validar a narrativa, me reencontro com as

palavras de Larrosa (1999) sobre fidelidade às palavras que vão compondo,

para mim, o que é narrativa.

Quando sou fiel às palavras, arranco o eu de mim mesma,

estabelecendo outra relação o eu como si mesmo e o eu como outro. Quando

escrevo o que de fato acontece e sinto, mantenho a contradição, mostrando o

inesperado que me desestabiliza e que compõe o sentido daquilo que se é.

A fidelidade às palavras é não deixar que as palavras se solidifiquem e nos solidifiquem, é manter aberto o espaço líquido da metamorfose. A fidelidade às palavras é reaprender continuamente a ler e a escrever (a escutar e a falar). (Larrosa, 1999, p. 40)

Assim, por um momento, por fragmentos, podemos nos aventurar na

escrita que nos capta tão bem, que revela a miudeza do que ocorre na escola e

dasnas ações que vamos tomando ao longo do espaçotempo que temos ali.

É nesta maneira de fazer que é possível encontrar uma identidade

narrativa, repleta de lacunas que nos desestabiliza e que nos faz refletir sobre o

que está posto naspelas palavras ou pelos sentidos que são evocados ao lê-

los.

As narrativas, ao serem lidas, provocam uma escuta para além do que

está escrito. Apropriando-me das palavras de Larrosa (1999, p. 142) destaco

alguns pontos:

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(..) é trazer o dito à proximidade do que fica por dizer, trazer o pensado à proximidade do que fica por pensar, trazer o respondido à proximidade do que fica por perguntar.

(...) é recolher-se na indeterminação do dizer: que não haja um final nem uma lei para o dizer, que o dizer não se acabe nem se determine.

(...) a ação de ler extravasa o texto e o abre para o infinito. Por isso, reiterar a leitura é re-itinerar o texto, em-caminhá-lo e encaminhar-se com ele para o infinito dos caminhos que o texto abre.

Enfim, ao produzirler as narrativas estou me apropriando de um jeito de

contar o que acontece no cotidiano da escola e como posso, a partir desta

produçãoleitura, entender e refletir sobre esse espaçotempo repleto de outros

momentos históricos – das pessoas, da instituição e das coisas que ali

acontecem – que possibilitam ações futuras que não serão as mesmas

experiências de quem narrou, uma vez que estará em outro espaçotempo.

A importância deste movimento de produçãoleitura da narrativa em

primeira pessoa se sobressai quando destaco o valor do registro que permite o

trazer os fatos ditos e velados do caminho da pesquisa em palavras que

permitem a produção, leitura, releitura e reflexão do vivido no cotidiano da

escola e, assim, como professora-pesquisadora vou me constituindo napelas

palavras, suas ou de outrem. (PRADO e CUNHA, 2007).

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É nesta intensa produção de conhecimento durante

eou após o percurso vivido que a narrativa se torna uma

maneira de dar visibilidade ao que fazemos enquanto

profissionais da escola uma vez que podemos ter as

nossas histórias narradas e partilhadas. Isso é de extrema

consideração porque nossa memória tem sido pouco

valorizada em nossa cultura. Como falar da escola sem

olhar para nossas histórias? Impossível não dar olhos,

ouvidos e voz a elas. Temos que colocá-las em lugar de

destaque sempre que possível para produzir nopelo outro

a compreensão daquilo que fazemos e do que pensamos

sobre nossas ações e escolhas do cotidiano escolar.

(PRADO & SOLIGO, 2007)

Ao olhar para as narrativas como possibilidade que

se tece na rede cotidiana é possível observar que um

mesmo procedimento coletivo pode gerar diferentes

estratégias individuais que são marcadas “pela

singularidade das experiências, fazendo com que práticas

individuais semelhantes configurem processos coletivos

distintos.” (FERRAÇO, 2008, p. 25)

Dessa maneira, alguns caminhos possíveis de

pesquisa no/do/com o cotidiano que podem ou não gerar

múltiplos sentidos vão sendo desenhados.

Creio que o distanciamento provocado pela

pesquisa possibilita ler de outro modo o que não está

posto ou perceber as sutilezas de pequenos atos, gestos,

palavras fazendo que o olhar, a sensibilidade e o trabalho

ganhem dimensões diferentes possibilitando um resultado

“Se considerarmos a

memória um processo,

e não um depósito de

dados, poderemos

constatar que, à

semelhança da

linguagem, a memória é

social, tornando-se

concreta apenas

quando mentalizada ou

verbalizada pelas

pessoas. A memória é

um processo individual,

que ocorre em um meio

social dinâmico,

valendo-se de

instrumentos

socialmente

construídos e

compartilhados. Em

vista disso, as

recordações podem ser

semelhantes,

contraditórias ou

sobrepostas. Porém, em

hipótese alguma, as

lembranças de duas

pessoas são – assim

como as impressões

digitais, ou, a bem da

verdade, como vozes,

exatamente iguais.”

(PORTELLI, 1997, p. 16)

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mais significativo para meus pares e para mim mesma, como sujeito em

constante processo de formação.

De acordo com Certeau (1994), ao me reportar à prática cotidiana posso

fornecer histórias para uma narratividade que usualmente é povoada de um

saber não sabido. Na tentativa de investigação para compreender o que estava

pensando em determinados fragmentos do meu fazer ou do outro, talvez tenha

acesso a um conhecimento que até então era, para mim, desconhecido ou não

percebido.

Este ‘fazer cognitivo’ não viria acompanhado de uma autoconsciência que lhe desse um domínio por meio de uma reduplicação ou ‘reflexão’ interna. Entre a prática e a teoria, esse conhecimento ocupa uma ‘terceira’ posição, não discursiva mas primitiva. Acha-se recolhido, originário, como uma ‘fonte’ daquilo que se diferencia e se elucida mais tarde. (CERTEAU, 1994, p. 143)

Como professora-pesquisadora, procurarei trilhar o caminho da elaboração

desse conhecimento, buscando esse “fazer cognitivo”.

Nessa perspectiva, o conceito de cultura ordinária possibilita uma reflexão

que permite focalizar as miudezas do nosso trabalho e compreender seu

significado no movimento da prática pedagógica na escola. Acredito, assim, que

ao trazer esse olhar possamos apreender como se dá o processo de

construção da parceria no cotidiano do trabalho docente e quais os seus

elementos constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo.

Na cultura ordinária, diz ele, "a ordem é exercida por uma arte", ou seja, ao mesmo tempo exercida e burlada. Nas determinações da instituição "se insinuam assim um estilo de resistência moral". Ou seja, "uma economia do dom", "uma estética de lances" e uma "ética da tenacidade", três qualificativos que levam a termo a valorização da cultura ordinária e atribuem às praticas o estatuto de objeto teórico. Resta então encontrar o meio para "distinguir maneiras de fazer", de pensar "estilos de ação", ou seja, fazer a teoria das práticas. (CERTEAU, 1994, p. 20)

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Tal tarefa não é fácil de realizar, principalmente, pela heterogeneidade

dos sujeitos – alunos, pais, professores, coordenadores, diretores, funcionários

- com os quais com.par.t(r)ilhamos o trabalho pedagógico desenvolvido em

sala de aula.

Vale a pena retomar que cada sujeito tem uma historicidade que vai

sendo entrelaçada a tantas outras e se constituindo na multiplicidade e

unicidade de cada um. Mesmo assim, se faz necessário destacar a concepção

de conhecimento que valoriza essa diversidade de saberes, pois acredito que o

conhecimento é construído na relação entre um sujeito cognoscente, um sujeito

mediador e o objeto do conhecimento. (GÓES, 1991)

Nesta constituição de si mesmo e das suas formas de elaboração de

conhecimento o sujeito vai se tornando autônomo e modificando suas ações.

Nessas interações, tanto os sujeitos envolvidos como o objeto de seu

conhecimento mantêm a sua existência objetiva e real, ao mesmo tempo em

que atuam um sobre o outro. Esta interação produz-se no enquadramento da

prática social do sujeito que apreende o objeto na - e pela - atividade. (SHAFF,

1987)

Não é simples explicar as práticas sociais, mas a análise que fazemos

dela se dá num constante ir e vir do teórico para o real (concreto), do micro para

o macro e vice-versa. Certeau (1994) coloca que a “análise das práticas ‘vai e

vem, cada vez novamente captada(...), brincalhona, protestatária, fujona’ à

imagem da realidade móvel que procura captar.”(p. 21)

Certeau não nomeia como narrativa, mas diz que para se ter uma teoria

da prática é necessário ter a teoria do relato que diferencia em relatos de

lugares e de espaço.

Os relatos de lugares são bricolagens. São feitos com resíduos ou detritos de mundo. (...)As relíquias verbais de que se compõe o relato, ligadas a histórias perdidas e a gestos opacos, são justapostas numa colagem em que suas relações não são pensadas e formam, por esse

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fato, um conjunto simbólico. Elas se articulam por lacunas. Produzem portanto, no espaço estruturado do texto, antitextos, efeitos de dissimulação e de fuga, possibilidades de passagem a outras paisagens (...) Pelos processos de disseminação que abrem, os relatos opõem ao boato, porque o boato é sempre injutivo, instaurador e consequência de um nivelamento do espaço, criador de movimentos comuns que reforçam uma ordem acrescentando um fazer-crer ao fazer-fazer. Os relatos diversificam, os boatos totalizam. Se há sempre oscilação de uns para os outros, parece que há sobretudo estratificação, hoje: os relatos se privatizam e se escondem nos cantos(..), ao passo que a boataria dos meios cobre tudo(...). A dispersão dos relatos indica já a do memorável. De fato, a memória é o antimuseu: ela não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Os objetos também, e as palavras, são ocos. (CERTEAU, 1994, p.188,189)

Procurar a concretude nas palavras sejam as narrativas como nomeiam

Benjamim (1975), Larrosa (1999), Prado e Cunha (2007), Prado e Soligo

(2007), Trahar (2009) ou, os relatos, como diz Certeau (1994), faz com que o

que se vê, vivencia, experiencia, sonha na escola se torne legítimo já que as

ações se tornam efetivas de fato, possibilitando novos caminhos a trilhar para

quem está lendo e para o próprio professor.

O memorável é aquilo que se pode sonhar a respeito do lugar. Aqui, a subjetividade se articula sobre a ausência que a estrutura como existência e a faz "ser-aí". Mas, (...), este ser-aí só se exerce em práticas do espaço, ou seja, maneiras de passar ao outro. (CERTEAU, 1994, p. 190)

Assim, o professor-pesquisador pode localizar o sujeito já que praticar o

espaço é portanto repetir a experiência jubilatória e silenciosa (...) É, no lugar,

ser outro e passar ao outro. (CERTEAU, 1994, p. 191)

Todo relato de espaço, seja cotidiano ou literário, são relatos/narrativas

carregados de sutis complexidades que ajeitam o caminhar no percurso, pois

estas ações narrativas permitem ter clareza das práticas organizadoras de

espaço, como: "a bipolaridade ‘mapa’ e ‘percurso’, os processos de delimitação

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ou de ‘limitação’ e as ‘focalizações enunciativas’ (ou seja, o índice do corpo no

discurso)." (CERTEAU, 1994, p. 201)

Caminhando ao encontro das palavras de Certeau, o autor faz uma

distinção entre espaço e lugar. Lugar

é a ordem (...) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Ai se acha portanto excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar.(...) Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. (p. 201)

Enquanto

espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. Diversamente do lugar, não tem portanto nem a univocidade nem a estabilidade de um "próprio". (p. 202)

Enfim, “o espaço é um lugar praticado e a leitura é o espaço produzido

pela prática do lugar constituído por um sistema de signos - um escrito.”(p. 202)

Ao narrar o que vivencio no cotidiano escolar, seja nos Colegiados de

Professores (CPs) nos trabalhos desenvolvidos em sala de aula, nos encontros

com a Coordenação, estou procurando evidenciar um trabalho que “transforma

lugares em espaços ou espaços em lugares” que organizam as relações que

mantemos uns com os outros. (CERTEAU, 1994, p. 203)

Dessa forma, percorrendo as palavras de Benjamim (1975), Certeau

(1994), Larrosa (1999), Ferraço (2007a, b, 2008), Trahar (2009) e Esteban

(2010), justifica-se a opção pelas narrativas já que estas têm um papel decisivo

na organização das minhas práticas educativas uma vez que diante das

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circunstâncias em que são produzidas, se tornam, um "ato culturalmente

criador", como nos diz Certeau (1994).

Dessa maneira, as histórias não se perdem e as experiências podem ser

com.par.t(r)ilhadas ganhando espaços de reflexões.

Ao fazer a opção pelas narrativas, sejam elas completas ou fragmentos,

posso delimitar o que vai ser dito e, principalmente, o que será exteriorizado

mostrando que nestas histórias muitas vezes o ponto de partida pode ser ponto

de chegada e vice-versa.

No momento que estou registrando, fazendo um texto, estou me

afastando/distanciando de uma série de fatos/reflexões que permeiam o meu

olhar e minha vivência. Aqui o texto ganha um espaço próprio e mostra a

trajetória realizada pelo sujeito em questão. Quando existe a organização das

ideias, pensamentos, reflexões através do registro escrito, temos condições de

realizar a formalização das práticas e atuar sobre elas.

A narrativa/relato individual também é alicerçado pelo coletivo já que este

é carregado de regras, lances, experiências, sentimentos registrados

explicitamente ou não nas histórias. Quando se registra, criam-se repertórios de

esquemas de ação entre parceiros que possibilitam diferentes maneiras de

trabalhar, organizar, refletir e, principalmente, as mudanças que possam vir a

acontecer em um determinado sistema social. Dessa maneira, as práticas

cotidianas se formalizam e procuram trazer as categorias sociais que compõem

a história.

A opção pela produção de minha própria narrativa pode não ser diferente

de outros, mas ela é única e múltipla no sentido de estar sendo registrada por

uma professora-pesquisadora que é única e múltipla e que, o corte entre o

tempo das solidariedades e o da redação seja mais um aspecto que contribua

para novos caminhos a serem trilhados no espaço escolar.

Ao socializar a própria trajetória é possível distinguir o lugar do poder e

do querer próprios, pois ao “circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado

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pelos poderes invisíveis do Outro.” (CERTEAU, 1994, p. 99), estou

evidenciando a situação real que estou vivendo no chão da escola e vou me

tornando autora ao assumir condições de produção do discurso e de meu

objeto de inquietação/pesquisa/estudo e, principalmente, das relações de onde

ele nasce.

Assim, não espero revolucionar as leis que se fazem presentes no

espaço escolar e científico, mas espero mostrar caminhos que foram ou

poderiam ser assumidos por uma transformação do objeto de estudo e do lugar

de onde estudamos.

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Capítulo 5:

Caminho percorrido.... a escola e

o seu contexto

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Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho? Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar. - Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo me aproximar... Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica perto. A caravana de Marco se encarregou de provar. Pau, toco, tábua, madeira? - Faz navio de navegar! Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar. Com coragem, sobre as ondas, Cris atravessou o mar. Não há distância para os pássaros nem para quem cisma de ousar. Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar. Voou, dirigiu seu voo, era isso o avião! E desde então a lonjura não atrapalhou mais, não.

(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)

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Eu tenho o meu caminho. Você tem o seu caminho. Portanto, quanto ao caminho direito, o caminho correto, e o único caminho, isso não existe.

Friedrich Nietzche27

Ao encontrar-me com as palavras de Sá Chaves (2002), Aragão (2010) e

Alarcão (2011), que fazem algumas ideias brotarem em minha mente inquieta,

assim, como elas, preciso ajeitar o pensamento para organizar o conhecimento

e pensar sobre ele novamente. Mas como fazer isto? Para mim, a escrita

sempre foi a ferramenta que organiza as ideias, as possibilidades de trabalho,

as inquietações, as certezas, os sentimentos, os medos, as adversidades...

Além disso, a escrita proporciona a contextualização do que estou

passando/vivendo em determinado momento e, assim, a informação se torna

conhecimento.

Ao produzir conhecimento trago junto algumas competências que fui

desenvolvendo e aprendendo ao longo do caminhar da professora em

constante processo de formação, pois ao utilizar saberes adquiridos para lidar

com determinada situação, mobilizo o que sei e não sei sobre o assunto

apontado para lidar com o que está posto.

Nesta parada inevitável do caminhar, não há como não olhar para a

pesquisa que venho desenvolvendo e, para mim mesma, e sinto a necessidade

cada vez maior de compreender os meandros da formação dos professores em

parceria para que possa pensar em intervenções e lições das situações vividas

ou que estão por vir.

Enfim, são questões que se alargam, que passam pelo desenvolvimento

pessoal e profissional, como já alertava Sá-Chaves (2002), e proporciona a mim

a compreensão em diferentes momentos.

27

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/poemas_de_friedrich_nietzsche/6/ . Acesso em: 17 mar. 2014.

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Mas como falar de questões que se alargam se ainda não me detive a

colocar de onde estou falando?

Falo de um local privilegiado de trabalho e de formação, refiro-me a uma

escola assim como tantas outras que potencializam ou paralisam as pessoas

que ali estão. No meu caso, ambos os momentos estiveram presentes.

Potencializou a reflexão porque é uma escola pensante e flexível. É “(..) sistema

aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere” (ALARCÃO,

2011, p. 17). Nesse processo de inserção, tive momentos de imobilização

diante do que via: as relações das pessoas, do modo como se posicionavam

dia perante o que era proposto, da maneira de organizar e explicitar o trabalho

realizado, o meu próprio jeito de fazer e sistematizar o labor.

E neste ir e vir das escolhas feitas e pelos quais caminhos percorrer, fui

tateando e percebendo que estava/estou em um ambiente desafiador e

formador, uma vez que a escola oferece uma metodologia de trabalho que está

em constante movimento e que possibilita a reflexão, a formação do cidadão

que estabelece relações e o olhar diferenciado para o professor diante da

opção de trabalhar com projetos.

Trabalhar com projetos significa que mesmo tendo conteúdos comuns

entre as classes que todas reagirão ou seguirão igualmente, pois como nos diz

Aragão (2010), o professor pode ser o mesmo, mas as estratégias serão outras

uma vez que os participantes também serão outros.

Trabalhar com projetos é olhar para os conteúdos, as habilidades e as

competências que estão postas oficialmente com um cuidado que permitam, ao

professor, traçar um caminho a ser percorrido com seus pares agregando os

encantos, as necessidades de cada um ou do grupo, os desafios, os

insucessos, os inesperados do cotidiano com diferentes formas de registro na

aprendizagem significativa e produtora de conhecimento.

Quero ressaltar que, além de apresentar um produto final bem

organizado e com cuidado estético, para mim, o mais importante é a presença

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do registro do percurso vivido por todos que participaram. É o uso intenso de

diferentes linguagens que vão compondo o projeto em si e revelando a

aprendizagem significativa para cada um, aluno e professor, e para o coletivo

da classeda sériedo segmento que estou inserida.

Digo que trabalhar com projetos é olhar para o que está posto e perceber

nas minúcias do que está sendo solicitado e convocar o meu ser e externalizar

com delicadeza o que é possível trabalhar. Mesmo assim, muitas vezes, não

consigo construir as relações necessárias e, a ausência de possibilidades se

instaura, mas quando menos espero, me deparo com uma música no rádio

enquanto faço o trajeto de ir e vir da escola ou, uma propaganda sem muita

pretensão faz com que eu repense o caminho percorrido pelono projeto e, se

ainda assim, não conseguir, por que não pedir a ajuda de um outro olhar para

meu trabalho?

Mas como articular tudo isso? Onde me encontro com estes outros no

caminho enlouquecedor que o cotidiano da escola solicita?

Na escola onde atuo28, os professores da série de cada período se

encontram semanalmente com a Coordenação da Escola. Neste momento se

faz uma pauta de trabalho desde assuntos corriqueiros do cotidiano escolar

como entrada, recreio, organização do espaço, até o diálogo e a reflexão sobre

os encaminhamentos pedagógicos dados ou que estão por vir.

28

A escola foi fundada no final da década de 1970 e pertence à rede particular de ensino, no interior do Estado de São Paulo. No ano de 2012, a escola tinha 1700 alunos que integravam a Educação Infantil, o Ensino Fundamental 1 e 2 (9 anos) e o Ensino Médio. (dados encontrados na página da escola que foi acessada em 24 maio 2015)

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Registro de uma pauta feita por mim em um dos encontros de Coordenação29

Além disso, todos os professores de todos os segmentos desta escola se

reúnem semanalmente, no período noturno, por duas horas. No caso dos

professores do Ensino Fundamental 1, mensalmente, o cronograma destes

encontros é enviado pela Coordenação para que os professores se organizem.

A organização do trabalho desses CPs é feito a partir das solicitações feitas

pelos professores em Assembleia de curso ou nos encontros semanais que

ocorrem em cada período da escola entre as séries e a Coordenação.

A seguir, segue um exemplo de cronograma de CP recebido por mim e

anexado em meus pertences.

29

Todos os nomes usados na produção de dados foram alterados para preservar a identidade de participante, exceto o meu. FOAA: Folha de Observação e Avaliação do aluno. Faixas: Ao final de cada trimestre atribuem-se ao aluno, nas diversas disciplinas, as notas de acordo com o regimento da escola.

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Cronograma de Colegiado de Professores disponibilizado pela Coordenação de Curso.

Diante da experiência que tenho nessa escola, vivenciei algumas

maneiras de se organizar este momento de trabalho:

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- O Colegiado de Professores (CP) coletivo onde

todos os professores30 do Ensino Fundamental I junto à

Coordenação e, algumas vezes, a Direção da escola e

Coordenação de Área de conhecimento discutem textos

que embasam a prática teórica, a organização do trabalho

ou encaminhamentos coletivos a serem feitos.

- A Assembleia Docente ocorre uma vez por mês

com os professores do Ensino Fundamental 1 para

resolver questões relacionadas ao Projeto Político-

Pedagógico da escola. É uma estratégia de trabalho que

contribui para a construção de valores de democracia e de

cidadania por parte dos sujeitos que dela participam.

- A Parceria31 é o momento de encontro dos

professores da série para discussão de encaminhamentos

pedagógicos. Algumas vezes existe a participação da

Coordenação e/ou Coordenação de Área para dialogar e

refletir sobre os encaminhamentos dados na organização

do trabalho.

30

Todos os professores a que me refiro são os professores titulares de classe, os professores auxiliares e os professores especialistas (Inglês, Música, Artes e Educação Física). 31

Veja o box na próxima página.

O Colegiado de

Professores (CP) é uma

organização

diferenciada da escola

que marca os diferentes

tempos e lugares que

possibilita à formação

de grupos menores ou

isolados com acesso as

informações que

precisam ser traduzidas

em realizações de ações

concretas marcadas

com diálogos teóricos.

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Registro feito por mim de um encontro de CP Coletivo32

A partir do exemplo do registro feito por mim da

pauta e dos encaminhamentos realizados em uma

parceria com os coordenadores de área e da explicação

do funcionamento dos caminhos oficiais33 que estou

percorrendo, é importante ressaltar que outros espaços de

conversas possíveis foram instaurados de acordo com as

necessidades que surgiam nos mais variados momentos.

É na entrada, antes do sinal, quando se encontra no café

32

RPM: Reunião de Pais e Mestres. LC: Lição de Casa. 33

Os caminhos oficiais são os relatados na página anterior: Colegiado de Professores, Assembleia Docente e a Parceria.

A parceria proporciona

a capacidade de

trabalho autônomo e

colaborativo e,

principalmente, o olhar

crítico que surge como

potencialidade de

dialogo onde é

necessário saber ouvir,

escutar o outro e a si

mesmo. A parceria é

autogerida, tem seu

jeito próprio de

organizar o trabalho

ouvindo sempre seus

membros. Sabe para

onde quer ir e avalia

constantemente o

trabalho realizado pelo

grupo e por cada

professor pertencente

ao grupo.

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dos funcionários; no trajeto do estacionamento até a sala de aula ou vice-versa;

no corredor; nas postagens das redes sociais; nos SMS; nos olhares e palavras

na sala de café dos professores e tantos outros que poderemos nos recordar o

que vivemos no cotidiano da escola. Estes espaços de conversa (oficiais ou

não) que vivemos/vivenciamos no cotidiano escolar é potencializador e

formativo uma vez que seu valor

não está no fato de que ao final se chegue ou não a um acordo... pelo contrário, uma conversa está cheia de diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a tensão entre as diferenças, mantendo-as e não as dissolvendo, e mantendo também as dúvidas, as perplexidades, as interrogações... e isso é o que a faz interessante... por isso, em uma conversa, não existe nunca a última palavra... por isso uma conversa pode manter as dúvidas até o final, porém cada vez mais precisas, mais elaboradas, mais inteligentes...por isso uma conversa pode manter as diferenças até o final, porém cada vez mais afinadas, mais sensíveis, mais conscientes de si mesmas... por isso uma conversa não termina, simplesmente se interrompe... e muda para outra coisa... (LARROSA, 2003, p.63)

Diante da possibilidade infindável de conversa e de caminhos possíveis,

se faz necessário parar e contemplar algumas escolhas que fiz. Olharei para os

percursos feitos ao longo dos anos de 2011 e 2012, mas nada me impossibilita

de dialogar com situações ocorridas em 2013.

Em 2011, no segundo semestre, apresentei o meu projeto de pesquisa à

Coordenação e Direção da Escola que autorizou oralmente a produção de

dados. Empolgada, reli o projeto e organizei uma pequena proposta de trabalho

exposta coletivamente em um Power Point em um dos Colegiados de

Professores (CP). Nele, explorei o que estava olhando– as parcerias de

trabalho – e solicitei a todos os professores do 2º ao 5º ano mais os professores

especialistas - Artes, Música, Inglês e Educação Física - que escrevessem um

pequeno texto que poderia ser assinado ou não, uma mônada, tendo como eixo

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79

norteador as questões baseadas em Rancière34: O que você vê? O que pensa

e o que sente? O que você faz com tudo isso?35

Dessa maneira, como Joseph Jacotot (RANCIÈRE, 2002, p. 15), tentei

estabelecer “o laço mínimo de uma coisa comum” uma vez que de quarenta e

cinco pessoas do Ensino Fundamental 1, recebi nove devolutivas.

Ao convidá-los a escreverem, não dei grandes explicações sobre o que

queria. Contextualizei a pesquisa e as questões que poderiam ajudá-los a

pensar, a refletir e a escrever. Imagino que sozinhos em suas casas se

mostraram “abandonados a si mesmos” (RANCIÈRE, 2002, p.16) e, com as

palavras, me surpreenderam com o que pensavam sobre o que havia sido

proposto, pois conheciam/viviam o que era uma parceria. Revelaram uma

formação consistente ao darem vazão às singularidades já que foram do

simples ao complexo, da parte à totalidade e vice-versa.

Sem se aterem se estavam certos ou errados, pautados ou não na teoria,

se arriscaram em expor o que de fato viviam/vivem ou que poderia ser o ideal

de uma parceria.

Deixei um envelope na sala onde os professores trabalham para aqueles

que não quisessem se identificar e um me respondeu por escrito.

Por e-mail, recebi vários retornos dos colegas dizendo que achavam

muito interessante a pesquisa e que me enviariam o texto. Mas qual foi minha

maior surpresa? De um grupo de quarenta e cinco professores, recebi nove

mônadas.

Junto a essas nove mônadas (lembre-se de que uma veio impressa), há

registros pessoais (relatos, anotações, fotos, e-mails36), material produzido

34

Jacques Rancière, em sua obra “O Mestre Ignorante”, ilustra a possibilidade de um processo educativo participativo, crítico e reflexivo, questionando a transmissão sistemática dos saberes escolares. Rancière conta a história de Joseph Jocotot (1770 - 1840), um professor que, no século XIX, colocou suas próprias concepções de aluno, professor, Educação e escola em questão, elaborando importantes lições sobre a emancipação intelectual. (REIS, 2013, p.101) 35

Mais para frente retomarei esta questão.

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pelas crianças e suas famílias. Além de bilhetinhos, cartinhas, desenhos

recebidos ao longo do ano.

Toda esta diversidade de material compõe um “jeito” de olhar para a

pesquisa que valoriza todos os instrumentos utilizados neste caminhar, uma vez

que cada um pode ser vistoanalisado na sua singularidade ou na ‘conversa’

que podem produzir entre si.

Diante da frustração das (apenas) nove mônadas recebidas, não voltei

para este e para o restante do material que tinha produzido naquele momento

do ano. Hoje, olho e vejo que a frustração foi tão grande que deixei de ver e

sentir as sutilezas daquele instante e do ano em que estava trabalhando ao

deixá-los despercebidos.

Então, no ano de 2012, logo no início do ano, retomei o projeto

novamente e propus ao grupo de sete professores da série a qual estava – 4º

ano, um Termo de Consentimento37 para que eu pudesse gravar os encontros

de Parceria, dos quais eu também participava e das produções que faríamos ao

longo do ano. Após autorização escrita de todos os participantes, tenho:

gravações entre professores e alguns registros feitos pelos colegas de trabalho,

além dos meus registros pessoais (relatos, anotações, fotos, e-mails38), material

produzido pelas crianças em sala de aula e fora dela, o diário de bordo (um

caderno que cada criança levava semanalmente para realizar suas anotações

da maneira que quisesse sobre o que havia vivido, vivenciado, pensado e

sentido na escola). Ainda compõe o acervo os pequenos registros das famílias,

os bilhetes dos pais e das crianças, as cartas dos alunos e algumas postagens

minhas e das outras professoras no Facebook.

36

Para contabilizar os e-mails estou considerando o título da mensagem trocada entre os professores já que em algum deles há mais de uma troca de mensagens. 37

Ver em Anexos. 38

Para contabilizar os e-mails estou considerando o título da mensagem trocada entre os professores já que em algum deles há mais de uma troca de mensagens.

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Nesta busca de inventariar os dados39, a rememoração das experiências

vividas foi delineando o trabalho realizado com os alunos e tornando latente as

trilhas percorridas neste caminhar entrelaçando o desenvolvimento pessoal e o

profissional da professora e da pessoa que sou/estou.

Diante da imensidão dos (guar)dados40 arquivados no computador e nas

caixas em que venho colocando o diário de bordo, bilhetes, desenhos,

fotos...vou manuseando e encontrando o sentido e o porquê que esta pesquisa

se iniciou.

Mas como organizá-los diante das múltiplas possibilidades de caminhos

que posso seguir? Não há uma ordem clara e objetiva, mas que se faz

necessário organizá-los, como chama a minha atenção a orientadora deste

Doutorado, Ana Aragão e os professores com os quais venho convivendo no

GEPEC.

Assim, acolho a orientação e me rendo às solicitações da organização

para dar visibilidade aos dados produzidos ao longo deste tempo.

Nesta busca intensa e constante dos (guar)dados, me deparo com Lima

(2003, p. 31) que destaca que:

paciente gesto de recolher peças e remover-lhes o pó depositado com o tempo; raspar de leve, camada por camada, e desvelar o que havia se acomodado embaixo delas; desfazer as nervuras do tempo que, propositalmente ou por ação, se dobraram sobre o que precisava ser dito; organizá-las de modo a construir e reconstruir um sentido do todo a partir de cada fragmento, num jogo de contínuo cotejamento.

Logo a seguir, catalogarei o que tenho de material produzido. Não quer

dizer que usarei todos, mas selecioná-los com o intuito de compor situações

que dialoguem com o que venho buscando como professora-pesquisadora.

Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho

39

PRADO& MORAIS (2011). 40

Expressão utilizada pela Profª. Dra. Corinta Maria Grisólia Geraldi, em sua Tese de Doutorado intitulada “A produção do ensino e pesquisa na educação: estudo sobre o trabalho docente no curso de Pedagogia– FE/Unicamp”, Faculdade de Educação, 1993.

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docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as implicações

educacionais deste processo?

O que não estiver aqui exposto não quer dizer que não constituiu a

pesquisa. Pelo contrário, esteve presente o tempo todo, mas de maneira que

potencializou a escolha que nem sempre é/foi precisa e correta. Uma

designação que está carregada de sentidos, de escolhas que revelam minhas

contradições, incertezas, limites, silêncios, mas este é um jeito de que venho

buscando organizar o conhecimento de forma partilhada com os pares com os

quais venho dialogando e estudando nos últimos tempos.

O trabalho foi/será árduo, mas se faz necessário dar o passo inicial para

aprender a ter um olhar e uma escuta sensível aos dados, onde adotei uma

postura mais flexível e menos controlada em relação à pesquisa. Inicialmente,

manuseei e li o material que tinha fazendo pequenas anotações e começando a

escrever sobre eles sem a pretensão de analisá-los. Depois de muito ir e vir, me

preocupei em ordená-los por datas e categorizá-los para dar visibilidade ao que

material que tinha produzido.

Assim, diante do velho (guar)dado um novo desperta em mim um olhar

diferente que suscita mais questões do que respostas e que buscarei trazê-los

em forma de excertos para composição de situações que revelassem as

relações estabelecidas da construção da parceria e suas implicações

educacionais.

Nesta caminhada e encontro dos (guar)dados tive alguns aprendizados

como pesquisadora.

- É necessário estar focada para perceber as possibilidades de diálogo

entre os dados e o objeto de pesquisa.

- Desmontar os dados e reconstruí-los é uma tarefa árdua.

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- Se colocar no lugar do Outro para procurar interpretar o que

sentia/percebia/analisava...

- Fazer perguntas, muitas perguntas na tentativa de revelar conceitos e

suas relações me sensibilizaram para o que os dados traziam/trazem.

Ao observar a imagem abaixo publicada no Facebook41 procurei trazer a

organização da produção de dados realizada por mim, pelos professores,

coordenadores, alunos e famílias com os quais convivi nestes anos de trabalho

e de pesquisa.

41

Imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no dia 07 de setembro de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/eumechamoantonio/photos/pb.418909221506669.-2207520000.1413891565./763204593743795/?type=3&theater. Acesso em: 21 out.2014.

Imagem composta pela imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no dia 07 de setembro de 2014 com a imagem produzida pela aluna Giovanna a partir da leitura da mesma.

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Difícil organizar tão artisticamente, mas com ajuda de Giovanna, aluna

de 2014, que esboçou um desenho semelhante, pude, após várias tentativas,

chegar ao que queria. Estou diante de tantos caminhos, produções de dados,

que não se encerram em 2012, assim, o primeiro número encontrado é de 2011

e, em seguida, 2012. Aqui não há marcas, mas muitos desses caminhos

continuam até hoje.

Olhando para quantidade de documentos produzidos nestes anos não

posso deixar de ressaltar que o registro é um dos elementos formativos que

vem sendo investigado e vivenciado intensamente no grupo de pesquisa do

qual faço parte, o GEPEC/UNICAMP. Dialogando constantemente com as

ideias de Sá-Chaves (2005), é possível perceber que esta maneira de anotar,

Imagem composta pelas duas últimas imagens para apresentar os dados

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de se tornar autor da própria prática, revela a indissociabilidade dos processos

de formação e da vida.

(...) os processos de formação pressupõem uma reflexão cuidada (...) que permitem a apropriação e o desenvolvimento de competências reflexivas e metarreflexivas conducentes a um processo de hetero e de auto-identificação. (SÁ-CHAVES, 2005, p. 7)

Os (guar)dados podem ser organizados em um portfólio que permite

aprofundar o conhecimento sobre a relação de ensino-aprendizagem através de

estratégias de pesquisa que revelam a produção de conhecimento na dimensão

vertical (professor/alunos – professor/coordenador) ou na dimensão horizontal

(professor/professor).

Mesmo não usando efetivamente o portfólio como estratégia de escritura,

busco inspiração para dizer que o registro baseado na experiência não deve ser

meramente descritivo, ele precisa ser explicativo e crítico para que possa dar

margem ao olhar do professor e/ou de Outro leitor, outras possibilidades de

fazer, de reflexão e de ações efetivas de trabalho.

Dewey (2007) ressalta que não necessitamos registrar tudo e a todos,

pois não temos que encher nossas cabeças como álbuns de figurinhas ou posts

a cada minuto nas redes sociais, pois isso não é pensar. O pensar está

relacionado ao selecionar o que registrará e o que este poderá influenciar no

que está por vir a ser, mas que ainda não é. Quando há o interesse, uma

empatia com o assunto haverá a reflexão.

É neste ir e vir que o professor que utiliza de diferentes formas de

registro do seu trabalho – fotos, pequenas narrativas, poesias, textos

informativos, filmes, bilhetes, e-mails...- se distancia da ação para reconstruí-la

e analisá-la diante dos fatos vividos e ali impressos. Sá-Chaves nomeia esse

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jeito de organizar o percurso formativo de registro reflexivo onde há sustentação

da aprendizagem dos sujeitos envolvidos.

Quando isso ocorre, o professor está em outra dimensão formadora que

engloba “alto grau formativo e um valor epistêmico”, como nos alerta Alarcão

(2011, p.54). É nesta dimensão que há uma aquisição de conhecimentos que

poderão ser utilizados em ações futuras. Para a autora é a meta-reflexão e,

para Schön, é a reflexão sobre a reflexão na ação.

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Capítulo 6:

O encontro do caminho da

reflexividade

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Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.

Clarice Lispector42

Na continuidade de esboçar melhor o caminho que venho percorrendo no

trabalho com.par.t(r)ilhado durante a minha vivência docente, recorro a alguns

estudiosos para compreender melhor como se dá a formação do professor

reflexivo no cotidiano escolar.

Donald Schön (2000) traz a ideia do profissional reflexivo que, no seu

cotidiano, encontra-se em situações das mais variadas: aquelas que exigem um

conhecimento específico e teórico para ser cultivado e outras tão caóticas que

desafiam as soluções técnicas.

Diante disso, o especialista encontra dois caminhos a serem percorridos.

Primeiro, poderá utilizar o conhecimento profissional, revisitando-o para que

possa realizar sucessivas tentativas (com acertos e erros) para resolver o

problema, dando-se por satisfeito ou finalizado quando resolve as adversidades

vividas. O outro é ir além destes conhecimentos e utilizar toda a sua

sensibilidade, experiência, conhecimento, valores e se aventurar a desvendar o

que pode ser feito. Neste momento de busca de novas possibilidades, revisita

as teorias para problematizar sua ação em relação ao que já conhecia

previamente para redirecioná-las futuramente.

42

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/clarice_lispector/ . Acesso em 15 mar. 2014.

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Já se sabe que é possível encontrar diferentes

estudos (ALARCÃO, 1996, 2011; SCHÖN, 2000; SÁ-

CHAVES 2002, 2005, 2009; ARAGÃO, 2010) que

apontam que quando o profissional utiliza-se do

conhecimento técnico está se baseando na racionalidade

técnica e na filosofia positivista, por isso, não me

aprofundarei nesta questão. No entanto, é importante

deixar claro que, em diferentes situações, lançamos mão

do conhecimento específico para compreender o que está

sendo posto e dar um passo a frente, ressignificando o

conhecimento e o momento vivido.

Quando olhamos para as minúcias do cotidiano

escolar, estamos fazendo escolhas que nem sempre são

compartilhadas e/ou percebidas, mas que estamos

fazendo um recorte na maneira de olhar para os

acontecimentos vivenciados em sala de aula e fora dela

que possibilitará a observação que auxiliará a

compreensão do que está acontecendo. É o professor

reflexivo que mesmo diante das incertezas profissionais,

age de maneira “inteligente e flexível, situada e reativa.”

(ALARCÃO, 2011, p. 44)

É diante destas experiências singulares43 que

devemos dialogar com tantas outras que acontecem com

cada um e/ou com os Outros, mas que nem sempre é

possível estar a par das práticas ocorridas.

Experiências estas que podem ter sido vividas no

ambiente reflexivo, ora solitário, ora colaborativo do

43

Ver box na página seguinte.

Na perspectiva da

racionalidade técnica

(...) um profissional

competente está

sempre preocupado

com problemas

instrumentais. Ele busca

os meios mais

adequados para a

conquista de fins fixos e

não-ambíguos (...) e sua

eficácia é medida pelo

sucesso em encontrar,

em cada instância, as

ações que produzem os

efeitos pretendidos (...).

Nessa visão, a

competência profissio-

nal consiste na

aplicação de teorias e

técnicas derivadas da

pesquisa sistemática,

preferencialmente cien-

tífica, à solução de

problemas instrumen-

tais da prática (SCHÖN,

2000, p.37).

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ambiente escolar. Quando estes ambientes se tornam

formativos, nos apropriamos dele, seja no momento

formal da hora atividade ou nos encontros de corredor que

se tornam tão oficiais quanto os instaurados. Na busca

destes lugares de diálogo não podemos esquecer que,

várias vezes, nos deparamos, ao mesmo tempo, no

coletivo da escola e tão sozinhos com nossas

inquietações, dúvidas, angústias e acertos.

É nesta busca incessante de ocupar de fato um

lugar formativo que Dewey (2007) afirma que a

experiência se refere a toda a extensão da vida, de todas

as marcas impressas individualmente e coletivamente

permeadas pelos valores pessoais e profissionais que

carrega consigo; os sentimentos despertados e/ou

adormecidos diante do que vive; a iniciação nos

interesses, propósitos, conhecimentos e habilidades das

pessoas mais experientes com as quais conviveu/convive;

dos lugares que ocupa socialmente nos ambientes em

que está inserida; das alegrias das conquistas mais

simples que alcança ou dos fracassos que impulsionam

um novo olhar e novas ações.

Dewey também aponta que quando se experiencia

em grupo, cada indivíduo é portador da experiência de

vida do seu grupo que passa com o tempo, mas que a

vida do grupo continua.

Para Dewey há dois

modos de experiência: -

a experiência singular

que é única. Temos uma

experiência singular

quando o material

vivenciado faz o

percurso até a

consecução. (DEWEY,

2010, p.109)

- uma experiência

composta pelas

experiências singulares

que compõem uma

continuidade. O fluxo

contínuo da experiência

só é possível devido à

capacidade dos sujeitos

se adaptarem ao

contexto propiciado

pela diversidade das

situações vividas que

vão constituindo a

identidade pessoal do

indivíduo.

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Cem gramas de experiências valem mais do que uma tonelada de teorias, porque só com a experiência uma teoria tem um significado vital e verificável. Uma experiência, mesmo uma experiência muito humilde, é capaz de gerar e de conduzir qualquer quantidade de teoria (ou conteúdo intelectual), mas uma teoria, separada de uma experiência, não pode ser definitivamente compreendida nem como teoria. (DEWEY, 2007, p.134)

Quantas vezes se está diante de situações inesperadas no ambiente de

trabalho junto aos demais professores e/ou alunos ou ainda, sozinhos e temos

que lançar mão de todo os nossos saberes para resolvê-los?

É neste contexto que o professor constrói suas ações que muitas vezes

estão implícitas, mas que são responsáveis por constituírem o modo de fazer

ou pela própria especificidade que desenha sua rotina de trabalho e realiza

“micro-decisões” diante das situações não planejadas da sala de aula.

(PERRENOUD, 1993)

Antes de adentrar com o intuito de apreender melhor a dimensão do

professor reflexivo, faz se necessário nos reportarmos ao profissional reflexivo

tão estudado por Schön (2000).

O profissional reflexivo competente tem que deliberar os problemas

aparentemente técnicos utilizando estratégias claras e consistentes em si

mesmas, porém deve entrelaçá-las e organizá-las de modo que vá construindo

um problema e/ou um conflito que mereça todo o seu empenho em resolvê-lo.

É importante ressaltar as palavras do autor, ao dizer que quando o

profissional reflexivo está nestas “zonas indeterminadas da prática – a

incerteza, a singularidade e os conflitos de valores” (SCHÖN, 2000, p. 17)

extrapola toda a racionalidade técnica aprendida/apreendida nos cursos de

graduação, de formação e de vida que vivencia ao longo da sua trajetória

pessoal e profissional.

Mesmo assim, quando os profissionais recorrem a todas as

possibilidades de resolução de conflitos de valores, violando seus próprios

princípios, os sujeitos vão ficando insatisfeitos consigo mesmo e criando

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situações de desaprovação o que não beneficia o ambiente de trabalho ao qual

está inserido.

Com uma crise de confiança no conhecimento profissional instaurado, o

espaço de formação foi buscando um rigor cada vez mais alto que gerasse um

status acadêmico que proporcionasse um ideal de educação que passava da

educação básica para a aplicada e, em seguida, para as habilidades técnicas

voltadas para a prática cotidiana. Ao mesmo tempo, estes profissionais

evidenciavam as preocupações com este tipo de formação que distancia a

teoria da prática.

Mesmo com a insatisfação com esse conhecimento profissional há

especialistas que se destacam nas zonas indeterminadas da prática, no

entanto, não é dito que possuem mais competência, mas sim certo talento

artístico44.

Schön (2000) afirma que o talento artístico é um exercício da inteligência

que extrapola o modelo padrão do conhecimento profissional e que se pode

aprender muito com esses especialistas quando se estuda as performances e

manifestações de cada um.

De tempos em tempos, a questão do talento artístico ressurge nos

campos educacionais uma vez que se pergunta como os profissionais mais

experientes podem ser estimulados a renovarem seus conhecimentos de

maneira a evitar um esvaziamento e uma construção contínua de habilidades e

competências de forma contínua.

Schön (2000) destaca que:

Ao considerarmos o talento artístico de profissionais extraordinários e explorarmos as formas pelas quais eles realmente o adquirem, somos

44

Talento artístico profissional se refere aos tipos de competências que devem ser

ensinadasaprendidasapreendidas quando realizamos a reflexão na ação. Não é fácil de explicar essas competências no cotidiano, sem incorrer na possibilidade de fragilizar, ou omitir o que de fato se sabe fazer. Este saber fazer se sente, se faz e não se explica.

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inevitavelmente levados a certas tradições divergentes de educação para a prática – tradições estas que se colocam fora dos currículos normativos das escolas ou paralelamente a eles. (p. 24)

Dessa maneira, pode-se dizer que o profissional com talento artístico

está mais preparado para lidar com situações de incerteza, singularidade e

conflito uma vez que se aprende fazendo. Ele próprio terá que ver, perceber e

sentir o que está acontecendo e, aos poucos, ressignificando as ações e as

escolhas para que possa olhar o que é necessário para resolver a situação ou

conflito ao qual está inserido.

Nesta perspectiva, Schön (2000) conduz a discussão para o papel do

formador, que não precisa se limitar a difundir saberes como verdades

acabadas e estanques, mas deve favorecer a aprendizagem e guiar o aluno de

maneira que este possa adquirir o conhecimento necessário à sua formação.

Assim sendo, o professor não deve ditar ao aluno o que este deveria saber,

mas ajudá-lo a problematizar suas experiências e desenvolver-se de modo a

chegar ao alcance do conhecimento.

Ainda neste sentido, a relação entre o formador e o formando tem que

permitir o diálogo, onde o formador proporcione desafios, questione e

aconselhe o formando de modo a exercer sua criticidade. Vale ressaltar que

isso não exclui a ideia do professor como alguém que possa expor teorias,

discutir ideias, tirar dúvidas ou apresentar exemplos (Schön, 2000). Enfim, “a

atividade do formador articula o dizer com o escutar, a demonstração com a

imitação e tem sempre subjacente a atitude de questionamento como via para a

decisão.” (ALARCÃO, 1996, p.19).

Schön (2000) também defende que na situação de formação podem ser

desempenhadas três funções principais: abordar os problemas propostos pela

tarefa, escolher as melhores estratégias de formação, aquelas que melhor se

ajustam aos conhecimentos e à personalidade do formando e tentar estabelecer

com eles uma relação que possa levar à aprendizagem (ALARCÃO, 1996).

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Para desempenhar tais funções, o autor destaca três principais

estratégias de formação. A primeira é a experimentação em conjunto (joint

experimentation), que pode ser caracterizada pelo esforço comum, entre o

professor e o aluno, de tentar solucionar um problema que surgiu a partir do

questionamento da prática, produzido pelo aluno que se encontra frustrado com

o resultado de uma prática produzida por ele mesmo. A esta situação está

vinculada a ideia de que a prática é um campo de experimentação.

A estratégia seguinte é a demonstração acompanhada de reflexão (follow

me): o mestre tem um papel mais ativo, demonstrando para o aluno o que fazer,

podendo até levá-lo à imitação. Quando o aluno já demonstra compreender a

técnica, o mestre o estimula a produzir sozinho, porém de sua maneira, o

levando à reflexão (ALARCÃO, 1996).

A terceira estratégia é a denominada de experiência e análise de

situações homólogas, em que o formador utiliza-se do exemplo de situações

semelhantes para ensinar algo para o formando (ALARCÃO, 1996).

Acreditando na parceria estabelecida entre formador e formando, o

profissional reflexivo que potencializa os processos de criação e apropriação

dos saberes por parte dos sujeitos com quem se relaciona, está em

desenvolvimento contínuo. Neste ínterim, está produzindo conhecimento,

problematizando e modificando a prática e a realidade por meio da reflexão de

sua própria ação e, revelando, assim, o valor de suas ações.

Neste contexto, Schön (2000) contribui novamente com os níveis

fundamentais que norteiam seu estudo sobre profissional reflexivo.

A primeira é o conhecimento na ação (knowing in action) que

representa a crença do profissional manifestada na realização de uma ação

espontânea. Ao analisar e da refletir sobre esta ação, pode-se entender o

processo denominado reflexão sobre a ação (reflection on action), que

acontece quando se faz uma análise retrospectiva da ação ocorrida.

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Ainda há a reflexão na ação (reflection in action) que se baseia na

reflexão da ação presente, produzindo um conhecimento dinâmico capaz de

reformular a ação no mesmo instante em que ela está ocorrendo. Embora seja

mais difícil de acontecer, a reflexão na ação deve ter uma função crítica, pois

assim será possível reorganizar as estratégias de ação, compreender os

problemas que ocorreram e chegar a uma nova ação.

Assim como Schön, Mattar (2010) também foca o talento artístico e, com

o olhar atento ao jeito de fazer artesanal, evidencia o processo de formação de

professores relacionando-o a dimensão humana. Quando relata o processo de

constituição do professor comparando-o ao ceramista que delicadamente

manuseia a argila para dar o formato que deseja ou o que apresenta no

momento do torneio da peça, nos chama a atenção para alguns aspectos que

nem sempre temos consciência. Além de planejar, o professor precisa conhecer

em profundidade o que pretende realizar e como pensa em fazê-lo, organizando

o tempo e o espaço, dominar os conteúdos, selecionar os materiais

antecipadamente, respeitar as diferenças e dificuldades encontradas em sala

de aula assim como os acasos que surgem. Porém, enfatiza que esta não é

uma tarefa solitária e sim colaborativa.

Tal capacidade pode ser aprendida/apreendida quando o profissional

vive o processo junto ao Outro que o provoca e o convoca a estar inteiro ali

naquele determinado momento. Momento este que é coletivo e que propicia

interações, debate de ideias implícitas nas ações futuras, co-constituindo a

teoria e a prática. Ao tomar contato com os relatos dos demais professores ou

dos próprios alunos, nós, professores, mobilizamos todos os nossos

conhecimentos na busca infindável das situações caóticas que nos deparamos.

Os momentos coletivos podem propiciar satisfação, uma vez que arrancam (...) o professor da passividade e do isolamento e o lançam à aventura de pensar e criar colaborativamente. (MATTAR, 2010, p. 184)

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Aqui tenho que me remeter a Sá-Chaves (2002) quando nos apresenta

os níveis de lógica reflexiva pelo qual o professor reflexivo explicita como está

pensando, discutindo e analisando as implicações educacionais coletivamente.

Nível Técnico: O sujeito relata algo que ocorreu ponderando alguns

elementos desta ocorrência como o tempo, o espaço, os participantes,

os recursos dentre outros.

Nível Prático: O sujeito, ao narrar determinado acontecimento, procura

de uma maneira mais prática relatar a sua ação dando indícios do

porque se fez.

Nível Crítico: O sujeito, ao analisar criticamente o acontecimento a partir

de uma visão ética, aponta o que ocorreu e o que poderia ter acontecido

em função de alguns valores como justiça, respeito, solidariedade dentre

outros.

Nível Metacrítico: O sujeito, ao analisar a situação e a si mesmo, se

reconhece como um dos responsáveis pelo acontecimento relatado.

Nível Metapráxico: O sujeito ao reconhecer como um dos responsáveis

pelo o ocorrido propõe alterações com ações que modifiquem a

realidade.

Atenta aos estudos de Sá-Chaves, Aragão (2010) assegura que a

reflexividade é um processo imprescindivelmente focado na prática docente,

nos problemas cotidianos em diálogo com as referências teóricas que norteiam

a ação do professor. O exercício sistemático da reflexão é realizado

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coletivamente, trilhando do individual para o coletivo e do coletivo para o

individual, de modo não linear.

Ainda vale ressaltar que, muitas vezes, ao ser questionado sobre o

porquê de determinadas ações, o profissional não explicita todo o conhecimento

utilizado tornando-se incoerente na sua descrição que não revela todo o

processo vivido, todas as escolhas, inquietações, dúvidas pelo qual passou.

Simplesmente, propaga uma parte do que foi aprendido não deixando que a

totalidade da experiência e/ou conhecimento adquirido seja exposto.

Não estou dizendo que há uma diferenciação, um distanciamento entre

teoria e prática, muito pelo contrário. Há um estreitamento do modo como

percebemos e contemplamos a relação entre teoria e prática, ratificando que as

hipóteses teóricas devem ser cotejadas cotidianamente, nos acontecimentos do

dia-a-dia. As escolas precisam, assim, planejar situações de práticas e

reflexões coletivas, promovendo discussões nas quais se aprende a partir das

interações que são estabelecidas entre os colegas e entre estes e o professor,

ou seja, na relação com o Outro.

É nesta intensa interação que o professor reflexivo possibilita uma

apropriação das teorias por sua parte para que as ações pedagógicas sejam

modificadas e/ou melhoradas. Quando refletimos, estamos compreendendo

nossos pensamentos e revisitando nossas escolhas, traçando assim, caminhos

com sentidos e significados do saber-fazer que poderão delinear novos

caminhos com diferentes ações. (ARAGÃO, 2010)

Enfim, ser professor reflexivo não é fácil. Ser professor reflexivo é

quando nos debruçamos sobre/no cotidiano da escola como reflexão teórica

que estrutura futura ações. É quando o professor pergunta a si mesmo quem

ele é e por que faz determinadas escolhas diante do que vive e do lugar que

ocupa socialmente.

A reflexão é uma condição indispensável para o desenvolvimento

profissional e pessoal já que em ambos há a possibilidade de um auto-

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distanciamento que permite olhar a si mesmo como sujeito participante da ação

e, ao mesmo tempo, ser o sujeito pensante. (SÁ- CHAVES, 2009)

Ao evidenciar um contexto diferenciado de formação destaco que o mais

importante do que formar, é formar-se; que todo o conhecimento vivenciado e

experienciado é autoconhecimento e, que assim, a formação é autoformação,

como ressalta Nóvoa (2009) em seus estudos. Assim, a escola é um lugar de

liberdade e de responsabilidade onde o professor ensina, mas que também

aprende e forma a si mesmo por meio de diferentes ações de mecanismos

reflexivos.

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101

Capítulo 7:

Nos caminhos possíveis...

em busca do trabalho

com.par.t(r)ilhado

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Porque desejo esse alguém que me invade e me ocupa

que me usurpou a palavra e o gesto me fez estrangeiro do meu corpo

e me deixou mudo, contemplando-me. Mia Couto

45

Escrevo para os meus pares que auxiliam a pensar o dia-a-dia da sala de

aula, as angústias e descobertas, os medos e as ousadias de buscar fazer uma

experiência significativa para nós mesmas e para nossos alunos. Escrevo para

as outras tantas pessoas que estão em sala de aula e em outro lugar que

estejam interessadas em modos de desenvolvimento do trabalho docente. E,

ainda escrevo para aquelas que coordenam grupos e estão interessadas em

olhar as diferentes maneiras de organizar o trabalho docente na escola e suas

implicações na sala de aula.

Ao compartilhar experiências estou delineando alguns trechos do

percurso que venho vivenciando como professora-pesquisadora que busca,

acredita e vive a parceria como uma das possibilidades de pensar/repensar a

prática docente.

Será que é pretensão demais? Tenho certeza de que toda a ação tem

uma intenção e que, ao compartilhar experiências, pode se despertar ou não a

reflexão, pois ao articular teoria e prática, repenso o modo de trabalhar com

meus pares e uma das estratégias utilizadas é o registro do que vejo, aprendo,

apreendo, repenso, sistematizo...às vezes, o registro começa com palavras,

outras vezes, com imagens, poemas, poesias, cartas...mas estão registradas

como algo importante para mim que sou/estou a professora-pesquisadora.

Acredito muito que o trabalho com.par.t(r)ilhado é uma das possibilidades

de produção de saberes docentes que contribui e constitui a formação coletiva.

Melhor do que escrever, sugiro a leitura do poema.

45

In Poema da minha alienação. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/Mia-Couto/298257536887970. Acesso em 18 mar. 2014.

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Tecendo a manhã

João Cabral de Mello Neto

(1997)

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

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7.1. O início da busca

"Há coisas que não se pode fazer junto

sem acabar gostando um do outro." J.K. Rowling

(2000)

Para escrever sobre parceria retomei os registros

que venho fazendo no decorrer desse caminhar e me

deparei com um texto produzido quando cheguei a Braga,

Portugal, em 2012, com o propósito de aprofundar os

estudos.

Na primeira parada que fiz na terra além-mar,

houve um estranhamento diante do que via e do que

sentia porque diante de tantas indagações feitas por meus

interlocutores – Professor Pedro Rosário e minha

companheira de viagem/estudo Nana Haddad, me senti

perdida e deslocada já que o olhar era mais diretivo, mais

preciso e objetivo naquele momento. Mas por que não

acreditaria que tudo seria possível e que dessa

experiência tiraria o máximo de proveito E foi o que fiz!

Diante de tantos questionamentos, parei, reorganizei as

ideias e o olhar procurando as constantes em minha

trajetória desde que me formei em 1997, na Faculdade de

Educação (UNICAMP), Campinas.

Mas o que quero dizer com constante? Um dia,

enquanto assistia a uma série na TV ouvi a personagem

dizendo sobre as constantes em sua vida e nela me

Esse estranhamento

potencializou uma

convocatória de todo o

meu ser para que

compreendesse o

percurso que venho

fazendo em minha vida

profissional e pessoal.

Nessa busca incessante

de compreensão há

uma resposta que pode

ser produzida

forçosamente ou não,

tornando o ouvinte em

locutor. (BAKHTIN,

2000, p.290)

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inspirei para iniciar essa escrita. Assim, sabendo o que seria constante, fui

buscar outros significados no Google, quando me deparei com este:

“Na Matemática e nas ciências naturais, uma constante é um valor fixo que

pode ou não ser especificado. Esta noção é utilizada em oposição à de variável,

que não é fixa.”46. Enfim, para mim, constante é aquilo que permanece no meu

caminho, que mesmo diante de questionamentos e olhares diferentes, está ali

como tema central para dialogar e incorporar outras visões que são as

variáveis.

É assim que me sinto diante este texto que aqui apresento. A formação

de professores é uma constante que traz variáveis a sua volta que vêm me

mostrando que, independente do olhar que se tenha, o desenvolvimento

docente está presente.

Diante disso, a busca por artigos que elucidassem e embasassem o

estudo se fez necessária e, em um emaranhado de textos, fiquei a procurar o

meu próprio foco sobre o trabalho docente cooperado, coletivo, participativo, em

grupo, em equipe, em parceria, em rede, colaborativo...

Muitas denominações foram encontradas, mas, neste momento, faço a

opção em utilizar o termo trabalho docente compart(r)ilhado, porque acredito

que é uma expressão que se relaciona melhor com o tempo necessário de

partilha, de comunhão dos momentos vividos. É o termo que define as

experiências docentes e de formação.

Trabalho com.par.t(r)ilhado tem a ideia de que o conhecimento não é

estanque, é dinâmico e mutável. Ao colocar seus saberes à disposição, em

interação com o coletivo, o professor vislumbra outras interpretações de sua

produção e amplia saberes.

46

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Constante. Acesso em: 11 jan. 2012.

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Falar em parceria, como já mencionei anteriormente, significa trabalhar

com diferentes nomeações que se referem ao termo e que nos remetem a uma

reunião de indivíduos para certo fim, com interesse comum onde há

negociações e partilha de compromissos institucionais.

Atualmente, se fala em parceria em diferentes experiências concretas

realizadas no contexto educacional brasileiro, mas vale retomar e ressaltar que

o foco a ser apresentado neste trabalho será da parceria de dentro da escola,

entre seus pares.

Ao optar por um grupo especifico como já relatei, trarei as negociações,

as partilhas de tarefa e responsabilidade de cada um que contribui para a minha

formação continuada.

Ainda enfatizo que, quando se pesquisa o cotidiano escolar, é possível

perceber que há preocupação com a valorização do trabalho docente e do

ensino em si, já que este espaço tem papel político e social no contexto em que

está inserido.

A parceria educacional se faz necessária porque é nela que a prática se

constrói e se reconstrói coletivamente através da reflexão, possibilitando assim,

as ‘comunidades de aprendizagem docente’, como nos coloca Foerste (2005).

Quando se fala de parceria, tenho que retomar alguns aspectos que

marcam essa relação, pois estar junto, em parceria, implica em confiar e

respeitar o Outro já que essas atitudes possibilitam superar as dificuldades

encontradas e dar um novo olhar a formação continuada.

O trabalho docente desprende processos complexos de elaboração de

conhecimento que precisam ser ancorados em diferentes epistemologias para

auxiliar a reflexão a ser feita proporcionando a visualização da autonomia do

trabalho e a identidade do professor.

Assim, fui buscar outros interlocutores para compreender um pouco mais

sobre este assunto e achei importante destacar que historicamente, o trabalho

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coletivo47 se apresenta como forma de resistência a divisão burocrática do

trabalho. Hoje se pode dizer que esta é uma prática social e pedagógica que

está presente nas escolas, assim, como em outras áreas de trabalho.

Percebe-se que em muitos casos, os professores com mais experiência

sentem-se pouco entusiasmados e com pouca disponibilidade para trocar sua

prática, sua experiência individual e, assim, construir um trabalho

com.par.t(r)ilhado uma vez que não se sentem mais desafiados pela maneira

como organiza seu trabalho assim como não tem mais o olhar apurado para as

minúcias vividas eou encontradas no cotidiano escolar. Também há a

desvalorização econômica e social do trabalho docente que faz com que o

professor sinta-se imobilizado diante de novas propostas ou novas atitudes

perante o que se vive na sala de aula e na escola.

Perrenoud & Thuler (2006) também nos apontam que essa maneira de

trabalhar tem que estar inscrita na organização do trabalho escolar e que esta

ocorrerá dependendo do professor e do contexto em que está inserido, já que

há outras implicações de trabalho e de valores.

Dessa forma, os autores dizem que o compartilhar é um posicionamento

normativo que ocorre com maior facilidade em escolas que possuem projetos

pedagógicos claros, uma equipe de professores comprometidos e um ensino

que possibilite incorporar maneiras diferenciadas de trabalho. (PERRENOUD &

THULER, 2006)

Para o professor, o trabalho com.par.t(r)ilhado proporciona um

crescimento individual, com novas maneiras de organizar e pensar o trabalho

docente e, consequentemente, ao trocar experiências, possibilitará o seu

próprio crescimento pessoal e profissional assim como o dos membros do

grupo tornando o coletivo mais coeso e participativo.

47

Coletivo pode ser compartilhado ou não. Depende muito do propósito do grupo de sujeitos que ali estão.

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Porém, o compartilhar também pode impedir o desenvolvimento

autônomo dos conteúdos a serem trabalhados levando o coletivo a se voltar

para si próprio, engessando o trabalho a ser realizado. Quando o professor

realiza ou segue um planejamento coletivo sem se debruçar sobre as reais

necessidades de sua classe ou às suas próprias, não colocando suas marcas

de trabalho, adaptando o que pode fazer ou encaminhar de outra forma, o

professor deixa de desenvolver a sua autonomia assim como o dos conteúdos a

serem trabalhados.

Outros aspectos são colocados para que possamos ficar atentos a essa

maneira de organizar o trabalho: a autoria, a responsabilidade coletiva dos

sucessos e dos fracassos, segredo profissional, representação do coletivo,

regular os conflitos...

Ainda é preciso esclarecer que diante do trabalho com.par.t(r)ilhado, o

professor não pode silenciar perante os questionamentos ou dos desacordos

que possam vir a ocorrer, pois, assim, não estará proporcionando a

reflexividade sobre essas questões e, juntos, obterem uma nova tomada de

consciência e deslocarem em suas reflexões. Esse tipo de trabalho tem que ser

proveitoso para não sobrecarregar o professor que já tem uma carga intensa de

trabalho. É necessário que os sistemas educativos vigentes considerem as

necessidades coletivas dos professores e criem espaços e tempo adequados

para esta construção. Além disso, o professor não necessita abrir mão de suas

convicções e ter atitudes contrárias a elas para que não haja conformismo em

relação às normas prescritas.

Os estudos sobre esse tema (BOAVIDA & PONTE, 2002; FOERSTE,

2005; PERRENOUD & THULER, 2006; BORKO, 2008; THURSTON,

CHRISTIE, HOWE, TOLIE, TOPPING, 2008; DUPRIEZ, 2010) também nos

apontam que os professores se envolvem mais quando estão satisfeitos com a

instituição em que estão inseridos, possuem alto senso de competência e estão

preocupados com a aprendizagem de seus alunos.

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Diante do trabalho com.par.t(r)ilhado, os professores podem exercitar

maneiras diferentes de registro para que possam dialogar e refletir sobre

dilemas profissionais e a resolução de problemas pedagógicos que retratem

situações do cotidiano da sala de aula, pois assim haverá um impacto real

sobre o seu próprio trabalho. (PERRENOUD & THULER, 2006; DUPRIEZ,

2010)

Dupriez (2010) também afirma que algumas práticas pedagógicas

permitem mais o trabalho com.par.t(r)ilhado do que outras, como o sistema de

ensino que é organizado por projetos que solicita uma prática de formação

contextualizada, contínua e convergente.

Para este professor, se faz necessário uma nova organização do

trabalho evidenciando a importância do trabalho com.par.t(r)ilhado já que

trabalhará de maneira interdisciplinar com os conteúdos e competências que

são solicitados no cotidiano da escola, tornando-se mais árduo e difícil a

assumir sozinho, questões tão complexas e de competências de alto nível.

(DUPRIEZ, 2010)

Boavida & Ponte (2002, p.1) ratificam que “a colaboração constitui uma

estratégia fundamental para lidar com problemas que se afiguram demasiado

pesados para serem enfrentados em termos puramente individuais.”

Hargreaves et al. (2001, p.217), um investigador que tem se dedicado a

estudar os processos de cooperação e colaboração nas organizações

educativas, considera que as “culturas de colaboração são incompatíveis com

sistemas escolares nos quais as decisões sobre o currículo e a avaliação são

fortemente centralizados.”

Foerste (2005) contribui e reafirma o que acredito no trabalho

com.par,t(r)ilhado ao dizer que é necessário confiança e respeito pelo Outro. Ao

assumir este pressuposto garanto “que só assim é possível superar dificuldades

reconhecidas coletivamente”. (p. 93). Diante disso, é possível criar

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possibilidades de trabalho que orientem e reorientem os objetivos comuns e a

partilha de compromissos, buscando caminhos outros de atingi-los.

Perante a reflexão sobre os diversos apontamentos apresentados pelos

diversos autores, reafirmo minhas indagações:

Mas como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do

trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as

implicações educacionais deste processo?

Na presença de alguns estudos que tratam sobre trabalho colaborativo

docente, Roldão (2007) destaca a individualidade presente e enraizada na

escola utilizando as palavras de Tardif & Lessard (2005, p. 187), que ressalta:

embora os professores colaborem uns com os outros, tal colaboração não ultrapassa a porta das classes: isso significa que o essencial do trabalho docente é realizado individualmente.

Formosinho & Machado (2009, p.105) contribuem para a reflexão quando

dizem que quando exercemos a docência solitariamente, sobressai a

“dificuldade de um professor isoladamente mudar as situações e os contextos

de trabalho e, sozinho, construir novas competências profissionais a partir da

experiência de trabalho.”

Muitas vezes é isso mesmo o que acontece, quando estamos sozinhos

planejando ou retomando o que precisa ser trabalhado na sala de aula, nos

vemos perante questionamentos ou impasses que muitas vezes nos paralisam,

mas é possível experienciar parcerias de trabalho que extrapolam as questões

físicas da sala de aula e de pensamentos fazendo com que não fiquemos

isolados no trabalho.

Este trabalho individual não precisa e não dever ser isolado, pois quando

o professor está disponível a estar com o Outro, seja presencial nos encontros

oficiais da escola ou, nos outros possíveis espaços da escola eou da vida que

inclui o mundo virtual através dos e-mails ou postagens em redes sociais, o

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docente nunca está sozinho. Está sempre com o Outro partilhando ideias,

sentimentos, desejos, frustações, medos ... e, assim, reorganizando o próprio

trabalho docente como o do grupo ao qual faz parte.

Numa profissão complexa, como a de professor, há necessidade de trocar experiências e saberes, de colocar dúvidas, atenuar inquietações e ultrapassar dilemas. Fragilizamo-nos quando nos isolamos. Podemos ganhar tempo para os nossos afazeres pessoais, mas perdemos em reflexão e empobrecemo-nos profissionalmente. (SANTANA, 2007, p. 33)

Quando vivemos este empobrecimento profissional, vamos deixando de

olhar para os acontecimentos da sala de aula ou de outros espaços escolares

como impulsionadores de uma nova organização do trabalho docente e,

consequentemente, nos esquecemos de ter objetivos a serem alcançados nos

contextos sócio-históricos em que o trabalho é desenvolvido.

Mas ao acolher o olhar do Outro é possível vivenciar a reflexividade que

será tratada logo a seguir. Este encontro permeia e delineia as estratégias a

serem utilizadas no percorrer do caminho a ser vivido com o Outro – aluno,

professor, Coordenação, direção, famílias – e, assim, marcar que mesmo sendo

um trabalho individual na sala de aula ou no planejamento, ao repartir as

inquietações, pensamentos, descobertas, medos... o trabalho se torna

efetivamente coletivo, colaborativo e com.par.t(r)ilhado.

O essencial das potencialidades do trabalho colaborativo joga-se no plano estratégico, e operacionaliza-se no plano técnico. Estrutura-se essencialmente como um processo de trabalho articulado e pensado em conjunto, que permite alcançar melhor os resultados visados, com base no enriquecimento trazido pela interacção dinâmica de vários saberes específicos e de vários processos cognitivos em colaboração. Implica conceber estrategicamente a finalidade que orienta as tarefas (de ensino) e organizar adequadamente todos os dispositivos dentro do grupo que permitam (1) alcançar com mais sucesso o que se pretende (as aprendizagens pretendidas), (2) activar o mais possível as diferentes potencialidades de todos os participantes (no âmbito do grupo-disciplina, do grupo-turma, ou outros) de modo a envolvê-los e a garantir que a actividade produtiva não se limita a alguns, e ainda (3) ampliar o conhecimento construído

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113

por cada um pela introdução de elementos resultantes da interacção com todos os outros. (ROLDÂO, 2007, p. 27)

48

Quando se trabalha em parceria, em conjunto, tem que se ter

disponibilidade para partilhar e interagir em qualquer situação de trabalho que

se tenha ou que se vivencie.

Assim, é necessário caminhar juntos para que possamos incorporar a

experiência do que acontece. Nós, professores, trabalhamos com outros

sujeitos aprendizes – professores e alunos, sejam eles da mesma série, do

mesmo curso ou da mesma escola. Vale lembrar que os processos de ensino e

de aprendizagem destes sujeitos organizam-se como uma somatória de ações

que convergem para o mesmo caminho sem deixar as singularidades de cada

um ali presente.

Vale relembrar que a escola que é pautada na organização de

estratégias que possibilitem compreender a complexidade do processo de

ensinar e de aprender, necessita de um trabalho real de colaboração entre os

docentes que partilham as agruras e as belezuras do cotidiano escolar para que

o objetivo/interesse comum seja partilhado por todos aqueles que têm

interesse.

Quando esta ação de colaboração efetiva acontece, todos os sujeitos

envolvidos saem ganhando já que cada um, na sua individualidade e

singularidade, com tempos e modos de trabalhar particulares, se entrelaçam em

uma aprendizagem significativa obtendo um melhor desenvolvimento pessoal e

profissional do sujeito em si como do grupo em que está inserido.

Mas isto é fácil de acontecer?

Pode parecer simples e fácil, mas não é. Para construir um caminho de

trabalho colaborativo, com.par.t(r)ilhado é necessário romper com o jeito que a

escola como instituição está organizada. É essencial que haja modificações

48

O texto está transcrito no português de Portugal.

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114

propiciando momentos diários de partilha e discussão sobre o que se vivencia

na sala de aula para que, assim, o grupo de professores se veja como um

grupo social que produz suas ações e as regula de maneira autônoma.

Dessa forma, ao olhar para o que acontece no dia a dia da escola como

caminhos possíveis de serem vividos e não somente cumpridos, pois quando se

tem a possibilidade de diferentes maneiras de organizar o trabalho, tanto aluno

como professores, podem parar e analisar o que estão fazendo e o que estão

pensando e, diante deste momento de reflexão, redirecionar o trabalho para

que este se torne cada vez mais concreto e significativo na aprendizagem que

ambos estão tendo. Assim, com o trabalho com.par.t(r)ilhado se instaura e se

evidencia que é na singularidade partilhada de cada um que o coletivo se

constitui, legitimando assim outra maneira de organização do trabalho docente.

Foi nesse ir e vir de palavras sobre o trabalho colaborativo que me

deparei novamente com Hargreaves et al. (2001) que destaca que, nas culturas

de colaboração, as relações de trabalho quando são desempenhadas pelos

professores, podem ser consideradas como espontâneas, voluntárias,

orientadas para o desenvolvimento, difundidas no tempo e no espaço e

imprevisíveis.

As relações espontâneas são apoiadas nas interações entre os próprios

professores e evoluem fluentemente quando nascem da própria comunidade.

Já, as relações de trabalho em colaboração são voluntárias quando os

próprios professores percebem o seu valor individual decorrente a experiência

profissional que potencializa um trabalho em conjunto como sendo agradável e

produtivo e não imposto administrativamente.

Quando as relações de trabalho são orientadas para o desenvolvimento,

os professores optam pelas tarefas e encaminhamentos do trabalho em grupo

sem se preocupar com os que estão ao seu redor. Já quando há uma

solicitação externa, selecionam o que de fato querem expor perante a

experiência individual e coletiva que já vivenciaram profissionalmente.

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As relações difundidas no tempo e no espaço acontecem quando há algo

ou alguém que orienta/regula essa cultura colaborativa ao marcarem as

reuniões e planejamentos que podem ocorrer de maneira breve, mas frequente.

Estes encontros podem

(...) assumir a forma de palavras e olhares de passagem, elogios e agradecimentos, ofertas para troca de turmas em ocasiões difíceis, sugestões a respeito de novas ideias, discussões ou encontros conjuntos com pais. (HARGREAVES et al., 2001, p.216)

Dessa maneira, esta relação de colaboração se constitui na maneira

como os professores experienciam o cotidiano escolar.

As relações também são qualificadas como imprevisíveis onde os

professores não exercem certo controle sobre o que desenvolvem,

transformando as suas ações em resultados incertos e imprevisíveis.

É de extrema importância que os professores manifestem interesse e

disponibilidade no modo como se relacionam com os Outros. Ao ter esta

abertura, o professor vivencia um contínuo caminho de mão dupla, dando de si

e recebendo do Outro para que oriente sua ação e resolva situações de conflito

com o devido respeito à particularidade de cada um. (BOAVIDA & PONTE,

2002)

O trabalho com.par.t(r)ilhado pode acontecer com pessoas que estejam

no mesmo papel social assim como em outros lugares. Por exemplo: entre

professores da série, entre professores do mesmo segmento, entre professor e

coordenador, entre professores e alunos, entre professores e as famílias...

Lógico que ao vivenciar uma parceria diversificada, a exigência sobre o trabalho

do professor se torna maior, mas os diferentes olhares possibilitam uma visão

mais abrangente e compreensiva da realidade a qual está sendo

vivida/experienciada/analisada.

Concordo com alguns autores (GOULET & AUBICHON, 1997; OLSON

1997; HARGREAVES, 1998; BOAVIDA & PONTE, 2002) quando percebo,

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nesse meu percurso de professora-pesquisadora, que há princípios que

facilitam a concretização de um trabalho com.par.t(r)ilhado na escola.

Confiança: Quando há confiança, há um clima de respeito e cuidado

presente em qualquer relação vivida, seja pessoal ou profissional. Ao

sentir confiança, você expõe suas ideias, medos, angústias, ações,

valores sabendo que será respeitada.

Para que esta confiança se estabeleça é importante que haja uma

confiança em si mesmo, pois sem ela não há como vivenciar um trabalho

com.par.t(r)ilhado.

Diálogo: Ao dar voz a experiência e entrelaçar com outras vozes isto faz

com que a compreensão do vivido se torne mais rico e amplo, pois

assim, haverá confronto de ideias que resultarão em novas

possibilidades de olhar o que está sendo discutido, vivido, pensado.

Negociação: é um princípio que permeia todo o percurso que vivemos.

Negociamos conosco mesmo, com o modo de organizar o trabalho, com

as prioridades que estabelecemos diante do que está posto e o que está

por vir, com os significados que damos as escolhas, ao próprio trabalho,

como atividade de labor e, aos relacionamentos que estabelecemos.

Eu destaco mais dois princípios que complementam e perpassam os demais

já citados anteriormente:

Afetividade: A amizade nos impulsiona a buscar nós mesmos diante do

inesperado ou do que está posto como instigante e desafiador já que o

Outro pode nos convocar a agir de maneira diferente perante o que

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ocorre no cotidiano da escola. Dessa forma, estamos nos reinventando e

buscando estratégias para pensar o tempo presente e da formação a

qual estamos constantemente inseridas.

A amizade, uma das maneiras de a afetividade se manifestar,

pode estar concretamente presente no cotidiano ou pode estar mais

distante, mas nada impede de que essa relação humana, cheia de

contradições e afinidades, potencialize uma resistência das relações de

saber-poder como ressalta Loponte (2009) em seus estudos sobre a

Amizade: o doce sabor dos outros na docência.

Ao viver a amizade, nos tornamos cúmplices e podemos

experienciar o espaço político da escola com mais amorosidade e torná-

lo mais ameno diante da dominação presente, pois ao nos apoiarmos um

no Outro, podemos dar outros sentidos ao que está sendo imposto e

reinventar a situação e a nós mesmos.

A afetividade faz com que o professor vivencie a sua singularidade

e a multiplicidade de si mesmo já que está experimentando, vivenciando

outras possibilidades de ações e pensamentos, saindo da sua zona de

conforto para que, de fato, seu processo de formação seja

constituído/permeado de mais vozes, mais vínculos entre as pessoas

com as quais está convivendo diretamente e, assim, perceber que o

Outro se faz presente no seu trabalho individual, podendo se tornar um

trabalho coletivo.

Esse processo formativo não nega a existência do Outro ou de outras

visões presentes, mas fortalece o individuo que respeita às diferenças.

É nesta partilha que o professor abre seu olhar para o mundo e se

desvela de si mesmo para que a reflexão ocorra de maneira efetiva

sobre si mesmo e o trabalho que desenvolve na sala de aula e na

escola/sociedade em que atua.

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Escuta sensível: A escuta sensível permeia todos os outros princípios

aqui tratados, pois para que a confiança, o diálogo, a negociação e a

afetividade/amizade aconteçam é necessário que este ouvir o Outro

esteja presente.

A escuta sensível faz com que, de fato, possamos conhecer o

Outro na sua totalidade humana, pois estamos nos aproximando e

conhecendo a multiplicidade da pessoa que está conosco: seus medos,

suas angústias, seus desejos, suas dores, suas alegrias, suas

frustrações, seus princípios, suas ideias...

Para que a escuta sensível ocorra, é necessário que haja uma

parada no tempo presente e que o sujeito se disponha a conhecer

sensivelmente o que está sendo expresso pelo Outro e que nas

entrelinhas do que não está sendo colocado perceba que junto aos

gestos, olhares, emoções vá constituindo este ato de ouvir sem

julgamentos e com delicadeza aquele momento.

(...) A pessoa que se dispõe a escutar não basta que tenha ouvidos, é necessário que ela realmente silencie sua alma. Silencie para perceber aquilo que não foi dito com palavras, mas que talvez tenha sido expresso em gestos, ou de outra forma. (BARBIER, 2002, p.141)

Ao ouvir, fazer a escuta atenta do que o Outro está nos contando,

estamos dando sentido àquilo que é dito e não dito para que possamos

nos distanciar de nós mesmos e reconhecer no Outro a sua

singularidade que poderá a vir compor sua ação futura.

Freire (1996, p.127/128) ressalta que “somente quem escuta

paciente e criticamente o Outro, fala com ele, mesmo que em certas

condições, precise falar a ele.”

O tempo em que vivemos nem sempre permite que possamos

escutar sensivelmente o Outro – pai, professor, aluno, Coordenação,

direção...- mas ao realizarmos esta ação de ouvir de fato, podemos ver

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as belezuras e as agruras do cotidiano escolar - o qual estamos inseridos

e, assim, repensarmos nossas ações e escolhas diante da experiência

do Outro. Dessa forma, aprendemos a transformar o nosso discurso ao

Outro, em uma fala com ele, como nos alerta Freire (1996). Além disso,

estamos legitimando o Outro com seus defeitos e qualidades, a

confiança que temos um ao Outro e nos aproximando/mergulhando nas

relações interpessoais que estabelecemos nos diferentes espaços que

vivemos.

Ao praticar a escuta sensível não delimitamos ou limitamos o que

está sendo com.par.t(r)ilhado, mas podemos buscar caminhos possíveis

de serem vividos ou praticados individualmente e coletivamente.

O êxito do trabalho com.par.t(r)ilhado é uma eterna negociação presente

no diálogo e na confiança perante as escolhas pessoais e coletivas de cada um.

No entanto, concordo com Hargreaves (1998) quando diz que a

colaboração extrapola o seu valor em si mesma, ela é um caminho para a

resolução de problemas concretos e reais. Dessa forma, também evidencia os

diferentes pontos de vista e práticas existentes mostrando que algumas

questões do grupo são potencializadas deixando de lado a individualidade e a

inventividade.

Quantas vezes, nós, professores, estamos em reunião com demais

professores ou Coordenação, diante de uma deliberação a ser tomada e não

damos a devida importância em relatar e partilhar o processo vivido para a

tomada da decisão?

Enfim, na presença de algumas variantes encontradas ao longo do meu

percurso como professora e no trabalho colaborativo, tenho procurado dialogar

com o tema que venho estudando para redirecionar o olhar e pensar em

possíveis compreensões sobre parceria.

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Nem todo o caminho são flores e não podemos perder de vista a

inserção da escola em um contexto educacional com forte controle externo,

tornando o trabalho do professor menos autônomo e mais burocratizado diante

das solicitações mais intensas que os Parâmetros Curriculares nos impõem.

Perante a experiência vivida, acredito que a parceria é possível de ser

construída na escola, uma vez que especialmente esta instituição tem um papel

político social que se preocupa com a formação da cidadania dos seus alunos,

professores, pais e toda a comunidade ali presente.

Com esta convicção, volto a olhar para o material que tenho em mãos e

percebo que não é fácil fazer uma seleção para análise. A singularidade

presente em cada escrita desperta, em mim, olhares que dialogam comigo

mesma e, com as dúvidas e certezas que tenho, pois ao falar do Outro significa

falar de mim mesma já que sou constituída no/pelo Outro (BAKHTIN 1986,

1988, 2000).

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Capítulo 8: Por qual caminho vou?

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Quem disse que o fim da picada não se abre na imensidão? Beco que vira avenida. Muro que cai para irmão. Esperança renascida escancarando a prisão. É promessa de vida no meu coração.

(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)

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E claro que a gente vai sentir os cansaços dos caminhos ou as dores das expectativas frustradas ..

É claro que isto vai pesar e vai até nos induzir a desistir, mas entre tantas lutas, sempre haverá uma

mão forte nos segurando, nos fortalecendo e nos fazendo continuar....

mesmo em meio a ventos tempestuosos......

Cecília Sfalsin49

Caro leitor, ao trilhar o caminho daqui em diante, você perceberá que fiz

algumas escolhas que me dão suporte na análise das questões que convocam

todo o meu ser neste momento pessoal e profissional.

Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo?

Como todo caminhar, me aproximo, me distancio, escolho e faço paradas

para dialogar e perceber o que tenho em mãos uma vez que reagi

diferentemente a cada um dos (guar)dados.

Como a parceria está sendo focalizada em meu constante processo de

formação pessoal e profissional, escolhi, inicialmente, cinco dimensões de

análise, se assim, posso dizer. A parceria como caminho, como janela, como

espaço diverso, como charneira50 e como pertencimento.

Você verá que as tensões estão presentes implicitamente, mas cabe a

você, leitor, perceber nas entrelinhas os pontos a serem articulados, pensados

e refletidos.

Digo isso, porque escolhi dizer como vivi os momentos não querendo me

prender em mostrar uma formação eficaz diante de uma tarefa ou de um

49

Publicado no Facebook no dia 17 de junho de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/CeciliaSfalsinpoesias/photos/a.103601403138939.9862.103403286492084/312039522295125/?type=1&fref=nf . Acesso em: 23 nov. 2014. 50

Charneira é um ajustamento de duas peças de madeira ou de metal, encravadas uma na outra reunida por um eixo, de modo que uma delas pelo menos possa girar; dobradiça.

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propósito. Mas, partilho como foi sendo construída minha identidade

profissional, mostrando como é a relação que mantenho com o mundo e as

diferentes maneiras de ler os acontecimentos, as coisas e as pessoas. (Charlot,

2005)

Dessa forma, é possível, ao longo da leitura, compreender que, ao me

formar (sempre pelocomno Outro), desenvolvo competências que me

permitiram gerir tensões e construir as mediações entre as práticas e os

saberes ali instaurados.

Com o olhar atento e curioso, concordo com as palavras de Charlot

(2005) que diz que a educação é permeada pela humanização, socialização e

singularização presentes na escola que partilha saberes e não informações.

Saberes estes que fazem com que eu e meus pares compreendamos melhor o

mundo e a vida que vivemos que são permeados por relações com os Outros e

das relações que mantemos conosco mesmos.

Em seguida, optei por paradas com.par.t(r)ilhadas que foram compondo

o caminho percorrido até então.

1ª parada com.par.t(r)ilhada: O registro e a importância do Outro no

olhar

2ª parada com.par.t(r)ilhada: Assembleia Docente e a importância do

Outro no diálogo e nas reflexões

3ª parada com.par.t(r)ilhada: a importância do Outro para a partilha

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8.1. Compreendendo as paradas

com.par.t(r)ilhadas: focalizando a parceria

O material que apresento aqui pertence a cinco professoras que

compõem o grupo de 45 professores do Ensino Fundamental I, de uma escola

particular de Campinas. Como já mencionei anteriormente, em 2011, ao expor o

projeto de pesquisa do Doutorado ao grupo de professores e Coordenadores do

Ensino Fundamental I, fiz um convite para quem quisesse escrever uma

mônada sobre a parceria a partir do Paradigma Indiciário, de Rancière (2010).

O que você vê? O que pensa e o que sente? O que você faz com tudo isso? .

Você deve estar perguntando, mas por que somente as cinco

professoras foram escolhidas?

Procurando a imensidão possível a ser sentida após me aproximar do

que foi escrito pelas professoras em um determinado tempo e espaço do ano

de 2011, examinei os pormenores, as minúcias, a potência de cada um ali

impresso, tendo o cuidado de preservar os traços individuais na narrativa de

cada uma delas.

Durante a leitura, a esperança no trabalho com.par.t(r)ilhado foi

renascendo e sendo reafirmada como formas outras de ver a parceria como

promessa de vida no cotidiano da escola.

Aqui vale uma parada no caminho e olhar para os becos possíveis.

Assim, antes de trazer as palavras de cada professora, pedi a elas que se

apresentassem. Mas o que você deseja que escreva? Qual formato? Pode ser

algo breve? Não estou acostumada a fazer isso...foram as perguntas feitas a

mim quando solicitei a apresentação. Do jeito que quiser, fique à vontade para

se colocar, se apresentar da maneira que achar melhor porque o mais

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importante é que você diga quem você é e não eu. Você é a melhor pessoa

para dizer de você! Estas foram as minhas orientações.

E assim foi... palavras impressas na apresentação que não foram

analisadas, mas que dialogaram com o que me apresentaram do que é

parceria, mas este é um beco no qual eu não entrei para desvendar, mas que

ao ler, você verá as imensidões ali presente e compor o seu jeito de

lersentircompreender o que está posto.

Desse jeito, cada relato apresentado gerou um título que, acredito eu,

compõe o que é parceria para cada professora. A parceria pode ser um

caminho, uma janela, um espaço diverso, uma charneira e um espaço de

pertencimento que revela o entrelaçamento de olhares e vivências dessa

maneira de trabalhar e organizar o trabalho docente.

Caro(a) leitor(a), agora você iniciará o percurso para sentirler o que é

parceria que está organizada com o título que foi concebido após a análise, a

apresentação de cada professora está em caixa com letra diferenciada e, em

seguida, o texto produzido por cada uma delas, em outra caixa com cor, sobre o

que é parceria. Muitas vezes, as palavras apresentadas nestes dois textos

aparecem, em itálico, também na análisediálogo que estabeleço com elas e,

com você, para retomar e evidenciar alguns pontos que sobressaíram em

minha leitura.

Já disse em uma nota de rodapé, mas vale ressaltar que os nomes dos

participantes da pesquisa foram alterados para preservar a identidade de cada

um. O único nome não alterado foi o meu que aparece como Marissol ou Mari.

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8.1.1 A parceria como caminho

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou

lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir. Cora Coralina

51

Desde criança me dividia entre duas brincadeiras frequentes: ser a professora da “escolinha” e ser a “estilista” das minhas bonecas favoritas, feitas de papelão. Finda a oitava série, fui a única a optar pelo magistério, não para ser professora, mas por gostar muito da área de humanas. No magistério me frustrei com os estágios, me mostraram uma sala de aula na qual não gostaria de trabalhar... e o gosto pela Moda cresceu em mim e superou o da Educação na opção pela primeira faculdade. Lá fui eu para São Paulo e depois de quatro anos árduos era bacharel em desenho de Moda. Durante a faculdade trabalhei na área e descobri que apesar de amá-la, não apreciava trabalhar na mesma... pedras a ultrapassar que mexeriam com alguns princípios de vida. Retornei a Campinas. Depois de mais algumas pedras e curvas no meu caminho, eis que escolho o quê? Trabalhar na escola, e foi numa sala de primeira série que entrei como professora em minha estreia e também foi nesse momento que “badalaram os sinos” de uma paixão. Pronto! Não imaginava até então que muito trilharia na Educação, até por necessidade de melhorar minha formação. Entrei para a Faculdade de Educação cursando Pedagogia. Amei a faculdade que disse que jamais cursaria (adolescente não sabe de nada mesmo!)! Vi que ainda me faltavam conhecimentos, “buracos” da Pedagogia – parti para a primeira especialização, em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil. Mudanças no modo de ver meus alunos e alunas aconteceram, e para melhor, contudo sentia que faltavam aspectos mais práticos e teóricos sobre as intervenções cotidianas, e hoje curso Psicopedagogia em busca dos mesmos. Passei por escolas privadas, públicas e que recebiam verbas mistas. Aprendi e aprendo com as pessoas, principalmente com as

51

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/cora_coralina_frases/. Acesso em: 29 nov. 2014.

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que têm como prática compartilhar. Conheço-me e sei que muito há por vir, nunca deixei de apreciar o muito que aprendi na Moda e que está impresso em mim, vivo fazendo relações entre Educação, Moda e Arte. Será que um dia uno tudo isso, resgatando as brincadeiras favoritas da infância? Só o tempo dirá.

Certo dia conversava com uma professora e ela, com uma expressão divertida,

perguntou se já havia me acostumado a linguagem da escola. Nova que sou na escola,

logo compreendi que não poderia ter feito questão mais apropriada! O termo por ela

usado expressava a minha exata sensação: estava aprendendo uma nova linguagem...

Nesta, um conceito forte que surgiu já nos primeiros dias de trabalho foi o de

parceria. Não que fosse novo, mas é necessário reconhecer que no contexto da minha

vida profissional nunca tinha empregado. Apareceram outros afins e não com muita

regularidade.

Reunião de indivíduos para alcançar um objetivo comum, é uma das definições

encontradas no dicionário Houaiss e penso que é pertinente à parceria na escola e no

grupo de professoras do qual faço parte, contudo com a devida ampliação: somos

pessoas trabalhando, pensando e dialogando a fim de trilhar o caminho de uma

educação de excelência. É claro, que a parceria é permeada por ideias e opiniões ora

concordantes, ora discordantes.

As diferentes experiências e a dinâmica das trocas entre parceiras enriquecem

os encontros sejam nos CPs, durante aulas vagas ou em pequenos intervalos, através

dos e-mails enviados e respondidos. Acomodação é um termo que definitivamente não

se aplica à parceria – “velho” e “novo” se relacionam e se transformam na construção

do trabalho.

Na parceria do 4º ano me sinto à vontade para perguntar e escutar, sabendo

que existe espaço e oportunidade para ensino, aprendizagem e crescimento entre

parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de contribuir mais é crescente.

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Parceira52, em suas palavras você define muito bem a Parceria e, assim,

tive uma vontade enorme de dialogar junto com você para delinear este

conceito tão usado, mas tão específico desta escola.

Na nossa Escola, usamos Parceria, mas podemos transcender este

termo para tantos outros momentos de encontros que acontecem no cotidiano

das escolas: HTPC, ATPC, Hora-Atividade, Encontro, Reunião Pedagógica,

Atividade Extra-classe...

Ter o momento de Parceria, horário de trabalho com.pa(r)trilhado, se faz

presente na maioria das escolas desde que a lei 11.738/2008 de Piso Salarial

foi sancionada, mas não quer dizer que de fato se utilize este espaço como

momento efetivo de trabalho pedagógico desenvolvido pela equipe pedagógica

da escola tendo como foco a aprendizagem do aluno e a formação continuada

do professor.

Para que a Parceria cumpra o seu papel é importante que todos estejam

presentes, haja troca de experiências para pensar e repensar (reflexão) a

aprendizagem dos alunos e a atuação do professor em sala de aula; pauta

definida e uma pessoa que registre a discussão para partilhar com a

Coordenação da escola, pois é de responsabilidade da Coordenação

pedagógica propiciar os momentos de formação individual e coletiva orientando

diálogo da prática docente; planejamento de ações futuras que envolvam a sala

de aula e a escola como um todo e, assim, propiciando uma formação a partir

da lida diária do chão da escola.

Fácil de fazer? Lógico que não, tem dias que o cansaço toma conta, mas

ao ter uma pauta a ser seguida faz com que você sinta-se “(...) à vontade para

perguntar e escutar, sabendo que existe espaço e oportunidade para ensino,

52

Os professores da mesma série se chamam de parceiros devido ao termo utilizado nesse encontro: Parceria.

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aprendizagem e crescimento entre parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de

contribuir mais é crescente.”, como nos coloca a professora.

Concordo com você que “As diferentes experiências e a dinâmica das trocas

entre parceiras enriquecem os encontros” e assim vamos construindo e delineando

um jeito de trabalhar específico de cada Parceria e de cada escola, pois quando

trocamos experiências estamos relembrando em conjunto,

(...) isto é, o ato de reconstruir a memória de forma compartilhada, é um trabalho que constrói sólidas pontes de relacionamento entre os indivíduos - porque alicerçadas numa bagagem cultural comum - e, talvez por isso, conduza à ação. Portanto, a memória compartilhada é tanto forma de domar o tempo, vivendo-o plenamente, como empuxo que nos leva à ação, constituindo uma estratégia muito valiosa nestes tempos em que tudo é transformado em mercadoria e tudo possui valor de troca. Essa memória compartilhada, enquanto desejo latente do homem pós-moderno, que se realiza numa relação não inserida na lógica de mercado, nos leva a construir redes de relacionamentos nas quais é possível focalizar em conjunto aspectos do passado, envolvendo participantes de diferentes gerações de um mesmo grupo social. Nesse processo são utilizados o que chamamos de "óculos do presente", para reconstruir vivências e experiências pretéritas, o que nos propicia melhor compreender os problemas do presente e pensar em bases mais sólidas e realistas nossas futuras ações. (VON SIMSON, 2003, p. 16 e 17)

Mas nem tudo é tranquilo. Não somos ingênuas, né parceira? Sabemos

que no grupo também temos as regras, os jeitos de comunicação de cada um e

do grupo em si, a cooperação, a competição, divisão de tarefas e certa

distribuição de poder e de liderança. Porém, isso também faz parte da

aprendizagem donopelo grupo.

O grupo funciona como um campo de referências cognitivas e afetivas, onde o sujeito se integra e se reconhece, podendo tanto bloquear quanto estimular processos criativos e críticos. Enriquez (1997) afirma que, combinando relações de produção e de afeto, o pequeno grupo oferece manifestações de organização, expressão, solidariedade e criatividade que remetem ao contexto social. Sendo portador de um projeto, o grupo é ao mesmo tempo analista e ator de sua ação, contribuindo para produzir sua consciência no contexto de

sua ação. (AFONSO, VIEIRA-SILVA, ABADE, 2009, p. 708709)

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É neste espaço de Parceria, de grupo, que as pessoas vão revelando

seu jeito de ser e pensar pessoal e profissional e, consequentemente,

construindo a sua história e a sua identidade e, ao mesmo tempo, construindo a

do grupo.

Aqui me lembro de Freire (1997. p. 59) quando diz que gosta de ser

gente porque pode perceber sua presença no mundo que é produzida pelo fato

de estar com o Outro. “Seria irônico se a consciência da minha presença no

mundo não implicasse já o reconhecimento da impossibilidade de minha

ausência na construção da própria presença.” Assim, vamos nos mostrando

como sujeitos ativos da nossa própria história e do grupo ao qual pertencemos.

Estar no mundo e na Parceria é estar com o mundo e com as pessoas. É

dialogar e dizer o que se faz e o que se pensa. É mostrar que estamos abertos

ao novo, curiosos com o que intrigainstiga, dispostos a aprender e apreender

com os sucessos e fracassos do cotidiano, apurando assim, nossas habilidades

e competências de aprender e de ensinar perante o que vivemos para

transformar, intervir e recriar a nossa realidade.

É claro que nem todos assumem este posicionamento, mas se faz

necessário ter respeito às diferenças e encontrá-los na coerência das ações

entre o que fazemos e o que dizemos. É nesta disponibilidade de respeito, de

diálogo, de negociação que a confiança vai se constituindo.

Na Parceria precisa-se propiciar a escuta dos Outros com confiança e

partilhando-a para que se possa discutir e analisar um fato, expondo com

clareza face outra decisão tomada pelo grupo. Essa confiança se consolida

quando o saber efetivado da própria experiência proporciona de um lado, a

ignorância mediante um assunto ou, de outro, abre um caminho para conhecer.

Ao abrir-se para o mundo o sujeito, o professor, instaura a relação

dialógica que se confirma com a inquietação e curiosidade.

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Com este processo dialógico acontecendo, a Parceria vai sendo

construída napela relação e nopelo processo democrático e dando uma

responsabilidade maior para este momento de formação contínua e de

discussão do trabalho com.pa(r).trilhado.

Muitas vezes não temos clareza dessa responsabilidade e nos

dispersamos ou nos tornamos passivos ou até mesmo ficamos agressivos. Mas

ao partilhar a pauta e o registro com o próprio grupo ou a Coordenação em

outro momento, buscamos compreender estas atitudes, criando novas maneiras

de organizar o labor colaborando para que se tenham melhores condições de

trabalho.

Lógico que o tempo não flui da mesma forma para todos, mas cada um

busca auxiliar o Outro no que se refere ao tempo coletivo, trazendo a

singularidade individual e tirando-a do lugar comum para um caminho sem volta

evocando um mapa afetivo e intelectual da sua experiência e do seu grupo

(BOSI, 1993).

8.1.2. A parceria como janela...

A janela: não é onde a casa sonha ser mundo? Mia Couto (2012)

Inevitável não trazer as palavras desta professora, pois o que traz, faz

com que eu retome e relembre experiências por mim vividas na parceria da

série e do segmento em que atuo.

Veja como ela se apresenta:

Sou mulher, brasileira, professora. Sou menina, cidadã do mundo, professora. Sou velha, estrangeira, professora.

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Fiz Pedagogia, sou professora. Fiz iniciação científica, Mestrado em Educação, estou no Doutorado em Artes Visuais, sou professora.

Dos pequenos e dos grandes, mais que grandes na pós-graduação. Sou professora, por isso, eternamente aluna. E é o que quero ser.

Eu vejo um espaço que pode ser preenchido de muitas maneiras, uma

janela por onde pode entrar o sol e irradiar sua luz e calor numa manhã fria e

sem graça, mas também por onde a tempestade pode invadir e desestabilizar

tudo com suas rajadas de vento.

De dentro da janela, eu sinto todas essas ondas de coisas boas e tensas

que procuro filtrar e aproveitar, pois entendo que assim como o sol aquece e

conforta, ele pode cegar nossa visão e queimar nossa pele se nos expusermos

demais a ele. Também a tormenta, que assusta num primeiro momento, traz

uma nova cor para as coisas depois que passa e rearranja tudo por onde

passou. Saber ver a beleza da troca é isso.

Parceria é espaço de falar, de escutar, de aprender, de discordar, de

concordar, de muitas possibilidades. Cansa, às vezes, porque nem sempre se

consegue uma harmonia nas relações, mas isso também é vida e faz viver. Eu

aproveito tudo e me transformo. Sempre.

Obs. Pode ser assim? ( “mulher, brasileira, professora” - 2011)

Lógico que pode ser assim! Registro é um texto que retrata uma

realidade imediata que é capaz de gerar pensamento que manifesta o próprio

pensamento, sentido e significado do Outro. Além disso, muitos registros são

divulgados e podemos encontrar o repetitivo e reproduzível. Porém, cada um é

“individual, único e irreproduzível, sendo nisso que reside seu sentido.”

(BAKHTIN, 2000, p. 331)

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Sentido presente na maneira singular dessa professora se manifestar ao

trazer a metáfora da janela/parceria para dialogar com palavras e imagens

delicadas e intensas traduzidas na vivência do trabalho com.par.t(r)ilhado.

Percebo que esta “mulher, brasileira, professora”, como ela mesma se

define, faz um movimento de distanciamento e aproximação da parceria em

que está inserida. De fora da janela diz o que pode preencher o espaço de

trabalho (o caminho) com ações potentes que podem ser traduzidas

instantaneamente aos fenômenos dinâmicos e interativos do que está posto no

cotidiano do trabalho, assim como pode desestabilizar e, a priori, fazer com que

todo o empenho/encaminhamento sejam desmerecidos e necessitam de uma

retomada. É preciso olhar da janela o caminho, deslocar o corpo em movimento

à busca daquilo que se deve percorrer para que a harmonia, apresentada por

esta professora, seja uma constante.

Nesse sentido, é múltiplo o diálogo que pode ser estabelecido com algo

desconhecido que entrará pela janela para a socialização e conhecimento

do/com o Outro: o sol ou a tempestade.

Mas de dentro da janela, ao afirmar que “Saber ver a beleza da troca é isso.”

a professora consegue visualizar e gerir as múltiplas variáveis que constituem o

trabalho com.par.t(r)ilhado, pois sobre a ação já vivida consegue evidenciar a

reflexão que tem sobre o que entra na janela e a faz repensar e redirecionar o

que se propõe inicialmente.

Nesta continuidade de formação, a professora “mulher, brasileira,

professora” olha para as possibilidades de reconstrução de saberes pessoais e

profissionais a partir das informações que seleciona e compartilha comigo, a

pesquisadora. Esse movimento faz com que olhe para a parceria como um bem

comum e legitima que este é um “espaço de falar, de escutar, de aprender, de

discordar, de muitas possibilidades”, pois é no coletivo que os pares se constituem

como parceria.

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Dessa abertura da janela que entra o sol e a tormenta, é que a “mulher,

brasileira, professora” evidencia que é neste meio em que vive, povoado de

confrontos e encontros, que se constitui e que, de cada situação vivida,

aproveita-as e se transforma constantemente na coletividade dialogada para a

tomada de decisões/ações/planejamentos.

Daqui, de fora da janela da “mulher, brasileira, professora”, olho a

paisagem que se delineia... é na multiplicidade de culturas ali presentes que a

professora negocia e se movimenta procurando criar, recriar, reinterpretar as

informações, conceitos e significados, pois a vida social ali instaurada se dá na

interação entre o mundo cultural e subjetivo de cada um onde há transformação

e síntese.

8.1.3. A parceria como espaço diverso...

Eis o que eu aprendi nesses vales onde se fundam os poentes: afinal, tudo são luzes e a gente acende é nos outros.

Mia Couto (2003)

Outras palavras são partilhadas na narrativa da professora que se

apresenta assim:

Acredito que minha formação aconteceu muito mais na prática, durante o exercício das funções tanto de professora quanto de orientadora educacional, do que na faculdade de pedagogia. No entanto, por trabalhar em escolas que assumiam a formação dos educadores como uma necessidade contínua, minha prática foi sempre acompanhada por análises e estudos.

Certamente a troca de experiências e o estudo entre pares na rotina das escolas foi fundamental para o movimento de constante reflexão, para o entendimento da realidade de turmas, alunos e suas famílias e para a adequação de práticas e buscas de soluções para as dificuldades encontradas.

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Em termos formais... Ensino Médio, na época, voltado para Biológicas 1977 - 1º ano de Psicologia na PUC São Paulo 1978 - Reopção para Pedagogia, com especialização em

Orientação Educacional e início de estágio na Escola Nova Lourenço Castanho, onde trabalhei por 7 anos

1985 - Inconformada com as dificuldades dos alunos busquei o curso de pós graduação em Psicopedagogia no Sedes Sapientiae

1987 - retomei a sala de aula e passei a fazer atendimento de crianças com dificuldades de aprendizagem

1988 - trabalho como Orientadora Educacional e Coordenadora Pedagógica do Fundamental I, 4º e 5º anos

1993 - mudança para Campinas e volta à função de professora, que exerço até hoje

Durante esses anos de trabalho fiz e continuo fazendo diversos cursos e estudos numa importante e necessária aquisição de conhecimentos, atualizando continuamente essa formação de educadora que nunca está completa.

Entre as muitas pessoas com quem troquei experiências, dúvidas, anseios e descobertas está você, Marissol, com quem aprendi muito.

Estou sempre no seu fã clube, me alegrando com seus sucessos.

Se quiser algo mais ou diferente é só dizer.

Grande abraço!

Maria

No trabalho em parceria vejo a diversidade de expressão e de

pensamento. Vejo meus colegas e me vejo neles. Sou estimulada, apoiada e

também desafiada. Confiante, escolho a exposição, a defesa de princípios e

valores e dos meios para atingi-los. Crio. Convido. Negocio. Contribuo.

Tolhida, me escondo. Espio e desconfio. Reproduzo, posso sonegar.

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O trabalho em parceria alimenta a instituição que é democrática,

fundamentada e exercida no respeito mútuo; forma e fortalece cada um de seus

profissionais na busca constante da coerência entre filosofia e prática; valoriza

o profissionalismo e o trabalho de evolução pessoal.

Assim como para outras práticas que envolvem relacionamentos, é

preciso acreditar e dispor-se para que os resultados sejam positivos. E eu

acredito. Sempre trabalhei em parceria, com amplos ou modestos resultados,

dependentes da configuração da parceria em si e do espaço desta crença na

instituição em que estivesse inserida.

No entanto, vejo que se por algum motivo a competitividade é

incentivada, o trabalho em parceria, ou em equipe, é abalado. As competências

individuais sempre vão aparecer e podem ser valorizadas quando estiverem a

serviço do bem comum, sem que para isso seja necessário um se sobrepor ao

outro. O ideal é que os objetivos sejam atingidos em parceria, como se o

sucesso fosse um bem público, de responsabilidade de todos, e não um bem

privado, de responsabilidade individual.

No trabalho em Educação, que tanto exige de percepção, reflexão e

atuação, que tanto mexe com os sentimentos, na formação de vínculos com

alunos, e suas famílias, que vem e vão, como é bom e enriquecedor poder

contar com o olhar da parceira-auxiliar, que traz outras visões ou confirma a

minha, com seus ouvidos para o desabafo necessário que antecede a reflexão,

que revê ou prepara a ação educacional.

É a professora que já exerceu também o cargo de Coordenação que, no

registro de suas palavras expressadas faz-me recordar de Pierini (2007)

quando trata sobre o registro.

Bom é registrar para expressar, para tornar nas mãos o que se revela de cada um e torná-lo de todos, para materializar o revelado. Bom é

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registrar e trazer a tona fragmentos de momentos em que cada um se afirma, ao afirmar suas verdades, em que cada um ouve as verdades dos outros e melindra-se com elas, incomoda-se, inquieta-se, traz para o outro a sua inquietação, fala, publica as suas convicções, se revê ao rever o outro. (p.82)

É um processo revelador quando assume o quanto o Outro a constitui.

É por isso que a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua). Nossa fala, isto é, nosso enunciado (que inclui as obras literárias) está repleto de palavras do outro, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras do outro introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos. (BAKHTIN, 2000, p. 313, 314)

Ao dar-me conta deste processo pela narrativa apresentada, faz um

movimento de rememoração evidenciando as suas articulações e significações

vividas que também ecoaram em mim e nas escolhas que fiz e faço até então.

Ao escrever, a professora potencializou sua subjetividade e proporcionou um

distanciamento temporal do que de fato a constituiu e da constituição da

parceria a qual estava inserida.

Ao partilhar suas impressões, sentimentos, opções,

permitiu a cada um isolar as diferenças e semelhanças nos meandros das vidas e em particular quanto a maneira de orientar a sua existência, de reagir a acontecimentos, de fazer opções. (JOSSO, 2010, p. 148)

Nessa intensidade de escolhas feitas ao longo dos anos, a professora

participa ativamente do processo de formação que provoca em cada um, novas

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interrogações fazendo com que possa avançar continuamente no seu processo

de formação individual e coletivo.

Ao ler as palavras de Maria, inicio a procura daquilo que gera a

singularidade na generalidade (JOSSO, 2010, p.179) e vou identificando em

mim algumas marcas que impulsionam uma reflexividade quando diz que “como

é bom e enriquecedor poder contar com o olhar da parceira-auxiliar, que traz outras

visões ou confirma a minha, com seus ouvidos para o desabafo necessário que

antecede a reflexão, que revê ou prepara a ação educacional.”

Como é raro quando estamos nesta posição de fazer, de viver a

docência, de expressar o que fazemos ou vivemos, encontrar pessoas

dispostas a partilhar, ao mesmo tempo, a busca e a procura de um ou vários

sentidos no trabalho que desenvolvemos no cotidiano da escola que constitui

aos poucos o nosso desenvolvimento pessoal e profissional.

Ao dizer sobre a importância do sucesso como bem público, Maria

evidencia a competência profissional que envolve “a apropriação de saberes

plurais num sentido mais amplo” (FOERSTE, 2005, p. 106) e, consolida assim,

um espaço de negociação consigo mesma e com os sujeitos e espaço de

trabalho ao qual está inserida.

Ao procurar o Outro para compreender o trabalho que estava sendo

realizado - trabalho real - era (ainda é) organizar os novos métodos e regras de

trabalho - trabalho prescrito -, ou seja, estava interpretando as experiências

resultantes desses confrontos pessoais e coletivos e renormalizando-os.

Como outro trabalhador, quando retoma as normas prescritas, está

dando outra dimensão ao trabalho, pois faz julgamentos, interpretações, micro-

escolhas e micro-decisões necessárias para encaminhamento do trabalho.

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8.1.4. A parceria como charneira

O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda

Basta o tempo. Mia Couto

(2003)

Luma se apresenta no movimento do que nunca foi e do que ainda está

nascendo...

Sempre me encantei com ensinar e aprender. Percorri outra língua. Pensei estar no lugar errado, ser da terra que o vocabulário me revelava.

O tempo passou e o encanto do ensinar ler e escrever me fisgou. Ver o crescer e participar destes momentos...me prendeu.

Ser parceira de parceiras que assim sentem é complementar desejos...um despertar diário.

Ensinar é aprender sempre, perceber que tudo muda, que vivemos um eterno novo.

Essa sou eu. Luma. Apelido que no nome esconde outros nomes. Tudo complementar.

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Parceria: O que você vê? O que você pensa? O que faz com tudo isso?

Vejo diversidade, mas pouco crescimento e aproveitamento pela diversidade no

grupo de minha parceria.

Vejo parceria com pessoas inseguras que têm medo de dizer “ eu não sei, me

ensina fazer”. Vejo que se apóiam no glamour da formação acadêmica, mas tal

confiança não se remete a práticas.

Vejo pessoas que julgam o outro pela aparência do que fazem. Ou aprofundam

demais onde não precisam, ou raso onde necessita de profundidade.

Penso que parceria é diversidade e abertura. Aprender com o outro e uma

grande vontade de mudar através da mudança ou estagnação do outro.

Penso que parceria não é divisão, mas é ouvir e se inspirar no outro e fazer o

seu, com sua cara de sentimento, crenças pedagógicas e clientela.

O que faço com tudo isso ?

Divido muito, falo muito, conto com entusiasmo, pois sou entusiasmada no que

faço, mas se vejo pouca atenção do outro, desanimo e me calo. Minhas

palavras são caras e as deixo para quem quer ouvi-las.

Faço parcerias transversais sem restrições hierárquicas, colegas, coordenação.

Aproveito o que posso da experiência do outro, pois assim se dá o crescimento,

na troca.

Não tenho medo de falar e nem do outro na parceria. Tenho confiança no que

penso e quando não tenho vou em busca e me intriga.

Faço de minha convivência na parceria um ambiente bom. Descarto o que é

negativo com facilidade. Faz mal, adoece guardar. Tenho segurança para

enfrentar minhas crenças.

Ao ler as palavras de Luma, me remeto à imagem de charneira. Mas o

que é uma charneira?

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Charneira é um ajustamento de duas peças de madeira ou de metal,

encravadas uma na outra reunidas por um eixo, de modo que uma delas pelo

menos possa girar; dobradiça. Assim, podemos dizer que a charneira, no

sentido figurado, é algo – a parceria - que une pessoas diferentes, que serve à

união de pessoas ou mundos diferentes.

Depois de tantos anos de experiência docente, o eixo desta charneira, é

possível olhar para o grupo ao qual estamos inseridos e colocando o que de

fato pensamos e sentimos.

Luma vê um grupo que pode ser impiedoso em determinados momentos

quando diz que é diverso, mas com pouco crescimento ou, que ainda, as

pessoas se valem da formação acadêmica para se colocarem em palavras que

não são mostradas nas ações. Concordo com ela que, muitas vezes, o grupo

ao qual você está inserido faz com que as pessoas que ali estão criem

máscaras evidenciando uma falsa segurança perante os que demonstram maior

fraqueza, seja ela, profissional ou pessoal.

Ao mesmo tempo, ao dizer que não há crescimento profissional, e olha

que muitas vezes usamos este “rótulo”, realiza-se um pré-julgamento que nem

sempre é real porque, muitas vezes, o Outro não revela no momento ou, a

seguir dele, um deslocamento esperado, mas que no decorrer do caminhar,

poderá apresentar indícios ou tentativas de mudanças.

(...) conhecer-se um pouco melhor, poder pensar-se em sua subjetividade, manter um sentimento de individualidade, adquire uma importância ainda maior, acredito, pelo fato de se ficar menos exposto a uma relação totalizadora com um grupo(...) (PETIT, 2008, p. 77)

Mas a parceria é assim mesmo, não é Luma?

Cheia de contradições que nos permite tê-la como um como momento de

transição, de evolução, de transformação como uma charneira que possibilita o

fechamento e a abertura de novos encaminhamentosdesafios quando afirma

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que “(...) parceria é diversidade e abertura. Aprender com o outro e uma grande

vontade de mudar através da mudança ou estagnação do outro.”.

Veja que o aprender contínuo é essencial e se baseia na própria pessoa,

como agente, e na escola, como lugar de crescimento profissional permanente,

como nos alerta Nóvoa (2002)53. A formação continuada se dá neste espaço de

parceria que é individual e coletiva ao mesmo tempo. Das ações solitárias que

geram certo desânimo em Luma se tornam coletivas quando encontra a

experiência do Outro em diferente espaço da parceria da série, as parcerias

transversais, reforçando a ideia de que temos que exercitar o que vivemos para

aprender com o Outro.

As parcerias transversais podem ser mais bem compreendidas quando

me deparo novamente com as palavras de Michèle Petit (2008, p.52):

Cada um de nós não está apenas ligado a um grupo, um espaço ou um lugar na ordem social, do qual propagamos os traços, gostos, maneiras de fazer e de pensar característicos de sua classe ou de seu grupo étnico. Ele, ou ela, se constrói de maneira singular e tenta criar, com as armas que possui, com maior ou menor êxito, um espaço em que encontre seu lugar; trata de elaborar uma relação com o mundo, com os outros, que dê sentido a sua vida.

Usando desta estratégia de parcerias transversais, Luma explicita que

aproveita “(...) o que posso da experiência do outro, pois assim se dá o

crescimento, na troca.”. Com certeza, é da reflexão da experiência pessoal

partilhada com os outros parceiros de trabalho é que surgem novas práticas

educativas eficazes que vão constituindo outro ponto importante da parceria

que já trouxe anteriormente, a confiança em si mesma e no Outro que está

trilhando o caminho com ela.

Vale ressaltar que a confiança revela as certezas que temos ou não em

nós mesmos ou no Outro. Confiança que pode e deve ser construída perante as

53

Ver palestra de António Nóvoa (2002) disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/materias_296377.shtml. Acesso em: 21 nov. 2014.

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experiências de vida pessoal e profissional que temos, dos valores éticos e

morais que delineiam uma conduta aceitável ou não.

Ao se ter confiança, Luma, mesmo tendo um olhar crítico sobre a

parceria, mostra que conhece a si mesma e desvela uma qualidade da escola

democrática, como nos coloca Freire (1997), a segurança. A segurança que se

apresenta em vários momentos: segura de si, segura da autoridade que

necessita, segura do que irá dizer ou até mesmo se calar...exercendo assim

uma sabedoria.

Uma sabedoria que se alia à escuta sensível ao se dispor a receber e a

buscar o Outro, abrindo-se com confiança ao dizer que “Minhas palavras são

caras e as deixo para quem quer ouvi-las.”. Pois é Luma? Até para ouvir o

Outro você se mostra sensível quando percebe que necessita de tempo para

processar as suas próprias palavras, pois o silêncio é “um lugar de recuo

necessário para que se possa significar, para que o sentido se faça sentido.

Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é ‘um’,

para o que permite o movimento do sujeito” (ORLANDI, 1995, p.13).

8.1.5 Parceria como espaço de pertencimento

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto

mesmo que caminho. Clarice Lispector

54

Professora, natural de Campinas, São Paulo. Ainda na infância dirigi minhas atividades de brincar ao encanto de ensinar as bonecas e depois as irmãs mais novas.

54

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/clarice_lispector_pertencer/. Acesso em: 29 nov. 2014.

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Já na adolescência, com a troca de informações com as professoras da família; tias, madrinha e primas percebi que ser professora era mais, era também troca de informações. E com dedicado estudo vivo hoje o ser professora com muita vontade, alegria e procurando fazer com que cada dia na Escola, seja sempre um novo dia. É esse o trabalho que acredito, marcado por esforço, muitas trocas e de constante busca, pois o professor está em constante aprendizagem.

Acredito que a relação entre as pessoas ainda é o grande desafio da

vivência humana, daí o grande número de pesquisas, livros, novelas, filmes,

desenhos, teatro e outros meios de comunicação e informação social que

abrangem e exploram este tema. E em nosso trabalho a vivência maior se

expressa e acontece no trabalho em parceria.

Na verdade vejo que o trabalho em parceria tem como objetivo e foco a

colaboração mútua. Custei um pouco a entender estes aspectos, pois a

colaboração mútua esbarra em critérios pessoais: o que vejo como colaboração

e troca e o que pode ser ameaça caso um parceiro use a minha ideia e faça

melhor ou apareça mais que eu. Levei tempo para entender porque acho que

co-participação é colaboração, sem medo do outro, penso sempre em agregar e

partilhar, todas somos co-autores, co-participantes nas atividades, projetos,

módulos e demais empreitadas que nos envolvem e que somos envolvidos

diariamente.

Quando não temos reunião de parceria, sinto falta e quando temos, às

vezes, me causa raiva. Raiva em sentir de perto, em algumas situações e

parceiras, a falta da troca motivada pelo medo do outro que parece nos dizer:

tenho o que contribuir, mas será que você não fará situações de trabalho

melhores com estas ideias e daí, como eu fico? Afinal, fui eu que fiz . . .

Mas a força do trabalho e troca são maiores para mim, hoje consigo não

mais me apegar nesse tipo de situação e respeitar que assim o faz. Observe

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que somos uma parceria mais colaborativa do que receosa. Que busca mais a

ajuda mútua e a troca, deixando de lado os receosos.

Sinto falta da parceria pelo próprio momento do encontro das pessoas, é

bom saber como cada um vai e depois fazermos o trabalho. Nos dias atuais os

computadores, e-mails, mensagens instantâneas, celulares a qualquer hora e

em qualquer lugar tentam substituir aquela conversa gostosa. Os

relacionamentos dessa forma ficaram mais frios e um tanto egoístas!

Precisamos de colo e de carinho das parcerias e ainda descobrir no espelho da

face do parceiro a revelação de nós mesmos enquanto pessoas e educadores

que somos. É bom sentir a alegria de um projeto iniciado, daquela atividade

que deu certo, do texto lido e das reflexões alcançadas e também saber do

dissabor da atividade que a coordenação não aceitou e fez criticas em algo que

já havíamos revisto, na atividade que ainda está com erros, mesmo depois de

várias revisões e leituras, do trabalho com as atitudes que ainda não estamos

vendo as interiorizações e mudanças e por aí seguem. . .

Dessa maneira, sinto a importância da parceria e que nada substituirá

uma conversa descontraída e sincera. Esses encontros são ricos e nos trazem

lembranças indescritíveis.

O encontro afetivo se deu ao ler as palavras da professora quando se

apresenta: “Ainda na infância dirigi minhas atividades de brincar ao encanto de

ensinar as bonecas e depois as irmãs mais novas.”

Aqui se estabelece um ponto em comum que temos de experiência de

vida que fez com que olhasse para as palavras da professora de um jeito que

não tinha sentido ainda e percebesse a evolução de nós duas no espaçotempo

de vida de cada uma e do grupo ao qual fazemos parte.

Tenho certeza de que fui me apropriando do texto pelos desejos e

sentimentos presentes entre as linhas e as palavras tão marcantes.

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Trabalhar em parceria não é fácil como nos coloca a professora.

Demanda tempo, muita negociação e muito empenho de todos os sujeitos

envolvidos.

A parceria, que não deixa de ser uma comunidade grupal, proporciona

uma retomada de lembranças, revelando a coexistência de elementos de

escolha e rejeição que a constituem. (BOSI, 1993)

Assim, ao se compartilhar os sentimentos tão contraditórios presentes na

parceria propicia-se um sentimento real de pertencimento.

(...) o sentimento de pertencimento tem sua origem vinculada aos estudos sobre socialização e especialmente se reporta a estudos sobre organização e funcionamento de comunidades chamadas de “comunidades reais”, baseadas no contato face a face, localizadas no tempo e no espaço sociais. (SOUSA,1999, p.13)

É através de pertencimento que os professores legitimam suas

identidades nos mais variados espaçotempo da escola. Para pertencer tem que

partilhar o que se vive e o que se experiência para que assim possa-se criar um

laço afetivo e profissional com referências e valores que podem ou não se

estender para além do cotidiano escolar.

Quando a professora narra o medo e a raiva “Quando não temos reunião

de parceria, sinto falta e quando temos, às vezes, me causa raiva.” revela que

pertence a parceria. O encontro e o confronto. A vontade de estar junto e, ao

mesmo tempo, não estar. O dar e o não receber em troca.

É neste espaço de contradições que o trabalho em parceria se constitui.

É nele que as relações de confiança ou não são construídas e estabelecidas,

mas o que não se pode negar é que é um espaço de diálogo, de escuta e de

negociação.

Esta situação de diálogo é um ato educativo que traz a possibilidade do

momento do pensar que é viabilizado pela maleabilidade, pelo convite e

aceitação ao diálogo por todos os sujeitos envolvidos.

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(...) uma razão dialógica cuja função principal é colocar-se em movimento (...) e se manter como uma atividade em que a única coisa que você aprende é o mesmo movimento de perguntar com relação ao saber (esse movimento que, por vezes, produz o pensamento) com tudo o que isso implica de inquietude, de exigência e de desassossego.(LARROSA, 1997, p.47, tradução livre).

Pode-se dizer que é nesta relação com o Outro que se abre para o novo,

que aceita e conduz ao pensar, assim como o olhar para acontecimento da

experiência.

Experiência esta que não atinge somente a pessoa que está passando

por ela, mas que carrega toda uma formação de atitudes, de desejos e

intenções.

Atitude de ouvir, de estar com o Outro, de respeitar as ideias do Outro,

de descobrir novos caminhos junto ao Outro, de exercer o olhar para o Outro,

de esticar as mãos e dizer venha comigo, de criar momentos efetivos de escuta

e partilha de experiências...

Desejos de aprender com o Outro, de dizer que não sabe e precisa de

ajuda para trilhar aquele caminho, de ouvir e compreender o que o Outro quer

dizer, de admirar o que Outro faz....

Intenção de criar um ambiente de trabalho profícuo e efetivo, de criar

novas relações de trabalho e de amizade, de navegar outros mares antes não

navegados por estar só, de vivenciar a coletividade como bem maior para o seu

trabalho.

Pois, como a professora mesma disse “Esses encontros são ricos e nos

trazem lembranças indescritíveis.”

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8.2. 1ª parada com.par.t(r)ilhada:

O registro e a importância do Outro no olhar

Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei.

Ainda assim ,

escrevo.

Mia Couto

(1981)

Como já disse, o registro faz parte do meu cotidiano, seja escolar ou não.

Registro as ideias iniciais de um trabalho, as citações teóricas do que leio, as

dificuldades e os sucessos de trabalhos anteriores, as imagens do fazer

fazendo, as dúvidas, as expectativas, as produções das crianças...

Ao registrar, me afasto da vida cotidiana, suspendo o acontecimento e

deixo os sentidos fluírem para constituírem o registro em si e quem sou/estou

naquele momento. O registro é um momento de silêncio e de encontro com

outras vozes.

Para cada registro feito, não quer dizer que está acabado, trilho um

caminho irregular e desigual que muitas vezes se entrecruzam.

Estes registros possibilitam um olhar mais crítico/sensível sobre o vivido

já que quanto mais me assumo, mais me percebo nas palavras, mais me

aproximo de possíveis mudanças.

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8.2.1. Episódio: No meio do caminho teve o seu olhar que

melhorou o meu...

Com as questões da pesquisa em foco, fui manusear a produção de

dados arquivados no computador quando me deparo com minhas próprias

palavras guardadas do dia 27-04-2012:

Essa semana o lema foi Educação vem de casa!

Como o trabalho vai se perdendo quando não temos o respeito no trabalho que

estabelecemos junto com o outro. O mundo gira em volta do umbigo, me disse Renato.

Isso mesmo! Por que será que esse aspecto vem se tornando uma constante em

nossas assembleias e conversas diárias Tenho buscado trabalhar junto com as crianças

com diferentes estratégias para que possamos cada um construir sua ação e repensá-

la, descontruí-la...mas parece que não acontece.

Mas hoje ao relatar à Silvia, me senti como diante da figura 3D que não consigo

ver. “Silvia, estou tão cansada. Essa sala não consegue se controlar em atitudes básicas.

Se alguém chega perto na porta, vêm cinco para ouvir. Se um fala, o outro

interrompe... isso tem me chamado muito a atenção.”

Silvia me olha e diz que já tinha tido sala assim por várias vezes, mas me deu

uma lição quando quase estava entrando em sala “Mari, você tem feito tanta coisa que

não fiz. Costurou, fez ditado, caminhou no projeto...”

Termino dizendo ”Nossa, Silvia, acho que tenho que olhar com outro olhar.”

Agora, 20h32m, do dia 27-04, estou aqui ouvindo as palavras da Corinta55 e

vendo que me faltou o excedente de visão!

55

Professora Corinta Maria Grisolia Geraldi ministrou a disciplina ED 419: Conhecimento, Ensino e Pesquisa, no 1º semestre de 2012, na Faculdade de Educação – UNICAMP – SP a qual estava matriculada como aluna do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação, UNICAMP. Este relato aparece em meus registros.

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Nesta busca trouxe naquele momento a letra da música “O seu olhar”,

música de Arnaldo Antunes e Paulo Tait, interpretado por Marisa Monte.

O Seu Olhar

Marisa Monte

O seu olhar lá fora

O seu olhar no céu

O seu olhar demora

O seu olhar no meu

O seu olhar

Seu olhar melhora

Melhora o meu...

Onde a brasa mora

E devora o brêu

Como a chuva molha

O que se escondeu

O seu olhar

Seu olhar melhora

Melhora o meu...

O seu olhar agora

O seu olhar nasceu

O seu olhar me olha

O seu olhar é seu

O seu olhar

Seu olhar melhora

Melhora o meu...

O seu olhar lá fora

O seu olhar no céu

O seu olhar demora

O seu olhar no meu

O seu olhar

Melhora

Melhora o meu...

Onde a brasa mora

E devora o breu

Como a chuva molha

O que se escondeu

O seu olhar

Melhora o meu...

O seu olhar agora

O seu olhar nasceu

O seu olhar me olha

O seu olhar é seu

O seu olhar

Melhora!

Melhora!...

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É bem assim que acontece!

Os versos de Arnaldo Antunes e Paulo Tait, na voz de Marisa Monte “O

seu olhar / Seu olhar melhora / Melhora o meu...” ecoam e direcionam meu

olhar ao ler as palavras registradas em meu diário de campo.

Percebo/sinto/vivo a presença do Outro no cotidiano escolar. Neste caso

em específico com a outra professora com a qual compartilho alguns dos meus

medos, preocupações e o entrelaçamento de lugares que ocupo no dia-a-dia

da professora-pesquisadora que sou/estou: a da professora do 4º ano das

séries iniciais do Ensino Fundamental I e a aluna/pesquisadora da

universidade. Pode parecer que são parcerias diferentes em espaços

diferentes, mas não são, pois sou a professora-pesquisadora o tempo todo.

Então, as experiências vividas por mim se complementam, dialogam e

disparam um jeito novo de olhar para o que está acontecendo/incomodando no

chão da escola.

É nesta vivência horizontal estabelecida que vou me apropriando e

vendo/sentindo o que isso reflete em minha prática pedagógica que constitui o

processo de formação docente contínuo no qual acredito.

É através do olhar do Outro que consigo me distanciar de mim mesma e

da situação que acredito estar vivendo, para olhar de outro jeito para o que

compartilhei com a pessoa que partilha alguns momentos, dúvidas, medos e

desejos da sala de aula e da escola em que trabalhamos.

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Quando digo o que está acontecendo comigo e

com meus alunos, a professora se coloca em meu lugar

empaticamente e com a situação, proporcionando uma

identificação que, em seguida, o olhar da professora

modifica o meu olhar, fazendo com que eu dê um novo

significado ao vivido em outro momento já que este foi

possível frente o registro feito por mim e provocado a

olhar diante das palavras do Outro – Corinta56 e Bakthin

(1986, 1988, 2000).

Bakhtin (2000, p. 46) afirma que ao “Relacionar o

que se viveu ao outro é a condição necessária de uma

identificação e de um conhecimento produtivo, tanto ético

como estético.”

Ao olhar de fora da situação foi possível ter um guia

de identificação como já disse anteriormente e um

princípio de acabamento ao Outro que no decorrer do

registro feito por mim estão em equilíbrio, mas que ao me

dizer “Mari, você tem feito tanta coisa que não fiz. Costurou,

fez ditado, caminhou no projeto...”, a professora faz com

que, a partir da sua consciência perante meu trabalho, eu

possa ir buscando outras formas de olhar quando anuncio

”Nossa Silvia, acho que tenho que olhar com outro olhar.”

Em aula, busco nas palavras ditas pela professora

Corinta as palavras de Marisa Monte para externalizar a

importância do olhar do Outro naquele momento onde não

conseguia perceber as ações positivas sobre o trabalho

docente desenvolvido com as crianças em sala de aula.

56

A professora Corinta estava dialogando conosco em sua aula sobre questões do professor-pesquisador relacionando com algumas palavras de Bakthin.

Ao me identificar com o

Outro, assumo o

horizonte concreto

desse Outro para

acessá-lo interiormen-

te. Em seguida, volto a

mim mesmo,

recuperando meu

próprio lugar e diante

das informações

recolhidas com a

identificação se pensará

sobre a questão a partir

dos planos ético,

cognitivo ou estético.

Dessa forma, o

processo de

identificação proporcio-

na o principio de

completude e

acabamento do Outro

que não acontece

necessariamente em

uma sequência

cronológica. (Bakhtin,

2000, p. 46-47)

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Este olhar de fora, em outro momento – aula na

universidade, com outros valores/referenciais faz com que

eu veja mais em mim mesma do que estava conseguindo

ver ao partilhar os meus sentimentos com Silvia que

contribuiu com seu excedente de visão permitindo-me

complementar como sujeito que na individualidade não

conseguiria sozinha. (BAKHTIN, 2000)

Hoje, leio novamente as palavras escritas em 27/04

daquele ano e vejo que anuncio algumas estratégias de

trabalho: assembleias e conversas diárias. Além disso,

incorporo a fala do aluno Renato no meu registro. Sinal de

que o diálogo, a escuta sensível e as negociações

ocorreram naquele momento de compreender o que me

incomodava: o respeito. No entanto, ainda não conseguia

perceber os pequenos avanços conseguidos com a turma

e que foram sinalizados pela Silvia acionado assim a zona

de desenvolvimento potencial57.

57

Nível de desenvolvimento potencial: determinado através de solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro.

Excedente de visão é a

possibilidade que o sujeito

tem de ver mais do Outro

sujeito do que o próprio vê

de si mesmo, devido à

posição exterior do Outro

para a constituição de um

indivíduo. Bakhtin (2000, p.

44) afirma que o excedente

de minha visão, com

relação ao Outro, instaura

uma esfera particular da

minha atividade, isto é, um

conjunto de atos internos

ou externos que só eu

posso pré-formar a

respeito desse Outro e que

o completam justamente

onde ele não pode

completar-se. Enfim, o

sujeito olha o Outro de um

lugar, de um tempo e com

valores diferentes; vê nele

mais do que o próprio

consegue ver. Quando

alguém atribui a Outro seu

excedente de visão,

permite-lhe completar-se

como sujeito naquilo que

sua individualidade não

conseguiria sozinha.

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Imagens que retratam um pouco do trabalho realizado na minha sala de aula no ano de 2012

Para continuar o diálogo busquei no Diário de Bordo da classe, as

palavras registradas pela aluna Maria na semana que antecede ao meu próprio

registro e fui tentando olhar as minúcias para compreendê-lo melhor.

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Imagens do registro feito pela aluna Maria no Diário de Bordo de 2012

Abaixo, trago transcrito as palavras da imagem para facilitar a leitura.

16-04-2012

Hoje a gente aprendeu que a Terra tem a forma geóide e não esférica como nós

achamos. Meio no final da aula, a Marissol viu algumas pessoas que estavam conversando.

Não sei que dia vamos parar de conversar. No final da aula tivemos aula de Artes e a Tina nos

levou para aquela exposição perto da Biblioteca.

17-04-2012

Hoje a gente aprendeu sobre substantivo. Eu acho que ninguém conversou na aula.

Milagre!!!E também tivemos Cantina, Biblioteca e Ed. Física e a Sandra separou grupos para

fazermos alguma dança para os 3º anos. Que difícil!!!!

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18-04-2012

Hoje lemos um livro chamado “Faz muito tempo”. Descobrimos que vamos fazer um

texto. Mal posso esperar!!! Meus amigos estão com ‘não conversite aguda’. Meu pai do céu!!!

Tivemos Inglês e Música e, no final da aula, a Marissol passou umas contas de Matemática.

Para meus amigos, a ‘demônio’ das operações é a divisão, mas desde o dia que minha mãe me

ensinou a tal conta ‘demônio’, a divisão está virando minha best friend.

19-04-2014

Hoje tivemos o texto “Faz muito tempo”. Até que minha ideia foi legal. A ‘não

conversite aguda’ dos meus amigos está sarando. Xarope ‘conversite’!!! Estudamos um pouco

os mapas e tivemos Ed. Física e, no final da aula, a Marissol passou uma atividade de sílabas.

Hoje aprendi o que é oxítona, paroxítona e proparoxítona.

20-04-2012

Hoje tivemos Informática e aprendemos sobre magnetismo. Retomamos uma folha de

tabuada. A minha última nota foi M!!! Também descobrimos que na segunda-feira nós vamos

fazer avaliação de Português. Mal posso esperar!!!

Maria usa de uma maneira divertida e provocativa as palavras que me

faz vê-la dizendo ao mesmo tempo que dialogo comigo mesma com as

questões que anuncio no meu próprio registro “Essa semana o lema foi Educação

vem de casa”. É um registro vivo do que aconteceu naqueles dias. No dia 16-04,

ela diz “Não sei que dia nós vamos parar de conversar.” Aponta, no dia

seguinte “Eu acho que ninguém conversou na aula. Milagre!!!” e, acrescenta no

dia 18-04, “Meus amigos estão com ‘não conversite aguda’ que complementa

no dia 19-04, “A ‘não conversite aguda’ dos meus amigos está sarando.”

Interessante esta última fala de Maria. Neste momento de análise dos

dados fui pega por ela e ao procurar meus (guar)dados me deparo com um

registro do dia 09 de março de 2012 onde esta questão aparece como tema

central.

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09-03-2012

Por que será que minha sala anda tão falante Hoje, 6ª feira, 20h30, estou aqui ouvindo as palavras de Luiza Cortesão58 e fico a pensar a respeito dessa questão.

Será que não estou dando espaço para que meus alunos falem

Será que estou ouvindo meus alunos

Por que as crianças não conseguem realizar as atividades como pensamos Será que minhas estratégias não estão atingindo aquilo a que venho me

propondo Tenho uma certeza: estou buscando caminhos para chegar aos objetivos propostos, mas ainda assim estou no meio do caminho. Volto o meu olhar e vejo que meu aluno precisa sempre estar em primeiro plano e, acredito, que em algumas vezes ele não foi. Que tristeza ver isso! Mas que alegria poder perceber isso!!!

Vamos lá! Quais estratégias posso alterar para descobrir os novos caminhos Primeiro, retomar o que aconteceu hoje. A perda da aula de Informática e a reflexão que cada um fez. Já disse aos meus alunos ao final do dia o quanto a situação me incomoda, que tenho pensado a respeito.... Tenho certeza de que depois de ouvir∕escutar cada um, poderemos “gritar” para que possamos reaver os laços e a alegria que precisa ser, novamente, instaurada em mim e muito mais em vocês, meus queridos alunos!

Vejo que em seu registro de 16 a 20 de abril, Maria revela um lado meu

que chama a sua atenção e a minha neste momento, a importância do silêncio

e do ouvir o outro, o que com esta classe foi um intenso trabalho realizado ao

longo do ano porque não paravam de falar nem para ouvir as orientações.

Impossível trabalhar no silêncio total quando se trabalha tendo postura

democrática com projetos uma vez que a participação do aluno é intensa e se

concretiza na relação dialógica ali estabelecida.

Vejo que em meu registro de 09 de março faço perguntas pertinentes a

mim mesma que se tornaram foco do trabalho pelo que Maria sentiu e

registrou.

58

Luiza Cortesão é Professora Emérita da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto ministrou algumas aulas na disciplina ED 419 a convite da Professora Corinta Maria Grisolia Geraldi no primeiro semestre de 2012. .

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Hoje, olho e vejo que a “conversite aguda”, como registra Maria, que a

conversa eraé uma oportunidade de deixar fluir as emoções e o raciocínio,

fundamentando as ações uma vez que produzimos intensamente naquele ano

de 2012. A “conversite aguda” mostra uma relação estreita entre o papel da

linguagem, do conversar e da cooperação no grupo.

Tem outro ponto interessante relatado por Freire (1997, p. 104105) que

relacionei à conversite aguda e resolvi trazê-lo na íntegra.

A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza da importância, que de si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrário, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais vê, na rebeldia da liberdade, um sinal de deterioração da ordem. A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silencio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta. (...) O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. (...) Mas, por outro lado, a autoridade coerentemente democrática jamais se omite. Se recusa, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção de boa disciplina.

Isso se confirma quando Maria relata tudo o que fizemos durante a

semana de aula, mostrando o trabalho realizado naqueles dias, sem deixar de

expressar seus sentimentos, confirmando o olhar de Silvia quando me mostrou

o quanto estava trabalhando e avançando com as crianças.

Nas diferentes parcerias estabelecidas nesta parada – professora Silvia,

alunos Maria e Renato, a professora Corinta e as palavras de Bakhtin e Marisa

Monte – é possível perceber que o meio cultural ao qual estou inserida vai

enriquecendo o olhar e a própria percepção sobre o percurso pessoal e

profissional que venho desenvolvendo. É neste ir e vir para compreender o

registro e as escolhas que faço, que vou reconstruindo, reelaborando os

significados que são transmitidos pelo grupo cultural que me fornece um

ambiente estruturado, onde todos os elementos são povoados de significados.

(VIGOTSKI 1991, 1995, 1999)

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Para Vigostki (1991, 1995, 1999), nestas interações sociais

estabelecidas, o desenvolvimento individual se dá num ambiente social

determinado – a escola, a sala de aula na universidade – e a relação com o

outro, em diferentes esferas e níveis da atividade humana, vão constituindo o

processo de construção do ser psicológico individual.

Assim, podemos dizer que há um aprendizado e um desenvolvimento

dos sujeitos envolvidos que são evidenciados nas palavras apresentadas nos

registros, a linguagem.

Não tem como não me recordar do que Vigostski (1995) traz sobre as

funções da linguagem ao analisar estes registros trazidos por mim neste

momento.

A minha escrita e a de Maria desempenham a função do intercâmbio

social onde o objetivo é a comunicação com seus pares através dos sistemas

de linguagem (sons, gestos e expressões) que anunciam suas emoções,

desejos, ideias, pensamentos de maneira mais precisa.

Outra função a ser destacada é a do pensamento generalizante onde a

linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma

classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual.

Assim, a linguagem passa a ser mediadora entre o objeto de conhecimento e o

sujeito.

Também é importante destacar que o trabalho, atividade

especificamente humana, faz com que o haja uma indissociação entre

pensamento e linguagem para que os homens possam trocar experiências,

informações entre si.

As palavras são povoadas de significados e são nelas que o

pensamento e a fala se unem em um pensamento verbal. É a partir das

palavras, dos seus significados, que a mediação se dá entre o sujeito e o

mundo real para que possa compreendê-lo e agir sobre ele.

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Dessa forma, para compreender as minhas palavras e as palavras do

Outro, é preciso compreender seu pensamento porque a relação entre

pensamento e palavra não é um simples acontecimento, é um processo, um ir

e vir intenso do pensamento para a palavra e vice-versa.

(...) Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema. Esse fluxo de pensamento ocorre como um movimento interior através de uma série de planos. Uma análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras. (VIGOTSKI, 1995, p. 108)

Assim, baseada nos estudos de Vigotski, posso dizer que os registros

realizados por mim e por Maria possibilitaram um diálogo posterior, uma vez

que ambas vivenciaram o relatado por meio das palavras que expressaram o

pensamento daquele momento de uma forma mais elaborada, exata que é a

escrita.

A escrita que possibilitou ampliar as perspectivas de análise uma vez

que, naquele momento, a minha atenção estava focalizada em outras coisas

que nem sempre foram percebidas ou dada a devida importância no cotidiano

da sala de aula.

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8.3. 2ª parada com.par.t(r)ilhada:

Assembleia Docente e a importância do Outro no diálogo e nas reflexões

SER,PARECER

Entre o desejo de ser e o receio de parecer

o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue a aventura de sermos nós

restitui-nos ao ser que fazemos de conta que somos.

Mia Couto

(1981)

A Assembleia Docente é um dos espaços possíveis que pode

potencializar o trabalho coletivo. É um espaço de experiência e de escolha que

determina em função de ideias veiculadas pelas heranças da história e pelos

projetos futuros que poderão ou não acontecer.

É neste espaço de trabalho concreto que evidenciam os graus de

aceitação do que está sendo discutido e da extensão que pode vir a ter. É aqui

também que o sujeito continua sua formação em função dos laços, de

incompatibilidades, de potencialidades de vida que as relações sociais geram

na sua própria história. (SCWARTZ, 2000).

Vale ressaltar que cada professor entra na Assembleia Docente com

exigências diferentes diante das condições de trabalho apresentadas

demandando de cada um o que está disposto a fazer contribuindo com sua

singularidade na gestão do coletivo.

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8.3.1. Episódio: É pau... é pedra... a

Assembleia Docente é um dos caminhos

Eu sempre guardei nas palavras os

meus desconfortos. Manuel de Barros

59

Tudo começou no dia 24 de setembro de 2012 com

a Assembleia Docente do grupo de professores do Ensino

Fundamental 1. Diante da complexidade do vivido – crítica

da ausência das pessoas na Assembleia e das relações

vividas em classe entre professora auxiliar e professora

titular - e das relações estabelecidas e do incômodo

gerado em mim, escrevi um texto que no dia seguinte

partilhei com as professoras da série em que dava aula.

Recebi um retorno. Isso não gerou um incômodo em mim

porque a minha única intenção naquele momento era

partilhar.

No dia 28 de setembro, socializei com a

Coordenação o que tinha feito que incentivou o

compartilhamento com os demais professores do Ensino

Fundamental I como está retratado no e-mail abaixo:

Querid@s, tudo bem com vcs? Semana passada, na 3ªf, escrevi um texto que compartilhei com minha parceria de série e, ao conversar com a coordenação, sugeriu que compartilhasse com todos. Aqui está! Caso alguém queira dialogar por aqui...será excelente! bjo a todos e bom domingo. Mari

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Frase disponível na timeline do Facebook: “PoetaManoelDeBarros” https://www.facebook.com/photo.php?fbid=497714330340971&set=a.219257374853336.43395.218581751587565&type=1&theater. Acesso em: 16 mar. 2014.

A Assembleia Docente

segue as mesmas

orientações da

Assembleia de Classe:

Eu crítico - Eu felicito –

Eu sugiro. Eu considero

uma importante

estratégia que auxilia na

construção de uma

ambiente de trabalho

democrático, solidário,

crítico, autônomo e

participativo entre

professores (as),

Coordenação e Direção

da escola. É também

neste espaço que é

possível pensar nos

valores e práticas da/na

escola perante

princípios pautados na

democracia, justiça,

respeito, ética,

cidadania, solidariedade

e cooperação para um

ambiente reflexivo e

formador.

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Apresento, a seguir, o texto que enviei ao grupo de professores e

coordenadores de área do Ensino Fundamental 1.

Este texto nasceu durante a leitura do livro Experiências de vida e de formação, de Marie-Christine Josso ao levantar três questões:

- O que aconteceu para que eu viesse a ter as ideias que tenho hoje? - Como as experiências da minha vida contribuem para os sentidos que dou aquilo

que vivi? - Que podemos dizer da formação e de uma teoria da formação?

Experiência com.par.t(r)ilhada Marissol Prezotto

Após a assembleia de curso fiquei, aqui, pensando sobre as questões levantadas

em relação ao compromisso com a assembleia docente e a avaliação de parceria ocorrida no 1º semestre.

Acredito que precisamos sempre retomar o processo feito para ver o que de fato aconteceu com cada uma de nós e olharmos para o futuro com possibilidades, não é mesmo?

Mesmo assim, meus pensamentos não pararam e hoje (25-09) caí da cama sem sono e fui ler um texto que provocou em mim a necessidade de escrever e partilhar.

Pensei em duas questões relacionadas ao assunto da assembleia e ficaria feliz em dialogar com quem quiser participar...

Em que a experiência realizada foi formadora? O que eu aprendi com essa experiência?

Para mim, estar na assembleia docente marca o lugar que ocupo no grupo e no meu processo de formação. Digo que, muitas vezes, o encaminhamento dado me incomoda, me irrita... porém o distanciamento me faz ver coisas que não vi na hora. Coisas boas e nem tão boas. Ficarei atenta ao assunto de ontem (24-09). Por que será que uma pessoa leva para o grupo o questionamento da presença de um integrante da equipe? Por que será que as pessoas têm dificuldade em se colocar para a coordenação? O que será que a coordenação tem feito sobre isso? O que cada um tem feito para que não gere esse sentimento no outro? Tenho ouvido e me colocado claramente com o outro sobre questões positivas e/ou negativas? Quem perde com a ausência nas assembleias? O que gera essa necessidade da ausência? Qual o grau de pertencimento ao grupo?

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Eu mesma me ausentei neste ano, mas não tem como não dizer que são tantas as questões que passam em minha mente que não posso desarticular o eu profissional e o eu pessoal já que acredito que ambos estão entrelaçados e entranhados na pessoa olhar para o que acontece a minha volta e melhorar o meu trabalho e das pessoas com as quais convivo.

Dizer que não me chateio ou que não me magoo seria hipocrisia da minha parte, pois sou intensa no que vivo e no que acredito, mas nada que me impeça de retomar o acontecido e tirar lições dali. Por isso sempre me pergunto: que lições aprendi?

Aprendi muitas lições e uma delas reafirma a opção pelo diálogo para compreender os medos, as angústias, as alegrias, as descobertas, os fracassos, as escolhas...

Parece-me que ao lidar com a reflexão que fizemos de nós mesmas e das pessoas com as quais trabalhamos gerou um desconforto muito grande nas pessoas. Que ótimo!!! Momento que saímos da nossa zona de conforto e passamos a olhar para nós mesmos com o olhar do outro. Olhar que pode encontrar eco em nossas ações ou não. Que pode gerar movimento de melhora ou não. Olhar que me faz olhar para as minúcias do próprio trabalho, de como estou conduzindo as relações que me constituem como pessoa e profissional que sou.

Não sei o que cada um fez com sua avaliação, mas eu consegui guardar as minhas e ler nas férias. Por que essa opção? Não queria me chatear no momento já que meu foco era uma questão de postura com meus alunos. Como trabalhar postura se eu não estivesse à vontade com minha própria postura de professora?

Ao ler as avaliações, não nego que fiquei curiosa para saber quem escreveu, mas a rememoração de acontecimentos me levou a ter ideia de quem seria. Isso foi se afastando do meu campo de visão quando passei a procurar indícios que me levassem a compreender a escrita da pessoa que partilha comigo meu cotidiano profissional e foquei em como posso melhorar o trabalho que realizo em sala de aula e contribuir com o grupo ao qual estou inserida.

Novamente mais lições vão desabrochando... algumas em processo de maturação, outras mais solidificadas e outras que foram desabando.... vocês conseguem pensar sobre isso?

Reafirmo minha escolha profissional.

Questiono o que é trabalhar em parceria.

Dialogar e escrever me ajuda no processo de formação

A literatura me traz respostas para possíveis atitudes.

Será que convivo em um ambiente totalmente democrático?

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Sou constituída pelo outro, mas será que esse outro percebe isso?

Falar do jeito de trabalhar do outro causou estranheza? Por quê?

Partilhar trabalho, ideias, dúvidas, descobertas me deixa feliz.

Ouvir o outro e ver como pensa, como observa e analisa a situação gera em mim a

vontade de conhecer mais sobre o trabalho da pessoa.

Enfim, são tantas questões que poderiam estar aqui colocadas que não impedem que possam surgir em outro momento de escrita... só acho que este instante possibilitou/possibilita atualizar e repensar meus conhecimentos e competências.

Ainda no mesmo dia 30-09 recebi algumas respostas que se encerraram

no dia 3-10. Para aqueles que se pronunciaram dizendo que gostaram do que

havia escrito, não respondi.

Gostei do seu texto! Boa maneira de se colocar... Beijinhos Cida

Obrigada por compartilhar Mari. Vou ler com calma. Bjs Andrea

Olá, Marissol. Li o seu texto e gostei muito!! Bjs, Valéria

Olhando para este material teria que ter mandado uma resposta

instigando com uma questão e não ignorar, já que as palavras e o simples fato

de se pronunciarem coletivamente, também ecoaram em mim. Essas pessoas

tiraram um tempo do seu dia para ler e dizer de algum modo o que acharam.

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Não houve uma escuta sensível da minha parte naquele momento, mas hoje,

ao reler as palavras, sinto-me provocada a perguntar:

O que você gostou?

Qual sua opinião?

Por que usar a escrita é uma boa maneira de se colocar?

Você já leu o texto que compartilhei com calma? O que achou?

Já para aqueles que ficaram em silêncio, não se pronunciando por e-

mail, também deixaram marcas em mim:

Por que não se manifestaram?

Por que em alguns momentos o silêncio diz tudo ou diz nada?

Será que consigo olhar para a experiência do não se colocar como

aprendizado?

Mas outras respostas foram sendo tecidas e serei sincera em fazer uma

escolha neste momento. Achei melhor trazer todas e na ordem que recebi e

respondi. As respostas recebidas estão em caixa de texto assim como as

minhas que estão com uma linha mais grossa, em negrito para diferenciar. Mas

como analisar tudo isso? Caminharei com e entre elas, sublinhando o que se

destacou nessa leitura diante de tudo o que apresentei no texto enviado por e-

mail e pelas leituras que fiz sobre o trabalho com.par.t(r)ilhado.

Obrigada, Marissol por esse momento de partilha e compartilha. Você consegue expressar suas reflexões, ideias, questionamentos, indagações, inquietações e nelas construir, reconstruir, avançar na produção de conhecimentos e de novas indagações. Nesse vai e vem saímos sempre ganhando e compreendendo o outro e seu tempo. Vejo que em tudo há que se ter a capacidade de compreensão e desta maneira entendermos que cada um tem seu momento. Morin ao falar sobre a Ética da compreensão diz que é a arte de viver que nos demanda em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado (demanda esforço, pois não pode esperar

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nenhuma reciprocidade).”se descobrirmos que somos todos seres falíveis, insuficientes, carentes, então podemos descobrir que todos necessitamos de mútua compreensão”. Assim vamos nos (re)construindo com o outro. Bjs e muito obrigada por compartilhar tb comigo. Bom final de domingo. Marina

Marina, suas palavras ecoaram em mim outros sentidos despertados na reflexão inicial...obrigada pela devolutiva e de tocar no aspecto da ética...bjo gde. Marissol

Querida. gostei do texto e das questões nele colocada, mas como não estive na assembleia, não sei o que aconteceu. De tudo, tenho para mim que conviver não é muito simples. Luto com as minhas exigências e cobranças, mas nem sempre consigo. Gosto quando o outro me coloca para pensar ou quando refuta minhas ideias. Nem sempre aceito, sou terrível, mas penso e repenso, quero acertar. Conto com sua ajuda. abraço Alice

Alice, dialogar com vc é sempre bom!!! Vc mexe com minha base e faz com que repense onde estou, como estou trabalhando, com quem estou lidando...adoro quando podemos nos ver pelos olhos dos outros e tentar compreender o que se passa...nem sempre é preciso aceitar, mas compreender os porquês se faz necessário!! Bjo Marissol

Olá Marissol, Obrigado pela reflexão compartilhada. Ofereço aqui também uma reflexão. Sabemos que cada um de nós tem suas reflexões, constatações, percepções, sentimentos, colocações e indagações de acordo com o próprio ponto de vista. Sabemos também que, na base de qualquer relacionamento grupal civilizado, está o respeito pelos diferentes pontos de vista que existem. Penso que uma das coisas que podemos desenvolver quando vivemos em grupo, além do respeito, é a capacidade de ampliar o próprio ponto de vista de uma esfera menor para uma esfera maior. Podemos, por exemplo, fazer o exercício de transcender a esfera do próprio ego, do eu pessoal, e alcançar a esfera da consciência de grupo. Na esfera do eu pessoal sempre predomina a vida do ego: minhas necessidades, minhas satisfações, minhas dores, meu bem estar, minhas frustrações, meus sucessos,

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meus medos, minha segurança. Na esfera da consciência de grupo não se nega a vida do ego, mas ela sempre será vista como algo relativamente menor, subordinado e redimensionado dentro de uma consciência mais ampla. Cada um de nós pode aprender muitas coisas na esfera de consciência em que vive. Porém, um nível superior sempre estará nos atraindo e nos aguardando. Nunca estaremos totalmente satisfeitos nessa evolução. Uma insatisfação serena me parece ser a melhor postura nessa situação. Na nossa última assembleia, enquanto a reunião acontecia, o João, sentado ao meu lado, abriu a sua agenda e lá estava escrito o seguinte pensamento de Albert Einstein: Nenhum problema pode ser resolvido no nível de consciência em que foi gerado. Que possamos desenvolver nossa capacidade de transcender. Um abraço Felipe

Felipe, demais essa reflexão e a colocação desse grande pensador....vc sempre me faz ver um outro jeito de ver e perceber os acontecimentos,,,,,tem uma sensibilidade ímpar que deveria expor... Obrigada pela partilha! Marissol

Olá, Mari.... Obrigada por compartilhar sua reflexão conosco. Confesso que também fiquei incomodada com as críticas da assembleia docente, pensei bastante sobre o que levaria uma(s) pessoa(s) a tamanha exposição.... sinceramente não consegui ver motivos que justificasse. Mas ao mesmo tempo fiquei pensando, quem poderia estar passando por essa situação desesperadora.... Esse ano procurei a coordenação, estava precisando de orientações e sei que não é muito fácil( expor nossas fraquezas, compartilhar nossas aflições...) , e hoje vejo que foi a melhor atitude que tomei. Sinto por não poder fazer nada por essa(s) pessoa(s) e também por não conseguir compartilhar com ela(s) essas aflições (talvez tenha tomado tal atitude por não saber lidar com suas aflições, frustações, etc... - o que não é fácil para ninguém, ne?). Essa é uma reflexão muito complicada, pois temos que tomar cuidado para não julgarmos sentimentos alheios, e você conseguiu com maestria, expor suas reflexões com muita transparência e sabedoria. Concordo com você, em gênero, número e grau...... beijos, boa semana Andiara

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Andiara, nem me fale, expor o que sentimos e o que pensamos não é fácil...mas o caminhar e o tempo nos ensina e neles vamos aprendendo a lidar com as pessoas e com o lugar que ocupa onde estamos inseridos e, assim, vamos nos constituindo como pessoa e profissional.... Acredito que o diálogo é o melhor caminho... Bjo.Mari

Mariiiiiiiiiiiii, Não estava presente, estava ausente! Por aqui, virtualmente presente. Especial obrigada por isso!!! Fico pensando, ao ler seu texto, que primeiro temos que abdicar da premissa de que os problemas são simples. Se temos uma resposta pronta, possivelmente não entendemos direito a pergunta. Aprofundar a análise do problema, antes de propor soluções, é uma velha e boa máxima da metodologia que ainda retém toda a sua validade. Segundo: abdicar da premissa que todos os problemas são insolúveis. Uma das grandes vantagens de reconhecer a complexidade será compreender que todas as partes são interligadas e sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos??? E agora, me pego pensando em quais (iguais, diferentes, semelhantes, diversos, comuns, incomuns, velhos, novos?) e quantos são os movimentos possíveis??? Bjocas Caroline P.S.: Os desafios são enormes, não é mesmo??? Há trabalho, e muito, para quem tiver disposição para se lançar nas empreitadas!

É Caroline, a empreitada é longa, necessária e se despir de qualquer premissa nos faz ver as possibilidades e limitações de qualquer assunto. Tarefa fácil? Não! Não é! Mas acredito muito no diálogo e na busca de caminhos conjuntos para que possamos consolidar -desmistificar - desconstruir maneiras de trabalho, de organização, de pensamento....que bom que no incômodo podemos crescer, não é mesmo??? bjo gde

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Olá Marissol, Obrigada por compartilhar com todos este texto e estas reflexões. Também saí da última assembleia com milhares de perguntas, dúvidas, e algumas certezas...Senti que o momento foi precioso, pois pudemos expressar ou mesmo pensar em como estão nossas relações pessoais e de trabalho, como entendemos e recebemos as críticas que nos são feitas, como lidamos com as nossas fraquezas e como nos posicionamos perante nossos colegas e superiores. Foi um momento rico e que deveríamos retomar sempre que possível. Acredito muito no diálogo – através dele crescemos – mas para isso temos que ter um espaço aberto, maduro, positivo, voltado ao estudo, ao aprendizado, à troca, à reflexão, ao crescimento. Esta construção em nossa escola é feita através das assembleias, parcerias, encontros. Há muito a se aprender...Sinto-me privilegiada por fazer parte desta equipe! Beijo. Silvana

É Silvana...saber o local, a maneira, ver as qualidades e dificuldades do/no trabalho são essenciais para que a reflexão aconteça, não é mesmo!!! Acredito que cada um com seu olhar, com seu jeito vai mexendo conosco/comigo e fazendo entender ou desentender o que se propõe...mas o mais importante é a busca, a busca do diálogo, do trabalho compartilhado, da escola em que estamos inseridos... Obrigada pela partilha! Bjo Marissol

Li seu texto, mas acho que você fez uma reflexão bem pessoal e não sei se consigo (quero) contribuir de maneira aberta. Particularmente, achei aquela assembleia um absurdo, uma alfinetada pessoal e que só ganhou outro foco porque realmente somos uma equipe muito criativa e, para o bem e para o mal, muitas vezes tendemos a viajar em questões e sempre buscar diferentes lados de uma mesma moeda. Mas, se precisar de algo, saiba que sempre estarei por aqui. Beijos, Giuliana

Obrigada amore...é uma reflexão pessoal mesmo!!! A intenção em compartilhar e despertar algo....concordo com vc...somos criativas mesmo!!! Dá-lhe nós!!! Sei que sempre posso contar com vc.... bjo Marissol

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Gostei muito do produzido por você. Li apenas agora, gostaria de ter lido antes, quando todas aquelas questões estivessem ainda mais fortes em minha mente. Passei a semana toda me perguntando o que levaria pessoas denominadas parceiras, que são professoras, experientes, eximiamente formadas a colocar críticas como aquelas, que pareciam tão pessoais, quanto as que nossos alunos colocam utilizando o nome do colega a quem querem ferir... A visão dessa ou dessas pessoas me vinha de forma negativa mas, eu não poderia ignorar o fato de eu também estar ali, sendo um sujeito presente e partícipe daquela situação. Coloquei-me nesse momento a pensar...e sigo pensando...(e o seu texto contribui para isso) que cada ação, discussão ou palavras ali ditas tem de alguma forma a ver comigo e terão de servir para que eu construa algo sobre aquilo, uma opinião, uma lição, uma postura melhor ou diferente e etc... Esse é o meu primeiro ano na escola, tudo é muito novo, embora minhas experiências profissionais não sejam nada longas, me sinto, ainda sim recomeçando no zero, mas isso não quer dizer que eu não saiba distinguir as posturas que acredito e procuro aprender, daquelas que condeno ... As partilhas de experiências me constituem a cada momento uma profissional diferente e melhor, e o desafio é dosar as tantas relações postas à prova. Novamente agradeço pelo seu texto, confesso que senti necessidade de lê-lo depois que, no horário do café, você se propôs a conversar comigo, se eu sentisse essa necessidade. Agradeço por isso também!! Bjs Roberta

Diante da complexidade do assunto e das palavras lidas, me lembrei de

Edgar Morin (1997), citado por Marina.

No ambiente escolar, assim como em outros espaços de trabalho,

vivenciamos uma relação complexa onde o conhecimento se torna cada vez

mais necessário e relevante quando está inserido em um contexto global da

realidade, porém, não precisamos ficar isolados para que não possamos ser

conduzidos ao erro e ao devaneio. (MORIN, 1997)

Ao partilharmos o que estamos pensando e/ou fazendo podemos ser

chamados a olhar de maneira mais “racional”/prática para o que está

acontecendo. Assim, muitas vezes reorganizamos as ideias para que

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possamos efetivamente praticá-las. Pode até ser que em um futuro próximo ou

distante, ao revisitarmos o ocorrido possamos avaliar como erro ou devaneio.

Uma das maneiras encontradas por mim e pelos professores que

responderam ao meu convite é o diálogo. Diálogo compreendido em um

sentido amplo do termo, aquele que estabelece uma interação, não

necessariamente, face a face, como nos coloca Bakhtin (1986), mas uma

conversa onde cada um traz o seu olhar, sua vivência, o seu jeito de expressar

suas ideias e reflexões e, seus princípios, pois assim é possível se sentir

sujeitos participantes do grupo que estão disponíveis a repensarem algumas

questões levantadas naquele momento.

No instante em que esta troca se instaurou, nos tornamos uma rede de

aprendizagem, pois cada um teve força de participação o suficiente para expor

para mim ou para o grupo todo, suas maneiras de pensar e ver o ocorrido na

Assembleia Docente e, comigo, no momento em que registro as impressões e

os sentimentos gerados em mim. Com uma atitude desta, de partilha, de

diálogo, de solidariedade ou de comunidade, podemos ressiginificar a própria

ação, sem medo de se aventurar nela. (MORIN, 1997)

Nesta relação dialógica estabelecida, ao tomar conhecimento das

palavras alheias, cada professor pôde uni-la a sua para ampliar o campo de

visão e de reflexão, assim, como o caminho inverso também é potencializador

de novas possibilidades de organização e elaboração de conhecimento que se

revela um jogo permanente entre forças de estabilização que tendem a

reproduzir sentidos dominantes consolidados com forças de dispersão e

ruptura, que apontam para possibilidades emergentes.

Neste sentido, as palavras registradas por cada um no e-mail enviado e

com.par.t(r)ilhado anteriormente pode ser compreendido como uma enunciação

concreta assim como o instante histórico em que foi produzida.

Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal

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ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. (BAKHTIN, 1986, 123)

É lógico que ao ler as palavras naquele momento, em 2012, pude dar

diferentes significados a elas assim como quem as leu. Hoje, posso dar outras

significações ao que leio uma vez que as palavras estão sendo lidas em outro

momento e contexto. Neste processo intenso de compreensão das palavras,

“fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica.”

(BAKHTIN, 1989, p. 132) que vai constituindo a enunciação já que para esta

acontecer precisa de pelo menos dois sujeitos.

É importante ressaltar que toda palavra comporta dois caminhos já que

ela acontece porque procede de alguém e se dirige para alguém. Ela é “o

produto da interação do locutor e do ouvinte”, como destaca Bakhtin (1986,

p.113).

Com lugares sociais diferentes ocupados por cada sujeito – professores,

coordenadores de curso e de área -, a palavra se torna um espaço de

discussão, uma arena de luta onde se entrecruzam e confrontam-se valores

sociais contraditórios que compõem um discurso ideológico e polêmico, pois

representa os sentidos de um determinado grupo social com ideias e valores já

definidos como já anunciou Bakhtin (1986).

Ao apreender o discurso do outro, analisa o autor, instaura-se o

processo dialógico de confrontação entre os sentidos produzidos por mim no e-

mail e os sentidos elaborados pelo outro.

Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. (BAKHTIN, 1986, p. 131-132)

Nesse processo único de compreensão ativa, que se materializa nas

enunciações, articulam-se dialeticamente a atividade psíquica (dos sujeitos) e

os signos exteriores (o ideológico).

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Dessa maneira, toda enunciação está relacionada à atividade mental

que constitui uma expressão potencial que utiliza do recurso dos signos reais e

tangíveis para serem compreendidas e explicadas. (BAKHTIN, 1986).

Assim, não se cria um abismo, uma ruptura do caminho entre a atividade

psíquica interior e sua expressão. Essa passagem se dá de maneira qualitativa

e quantitativa de um código a outro já que o quadro da expressão semiótica

está povoado de gestos, pensamentos, sentimentos que são formalizados,

diferenciando-se, assim, no meio social. É por isso que a palavra ocupa um

lugar privilegiado no campo semiótico do psiquismo, pois ela entrecruza com

uma variedade de reações gestuais com valor semiótico, tornando-se assim

essencial da base da vida interior.

Um ponto a ser destacado é que ao me expor no e-mail mostro-me

como pessoa detentora dos conteúdos da minha consciência, autora e

personalidade responsável dos meus pensamentos, desejos, preocupações,

questionamentos e vou marcando o sujeito sócio-ideológico que sou assim

como os demais sujeitos que interagiram comigo. Essa etapa marca a

conscientização da minha individualidade e dos direitos que me pertencem

como professora inserida em um grupo de docentes que compõem uma escola

que retoma constantemente seus valores e princípios de diálogo e construção

do ser humano, cidadão. (BAKHTIN, 1989)

Participar da Assembleia Docente e organizar meu pensamento através

do texto que compartilhei com meus pares, fez com que eu tivesse uma

compreensão mais ampla do que estava sendo posto. Fui convocada pelas

falas a me encontrar com outras palavras, as de Josso (2010) que foram

compreendidas em um novo círculo do que tinha sido compreendido,

delimitando uma “série de inter-relações complexas, de consonâncias e

multissonâncias com o compreendido” (BAKHTIN, 1998, p. 91), enriquecendo-o

de novos elementos.

Cada resposta dada ao e-mail enviado, por mais simples que fosse,

voltava-me para o que havia escrito e para as palavras do outro,

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amadurecendo e compreendendo, assim, as ideias iniciais e trilhando alguns

novos caminhos e horizontes. Muitas vezes, este encontro com o discurso de

outrem gerou um encontro e/ou um confronto que foi se tornando organizador e

orientador da própria enunciação.

Enunciação esta que pode ser a propulsora de uma experiência

completa, como nos coloca Dewey (2010) uma vez que nasceu de uma

necessidade momentânea, de uma impulsão e de uma demanda individual que

só pode ser saciada quando estabelece interação com o meio. Sempre que nos

expressamos, ultrapassando os limites do corpo, nos deparamos com um

mundo estranho e ficamos entregues às circunstâncias.

Neste caso, especificamente, ao enviar o e-mail para a parceria de série

obtive uma resposta escrita e uma manifestação pessoal. Já quando enviei

para o grupo de professores não esperava receber todas aquelas respostas

uma vez que não tinha recebido em um grupo menor de professores. Com o

olhar atento, procurei agregar o que está sendo colocado para que se

tornassem condições favoráveis de discussão ou de ampliação do olhar. Nesta

intenção de circulação de espaços é possível se dizer que encontrei um

ambiente resistente e acolhedor ao mesmo tempo. A resistência inicial invocou

uma reflexão partilhada com a coordenação de curso gerando uma curiosidade

e um empenho da minha parte em expor para todos o que se passava comigo,

porém, ao ser acolhida e ser instrumento de diálogo e reflexão, tive uma alegria

de ter partilhado o que pensava tornando este momento uma experiência

revestida de significado.

Essa maneira de me apresentar ao grupo – socializando as minhas

escritas e leituras – eu revelo alguns princípios norteadores da minha prática

docente: o diálogo, a partilha, a importância do Outro na minha constituição, a

sinceridade sem a intenção de cair nas graças do Outro... é nesta interação

intensa que vou produzindo no espaçotempo o jeito de trabalhar em parceria –

com os outros professores, alunos, direção, coordenação, familiares... que

repercute no cotidiano da minha sala de aula.

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Mas o que aprendi com tudo isso que vivi e refleti?

Aprendi que o espaço das palavrasnarrativas -

cada e-mail é uma narrativa – é possível teorizar as

práticas que temos no cotidiano da escola porque é nela

que estão as suas leis de funcionamento.

Digo ainda que esta troca de e-mails fez que uma

contra-memória fosse construída quando a identidade de

cada um e do grupo do qual fazemos parte se revelasse

na história vivida e, assim, nos reconhecer como uma

comunidade que ainda está aprendendo a lidar com as

diferenças de todos os tipos evidenciando as

singularidades.

Outro ponto importante é que ao publicar a

experiência, seja no e-mail ou aqui, nesta pesquisa, a

experiência está sendo acolhida, aumentando a

possibilidade de partilha contribuindo para outras

iniciativas que tenham a prática como ponto de produção

de conhecimento.

Quando retomo o que grifei de mais importante nas

narrativas sobre as marcas de um trabalho

com.par.t(r)ilhado, vejo o quanto é possível refletir sobre a

experiência e o desenvolvimento de atitudes necessárias

para um professor reflexivo que tem um jeito de organizar

o trabalho docente de forma com.pa(r).trilhada como um

dos seus princípios.

Para cá trago meus grifos, para que eu e você,

caro(a) leitor(a) possamos refletir neste outro momento de

releitura.

Tenho o hábito de

escrever em lista alguns

aprendizados que

aprendoapreendo

durante as

experiênciasleituras

que vivi ou fiz.

Dessa forma, organizo

os meus saberes e o

que pode ser retomado

um dia ou logo a seguir.

Esse tipo de

organização da escrita

me possibilita uma

reflexão sobre

determinado assunto,

me ajuda a organizar os

dadosinformaçõesapre

ndizadossaberes e

servem de apoio à

memória em diferentes

situações do cotidiano.

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Expressar suas reflexões.

Nesse vai e vem saímos sempre ganhando e compreendendo o outro e

seu tempo.

Ética da compreensão.

Conviver não é muito simples.

Gosto quando o outro me coloca para

pensar ou quando refuta minhas ideias.

Ofereço, aqui, também uma reflexão.

Relacionamento grupal.

Respeito pelos diferentes pontos de vista.

Capacidade de ampliar o próprio ponto de vista de uma esfera menor

para uma esfera maior.

A esfera do próprio ego, do eu pessoal, e alcançar a esfera da

consciência de grupo.

Capacidade de transcender.

Sensibilidade ímpar que deveria expor.

O caminhar e o tempo nos ensinam.

Aprendendo a lidar com as pessoas e com o lugar que ocupam.

Virtualmente presente.

Aprofundar a análise do problema, antes de propor soluções, é uma

velha e boa máxima da metodologia que ainda retém toda a sua

validade.

Grandes vantagens de reconhecer a complexidade será compreender

que todas as partes são interligadas.

Com milhares de perguntas, dúvidas, e algumas certezas.

Diálogo.

Espaço aberto, maduro, positivo, voltado ao estudo, ao aprendizado, à

troca, à reflexão, ao crescimento.

Reflexão bem pessoal.

Se precisar de algo, saiba que sempre estarei por aqui.

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Me perguntando o que levaria pessoas denominadas parceiras, que são

professoras, experientes, eximiamente formadas a colocar críticas como

aquelas, que pareciam tão pessoais, quanto as que nossos alunos

colocam utilizando o nome do colega a quem querem ferir...

Não poderia ignorar o fato de eu também estar ali, sendo um sujeito

presente e partícipe daquela situação. Coloquei-me nesse momento a

pensar... e sigo pensando...(e o seu texto contribui para isso) que cada

ação, discussão ou palavras ali ditas tem de alguma forma a ver comigo

e terão de servir para que eu construa algo sobre aquilo, uma opinião,

uma lição, uma postura melhor ou diferente.

Experiências profissionais.

As partilhas de experiências me constituem a cada momento uma

profissional diferente e melhor, e o desafio é dosar as tantas relações

postas à prova.

Bakhtin (1986, p.77) novamente contribui quando aponta que “Cada

enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável, mas em

cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações

no seio de um determinado grupo de locutores.” Isso faz com que haja um

tema da enunciação que repousa sobre a significação que foi tomada pela sua

concreta amplitude.

Dessa forma, podemos compreender melhor a importância do Outro no

diálogo e nas reflexões, pois quando nos vemos pelos olhos do Outro, nos

identificamos ou não com ele, voltamo-nos a nós mesmos, recuperando o

nosso lugar e percebendo o quanto que este Outro se faz presente na nossa

vida.

Tendo este olhar atento a todas às questões e reflexões aqui trazidas,

afirmo que admiro aqueles que se colocaram, tomaram uma posição, uma

decisão, uma escolha quando leram o e-mail enviado por mim. Compreendo e

respeito os que permaneceram em silêncio. Mas não posso deixar de dizer que

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sou a favor do diálogo, da luta constante contra qualquer forma de

discriminação ou julgamento, da esperança de ter constantemente pessoas

comigo para me sentir menos imobilizada ou consumida com os fatos que

vivemos no cotidiano da escola. Prezo o que digo, o que escrevo e o que faço.

Garanto que aprendi a escutar o que as palavras diziam e falar com os

parceiros de trabalho transformandoalterandoadaptando o meu discurso

quando necessário sem perder de vista o princípio que assumo de estar com o

Outro, independente da situação vivida.

8.4. 3ª parada com.par.t(r)ilhada: a

importância do Outro para a partilha

Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não. José Saramago

(1997)

Episódio: Com coragem, sobre as palavras, atravessamos o ano. Não há distância para as pessoas nem para quem cisma ousar.

Chegou o final do ano de 2011. Estava em plena produção acadêmica,

revisitando algumas produções de dados e organizando algumas tentativas de

escrita com tudo o que lia e com aquilo que tinha se tornado mais claro e

evidente após a entrada no Doutorado e a minha efetivação como professora

titular, fui tomada por uma necessidade de dialogar com as famílias para me

aproximar de como sentiam/percebiam/viam o trabalho daquele intenso ano.

Assim, escrevi um texto, que está entre os pontilhados a seguir, que

compartilhei com as crianças em um momento de Assembleia de Classe onde

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avaliávamos os caminhos tomados ao longo do ano para que levassem para

casa com o intuito de conversarem e registrarem com os pais.

............................................................................................................................................

Senhores pais,

Durante esse ano, vivenciamos juntos muitas descobertas. Momentos de sentimentos diversos como alegria, tristeza, angústia, euforia. Dentre outros fatores, podemos evidenciar como algo importante para que este ano se concretizasse, a parceria entre mim, as crianças e vocês, familiares. Com as crianças, tenho como dialogar diariamente e já fizemos vários momentos de pausa para pensar / repensar o trabalho desenvolvido ao longo desses 200 dias letivos. Estas pausas têm nos mostrado a importância de narrar o que sentimos, como nos vemos, o que pensamos a respeito das práticas desenvolvidas entre educador e educandos.

Hoje proponho que, se possível, cada família faça, juntamente com seu filho, um pequeno registro reflexivo sobre esse ano letivo. Sugiro que ao narrar suas memórias e pensamentos, considerem três pontos como norteadores:

- o que vocês viram acontecer este ano? O que viveram, com relação à

escola?

- o que sentiram e pensaram a respeito do que foi vivido?

- o que fazem com aquilo que foi vivido, pensado e sentido este ano?

Para estimulá-los, escrevo o meu.

Esse ano foi um momento especial para mim onde pude compartilhar com novas famílias e com a escola, novos desafios. O desafio de assumir a sala, de voltar a universidade efetivamente para refletir sobre a minha formação, de reorganizar os conteúdos escolares e buscar novos caminhos de trabalho. Vi em minha prática muitos acertos e alguns obstáculos que me moveram em retomar o caminho que estava sendo trilhado para redirecionar e seguir em frente. Impossível não dizer que o vínculo afetivo criado foi imprescindível em alguns momentos, mas esse é outro aspecto que posso falar pessoalmente a cada um de vocês. O que posso de fato dizer é que a cada vez que uma criança chegava com sua estratégia (um bilhete, um recadinho no material, um pedido de falar a parte, o levantar a mão para dizer em voz alta algo que gostava ou não ou que não tinha compreendido...) isso me mobilizava para buscar a melhor maneira de atender a cada um e aos propósitos que tínhamos com o grupo. Posso garantir que o melhor foi feito e que tenho muito a aprender e a melhorar, mas,

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a parceria estabelecida, em muitos momentos, foi essencial para que me sentisse acolhida e apoiada em algumas decisões que foram tomadas. Alegria, medo, angústia, felicidade são alguns dos sentimentos que começaram e que finalizam o ano comigo, só que cada um redimensionado diante de tantas experiências que tivemos juntos.

Vamos lá Beijo carinhoso Marissol

............................................................................................................................................

Despida do desejo de retorno - este foi um dos aprendizados que tenho

vivido e exercitado até então, de não esperar nada em troca do Outro, mas de

fazer para que possa expressar pensamentos, ideias e vontades que tenho

com as pessoas com as quais convivo no cotidiano da escola e da vida - recebi

12 escritas de um todo de 30 alunos e outros retornos orais na reunião de final

de ano.

Imagens dos registros feitos pelas famílias

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O que compartilhar aqui novamente? Difícil, mas exercitarei aqui esse

espaço de escolha. Como destacar os principais pontos levantados pelas

famílias e alunos neste momento?

Dessa maneira, li as 12 narrativas recebidas e fui levantando os

principais pontos constituintes de uma parceria de trabalho que foram se

convergindo. Então, fiz a opção em trazer 5 narrativas aqui apresentadas que

revelam os princípios - confiança, diálogo, negociação, afetividade e escuta

sensível - que facilitam a concretização de um trabalho com.par.t(r)ilhado e que

foram destacados, por mim, em forma de item logo após a apresentação da

narrativa.

Narrativa 1:

Esse ano foi um desafio para nós. Mudança de escola para as crianças. Trabalho e

faculdade para mim, não nos encontramos muito em casa – nossos horários não

“batiam”. Sei que muitos pontos foram falhos, mas também reconheço que vencemos

alguns obstáculos, conseguimos chegar ao fim do ano com o sentimento de dever

cumprido. No ano que vem a estória se repete: crianças estudam cedo, mãe trabalha à

tarde e estuda à noite. Vamos tentar fazer o melhor.

Assumir o desafio diante da mudança

A presença-ausência do outro – família

A superação de obstáculos

O que está por vir

Afeto, amizade, diálogo

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Narrativa 2:

Este ano foi marcado por mudanças em nossa família. Eu vivi um momeno de assumir

um novo trabalho, novos relacionamentos. Foi um grande desafio, porém gratificante,

pois veio ao encontro daquilo que eu buscava para minha vida profissional. Meu

marido também mudou de emprego o que gerou expectativas. Mas a mudança de

escola do meu filho, posso dizer que foi o que mais me angustiou. Eu tinha muitos

receios quanto à mudança de ambiente, de metodologia e do social com novos

amigos. Mas me surpreendi com o meu filho, pois se mostrou muito seguro com o

novo ambiente e como os amigos.

As dificuldades de uma nova metodologia estão sendo sanadas pouco a pouco,na

escola e em casa fazemos o possível para ajudar.

Vi que o meu filho cresceu com esta mudança e os beneficios são visíveis.

Aprendi que apesar de gerar medo, as mudanças nos fazem progredir.

Só tenho a agradecer por este ano, a Deus em primeiro lugar, a escola e a você,

Marissol, que com carinho e dedicação fez parte de nossas vidas!

Assumir novos encaminhamentos pessoais

Afeto

A busca pelo melhor jeito de trabalhar com diferentes situações

O ensino

A presença do outro para auxiliar em um novo momento de vida

Escuta sensível

Narrativa 3:

Mari, este ano apesar das tarefas... Foi um ano de “paz escolar”. Eu tinha plena

certeza que você daria conta do recado assumindo a sala. Nunca tive dúvidas

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sobre sua capacidade! Fico feliz em ter acertado de confiar plenamente em

você e na nova parceria. Meu filho te ama muito e isso para nós já basta! O

ensino, o crescimento dele são frutos disto. Sabe aquela professora que a gente

nunca esquece? Tenho certeza que você será a dele. Vamos sentir saudades.

Também você acompanhou toda a família. Este ano tenho a primeira se

formando! Que Deus te abençoe e lhe dê muita luz para continuar cada vez

melhor. Beijos.

O crescimento profissional

Afeto, saudade

Confiança

O ensino e a aprendizagem

A presença do outro

Narrativa 4:

O ano começou um pouco tenso para nós. Com a mistura de classes, os amigos

mais próximos do meu filho ficaram separados dele. Mas, desde o primeiro dia

de aula, ele parecia disposto a enfrentar este desafio. E parece ter conseguido.

Sentimos que não só neste momento, mas em outros desafios que apareceram

Marissol estava presente e muito próxima. O meu filho se sentiu confiante com

isto e sempre comentava conosco. E, enfim, o ano teve também momentos

memoráveis. O nosso favorito foi o Sarau. Foi uma iniciativa muito feliz da

Marissol. Foi uma atividade interdisciplinar ou multidisciplinar muito criativa e

de muita sensibilidade. Atividades assim, com certeza, devem inspirar as

crianças a buscar sempre conhecimento e cultura.

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Ensino: reorganização de classes – relações pessoais

A presença do outro

Confiança

Processo de ensino-aprendizagem: Sarau

Narrativa 5:

Querida Marissol, este ano foi um ano de importantes decisões “escolares”,

amadurecimento e caminhar. O meu filho diz que aprendeu a se esforçar e a

dar maior importância para a lição de casa e para a escola. Eu, como mãe,

aprendi a enxergar melhor meu filho, a tentar perceber como seria a melhor

forma de estar ao lado dele em momentos de coragem. E, como já disse, a sua

presença nos ajudou muito nesse caminho. Nós desejamos um 2012 muito

alegre, com muitas conquistas e muito trabalho!!

Decisões importantes

O compromisso com a escola

O olhar a partir do outro

A presença do outro

Escuta sensível

Ainda tomada pelo olhar atento de Rancière (2002) e de Jatotot e, pela

distância que o tempo e o espaço me proporcionam ao retomar o material,

procurarei caminhar com as três questões propostas para expressar o vi, o que

pensei e o que fiz com tudo isso.

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8.4.1. O que vejo? O que

penso e o que sinto? O que faço

com tudo isso?

Me vejo, a professora, parando e rememorando o

momento vivido em 2011 com meus outros pares, que são

as famílias, algo que não tenha dado muita importância ou

que não tenha muita clareza do ato em si que revela a

coerência do momento pessoal vivido por mim permeando

a vivência profissional que propõe, como nos coloca

Freire (1996, p.124) um “endereçar-se até sonhos, ideais,

utopias e objetivos” que nomeia de politicidade da

educação e de quanto esta não é neutra, mas que tem

que haver respeito pelas escolhas/ações, sejam elas no

espaço da escola pública ou privada.

Vejo que, na narrativa apresentada por mim, trago

informações referentes à vida pessoal e profissional

revelando que, como professora, caminho com clareza na

minha prática ao informar um pouco do jeito de

organização do trabalho docente e os princípios que

assumo perante as crianças que desvelam o cotidiano

escolar que muitas vezes é desconhecido da família.

Desse jeito, acredito que vou mostrando às famílias uma

maior segurança diante das escolhas pessoais e

profissionais que venho fazendo. Com a intenção de

apreender o todo do que se propõe, proponho uma

A família, Outro par presente no meu trabalho com.par.t(r)ilhado, desempenha um papel importante no trabalho que realizo no cotidiano da escola, pois mesmo tendo uma função diferente da escola, a família tem um papel importante na formação e na educação das crianças que preciso estar atenta para ouvir e repensar o caminho trilhado. Ao ter a família como parceira, o aluno é chamado a assumir suas responsabilidades com maior compromisso. A família, por mais variada que seja sua formação ou diante de outras demandas que tenha, precisa estar presente na vida do filho. Estar presente é se envolver, é se comprometer e com.par.t(r)ilhar os sucessos e as dificuldades dos filhos para que, junto com a escola, ambos possam pensar e encaminhar da melhor forma possível o desenvolvimento e a proteção integral da criança.

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reflexão aos pais e às crianças que podem me mostrar o redirecionamento de

escolhas e/ou aprofundar outras que se mostraram significativas para cada um.

Quando me exponho ao Outro e o convido a dialogar, revelo que sei por

quais caminhos venho percorrendo. Mostro que a parceria pode ser

estabelecida respeitando a vontade de se colocar nas palavras.

Ao mostrar meu gosto pela vida, meus desafios, minhas esperanças,

meus medos, minhas limitações mostro que respeito cada um quando reafirmo

que a experiência vivida na escola é mais um momento importante que precisa

ser considerado porque é legitimado.

Dessa maneira, este momento de troca de experiências se torna

formador para todos os envolvidos, pois a curiosidade foi instaurada uma vez

que houve um respeito à privacidade de cada família sem expô-las aos demais.

Este momento fez com que redescobrisse que aprender é “construir,

reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à

aventura do espírito”. (FREIRE, 1996, p.77)

Outro ponto importante é que ao utilizar as palavras para nos

mostrarmos uns aos Outros, revelamos que o ser humano é um ser inacabado

que busca esperançosamente ter a melhor experiência mediante o presente

que pode ser problematizado para gerar ações para um futuro melhor.

Acredito que, como professora, preciso ler cada vez melhor o mundo no

qual eu e meus pares estamos inseridos, para que assim possa considerar a

experiência singular de cada sujeito ali presente como elemento de

compreensão da minha própria existência no mundo. É nesta relação/interação

intensa do diálogo que procuro lidar com certos saberes ali apresentados e

constituintes da prática pedagógica que tenho em sala de aula e fora dela.

Desse jeito, é possível potencializar uma releitura do que ocorreu/ocorre no

cotidiano da escola e da família que atentamente esteve presente o ano inteiro.

Penso que ao partilhar, deixo meu locus de trabalho, o espaço da

escola, e dou o tempo de estar em um espaço de possível discussão ‘pública’

que delineia e constitui a identidade do ser professor.

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Penso que as narrativas que chegaram até mim revelam sutilezas e

“confidências” familiares demonstrando uma confiança no papel que ocupo, o

de ser/estar professora.

De serestar professora que estuda, que se esforça para estar a cada dia

mais atenta ao que está sendo dito no cotidiano da escola, de desenvolver

habilidades e competências para mediar as atividades a serem desenvolvidas

em classe.

Penso que a amizadeafetividade auxiliam o desenvolvimento das

pessoas como um todo - seja eu, a professora, sejam os alunos e suas famílias

– já que esta ocorre de maneira contínua. Para cada momento da vida, a

amizadeafetividade e o conhecimento se tornam indissociáveis mostrando o

quanto podem ser importantes no processo de aprendizagem, seja ele qual for.

Penso que o professor quando é afetivo com seus alunos os respeita e

lhes proporciona uma relação de segurançaconfiança que faz com que o aluno

supere a dificuldade mostrando que o erro faz parte do processo de ensino-

aprendizagem.

Penso que a partilha foi uma partilha do sensível, como nos coloca

Rancière (2005, p.2) uma vez que acontece quando “se determina no sensível

a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes

exclusivas.” Neste sentido, a participação também difunde a comunidade que

se estabeleceu ao longo do ano escolar vivido já que as relações pessoais e

profissionais foram sendo construídas a partir do diálogo e da confiança.

Penso que o comum partilhado e as partes exclusivas passaram pelo

mesmo caminho legitimando a mudança que permeou a escrita que circulou

entre as famílias e eu.

Mas o que é uma mudança?

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Mudança60 é o ato ou efeito de mudar, de dispor de outro modo. É um

substantivo feminino que dependendo do contexto que se emprega pode ter

diferentes sentidos:

1. Pôr em outro lugar, remover, deslocar;

2. Dar outra direção, desviar;

3. Tirar para por outro, substituir;

4. Transferir para outro local;

5. Alterar, modificar;

6. Trocar, deixar para outro, cambiar;

7. Fazer apresentar-se sob outro aspecto, transformar;

Mudança de vida, de aquisição de novos hábitos, de estar aberto para

aprender coisas novas, buscar novo estilo de vida, rever os valores, as regras e

os compromissos junto ao Outro para a concretização de desafios individuais

que perpassaram pelo coletivo.

Mais uma vez sinto a importância da união entre o saberconhecer e o

ensino dos conteúdos da formação ética do sujeito que é concretizada quando

se depara com a indissociabilidade da teoria e da prática, da autoridade e da

liberdade, da ignorância e do saber, de ensinar e de aprender...

Sinto que não é possível exercer a docência sem expor o que acontece

comigo como pessoa, “sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com

facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente”, como

nos alerta Freire (1997, p. 108).

Sinto que ainda é difícil para as pessoas se disporem a escrever, mas

para aquelas que aceitaram o convite/desafio revelaram um pouco do seu jeito

de ver e sentir o mundo – o escolar e o pessoal mostrando que o partilhar com

as crianças e suas famílias foi uma estratégia potente e reveladora do quanto

precisamos um do Outro neste intenso processo de ensino e de aprendizagem.

60

Disponível em: http://www.significados.com.br/mudanca/. Acesso em: 23 nov. 2014.

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Na escrita imprimiram o próprio pensamento sobre suas experiências

refletindo sobre elas quando exercem a autoria, delineando a própria

identidade, tornando esta experiência formativa, tanto para quem escreve como

para quem lê.

A leitura atenta revela que cada um, no meio do caminho tinha algo a ser

removidomudadotransformado e que...

Cada um no seu canto

com o seu canto

nos chamou.

E nenhum de nós,

nunca mais, ficou sozinho.61

61

Trecho do livro Abrindo caminho, de Ana Maria Machado.

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Capítulo 9:

Não era pau. Não era pedra.

E não era o fim do caminho -

Lições apre(e)ndidas no caminhar

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No Meio do Caminho

Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

Tinha uma pedra

No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

Na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra.

É bem assim mesmo! No meio do meu caminho, pessoal e profissional,

tudo assim, junto e misturado, tinha a vontade de retomar os estudos e não é

que nele encontrei o Doutorado?

Com vários caminhos a serem tomados, um deles foi escolhido para

trilhar e, com o olhar atento, não poderia perder o foco da escolha:

Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do

trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as

implicações educacionais deste processo?

Lógico que é muito fácil se perder entre tantas possibilidades de

caminhos a serem seguidos, mas juntocomnopelo Outro sempre fui

redirecionada e voltando ao caminho.

Caminho fácil de trilhar?

Não. Com ele fui tomada por eclosões de sentimentos que reverberaram

em minha pele sentindo as angústias, as alegrias, o medo, a ousadia, a

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generosidade, a honestidade que reafirmavamreafirmam minhas escolhas

sobre um jeito de trabalhar. Trabalhar juntonocompelo Outro e, assim,

marcando a importância do trabalho com.par.t(r)ilhado no cotidiano da escola.

Não sei pensarfazer de outro jeito. Sou assim.

A escola sempre esteve presente e com ela, minhas obrigações

profissionais: estar com o material didático elaborado para o projeto acontecer,

os módulos organizados e revistos, os registros das aulas e do que era feito

nelas em dia, as correções, as avaliações.... sempre ali junto ao caminho

teórico percorrido que estavaestou percorrendo.

Este momentomovimento me deu fôlego e impulsionava as leituras que

realizava, os encontros que participava com o grupo de pesquisa... Assim, o

cotidiano da escola e da universidade andaram lado a lado, de mãos bem

dadas para que essa pesquisa pudesse acontecer.

Você pensa que se encerra por aqui? Não. Isto é uma parte do caminho

percorrido e que escolhi com.par.t(r)ilhar. Continuarei a trilhar porque reafirmo

a minha escolha de que para falar da escola temos que estar nela.

Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar; e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. (NÓVOA, 1992, p.3)

A formação do professor não se dá somente no âmbito escolar, se dá

desde o início do nosso caminhar como pessoa e, aqui, comecei a ter minhas

primeiras lições como professora-pesquisadora que foram sendo ampliadas

quando revistei meu Memorial, que para mim, é a parte disparadora essencial

dessa narrativa que me dá sinais de parceria desde então. Pensa que estou no

final do caminho? Não. Estou no meio do caminho, com olhar mais distante,

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mas imerso pelas vivências e inquietações me expondo nas lições

apre(e)ndidas62.

O Memorial de Formação é uma fonte infindável de guar.dados

que devem ser retomados para encontrar a essência de si mesmo

e da pesquisa. São páginas especiais da minha história que

revelam meu passado, a minha identidade, minhas análises,

minhas reflexões e inquietações.

Ao optar por pesquisar minha própria prática, evidencio a

pessoalidade, a profissionalidade e a singularidade de todos os

sujeitos nela envolvidos, inclusive a importância da minha

presença e de minha atuação no grupo de trabalho que estava

inserida.

O registro feito por narrativas quando não são suficientes para

compor a produção de dados da pesquisa, recorro à memória que

carrega todas as lembranças, sensações e sentimentos que

dialogavam o constante ir e vir da professora-pesquisadora, mãe,

esposa, amiga, filha, irmã....

Reafirmo que é importante que os professores narrem suas

experiências, sejam quais elas forem porque

o saber dos professores – como qualquer outro tipo de saber de intervenção social – não existe antes de ser dito. A sua formulação depende de um esforço explicitado e de comunicação, e é por isso que ele se reconhece, sobretudo, através do modo como é contado aos outros. Os professores possuem um conhecimento vivido (prático), mas que é dificilmente transmissível a outrem. Ora, na medida em que, no campo educativo o saber não preexiste à palavra (dita ou escrita), os conhecimentos de que os professores são portadores tendem a ser desvalorizados do ponto de vista social e científico. (NÓVOA, 1997, p.36)

62

Optei em usar um marcador que representa uma possibilidade de caminho: o ir e o vir.

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É nopelo cotidiano da escola que produzimos conhecimento. É

nele que conheço minhas próprias ações e criações, por isso, é

impossível antecipar caminhos a serem percorridos. É o cotidiano

que me coloca diante do acaso sem poder me recuar.

Diariamente mergulho nessa imensidão que me faz duvidar e

olhar com curiosidade, morrer e ressuscitar, ir e vir, aproximar e

me distanciar daquilo que escolhi vivenciar, o trabalho

com.par.t(r)ilhado.

A narrativa é uma experiência singular que revela tantas outras

experiências singulares que se tornam contínuas com o tempo.

Trocar experiências é fundamental e é um dos princípios do

trabalho com.par.t(r)ilhado.

O profissional reflexivo delibera os problemas aparentemente

técnicos utilizando estratégias claras e consistentes em si

mesmas entrelaçando-as e organizando-as de um jeito que o

instigue a resolver o problemaconflito ali presente.

O processo reflexivo me ajudou a compreender o meu próprio

pensamento e a refletir criticamente sobre minha prática,

construindo e (re)significando meu saberfazer, tecendo a ele

novos instrumentos de ação tendo em vista as mudanças nas

práticas de ensino, do meu jeito de planejar e organizar o

cotidiano da sala de aula.

O trabalho com.par.t(r)ilhado, em Parceria,:

é possível mediante a presença, a valorização e a

confiança nodopelo Outro. É com o Outro que dialogo para

compreender o que se passa ou que está por vir. É com o Outro e

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comigo mesma que negocio constantemente o que precisa ser

feito, as escolhas que tenho que fazer e quais caminhos trilhar.

Independente do caminho, a relação humana é repleta de

afetividade. Uma das formas de afeto é a amizade que aos ser

vivida, me torno cúmplice do Outro e experiencio o espaço político

da escola com mais amorosidade tornando-o mais ameno diante

da dominação presente, pois ao apoiar um no Outro, posso dar

outros sentidos ao que está sendo imposto e reinventar a situação

e a mim mesma. Mas tudo isso é possível porque exerço a escuta

sensível nos mais variados espaços de conversa com o Outro.

acontece na escola em que atuo, portanto, é possível

considerar essa experiência para uma escola outra, desde que

haja organização e propósito claro do uso do horário destinado ao

trabalho pedagógico coletivo legitimando-o como espaço de

conversa e de formação contínua, onde o professor aprende a

dialogar, a negociar, a escutar sensivelmente, a ter vínculos

afetivos e a desenvolver sua confiança e, consequentemente,

com os que estabelece relações diariamente no cotidiano da

escola.

pode ser visto como uma estratégia a ser utilizada para

alterarmodificartransformar a escola em uma outra que tenha o

aluno como parceiro efetivo de trabalho.

pode ser visto como:

- janela: que abre para a multiplicidade de culturas e jeitos

de diferentes de trabalhar

- espaço diverso: de busca e partilha

- charneira: momento de transição, de crescimento, de

parcerias transversais, de diálogos e de silêncios.

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- pertencimento: a constituição do grupo e as contradições

presentes.

acontece em diferentes parcerias. A parceria pode ser

transversal, que tem como caminho um objetivo em comum, como

referência o trabalho pedagógico. Ela pode acontecer quando

estamos na mesma série, mas também quando não estamos.

Quando temos clareza do que queremos, estabelecemos

parcerias transversais com pessoas que estejam na mesma

escola, mas em outra série ou até mesmo de outra escola. O

importante é ter espaço de conversa, de diálogo com pessoas

que ajudem a olhar para as inquietações e redimensionar as

práticas pedagógicas e dando um novo sentido para o trabalho

que realiza.

precisa do registro seja ele qual for: narrativas, fotos,

músicas, produções das crianças como uma das possibilidades

de organização do trabalho docente e como material de reflexão

para encaminhamentos futuros e para o próprio processo de

formação.

dá valor ao que o aluno sente, pensa e sinaliza em suas

ações e produções para que o processo de ensino e de

aprendizagem se torne cada vez mais significativo. É importante

dar a voz que o aluno tem para juntos pensarmos nas

possibilidades de trabalho e encaminhamentos no cotidiano da

escola.

precisa de espaços de conversa, como a Assembleia

Docente, assim como utilizar outros meios de comunicação, como

o e-mail, para dialogar e compreender os caminhos que estão

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sendo trilhados. São nestes espaços de conversa que me recordo

de Pierini (2014) quando ressalta que são nestes espaços que

residem os sujeitos que com suas palavras são acolhidos e a

partir delas produzem outros sentidos, recriando a realidade

presente.

permite que você contemple o seu trabalho pelo olhar do

Outro.

trabalha na essência do Outro que está impressa em cada

um de nós.

possibilita que o professor desenvolva suas habilidades e

competências no âmbito pessoal e profissional.

faz com que o professor encontre fôlego para ver outras

possibilidades quando tudo parece desabar.

oportuniza o encontro do professor com a leitura como

fruição e como estratégia de formação e de trabalho.

fez com que a minha autonomia fosse se constituindo para,

nas brechas do cotidiano, criar e viver possibilidades de encontro

comnopelo Outro e criasse outros espaços de conversa na

escola.

E para mim, a última lição, a última não, porque sempre estamos em

constante processo de inacabamento, então, diria que é a penúltima, mas

penúltima também não, mas a que está no meio do caminho que desperta na

minha memória palavras de alguns trechos da música “Caminhos”, de Raul

Seixas, Paulo Coelho e Eládio Gilbraz.63

63

Disponível em: http://letras.mus.br/raul-seixas/83547/. Acesso em: 23 nov. 2014.

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Você me pergunta Aonde eu quero chegar

Se há tantos caminhos na vida E pouca esperança no ar E até a gaivota que voa

Já tem seu caminho no ar O caminho do fogo é a água

O caminho do barco é o porto (...)

O da luz é o túnel O caminho da fera é o laço

O caminho da mão é o punhal O do santo é o deserto

O do carro é o sinal O do errado é o certo

(...)

O caminho do risco é o sucesso O do acaso é a sorte O da dor é o amigo

O caminho da vida é a morte!

E você ainda me pergunta: aonde é que eu quero chegar, se há tantos caminhos na vida

e pouquíssima esperança no ar! E até a gaivota que voa

já tem seu caminho no ar!

(...)

Pois é... são tantos os caminhos possíveis, com tantas perguntas que

ainda continuam me incomodando, mas que sinto a sustentabilidade do

trabalho quando falo dele, sobre ele e com ele.

Novamente, dialogar comjuntono Outro se faz necessário e, ao me

encontrar Renata Cristina Oliveira Barrichelo, no meio do caminho, na parada

necessária da qualificação da Tese, fui presenteada pelas suas palavras

reafirmando o que faço e acredito.

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Penso e sinto que o seu trabalho de pesquisa sustenta que o:

Coletivo, enquanto trilha e partilha

Organiza e dá a ver

Modos de versentir o mundo, a escola, as relações

Parceria como JANELA e como espaço diverso institui

Angústias, dificuldades, expectativas e também

Recomeços, alegrias, aprendizagens: brisa e tempestade!

Trabalhar “juntos” a favor da

Reflexividade que potencializa a (re)construção permanente da

Identidade do grupo: suas escolhas, omissões

Lutar por uma escola OUTRA implica compartilhar

Histórias, registros, reflexões que vão

Abrindo Caminho! Trabalho COM.PAR.T(R)ILHADO é CAMINHO!

Deslocando-nos entre selva escura, pedra e rios

O(s) outro(s) nos ajuda a (re) encontrar estradas, tunéis e pontes

Quem disse que no final da picada não se abre a imensidão?

A imensidão se abre e, ao olhar para o passado e o futuro, não tenho

como não dizer, sou uma professora-pesquisadora que vem sendo formado no

trabalho com.par.t(r)ilhado, em PARCERIA.

Acredito no trabalho com.par.t(r)ilhado como possibilidade de formação

e de melhores estratégias de ensino e de aprendizagem. Valorizo todas as

experiências que tive ao longo da minha vida. Situações que me levaram a

querer o Outro comigo sempre, nas tristezas de não ser ouvida ou

compreendida, ou na alegria da concretização de um trabalho. No olhar de

desconfiança e dos sentimentos não partilhados ao ouvir algum dos meus

relatos ou inquietações que são constantes. Nas tempestades vividas que

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parecem sem fim e sem sol como caminho de retomada. Sei dizer que o que é

claro e dito não sai caro a ninguém e, por isso, insisto sempre em declamar

que quando nos respaldamos no trabalho com.par.t(r)ilhado não há quem

desmereça o trabalho pedagógico feito nas minúcias do cotidiano da escola e

da formação contínua que ali ocorre.

É COM.PAR.T(R)ILHADO porque estou sempre vivendo e aprendendo

a com.par.t(r)ilhar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas,

aprendendo a com.par.t(r)ilhar pensando sempre em uma escola outra.

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Anexos

Anexo 1. Termo de informação sobre a pesquisa

Campinas, 30 de julho de 2012.

INFORMAÇÃO SOBRE A PESQUISA

Esta pesquisa integra o projeto de Tese de Doutorado de Marissol Prezotto,

aluna regularmente matriculada no programa de pós-graduação da Faculdade de

Educação da Universidade Estadual de Campinas, intitulada Trabalho com.par.

t(r)ilhado: focalizando a parceria.

O trabalho que ora se apresenta tem como foco o processo de formação do

professor com um zoom mais direcionado ao conhecimento que é construído dentro

da escola, através das parcerias de trabalho e pergunto: como os professores se

apropriam desse saber-instrumento no dia-a-dia em sala de aula Como o professor se

(in)forma diante da alteridade do outro (alunos, pais, professores...) com quem

trabalha Quais são os processos de participação do outro e de tomadas de decisão O

que implica o trabalho coletivo no cotidiano escolar Como e com quem se estabelece

a parceria no cotidiano do professor? Que caminhos são compartilhados nesta

parceria?

Esta pesquisa busca ampliar a compreensão do papel do trabalho

compartilhado como uma das estratégias promotoras da reflexividade sobre a prática

dos educadores na escola.

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A proposta do trabalho será realizada a partir da análise de encontros

realizados com o grupo de professores nos horários de parceria do CP com o objetivo

de construir, coletivamente, conhecimento sobre nosso trabalho na escola a partir da

reflexão sobre momentos de coletividade.

As reuniões áudio-gravadas, bem como os registros reflexivos produzidos a

partir dos encontros de parceria serão analisados a partir do Paradigma Indiciário,

sustentando-se em argumentos que revelam a importância dos pormenores ou dados

marginais de um fenômeno para interpretá-lo e compreendê-lo, valorizando

componentes de singularidade e detalhes secundários situados muitas vezes na

aparência das coisas, reconhecendo e remontando uma dada realidade em elos

conectivos.

Vale ressaltar que as respostas serão tratadas de forma confidencial,

garantindo-se o seu anonimato, bem como serão resguardados todos os

procedimentos éticos de pesquisa.

Sua colaboração é de extrema importância para o desenvolvimento desta

pesquisa e colocamo-nos à disposição para prestar outros esclarecimentos que se

fizerem necessários.

Atenciosamente,

Marissol Prezotto

Faculdade de Educação

Universidade Estadual de Campinas

Ana Maria Falcão de Aragão

Faculdade de Educação

Universidade Estadual de Campinas

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Anexo 2. Termo de autorização

TERMO DE AUTORIZAÇÃO

Eu,_____________________________________________________________

professora da Escola _________________ , declaro estar ciente das informações sobre

a pesquisa de doutorado desenvolvida por Marissol Prezotto, aluna regularmente

matriculada no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas, intitulada “O trabalho com.par.t(r)ilhado:

focalizando a parceria”.

Declaro ainda ter sido informada sobre a temática, referencial teórico e metodologia

da pesquisa, assim como me foram prestados todos os esclarecimentos necessários.

Autorizo, portanto, que sejam utilizados os dados coletados em gravações dos CPs de

Parceria e textos produzidos por mim sem identificação.

Campinas, _____de ____________________ de 2012.