o trabalho da smulheres brasileiras nas decadas recentes

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  • 8/6/2019 o Trabalho Da Smulheres Brasileiras Nas Decadas Recentes

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    CRISTINA BRUSCHINI

    O T R A B A L H O D A M U L H E R B R A S IL E IR AN A S D C A D A S R E C E NT E S

    O crescimento da participao feminina no mercado de trabalhobrasileiro foi um a das m ais marcantes transformae s sociais ocorridas no pasdesde os anos 70. Fartamente documentada pelos estudos sobre o tema eapoiada em dados, a presena das mulheres no mercado de trabalhobrasileiro, sobretudo o urban o, vem se ndo cada ve z ma is intensa e diversificadae no mo stra nenhum a tendncia a retroceder, apesar das sucessivas cr iseseconm icas que tm assolado o pas a part i r dos anos 80.

    No demais lembrar que os conceitos e procedimentosmetodolgicos tradicionalmente utilizados para medir o trabalho sempreocultaram a contribuio feminina. O papel de dona-de-casa, desempenha-do pela maior parte das mulheres em idade adulta, contabilizado nascoletas como inatividade econm ica. Dada a maior difuso e aceitaosocial desta funo feminina, bastante provvel que ela seja declaradacomo a principal ocupao da informante, mesmo quando ela exercetambm outro tipo de tarefa. No setor agrcola ou mesmo em muitas ativida-des inform ais na zona urbana, sem pre que no ocorre um a nt ida separaoentre as tarefas domsticas e as at ividades econm icas, a m ulher ser, comprobabilidade elevada, classificada como inativa. As estatsticas sobre aparticipao econmica feminina, portanto, devem ser analisadas comextrema cautela, pois alm de revelarem apenas a parcela no-domsticada contribuio da mulher sociedade, tendem ainda a subestim-la.Vrias so as razes do ingresso acentuado das mulheres no merca-do de trabalho a partir dos anos 70. A necessidade econmica, que seintensificou com a deteriorao dos salrios reais dos trabalhadores e que asobrigou a buscar uma complementao para a renda familiar uma delas.Os dados referentes dcada de 70 mostraram, porm, que no s asmulheres pobres entraram no mercado, ma s tambm as m ais instrudas e dascamadas mdias. Outras causas, portanto, tambm explicavam o novocomportamento feminino. A elevao, nos anos 70, das expectativas de

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    consumo, face proliferao de novos produtos e grande promoo quedeles se fez, redefiniu o conceito de n ecessidade econmica, no s para asfamlias das camadas mdias, mas tambm para as de renda mais baixa,entre as quais, embora a sobrevivncia seja a qu esto crucial, passa a havertambm um anseio de ampliar e diversificar a cesta de consumo. Trabalharfora de casa para a judar no oramento dom stico adquire novas possibilida-des de definio, que se expressam de maneiras diferentes em cada camadasocial, mas que s se viabilizam pela existncia de emprego.

    Nos anos 70, a expanso da econo mia, a crescente urbanizao eo ritmo acelerado da Industrializao configuram um momento de grandecrescimento econmico, favorvel incorporao de novos trabalhadores,inclusive os do sexo feminino. A sociedade brasileira passa por transformaesde ordem econmica, social e demogrfica que repercutem consideravel-men te sobre o nvel e a composio interna da fora de trabalho. As taxas decrescimento econm ico e os nveis de emprego aum entam. O pas consolidasua industrializao, moderniza seu aparato produtivo e se torna m ais urbano,embora ao custo do aumento das desigualdades sociais e da concentraoda renda.Por outro lado, profundas transformaes nos p adres de com por-tamento e nos valores relativos ao papel social da m ulher, intensificadas peloimpacto dos m ovimentos feministas e pela presena feminina cada vez m aisatuante nos espaos pblicos, facilitam a oferta de trabalhadoras. A quedada fecundidade reduz o nmero de filhos por mulher, sobretudo nas cidadese nas regies mais desenvolvidas do pas, liberando-a Darao trabalho.A expanso da escolaridade e o acesso das mulheres s universidadescontribuem para este processo de transformao. A consolidao de tantasmudanas nos padres de com portamento u m dos fatores que explicariama persistncia da atividade feminina na dcada de 80, que, ao contrrio daanterior, teve como marca registrada a crise econmica, a inflao e odesemprego.

    Mas a diviso sexual do trabalho, provocando a concentrao dastrabalhadoras em guetos ocupacionais que se expandiram apesar da criseeconmica, tambm pode ser apontada como uma das mais importantesrazes para explicara persistncia da atividade fem inina nos anos analisados.Esta hiptese comea a ser comprovada medida em que os novos dadossobre o comportamento do mercado de trabalho brasileiro nos anos 80- querevelam a ocorrncia de um intenso processo de terceirizao da economiabrasileira - vo sendo analisados.

    Nos anos 80 o pas assiste ao desencadear de uma aguda criseeconmica, que provoca elevadas taxas inflacionrias, desemprego e dete-riorao da qualidade de vida dos trabalhadores, modificando o quadro decrescimento da dcada anterior. A recesso provoca alteraes na distribui-o da populao economicamente ativa, que se desloca dos setoresprimrio e secundrio da economia para otercirio, que ter em toda essadcada papel fundamental, evitando maiores quedas no nvel de emprego.ANO 2180 2 , SEMESTRE/94

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    A expanso do setor tercirio - de 46% para 54,5% no perodo 81a 90 - tem sido apontada em vrios estudos como a tendncia mais mar-cante do comportamento do mercado de trabalho brasileiro nesses anos.Marcado pela heterogeneidade, o tercirio abrigaria tanto atividades no-organizadas e de baixa produtividade, quanto mais dinmicas e modernas,decorrentes da externalizao de servios industriais, da diversificao docomrcio e dos servios pessoais, da expanso das atividades bancrias efinanceiras, bem como de atividades decorrentes da atuao direta eindireta do setor pblico, este ltimo responsvel por uma fatia considerveldos empregos gerados'.Dentro do tercirio, o crescimento das ocupaes no setor pblicofoi marcante e tem sido apontada por vrios autores como um importantemecanismo de ajuste do mercado de trabalho perante a crise econmica,contribuindo para este processo a adoo pelo Estado de polticas compen-satrias de emprego, sobretudo nas esferas municipais e estaduais e emregies pouco desenvolvidas. Lacerda e Cacciamali 2 , por exemplo, mostramque, enquanto as regies desenvolvidas e sobretudo os setores industriais eramatingidos pela crise econmica, o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste tiveramexpanso do emprego graas ao aumento das atividades tercirias, sobretu-do as do setor pblico. Oliveira, Porcaro e Jorge' confirmam que o processode terceirizao ocorrido no pas nos anos 80 foi impulsionado principalmentepelo crescimento do emprego no setor pblico, bem como pela ampliaodos servios de consumo individual, comrcio estabelecido e ambulante,atividades sociais e servios financeiros e profissionais. neste quadro de transformaes pelas quais vem passando omercado de trabalho brasileiro que se pretende analisar o comportamento dafora de trabalho feminina. Contudo, entender os movimentos de inserodas trabalhadoras no contexto mais global do mercado de trabalho nosignifica deixar de lado as especificidades do trabalho feminino, que nopode ser analisado sem se levar em conta o papel que as mulheres ocupamna reproduo. Os primeiros estudos sobre o tema, preocupados em analisara presena ou a ausncia das mulheres do mercado sob o impacto dos fatoreseconmicos, no levaram em conta o papel fundamental que a mulherexerce na famlia, onde se d a reproduo, limitando o mbito de seusresultados. Mas atualmente existe consenso de que a necessidade e aspossibilidades que a mulher tem de trabalhar fora de casa dependem tantode fatores econmicos quanto da posio que ela ocupa na unidade familiar.' SAB OIA, J . . O Tercirio. um setor em crescimento no Brasil So P aulo em P erspectiva, v 6, n2 3, jul/set,p 25-26, 1992, PACHECO, Carlos A. A Terceirizao dos Anos 80 de tudo um pouco So Paulo emPerspect iva, v. 6, n Q .3, jul /set , p. 27-38, 1992; OLIVEIRA, Jane, PO RCA RO, Rosa M . e JORG E, Angela.Mudanas no Perfil de Trabalho e Rendimento no Brasil (mimeo), 1994.3 LACERDA, Guilherme N de e CACCIAMALI, Maria C Processos de Ajustamento, Emprego Pblico eDiferenciaes Regionais dos Mercados de Trabalho. So Pau lo em Perspect iva, v 6, nQ .3, jul /set., p.70-77.1992.3 Op. cit

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    A persistncia de um modelo de famlia no qual cabem mulher as respon-sabilidades domsticas e socializadoras determina a necessidade de umaconstante articulao entre papis familiares e profissionais. A disponibilidadedos indivduos do sexo feminino para o trabalho depende de uma complexacombinao de caractersticas pessoais, como a idade e a escolaridade, deoutras relacionadas fam lia, como o estado civil e a presena de filhos, comoainda de caractersticas da prpria famlia, com o o c iclo de vida e a estruturafamiliar. Mas esses fatores se interrelacionam tambm com a condioeconmica da famlia, direcionando as mulheres em cada etapa da vidafamiliar para os afazeres domsticos ou para atividades econmicas dentroou fora do lar.

    Inmeros trabalhos tm documentado os efeitos de fatores comoidade, estado civil e condio de maternidade, tomados como indicadoresda situao familiar, na determinao das formas de participao femininaem atividades econm icas". Tm sido menos e xploradas, porm, as mltiplaspossibilidades de conciliao entre as vrias esferas definidas como deresponsabilidade da mulher, tendo em vista peculiaridades de cada merca-do. A comparao entre formas de participao e caractersticas pessoais efamiliares das trabalhadoras, em mercados de trabalho extremamente dife-renciados, permite avanar na compreenso dos mecanismos de absoroda fora de trabalho feminina, desvendando estratgias diversificadas dearticulao entre famlia e trabalho, presentes em um a e outra regio. Castro5procura demonstrar, comparando o trabalho de mulheres chefes de famlia,esposas e filhas em duas reas metropolitanas brasileiras que, dependend o dotipo de organizao da economia, a relao famlia/mercado de trabalhotem um efeito especfico na forma de insero econm ica das mulheres. Emtrabalho anterior, oferecemos uma contribuio a esse debate, atravs dacomparao de dados referentes ao pas e a duas de suas regies, So Pauloe Nordeste, nas quais as m ais agudas disparidades scio-econm icas podemser observadas, com evidentes conseqncias sobre a incorporao dastrabalhadoras'.

    Neste trabalho pretendemos avanar nessa direo, analisandodados sobre a s trabalhadoras, suas caractersticas fam iliares e suas formas de

    4 BRUSCHINI, Cristina. Tendncias da Fora de Trabalho Feminina Brasi leira nos Anos 70 e 80. algumascomparaes regionais So Paulo: FCC , 1989. (Textos FCC n 3 .1),BR US CH INI , Cr is t ina O Trabalho daMulher no Brasil. tendncias recentes In: SAFFIOTI, H e MUNHOZ-VARGAS, Monica (org.), MulherBrasileira Assim Rio de Jan eiro Rosa dos Tempos, 1994 (no prelo); CASTR O, Mar y G.. Mulheres C hefesde Famlia, Esposas e Filhas Pobres nos Mercados de Trabalho Metropolitanos (Regies Metropolitanasde So Paulo e Salvador, 1980) XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Associao Nacionalde Estudos Populacionais AB EP, v 2 (Trabalho da Mulher). Anais..., 1990; OL IVEIRA, Zuleica L . C.. A MulherTrabalhadora no Estado do Rio de Janei ro (estat s t icas em srie...). Trabalho produzido para o projetoSistema Integrado de Estatsticas por Sexo e Cor, sob a coordenao de Neuma Aguiar, s. d.5 CAS TRO, M. G., op. cit. . BRUSCHINI, Cristina. Crescimento e Crise: trabalho das brasileiras, paulistas e nordestinas, de 1970 a1985. Cincia e Cul tura, v. 42, n 2 .3/4, maro/abril, 1990.

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    insero em mercados de trabalho diferenciados, atravs da comparaode informaes para o pas e duas de suas regies mais dspares em termosde processos de desenvo lvimento - Nordeste e Sudeste. O am bito da anliseser ampliado para toda a dcada de 80, atravs da observao de dadosdas PNAD s 7 para os anos de 1981 e 1990, complementados por informaesobtidas atravs da P AIS , de 1988v.O aumento da presena feminina no mercado de trabalho

    Os dados disponveis para a dcada de 80 confirmam que persistenesses anos o aumento da participao feminina no mercado de trabalho,principalmente nas regies urbanas. Em 1990 o nmero de trabalhadorasbrasileiras quase atinge a cifra dos 23 milhes, 18 dos quais se concentram nascidades. Enquanto a a tividade m asculina, cujos nveis so m uito mais eleva-dos, man tm taxas estveis de participao, a feminina revela um constanteaumento de incorporao ao mercado de trabalho, como o indicam tantosuas taxas de atividade quanto o percentual de mulheres no conjunto detrabalhadores (Tabela 1). A inda que a atividade das mu lheres tenha crescidotambm no campo, onde a taxa feminina nacional de atividade alcana36% no perodo analisado, o incremento foi muito mais significativo na zonaurbana, graas a incorporao de quase sete milhes de novas trabalha-doras. Mas, quando se comparam as regies, chama a ateno o intensocrescimento relativo do volume de trabalhadoras urbanas no Nordeste,enquanto na regio Sudeste o aumento percentual de trabalhadoras foisemelhante no campo e nas cidades. Apesar do significativo e constanteaumento, a fora de trabalho feminina global ainda no havia atingido ato incio da dcada de 90 , em nenhuma das regies observadas, a marcade 40% do conjunto dos trabalhadores urbanos e 30% dos rurais, parcelarelativamente pequena para um contingente que representa a metade dapopulao do pas.

    Caractersticas individuais e familiares das trabalhadorasA participao dos trabalhadores no mercado brasileiro segundo a

    idade e a condio de sexo revela diferenas sensveis entre homens e

    7 Pesquisa Nacional por Amostro de D omiclios, IBGE.8 Relao Anual de Informaes Sociais, Ministrio do Trabalho9 Embora apresente informaes relativamente atualizadas, o texto se ressente de algumas lacunasque no puderam ser preenchidas por no se ter ainda acesso tanto aos dados do RecenseamentoDemogrfico de 1991, quanto queles que foram levantados pela PNAD de 1992. A anlise dasInformaes obtidas atravs destas duas amplas pesquisas nacionais teria possibilitado dispor tantode informaes para os primeiros anos da dcada de 90, quanto de dados que so fundamentais parauma anlise mais completa do trabalho feminino, mas que no esto disponveis nos demaislevantamentos, ou seja, aqueles que se referem relao entre estndo conjugal e condio dematernidade e a atividade econmica da mulher.

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    mulheres, sugerindo possveis efeitos das responsabilidades familiares, queatingem sobretudo as m ulheres. Os hom ens man tm um a expressiva regula-ridade no trabalho e ampliam sua presena no mercado medida em quevo atingindo a maturidade, o pice sendo a faixa de 30 a 40 anos, quandocerca de 97% so ativos (Grfico 1). As mulheres, ao contrrio, costumamrevelar taxas mais elevadas de participao at os 24 anos, aps o quehaveria um certo refluxo, motivado pela assuno de responsabilidadesfamiliares. No perodo considerado, porm, esta tendncia sofre uma altera-o considervel: enquanto os homens mantm a estabilidade que caracte-riza sua participao no mercado por faixa etria, as mulheres aumentam suapresena em todas as idades, mas atingem participao mais elevada dos30 aos 39 anos, faixa etria na qual mais da metade delas trabalha, o queconstitui uma mudana bastante significativa no perfil da fora de trabalhofeminina.

    Contudo, quando se analisam as diferenas regionais, observa-seque esta tendncia se mantm apenas no Nordeste, pois na regio maisdesenvolvida o pico da atividade feminina se mantm dos 20 aos 24 anos(Grfico 2). Esta tendncia de maior absoro das mais velhas pelo mercadode trabalho nordestino confirmada no segmento organizado do mercadode trabalho: embora praticamente a metade dos empregos arrolados pelaPA IS de 198 8 seja ocupada por pessoas que tm de 25 a 39 anos, o percentualdos ocupados por mulheres mais velhas, no Nordeste, mais elevado do queem outras regies e do que os empregos masculinos nessa faixa de idade(Tabela 2).

    Uma possvel explicao para esse diferencial etrio encontradoentre as trabalhadoras de uma e outra regio, e no entre os seus colegas dosexo oposto, poderia ser encontrada nas estruturas regionais dos mercados detrabalho, mais ou menos favorveis incorporao de trabalhadoras comresponsabilidades familiares. Ao contrrio do que acontece com os trabalha-dores, a absoro das trabalhadoras em diferentes setores de atividadeeconmica afetada por seu estado conjugal. Enquanto a indstria empre-ga, preferencialmente, jovens e solteiras, outros setores como servios, ativida-de sociais e administrao pblica tendem a favorecer o emprego demulheres casadas, provavelmente mais velhas'. possvel que o peso diferen-cial de cada um desses setores nos mercados regionais examinados, manten-do tendncia constatada para anos anteriores, seja responsvel pela maiorabsoro de jovens no S udeste e mais velhas no Nordeste. De fato, dados maisrecentes sobre a atividade segundo a posio na famlia mostram que,enquanto as filhas trabalham mais no S udeste, as cnjuges o fazem mais noNordeste (Grfico 3).

    A tendncia de ampliao da atividade feminina mais madura nadcada de 80 encontra eco no considervel aumento do ingresso das

    tO BRUSCHINI, c, 1989, op. cit..

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    cnjuges no mercado de trabalho nessa dcada: enquanto 20% delas eramativas em 1980, 37,6% possam a s-lo em 90 (Tabela 3), sugerindo queatualmente as mulheres casadas e m ais velhas so aquelas que se dispema enfrentar as dificuldades prprias conciliao entre responsabilidadesprofissionais e familiares para se dedicar a uma atividade econmica demercado.

    Muitos autores" enfatizam que o ingresso acentuado das esposas nomercado de trabalho faz parte das estratgias das famlias brasileiras que,empobrecidas pelas sucessivas crises econm icas, mobilizam m ais mem brosdo grupo na busca de rendimentos complementares aos do chefe. Contudo,segundo dados publicados pelo IBGE, a ampliao da atividade econmicadas esposas no provocada ap enas pela pobreza, mas m ais elevada nosnveis mais altos de renda, sobretudo na zona urbana. Nas cidades, 50% dascnjuges em famlias com rendimento per capita superior a trs salriosmnimos trabalham, em comparao a 23,3% daquelas que fazem parte defamlias cujos rendimentos so inferiores a 1/4 de salrio 1 2 . Por outro lado, acontribuio das esposas ao rendimento fam iliar considervel em qualquerregio, sobretudo na zona u rbana, onde as pe rspectivas de encontrar ativida-des geradoras de rendimentos costumam ser mais promissoras, levando cercade 40% das cnjuges a colaborar com 10 a 30% da renda da famlia'3.No que diz respeito ao estado civil das trabalhadoras - informaodisponvel apenas at o Censo de 80 - as taxas de atividade mais elevadas seencontram entre as sepa radas, seguidas pelas solteiras, em geral mais jovense preferidas pelos empregadores. As casadas apresentam as taxas maisbaixas, seja pela discriminao encontrada no m ercado, seja por dificuldadesadvindas dos encargos familiares e domsticos, agravadas pela falta decreches. Apesar das dificuldades, na dcada de 70 foi a mulher casadaaquela que mais ingressou no mercado: enquanto 9,8% delas trabalhavam em1970, 19,5% passaram a faz-lo em 1980m,

    Mas a presena de filhos o que mais interfere na participaofeminina no mercado de trabalho. A responsabilidade pela guarda, cuidadoe educao dos filhos na famlia e a insuficincia de equipamentos coletivoscomo as creches limitam a sada da mulher para o trabalho remunerado,sobretudo se os rendimentos obtidos so insuficientes para cobrir custos com

    " OLIVEIRA, Zuleical. C.. Crisis, Situacin Familiar y Trabajo Urbano In: AGUIAR, Neuma (coord.), Mujery Crias Venezuela. Nueva Sociedad/Dawn Mudar, p 55-74, 1990; JATOB, Jorge. A Famlia na Forade Trabalho. Brasil Metropolitano, 1978-1986 VII E ncontro Nacional de Estudos Populacionais ABEP, v2, Anais .., 1990.' , FUNDA O INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA- IBGE Anurio Estatstico do Brasil Riode Janeiro: IBGE, v. 52, 1992.FUND A O INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOG RAFIA E ESTATSTICA - IBGE Perfil Estatstico de Crianas eMes no Brasil. sistema de acompanhamento da situao scio-econmica de crianas e adolescen-tes, 1981, 1983 e 1986. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Estatstica e Indicadores Sociais, 19881 1 BRUS CH INI, C , 1989, op cit..

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    formas remuneradas de cuidado infantil. Contudo, quando a necessidadeeconmica to premente que inviabiliza o exerccio da maternidade emtempo integral, como nas famlias muito pobres ou nas chefiadas por mulheres,outros arranjos como a rede de parentesco ou de vizinhana podero seracionados para olhar as crianas enquanto a me vai trabalhar. O difcilequilbrio entre atividades econmicas e familiares, que se torna mais frgilainda pela presena de crianas, depende tambm do tipo de atividadeeconmica a absorver a trabalhadora. Atividades formalizadas, com horriosregulares de trabalho e maior distanciamento entre a casa e o trabalho sofatores que dificultam a conciliao de responsabilidades. A atividade infor-mal, na qual no h jornadas regulares de trabalho, o trabalho domiciliar e orural, ao contrrio, costumam facilitar o arranjo necessrio entre famlia etrabalho, embora no haja acesso a garantias trabalhistas.

    Segundo dados disponveis para 1980, a atividade econmicafeminina declina sensivelmente quando ela se torna me: nessa data, en-quanto quase 39% das brasileiras sem filhos trabalhavam fora, esse nmerocaa para menos de 30% quando elas se tornavam mes. Mas a presena defilhos tem efeitos distintos sobre o trabalho feminino na cidade ou no campo,assim como em regies em nveis desiguais de desenvolvimento. Na zonaurbana, a presena de um filho um elemento muito mais constrangedor pelotipo de atividade a predominante, pouco favorvel conciliao de papis.Na zona urbana brasileira, a taxa de atividade feminina cai de 46% quando amulher no tem filhos, para cerca de 34% quando ela tem um filho. Na zonarural, embora as taxas de atividade sejam muito inferiores, o efeito provocadopela presena de filhos no constitui uma limitao ao trabalho da mulher,que mantm taxas muito parecidas tenha ou no filhos (16,4% para as nomes e 16% para as mes, em 1980). Efeitos semelhantes da maternidadesobre a atividade feminina podem ser constatados na comparao entre oNordeste e So Paulo, onde o peso da economia urbano-industrial muitomais acentuado: enquanto a atividade das que no tm filhos era muito maiselevada em So Paulo (49%) do que no Nordeste (quase 30%), essa diferenadiminua consideravelmente entre as mes (33% em So Paulo e 27% noNordeste), indicando tanto maiores oportunidades de emprego em So Pauloquanto uma economia mais formalizada.

    A idade dos filhos tambm tem conseqncias sobre a participaoeconmica feminina. Quando os filhos so pequenos, as mes so as princi-pais responsveis por eles, Segundo Campos, Rosemberg e Ferreira 1 5 , 78,4%das crianas de O a 6 anos das regies metropolitanas ficam com suas mesa maior parte do tempo. As dificuldades para conciliar trabalho e famlia somaiores para as mes de filhos pequenos no s porque estes requeremmaiores cuidados, mas tambm em decorrncia da inexistncia de uma

    15 CAM POS, Maria M , ROSEM BERG, Flvia e FERR EIRA, Isabel M. Creches e Pr-escolas no Brasil SoPaulo: Cortez Editora/Fundao Carlos Chagas, 1992.

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    poltica social adequada de ateno criana na faixa de O a 6 anos. Em1985, segundo essas autoras, apenas 23,2% das crianas de O a 6 anos residindoem regies metropolitanas estavam freqentando creches ou pr-escolas.

    Quando os filhos crescem e as mes podem ser substitudas ou pelomenos ajudadas pela escola, sua disponibilidade para o trabalho volta aaumentar. Cerca de 41% das mes de filhos maiores de sete anos trabalhavamem 1980, superando a taxa de atividade das que no eram mes. O efeito dapresena de filhos varia em funo dos nveis de rendimento do grupo familiar.Para as mulheres de renda mais baixa, a atividade mantm aproximadamen-te os mesmos nveis, caso ela seja ou no me (cerca de 18%) e aumentaquando ela tem mais de um filho (20%), revelando que a premncia econ-mica supera os empecilhos decorrentes da maternidade. Nas faixas de rendamais elevada, as taxas de atividade so muito superiores quando a mulher notem filhos (55%), caem abruptamente quando ela se torna me (38,6%) ediminuem mais ainda quando ela tem mais de um filho (30,5%). As baixas taxasde atividade entre as mais pobres, contudo, no significam que trabalhemmenos. Provavelmente exercem atividades mais informais, que permaneceminvisveis nas estatsticas oficiais.

    No que diz respeito educao das trabalhadoras, os dadosconfirmam, para os anos 80, a intensa associao entre escolaridade eparticipao das mulheres no mercado de trabalho. As mais instrudas so asque mais trabalham fora de casa, porque podem ter atividades mais grati-ficantes ou bem remuneradas, que compensam os gastos com a infra-estrutura domstica necessria para suprir sua sada do lar. As informaespara os anos analisados (Tabela 4) mostram que essa tendncia, observadapara os anos anteriores, se mantm e se acentua, pois as mais instrudas cadavez trabalham mais: em 90, cerca de 64% das que tm nove anos ou mais deescolaridade so ativas enquanto, no mesmo ano, a taxa de atividade dasque no tm instruo de 28% e a atividade feminina global no ultrapassaos 39,2%. A atividade econmica feminina, contudo, aumenta em todos osnveis de escolaridade. A comparao entre as regies mais uma vez indicaa presena de mercados de trabalho diferenciados: a atividade das maisescolarizadas maior no Nordeste, enquanto, das que dispem apenas deescolaridade mdia, as que mais trabalham so as do Sudeste, provavelmen-te em decorrncia do maior peso das ocupaes administrativas nessaregio. A associao entre a escolaridade e o trabalho feminino to intensaque anula os efeitos do estado conjugal: entre mulheres com mais de dozeanos de estudo, as taxas de atividade, alm de muito mais elevadas, sosemelhantes entre casadas e solteiras.

    Um inegvel crescimento tem levado, portanto, um nmero cadavez maior de mulheres ao mercado de trabalho, tornando cada vez maisvisvel a participao econmica feminina. Contudo, as mulheres ainda estolonge de superar todas as suas dificuldades. No que tange conciliao entreas responsabilidades familiares que socialmente lhe foram atribudas e otrabalho, as contradies se tornam tanto mais agudas quanto mais estruturadas

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    forem as atividades, sujeitando as trabalhadoras a regras mais rigorosas comohorrios e deslocamentos casa/trabalho. No entanto, so estas em geral asocupaes que costumam obter melhores rendimentos, alm de assegurarstrabalhadoras certos direitos constitucionais que lhes permitem usufruir de umacondio mais favorvel. No que diz respeito sua insero no mercado detrabalho, no se pode afirmar que as trabalhadoras tenham alcanado umasituao de igualdade em relao aos colegas do outro sexo, como veremosa seguir.A situao das trabalhadoras no mercado de trabalho

    Os estudos sobre o trabalho feminino tm mostrado que as trabalha-doras concentram-se no setor tercirio da economia e, dentro dele, naprestao de servios, onde se encontram alguns dos empregos de mais baixoprestgio e remunerao. Nos anos 80, a distribuio dos trabalhadoressegundo o setor de atividade revela que as mulheres continuam concentra-das sobretudo na prestao de servios, no setor social, na agricultura, nocomrcio e na indstria (Grfico 4). As diferenas regionais, contudo, somarcantes, para ambos os sexos. No Sudeste predominam setores ligados aatividades industriais e urbanas, enquanto no Nordeste o peso da economiarural mais significativo (Grfico 5). Mas a maioria das nordestinas quetrabalham esto na prestao de servios, assim como significativa aconcentrao de trabalhadoras no setor social e no comrcio. Este resultado fruto de uma importante alterao da presena feminina no mercado detrabalho do Nordeste ao longo da dcada, como se pode constatar naTabela 5: o deslocamento das trabalhadoras do setor agrcola e da prestaode servios para o comrcio, as atividades sociais e as administrativas.

    Em trabalho recente, Oliveira, Porcaro e Jorge l chamam a atenopara problemas decorrentes das classificaes tradicionalmente adotadaspelo IBGE, entre eles a subestimao do importante papel desempenhadopelo setor pblico na gerao de empregos. Buscando uma avaliao maiscorreta desse papel, as autoras reorganizam as informaes sobre posio naocupao e setores de atividade, para os anos 81 e 90. No primeiro caso, adesagregao da categoria dos empregados em pblicos e particularespermitiu s autoras verificar que o aumento dos empregados no perodo sedeveu exclusivamente ao setor pblico. No segundo, a reordenao dossetores de atividade levou-as a incluir atividades de ensino, sade e previdn-cia pblicas - tradicionalmente includas em atividades sociais - na categoriaadministrao pblica, permitindo evidenciar que no apenas o tercirio foio maior responsvel pela gerao de postos de trabalho na dcada de 80,fato at certo ponto j conhecido, mas tambm que a expanso desse setor

    16 Op. cit..

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    foi impulsionada basicamente pelo emprego pblico, alm de oportunidadesabertas na prestao de servios e no comrcio em geral.

    Os dados da Tabela 5, apesar de apresentados na tradicionalclassificao do IBGE, do indcios de que este processo mais marcantesobretudo no Nordeste, onde a grande concentrao de trabalhadoras ruraisse desloca para o tercirio, atravs da notvel ampliao da presena dasnordestinas no comrcio, nas atividades sociais, que incluem servios deeducao, sade e Previdncia oferecidos pelo Estado e na administraopblica -, setor no qual dobrou a presena relativa de trabalhadoras, e queapresenta maior concentrao do que nas demais regies analisadas.

    Na fatia formal do mercado de trabalho (Tabela 6), na qual o volumede empregos no Nordeste bastante inferior ao do Sudeste, o peso relativo daadministrao pblica nordestina marcante, sobretudo entre as mulheres:mais da metade dos empregos ocupados por elas esto nesse ramo do setororganizado (Grfico 6). Informaes adicionais da RAIS sobre a natureza dovnculo empregatcio corroboram o que vem sendo afirmado: o percentual defuncionrios pblicos (Tabela 7) mais elevado no Nordeste do que no restodo pas, mas o funcionalismo pblico do sexo feminino o que mais se destaca(Grfico 7).

    Spinde1 1 7 j havia alertado para o fato de que uma proporosignificativa das vagas geradas pelo Estado, que foi o grande empregador nosprimeiros anos da dcada de 80, foi ocupada por mulheres. Segundo essaautora, o emprego feminino na administrao pblica cresceu quase 33% emum ano, enquanto o dos homens aumentou 18%, No Nordeste, onde a crise foiagudizada pelos efeitos da seca que assolou a regio em 79, a intensaatuao do setor pblico, atravs da adoo de polticas compensatrias,provocaria uma reduo do impacto da recesso. Vrias medidas foramadotadas pelo governo federal para proteger essa regio dos efeitos da crise,entre as quais destacam-se a abertura de frentes de trabalho e a gerao deempregos na administrao pblica.

    No entanto, em que pese a ampliao da presena feminina nosegmento formal do mercado de trabalho (29,7% dos empregos arroladospela PAIS em 1980, 33,9% em 1990) ao longo da dcada, principalmente noNordeste (38,9% dos empregos formais em 1980), a participao das mulheresno segmento informal da economia ainda acentuada.

    So pouco precisas as informaes sobre a participao dos traba-lhadores nas assim chamadas atividades informais, seja em virtude das fluidasfronteiras que as separam das formais, seja em razo da extremaheterogeneidade que caracteriza esse setor da economia, seja ainda devido inadequao dos levantamentos censitrios tradicionais 1 8 para mensurar

    " SPINDEL, Cheywa R A Mulher Frente Cnse Econmica dos Anos 80 (algumas reflexes com baseem estatsticas oficiais) IDES P/PUC-S P, So Paulo, 1987I, Mais recentemente, um amplo levantamento especfico sobre o mercado informal de trabalho vemsendo conduzido por uma equipe do IBGE, coordenada pela Dra Jane Souto de Oliveira

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    esse tipo de atividade econmica. H, porm, formas indiretas e aproximadasde apreender a parcela no-formalizada do mercado de trabalho atravsdas PNADs. A posio na ocupao uma delas. H uma parcela significativade mulheres entre os que trabalham por conta prpria e os que so emprega-dores, sobretudo na zona urbana, mas a presena feminina mais elevadasobretudo entre os trabalhadores no-remunerados, principalmente nas cida-des, onde as mulheres chegam a constituir a maioria dos trabalhadores queocupam esta posio no pas e na regio Sudeste (Tabela 8).Por outro lado, um nmero muito mais elevado de mulheres do quede homens trabalha em casa. Informaes sobre o local de realizao daatividade revelam que 26% das brasileiras, 31% das nordestinas e 26,2% dastrabalhadoras do Sudeste, realizam a atividade na moradia, enquantopercentual igualmente elevado trabalha no domiclio de outra pessoa'''. possvel supor que entre as mulheres que trabalham no domiclio se encontremtanto as empregadas domsticas quanto as trabalhadoras domiciliares aut-nomas ou subcontratadas para a indstria, as quais, atravs da costura, daproduo de alimentos e de inmeras outras atividades informais, contribuempara a renda, quando no para o prprio sustento do grupo familiar 2 0 . NaGrande So Paulo, anlise de dados sobre local de trabalho e posio nafamlia, realizada pelo DIEESE 2 1 , mostrou que, em 1985, 10,2% das cnjugestrabalhavam no domiclio, enquanto apenas 2,6% dos paulistanos ocupadosestavam na mesma posio. Nessa idade, em 1981,5% de um total de 1 0milhes de pessoas, a maioria composta por esposas, exerciam atividadesdefinidas como bicos, como manicure, confeco de doces e costura22.Se outros indicadores forem utilizados, possvel concluir que somu itas as trabalhadoras que n o tm seus direitos garantidos e que no fazemparte, portanto, do segmento mais organizado do mercado de trabalho:m enos d a m etade de las, no pas e no N ordeste, contr ibui para a PrevidnciaSocial (Tabela 9) e pouco ma is da metade n o Brasi l e no Sudeste dispem d ecarteira de trabalho assinada pelo empregador (Tabela 10). Os efeitosprovocados por mercados de trabalho diferenciados podem ser constatadosatravs das comparaes regionais e rural/urbana. No Nordeste, embora opercentual de contribuintes seja muito inferior ao do pas e ao de sua regiom ais desenvolvida, o de m ulheres superior ao dos ho m ens, provavelmen teem virtude da acentuada presena feminina no funcionalismo pblico. Aposse de carteira de trabalho assinada muito menos freqente no campo

    FUNDAO INSTITUTO BR ASILEIRO DE GEOGR AFIA E E STATSTICA- IBGE Sntese de Indicadores 1989-1990. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD Rio de Janeiro: IBGE, 1992." ABREU, Alice P R e SORJ, Bila Trabalho a Domiclio nas Sociedades Contemporneas - uma revisoda literatura In. ABREU, Alice P. R e SORJ, Bit O Trabalho Invisvel - estudos so bre trabalhadores adom iclio no B rasil. Rio de Janeiro . Rio Fundo Editora, 199321 Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Scio-Econmicos22 BRUSCHINI, Cristina e RIDENTI, Sandra Desvendendo o Oculto famlia e trabalho domiciliar em SoPaulo In . ABREU, Alice de P.; SORJ, Bila (org.), op cit .

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    do que na zona urbana, mesmo na regio mais desenvolvida do pas, paraambos os sexos, embora seja ainda menor entre as trabalhadoras. Ao longoda dcada de 80, o percentual de registrados aumenta sensivelmente nosetor agrcola do Sudeste, com ganhos tambm para o sexo feminino. Apesarda cifra ser ainda muito pequena, pode estar indicando uma alterao nasrelaes de trabalho no campo, provocada pelo avano do capitalismoagrrio, que formaliza os contratos dos trabalhadores rurais, mas provoca areduo do nmero de pequenos produtores. Em que pesem algumaseventuais conquistas, no entanto, em 1990 o registro em carteira ainda eragarantido para apenas 18 em cada 100 trabalhadoras da zona rural brasileira.

    Muitas outras categorias de trabalhadoras no tm garantidos osseus direitos trabalhistas: entre as empregadas domsticas, uma das que maisconcentram o emprego feminino, o direito ao registro em carteira ainda umaconquista recente e nem sempre tem sido cumprida. Em So Paulo, cidademais desenvolvida do pas, apenas 20A% das empregadas tinham registro emcarteira em 1987. Esse percentual era bem mais elevado entre as que residiamna casa do patro (49,3%), em comparao quelas que prestavam servioscomo diaristas2 3 . Nas atividades informais, no trabalho domiciliar, a contribui-o econmica da mulher quase sempre permanece invisvel e com ganhosinstveis. A flexibilidade no uso do tempo, no entanto, que permite a conci-liao entre atividades familiares e econmicas, continua atraindo mulherescom responsabilidades domsticas para atividades como essas, que nocontam com nenhum tipo de garantia.

    A distribuio das trabalhadoras por grupos ocupacionais nos anos80 (Tabela 11) confirma os movimentos observados entre os setores deatividade: apesar das reacomodaes da fora de trabalho feminina, quevem encontrando novos espaos de trabalho, as mulheres que trabalhamainda se concentram no tercirio. No entanto, embora a presena femininana prestao de servios continue sendo majoritria, sua participao emoutros grupos ocupacionais deste amplo e heterogneo setor da economiaganha destaque: o que acontece com o expressivo aumento do trabalhofeminino nas atividades do comrcio, acompanhado de aumento nas ativi-dades administrativas e tcnico-cientficas, que absorvem o contingentedeslocado dos setores primrio e secundrio. Mas no Nordeste que areacomodao da fora de trabalho feminina se revela de forma maisexpressiva nesta dcada, em virtude do deslocamento de trabalhadoras dasocupaes agropecurias para grupos ocupacionais do tercirio, entre osquais o comrcio parece ter sido aquele no qual mais cresceu a presenafeminina.

    O exame desagregado das ocupaes, informao disponvel ato recenseamento de 1980, mostra que, apesar dos deslocamentos ocorridos

    " Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande So Paulo. So Paulo Fundao SEADE, n Q 45, jul /ago., 1988.

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    na dcada de 70, as m ulheres que ingressaram na fora de trabalho continu-aram a faz-lo em guetos tipicamente femininos: em 1980, 70% das trabalha-doras se concentravam em pequeno nmero de trabalhos de mulher -empregadas domsticas, lavradoras e operrias para as menos instrudas,secretrias e balconistas para as que tinham nvel mdio de instruo,professoras ou en fermeiras para as que tinham alcanado escolaridade m aiselevada, ou mesmo mdia. Nessa data, de cada 100 trabalhadoras brasileiras,20 eram domsticas, 12 eram secretrias, 12 trabalhavam no campo, oitoeram professoras, pouco mais de seis eram vendedoras. Na indstria, emboraa trabalhadora tenha ingressado em ramos dos quais at ento estavaausente, como o eltrico e o eletrnico, sua participao ainda era maisintensa na indstria do vesturio 2 4 . Oliveira, Porcaro e Jorge 2 5 , apoiadas emtabulaes especiais da PNAD 90, mostram que, apesar do crescimento daparticipao feminina em ocupaes de maior prestgio, como as de nvelsuperior e gerencial, manteve-se ao longo dos anos 80 a concentraoocupacional das mulheres: em 1990, 18,6% delas eram trabalhadoras doms-t icas, 11% eram balconistas, vendedoras ou comerciantes por conta prpria,9,6% desempenhavam funes administrativas, 6,7% eram costureiras e 4,8%eram professoras de 1, grau.

    H outros indcios, porm, de que as mulheres tambm estariamconquistando novos espaos. Segnini", por exemplo, a partir de pesquisarealizada na cidade de So Paulo, mostra que as mulheres constituem hoje47% entre os bancrios, categoria na qual seu acesso no era perm itido antesde 1960. No entanto, as bancrias esto presentes sobretudo nos bancosestatais e 80% delas concentram-se em seus nveis hierrquicos inferiores.

    Tudo leva a crer portanto que, apesar do significativo aumento departicipao no mercado de trabalho e da diversificao de espaosocupados, as mulheres ainda se defrontam com barreiras. De fato, informa-es obtidas atravs da RA IS de 1988 , disponveis apenas para o conjunto doBrasil, mostram que tambm no setor formal da econom ia persiste a segrega-o ocupacional: conforme os dados da Tabela 12, as mulheres continuamsendo costureiras, professoras, secretrias, telefonistas, enfermeiras etc..

    Apesar da persistncia da segregao, no entanto, no se podeafirmar que ela venha aumentando ao longo do tempo. Aparentemente asmulheres vo fazendo novas escolhas, procurando vencer barreiras e superarpreconceitos. No entanto, ainda so influenciadas por dois mecanismosconvergentes: de um lado, processos socializadores que se reproduzematravs da famlia, da escola e dos meios de comunicao, que tendem a

    " BRUSCHINI, C., 1989, op. cit..25 Op. cit.26 SEGNINI, Liliana R P. A Mulher no Sistema Financeiro em So Paulo (mimeo). Texto apresentado noSeminrio de Trabalho do VI Concurso Relaes de Gnero na Sociedade Brasileira - Programa deIncentivo e Formao em Pesquisa sobre Mulher, 1994.

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    orienta-las na direo de ocupaes que so consideradas mais prpriaspara as mulheres; de outro, uma certa sabedoria da conciliao2 7 , que faz comque as mulheres, cientes de que forosamente tero a seu cargo responsabi-lidades familiares alm das profissionais, escolham ocupaes que acreditamser compatveis com esta situao.

    Talvez uma das mais graves conseqncias do estreito lequeocupacional disponvel para as trabalhadoras seja o rebaixamento dos seussalrios. Na medida em que a procura de mo-de-obra feminina se restringea um pequeno nmero de empregos, enquanto a oferta de trabalhadorastende a crescer, os salrios femininos continuam a ser proporcionalmentemenores do que os dos homens porque h grande quantidade de mo-de-obra concentrada em pequeno nmero de trabalhos de mulher, que porsua vez so os de menor prestgio, porque refletem a posio do sexo femi-nino na sociedade2 8 . Como veremos a seguir, apesar de todas as mudanas,as diferenas salariais entre os sexos persistem em todas as situaes exa-minadas. Anlise' realizada com dados do Censo de 1980 mostrou que astrabalhadoras ganhavam menos do que seus colegas no interior de todos osgrupos ocupacionais. Os diferenciais se acentuavam nas ocupaes de nvelsuperior e de chefia e se mantinham mesmo naquelas nas quais a participa-o feminina costuma ser mais acentuada. Em 1980, enquanto os engenheirosganhavam, em mdia, 17 salrios mnimos por ms, suas colegas de profissorecebiam apenas nove. No magistrio, no qual a presena feminina era de87%, as mulheres ganhavam em mdia 1,9 salrios mnimos por ms, enquantoseus colegas recebiam 5,3.

    Na dcada de 80, apesar de se manterem algumas tendnciasanteriormente observadas, parece ter ocorrido um certo ganho salarial paraas trabalhadoras. Entre 1981 e 1990 (Tabela 13) diminui o percentual demulheres nas faixas mais baixas de renda, enquanto aumenta consideravel-mente o das que ganham de dois a cinco salrios mnimos, assim como nasdemais faixas salariais mais elevadas. Em que pese a deteriorao sofrida pelosalrio mnimo, convertido cada vez mais em indicador pouco confivel decondio de vida, as trabalhadoras mostram alguns sinais de estar ganhandoum espao um pouco mais digno no mercado de trabalho. As desigualdadesregionais, no entanto, so contundentes, pois enquanto o percentual maiselevado de brasileiras e de trabalhadoras do Sudeste ganha, em 1990, de doisa cinco salrios mnimos ao ms, entre as nordestinas, embora tambm tenhahavido ganhos no perodo, a cifra mais elevada ainda se encontra na faixa deapenas 1/2 a um salrio!

    ROSE MB ERG. Flvia et al. . A Educad o da Mulher no Brasi l. So Paulo: Global, 1982." AGUIAR, Neuma. Desigualdades Sociais e Pobreza por Gnero e Raa no Rio de Janeiro. Pobrezae Desigualdade Social, n 2 .4, ago , 1993. Agenda de Polticas Pblicas, luperj/Instituto Universitrio dePesquisas do Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Instruo, BRUSCHINI, Cristina. Sexualizao dasOcupaes: ocaso brasileiro. Cadernos de Pesquisa, n 2 . 28,So Paulo. Fundao Carlos Chagas, 1979." BRUSCHINI, C., 1989, op. cit. .

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    Apesar dos ganhos, as desigualdades salariais persistem entre ossexos, a julgar pelos dados mais recentes examinados. No mercado detrabalho global (Tabela 14) a concentrao de trabalhadoras sistematica-mente maior do que a de trabalhadores nas faixas mais baixas de renda. Asdiferenas mantm-se entre as regies, mas tendem a ser menos agudasnaquela cujos nveis salariais so ma is baixos. Essa tendncia se m antm n osetor formal do mercado de trabalho, no qual persistem as desigualdadesentre os sexos (T abela 15) em todos os setores de atividade, exceto na indstriaextrativa mineral e na construo civil. Mas nestes ramos a presena da mulher to pequena que provavelmente as que neles trabalham esto alocadasem atividades administrativas ou tcnicas, mais bem remuneradas do queas da produo propriamente dita, onde est a maioria dos trabalhadoresdo setor.

    No interior dos grupos ocupacionais, mantendo tendncias consta-tadas para os anos anteriores, os empregados do formal ganham significati-vamente mais do que suas colegas (Tabela 16). Nas ocupaes mais bempagas do setor, com rem uneraes m dias mensais superiores a 10 salriosmnimos, as desigualdades entre os sexos se intensificam a favor dos hom ens(Tabela 17), enquanto nas ocupaes mais femininas, nas quais os rendimen-tos so muito mais baixos, eles tambm ganham sistematicamente mais(Grfico 8), exceto na categoria dos secretrios, na qual os salrios femininosso m ais altos.M ais grave ainda o fato de que a s trabalhadoras no conseguemsuperar a desigualdade salarial medida em que adquirem experincia notrabalho. Ao contrrio, as desigualdades persistem e at se intensificam como tempo de servio, como o comprovam dados do M inistrio do T rabalho para1988: entre os em pregados com at seis meses de casa as mdias salariais sode 2,9 para os hom ens e 2,2 para as m ulheres. Mas a partir de 10 anos ou m aisno emprego as desigualdades se acentuam, os homens atingindo a marcados 10,9 salrios e as mu lheres apenas 7 (Grfico 9).

    Ao analisar a participao de homens e de mulheres no mercadoformal de trabalho, com base em dados da PAIS de 1 976, M ello 3 defende atese de que a condio de sexo a varivel responsvel pelo grandediferencial de salrios encontrado, que se mantm mesmo quando se regis-tram outros fatores, como tempo de servio, tamanho da empresa e nveleducacional. Segundo a autora, em 1976 os homens ganhavam 60% a maisdo que as m ulheres no setor formal, sendo 80% a ma is na indstria, 59% nosservios e 50% a mais no com rcio. Em bora apresentem credenciais educa-cionais superiores s dos homens no segmento formal do mercado, asmulheres se situam sistematicamente em faixas salariais mais baixas do que as

    3 MELLO, Marina F. de. Anlise da Participao Feminina no Mercado de Trabalho no Brasil Disser-tao de Mestrado apresentada Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, PUC-RJ, 1982.ANO 2194 2 SEMESTRE /9 4

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    de seus colegas. Alm disso, as desigualdades se acentuam quanto m ais altosse tornam os salrios. Cam argo e Serrana', em anlise da determinao dossalrios na indstria brasileira, mostram que o s salrios so determ inados pordois conjuntos de variveis, as ligadas empresa e ao setor em que esta sesitua, entre elas o tamanho, e as relacionadas a caractersticas pessoais.Destas, a mais importante o nvel educacional, mas o sexo tambm atuacomo varivel de seleo.Mas a cor, principalmen te quando asso ciada ao sexo, das carac-tersticas pessoais a que mais interfere na determinao de desigualdadessalariais. Como se constata pelos dados apresentados na Tabela 18, traba-lhadores pretos e pardos ganham, em mdia, menos do que homens emulheres brancas, mas so as trabalhadoras no-brancas as mais discrimi-nadas de todos os grupos, tanto na cidade quanto no campo e em qualquerdas regies analisadas.

    Embora se possa afirmar que a segregao ocupacional seja am aior respons vel pela depresso do sa lrio feminino em relao ao m ascu-l ino, outros fatores tamb m tm papel importante. O m enor acesso da mu lhera cargos de chefia e superviso um deles. Segundo dados analisados porPuppin", nos 300 maiores grupos privados nacionais somente 3,47% de m ulhe-res ocupavam cargos executivos em 1991, percentual esse que caa para0,94% se consideradas as 40 m aiores estatais brasileiras e para 0,48% en tre as40 maiores corporaes estrangeiras. Entre as que conseguem romper asbarreiras e ocu par altos postos de trabalho, sutis m ecanism os de d iscrim ina-o e at mesmo o boicote aberto so constantemente acionados, dificul-tando o pleno exerccio da profisso, como relata essa autora em pesquisarealizada junto a mulheres que exercem cargos de comando em umamu ltinacional do setor petroleiro. Outra razo plausvel para explicar os salriosfemininos inferiores o m ais baixo nvel de sindicalizao d as trabalhadoras,bem como a menor tradio poltico-sindical das atividades tercirias, nasquais as mulheres se concentram33.

    As informaes disponveis sobre o trabalho feminino at 1990mostram, portanto, que as mulheres continuam ingressando no mercado detrabalho e nele permanecem, diversificando os espaos ocupados. Noentanto, revelam tambm que, apesar de inmeras conquistas, elas aindaganham menos do que seus colegas em qualquer situao, alm de sofrervrias outras formas d e discrim inao.

    31 CAMARGO, J. Mrcio e SERRANO, Franklin. Os Dois Mercados homens e mulheres na indstriabrasileira. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 37, n o .4, p 435-48, out /dez., 1983.32 PUPPIN, Andra B . Gesto Pessoal - a questo da educao e do trabalho frente problemticado gnero (mimeo). Texto apresentado no Seminrio de Trabalho do VI Concurso Relaes de Gnerona Sociedade Brasileira - Programa de Incentivo e Formao em Pesquisa sobre Mulher, 1994.33 PAIVA, Paulo de T.. A Mulher no Mercado de Trabalho Urbano. Trabalho apresentado no EncontroNacional de Estudos Populacionais O. guas de So Pedro, 1980

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    Consideraes f inais e pe rspectivas de polt icas s ociais para o futuroA an lise dos dado s disponveis sobre o trabalho feminino na dca-

    da de 80 revela que algumas tendncias constatadas para anos anteriorescontinuam operando: o aumento da incorporao de mulheres ao mercadode trabalho, o efeito de caractersticas familiares, como a posio na famliae a idade, a segregao das trabalhadoras em reduzido nmero de ocupa-es e a intensa desigualdade salarial a que so sujeitas em relao aos seuscolegas do sexo oposto. Mas os dados revelam tambm os novos rumostomados pe la fora de trabalho feminina em anos mais recentes. Do ponto devista da oferta de trabalhadoras, estes sugerem que elas so mais velhas, maisescolarizadas e com responsabilidades familiares, Do ponto de vista domercado de trabalho, engrossam cada vez mais o contingente de trabalha-dores ocupados em atividades do tercirio, seja ele representado por em pre-gos gerados pelo setor pblico, seja no comrcio, nas atividades administra-t ivas e so ciais. A concentrao de trabalhadoras nesses espaos protegeu-asdurante a crise que imperou durante os anos analisados, quando o terciriofoi o setor que m ais cresceu. Apesar das conquistas, no entanto, as trabalha-doras ainda se concentram em reduzido nmero de trabalhos femininos,estejam eles no setor mais organizado da economia, no qual o nmero demulheres vem aumentando continuamente, ou no segmento que abriga aschamadas atividades informais, no qual a presena feminina continua a sersignificativa. Em qualquer dos casos, no entanto, as trabalhadoras recebemmenos do que seus colegas, mesmo quando realizam tarefas semelhantes.O exame das informaes disponveis para os anos 80 sobre ascaractersticas das trabalhadoras e sua forma de insero em mercados detrabalho diferenciados - representados atravs da comparao entre asregies Nordes te e Sudeste do pas - por outro lado, tornou possvel conhecermelhor os efeitos da organizao da economia sobre a relao famlia/mercado de trabalho, naquilo que diz respeito ao trabalho das mulheres. Foipossvel perceber, atravs da comparao regional, que as mais marcantesmudanas em relao ao trabalho feminino nos anos 80 talvez tenham sidoas ocorridas no Nordeste. Nesta regio, aumenta sensivelmente o trabalhofeminino urbano, ocupado sobretudo por trabalhadoras ma is velhas, instrudase com responsabilidades familiares, que encontram suas melhores oportuni-dades de trabalho na administrao pblica. E, embora esta regio continueapresentando os mais baixos ndices de desenvolvimento, entre eles percentualmais elevado de atividade rural e informal, baixos ndices de contribuio Previdncia Social e de registro em carteira, baixas mdias de remuneraomensal etc... no se pode negar que houve, nesse perodo, alguns ganhospara as mulheres. Pois, quaisquer que tenham sido as causas da expan so doemprego feminino no funcionalismo pblico, este significa um trabalho regu-lar, formalizado atravs de registro, que g arante trabalhadora, pelo m enos,acesso aos benefcios inseridos na Constituio de 1988 .

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    Enquanto Isto, na regio Sudeste, embora trabalhadoras mais ve-lhas, escolarizadas e com responsabilidades familiares sejam aquelas cujomovimento de ingresso no mercado de trabalho o mais acentuado, dandoseqncia a uma tendncia dos anos 70, so ainda as mais jovens, queocupam na famlia a posio de fi lhas, as que revelam as m ais altas taxas deatividade, em uma economia marcada pelo dinamismo, elevado ndice deindustrializao, predomnio do setor privado e de atividades formais.As diferentes formas de incorporao da atividade feminina nasregies analisadas poderiam ser explicadas no s pelas oportunidades detrabalho disponveis nos me rcados regionais, com o tamb m pelas possibilida-des de a rticulao entre responsabilidades familiares e profissionais presentesnas diversas ocu paes. C omo foi reiterado neste texto, atividades formaliza-das, com horrios regulares e integrais de trabalho, deslocamento casa/trabalho e outras responsabilidades, dificultam o trabalho de mulheres comencargos familiares, sobretudo quando sua escolaridade no elevada. Otrabalho Informal, o domiciliar e o rural, marcados por jornadas irregulares econcomitncia de atividades domsticas e profissionais, ao contrrio, costu-mam facilitar os arranjos necessrios para que as m ulheres possam ter um aatividade econm ica e uma fam lia. Esta um a das hipteses mais provveispara explicar as diferentes formas de incorporao das trabalhadoras nasregies analisadas, mas h outras que poderiam justificar o acentuadoingresso feminino no servio pblico, principalmente o nordestino.Em primeiro lugar, como os estudos de gnero vm afirmando, nosetor pblico da economia os critrios universalistas de seleo e de prom o-o adotados inibiriam prticas discriminatrias, favorecendo a presenafeminina. Por outro lado, o crescimento do emprego pblico durante os anosrecessivos, provocado pela atuao do E stado, sobretudo nas regies m enosdesenvolvidas do pas, gerou a expanso de atividades ligadas ao ensino e sade, reas de insero tradicionalmente fem ininas. p ossvel supor quejornadas irregulares ou parciais de trabalho presentes nessas atividades,mesm o sendo formalizadas atravs de contrato, tenham facilitado o ingressode trabalhadoras mais velhas e com encargos familiares.

    Apesar dos novos espa os conquistados, em q uaisquer das regiesanalisadas, as mulheres continuam concentradas em guetos ocupacionais,tanto no mercado global quanto em seu setor mais organizado, com conse-qncias danosas para os rendimentos recebidos. Por outro lado, como suapresena se torna mais marcante no m eio urbano e nos setores mais forma-lizados da economia, as dificuldades encontradas pelas trabalhadoras paraconciliar atividades domsticas e p rofissionais se tornam mais agudas, embo rao registro em carteira d acesso a alguns benefcios sociais. Apesar dasaparentes facilidades para cuidar da famlia e dos filhos no setor rural ou noInformal da economia, nesses espaos os rendimentos so inferiores e instveise a trabalhadora no tem garantidos os seus direitos.

    Diante desta avaliao do trabalho feminino nos anos 80, quaisseriam as polticas sociais que poderiam contribuir para uma situao mais

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    favorvel s mulheres? A lgumas conq uistas foram o btidas na Constituio de88, que representou um mom ento de expressiva vitria das mulheres. Atenden-do s suas demandas organizadas, a Carta de 88 enfrentou os seguintespontos relativos ao trabalho das mulheres: eliminar m ecanismos que, a ttulode proteg-la, geravam mais discriminao, como a proibio ao trabalhoperigoso, insalubre e noturno; estende r os direitos trabalhistas a categorias detrabalhadoras at ento sem acesso a eles, como as empregadas domsti-cas; considerar a maternidade como uma funo social, ampliando alicena-maternidade, criando a licena-paternidade e estendendo o direito creche ao s fi lhos de trabalhadores de ambo s os sex os; finalmente, conside-rando a discriminao, propo r estratgias para prom over a proteo m ulherno mercado de trabalho.

    Algum as destas conquistas constitucionais, apesar dos protestos desetores empresariais e de tentativas de dificultar o emprego feminino, vmsendo implantadas na prtica cotidiana do trabalho, como a licena-maternidade de 120 dias. Outras, como a proteo no mercado de trabalho,no foram sequer analisadas em profundidade, apesar de alguns projetosencaminhados ao G overno por setores organizados de mulheres,

    As m aiores conquistas, portanto, parecem ter se situado, sobretudo,no plano da ampliao de direitos relativos s responsabilidades familiares.Parecem inegveis, a esse respeito, os benefcios obtidos pelas mulheres pelaexpanso do emprego pblico e de outras atividades formais, atravs dasquais as trabalhadoras podem ter acesso a esses direitos. Por outro lado, o pasvive atualmente um m omento em q ue se questionam os elevados custos dosencargos sociais que incidem sobre o trabalhador brasileiro, inibindo a gera-o de empregos. Neste momento, se, por um lado, preciso lutar para queos direitos conquistados p elas trabalhadoras no sejam eliminados, de outraparte preciso um certo cuidado para no propor polticas sociais compul-srias que gerem outros encargos que venham a onerar sobretudo a mo-de-obra feminina, tornando-a menos atraente para o empregador.De qualquer forma, diante dos dados apresentados sobre o trabalhofeminino e dos marcos tericos de gnero, que revelam que a absoro dasmulheres em atividades econmicas depende no s de fatores econmicos,mas tambm de padres culturais associados constituio e organizaodas famlias, parece evidente que qualquer poltica social que tenha porobjetivo beneficiar as trabalhadoras deveria investir em duas frentes. De umlado, no que diz respeito ao mercado, favorecer a existncia de oportunida-des semelhantes de trabalho para homens e mulheres com iguais credenciais.Nesse caso, toda e qualquer medida utilizada para romper a segregaoocupacional que tem marcado o trabalho feminino poderia contribuir tam-bm para a equiparao salarial entre trabalhadores de um e outro sexo.Propostas nessa direo incluiriam desde um a atuao ao nvel dos estere-tipos e preconceitos que tm encaminhado as mulheres para trabalhosfemininos- como uma p oltica de livros didticos no-sexistas ou uma atuaoao nvel da mdia, estimulando a veiculao de programas que mostrem aANO 2 1982 SEMESTRE/94

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    mulher em novas ocupaes - at o planejamento de medidas que encora-jem as empresas a contratarem mulheres em cargos inovadores ou decomando - como a diminuio de encargos tributrios ou a maior facilidadena obteno de crditos - passando por uma renovao nas polticas decursos e treinamento profissional, em todos os nveis.De outra parte, no que se refere reproduo, as propostas deve-riam considerar vrios planos: no primeiro deles, o da gestao, parto ealeitamento, propor que se garantissem a m anuteno e a implantao, paratodas as ca tegorias de trabalhadoras, dos direitos adquiridos na Cons tituiode 1988. No segundo , considerando que os cuidados com a casa, a famlia eos fi lhos devem ser considerados responsabil idade dos cidados e no s dasmulheres, qualquer proposta deveria buscar facilidades especiais para que ostrabalhadores de ambos os sexos pudessem mais facilmente conciliar suasmltiplas tarefas. Neste caso se incluiriam a implantao de creches de boaqualidade e em nm ero suficiente - dispositivo tambm presente na C onstitui-o de 1988 -, a adoo de uma poltica educacional que favorecesseperodos escolares mais extensos e, finalmente, uma criteriosa reviso nalegislao trabalhista vigente no pas, que p erm itisse a abertura de oportuni-dades d e trabalho em regime de jornadas parciais ou f lexveis, para hom ense mulheres.Nenhum a destas propostas, no entanto, poder ser realmente eficazse, em primeiro lugar, as prprias trabalhadoras no se organizarem, lutandopara que a s questes especficas sobre o trabalho feminino sejam considera-das legtima s e passe m a ser enfrentadas pelos sindicatos e outras organiza-es de trabalhadores e de m ulheres. E, finalmente, se no se buscar, atravsde todos os meios, uma profunda transformao de valores e atitudes, quereformule a diviso sexual de papis na famlia, levando os homens a partilharcom suas companheiras tanto as responsabilidades profissionais quanto asdom sticas e fam iliares.

    ESTUDOS FEMINISTAS199E./94

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    represents the feminist movement'sdemand for an appropriated forum1 .0~,f struggle aga inst sexual discriminationU)nd gender stereotypes.( C Devista estudos feministasis published twice yearly andwelcomes contributions (articles,reviews, essays, and debates). Our' agenda sec t i on a lsowe lcom es newsre la ted to g end er i ssues . The journa lincludes a t leas t two ar t ic les per issuet ran s la ted in to Eng l i sh and a bs t rac tsIn Engl ish and F rench..15C D~E revista estudos feministasIs a un ique Braz i lian m ul t id isc ip linaryacademia journal of genderstudies emphasizing a transculturalapproach to the feminist debate. =UI revista estudos feministas02) s a c ol lect ive project of sc holars fromdifferent academia backgrounds.It aims to legitimate academiar esea rch on gende r .Orevista estudos feministas' N d . . . .. J ..,. ,,ittN

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