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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BIANCA CAROSELLI O TRABALHO COM A ESCRITA EM UMA CLASSE DE ALFABETIZAÇÃO Vitória 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

BIANCA CAROSELLI

O TRABALHO COM A ESCRITA EM UMA CLASSE DE ALFABETIZAÇÃO

Vitória 2006

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Bianca, Caroselli, 1977- C293t O trabalho com a escrita em uma classe de alfabetização / Bianca

Caroselli. – 2006. 146 f. : il. Orientadora: Cláudia Maria Mendes Gontijo. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação. 1. Crianças - Escrita. 2. Textos infantis. 3. Alfabetização. I. Gontijo,

Cláudia Maria Mendes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

BIANCA CAROSELLI

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O TRABALHO COM A ESCRITA EM UMA CLASSE DE ALFABETIZAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagem. Orientadora: Profª. Dra. .Cláudia Maria Mendes Gontijo.

Vitória 2006

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BIANCA CAROSELLI

O TRABALHO COM A ESCRITA EM UMA CLASSE DE ALFABETIZAÇÃO

Dissertação apresentada ao Mestrado em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação.

Aprovada em 17 de novembro de 2006.

___________________________________________________ Professora Doutora Cláudia Maria Mendes Gontijo

Universidade Federal do Espírito Santo

___________________________________________________ Professora Doutora Cleonara Maria Schwartz

Universidade Federal do Espírito Santo

___________________________________________________ Professora Doutora Marisa Bittar

Universidade Federal de São Carlos

Vitória 2006

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AGRADECIMENTOS

O meu primeiro agradecimento é a Deus e a meus pais (Marilena Rosa Marques e

Marcello Caroselli) por me terem gerado e possibilitado a minha existência. De modo

muito especial, agradeço a meus avós maternos, Balduíno Antunes Marques (in

memoriam) e Maria Izabel Rosa Marques, que me criaram e incentivaram a todo

momento os meus estudos desde a pré-escola. Tudo que sou hoje foi construído

pela vontade dessas duas pessoas tão especiais para mim, que cursaram apenas o

ensino primário por falta de condições na sua época. Desse modo, sonharam e

acreditaram que eu, nos tempos modernos, estudaria, o que não foi possível para

eles, aproximadamente há 70 anos.

Hoje me sinto feliz e realizada por continuar estudando e, principalmente, por ser

professora e poder ensinar às crianças aquilo que meus avós e meus pais sempre

apoiaram em mim. Por isso, o Mestrado em Educação, além de um sonho que foi e

é sonhado junto até hoje com minha querida avó Izabel e outras tantas pessoas, é

também instrumento de pesquisa e formação para que eu possa realizar o sonho de

muitas outras crianças que acreditam na Educação e em nosso sistema público de

Ensino.

Agradeço, dessa forma, a todos os educadores que passaram pela minha vida. De

modo especial, a professora que me ensinou o be-a-bá, cuja a imagem e nome

ainda me são nítidos: tia Consuelo, com seus longos cachos castanhos, olhos

verdes e quase dois metros de altura. Sempre que pude a visitei na pré-escola onde

estudei até há alguns anos, em São Paulo. De modo mais especial, ainda, agradeço

à minha orientadora, professora Dra. Cláudia Maria Mendes Gontijo. Hoje, é a

educadora que tanto admiro, por seu exemplo de dedicação ao trabalho e pela sua

competência, abraçando comigo mais este sonho educacional de pesquisar sobre a

alfabetização infantil, ajudando-me a trilhar este caminho às vezes tortuoso de

produzir uma pesquisa científica. Agradeço à minha querida professora e

orientadora de Mestrado que me ensinou a pesquisar e a escrever uma produção

científica acadêmica.Foi minha amiga nos momentos difíceis desta produção e não

deixou de acreditar no meu trabalho. Muitíssimo obrigada.

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Às professoras Drªs Edivanda Mugrabi de Oliveira e Cleonara Maria Schwartz, pelas

ponderações e valiosas sugestões, quando compuseram a banca do Exame de

Qualificação.

Às professoras Drªs Mrarisa Bittar e Cleonara Maria Schwartz, por terem aceitado o

convite para participar da banca Examinadora.

Aos professores das disciplinas cursadas no Programa de Pós-Graduação em

Educação, que conduziram minha formação.

Aos colegas, grandes parceiros no processo de aprendizagem.

Às minhas amigas Tânia Tessinari Miranda, Lucyenne Mattos da Costa e Zínia

Fraga Intra, por partilharem comigo suas experiências, por se alegrarem com minhas

conquistas e por não me deixarem desanimar nos momentos que considerei difíceis.

Obrigada por me ajudarem em minhas crises existenciais. Obrigada pelos momentos

felizes e pelas lágrimas deixadas nesse nosso percurso acadêmico.

Às minhas irmãs, Juliana Rosa do Pará Marques de Oliveira e Jaiana Rosa do Pará

Marques de Oliveira, que vibraram, com a minha vontade e potencial de ser

educadora e, ao mesmo tempo, stgmatizando ao afirmar que apenas eu sou

pedagoga como a nossa querida mamãe. Obrigada pelo amor e pelo afeto. Sei

que, mesmo longe, vocês estão comigo em pensamento.

Aos meus amados pais, Marilena Rosa Marques e Marcello Caroselli, pessoas que

admiro pela dignidade e pela bondade. Obrigada pelo amor incondicional que tanto

me fortalece.

A todos que participaram desta pesquisa. Em especial, agradeço às crianças, à

professora e à escola que me acolheu de braços abertos e tanto contribuiu para a

realização deste trabalho.

Deixo para agradecer por último às pessoas que viveram comigo todas as fases

desta dissertação: Rogério Agripino (meu marido) e Maria Izabel (minha avó).

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Souberam entender, suportar e resolver tudo que sobre eles recaiu, ou seja, os

piores momentos deste trabalho – minhas ausências, meu nervosismo, minhas

inseguranças, minhas angústias – sem cobranças. A vocês, que são meus alicerces,

muito obrigada.

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A linguagem escrita, como objetivação do gênero humano, é exterior ao homem. Assim, para que as crianças se objetivem nesse conhecimento, é necessário que se apropriem da sua significação. Em outras palavras, que se apropriem da prática social humana que está cristalizada nesse conhecimento.

Cláudia Maria Mendes Gontijo

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RESUMO

O trabalho investiga como se processa o ensino da língua escrita, com uma

pesquisa voltada para a análise das condições da produção de textos em uma

classe de crianças de seis anos. A metodologia que orienta a coleta de dados se

configura em um estudo de caso de caráter qualitativo. Realiza as análises dos

textos selecionados, durante a fase de coleta de dados, buscando compreender os

seus sentidos e as condições em que foram produzidos tomando como referência as

idéias de Geraldi (2003) e de outros autores. Observa que, na sala investigada, as

condições não eram favoráveis ao trabalho de produção de textos, pois, para

produzi-los, é necessário que o locutor assuma uma relação interlocutiva em relação

a um destinatário. A possibilidade de interlocução diferencia as práticas artificiais de

escrita para a escola da prática viva de produção de textos. Além dos interlocutores,

é fundamental que a criança tenha o que dizer, que se esclareçam os objetivos da

produção e que se constituam razões para o dizer. Somente dessa forma o trabalho

de escrita passa a ter sentido para as crianças na escola. Analisa, ainda, as

estratégias construídas pelas crianças para responder às tarefas propostas. Conclui

que, em muitos casos, as crianças tinham o que dizer, mas as condições

instauradas dificultaram a concretização dos textos.

Palavras - chave: Língua escrita. Texto. Produção de texto.

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ABSTRACT

The work investigates how to process the teaching of a written language, with a

research based on the analysis of the conditions of text production in a six-year-old

children classroom. The methodology used for data collection orientation is

configured in a study case of qualitative character. It analyses the selected texts,

during the phase of data collection, searching for the understanding of their

meanings and conditions in which they were produced, having as reference the

Geraldi (2003) and others author’s ideas. It is observed in the classroom which was

being investigated, that the conditions were not favorable to the work of text

production, because, in order to have them produced, it is necessary that the sender

assumes a communicative relation with the receiver. The possibility of interlocution

distinguishes the writing artificial practices for the school from the live practice of text

production. Besides the interlocutors, it is fundamental for the children to have

something to say, to make the production goals clear and the reason for the saying

are constituted. That is the only way the writing work becomes meaningful for the

children at school. It is also analyzed the strategies formed by the children to answer

the proposed tasks. In conclusion, in many cases the children had something to say,

but the instituted conditions made difficult the concretization of texts.

Keywords: Written language. Text. Text production.

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LISTA DE SIGLAS

• PCN – Parâmetro Curricular Nacional

• RCNEI – Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil

• PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

• LDB – Lei de Diretrizes e Bases

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LISTA DE IMAGENS

FOTOGRAFIA 1 – Escrita de De. ..........................................................................67

FOTOGRAFIA 2 – Escrita de Ga. ..........................................................................68

FOTOGRAFIA 3 – Escrita de Ga. ..........................................................................70

FOTOGRAFIA 4 – Escrita de Am. ..........................................................................71

FOTOGRAFIA 5 – Escrita de H. .............................................................................72

FOTOGRAFIA 6 – Texto de P. ..............................................................................76

FOTOGRAFIA 7 – Texto de An .............................................................................84

FOTOGRAFIA 8 – Texto de Mt. .............................................................................86

FOTOGRAFIA 9 – Texto de Jv. ..............................................................................88

FOTOGRAFIA 10 – Texto de Ko. ...........................................................................90

FOTOGRAFIA 11 – Texto de Am. ..........................................................................92

FOTOGRAFIA 12 – Texto de Ga. ..........................................................................93

FOTOGRAFIA 13 – Texto de Jv. ............................................................................95

FOTOGRAFIA 14 – Texto de H. ............................................................................98

FOTOGRAFIA 15 – Texto de De. .........................................................................100

FOTOGRAFIA 16 – Texto de Ma. .........................................................................102

FOTOGRAFIA 17 – Texto de P. ...........................................................................103

FOTOGRAFIA 18 – Texto de H. ...........................................................................106

FOTOGRAFIA 19 – Texto de P. ...........................................................................108

FOTOGRAFIA 20 – Texto de Jv. ..........................................................................110

FOTOGRAFIA 21 – Texto de Da. .........................................................................114

FOTOGRAFIA 22 – Texto de Ma. .........................................................................115

FOTOGRAFIA 23 – Texto de Am. .........................................................................117

FOTOGRAFIA 24 – Texto de Al. ...........................................................................120

FOTOGRAFIA 25 – Texto de Jv. ...........................................................................122

FOTOGRAFIA 26 – Texto de Ma. .........................................................................123

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO ................. 15

1.1 A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA...........................................................16

1.2 ESTUDOS DESENVOLVIDOS SOB A ORIENTAÇÃO CONSTRUTIVISTA.......26

1.3 ESTUDOS NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL...................................37

1.4 TENTATIVA DE INTERLOCUÇÃO ENTRE DIFERENTES ABORDAGENS.......41

2 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E ALFABETIZAÇÃO ...................................46 2.1 PRODUÇÃO DE TEXTO......................................................................................53 3 PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO........................................................... 56

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA METODOLOGIA...........................................................56

3.2 A ESCOLA E A SALA DE AULA .........................................................................59

3.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA............................................................................60

4 O TRABALHO COM AESCRITA NA SALA DE AULA ........................................64

4.1 ESCRITA DE PALAVRAS E DE SENTENÇAS A PARTIR DE GRAVURAS.......66

4.2 REESCRITA DE TEXTO DE MEMÓRIA..............................................................75

4.3 PRODUÇÃO DE TEXTO A PARTIR DE UMA PALAVRA- CHAVE.....................81

4.4 PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE IMAGENS EM QUADRINHOS..........91

4.5 PRODUÇÃO DE TEXTO A PARTIR DE UMA IMAGEM.....................................96

4.6 PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITO A PARTIR DE DESENHOS

ELABORADOS PELAS PRÓPRIAS CRIANÇAS.....................................................105

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................125 6 REFERÊNCIAS.....................................................................................................129 ANEXOS...................................................................................................................135 ANEXO A – CARACTERIZAÇÃO DA INTITUIÇÃO EDUCATIVA...........................136

ANEXO B – FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO..........................................................138

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ANEXO C – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA........................ 139

ANEXO D – CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS................................................143

ANEXO E – TABELAS DA ENTREVISTA COM AS CRIANÇAS ............................145

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado da investigação que realizamos, como professora de

Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino da Prefeitura de Vitória, quando

levantamos algumas questões que nos “perturbam” ao longo de nossa trajetória

docente e acadêmica. Desse modo, a formação em Pedagogia na Universidade

Federal do Espírito Santo nos fez olhar para nossa prática de forma diferente e

tentar realizar um diálogo mais próximo, como pesquisadora, entre teoria e prática,

diante do nosso campo de atuação na Educação Infantil, fazendo um recorte na

aprendizagem da linguagem escrita.

Este trabalho tem como objetivo analisar os textos produzidos pelas crianças em

uma classe de alfabetização, tendo em vista as condições em que foram produzidos.

No Capítulo I, apresentamos a contextualização do nosso objeto de pesquisa diante

das produções acadêmicas que também dissertaram sobre o processo de

aprendizagem da linguagem escrita pela criança. No Capítulo II, destacamos os

conceitos de infância, Educação Infantil, alfabetização e produção de textos que

orientaram o estudo e as análises. No Capítulo III, indicamos a metodologia que

norteou o processo de pesquisa e a coleta de dados. Também é feita a

caracterização das crianças, da professora, da escola e da sala de aula. No

Capítulo IV, realizamos as análises dos textos selecionados na pesquisa, buscando

compreender os seus sentidos e as condições em que foram produzidos, tomando

como referência as idéias de Geraldi (2003). No Capítulo V, propomos algumas

considerações que consideramos pertinentes, a partir dos resultados da pesquisa.

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1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO

Na pesquisa bibliográfica realizada por Soares (1991, p. 18), “[...] com o objetivo de

mostrar o estado do conhecimento referente à alfabetização e as tendências teórico-

metodológicas que nortearam o conhecimento produzido [...]”, no período de 1954 a

1986, foram identificados “[...] temas como proposta didática, prontidão, dificuldades

de aprendizagem, concepção de alfabetização e conceituação da língua escrita pela

criança” (GONTIJO, 1996, p. 27).

Ainda segundo Gontijo (1996), a partir da análise dos estudos desenvolvidos por

Soares (1991), especialmente a partir da década de 1980, pode-se “[...] observar

que as pesquisas sobre alfabetização referentes à temática aprendizagem da leitura

e da escrita anunciam a hegemonia da corrente piagetiana como base teórica para

tais estudos” (p.32). De acordo com a autora, esses textos começaram a ser

produzidos na década de 1980, porque foi a partir dessa época que ocorreu uma

divulgação mais intensa da teoria de Ferreiro e Teberosky (1991) sobre a

psicogênese da língua escrita.

Dessa forma, a hegemonia da base epistemológica piagetiana, como orientadora

dos estudos sobre a conceitualização da língua escrita, deve-se ao fato de as teorias

construtivistas terem tido penetração no meio educacional brasileiro, pelos estudos

de Ferreiro e Teberosky (1991). Essas autoras analisaram os métodos tradicionais

de ensino (sintético e analítico) e, com base na teoria de Piaget e em estudos da

psicolingüística moderna, acreditam que

[...] os estímulos não atuam diretamente sobre os sujeitos, mas sim são transformados pelo sistema de assimilação do sujeito (seus ‘esquemas de assimilação’): neste ato de transformação o sujeito interpreta o estímulo (o objeto, em termos gerais), e é somente em conseqüência dessa interpretação que a conduta do sujeito se faz compreensível (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 27).

Desse modo, segundo as autoras, “[...] a teoria de Piaget nos permite [...] introduzir a

escrita enquanto objeto de conhecimento, e o sujeito da aprendizagem, enquanto

sujeito cognoscente” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 28). O trabalho de

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Ferreiro e Teberosky (1991), por sua vez, possibilitou a compreensão de aspectos

relativos à gênese da escrita que, anteriormente, não eram visíveis, propiciando, por

exemplo, entender as hipóteses construídas pelas crianças ao buscar compreender

as relações entre o oral e o escrito.

Tendo em vista a relevância dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1991) como

orientadores de várias pesquisas que se desenvolveram no Brasil, a partir da

década de 1980, discutiremos, primeiramente, neste capítulo, o estudo dessas

autoras. Em seguida, analisaremos e descreveremos alguns estudos desenvolvidos

no Brasil e em outros países que foram conduzidos tomando como referência a

abordagem teórico-metodológica que orientou esse trabalho e a sua concepção de

escrita. Por fim, discutiremos o estudo de Luria sobre o desenvolvimento da escrita e

estudos que foram desenvolvidos, no contexto da Educação Infantil, tomando como

referência o trabalho desse autor.

1.1 A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Destacaremos, como dito, a pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1991) que se tornou

referência para o desenvolvimento de vários estudos na área da alfabetização.

Focaremos aspectos desse estudo voltados para o desenvolvimento da escrita em

crianças matriculadas em Instituições de Educação Infantil. Assim, descreveremos,

de acordo com essas autoras, as características formais que devem possuir um

texto para permitir um ato de leitura: a relação entre números e letras e o

reconhecimento de letras individuais, a distinção entre letras e sinais de pontuação,

a orientação espacial da leitura, o processo de evolução de escrita pela criança e

também como as crianças efetuam a leitura de textos com e sem imagens.

Essas autoras, no livro intitulado Psicogênese da língua escrita, realizaram uma

análise psicogenética da apropriação da leitura e escrita, colocando em confronto as

idéias dos sujeitos (crianças) sobre o objeto de conhecimento (escrita).

Estabeleceram, dessa forma, níveis de escrita pelos quais as crianças passam ao

longo do seu desenvolvimento. A partir da base teórica piagetiana, colocaram em

primeiro plano a construção de estruturas cognitivas endógenas mobilizadas por

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requisitos lógicos de compatibilidade e desenvolvimento, segundo o modelo de

equilíbrio, imanente do próprio organismo na relação com o meio.

Ferreiro e Teberosky (1991) investigaram as características que um texto escrito

deve possuir para permitir um ato de leitura. Para isso, realizaram alguns

experimentos com as crianças, como a apresentação de cartões com poucas ou

muitas letras escritas em imprensa e cursiva (até 9) e também números. As crianças

deveriam definir, numa quantidade (15 a 20 cartões), quais serviam para a leitura,

estabelecendo dois critérios primordiais para a observação: que exista uma

quantidade suficiente de letras, e que haja variedade de caracteres. A orientação

dada às crianças, nas situações experimentais, era: “Olhe bem nesses cartões e

diga-me se te parece que todos servem para ler, ou se há alguns que servem para

ler e outros que não servem para ler” (FERREIRO; TEBEROSK, 1999, p. 44). De 63

crianças participantes do experimento, apenas nove não conseguiram ordenar os

cartões. A maioria das crianças de quatro, cinco e seis anos realizou o ordenamento

coerente dos cartões, ou seja, considerou que escritas compostas com três ou mais

caracteres podem ser lidas e aquelas compostas com menos de três letras não

podem ser lidas. Assim, as autoras concluíram que as crianças consideram que uma

escrita é legível se possui quantidade mínima de letras.

O critério dado para as crianças foi formar um “[...] grupo com cartões que

apresentam poucos caracteres (independentemente, em muitos casos, que sejam

letras ou números) porque, na opinião dessas crianças, com poucas letras não se

pode ler” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 44). Para a maioria dessas crianças,

uma escrita com três caracteres já era suficiente para a realização da leitura. Para

as crianças, o que importava é que a legibilidade de um texto aparecesse associada

à quantidade, ou seja, não importa que sejam “letras”, “números”, “palavras” ou

“coisas”.

Para pesquisar na produção das crianças a questão da variedade de caracteres, as

autoras apresentaram cartões com escritas de pseudopalavras contendo os mesmos

caracteres (MMMMMM, AAAAAA) e escritas com letras diferentes (MANTECA). Em

seguida, perguntavam às crianças se “serve pra ler”. As letras A e M foram

utilizadas por serem bem identificadas pelas crianças. Elas perceberam que as

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letras iguais não servem para ler. As crianças rejeitaram os cartões com letras

repetidas. Segundo as autoras, “O critério de variedade de caracteres pode se

originar de uma longa prática com textos efetivos, onde a norma é uma variedade de

caracteres, porém os limites dessa exigência são especificamente infantis”

(FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 60).

Para a análise da relação entre números e letras, as autoras verificaram que as

crianças, primeiramente, não diferenciavam esses dois sistemas. Após um

determinado momento, percebem que letras servem para escrever e números para

contar. Segundo as autoras, o problema real que é colocado para a criança na

escola é que se pede para ler o número, mas ele é diferente do sistema alfabético

de escrita. As crianças menores de quatro anos não percebem que, no texto, há

números, já as maiores sim, e que estes servem para a leitura. Algumas crianças

nas entrevistas chamaram de letras apenas as do seu nome e de número todas as

restantes. Mesmo o número que não diferenciava a grafia a criança chamava de

letra, e vice e versa. Assim, todas as crianças, em seu processo inicial de construção

da escrita, apresentavam uma certa dificuldade inicial de representar e distinguir

letras de números até que fosse construído esse conhecimento.

Com relação à distinção letras, números e sinais de pontuação e à orientação da

escrita, as autoras argumentaram:

Abordando a distinção números/letras/sinais de pontuação, e o reconhecimento da orientação convencional da leitura, estamos, pelo contrário, no terreno dos conhecimentos socialmente transmitidos, e altamente convencionais. Que as crianças difiram sensivelmente com respeito a eles é previsível, porque sua aquisição requer condições sociais específicas (objetos e informantes à disposição) (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 61).

Sobre a orientação espacial de leitura, as autoras concluíram, portanto, que é algo

que se aprende pelas crianças por meio da informação que é transmitida ou mesmo

pelo exemplo de leitura de um adulto. Mesmo assim, observaram grupos de crianças

que não conservavam a orientação de leitura (da esquerda para direita, de cima

para baixo), como era o caso das crianças de quatro anos. Já as crianças de seis

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anos conheciam as orientações de leitura e aplicavam-nas corretamente, em sua

maioria. “É óbvio que esta diferença marcante aos 6 anos entre ambos os grupos

evidencia, uma vez mais, uma larga experiência com leitores de textos” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1991, p. 59).

Quanto à distinção de letras e sinais de pontuação que acompanham as letras e

palavras, dando entonação à frase a ser pronunciada, ou mesmo colocando-a em

destaque, como no caso de “aspas”, as autoras observaram:

No começo de nossa investigação, não suspeitávamos que as crianças em idade pré-escolar estivessem capacitadas para distinguir letras e sinais de pontuação. Mas no curso do trabalho quando constatamos a enorme bagagem de conhecimentos específicos com os quais as crianças de 6 anos de CM abordam o primeiro ano escolar, decidimos realizar uma exploração sobre o tema (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 56).

Desse modo, de acordo com as autoras, as crianças no início não percebiam

diferenciação entre sinais de pontuação e letras; a dificuldade maior era para os

sinais que são compostos por pontos, como dois pontos, reticências. Os sinais mais

fáceis de serem assimilados pelas crianças são os que se assemelham a letras ou

números, como Z ao 2, ou 5, ou ao S. Elas percebiam que esses sinais

acompanham as letras e, aos poucos, passaram a diferenciá-los como “sinais” ou

“marcas”. De acordo com os resultados da pesquisa, algumas crianças eram

capazes de diferenciar os sinais de pontuação e outras não. Para as crianças, os

sinais de pontuação, como o “ponto, dois pontos, hífens e reticências”, possuem um

certo nível de diferenciação limitado, e os sinais compostos apenas de pontos em

linha reta dizem ser “pontinhos” ou “risquinhos”, “[...] mas na sua maioria os sinais de

pontuação continuam sendo assimilados a letras ou números” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1999, p. 62).

Fica claro para as autoras que as crianças de seis anos de CM, no início da

instrução escolar, já diferenciam as letras dos sinais de pontuação e que estes, por

sua vez, exercem uma função diferente, mesmo que não saibam bem quais. Já “[...]

em CB, algumas são incapazes de diferenciar graficamente letras de sinais de

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pontuação, e nenhuma chega dar aos últimos uma denominação específica, nem a

fazer suposições acerca da sua função” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 63).

Diante de tal resultado, as autoras concluíram:

Uma vez mais, a bagagem de conhecimentos específicos de ambos os grupos difere: as de CM testemunham uma longa e prévia prática com textos e informantes, dos quais os de CB não puderam beneficiar-se. O ensino escolar não será, em conseqüência o mesmo para uns e para outros (ainda que siga o mesmo texto escolar e o mesmo método) (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 63).

Ferreiro e Teberosky (1991, p. 63) discutiram ainda a questão da “leitura com

imagem”. A situação experimental para a coleta dos dados para análise dessa

questão consistiu “[...] em pedir que a criança ‘leia’ um texto escrito acompanhado

de imagens gráficas”. O objetivo dessa proposta foi “[...] compreender as relações,

as interpretações que a criança elabora a respeito da relação entre imagem e texto

escrito” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 63).

Foram apresentadas às crianças imagens-texto e solicitado que lessem. As

entrevistadoras fizeram perguntas “Tem algo para ler? E o que diz?”. Com base nas

respostas das crianças, Ferreiro e Teberosky concluíram que consideram o texto

uma etiqueta do desenho e na leitura suprimem os artigos. “Das 60 crianças de 4 a

6 anos entrevistadas nessa situação, 46 delas (ou seja 76%, tanto da classe média

como de classe baixa) oferecem esse tipo de respostas: o texto representa o nome

do objeto total presente no desenho” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 68). As

crianças negavam a oração e ficavam somente com os nomes que estavam escritos.

Com a evolução do desenvolvimento da escrita, passaram a perceber que existem

outras representações da escrita no comprimento do texto apresentado, além das

letras que foram utilizadas para a escrita que se diferenciava de outras escritas.

Nesse sentido, a imagem passava a dar lugar à busca efetiva do texto e suas

propriedades. Para todas as crianças, é possível começar lendo a imagem e

prosseguir com a leitura no texto. Texto e imagem formam uma unidade. Para a

criança, o texto serve para ler o que o desenho representa.

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Torna-se claro que o texto se prediz a partir da imagem. A predição orienta-se no sentido de uma certa relação entre símbolo escrito e objeto desenhado. Destes exemplos, vamos reter dois aspectos, que nos parecem mais importantes. Por um lado, para todos esses sujeitos, é possível ler tanto no desenho como no texto. E, por outro lado, a maioria começa denominando o objeto desenhado, mas também aceita a oração (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 75).

A partir dos avanços no desenvolvimento da leitura e escrita, “[...] a oração é

atribuída a todo o texto, com total independência das propriedades deste”

(FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 77). A criança realizava uma correspondência

entre emissão, imagem e texto. Depois passava a questionar as propriedades

gráficas do texto comparadas com os elementos que estavam na imagem,

indagando o que está escrito e o que se pode ler. Posteriormente, passava à busca

pela correspondência termo a termo, entre fragmentos gráficos e segmentações

sonoras. “Somente três crianças, dentro do total da amostragem (uma de 5 e duas

de 6 anos), chegam a uma leitura correta, quando se trata de caracteres em

imprensa maiúscula” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 94).

Ferreiro e Teberosky (1991) apresentaram as possibilidades de as crianças

trabalharem com o texto escrito sem imagem e realizarem sua leitura a partir dos

seus fragmentos. Para esse trabalho, as crianças precisam ter clareza dos espaços

que separam as palavras em um texto. Então, escrevia-se uma oração na frente da

criança e, em seguida, lia-se com entonação passando o dedo sobre as palavras.

As crianças, no processo de leitura, de acordo com os dados experimentais das

autoras, passaram por uma progressão da seguinte forma: “[...] somente os

substantivos estão representados, depois somente os substantivos e o verbo estão

representados e, por último, os artigos também estão representados” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1991, p. 109). Esse é um processo gradativo de descoberta dos

fragmentos da oração, no qual a criança vai correspondendo os fragmentos do texto

com os fragmentos da emissão e vai percebendo o substantivo, o verbo e o

predicado.

Sendo a articulação entre escrita como representação dos referentes e a escrita como representação das palavras do enunciado, ou a passagem própria com suas características

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específicas pelas relações lógicas como ponte entre o referencial e o fonológico, é certo que o nível que acabamos de analisar abre as portas a uma nova suposição de que: o que escrevemos são as palavras que pronunciamos, na sua ordem de emissão. Entretanto, esta suposição não resolve todos os problemas senão supera alguns, fazendo surgir, de imediato, outros novos. O problema principal que resolve é o da escrita do verbo como fragmento independente (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 154).

Além dos aspectos descritos, é importante destacar as investigações de Ferreiro e

Teberosky (1991) sobre a evolução da escrita nas crianças, especificamente, os

níveis para estabelecidos para esse processo evolutivo. Tomaremos para descrição

dos níveis as investigações relatadas no livro Psicogênese da língua escrita

(FERREIRO; TEBEROSKY, 1991) e no artigo intitulado Desenvolvimento da

alfabetização: psicogênese, no livro Como as crianças constroem a leitura e a

escrita, organizado por Yetta M. Goodman (1995).

No nível 1, segundo as autoras, “[...] escrever é reproduzir os traços típicos da

escrita que a criança identifica como forma básica de escrita” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1991, p. 183). As crianças utilizavam grafismo de imprensa, retas e

curvas combinadas entre si e acreditavam que a escrita representa o tamanho do

objeto a ser representado. As crianças nesse nível passam a diferenciar a escrita do

desenho e reconhecem duas características básicas de qualquer sistema de escrita:

“[...] o conjunto de formas é arbitrário (pois as letras não reproduzem a forma dos

objetos) e elas são organizadas de maneira linear (ao contrário do desenho)”

(FERREIRO, 1995, p. 25). A criança descobre que o texto escrito representa um

objeto, dessa forma ela se depara com um outro problema, que é definir qual escrita

serve para determinado objeto e quantas letras usar para a sua escrita, que é o

“princípio da quantidade mínima”, ou seja, no mínimo três, para que algo possa ser

lido. As crianças também se apóiam num “princípio qualitativo” em que as letras

devem ser diferentes para se ter a representação de uma palavra. Mesmo com

esses dois princípios formados, elas ainda não conseguem nesse nível “[...] analisar

um conjunto de cadeias escritas para descobrir os critérios que permitem

representar diferenças de significado” (FERREIRO, 1995, p. 26).

No nível 2, as crianças consideram que “[...] para poder ler coisas diferentes (isto é,

atribuir significados diferentes) deve haver uma diferença objetiva nas escritas”

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(FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p.189). Elas possuem, nessa etapa, um grafismo

mais definido e mais próximo das letras, com a hipótese de variedade nos grafismos,

mas em algumas crianças isso ainda é limitado.

As crianças nesse nível começam a pensar, então, sobre o problema de que duas

cadeias idênticas de letras não podem “dizer” nomes diferentes. Para solucionar

esse problema, começam a trabalhar considerando princípios quantitativos e

qualitativos para definir a legibilidade do escrito. Nesse momento, pensam em várias

hipóteses: “[...] talvez as variações no número de letras estejam ligadas a variações

nos aspectos quantificáveis dos objetos implicados (mais letras se o objeto for

grande; menos letras se for pequeno)” (FERREIRO, 1995, p. 28). E também nos

aspectos qualitativos a criança realiza diferenciações nos escritos buscando “[...]

utilizar letras diferentes para palavras diferentes (sem necessariamente alterar a

quantidade de letras)” (FERREIRO, 1995, p. 27). Segundo Ferreiro, uma outra

estratégia utilizada pela criança é a alterar a ordem de posição das letras, já que ela

possui um estoque limitado de formas gráficas de letras (FERREIRO, 1995). A

autora enfatiza ainda que esses mecanismos de diferenciação são anteriores ao

conhecimento das relações entre letras e sons da fala.

Enfatizemos que todos esses esforços das crianças para criarem modos de diferenciação gráfica que representem palavras diferentes antecedem qualquer conhecimento da relação entre o padrão sonoro da palavra e sua representação escrita (FERREIRO, 1995, p. 29).

O nível 3 se caracteriza “[...] pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das

letras que compõem a escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 193). Nesse

sentido, Ferreiro (1995) se refere a esse nível como o da fonetização da escrita.

Assim, ao compreenderem que a escrita representa a fala, as crianças constroem

três hipóteses bem diferenciadas: silábica, silábica alfabética, alfabética. Essas

hipóteses evidenciam como elas pensam que a escrita representa a fala. Na

hipótese silábica, conforme Ferreiro (1995), as crianças chegam a uma solução para

problemas colocados no nível anterior. Nesse sentido,

O grande valor desse subnível reside no fato de que, pela primeira vez, as crianças chegam a uma solução satisfatória para um dos

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maiores problemas enfrentados no nível anterior – achar um controle objetivo das variações na quantidade de letras necessárias para escrever qualquer palavra que desejem escrever (FERREIRO, 1995, p. 30).

Dessa forma, as crianças passam a usar sempre uma letra para representar as

sílabas o que não implica ausência de conflitos, pois ela se depara com situações de

escrita em que deverá escolher entre os princípios estabelecidos no nível anterior na

escrita de palavras ou seguir a hipótese de uma letra para cada sílaba. Contudo,

para Ferreiro (1995), esses conflitos são necessários ao processo de aprendizagem

e produzem avanços no desenvolvimento da escrita na criança.

Na hipótese silábico-alfabética, as crianças começam a entender que a

representação escrita ligada à escrita alfabética deve enfocar o padrão sonoro das

palavras. Por isso, do ponto de vista qualitativo, as crianças começam “[...] a

procurar letras semelhantes para escrever ‘sons’ semelhantes das palavras”

(FERREIRO, 1995, p. 30). Apesar de algumas letras ainda passarem por sílabas,

enquanto outras representam unidades sonora menores (fonemas), as crianças

estão buscando soluções para o seu processo de construção da escrita.

Sob o ângulo cognitivo, a hipótese silábica representa a primeira tentativa para lidar com um problema geral e muito importante – a relação entre o todo (uma cadeia escrita) e as partes constitutivas (as próprias letras). As partes ordenadas da palavra oral – suas sílabas – são postas numa correspondência, termo a termo, com as partes ordenadas da cadeia escrita – suas letras (FERREIRO, 1995, p. 31-32).

Finalmente, a hipótese alfabética sugere que as crianças já entenderam a natureza

do sistema alfabético, ou seja, compreendem que as letras representam os fonemas

da língua oral, “[...] mas ainda não podem lidar com todos traços ortográficos

próprios da linguagem (tais como: marcas de pontuação, espaços em branco,

representação poligráfica de fonemas, letras maiúsculas e minúsculas)”

(FERREIRO, 1995, p. 32). As crianças que construíram essa hipótese passaram a

entender que a similaridade de som implica uma similaridade de letras, bem como

uma diferença no som implica letras diferentes. Com a evolução do conhecimento,

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elas irão, com o tempo, solucionando os problemas ortográficos da linguagem

escrita.

É importante destacar que as autoras não diferenciaram o processo de evolução da

escrita nas crianças que freqüentavam as Instituições de Educação Infantil dos que

foram observados em crianças matriculadas em instituições responsáveis pela etapa

de escolarização correspondente ao Ensino Fundamental no Brasil. Essa evidência

sugere que Ferreiro não estava preocupada com os contextos em que ocorrem as

produções escritas das crianças; apenas analisa os dados que são coletados com a

finalidade de compreender como as crianças elaboram as relações entre o oral e o

escrito. Ela estuda as produções das crianças, “[...] isto é, a escrita mas nosso maior

interesse não é a escrita como tal. Da mesma maneira, estudamos atividades de

interpretação em crianças (isto é, a leitura), mas nosso maior interesse não é não é

a leitura como tal” (FERREIRO, 1995, p. 23). Diante disso, nos diz que “[...] o

objetivo fundamental de nossos estudos tem sido o entendimento da evolução dos

sistemas de idéias construídos pelas crianças sobre a natureza do objeto social que

o sistema de escrita é” (FERREIRO, 1995, p. 23). Contudo, consideramos que, para

obter resultados condizentes com esse objetivo, é preciso analisar o contexto de

produção e outras dimensões que integram o processo de alfabetização de crianças.

Terzi (1995) argumentou que os estudos de Ferreiro e Teberosky (1991) possuem

limitações, pois, apesar de compararem o desenvolvimento da escrita de crianças de

classe média com o de crianças pobres (classe baixa), as autora não investigam “[...]

a orientação de letramento das comunidades a que pertencem as crianças” (TERZI,

1995, p. 48). Para Terzi (1995), as autoras apresentam apenas características

socioeconômicas da classe social das crianças e, portanto, esses dados não dão

subsídios para uma análise completa do desenvolvimento do letramento das

crianças. Além disso, Terzi assinala que Ferreiro e Teberosky (1991) não discutem

se existe interação adulto-criança no processo de elaboração do texto escrito. Sendo

assim, Terzi (1995, p. 48) argumenta que “[...] o desenvolvimento da criança é

considerado isoladamente e não em relação aos fatores que o produziram”.

Outro fator preponderante, mencionado por Terzi (1995), na pesquisa de Ferreiro e

Teberosky, é o intervalo da coleta de dados (a cada dois meses aproximadamente),

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“[...] ignorando as experiências da criança com a escrita nos períodos intermediários”

(TERZI 1995, p. 48). Esse tipo de coleta inviabiliza uma análise qualitativa dos

dados, pois não considera “[...] o contexto em que ocorre o desenvolvimento do

letramento e nem as diferenças individuais” (TERZI, 1995, p. 48) no decorrer do

processo.

1.2 ESTUDOS DESENVOLVIDOS SOB A ORIENTAÇÃO CONSTRUTIVISTA

Como mencionamos, analisaremos, neste item, estudos desenvolvidos no Brasil que

tomaram como referência os estudos de Ferreiro e Teberosky (1991). Assim, dos

trabalhos identificados por Soares e Maciel (2001),1 no período de 1954 a 1989,

podem ser destacados dois trabalhos desenvolvidos no contexto de Instituições

Educativas Infantis: a pesquisa de Contini Júnior (1986) e a de Rodrigues (1989).

Além desses trabalhos analisaremos o estudo de Beer (1990).

O estudo de Contini Júnior (1986)2 sobre A concepção do sistema alfabético por

crianças em idade pré-escolar teve por objetivos investigar como as crianças em

idade pré-escolar concebem o sistema alfabético e avaliar os trabalhos de Ferreiro e

colaboradores sobre o desenvolvimento da escrita infantil, partindo da hipótese “[...]

de que as etapas de desenvolvimento da escrita não são discretas, e refletem o

desenvolvimento histórico pelo qual passou a elaboração da escrita” (CONTINI

JÚNIOR, 1988, p. 53).

A pesquisa desse autor envolveu 72 crianças da rede particular de ensino de São

Paulo, das turmas: Maternal, Jardim, I Pré e II Pré (crianças de 2 a 6 anos) e os

resultados foram concluídos, “[...] a partir de uma brincadeira de palavras” (CONTINI

JÚNIOR, In: SOARES, 1991, p. 113). O autor realizou, inicialmente, uma pesquisa

piloto com 23 crianças que cursavam o I Pré com crianças de cinco anos de idade.

Numa brincadeira de ditado, solicitou às crianças que escrevessem os vocábulos:

“casa”, “boneca”, “cachorro”, “bicicleta”, numa folha de papel em branco.

1 Esse é o segundo trabalho realizado por Soares. Dessa vez, com Maciel. 2 Baseamos a exposição do trabalho no artigo publicado em 1988, que sintetiza a pesquisa do autor.

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A análise das tarefas realizadas pelas crianças possibilitou, de acordo com Contini

Júnior (1988), aos períodos de evolução descritos por Ferreiro e colaboradores, o

acréscimo da “[...] categoria ‘escritas pictográficas’ que se colocaria posteriormente

ao grafismo primitivo, tendo em vista que historicamente é a primeira tentativa do

homem de se comunicar de forma gráfica” (CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 61). Além

disso, segundo o autor, ele alterou “[...] o nome das escritas do tipo ‘unigráfica’, que

recebe o nome de ‘escrita ideográfica’, também buscando esse relacionamento

histórico” (CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 61).

O autor esclarece que essas novas nomenclaturas foram acrescentadas, porque há

evidências de que as crianças tentam “[...] diferenciar seus escritos, por meio da

variação da grafia empregada; excluindo, portanto, a repetição de uma mesma grafia

para cada palavra diferente”. O que leva o autor a pensar em uma concepção

ideográfica é o fato observado de que algumas crianças ora usavam vogais, ora

consoantes para representar as palavras. Ferreiro não observou em sua pesquisa

esse tipo de escrita. Algumas crianças que participaram das situações experimentais

desenvolvidas pelas autoras utilizavam uma letra para cada sílaba (hipótese

silábica).

Os resultados obtidos na pesquisa piloto das tarefas realizadas pelas crianças que

possuíam um tipo de escrita, categorizado como pré-silábica – escritas que não

fazem correspondências entre as grafias e os sons – são: grafismos primitivos,

escritas pictográficas, escrita ideográficas, escritas sem controle de quantidade,

escritas fixas, escrita diferenciadas e escritas diferenciadas com valor sonoro inicial.

No grafismo primitivo, há predominância de rabiscos e pseudoletras e a

diferenciação das escritas é feita por meio da variação de rabiscos; nas escritas

pictográficas, as crianças realizam o desenho do próprio objeto para representar as

palavras que foram solicitadas e algumas delas escrevem e desenham; já nas

escritas ideográficas, as crianças utilizam um símbolo gráfico para representar cada

palavra ou uma idéia e as crianças também passam pelas escritas sem controle de

quantidade escrevendo até chegarem ao limite da folha, podendo repetir uma

mesma grafia; nas grafias fixas, existe o controle da quantidade de letras utilizadas,

podendo, às vezes, repetir em outra palavra escrita; nas escritas diferenciadas, as

letras são combinadas de formas variadas para diferenciar a escrita das palavras,

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existindo, às vezes, um número fixo de letras para cada palavra, ou não; e nas

escritas diferenciadas com valor sonoro inicial, a primeira letra tem o som inicial da

primeira sílaba.

Os resultados do trabalho do autor indicam a possibilidade de serem encontrados,

simultaneamente, “[...] duas estratégias para representar as palavras: são os

chamados escritos ‘intermediários’“(CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 71), por exemplo, a

criança utiliza o “grafismo primitivo” e a “escrita pictográfica” para representar as

palavras, apesar de as categorias se apresentarem muito próximas no processo de

evolução para outro tipo de escrita. De acordo com Contini Júnior (1988), Ferreiro e

Teberosky observaram esse tipo de escrita nessa fase do desenvolvimento da

escrita, mas evitaram propositadamente usar categorias desse tipo.

Contini Júnior (1988) concluiu que as escritas das crianças podem ser classificadas

em pictográfica e ideográfica, ou mesmo serem categorizadas como intermediárias.

Diante disso, o autor hipotetiza que “[...] o desenvolvimento da escrita na criança é

um processo que apresenta certa variação e que as etapas não são discretas”

(CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 72), ou seja, que existem muitas etapas e não apenas

as etapas mencionadas por Ferreiro e colaboradores. Acrescenta, ainda, que “[...]

as etapas podem se sobrepor, envolvendo fases em que duas ou mais concepções

coexistem” (CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 72). É interessante observar que Ferreiro e

Teberosky também observaram essa sobreposição de etapas (hipótese silábico-

alfabética), mas no período de fonetização da escrita. Com relação ao período,

denominado pelo autor de pré-silábico, efetivamente não ocorre essa sobreposição.

Entretanto, consideramos que a questão que importa não é a consideração da

quantidade de níveis evolutivos, mas o fato de também esse autor, assim como

Ferreiro e Teberosky, não levarem em conta outras dimensões que integram o

desenvolvimento da escrita na criança.

Após a pesquisa piloto, foram envolvidas no trabalho do autor 72 crianças da mesma

escola onde foi realizada a pesquisa piloto (turmas de Maternal – 20 crianças – 2 e 3

anos; Jardim – 17 crianças – 3 e 4 anos; I Pré – 13 crianças – 4 e 5 anos; e II Pré –

22 crianças – 5 e 6 anos). O procedimento utilizado foi o ditado de palavras. O

critério de escolha das palavras baseou-se, segundo o autor, no léxico visual e no

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léxico auditivo, sendo elas: “coca”, “mágico”, “trabalho”, metrô” e “bolita”; essa última

não fazia parte do léxico auditivo nem visual das crianças e, portanto, era

“desconhecida”. Diante desses procedimentos adotados pelo autor, temos que nos

posicionar e questionar: por que o trabalho com palavras e não com textos? A

escrita de palavras faz com que se observem aspectos relacionados com a

aquisição do código, limitando, dessa forma, as possibilidades de observação de

outros aspectos que integram a apropriação da escrita pelas crianças.

A atividade de ditado foi desenvolvida pelas próprias professoras das turmas. Com a

orientação do pesquisador, elas realizaram algumas anotações no decorrer do

processo de escrita. Foi solicitado que as crianças escrevessem, em uma folha em

branco, da “forma que achassem conveniente”. As palavras ditadas “[...] eram

numeradas pelos próprios alunos (no II Pré) ou pelas professoras, nas demais

séries, quando a criança ainda não tinha aprendido a numeração” (CONTINI

JÚNIOR, 1988, p. 74). Em seguida, os trabalhos ficaram à disposição do

pesquisador para análise dos dados. Torna-se interessante ressaltar que as

atividades foram aplicadas a todos os alunos em conjunto, não havendo

atendimento individual para a identificação de peculiaridades. Este é outro ponto que

gostaríamos de ressaltar sobre a coleta dos dados com as crianças, pois, dessa

forma, o autor não se preocupou com as condições de desenvolvimento das tarefas,

mas apenas com os resultados das atividades.

O autor constatou, por meio da análise dos dados, que as crianças do Maternal

encontravam-se no “grafismo primitivo”, porque produziram rabiscos indecifráveis.

Além disso, o autor observou que algumas escreviam com uma certa linearidade e

outras não. Dessa forma, Contini Júnior (1988, p. 76) diz que foi possível observar

dois tipos de grafismo primitivo: “grafismo primitivo sem linearidade” e “grafismo

primitivo com linearidade” com controle de direção”. Além disso, as crianças

tentavam diferenciar sua escrita pela quantidade, tamanho e movimento dos traços,

além de apresentar o grafismo primitivo com linearidade e sem linearidade.

Na pesquisa piloto, o autor caracterizou os grafismos primitivos como aqueles que

apresentam concentração e a predominância de rabiscos e pseudoletras. As

crianças do Jardim, segundo o autor, apresentavam o “grafismo primitivo” com e

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sem linearidade, no entanto, havia tentativas de mesclar as duas escritas. Por outro

lado, Contini Júnior verificou ainda a presença de escritas pictográficas, quando as

crianças realizavam o desenho do próprio objeto para representar as palavras que

foram solicitadas e algumas delas escreviam e desenhavam. Dessa forma, o caráter

intermediário foi notado nas escritas pictográficas que se mesclaram com o grafismo

primitivo.

As crianças do I Pré apresentavam vários tipos de escrita, desde o grafismo primitivo

até as escritas silábicas. Foi observada ainda a superposição de diferentes tipos de

escrita (escritas intermediárias). Vale ressaltar, diferentemente do que foi observado

no Jardim, as presenças de escritas ideográficas, de escritas ideográficas e silábicas

simultaneamente e de escritas silábicas. As crianças do II Pré realizaram a atividade

de escrita utilizando os sinais gráficos convencionais do alfabeto; utilizavam a escrita

cursiva por meio de sílabas (caráter silábico) e, também, “escrita ideográfica”. O

aprendizado da escrita silábica possibilitou, segundo o autor, que as crianças

chegassem mais rapidamente à escrita alfabética. Nesse sentido, é importante

observar que o autor classificou as escritas silábicas como do tipo A, do tipo B e

silábicas propriamente ditas. Entretanto, essa classificação, tomando por base as

escritas analisadas no seu texto, nos parece confusa, pois podemos inferir que ele

utilizou critérios de indicação para efetuar a classificação e não de quantidade de

letras para cada sílaba que compõe uma determinada palavra.

Finalmente, Contini Júnior (1988) verificou que, em algumas crianças, a seqüência

evolutiva da escrita ocorreu em três ou dois níveis e não em quatro, conforme

descrito por Ferreiro e colaboradores no livro Psicogênese da Língua Escrita (1985).

Entretanto, é importante observar que o texto de Ferreiro (1995) indica a existência

de três níveis evolutivos. Obviamente, esses três níveis não são análogos aos

discutidos por Contini Júnior que apresenta um detalhamento em termos de níveis

intermediários não relatados por Ferreiro (1995).

Contini Júnior (1988) observou ainda passagens de um nível evolutivo para outro

sem obedecer à seqüência estabelecida pela pesquisadora, ou seja, verificou, por

exemplo, crianças que passaram do nível pré-silábico ao alfabético (16% da

amostra) e que algumas crianças permaneceram no mesmo nível ao longo de todo o

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ano escolar. A análise do material coletado permitiu, pois, ao autor estabelecer um

esquema de desenvolvimento da concepção da escrita nas crianças, concluindo que

“[...] há variação no desenvolvimento da escrita, de criança para criança, mas esse

processo não se configura como sendo discreto e linear” (CONTINI JÚNIOR, 1988,

p. 102). Assim, observou superposição de etapas em todos os níveis, e não apenas

no nível silábico-alfabético, como apontaram Ferreiro e colaboradores. O autor

concluiu ainda que, diante dos conhecimentos sobre a concepção da escrita pelas

crianças,

É necessário que se tenha uma nova atitude diante da criança que vai ser alfabetizada. E é dessa nova atitude que vai depender, praticamente, o sucesso ou o fracasso do aprendiz. Uma clara compreensão e consciência da aprendizagem da escrita, por parte dos educadores, poderia não só minorar esses problemas como abrir novas perspectivas de entendimento do processo de alfabetização (CONTINI JÚNIOR, 1988, p. 103).

Para concluir a análise do estudo, é importante destacar, apesar das lacunas

encontradas, que o trabalho é relevante, pois evidencia que, mesmo quando as

crianças são estimuladas a escrever palavras para verificar as suas hipóteses e

elaborações sobre o sistema de escrita, é possível notar percursos evolutivos

diferentes daqueles propostos por Ferreiro e Teberosky (1985). Contudo, o que é

complicado no trabalho do autor é o fato de querer conceber o desenvolvimento da

escrita como um processo de repetição da construção do sistema alfabético de

escrita no decurso da história humana. Como Vigotski (1987) esclarece, o

desenvolvimento cultural na infância não pode ser comparado com o

desenvolvimento histórico da cultura humana. No caso do desenvolvimento da

escrita, é necessário considerar que esse desenvolvimento ocorre em crianças que

estão em pleno desenvolvimento orgânico e que se realiza em determinadas

circunstâncias que influenciam os modos como elaboram os conhecimentos sobre

esse sistema. Uma falha que encontramos no trabalho de Contini é em relação ao

processo de coleta de dados, pois o autor não acompanha essa atividade, sendo as

professoras das respectivas turmas que aplicam as atividades. Dessa forma, ele

perde o acompanhamento do processo de produção, muito importante para entender

o processo de desenvolvimento de escrita das crianças.

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Identificamos ainda o estudo de Rodrigues (1989),3 desenvolvido no contexto de

uma Instituição de Educação Infantil. A pesquisa teve por finalidade investigar

competências de leitura e de escrita em crianças de quatro, cinco e seis anos de

idade, matriculadas em um jardim de infância da rede pública de ensino de Brasília.

Participaram da pesquisa “[...] uma amostra de 123 sujeitos, 57 do sexo masculino e

66 do sexo feminino, das três faixas etárias mencionadas, de nível sócio-econômico

médio e médio-baixo” (RODRIGUES, 1989, sumário).

O instrumento utilizado na coleta de dados era composto de quatro tarefas, sendo

três de interpretação de escrita e uma de produção gráfica: “Funções do texto e da

Ilustração”, “Linguagem Técnica de Alfabetização”, “Interpretação de Amostra de

Escrita extraída do Ambiente da Criança” e “Produção Gráfica”. Durante as três

primeiras tarefas, foram apresentados diversos “[...] estímulos de natureza gráfica

(imagens, escrita) impressos em diversos materiais (livro, folha xerocopiada, objetos

de uso doméstico)” (RODRIGUES, 1989, p. 72). As crianças foram incentivadas a

realizar a interpretação desses estímulos, quer por meio de perguntas (mais ou

menos diretivas), quer por intermédio de solicitação para que apontassem o que

julgavam ser a resposta correta.

A autora apresenta em seu estudo a fundamentação, objetivos e descrição de cada

uma das tarefas desenvolvidas com as crianças. Com relação às “Funções do texto

e da ilustração”, considera que, do ponto de vista das crianças, imagem e texto são

complementares. Esse posicionamento é fundamentado no estudo de Ferreiro e

Teberosky. O objetivo principal dessa primeira tarefa foi “[...] constatar as relações

que a criança estabelece entre imagem e escrita” (RODRIGUES, 1989, p. 72). Além

disso, a autora descreve a tarefa dizendo que usou, como Ferreiro e Teberosky,

lâminas com letras e imagens, mas introduziu um livro infantil contendo imagens e

texto na parte inferior de cada página e alguns em rótulos. A autora apresentava o

livro para a criança, folheando-o junto com ela e, no decorrer do processo,

perguntava sobre o que era a imagem e sobre o que era o texto.

3 Obtivemos acesso ao trabalho completo de dissertação.

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No que diz respeito à “Linguagem técnica de alfabetização”, Rodrigues (1989)

considerou que “[...] as crianças são capazes de identificar letras palavras, números

e outros sinais gráficos” (RODRIGUES, 1989, p. 75), mas que esses conceitos

podem ser diferentes dos adultos. Nesse sentido, o objetivo dessa tarefa foi verificar

se as crianças pré-escolares são capazes de “[...] identificar e distinguir várias

unidades da linguagem escrita: número, letra, caracteres impressos e manuscritos,

linha, palavra, ordenação das palavras numa frase, pontuação e localização de uma

letra na palavra” (RODRIGUES, 1989, p. 75). A autora elaborou essa atividade

utilizando de um joguinho com desenhos.

No que se refere à “Interpretação de amostra de escrita extraída do ambiente da

criança”, a autora considera, inicialmente, que a escrita não pode ser utilizada

desvinculada de um contexto. Nesse sentido, assinala que as crianças pequenas

são capazes de predizer significados com base no contexto, particularmente quando

estão em situações conhecidas pelas crianças. Dessa forma, a tarefa teve por

objetivo colocar a criança diante de contextos de escrita familiares, para verificar se

ela, conhecendo o contexto da escrita, seria “[...] capaz de antecipar significados

possíveis, e ainda como esses significados são antecipados quando a escrita se

encontra desvinculada do seu contexto habitual” (RODRIGUES, 1989, p. 77). Como

também visou a indagar as crianças se elas “[...] demonstram ou não sensibilidade

em relação aos requisitos das formas orais e escritas da linguagem” (RODRIGUES,

1989, p. 77).

Com relação à produção gráfica, Rodrigues (1989) argumentou que as crianças

desde pequenas desenvolvem inúmeras maneiras de representar o sistema de

escrita, por meio dos primeiros grafismos exemplificando diversas funções, como um

cartaz de monstro na porta do quarto para evitar a entrada do adulto. Nessa

direção, o objetivo da tarefa foi verificar até que ponto as crianças são capazes de

realizar “[...] um determinado tipo de produção gráfica com características

específicas de uma certa funcionalidade” (RODRIGUES, 1989, p. 80); o outro

objetivo foi estudar “[...] o tipo de grafismos utilizados pelas crianças das diversas

faixas etárias” (RODRIGUES, 1989, p. 80). Para essa verificação, foi solicitado que

as crianças realizassem tarefas, tais como: “brincar de escrever uma carta” e,

depois, ler em voz alta para a pessoa que fez a solicitação.

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A autora realizou análises de conteúdo do material coletado, tendo sido elaboradas

categorias de respostas relativas aos diferentes itens de cada tarefa. “Foram

calculadas as porcentagens de respostas tanto da amostra global, como de cada

faixa etária, sexo e nível sócio-econômico” (RODRIGUES, 1989, sumário). Dessa

forma, constatou que as crianças eram capazes de identificar e diferenciar, a partir

de imagens do texto, o que é escrita e o que é imagem e de interpretar as

propriedades formais do texto; de utilizar as funções orais e escritas em situações

diferenciadas, além de conhecer muitos termos técnicos da alfabetização e

aumentar efetivamente seu conhecimento sobre a alfabetização, especialmente as

de cinco e seis anos, sabendo, inclusive, diferenciar textos como carta e utilizar uma

variedade de símbolos para constituí-lo. Nesse sentido, “[...] os resultados obtidos

permitiram, pois, evidenciar que a amostra (as crianças) possuíam competências de

leitura e escrita que superavam as expectativas tanto dos responsáveis por

programas escolares quanto por docentes que trabalham com as crianças em sala

de aula” (RODRIGUES 1989, apud SOARES; MACIEL, 2001, p. 157).

O trabalho de Rodrigues torna-se bem interessante, pois trabalhou com as crianças

a produção de texto real – “carta” e a simbologia utilizada nesse tipo de texto,

evidenciou o destinatário da carta, verificando se ela foi entregue, pois toda

produção precisa estar dirigida para alguém.

As conclusões de Rodrigues (1989) são semelhantes às de Ferreiro e Teberosky

(1986), “[...] cujas pesquisas indicaram que crianças pequenas não só são capazes

de identificar conteúdos escritos numa página ilustrada (embora possam não saber

designá-los corretamente), como também de diferenciar ambos” (RODRIGUES,

1989, p. 130). Ambas as autoras perceberam que o texto é portador do nome do

objeto desenhado e que “[...] algumas propriedades do texto (como a sua extensão)

fornecem indicadores que permitem sustentar a antecipação feita a partir da

imagem” (RODRIGUES, 1989, p. 130).

Beer (1990)4 teve como objetivo, no seu estudo,

4 Obtivemos acesso ao trabalho completo de dissertação.

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[...] verificar o desenvolvimento de aspectos perceptuais e metalingüísticos relacionados à leitura e à escrita e as concepções que os sujeitos apresentam, e o nível de produção escrita em que se encontram; e estabelecer algumas relações desse processo com fatores ambientais e culturais e com aspectos relacionados à prontidão (BEER, 1990, p. V ).

O estudo foi desenvolvido com vinte alunos da pré-escola que não tinham sido

“expostos à alfabetização formal”. Verificou-se que os sujeitos compreendiam a

natureza da escrita, conheciam seus elementos e a forma como eles se

relacionavam e apresentaram ainda produções escritas organizadas de forma

coerente com suas concepções. Evidenciou-se o papel do facilitador no ambiente

familiar e cultural, para o desenvolvimento da leitura e escrita.

Foram realizadas identificação pessoal e articulação de provas perceptuais e

metalingüísticas para a leitura e para a escrita, quando eram discriminados letras,

número, letras, palavras, desenho e o teste metropolitano de prontidão forma R. A

prova de identificação pessoal permitiu identificar o “[...] conhecimento que o sujeito

tem do ambiente que o cerca” (BEER, 1990, p. 28). A prova de linguagem oral

analisou “[...] a linguagem oral dos sujeitos a nível articulatório, tendo caráter

seletivo” (BEER, 1990, p. 29). As provas perceptuais e metalingüísticas para leitura

tiveram por objetivo “[...] estabelecer relações entre o conhecimento metalingüístico

e a leitura” (BEER, 1990, p. 29). Esse teste permitiu verificar que tipo de informações

a criança utiliza para a elaboração da resposta. Os dados foram analisados de forma

quantitativa.

Quanto aos aspectos perceptuais e metalingüísticos, a autora observou “[...] que a

maioria dos sujeitos foi capaz de discriminar os símbolos convencionais utilizados na

leitura e escrita e o desenho” (BEER, 1990, p. 55). É um processo no qual a criança

começa a diferenciar o que pode ou não ser lido em termos de grafias. A maioria das

crianças também conseguiu classificar letras e números, devido à forma e função

dos impressos e, também, por terem um conhecimento de informação de seus pais

leitores. Em relação à escrita de letras e números, as crianças não apresentaram

dificuldade para a escrita de números, já o acerto para a escrita de letras foi menor

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em relação à escrita de números. As crianças diziam que o seu desempenho nas

tarefas era devido a informações recebidas de seus pais e, também, à observação

do material impresso no momento em que era solicitada a realização das tarefas

pela pesquisadora. Na escrita do nome, as crianças não tiveram dificuldade.

Com relação às habilidades perceptuais e metalingüísticas, “[...] a grande maioria

dos sujeitos mostrou dominar a terminologia utilizada na leitura e escrita, que

símbolos são utilizados e de que forma ela se compõe” (BEER, 1990, p. 61).

Também, segundo a autora, conseguiam discriminar símbolos gráficos do desenho

representativo e discriminar letras e números. Ela observou ainda que o

desempenho dos sujeitos nas provas foi melhor na escrita de números do que de

letras, porque o nível de abstração envolvido na escrita das letras é maior, pois tem

que se relacionar com a linguagem oral.

De acordo com Beer (1990), os sujeitos apresentaram uma certa dificuldade com a

escrita espontânea; apenas dois escreveram vocábulos com significado, pois o

decoraram, enquanto as outras crianças utilizaram uma quantidade mínima de três

caracteres com variação. A autora fez referências ao trabalho de Ferreiro e

Teberosky (1986) para analisar as escritas das crianças e também ao trabalho de

Contini (1984). No trabalho de Ferreiro e Teberosky (1986), foram utilizados os cinco

níveis de escrita da criança para a realização das análises de escrita, e a maioria

das crianças apresentou produções ao nível da hipótese silábica, fazendo

corresponder uma letra para cada sílaba das palavras ditas. No trabalho de Contini

(1984), observou-se as escritas intermediárias e, segundo os resultados da autora,

foi contrário ao seu resultado “[...] que não observou a escrita silábica antes do nível

em que se iniciaria o processo de alfabetização” (BEER, 1990, p. 65), não foram

encontrados níveis intermediários no trabalho da autora.

Os trabalhos discutiram a aquisição da linguagem escrita pela criança e seus níveis

de escrita, além de trazerem novas análises e discussões dos resultados obtidos por

Ferreiro e Teberosky (1985). Os autores trabalharam situações de produção real

com as crianças, contextualizando o momento e as atividades propostas,

procedimento necessário ao processo de aprendizagem da linguagem escrita.

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1.4 ESTUDOS NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Apresentaremos, primeiramente, a pesquisa de Luria (1988) sobre o

desenvolvimento da escrita na criança, pois esse autor foi o primeiro a desenvolver

um trabalho orientado pela perspectiva histórico-cultural na Psicologia. Esse estudo

enfoca aspectos sobre o que ele denominou de pré-história da escrita na criança.

Em seguida, analisaremos o estudo de Nogueira (1991) por ter sido desenvolvido no

contexto da Educação Infantil.

A primeira concepção que diferencia as investigações de Luria (1988) do estudo de

Ferreiro e Teberosky (1991) é a de escrita. Para ele, a escrita pode ser definida

[...] como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação. A condição mais fundamental exigida para que a criança seja capaz de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase é que algum estímulo, ou insinuação particular, que, em si mesmo, nada tem a ver com esta idéia, conceito ou frase, é empregado como um signo auxiliar cuja percepção leva a criança a recordar a idéia etc, a qual se refere. O escrever pressupõe, portanto, a habilidade para usar alguma insinuação (por exemplo, uma linha, uma mancha, um ponto) como signo funcional auxiliar, sem qualquer sentido ou significado em si mesmo mas apenas como uma operação auxiliar (LURIA, 1988, p. 145).

Assim, se Luria definiu a escrita como signos que servem de apoio às funções

intelectuais, Ferreiro e Teberosky a define como um sistema de representação de

fala e, por isso, buscaram evidenciar as tentativas de as crianças relacionarem o oral

e o escrito e os modos como compreendem essas relações.

O trabalho experimental realizado por Luria (1988) evidencia os seus esforços “[...]

para traçar o desenvolvimento dos primeiros sinais do aparecimento de uma relação

funcional das linhas e rabiscos na criança, o primeiro uso que ela faz de tais linhas,

etc para expressar significados” (LURIA, 1988, p. 146). Já a metodologia utilizada

por Luria, para a coleta dos dados, consistiu em solicitar a uma criança, que não

sabia escrever, que lembrasse um certo número de sentenças que excedia à

capacidade mecânica da criança para recordar. Uma vez que a criança compreendia

ser incapaz de lembrar, o adulto propunha que tentasse escrever. Como há,

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segundo Luria (1988), uma tendência natural da criança de imitar atividades dos

adultos, ela aceitava a proposta. Eram apresentadas quatro ou cinco séries de

sentenças variadas e, após o seu registro, a criança manipulava o lápis e a extensão

do papel com seus rabiscos, tentando recordar as idéias que lhe foram

apresentadas.

Luria (1988) percebeu com esses experimentos que, inicialmente, a criança quer

escrever como os adultos e, por isso, imita os atos dos adultos ao escrever, mas é

incapaz, nesse início, de “[...] apreender os atributos psicológicos específicos que

qualquer ato deve ter, caso venha a ser usado como instrumento para serviço de

algum fim” (LURIA, 19888, p. 149). Assim, a escrita produzida pela criança não

mantinha qualquer relação com os significados anotados: “[...] não era instrumental

ou funcionalmente relacionado com o conteúdo que tinha de ser escrito” ( LURIA,

1988, p. 151). Podemos dizer que o significado funcional ainda não foi aprendido por

essas crianças mais novas, ou seja, não sabiam que a escrita serve para fins

psicológicos e, assim, auxilia a recordação dos significados anotados. Portanto, não

se relacionam com a escrita como um instrumento a serviço da memória e buscam

lembrar as palavras e frases invocando-as naturalmente. Nesse sentido, Luria

(1988) define as primeiras escritas das crianças de “pré-instrumentais”.

Assim, a criança começa registrando o “signo gráfico primário” não diferenciado, que

ainda não desvenda o significado do que foi anotado. Com o desenvolvimento,

começa a diferenciar esse signo fazendo expressar um conteúdo específico.

Nossos experimentos garantem a afirmação de que o desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um caminho que podemos descrever como transformação de um rabisco não-diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Nesta seqüência de acontecimentos está o caminho do desenvolvimento da escrita, tanto na história da civilização como no desenvolvimento da criança (LURIA, 1988, p. 161).

Inicialmente, a produção gráfica da criança ainda é confusa, mas, à medida que vai

sendo atribuído conteúdo à escrita, ela vai se apropriando do uso significativo dos

signos. O que proporcionou esse avanço foi a introdução nas frases do fator

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número. As crianças de quatro, cinco anos passaram a registrar as quantidades. Em

seguida, a criança descobriu a escrita pictográfica. Segundo o autor, a escrita por

imagens apresenta-se plenamente desenvolvida quando ela atinge a idade de cinco,

seis anos: “[...] se ele não está claro nesta época é porque começou a ceder lugar à

escrita alfabética simbólica, que a criança aprende na escola – e às vezes mesmo

antes” (LURIA, 1988, p. 173).

Nogueira (1991)5 analisou a atividade pedagógica e a apropriação da escrita pelas

crianças matriculadas em Instituição de Educação Infantil, explicitando o

desenvolvimento da “[...] atividade (intra) mental na criança, relacionada ao processo

de elaboração da atividade pedagógica, a partir do conceito de mediação [...]”

(NOGUEIRA, 1991, p. 3) e as formas de (inter)mediação. O referencial teórico

adotado “[...] são os processos de interação social, enquanto mediação, das

relações interpessoal, intrapessoal, na elaboração do conhecimento e das funções

psicológicas” (NOGUEIRA, 1991, p. 13). Nesse sentido, o trabalho apresenta

algumas “sutilezas” do processo de apropriação da escrita pelas crianças e suas

implicações e relações com a atividade educativa. Dessa forma, diferentemente dos

dois trabalhos destacados anteriormente, o referencial teórico adotado por essa

autora é a Psicologia Histórico Cultural.

A autora descreveu a prática educativa de forma a apresentar como o processo de

leitura e escrita vai sendo construído na sala de aula. A sistematização da escrita se

deu por meio das atividades com os nomes das crianças, dos textos individuais e

coletivos, produzidos a partir das histórias lidas e dos rótulos falados pelas crianças.

Também foram realizadas atividades, como bingo, produção de textos, etc. A partir

do trabalho com diversos textos, segundo a autora, as crianças foram percebendo o

nome e os sons das letras.

Nogueira (1991) apresentou, em um diário de campo, alguns indicadores da

atividade (intra)mental durante a realização das atividades propostas por ela às

crianças, mostrando como isso se articula com a atividade pedagógica. Num

5 Obtivemos acesso ao trabalho completo de dissertação. NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta. A atividade Pedagógica e a Apropriação da Escrita . 1991. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Campinas. Faculdade de Educação, Campinas, 1991.

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segundo momento, a autora apresentou também as análises “[...] dos processos

inter-psicológicos, através da inter-mediação e das negociações entre as crianças”

(NOGUEIRA, 1991, p. 42). Isso em relação à atividade de leitura.

A autora apontou algumas questões significativas em sua pesquisa, dizendo que a

“[...] criança pode se apropriar da escrita através da atividade mediada. A mediação

pelo outro, que aponta e atribui significado à realidade social, e da mediação pelos

signos, como um processo de elaboração de instrumentos para o pensamento”

(NOGUEIRA, 1991, p. 86). Destacou que a observação do professor no

desenvolvimento das crianças orienta a elaboração da proposta pedagógica e que

esta possui uma inter-relação entre teoria e prática, dando margem, inclusive, aos

aspectos psicológicos. Ressaltou a importância do papel do professor como

pesquisador e construtor de sua prática.

Neste sentido, a atividade do professor-pesquisador é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, constituída e constitutiva com relação ao contexto social. Por isto, podemos dizer que entre as observações do desenvolvimento das crianças e a construção da proposta pedagógica se estabelece uma relação dialética, que pode ser apreendida e explicada pelo conceito de mediação, segundo explicitado pela abordagem sócio-interacionista em psicologia (NOGUEIRA, 1991, p. 87).

A atividade de leitura e escrita realizada pelas crianças é um processo de

construção social, que possui uma história e contexto de produção, no qual o

professor também reconstrói sua prática pedagógica com o processo. É necessário

que esses sujeitos tenham claro o papel de cada um da instituição escolar como

espaço de produção e representação social. É preciso estar atento, portanto,

observando como a dinâmica social interfere em cada lugar, sentido e produção.

Piffer (2005, p. 60), ao elaborar uma análise dos aspectos teóricos e metodológicos

do estudo desenvolvido por Nogueira (1991), diz:

Nogueira não traz, em seu texto, a caracterização da instituição e dos sujeitos da pesquisa. Limita-se apenas a explicar os procedimentos de coleta de dados: foram recortados, apresentados e analisados episódios do diário de campo com o objetivo de

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possibilitar ‘a explicitação de como os processos de desenvolvimento das crianças se relacionam com as formas de interação do contexto de sala de aula, consideradas enquanto condições de produção’.

Nogueira, nos procedimentos de coleta e análises dos dados, realizou gravações de

áudio, mas não as utilizou em sua análise, pois disse que essas não faziam parte da

situação pedagógica cotidiana. Acreditamos que o uso das gravações poderia

minimizar o envolvimento da pesquisadora com o seu objeto de pesquisa, tendo em

vista que realizou o trabalho em sua própria sala de aula. Ela apenas utilizou os

registros do diário de campo para a sua análise.

1.4 TENTATIVA DE INTERLOCUÇÃO ENTRE DIFERENTES ABORDAGENS

Descreveremos o trabalho de Azenha (1995), pois, segundo a autora, ele é uma

tentativa de “[...] interlocução competente com as teorias de Ferreiro e de Luria,

evidenciando novas possibilidades interpretativas sobre a complexa e fascinante

questão da pré-história da escrita na criança” (AZENHA, 1995, p. 7). A autora

discute, inicialmente, as teorias de Ferreiro e Luria sobre a aquisição da escrita,

apresentando pontos de convergências e confrontos entre elas. Aponta ainda:

A investigação proposta pode ser melhor definida como uma série de estudos de casos, cujo o objetivo foi ‘cotejar’ as investigações realizadas por Luria e Ferreiro para explicar a gênese da escrita na criança. A pesquisa empírica procura especificamente explicar a emergência das diferenciações no grafismo infantil e as transformações sofridas por essas diferenciações, desde momentos em que o conhecimento da escrita é praticamente inexistente, até quando sujeitos começam a se apropriar das diferenciações próprias do sistema convencional (AZENHA, 1995, p. 76-77).

A coleta dos dados foi realizada em situações experimentais, pela interação da

pesquisadora com os sujeitos, por meio de registro escrito após a realização de “[...]

brincadeiras, jogos, trabalho com quebra-cabeças, leitura de livros de histórias e

jogos com letras ou palavras, além de outros jogos e brinquedos sem o caráter

estritamente pedagógico” (AZENHA, 1995, p.74).

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O estudo envolveu crianças de quatro a seis anos de idade, pois as crianças

iniciaram a pesquisa com quatro anos e terminaram com seis, sendo acompanhadas

ao longo dos dois anos de coleta dos dados. O primeiro grupo foi constituído por 18

crianças e o segundo grupo por 26 crianças. Elas foram entrevistadas até que se

selecionou a amostragem que seria focalizada no relato.

A partir da análise das entrevistas, Azenha (1995) focaliza em seu estudo uma das

crianças pelo fato, segundo a autora, de exibir no seu percurso de desenvolvimento

“[...] o conjunto de transformações que julgamos relevante analisar para

compreender a gênese da escrita. Ao longo deste percurso, entre a forma inicial e a

final, há momentos de particular importância para a explicação da lógica utilizada

pela criança ou da sua gênese” (AZENHA, 1995, p. 82). Além desse, trabalhos de

outras crianças foram levados em consideração, pois ajudaram a discutir a análise

do percurso exibido por Maria Rita e a discutir o aporte teórico e do desenvolvimento

dessa análise do interior da gênese. Esse foi um estudo longitudinal de dois anos,

em que a autora se preocupou em envolver os pressupostos teóricos com os

procedimentos de pesquisa de acordo com a proposta de estudo.

A autora observou que todas as crianças, num determinado momento da

apropriação da linguagem escrita, quando produziam uma escrita imitativa,

passaram a realizar uma escrita instrumental por meio da utilização de recursos

topográficos e icônicos. Mesmo as crianças que utilizavam caracteres convencionais

de seus nomes próprios buscavam incorporar à sua escrita caracteres que

evocassem os conteúdos.

A primeira tarefa realizada por Maria Rita consistiu em lembrar uma lista de palavras.

Para efetuar a tarefa, não foi dado nenhum recurso de apoio externo. Ela lembrou a

seqüência das palavras, esquecendo-se apenas de uma. Quando a pesquisadora

questionou se esqueceu de alguma palavra, ela balançou a cabeça confirmando. A

pesquisadora lhe informou, então, que os adultos utilizam o registro escrito para se

lembrar de algo. Desse modo, a pesquisadora a estimula a lembrar a lista de

palavras com o auxílio da escrita. Então repetiu a mesma série de palavras e disse

que, ao final, a menina deveria ler o que escreveu. Ela realiza a escrita do que foi

solicitado de baixo para cima, com extensão da linha até o final da folha, utilizando

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letras e muitos caracteres para constituir as palavras. A criança leu de baixo para

cima quando foi solicitada. Ela não conseguiu lembrar apenas uma das palavras,

apontou as escritas de forma global e disse que a sua produção era escrita. Num

segundo momento, são ditadas palavras que dizem respeito a sensações e com

contraste de quantidade. Maria Rita demonstrou preocupação ao ter que ler o que

escreveu, apesar de estar feliz ao realizar a tarefa. Nessa atividade, a criança

justificou que escreveu e desenhou. Faz uma leitura um pouco diferenciada do que

foi pedido, mas preservou o mesmo sentido. Fica orgulhosa de ter conseguido

realizar a leitura de tudo.

A autora comparou o primeiro e o segundo trabalhos e observou que, no primeiro, a

criança olhou para o ambiente externo situacional para depois lembrar as palavras,

já no segundo, ela utilizou suas anotações gráficas para a sua leitura. Maria Rita vai

avançando nos seus registros, utilizando letras para fazê-los, mas na hora da leitura,

“[...] apenas os registros com desenhos e traços imitativos foram utilizados como

apoio” (AZENHA, 1995, p. 105). Para os demais registros, ela olhava e, às vezes,

manteve o seu olhar sobre um ponto indefinido, buscando em sua memória os

registros. Ela ficou aflita, mas preferiu usar desenho e não letras, apesar da

especificação dada pela tarefa escrita. O uso do desenho é uma forma da escrita

pictográfica para a criança que ainda não atingiu o conhecimento das letras, a

escrita convencional.

A autora conseguiu observar com o seu trabalho como se processam e se

constituem as atividades psicológicas complexas relacionadas com a aquisição da

escrita. Em certos momentos Maria Rita não utilizou a escrita realizada para

rememorar o texto escrito, fez apenas uma escrita imitativa, mas teve clareza do

sistema convencional da direção da produção escrita. Quando a pesquisadora

solicitou o registro escrito de determinado enunciado, sugeriu-se a codificação

desses atributos.

A necessidade de codificação da forma, tamanho e quantidade dos referentes da linguagem oral mobiliza a construção de diferenciações icônicas claramente indicadoras dos conteúdos anotados. O que esse grafismo indica com clareza é o registro dos significados do enunciado oral (AZENHA, 1995, p. 180).

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Segundo a autora, o uso de recursos icônicos pelas crianças e também por Maria

Rita foi possibilitado pela introdução de determinados fatores (quantidade, cor, forma

etc) no conteúdo do enunciado oral. Além disso, propiciaram uma forma de

funcionamento psicológico mais elaborado, se comparado com o das escritas onde

esse recurso não foi utilizado. Houve, por outro lado, um avanço funcional com

relação ao uso do sistema convencional de escrita, demonstrado pelo fato de Maria

Rita utilizar cada vez mais letras. Entretanto, por não conseguir lembrar o conteúdo

anotado, por meio dessas grafias, ela prefiria, segundo Azenha (1995), desenhar no

sentido literal.

Dessa forma, a autora discute que a contribuição mais importante do seu estudo diz

respeito ao que foi denominado de “[...] impasse genético existente entre registro

escrito (que incorpora elementos convencionais) e leitura, impossibilitada justamente

pela presença desses elementos convencionais” (AZENHA, 1995, p. 188). Nesse

sentido, para Azenha, para que a criança avance, é necessário que se desenvolva a

aprendizagem do sistema convencional de escrita.

A autora traz muitas contribuições em seu trabalho na análise das escritas das

crianças, especialmente no que refere ao recurso funcional da escrita. Porém,

vemos como necessário o trabalho com textos, pois estes remetem, dependendo do

modo como esse trabalho é organizado, a contextos significativos e reais de

produção. No que remete a esse aspecto, o trabalho apresenta lacunas, além de

não descrever e discutir os aspectos relacionados com o ambiente social das

crianças pesquisadas.

De modo geral, pode-se concluir que os estudos analisados se enquadram em duas

áreas de conhecimento: Psicologia e Lingüística. O estudo sobre a Consciência

fonológica adequa-se mais especificamente à segunda área. Os demais, incluídos

os de Ferreiro, Luria e Azenha, enquadram-se na Psicologia. Nesta, há duas

correntes orientadoras dos estudos sobre alfabetização: Perspectiva Psicogenética,

de Jean Piaget e a Psicologia Histórico-Cultural, de Vigotski. O trabalho de Azenha é

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uma tentativa de mostrar as possibilidades de conciliação entre as duas concepções

(Psicogenética e Histórico-Cultural) no campo da alfabetização.

De acordo com Soares e Maciel (2001), os estudos desenvolvidos no Brasil, na

década de 1980, sobre o tema conceitualização da linguagem escrita, têm suas

bases teóricas nos pressupostos piagetianos. Essa observação é corroborada no

exame que efetuamos sobre os trabalhos desenvolvidos na década de 1980

(CONTINI JÚNIOR, 1988; RODRIGUES, 1989; BEER, 1990). Nesse sentido, o

trabalho de Ferreiro e Teberosky (1991) é muito importante, pois serviu de

orientação para vários estudos no Brasil no campo da alfabetização.

A descrição dos estudos no campo da alfabetização mostrou, de forma evidente,

que a dimensão lingüística do processo de alfabetização é privilegiada nos estudos

orientados pela perspectiva psicogenética e a dimensão funcional é privilegiada no

estudo de Luria (1988) e de Azenha (1995). Por isso, consideramos fundamental

analisar a apropriação da linguagem escrita pelas crianças matriculadas em um

Centro de Educação Infantil, enfocando a apropriação da escrita como um processo

discursivo. O trabalho de Smolka (2001) foi desenvolvido considerando essa

dimensão e, dessa forma, serviu como orientação para o desenvolvimento deste

estudo. Assim, este trabalho teve por finalidade analisar os textos produzidos

pelas crianças tendo em vista as condições em que f oram produzidos .

Como veremos, as crianças eram incentivadas a escrever frases e “textos” sobre

desenhos e temas que não faziam parte da sua realidade. Além disso, as condições

de produção, de modo geral, eram artificiais, pois não previam interlocutores (reais

ou fictícios) para os textos das crianças.

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2 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E ALFABETIZAÇÃO

Este capítulo tem por finalidade apresentar os elementos teóricos e contextuais que

norteiam o processo de investigação, composto por duas partes. Na primeira, temos

os conceitos de infância, Educação Infantil e alfabetização e, na segunda,

discutiremos a questão da produção de texto. A análise sobre o conceito de infância

é importante, porque o estudo focou crianças com idade de seis anos matriculadas

em uma instituição pública educativa infantil.

Traçamos um percurso pelo qual faremos uma abordagem histórica e, depois,

trataremos a concepção de infância propriamente dita. A infância e a educação

infantil receberam diversas marcas ao longo da história. Focaremos, inicialmente,

um pouco das crianças do passado, durante o Brasil colônia e império. Elas eram

criadas à sombra dos pais até os sete anos, depois começavam a trabalhar em

pequenas atividades e estudavam em domicílio, “[...] com preceptores ou na rede

pública, por meio das escolas régias” (DEL PRIORE, 2004, p. 85).

Os recém-nascidos necessitavam de cuidados no asseio e na alimentação. Ambos

os tipos cuidados eram orientados pelos médicos: as crianças deveriam ser

higienizadas com água e enroladas em mantas suaves e folgadas. Quanto à

alimentação, era indicado o aleitamento materno, com vistas a preservar a saúde do

bebê. A partir do momento em que nasciam os dentes nas crianças, as mães davam

pirões, caldos engrossados com farinha, carne ou peixe desfiado. Não havia

diferenciação entre a alimentação infantil e a adulta. As crianças também recebiam

orientação religiosa de acordo com a cultura de cada povo: católico, indígena e

africano.

Havia um alto índice de mortalidade infantil, que era considerado natural. As

crianças que sobreviviam entravam diretamente no mundo dos adultos. Com o

passar dos anos e o desenvolvimento da ciência, ocorreu o prolongamento da vida,

especialmente na classe dominante. Já na classe dominada, continuavam existindo

índices significativos de mortalidade.

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A educação ocorria nas escolas jesuíticas e o lazer ficava por conta do banho de rio,

jogos de arco e flecha, jogo do peia-queimada, ritmos, músicas e outros. As crianças

se envolviam muito com as músicas, que eram usadas nas procissões. Elas também

participavam com muito entusiasmo das festas como São João, Reis e Natal. A

intenção educacional era transformar a criança em um indivíduo responsável. Com

base na educação humanista, ela deveria adquirir capacidade de leitura e escrita.

Utilizavam-se, para isso, cartilhas de alfabetização e de ensino religioso. A intenção

religiosa era tão forte, que as escolas possuíam um crucifixo, diante do qual as

crianças se ajoelhavam e faziam o sinal da cruz. Era também obrigatório que as

crianças aprendessem o Pai Nosso e a Ave Maria. Cabia também aos mestres

controlar as confissões mensais de seus alunos.

O ensino nas cartilhas para a aprendizagem da leitura era baseado na repetição de

letras e sílabas. Após a memorização das letras e sílabas, as crianças eram

orientadas a formar nomes com as sílabas aprendidas. Eram ensinados os nomes

de pessoas e, depois, das cidades. Posteriormente, ensinavam-se a escrever as

orações que as crianças rezavam.

Pouco a pouco, a educação e a medicina vão burilando as crianças no Brasil colonial. Mais do que lutar pela sua sobrevivência, tarefa que educadores e médicos compartilhavam com os pais, procurava-se adestrar a criança, preparando-a para assumir responsabilidades. Uma certa consciência sobre a importância deste preparo vai tomando forma, no decorrer do século XVIII, na vida social (DEL PRIORE, 2004, p. 104).

As instituições de Educação Infantil, para crianças de zero a seis anos, surgem na

Europa, durante a primeira metade do século XIX e, no Brasil, na década de 1870.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, segundo Kuhlman (2003), a necessidade de as

mães pobres trabalharem, e por não terem com quem deixar seus filhos, levou a

criação de creches que cuidavam de crianças menores de dois anos. Além das

creches, existiam o jardim-de-infância e a escola maternal. Essas instituições,

segundo Kuhlmann (2003, p. 471), também eram chamadas de “[...] asilos para

primeira e segunda instância”. Elas “[...] surgiram na França, passando a se chamar

depois ‘escolas maternais’”. De acordo com Pinazza (2005, p. 476), “O jardim de

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infância cumpriria um papel de ‘moralização’ da cultura infantil, na perspectiva de

educar para o controle da vida social”.

Em alguns momentos da história, as instituições de Educação Infantil, creches, e

jardins-de-infância ficaram ligadas aos órgãos da Saúde. Essa situação perdura até

hoje em muitos municípios brasileiros. Também foram criadas associações e

instituições de “proteção à infância”, que zelavam pela sobrevivência e saúde da

criança e reivindicavam direitos à educação e instrução.

As primeiras instituições de Educação Infantil foram criadas no Rio de Janeiro, no

período republicano. A primeira creche estava vinculada à Fábrica de Tecidos

Corcovado. As instituições educativas infantis privadas também eram animadas e

protegidas pelo governo. Várias creches foram inauguradas no Rio de Janeiro, em

São Paulo e em diversos municípios do País.

Com a primeira regulamentação do trabalho feminino em 1923, ocorre o

estabelecimento de algumas prerrogativas para as mulheres trabalhadoras. Os

estabelecimentos de indústria e comércio deveriam facilitar o momento de

aleitamento materno durante a jornada de trabalho e, também, providenciar a

instalação de creches ou salas de alimentação próximas ao local de trabalho. “Em

1932 regulamenta-se o trabalho da mulher, tornando-se obrigatórias as creches em

estabelecimentos com pelo menos 30 mulheres maiores de 16 anos” (KUHLMANN,

2003, p. 481-482). Essas medidas integraram a CLT e os direitos sociais da

Constituição de 1988, nesta última garantindo a Educação Infantil gratuita para as

crianças de zero a seis anos, o que, aos nossos olhos, não se tornou realidade.

A Lei n. 4.024, de 1961, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), também

estabelecia, nos arts. 23 e 24, “[...] que as crianças com idade inferior a sete anos

receberiam educação em escolas maternais ou jardins-de-infância, estimulando-se

as empresas a manter instituições do gênero para os filhos de suas trabalhadoras”

(KUHLMANN, 2003, p. 486).

Existia também, em 1977, uma política para a ampliação da rede de educação

infantil para os pobres. Assim, foram construídas instituições de baixo custo. Dessa

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forma, o atendimento abrangeu muito mais crianças, por exemplo, o “Projeto

Casulo”. Os recursos repassados às creches estão ligados a instituições sociais.

Quanto às propostas pedagógicas da época, essas foram inspiradas, no final do

século XIX, no pensamento de Friedrich Froebel e Henrique Pestalozzi. O primeiro

propôs o jardim-de-infância próximo à educação formal, como se fosse o período

preparatório para a educação formal. Segundo Pinazza (2005, p. 88), “A pedagogia

de Froebel destinada às crianças menores de 7 anos, sofreu influência da pedagogia

de Pestalozzi” e serviu de inspiração para a implantação da pré-escola no sistema

educacional brasileiro.

A proposta de Pestalozzi era de uma educação intuitiva da criança como uma etapa

precedente para a educação metodológica e inventiva de Froebel. Segundo Pinazza

(2005), a proposta pedagógica de Pestalozzi chegou ao Brasil não pela tradução de

seus textos, mas a partir das visitas de educadores brasileiros a instituições em

outros países, onde estes observavam a prática dessas escolas, faziam anotações e

traziam para o Brasil.

Assim, o modo como a Educação Infantil era concebida e praticada está relacionado

com concepções de infância formadas nos contextos sociais vividos. Dentre os

estudos realizados sobre a criança, temos o de Sônia Kramer (2003), que diz que os

sentimentos atribuídos à infância nem sempre foram conhecidos, mas eles são

determinados pela estrutura social, econômica e política. Assim, a concepção de

infância foi criada historicamente em relação às modificações das formas de

organização da sociedade. Desse modo, a idéia de infância não existiu sempre, e

nem da mesma maneira, pois o conceito de criança diversificou-se, considerando as

diferentes classes sociais e também o papel de criança.

Numa perspectiva pedagógica, as concepções de criança são perpassadas pelas

noções de natureza e cultura, trazendo uma questão temporal, pois a infância

precede a idade adulta. Essa infância também é confundida com “natureza”

correspondendo à origem da humanidade. Essa questão está impregnada de

significações ideológicas, que envolvem a relação da criança com o adulto e com a

sociedade. A criança é vista, diante dessas significações ideológicas, em dois níveis.

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No primeiro nível, ela é considerada pelo adulto “[...] como um ser fraco e

incompleto, atribuindo tais características à ‘natureza infantil’” (KRAMER, 2003, p.

21). A criança, nesse sentido, possui uma dependência natural da autoridade do

adulto.

No segundo nível, “[...] a criança é considerada como um ser que não é, ainda,

social” (KRAMER, 2003, p. 21). Ela desempenha, nas relações sociais, um papel

marginal e, em frente às desigualdades sociais existentes, a criança é condicionada

a uma determinada situação social, devido às condições precárias de vida. Essas

condições levam ao trabalho infantil.

Essa criança, na perspectiva de Kramer, é analisada dentro de duas Pedagogias: a

tradicional e a nova: na Pedagogia tradicional, a criança é vista como um ser que

tem a natureza corrompida e que precisa ser disciplinada pelo adulto; na Pedagogia

nova, a criança é considerada como um ser inocente que precisa ser protegido da

corrupção da sociedade. Ela tem a liberdade de expressar-se diante da autoridade

do adulto.

Segundo Kramer (2003, p. 22), “Ambas as perspectivas tratam a criança como um

ser abstrato, e tal quadro pedagógico camufla ideologicamente a significação social

da infância, que fica escondida por trás de argumentos filosóficos e psicológicos”.

Nas perspectivas das abordagens da privação cultural e da educação

compensatória, a concepção de infância se estabelece de acordo com a inserção da

criança na sociedade, como ela está inserida na questão de produção material (de

trabalho) e como são suas condições de vida habitacional, alimentícia e de saúde.

Ela está afetada diretamente por sua inserção em uma classe social. Na classe

dominada, a criança é privada culturalmente e é considerada carente, inferior ao

padrão estabelecido. Para suprir essa carência, são propostos diversos programas

de educação pré-escolar de cunho compensatório. Esta proposta de educação

compensatória surgiu na política brasileira, em meados da década de 70. O conceito

de “[...] educação compensatória, enfatizado corretamente como o antídoto para a

privação cultural, ter-se-ia originado no pensamento de Pestalozzi e Froebel”

(KRAMER, 2003, p. 25).

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Com a Constituição de 1988, fica estabelecido o caráter universal das políticas

básicas para a infância, como a de educação e saúde, às quais todas têm direito,

com acesso gratuito. Consideramos a criança um sujeito de direitos, um cidadão. De

acordo com a LDB (1996), a Educação Infantil é a primeira etapa da educação

básica, devendo integrar-se ao sistema de ensino. Dessa forma, a Educação Infantil

deve possibilitar à criança o exercício da cidadania que começa pela possibilidade

de acesso a conhecimentos fundamentais ao seu desenvolvimento.

Porém, de acordo com Craidy (2005, p. 59), “[...] poucos são os estados que

estabeleceram as normas para o credenciamento das creches e pré-escolas no

sistema de ensino, e ainda mais raros os que realizaram essa integração”. Vive-se

um momento de perplexidade diante dos encaminhamentos das políticas nacionais,

devido às dificuldades de normatização e integração de creches e pré-escolas nos

sistemas de ensino. Por isso, é necessário tomar providência na “[...] determinação

de fontes de financiamento; apoio da assistência para que as creches e pré-escolas

em dificuldades possam, em prazo de transição a ser estabelecido, atingir as

exigências legais para as instituições educativas” (CRAIDY, 2005, p.61). Segundo a

autora, é equivocado afirmar que creches e pré-escolas se transformaram em

instituições educativas. Elas sempre foram instituições educativas porque educam,

mas os poderes competentes não respeitam essa questão.

Ao tratarmos da concepção de infância e sobre a Educação Infantil como espaço

privilegiado de exercício de direitos fundamentais da criança, nos remetemos à

questão da alfabetização das crianças que freqüentam as instituições educativas

infantis. Essa discussão se torna fundamental, porque aprender a ler e a escrever é

um dos direitos fundamentais da infância. Para discorrermos sobre o conceito de

alfabetização, utilizaremos uma discussão realizada por Gontijo (2005) em um artigo

intitulado Alfabetização e a questão do Letramento.

Nesse artigo, a autora examina como tem sido compreendido o conceito de

letramento no Brasil e busca “[...] construir um conceito de alfabetização que abranja

as dimensões integrantes desse processo” (GONTIJO, 2006, p. 2). Para tecer a

discussão, ela se apóia, inicialmente, em Vigotski (2001). Assim, argumenta que,

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quando a criança aprende a ler e a escrever, “[...] toma consciência da estrutura

fônica das palavras que utiliza para se comunicar com outras pessoas” (GONTIJO,

2005, p. 2). Dessa forma, segundo a autora, “[...] as crianças adquirem, no processo

de alfabetização, a compreensão de que as palavras que pronunciamos são

compostas por unidades menores” (GONTIJO, 2005, p. 3). Entretanto, argumenta,

apoiada também em Vigotski, que a escrita deve ter significado para as crianças,

“[...] deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida”

(VIGOTSKI, apud GONTIJO, 2005, p. 3).

Para Gontijo (2002, p. 2), em sentido amplo, a alfabetização “[...] é o processo de

inserção no mundo da linguagem escrita”. Isso significa que, mesmo antes de as

crianças entrarem na escola, elas já possuem conhecimento sobre a linguagem

escrita que é veiculada na sociedade em que vive. A autora toma Soares (2003) que

diz “[...] que a tentativa de atribuir significado abrangente à alfabetização não lhe

parece apropriada, ‘nem etimológica nem pedagogicamente’” (GONTIJO, 2005, p.

4), pois, segundo Soares, é necessário diferenciar o processo de aquisição do

processo de desenvolvimento da língua (oral e escrita).

Etimologicamente, “[...] a palavra alfabetização significa ‘levar a aquisição do

alfabeto’, em outras palavras, implica a ação de levar a aquisição dos símbolos que

compõem um dado sistema de escrita” (GONTIJO, 2005, p. 4). Na opinião de Gontijo

(2005), esse conceito não é capaz de traduzir a natureza complexa da alfabetização.

Pode-se, com ele, inferir à alfabetização um conceito específico, “[...] como processo

de codificação (escrever) e decodificação (leitura)” (GONTIJO, 2005, p. 5). Com

esse conceito, o processo pedagógico redundaria num trabalho de repetição e

memorização das relações entre letras e sons, não havendo uma aprendizagem

significativa e com toda a abrangência que permeia o processo de alfabetização.

Na perspectiva de construção de um conceito que consiga dar conta das diversas

dimensões da alfabetização, Gontijo (2005, p.19) argumenta:

A alfabetização é um processo hitórico-social de inserção da criança no mundo da linguagem escrita ou da cultura escrita. Primeiro, porque as crianças apropriam-se, durante a alfabetização, de um objeto cultural, resultado da prática e da vida social (a escrita).

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Nesse sentido, a autora propõe um conceito aberto de alfabetização, ou seja, “[...]

capaz de abranger as diferentes práticas de produção de textos orais e escritos e as

diferentes possibilidades de leitura produzidas e reproduzidas pelos diversos grupos

sociais e a dimensão lingüística da alfabetização” (GONTIJO, 2005, p. 20). Neste

trabalho, tratamos das práticas de produção de textos. Consideramos que essa é

uma dimensão importante da alfabetização e a análise de como tem sido

desenvolvida em uma classe da Educação Infantil poderá contribuir com as

reflexões sobre essa questão.

2. 1 A PRODUÇÃO DE TEXTOS

Para discutirmos sobre a produção de textos, tomaremos Geraldi (2003), pois suas

teorizações nos ajudaram a analisar os eventos observados na sala de aula. Esse

autor considera

[...] a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. E isto não apenas por inspiração ideológica de devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares. Sobretudo, é porque no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões (GERALDI, 2003, p. 135).

Essa questão remete aos sujeitos como produtores de textos que se articulam a

discursos que o antecederam e que irão sucedê-los. Entretanto, os discursos trazem

consigo um ponto de vista sobre o mundo, ou seja, são independentes e únicos, pois

o “[...] sujeito [que enuncia] compromete-se com sua palavra e de sua articulação

individual com a formação discursiva de que faz parte, mesmo quando dela não está

consciente” (GERALDI, 2003, p. 136).

Segundo Geraldi (2003, p. 137), para se produzir um texto, em qualquer modalidade,

é preciso que

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a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz [...]; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).

Desse modo, para se produzir textos, é necessário que o locutor assuma uma

relação interlocutiva em relação a um destinatário. A possibilidade de interlocução

diferencia as práticas artificiais de escrita para a escola da prática viva de produção

de textos. Além dos interlocutores, é fundamental que a criança tenha o que dizer,

que se esclareçam os objetivos da produção e que se constituam razões para o

dizer. Somente dessa forma o trabalho de escrita passa a ter sentido para as

crianças na escola.

As estratégias “[...] são selecionadas ou construídas em função tanto do que se tem

a dizer quanto das razões para dizer a quem se diz” (GERALDI, 2003, p. 164). As

estratégias podem ser pensadas a partir das discussões realizadas em sala de aula

e o papel do professor como interlocutor é muito importante na indicação de

caminhos possíveis. Para Geraldi (2003, p. 165),

Centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala.

Em situações de produção de textos em que todas as condições são criadas, as

crianças percebem que podem contar suas histórias, dialogar com os outros, etc. por

meio da escrita. A produção se torna efetivamente um processo de construção de

sentidos e não uma mera tarefa a ser executada.

Ao discorrermos sobre a infância, percebemos que esta passou por diversas

perspectivas ao longo da história. A criança foi vista desde um ser dependente do

adulto, fraco e indefeso, até ser considerada um ser social. Hoje, uma criança tem

direitos à educação, à saúde e a uma infância com dignidade. Dessa mesma forma,

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a Educação Infantil evoluiu com seus métodos de ensino desde a educação religiosa

até as creches e pré-escolas de hoje.

Para que a criança tenha uma aprendizagem que a torne capaz de ler, interpretar e

produzir conscientemente a sua escrita, é necessário que essa educação esteja

pautada num processo de produção de texto, como define Geraldi (2003), em que a

criança toma a palavra para si e define suas estratégias de produção. Dessa forma,

a escrita estará carregada de significados. É com base nessa perspectiva que

buscamos analisar os textos produzidos pelas crianças, considerando as condições

em que foram produzidos.

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3 PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA METODOLOGIA

Esta pesquisa se caracteriza como um "estudo de caso" (ANDRÉ, 1995) de caráter

qualitativo. O estudo de caso “[...] é o exame de um fenômeno específico, tal como

um programa, um acontecimento, uma pessoa, um processo, uma instituição, ou um

grupo social” (MERRIAM, 1988, apud SARMENTO, 2000, p. 137). Ele se constitui

em “[...] uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo

dentro do seu contexto real de vida, especialmente quando as fronteiras entre o

fenômeno e o contexto não são absolutamente evidentes” (YIN, 1994, apud

SARMENTO, 2000, p. 137). A pesquisa se caracteriza por um estudo de caso, pois

é a investigação sobre grupo de crianças e como estas se relacionam e produzem a

escrita, portanto é o estudo de um grupo social.

No estudo de caso, podem ser utilizadas técnicas de coleta de dados como a

observação participante. Esse tipo de técnica permite ao pesquisador ter um certo

grau de interação com a situação estudada e participar, durante a coleta de dados,

do cotidiano da escola, no caso específico deste estudo, de uma Instituição

Educativa Infantil. Utilizamos esse tipo de técnica e, assim, permanecemos em

campo por 4 meses e 23 dias participando ativamente do trabalho com a linguagem

escrita desenvolvido na sala de aula escolhida para a realização da pesquisa.

Durante esse tempo, permanecemos em sala de aula três a quatro dias por semana,

no período de 7h15min às 10h20min aproximadamente. Na observação participante,

segundo Bogdan e Biklen (1994), a participação deve ser numa quantidade correta

visando ao estudo que nos propusemos realizar. Dessa forma, o tempo de

permanência na sala de aula foi suficiente para que tívessemos uma visão ampla do

trabalho com a linguagem escrita. Para que a participação em campo ocorresse de

forma satisfatória para as partes, observamos, de acordo com as orientações de

Sarmento (2003), dois fatores: “[...] o tempo, como condição de habituação mútua a

uma presença desejavelmente não interferente e muito menos avaliativa, e a efetiva

implicação na ação, no sentido de uma ‘familiarização’” (COSTA, 1987, apud

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SARMENTO, 2000, p. 137) que não recusou o “distanciamento”, mas que permitiu

que nos tornássemos mais uma do grupo, mas com uma tarefa específica e própria.

Para “familiarização” com e no grupo, foram necessárias duas semanas e meia de

trabalho. Nesse período encaminhamos às famílias a solicitação de autorizações

para que as crianças participassem da pesquisa. Desse modo, o trabalho de campo

se estabeleceu, por meio de contato direto e prolongado com as professoras e

crianças envolvidas na pesquisa e no contexto onde se desenvolveu o processo de

apropriação da linguagem escrita. É importante ressaltar ainda que o nosso primeiro

contato com a escola ocorreu com a apresentação do projeto de pesquisa para a

pedagoga responsável pelas turmas de Pré (turmas de seis anos) do turno matutino.

Nesse momento, conversamos sobre o nosso objeto de estudo e pesquisa. Após

esse primeiro contado, a pedagoga se incumbiu de conversar com a direção da

escola e pediu que retornássemos à escola para receber resposta sobre a

possibilidade de realização da pesquisa, no dia 30 ou 31 de agosto de 2004.

Quando retornamos à escola, a resposta de aceitação de nossa pesquisa era

positiva. A pedagoga nos apresentou à professora de sala de aula onde realizaria a

pesquisa e, então, conversamos sobre o trabalho, os seus objetivos, tempo de

permanência na sala de aula. Famamos que o nosso objetivo primordial era

registrar, por meio de filmagem, momentos em que as crianças produziam textos.

Com essa conversa inicial, pudemos constatar que não houve resistência da

professora em acolher o trabalho. Ela o considerou interessante e disse que faria o

que estivesse a seu alcance para facilitar a sua realização e que seria um prazer ser

pesquisada com seus alunos. A escola nos colocou que sua instituição também

recebia muitas estagiárias de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo

e que ter a presença de estudantes e pesquisadores em suas salas de aula já era

uma prática comum.

No dia 1° de setembro, fomos apresentada às criança s em sala de aula. Sentamos

numa roda e explicamos sobre a pesquisa que a visava conhecer como crianças

aprendem a ler e a escrever e conversamos sobre a nossa condição de estudante.

Perguntamos se aceitariam o trabalho e elas disseram que sim. A partir desse

momento, nos envolvemos com as crianças e a professora em brincadeiras, jogos e

auxiliando na orientação das atividades de forma a criar vínculos com o grupo. Os

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momentos das brincadeiras eram os mais divertidos. A roda era composta em um

dos cantos da sala sobre um tapete de borracha, de forma retangular de encaixe e

vazio ao meio. Os encaixes do tapete eram ilustrados com letras e numerais. Na

roda, eram feitos os combinados, ou seja, o planejamento do dia. Nesse momento,

eram feitas brincadeiras e a professora contava histórias. As crianças se sentavam

ainda no tapete para ler textos escritos em fichas, ao concluírem os trabalhos

propostos pela professora.

Como dito, passamos duas semanas em sala para uma familiarização mútua com as

crianças. Nesse período, por nossa solicitação, a professora da classe enviou aos

pais ou responsáveis pelas crianças o pedido de autorização (ANEXO A) de

participação dos seus filhos na pesquisa. Passaram-se três semanas para que as

autorizações retornassem. Duas crianças não foram autorizadas a participar do

trabalho. Uma delas vivia com a tia, que não tinha a sua guarda legal, e a outra

estava vivendo com uma avó que, por motivos religiosos, não permitiu a participação

da criança. Dessa forma, tomamos o cuidado de não filmá-los e os seus escritos não

foram utilizados nas análises.

A pesquisa com crianças requer cuidado e atenção, pois são sujeitos de direito, que

produzem cultura e são autoras de suas histórias. Esses cuidados envolvem

medidas simples, como os pedidos de autorização para divulgação e utilização de

materiais escritos produzidos pelas crianças. Quanto à divulgação dos nomes,

optamos por utilizar apenas letras iniciais para preservar as identidades das crianças

e da professora da classe e, também, optamos por não mencionar o nome da escola

pesquisada. Kramer (2002) critica o fato de não utilizarmos os nomes verdadeiros

das crianças, mas apenas as suas iniciais, pois, desse modo, as colocamos ou

deixamos no anonimato, tornando-as ausentes de sua história. Essa é uma

contradição que assumimos, pois consideramos uma questão complicada que

envolve princípios éticos na pesquisa e com relação às crianças e seus familiares.

Após obter as autorizações de participação das crianças, preparamo-nos para iniciar

as entrevistas com as crianças. Elas tinham por finalidade conhecer melhor as

crianças, as suas famílias, os tipos de materiais escritos que possuíam em casa e as

suas brincadeiras prediletas. Segundo Morgan (1988), a “[...] entrevista consiste

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numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas, embora por vezes

possa envolver mais pessoas”. É dirigida por uma das pessoas com o objetivo de

obter informações sobre a outra. Sentamos com elas na roda e conversamos sobre

o que era uma entrevista, falamos de repórteres que realizam entrevistas para a

televisão ou jornais, explicamos de que forma realizaríamos as entrevistas e qual

era o seu objetivo. Conversamos ainda sobre como sairiam da sala de aula de modo

a não perturbar o desenvolvimento da aula. Desse modo, combinamos que cada

criança saberia que deveria se dirigir ao local da entrevista quando recebesse uma

caneta das mãos daquele que acabava de ser entrevistado. As crianças preferiram

que eu chamasse cada uma delas por ordem alfabética. Para realização das

entrevistas, foi utilizado um formulário (ANEXO B) contendo questões sobre a idade,

endereço, tempo de estudo na escola, tipo de brincadeira preferida, tipos de

materiais escritos que possuíam em casa, estrutura familiar, profissão e renda dos

pais.

As entrevistas foram realizadas em um ambiente próximo à sala de aula. Esse

ambiente era decorado com sofás, uma mesinha de centro e um aquário. Era um

lugar muito aconchegante. As crianças vinham uma a uma, em ordem alfabética,

sentavam do nosso lado e explicávamos que faria algumas perguntas para

conhecê-las melhor. Elas demonstravam satisfação nessa participação e

respondiam com atenção a todas as perguntas. Ao final, algumas perguntavam: “Já

terminou?” como se quisessem conversar um pouco mais.

3.2 A ESCOLA E A SALA DE AULA

O Centro Municipal de Educação Infantil escolhido para o desenvolvimento da

pesquisa fica localizado no perímetro urbano da Ilha de Vitória. A estrutura física era

composta por dez salas de aula, uma sala de informática, uma biblioteca, um

refeitório, uma cozinha, uma lavanderia, um depósito de materiais, um espaço de

fantasias, um pátio coberto, um pátio de areia, uma área de cimento, dois banheiros

infantis, dois banheiros de adulto, um palco com cortina na área de entrada para

teatros, um espaço com sofás na recepção, uma secretaria, uma sala de direção,

uma sala de pedagogos.

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Os espaços das salas de aula eram mobiliados com armários e estantes, compostos

com jogos pedagógicos, brinquedos, livros, cartazes, quadro-de-giz, cadeiras,

mesas de criança. Eram espaços arejados e iluminados, todos possuíam janelas. A

rotina da sala de aula era estabelecida com a entrada das crianças até às 7h15min,

depois lhes era oferecida uma fruta na sala de aula e, em seguida, eram realizadas

as atividades propostas pela professora. Às 10h30min as crianças iam para o pátio

de areia. Nesse horário, a professora fazia o seu lanche por 20 minutos. Às

11h20min as crianças almoçavam e depois seguiam para a sala de aula para a

saída às 11h45min.

O ambiente da escola era repleto de material escrito. Os trabalhos das crianças de

todas as salas de aula ficavam expostos do lado de fora das salas em mesas e nas

paredes. Dessa forma, todas as crianças e pais podiam apreciar e conhecer os

trabalhos que eram desenvolvidos em todas as turmas. Havia murais contento

cartaz de aniversariantes, quadro de avisos para os pais, para os professores e

quadros de mensagens com reflexões. As salas eram sinalizadas com o nome a

que se destinavam, ou seja, Pré A, Direção, Secretaria, Banheiro feminino,

masculino, Almoxarifado, Dispensa, Cozinha, Refeitório, Sala de Professores, Sala

de Informática, entre outros.

3.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA

Foram sujeitos da pesquisa uma turma do Pré, composta de 17 crianças, sendo oito

meninas e nove meninos, e a professora da classe. Para a caracterização das

crianças envolvidas na pesquisa, utilizamos um formulário (ANEXO B) que foi

preenchido com entrevista com as crianças e por meio da consulta à ficha de

matrícula existente na secretaria da escola. Descreveremos as informações

coletadas sobre as crianças que participaram da pesquisa. As informações obtidas

foram organizadas em tabelas (ANEXO C).

Participaram da pesquisa 17 crianças. Quinze (88,23 por cento) tinham a idade

variando entre seis anos e quatro meses e seis anos e dez meses e duas (11,76 por

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cento) crianças tinham cinco anos e dois meses uma e cinco anos e quatro meses

outra. Essas duas crianças foram matriculadas nessa turma, porque não havia

vagas na turma de cinco anos, Jardim II. Dessa forma, de acordo com informações

obtidas na escola, as crianças permaneceriam, no ano seguinte, na mesma turma.

Havia na sala de aula oito (47,05 por cento) crianças do sexo feminino e nove (52,94

por cento) crianças do sexo masculino.

A maioria das crianças já estudava no Centro de Educação Infantil. Apenas quatro

(23,52 por cento) começaram a estudar na escola naquele ano. As idades em que

as crianças começaram a freqüentar a Escola variou entre dois e seis anos. Sete

(41,17 por cento) freqüentavam a escola desde os dois anos de idade, duas (11,76

por cento) começaram com três anos de idade, duas (11,76 por cento) com quatro

anos e outras duas (11,76 por cento) com cinco anos de idade.

Em relação ao tipo de material escrito que as crianças possuíam em casa, 16 (94,11

por cento) disseram ter revistas, 15 (88,23 por cento) falaram que possuíam livros,

14 (82,35 por cento) disseram ter jornais, e três crianças disseram que às vezes

compravam a Tribuna ou a Gazeta (ambos jornais de circulação do Estado). Uma

(5,88 por cento) criança disse ter um caderno de Família de Fotos. Quanto aos

títulos desses materiais, as crianças disseram que os livros eram de histórias, como

a da Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, a Bela e a Fera, a Bíblia, livro de

Animais e nome dos animais, livro de apostila do Sesi, livros “velhos da Mamãe”.

Quanto às revistas, apenas algumas (23,52 por cento) crianças disseram os títulos

como Veja, Gibis, e revista da Avom. Quanto aos jornais, disseram que seus pais e

avôs compravam a Gazeta e a Tribuna e o Jornal da Rua.

As diversões preferidas apontadas pelas crianças foram brincar de esconder, de

pique-alto, de pega-pega, brincar com a gatinha, brincar de carrinho, brincar de

escolinha, brincar de power-rangerl, de mine-game, brincar de boneca, brincar de

restaurante, brincar de pescar com o pai, brincar de balanço, escorregador, ir na

pracinha, brincar de garrafa envenenada, brincar de pintar quadros, brincar de

panelinha, brincar de falcão real. As brincadeiras apresentadas com maior

freqüência foram: brincar de escolinha (17,64 por cento) e de pique-alto (11,76 por

cento).

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Quanto às pessoas que moravam com as crianças, identificamos que oito (47,05 por

cento) moravam com aos pais e os irmãos, quatro (23,52 por cento) moravam com

mãe, irmãos e avós, duas (11,76 por cento) moravam com mãe, tias, irmãos e

primos, uma (5,88 por cento) morava com mãe e empregada, uma (5,88 por cento)

morava com mãe e irmão e uma (5,88 por cento) morava com mãe, tia e amigas.

As profissões dos pais eram bem variadas envolvendo pessoas que cursaram

Ensino Fundamental até nível superior e pós-graduação, mesmo as pessoas que

trabalhavam ainda continuam estudando. Dentre as profissões, identificamos:

advogado, dentista, pedagoga, secretárias, professora, porteiro, policial – capitão,

fiscal de mercadorias, digitadora, empregada doméstica, mecânico, manicura,

cabelereira, dono de banca de revista, vendedor de peças automotivas, datilógrafo,

motorista, artesão de telas para pintura, vendedora e do lar.

Em relação à renda das famílias, consultamos documentos existentes na Escola que

eram o Plano Anual de Trabalho e o Projeto Político-Pedagógico. Constatamos que

três (17,64 por cento) famílias possuíam renda de sete a nove salários mínimos,

cinco (29,41 por cento) possuíam renda de três a quatro salários mínimos, quatro

(23,52 por cento) famílias possuíam renda entre quatro e cinco salários mínimos,

três (17,64 por cento) famílias possuíam renda de dois salários mínimos e meio e

duas (11,76 por cento) não declararam. Quanto ao nível de instrução dos pais,

constatamos que foi bem variado: treze (76,45 por cento) possuíam o Ensino

Fundamental completo, apenas quatro (23,52 por cento) pais tinham apenas até a

quarta série, nove (52,93 por cento) pais possuíam o Ensino Médio e oito (47,05 por

cento) pais possuíam a Graduação e um (5,88 por cento) deles estava cursando a

Pós-Graduação. Verificamos ainda que sete crianças (41,17 por cento) não

possuíam irmão, sete crianças (41,17 por cento) possuíam dois irmãos, duas

crianças (11,76 por cento) possuíam dois irmãos e uma criança (5,88 por cento)

possuía três irmãos. A quantidade de filhos demonstra um certo controle devido à

renda das famílias.

Para a caracterização da professora, utilizamos um questionário (ANEXO D). Esse

questionário foi entregue a ela para que o respondesse, pois ela preferiu preencher

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o questionário ao invés de participar de uma entrevista. A professora tinha a idade

entre trinta e seis e quarenta anos, trabalhava em duas escolas, uma pública e outra

particular, e era uma profissional em regime efetivo no sistema municipal de ensino

de Vitória. Sua formação era em Pedagogia e possuía Pós-Graduação lato sensu

em Psicopedagogia. Segundo ela, exercia a profissão há mais de dez anos e

adquiriu sua experiência profissional na docência da Educação Infantil e, também,

em curso de formação como o Pós-Médio que realizou por um ano em Educação

Infantil. Assinava revistas que contribuíam para o enriquecimento profissional, como

Veja e Nova Escola, e participava de Congressos e Seminários na área de

Educação. Suas atividades culturais eram variadas e, de acordo com a professora,

com uma freqüência razoável, ia ao teatro, cinema, assistia a vídeos, a Tv e ouvia

rádio. Lia diariamente os jornais locais na instituição onde trabalha e, às vezes,

outros jornais do país. Disse ainda que lia livros variados sobre educação, livros

didáticos, periódicos diversos e na área da educação, livros de ficção, romance e

auto-ajuda.

Considera que a alfabetização na Educação Infantil deve ser

um processo construção contínua colocando as crianças em contato permanente com ‘materiais escritos’, jogos, histórias, mostrando desde as turmas menores a função social da leitura e da escrita (Trecho retirado do questionário respondido pela professora).

Quanto à concepção de alfabetização, considerava que “ [...] é o processo pelo qual

podemos construir possibilidades de conhecer o mundo letrado, de fazer parte de

uma categoria de privilegiados que consegue decifrar e entender o mundo

promovendo a comunicação”. “Alfabetização é a condição de se promover a

igualdade de oportunidades, de se construir a liberdade de expressão”.

“Conhecendo a leitura e a escrita convencional o homem tem acesso ao

conhecimento e pode construir seu próprio caminho e desvendar o mundo” (Trecho

retirado do questionário respondido pela professora).

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4 O TRABALHO COM A ESCRITA NA SALA DE AULA

O objetivo de nossa pesquisa é investigar o trabalho com a linguagem escrita em

crianças numa turma de seis anos, de uma Instituição de Educação Infantil do

Sistema Municipal de Ensino de Vitória, enfocando, nas análises, as condições em

que essas produções ocorreram e o processo de produção de sentidos nos textos. É

importante destacar que o trabalho de Smolka (2001) foi desenvolvido considerando

a dimensão discursiva da alfabetização e, dessa forma, serviu como orientação para

pensarmos o desenvolvimento deste estudo. Assim, em termos específicos, este

trabalho teve por finalidade analisar os textos elaborados pelas crianças, tendo em

vista as condições em que foram produzidos.

Segundo Geraldi, conforme destacado, no trabalho de produção de textos, nas salas

de aula, é necessário que os professores constituam condições para que:

a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz

para quem diz [...]; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d)

(GERALDI, 2003, p. 137).

Desse modo, tomaremos como referência nas análises esses elementos, que devem

ser considerados como condições essenciais para o trabalho com a produção de

textos nos espaços educativos institucionais. É importante acentuar que as nossas

análises evidenciarão a dificuldade, na maioria das situações, de encontrar

condições adequadas para o trabalho de produção de textos pelas crianças. Como

poderá ser visto, essa dificuldade está relacionada com os modos como o trabalho

com a escrita era desenvolvido com as crianças e, conseqüentemente, com as

concepções de linguagem e de alfabetização que orientam este trabalho. Apesar

dessas dificuldades, encontramos textos interessantes produzidos pelas crianças e

que serão analisados no decorrer deste estudo.

A nossa proposta de analisar a construção dos sentidos dos textos produzidos pelas

crianças é um exercício de análise das condições de produção e da leitura das

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motivações possíveis que as crianças tiveram ao produzirem seus textos. Tomamos

como base, especialmente, as pistas que o texto nos oferece.

Por meio de uma análise inicial da totalidade dos textos produzidos pelas crianças,

durante o tempo em que permanecemos em campo, identificamos seis propostas

diferentes de produção de escrita que serão tomadas nas análises. É necessário

destacar que, além dessas, outras foram realizadas: escritas de listas de palavras,

cópias de músicas, de parlendas, etc. Entretanto, selecionamos propostas em que

as crianças eram incentivadas a escrever sem a presença do modelo. Os seis tipos

de propostas selecionados foram: escrita de palavras e sentenças a partir de

gravuras (48 textos); reescrita de texto de memória (14 textos); produção de texto a

partir de uma palavra-chave (13 textos); produção de textos a partir de imagens em

quadrinhos (11 textos); produção de textos a partir de uma imagem (27 textos);

produção de texto escrito a partir de desenhos elaborados pela própria criança (85

textos)6. As escritas produzidas pelas crianças foram fotografadas com uma câmera

digital. Para registro dos momentos em que foram elaboradas, utilizamos a filmagem

com câmera de vídeo e, também, fizemos registros em diário de campo, quando não

houve condições de utilizar filmagens. Os dados filmados foram transcritos para

análise e os textos foram impressos também com essa finalidade.

Organizaremos este capítulo, que visa à análise das condições das produções de

textos e do processo de constituição de sentidos pelas crianças, a partir das

propostas de escrita conduzidas pela professora da classe. Nomeamos de propostas

de escrita as tarefas conduzidas pela professora, por considerarmos que não se

constituem em propostas de produção de textos, pois as condições em que foram

realizadas se distanciam daquelas mencionadas anteriormente com base em Geraldi

(2003).

6 O número colocado entre os parênteses se refere à quantidade de textos produzidos pelo

grupo de crianças no período em que estivemos em sala de aula.

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4.1 ESCRITA DE PALAVRAS E DE SENTENÇAS A PARTIR DE GRAVURAS

A escrita de palavras a partir de gravuras ocorreu três vezes no período em que

estivemos em sala de aula. Duas das propostas analisadas possuíam o mesmo

enunciado, mas o conjunto de gravuras era diferente. A escrita ocorria a partir da

leitura realizada pela professora do enunciado da atividade e com explicações que

se seguiam à leitura. Apresentaremos apenas um exemplo de como a professora

conduzia a proposta de escrita de palavras, pois as situações eram muito

semelhantes: “Escreva o nome dos desenhos... vocês vão escrever o nome dos

desenhos na linha embaixo do desenho” (P7 ).

Examinaremos dois exemplos de escritas produzidas pelas crianças nessas

circunstâncias. Como pode ser observado nas ilustrações, havia uma linha embaixo

dos desenhos para que as crianças escrevessem as palavras solicitadas:

7 A letra P será utilizada para se referir à professora As crianças serão identificadas com as letras iniciais de seus nomes e letras intermediárias, pois existem crianças cujos nomes começam pela mesma letra e, quando se tratar da fala de várias crianças, ao mesmo tempo, usaremos Cs. Quando uma criança não for identificada, adotaremos C. A pesquisadora será referida com a inicial B, do seu nome.

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Foto – 1 (Escrita de De, 10 de outubro de 2004) Escreva o nome dos desenhos abelha galhinha gaiola coelho sorvete livro pássaro óculos laço

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Foto – 2 (Escrita de Ga, 9 de setembro de 2004) 1- Observe as figuras e escreva os nomes: bolo dado boné doce bala lua 2- Escolha duas figuras e forme frases: O dado tem quatro lados iguais. Eu gosto de bala.

As escritas de frases a partir de gravuras possuíam enunciados semelhantes aos

escritos nas tarefas de escrita de palavras: “Forme uma frase para cada figura”,

“Observe os desenhos e forme frases”. As orientações feitas pela professora para

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escrita ocorriam também de forma semelhante ao que foi mencionado e

exemplificado para a escrita de palavras.

Mostraremos um exemplo que ilustra as circunstâncias de produção de sentenças.

Esse exemplo foi transcrito a partir de filmagens realizadas da sala de aula, em

momentos em que esse trabalho ocorria. As crianças estavam dispostas em mesas

com quatro cadeiras e, portanto, organizadas em grupo de três e quatro em cada

mesa. Essa forma de organização era constante na maior parte do tempo em que as

crianças estavam na sala de aula:

P — Essa atividade é para formar frases... forme uma frase para cada figura... vocês vão escrever sobre a borboleta... o sorvete... a flor e o carro... escrevendo uma frase sobre cada figura... o que eu posso escrever sobre o sorvete? C — O sorvete é gostoso. P — Então, vamos escrever as frases e depois vocês podem pintar as figuras.

Como pode ser observado na transcrição acima, as crianças eram orientadas a

escrever sentenças sobre as figuras. Após a orientação, a professora perguntou: “O

que eu posso escrever sobre o sorvete?”. Imediatamente, uma criança respondeu:

“O sorvete é gostoso”. Na maioria das situações, o diálogo era concluído com as

respostas das crianças. Enquanto algumas começavam a escrever as sentenças

após o término das orientações, outras iniciavam a tarefa antes, pois estavam

habituadas a realizar esse tipo de escrita. O fato de a maioria das crianças

concluírem as atividades rapidamente e sem necessitar de colaboração da

professora ou de outro colega sugere que as consideravam fáceis, o que é reforçado

pela evidência de que grande parte possuía o domínio do caráter alfabético da

escrita. Assim, as crianças levavam mais tempo pintando as figuras do que

escrevendo as frases.

Nos exemplos apresentados em seguida, outro dado que pode ser observado é a

repetição de frases, ou seja, mais de uma criança escreveu a mesma frase para os

desenhos, como “A borboleta voa”, “O sorvete é gostoso” e “A flor é bonita”. O fato

de se sentarem em grupos, numa mesma mesa, certamente influenciava a formação

de sentenças idênticas e, também, o fato de a professora pedir que elaborassem

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oralmente as sentenças, no momento de orientar para a realização da escrita. Serão

apresentadas três atividades realizadas por crianças de um grupo:

Foto – 3 (Escrita de Ga, 23 de outubro de 2004) a borboleta é bonita o sorvete é gostoso a flor é bonita o carro é rápido

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Foto – 4 (Escrita de Am, 28 de setembro de 2004) A borboleta voa O sorvete é gostoso A flor é bonita O carro corre

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Foto – 5 (Escrita de H, 28 de setembro de 2004) A borboleta voa O sorvete é de casquinha A flor é vermelha O carro tem vidro

Analisando as frases produzidas pelas crianças, percebemos que a estrutura

sintática era simples, apresentando um sujeito, um verbo e um predicado, sendo o

sujeito o objeto da figura sobre a qual as crianças deveriam escrever. O espaço para

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a escrita era delimitado por uma linha na frente do desenho o que, em nossa

opinião, limitava a escrita e, conseqüentemente, definia o tipo de construção frasal.

Percebemos, por meio da análise da escrita de palavras e frases, que a professora

reproduzia atividades presentes em cartilhas de alfabetização. Esse tipo de trabalho

fragmenta a linguagem em palavras e sentenças isoladas entre si e do contexto

sociocultural, ou seja, as figuras sobre as quais as crianças deveriam escrever não

mantinham relações entre si e eram desvinculadas dos contextos em que são

usadas. Dessa forma, segundo Braggio (1992, p. 15), “[...] a aprendizagem ou

aquisição da linguagem escrita é vista [...] como um processo repetitivo, mecânico”

e a concepção de linguagem estabelecida na prática fundamentava-se na visão da

“[...] língua como um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a

uma norma [...]” (BAKHTIN, 2002, p. 82) que precisa ser aprendida pelas crianças

para escreverem corretamente.

As frases elaboradas pelas crianças são caracterizadas pela impessoalidade e

apresentam, como dito, características das frases de cartilhas de alfabetização. Os

tipos de enunciados produzidos, segundo Dietzsch (1990, p.33),8 podem ser

denominados de enunciados assertivos, “[...] em que o locutor atribui predicados à

‘não pessoa’”, como nos exemplos indicados anteriormente: “A borboleta voa”, “O

sorvete é gostoso”, “A flor é bonita”, “O carro corre”. Esse tipo de enunciado

caracteriza um discurso “[...] em que a correlação de pessoa não é marcada,

encolhendo-se o espaço para o diálogo e a interação entre os interlocutores”

(DIETZSCH, 1990, p. 36). Com outras palavras, a maioria das frases criadas pelas

crianças se referia a uma não pessoa, conseqüentemente, como afirma a autora,

não havia tentativa de estabelecer relações com outras pessoas por meio da escrita.

Dessa forma, o dizer por meio da escrita era negado ao aprendiz da leitura e da

escrita que devia escrever frases e palavras.

As atividades evidenciam que a alfabetização é acentuadamente concebida como

processo de codificação e decodificação. “Não se dá nenhuma atenção ao

8 Essa autora realizou um trabalho de análise de cartilhas de alfabetização que evidenciou que a maioria dos enunciados retirados dessas cartilhas podia ser categorizado como enunciados assertivos.

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significado, aos usos e funções da linguagem, ao contexto onde é produzida”

(BRAGGIO, 1992, p.9). Assim, a atividade de escrita se tornava artificial para a

criança. A utilização do código escrito se limitava à codificação de palavras a partir

da leitura das figuras. Essa prática desconsidera a experiência de vida e a história e

lingüística dos alunos e centra, portanto, o trabalho na aquisição do código escrito.

Percebemos ainda que as atividades de escrita de palavras e de frases sobre

desenhos não promoviam o desenvolvimento das crianças, pois elas já possuíam o

domínio do código alfabético da escrita. Essa percepção foi possível, por meio da

observação de momentos em que as crianças escreveram palavras utilizando o que

era denominado banco de palavras, que era colocado ao final da folha do exercício

para que a criança o consultasse, se tivesse dúvidas na escrita de uma delas.

Observamos que as crianças não necessitavam mais dele para escrever as palavras

e nem mesmo eram incentivadas a consultá-lo para conferir a grafia correta, tanto

que identificamos que uma criança escreveu “COELIO”, para a palavra coelho,

demonstrando que não se ateve ao banco de palavras, conforme a imagem

apresentada.

Vigotski (2001), ao discutir a relação entre desenvolvimento e aprendizagem,

considera que a aprendizagem é fundamental nos processos de desenvolvimento.

Para esse autor, o desenvolvimento dos conceitos científicos de caráter social se

produz nas condições do processo de instrução, que constitui em uma forma

singular de cooperação sistemática do professor com a criança. A visão de Vigotski

sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem sugere que os professores

devem elaborar/planejar o trabalho educativo considerando aquilo que a criança não

sabe fazer sozinha e, por isso, precisa da colaboração do professor ou de colegas

mais experientes para realizá-las, pois a aprendizagem colaborativa produz novos

processos de desenvolvimento. Assim, consideramos que o fato de as crianças

realizarem sozinhas atividades de escrita de frases e de palavras não possibilitava a

ampliação de suas capacidades de uso da escrita e de domínio do sistema de

escrita. O bom ensino, conforme assinala Vigotski, é aquele que se adianta ao

desenvolvimento. Portanto, as atividades não geravam o desenvolvimento, pois as

crianças já sabiam fazer e não necessitavam de colaboração para efetuar as tarefas.

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4.2 REESCRITA DE TEXTO DE MEMÓRIA

A atividade de escrita de texto que as crianças já haviam memorizado consistiu no

registro de uma parlenda. A escrita desse tipo de texto foi realizada mais de uma vez

pelas crianças. No entanto, algumas vezes, elas tiveram acesso ao texto original e

fizeram a sua cópia. Apenas no momento em que escreveram a parlenda intitulada

Rua 24, elas escreveram de memória. O texto já havia sido lido e estudado em sala

de aula em outro momento. Textos como esse e outros tipos (músicas, poesias,

charadas e tirinhas) ficavam em um sacolão transparente cheio de bolsos. Quando

terminavam as atividades, as crianças tinham o hábito de se sentarem no tapete de

borracha para ler esses textos.

A professora iniciou a proposta de escrita lendo para as crianças o enunciado que

estava na folha onde iriam escrever:

P — Você se lembra desta parlenda? Então tente escrevê-la... então, crianças, como é mesmo? Cs — Lá na rua 24... a mulher matou o gato... com a sola do sapato... o sapato encolheu... a mulher morreu... o culpado foi aquele... que se mexeu.

Desse modo, a transcrição acima evidencia que o objetivo da atividade era o registro

de um texto que as crianças haviam memorizado, tanto que o repetiram quando as

professora perguntou como era o texto. O trabalho com esse tipo de texto nos

remete a pensar sobre a história recente da alfabetização e, portanto, nas mudanças

que ocorreram nesse campo que levaram a professora a trabalhar com as crianças

esse tipo de texto. Por outro lado, remete aos programas de formação de

alfabetizadores elaborados por especialistas do Ministério da Educação e Cultura

(MEC). Antes, porém, será apresentada a escrita produzida por P. :

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Foto – 6 (Texto de P, 29 de setembro de 2004) La na rua 24 A muhe matou o sapo Com a sola sapato O sapato encolheu A mulher morreu O culpado foi aquele Que se mxeu.

A discussão sobre quais métodos utilizar era uma preocupação constante entre os

educadores, até a década de 1970. Os métodos mais utilizados podem ser

denominados, de acordo com Mortatti (2000, p. 265), “[...] métodos sintéticos, que

partem de elementos menores que a palavra, e métodos analíticos, que partem da

palavra ou de unidades maiores”. Existia, ainda, a proposta de métodos mistos, “[...]

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que participariam das benevolências de um e de outro” (MORTATTI, 2000, p. 266),

método anteriormente mencionado.

Dentre outras questões e problemas, o fracasso escolar das camadas populares,

especialmente da passagem da 1ª para a 2ª série, se torna a tônica das discussões

dos seminários e congressos no campo da educação. De certa forma, a constatação

desse fracasso, no final de década de 1970, levou a que a cartilha e os métodos

tradicionais de ensino passassem a ser questionados com mais intensidade no meio

acadêmico, o que pode ser constatado, na produção de pesquisas (dissertações e

teses) que não enfocavam mais a questão dos métodos, mas como as crianças

aprendem a ler e a escrever.

Essa mudança no foco das discussões foi influenciada com a tradução e introdução,

no meio educacional brasileiro, da teoria construtivista de Emília Ferreiro e

colaboradores, a respeito da aquisição da língua escrita, que é vista por essa autora,

segundo Mortatti (2000, p. 264),

[...] como um processo psicogenético, que se inicia antes da escolarização e que ‘segue uma linha de evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas situações educativas e de diversas línguas’ (Ferreiro, 1985, p.19), numa relação direta entre ontogênese e filogênese.

Assim, as teorizações de Ferreiro e colaboradores, fundadas nas elaborações da

psicolingüística moderna e na teoria de Piaget sobre o desenvolvimento da

inteligência, possibilitaram outra forma de pensar o “saber lingüístico” que a criança

possui e chega com ele na escola e, portanto, uma nova forma de pensar a

aprendizagem da língua escrita, em que não era mais possível desconsiderar o que

a criança sabe sobre a língua. Dessa forma, enfatizaram a língua escrita “[...] como

um sistema de representação e objeto cultural, resultado do esforço coletivo da

humanidade e não como código de transcrição de unidades sonoras nem como

objeto escolar [...]” (MORTATTI, 2000, p. 266-267).

A teoria construtivista se expandiu no Brasil, veiculada em discursos oficiais, em

cursos de capacitação, livros sobre o assunto, divulgada em sistemas de televisão e

fascículos como uma proposta de alfabetização efetiva e emancipadora. Mesmo

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com todo o aparato construído para a divulgação das propostas fundadas em uma

perspectiva construtivista, a grande maioria dos educadores não sabia trabalhar sem

um método de ensino e questionava que tipo de material poderia substituir a cartilha,

pois as críticas feitas por Ferreiro e Teberosky (1985) aos métodos considerados

tradicionais ajudaram a construir a idéia de que esses métodos eram inadequados

às hipóteses construídas pelas crianças no curso de evolução da escrita. Diante de

tal situação, aumenta o número de informações veiculadas sobre o construtivismo,

organizam-se grandes seminários, palestras, produzem-se fitas de vídeo e

fascículos para serem distribuídos.

No final da década de 1980, também passam a fazer parte das publicações os

estudos de Vigotski e Luria, considerados “interacionistas”, como forma de

contemplar a questão “social” pouco abordada no “construtivismo”.9 O trabalho de

Smolka (1989) representa, no final da década de 1980, uma espécie de confronto à

teoria construtivista de Ferreiro que, de acordo com Mortatti (2000, p. 276), é “[...]

uma tendência verificada nas tematizações, normatizações e concretizações

relativas à alfabetização: o gradativo deslocamento para o ‘discurso interacionista’”,

em virtude de um “[...] certo esgotamento e questionamento do ‘discurso

construtivista’ – sem, no entanto, que se o desconsidere e sem que se abandone a

abordagem psicolingüística”. Esse processo acaba por gerar ainda, como comenta a

autora, um ecletismo configurado nas expressões “socioconstrutivismo” ou

“construtivismo-interacionista”.

Mortatti (2000) cita ainda que, nesse mesmo período, os estudos de João Wanderley

Geraldi contribuem para disseminar a idéia de trabalho com textos, “[...]

compreendido sempre como uma atividade de produção de sentidos; o professor

passa a ser entendido como um interlocutor ou mediador entre o texto – objeto de

ensino – e a aprendizagem, e o aluno, como sujeito leitor e autor de seus textos”

(MORTATTI, 2000, p. 278). Uma das principais contribuições de Geraldi para a

alfabetização está em “[...] discutir esse processo como integrante do ensino da

9 Essas idéias são desenvolvidas por Mortatti (2000) sobre a história da alfabetização no Estado de São Paulo, mas nos ajudam a pensar o movimento que se desenvolveu no Estado do Espírito Santo e em muitos outros Estados brasileiros.

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língua e subordinado aos pressupostos advindos do interacionismo lingüístico”

(MORTATTI, 2000, p. 278).

Achamos pertinente esclarecer que o sentido da expressão inter-ação, adotada por

Geraldi (1984) em seus estudos, se distancia, em nossa opinião, do modo como

Mortatti a interpreta em seu livro. Para o autor, a linguagem é concebida como inter-

ação, porque é “[...] vista como um lugar de interação humana: através dela o sujeito

que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o

falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não pré-

existiam antes da fala” (GERALDI, 1984, p. 43). Portanto, essa concepção de

linguagem constituída nas relações sociais e, dessa forma, fonte da formação de

sujeitos, não está vinculada à difusão de modelo interacionista, conforme designa

Mortatti.

Nesse contexto, os autores das cartilhas apresentam, nos títulos dos livros, novas

expressões vinculadas ao discurso construtivista, de forma a seduzirem os

professores. Novas cartilhas foram produzidas, “[...] as mais recentes denominadas

‘construtivistas’ ou ‘socioconstrutivistas’ ou ‘construtivistas interacionistas’, trazendo

uma nova demanda de textos a serem veiculados, “[...] extraídos de jornal, de bulas

de remédio, receitas culinárias, out-doors [...]” (MORTATTI, 2000, p. 257), entre

outros, como a parlenda. Esses textos tinham o objetivo substituir a cartilha e de “[...]

evitarem os males denunciados como conseqüência de seu emprego” (MORTATTI,

2000, p. 257) e pela utilização de palavras, sílabas ou letras descontextualizadas

para ensinar as crianças a ler e a escrever.

Desse modo, textos como a parlenda são introduzidos nas “novas cartilhas” e,

conseqüentemente, nas práticas docentes de ensino da leitura e da escrita. Esse

trabalho pode ser visto, por exemplo, na situação de produção de texto mostrada

anteriormente. Essa situação evidencia ainda as mudanças que passam a ocorrer

nas salas de aula, sobretudo, por influência, particularmente, na cidade de Vitória,

do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), que é

orientado por uma concepção construtivista de alfabetização. Nessa direção, é

importante lembrar o trabalho de Costa (2004) que evidenciou o que foi dito por meio

da análise dos documentos que constituem o PROFA. Assim, a autora afirma:

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A leitura dos textos do PROFA mostra que os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) orientaram a concepção do processo de apropriação da leitura e da escrita desse Programa. Essa afirmação foi possível, por meio da comparação de enunciados encontrados ao longo do texto com a produção das autoras, no seu livro Psicogênese da língua escrita, umas das mais importantes obras dessas pesquisadoras (COSTA, 2004, p. 31).

Segundo o documento do PROFA (2001, Módulo 2, p. 1), as parlendas, as cantigas

de roda, as quadrinhas, os trava-línguas e outros tipos “[...] são antigas

manifestações da cultura popular, universalmente conhecidas e mantidas vivas

através da tradição oral”. São textos que pertencem a uma “[...] longa tradição de

uso da linguagem, para cantar, recitar e brincar” (p.1). Esses textos são de domínio

público e foram passados de geração a geração, de boca a boca e alguns ninguém

sabe quem inventou. De acordo com esse mesmo material, as “[...] parlendas são

conjuntos de palavras com arrumação rítmica em forma de verso, que podem rimar

ou não. Geralmente envolvem alguma brincadeira, jogo, ou movimento corporal”

(PROFA, 2001, Módulo 2, p. 3).

As orientações para o trabalho com esses tipos de textos orais no documento do

PROFA são muitas, como: a leitura pelo professor desses textos diariamente, para

que os alunos se familiarizem e se apropriarem do repertório; a leitura compartilhada

(professor e alunos) de textos conhecidos, para que os alunos possam inferir e

antecipar os significados durante a leitura; a escrita individual, para que o aluno

possa escrever segundo suas próprias hipóteses, para refletir sua forma de escrita

das palavras. Segundo o documento, “[...] é importante criar momentos na rotina da

sala de aula em que os alunos possam escrever sozinhos. Por exemplo: pedir que

os alunos escrevam uma parlenda que conhecem de memória” (PROFA, 2001,

Módulo 2, p. 5). O documento ressalta que esse tipo de texto não deve ser corrigido,

pois “[...] não há um destinatário específico, é fundamental aceitar as hipóteses e

não interferir diretamente nas produções” (PROFA, 2001, Módulo 2, p. 5).

Além disso, vale acrescentar que essa idéia de escrever sem criar as condições

necessárias está presente no próprio Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de

Língua Portuguesa quando trata da alfabetização e ensino da língua, e registra a

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importância de o aluno produzir textos, sozinho ou em colaboração com o escriba,

mas não trata das condições de produção, como percebemos no trecho a seguir:

“Um aluno que produz um texto, ditando-o para que outro escreva, produz um texto

escrito, isto é, um texto cuja forma é escrita ainda que a via seja oral” (PARAMETRO

CURRICULAR NACIONAL, 1997, livro 2, p. 28). Afirma ainda que “[...] o produtor do

texto é aquele que cria o discurso, independentemente de grafá-lo ou não”.

Como vimos, a preocupação gira em torno da aquisição do código alfabético, mas

em nenhum momento trata das condições de produção, como apresenta Geraldi

(2003). Podemos ressaltar, também, as orientações sobre o processo de

aprendizagem da linguagem escrita no RCNEI que diz “[...] para aprender a ler e

escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual:

precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma

ela representa graficamente a linguagem [...]” (REFERENCIAL CURRICULAR

NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL, 1998, v. 3, p. 122), pois, desse modo,

a criança poderá participar das diversas formas sociais de escrita e produzir textos.

Esse documento também não ressalta as condições de produção.

Mesmo com a orientação do PROFA sobre o trabalho com a parlenda, já que a

atividade que analisamos segue essas orientações, pensamos que deve ocorrer de

forma mais significativa para as crianças, o texto, pode sim, ser trabalhado de outra

forma, ser corrigido, ser discutida a formação de sentenças e sua estrutura frasal,

seu estilo e até mesmo compará-lo com outros tipos de texto.

4.3 PRODUÇÃO DE TEXTO A PARTIR DE UMA PALAVRA-CHAVE

Esta atividade foi realizada apenas uma vez durante o nosso período de

observação. A professora propôs às crianças que escrevessem sobre as palavras

escritas nas pecinhas de um jogo de memória de palavras que existia na sala de

aula. Ela distribuiu as folhas que continham espaços para ser feito um desenho

sobre o texto, o título e o texto escrito. Vejamos as condições de desenvolvimento

da proposta:

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(Na roda, sentados no tapete) P — Nós já trabalhamos com esse joguinho... vocês já viram... já sabem como ele é... já montaram... hoje a N vai dar... é cada um vai receber uma fichinha com uma palavrinha... eu não vou ver... vou sortear... vocês vão escrever um texto em cima das palavrinhas que vocês receberam... sobre a palavrinha que vocês receberam... vão pensar sobre a palavrinha que vocês receberam... cada um vai receber um e vai escrever sobre isso... isso vai ser o título... será que vai ser o título a palavrinha que vocês receberam... Será que vai fazer parte do título? Cs — Vaiii... P — Será que vai fazer parte do título do nome da história? então vamos lá eu vou dar essa folhinha aqui (mostra no papel) vocês vão escrever o título... e aqui vocês vão escrever o texto de vocês... escrever do jeito que vocês pensam... do jeito que vocês estão imaginando... aqui vocês vão colocar a data... o nome... produção de texto... igual a P colocou lá no quadro... depois que acabar o texto é que vocês vão desenhar... ilustrar sobre o texto... certo... se parar pra desenhar o texto a cabecinha vai parar de pensar vocês vão esquecer o que está escrevendo... primeiro escreve tudo o que estão pensando... toda história quando acabar o texto... põe o ponto final e vai pro desenho... certo? agora eu sei que vocês são capazes de produzir um texto bem legal... então nós vamos caprichar pra produzir um texto bem bonito... Ok? cada um vai pra mesinha... a P não vai olhar a palavrinha que eu vou sortear pra vocês (a professora entrega as folhas e as palavrinhas nas pecinhas)... vamos ver o que M vai escrever... não vira agora em M... (entrega a pecinha com a palavra virada para baixo)... vamos ver C o que você vai escrever... sobre o que a A vai fazer... sobre o que será que a M vai fazer.... sobre o que será que o D vai fazer... sobre o que o CA vai fazer (distribui todas as pecinhas com os nomes)... agora vocês podem virar...

Essas orientações remetem a uma concepção de linguagem racionalista que tem

como precursor Chomsky que “[...] ressalta o papel da ‘criatividade’: a capacidade

que as crianças têm de produzir e entender um número indefinidamente grande de

enunciados, com os quais não tiveram experiência anterior [...]” (BRAGGIO, 1992 p.

17). Dessa forma, os racionalistas acreditam na mente para explicar os fatos da

língua, “[...] embora não neguem o papel da experiência na aquisição da linguagem,

acreditam que o ser humano nasce com uma capacidade biologicamente inata para

adquirir a linguagem [...]” (BRAGGIO, 1992 p. 17). As condições dadas para essa

produção parecem estar de acordo com essa concepção, em que as crianças

estariam escrevendo do jeito que pensam e imaginam sem considerar que o

pensamento e a imaginação se constituem na vida social e, portanto, para que as

crianças tenham o que dizer sobre algo ou algum tema, é necessário que discutam,

estudem, pesquisem, conversem, etc. sobre o objeto ou tema.

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As crianças, de posse das pecinhas, começaram a escrever. A maioria colocou,

primeiramente, o título e esse foi composto, conforme sugerido pela professora, com

a palavra escrita na peça do jogo. Ao todo, treze crianças participaram dessa

atividade, e dez crianças escreveram textos como os três primeiros que

apresentaremos em seguida (textos das crianças An., Mt, e Jv) e três crianças

apresentaram “textos” com escritas de frases, como podemos visualizar na quarta

imagem (texto da criança Ko). A transcrição que se segue mostra os movimentos

provocados entre as crianças pela proposta:

An — Lata de doce de leite. B — E qual foi a palavrinha que você recebeu? An — Lata. An — Lata de doce de leite... o doce de leite... é o doce mais doce que o doce... de batata doce. B — E você M? Mt — A minha palavra é bala... vou falar da bala. Mt — a bala...o menino comprou uma bala... Ga — S quero escrever são Jv — a o til (~) Mt — s a o til (~) Jv — a minha palavra é mala, vou escrever sobre a mala de viagem.

Os trechos transcritos demonstram como as crianças reagiram à proposta de escrita.

No primeiro caso, podemos observar que a palavra lata remeteu a criança a uma

das parlendas aprendidas na sala de aula. No último, a preocupação centra-se no

modo como as palavras são escritas e evidencia a forma como os colegas se

envolveram para ajudar G a escrever a palavra são. De modo geral, as respostas

das crianças à proposta revelam que elas sabem que devem realizar a tarefa, pois

estão na escola e, nesse lugar, deve ser feito tudo que é sugerido pela professora.

Apresentamos o texto de An que escreveu sobre a lata de doce de leite. Ela foi a

primeira criança a concluir a atividade. Veremos por que a seguir.

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Foto – 7 (Texto de An., 3 de novembro de 2004) Lata de docé de leite O docé de leite e o docé mais doce que o doce de batata docé.

É importante observar que a criança decidiu o que escrever sobre a lata

rapidamente, ou seja, ao ver a palavra sobre a qual deveria escrever, lembrou-se

imediatamente da parlenda.10 Dessa forma, registrou-a facilmente, como

demonstrou a transcrição que efetuamos do episódio. Mesmo que a proposta tenha

sido estranha, a criança a respondeu registrando um texto conhecido – uma

parlenda trabalhada na sala de aula. Ao se apropriar de um texto já conhecido, a

criança não o reproduz literalmente. Ela o (re)elabora e isso pode ser observado

10 O doce perguntou pro doce: Você sabe qual é o doce mais doce que o doce de batata doce? E o doce respondeu pro doce que o doce mais doce é o doce de batata doce.

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quando escreve que o “doce de leite é mais doce que o doce de batata doce”. Nesse

sentido, a criança recria o texto de acordo com as exigências da tarefa solicitada

pela professora.

Analisando esse texto nas bases teóricas de Vigotski (2001), ele traz a questão do

“pensamento e palavra”, em que a palavra pode desenvolver novos significados em

decorrência das situações sociais, pois é nas situações sociais que os significados

são construídos. Diante da necessidade de realizar a tarefa, a criança buscou

elaborar um sentido para a palavra lata. Ao fazer isso, pensou na lata de doce de

leite e, a partir desse sentido, pôde articular a parlenda e escrever o texto.

Da mesma forma que para Vigotski (2001, p. 401), a estrutura e a natureza do

vínculo “[...] entre a palavra e o significado podem modificar-se e efetivamente se

modificam no curso do desenvolvimento da linguagem infantil [...]”, o que leva à

generalização. Podemos observar também nesse texto o aspecto do dialogismo

discursivo que é a intertextualidade, ou seja, “[...] é o dialogo entre os muitos textos

da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define” (BARROS, 2003, p. 4).

Esse princípio é apontado nas investigações de Bakhtin e, segundo Barros (2003, p.

4) “[...] a intertextualidade na obra de Bakhtin é, antes de tudo, a intertextualidade

‘interna’ das vozes que falam e polemizam no texto, nele reproduzindo o diálogo

com os outros textos”.

O texto a seguir foi produzido por Mt que recebeu a peça com a palavra bala. Ele

escreveu um texto sobre um menino que comprou uma bala, deixou-a cair, antes de

chupá-la, mas comprou outras balas e foi para casa.

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Foto – 8 (Texto de Mt, 3 de novembro de 2004) A bala o menino comprol uma bala ela cail ele comprol mais três iai ele chupol toda e ele foi pra casa

Nesse texto, é evidente o que Cagliari (1989, p. 141) chama de hipercorreção. Esse

tipo de “erro” ocorre “[...] quando o aluno já conhece a forma ortográfica de

determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas é diferente [...]”. Dessa forma,

passa “[...] a generalizar a forma de escrever [...]” ( CAGLIARI, 1989, p. 141). No

texto acima, a criança sabe que o som [ u ] pode ser representado pela letra L, em

final de sílaba, e, por isso, escreveu comprol (comprou) e chupol (chupou). A criança

conseguiu escrever um texto com a palavra bala. Ele parece ter sido elaborado a

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partir da sua própria vivência. A construção do texto apresenta elementos de uma

estrutura narrativa. Apesar de as crianças não estudarem detalhadamente esse tipo

de estrutura textual, a professora lia muitos textos narrativos para elas. Além disso,

vivenciavam situações em que dramatizavam histórias. Uma delas foi a Branca de

Neve. As crianças, a partir da história narrada pela professora, escolheram

coletivamente quem seriam os personagens. A Branca de Neve foi a menina mais

branca da sala e de longos cabelos escuros. Elas ensaiaram por duas semanas e

apresentaram o teatro para os pais num palco que existia na entrada da instituição.

As crianças estavam belíssimas. Foram confeccionadas roupas dos personagens

para a apresentação. Portanto, essas vivências contribuíram para que aprendessem

elementos que constituem uma narrativa.

Tendo como referência análises de narrativas desenvolvidas por Brandão e Jesus

(2003), consideramos que o texto da criança mantém, do ponto de vista da

construção composicional, uma estrutura narrativa canônica.11 No início, descreveu

o personagem (menino) em uma determinada situação (o menino comprol uma

bala); em seguida, introduziu um elemento complicador (a bala caiu); o clímax, tendo

em vista que o tema é a bala, se constituiu no momento em que o menino comprou

mais três balas (ele comprol mais três). Finalmente, o desfecho foi marcado pelo

termo “aí” (e ai ele chupol toda e ele foi para casa). Percebemos que a criança

aprendeu sobre os elementos da narrativa e os utiliza para escrever o texto e

responder à proposta de produção.

Diferentemente de outras situações, todas as crianças escreveram títulos para seus

textos, pois a professora indicou, em suas orientações, essa necessidade e

delimitou na folha de papel um espaço para o seu registro. Um outro texto que será

analisado é de Jv. Na peça recebida por essa criança, estava escrita a palavra mala.

Ela relatou, então, uma viagem feita com seu pai e sua mãe à casa de sua avó.

11 “Estrutura canônica da narrativa: descrição de um estado em que se mostra a personagem em uma determinada situação; depois temos a introdução de um elemento complicador; o clímax e o desfecho” ((BRANDÃO, JESUS, 2003, p. 57).

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Foto – 9 (Texto de Jv, 3 de novembro de 2004) A minha mala de viagem Eu tava viajando com minha mala de avião Eu foi na casa de vovó e vovô. Era muito longe eu ia fase um pequenique com mamãe e papai e a mala tembem. E a gente viveu feliz para sempre. Fim

Se considerarmos a proposta, percebemos que a criança, ao elaborar o texto a partir

da palavra mala, teve que criar situações que garantissem sempre o foco no objeto

sobre o qual deveria escrever. Ela se tornou a personagem e a narradora de seu

texto. Então, começou a narrativa da experiência escrevendo: Eu tava viajando com

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minha mala de avião. Explicou ainda para onde estava indo e que era muito longe.

Pode ter considerado importante dar essas informações para explicar a viagem de

avião. Dessa forma, utilizou a primeira pessoa do singular para escrever o seu texto.

Como se tratava não de narrar uma experiência, mas de escrever sobre a mala, ela

diz: eu tava viajando com minha mala no avião. Dessa forma, a coisa sobre a qual

tem que falar impede, inicialmente, que ela introduza, em primeiro lugar, as pessoas

que a acompanharam na viagem de avião. Elas são introduzidas no texto quando diz

que ia fazer um piquenique com seu pai e sua mãe. Mais uma vez, como se trata de

escrever sobre a mala, ela disse: com a mala também. É como se o objeto mala

assumisse o estatuto de pessoa, já que a criança teria que escrever sobre ela. Para

terminar o texto, usou termos comumente presentes em contos de fadas, pois, como

dito, esse é um gênero muito presente na turma. Ela diz: E a gente viveu feliz para

sempre. Fim. Percebemos que o fato de ter que tematizar a mala dificulta a

concretização do seu relato.

Diferentemente dos textos destacados, Ko, como mencionado, escreveu frases.

Essas, por sua vez, tinham a mesma estrutura das frases escritas sobre figuras.

Três textos foram compostos dessa forma, mas focaremos apenas a escrita de Ko.

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Foto – 10 (Texto de Ko, 3 de novembro de 2004) O patão efotão • O pato e forte • O patoe eroi

Na peça que a criança recebeu, havia a palavra pato. Como podemos visualizar no

texto, essa palavra foi usada no título e também das frases subseqüentes. Como

pode ser visto, as frases possuem uma estrutura simples. Além disso, a criança

trabalhou com as palavras pato forte utilizando suas derivações O patão efotão, na

segunda frase, utilizou a mesma frase numa estrutura regular O pato e forte e, na

terceira frase, O patoe eroi atribui uma outra qualidade ao pato. Percebemos que a

criança segmenta as sentenças adequadamente na maioria das situações, mas, por

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algum motivo, não fez isso na primeira e na terceira frase com a letra “e”. Fica claro

e evidente que ela pretendia escrever frases, pois pontuou cada linha, como vimos

na imagem. É importante ainda admitir que a criança produziu uma escrita com as

características desejadas pela professora, portanto sugeridas nas orientações em

que se baseou para escrever como era o pato.

Na proposta analisada, os desenhos foram realizados depois da escrita do texto.

Desse modo, não podemos dizer que este complementa o sentido da produção

escrita das crianças. É importante destacar que algumas crianças (9) conseguiram,

apesar do elemento desencadeador da escrita que foi a palavra, realizar um

movimento dialógico discursivo, como diz Smolka (2005, p. 58), ou seja, é possível

“[...] identificar a ocupação dos vários lugares pela criança. Na realidade, a criança

muda de lugar enquanto escreve, muda de voz enquanto fala”. Assim, assume a

posição de autores/escritores e personagens. Como a interlocutora é sempre a

professora, as crianças, mesmo tendo histórias interessantes a contar, procuram

cumprir a tarefa proposta.

4.4 PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE IMAGENS EM QUADRINHOS

Durante o período de nossa observação em campo, essa proposta foi realizada

apenas uma vez. As crianças deveriam escrever sobre duas cenas que

evidenciavam a transformação de um mágico em uma cadela. A professora

distribuiu folhas contendo as imagens em quadrinhos e, depois, leu para as crianças

o enunciado:

P — Observe as ilustrações... escreva sobre o que está acontecendo... o que aconteceu no primeiro quadrinho? Cs — O cachorro pegou a vara do mágico e fez mágica. P — E o que aconteceu depois? Cs —Transformou ele numa cadela. C — O cachorro se apaixonou. P — Turma... é sobre isso que vocês vão escrever... sobre o que está acontecendo nos quadrinhos e... depois... vocês podem pintar.

Deduzimos que o fato de a professora ter discutido os quadrinhos com as crianças,

da forma que apresentamos acima, fez com que elas escrevessem um mesmo tipo

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de texto: O cachorro transformou o mágico em uma cadela, variando apenas em

alguns com o acréscimo de o cachorro se apaixonou e/ou o cachorro ficou

apaixonado, dado que também foi levantado por uma criança no momento em que a

professora explicou a proposta de escrita. Apresentaremos as escritas produzidas

por Am. e Ga.:

Foto – 11 (Escrita de Am, 14 de setembro de 2004) O cachorro fez o homem vira uma cadela

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Foto – 12 (Escrita de Ga, 14 de setembro de 2004) O cachorro transformou o mágico em uma cadela

Como pode ser visto, as crianças reproduziram o que foi dito durante a explicação

da proposta. Smolka (2001) também analisa o trabalho de produção escrita das

crianças sobre os quadrinhos. Nas situações expostas por essa autora, as crianças

ordenavam os quadrinhos e, desse modo, segundo a autora, foi possível perceber

“[...] as diferentes possibilidades de articulação de sentidos” (SMOLKA, 2001, p. 81).

As histórias em quadrinhos, na pesquisa de Smolka, foram o “[...] provocador de um

trabalho de escritura” (SMOLKA, 2001, p. 81). Esse trabalho possibilitou explorar

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com as crianças a leitura do icônico, a possibilidade de inúmeras leituras com

história sem texto escrito. Para Smolka ( 2001, p. 87),

É dessa/nessa diversidade de interpretações, de organizações e de formulações possíveis que se pode trabalhar o uso e o funcionamento das normas. É nesse espaço mesmo que se pode propor mudanças, trabalhar acordos, estabelecer pactos.

A proposta que analisamos foi de produção escrita sobre uma história em

quadrinhos. Entretanto, as crianças não ordenaram os quadrinhos, mesmo porque

eram apenas dois, impossibilitando variações nos arranjos. Observamos que a

professora não promoveu situações em que discutisse com as crianças os códigos

usados em história desse tipo. Por isso, talvez, tenha construído o texto com as

crianças.

Dentre os textos produzidos pelas crianças, identificamos um que chamou a nossa

atenção e, por isso, será analisado:

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Foto – 13 (Texto de Jv, 14 de setembro de 2004) O cachorro estava com a varinha do mágico transformou ele em uma cadela. e o cachorro ficou apaixonado.

Apesar de o conteúdo desse texto ser semelhante aos anteriores, a criança explica

que o cachorro estava com a varinha do mágico. Apenas após essa explicação, diz

que transformou ele em uma cadela. Nessa situação, não se refere ao cachorro,

mas omite o sujeito da ação. Esse tipo de omissão pode ser analisado considerando

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que as imagens ajudam a completar o texto escrito. Por outro lado, acreditamos que

está relacionado com o fato de que o assunto pensado é conhecido da criança,

trazendo a questão da linguagem interior que é “[...] quase inteiramente subordinada

à sintaxe puramente predicativa” (VIGOTSKI, 2001, p. 461). A predicatividade é

resultado, segundo esse autor, da diversificação das funções da linguagem;

inicialmente, dirigida apenas aos outros e, depois, dirigida para o próprio indivíduo,

para solução e planificação das atividades. Desse modo, a sintaxe da linguagem

interior é reduzida ao máximo, pois a situação, o contexto é sempre conhecido de

quem pensa.

A predicatividade, segundo Vigotski (2001), não esgota o conjunto de características

da linguagem interior. “A linguagem interior opera preferencialmente com a

semântica e não com a fonética da fala” (VIGOTSKI, 2001, p. 464). Isso resulta em

uma independência do significado da palavra em relação ao aspecto fonético na

linguagem, predominando o sentido da palavra sobre o seu significado. Esse

aspecto semântico da linguagem interior estabelece que o sentido da palavra “[...] é

a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência [...]”

(VIGOTSKI, 2001, p. 464) e depende dos diferentes contextos em que a palavra

está inserida, pois o sentido tem zonas de estabilidade variada.

4.5 PRODUÇÃO DE TEXTO A PARTIR DE UMA IMAGEM

Foram propostos dois tipos de produção de textos dessa maneira, ou seja, foram

dadas, no decorrer de nossa observação, duas propostas de escrita com imagens

diferentes para serem produzidos textos sobre elas. O enunciado da atividade era:

“Observe a imagem e construa um texto”.

P — Turma vocês vão olhar para o desenho e imaginar uma história sobre o que está acontecendo... vocês vão escrever a história do jeito que vocês quiserem sobre o que está acontecendo nesta imagem e colocar um título sobre a história... vocês vão usar a imaginação de vocês... para que depois a gente possa conhecer a história da imaginação de cada um... o que cria na cabeça de cada um de vocês quando olha pra essa imagem... o que vocês pensam sobre a imagem... que história vocês querem escrever.

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No modo como a professora explica a atividade, pode ser observada uma

concepção de linguagem como expressão do pensamento. Bakhtin (2002, p. 72), ao

analisar criticamente o subjetivismo idealista,12 expressa que essa “[...] tendência

interessa-se pelo ato da fala, de criação individual, como fundamento da língua”,

priorizando o aspecto interior da criação individual. A visão da professora parece

estar ancorada numa concepção de linguagem racionalista que busca suporte na

teoria “gerativo-transformacional” de Chomsky, em que “[...] o que predomina aqui

é o sujeito [...] e sua atividade mental” (BRAGGIO,1992, p. 17).

Será analisado, primeiramente, o texto de H. Nessa situação, mesmo que as

condições não tenham sido apropriadas, consideramos que a criança produziu um

texto.

12 O subjetivismo idealista é uma das orientações lingüísticas que Bakhtin submete a uma crítica radical.

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Foto – 14 (Texto de H, 22 de setembro de 2004) O amor proibido O garoto apaixonado pela menina mais a menina não quis namora com o menino por que ele é muito criança

Analisando o texto, a partir dos elementos colocados por Geraldi (2003), a serem

considerados como condições para a produção de textos, observamos que a criança

tinha o que dizer, pois o seu título sugere que ela discordou das imagens que

supunham o namoro entre crianças ou a intenção do menino em namorar a menina.

Assim, produziu um discurso social de que crianças não namoram já com o título O

amor proibido. Então, consideramos que o que leva a criança a ter o que dizer é o

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fato de as imagens sugerirem o namoro entre crianças. A situação/imagem fez com

que a criança tivesse uma razão para dizer: para expor seu posicionamento com

relação à temática sugerida. Entretanto, ela não se confronta com a idéia expressa

nas imagens e as utiliza para reafirmar que o namoro entre crianças não deve

ocorrer. Isto é, ela diz que a menina não quis namora com o menino, porque ele é

muito criança. A criança também tinha para quem dizer e talvez estranhasse a

temática sugerida pela professora e, por isso, nessa situação, ela seria a única

interlocutora imposta, mas que também necessitava ouvir o que ela tinha a dizer.

Dessa forma, a criança se constitui como locutora ao se posicionar com relação à

sugestão das imagens. Finalmente, ela escolhe uma estratégia para acentuar seu

posicionamento com a escolha do título.

Será analisado ainda o texto de De.:

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Foto – 15 (Texto de De, 22 de setembro de 2004) Era uma vez. um menino. que tinha. se apaichonado. então. foi comprar flor. para sua namorada.

Um dado diferente que apareceu nesse texto foi o uso do ponto final ao concluir a

escrita em uma linha, o que demonstra que a criança vê nas escritas o ponto final,

mas, pelo que observamos, ainda não entendeu de que forma deve utilizá-lo e, por

isso, o colocou no final de cada trecho escrito na linha. Provavelmente, essa tenha

sido a forma que mais lhe chamou a atenção em outros textos que tenha visto, ou

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mesmo recordado o tipo de construção de frases que realizava em outras atividades

que mencionamos.

Outra questão que podemos evidenciar é em relação aos sentidos construídos pela

criança nesse texto, em que o era uma vez, marca da introdução do início de uma

narrativa, que vai dar inicio a história de um menino que tinha se apaichonado então

foi comprar flor para sua namorada, a história escrita termina aí, mas os outros

sentidos estão sendo completados pela imagem apresentada em que a namorada

está recebendo as flores. Podemos realizar a análise de que, para essa criança, a

imagem completa o sentido de seu texto. A história não possui título, nem a criança,

nem a professora chamaram a atenção para isso.

Outro texto que apresentaremos também possui a mesma proposta de produção

escrita a partir de imagem. A orientação para a atividade ocorria da seguinte

maneira:

P ― Nós vamos produzir um texto... a atividade é essa... Observe a imagem e construa um texto... nós já produzimos texto dessa forma... onde a partir de uma imagem construímos uma história... vocês vão observar essa imagem e fazer uma história sobre ela... para que depois possamos conhecer a história de cada um... o que essa imagem significa para vocês e que história podemos construir a partir dela.

A imagem contém uma mesa com um bolo escrito Feliz aniversário e um prato que

pode ter doces ou salgados Em cima da mesa, suspensas no ar, há bolas. A

professora diz que as crianças já sabiam produzir textos com imagens, pois salienta

que já haviam produzido textos a partir de imagens.

Após as orientações, as crianças começaram a produzir seus textos, mas um dado

que achamos interessante para essa análise foi o fato de duas crianças que

desenharam novos elementos para construírem suas histórias, como demonstrado

nas figuras que seguem.

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Foto – 16 (Texto de Ma., 14 de outubro de 2004) A festa feliz Era uma vez uma menina que queria muito ter um cachorro só que a mamãe não deixava mas seu pai disse com sua mãe demahã e o aniversário de Flavinha decidiram comprar um cachorro.

Nesse texto, a criança efetiva o que tem a dizer, por meio da produção de desenhos

(personagens) ao lado da imagem, que a completam. Isso nos leva a pensar que a

criança considera sem sentido a proposta de escrever sobre uma mesa de festa de

aniversário sem pessoas. Depois de compor o desenho, cria um personagem: a

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Flavinha. Ela queria um cachorro e seus pais resolvem dar a ela esse animal no dia

do seu aniversário. Supomos que ela pode estar expressando um desejo ou mesmo

relatando algo que aconteceu com ela ou outra pessoa. Ao mudar o desenho, a

criança cria as condições para ter o que dizer. Dessa forma, ela ocupa um espaço,

modifica as condições com a finalidade de realizar a tarefa.

No texto que segue, a criança também introduziu, na imagem, novos elementos

para completar o seu sentido.

É interessante notar que pessoas passam a compor o cenário. Entretanto, produz

um texto escrito desconexo, faltando partes que auxiliariam na sua compreensão.

Foto – 17 (Texto de P, 14 de outubro de 2004) A menina que fes aniversário

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E ra uma ves a menina a que fes dava anivesário que sete anos foi que acontecêu que a mamae dela teve razão.

Assim, o texto apresenta marcas que Vigotski atribui ao discurso interior. A escrita

é desconexa e incompleta. Segundo Góes e Smolka (1992, 58),

É comum aparecer, na produção inicial de textos, a incompletude de enunciados. Esta é uma decorrência típica das exigências de coordenação do fluxo de pensamento, enquanto discurso interior, com a organização de discurso comunicativo e com as operações de registro deste.

É interessante observar que a criança inicia a história com Era uma vês. Ela

pretendeu narrar uma história de uma menina que fez ou dava um aniversário de

sete anos, algo aconteceu e a mamãe dela teve razão. Entretanto, não é possível

completar o sentido do texto, pois há lacunas, incompletudes. Como evidenciam as

autoras citadas, a incompletude é comum nos textos infantis. Elas indicam os

problemas experimentados pelas crianças ao escrever e, também, a não

compreensão da função comunicativa da linguagem escrita. Isto é, pelo fato de a

escrita estar dirigida para outras pessoas, é preciso conter todos os elementos

conhecidos por quem escreve, mas que não são compartilhados por quem lê. Por

outro lado, é importante salientar que articular no texto todos os elementos

conhecidos não é tarefa fácil, se considerarmos que a criança é um aprendiz

iniciante da escrita.

Percebemos pelos desenhos elaborados pela criança ao exercer a relação

pensamento/linguagem que a mesma não conseguia ordenar de forma clara o seu

processo de escritura, tornando seu texto incompleto. Dessa forma, estabelecemos

a proposição de que, para a criança, seus desenhos também completavam o sentido

de seu texto, por isso, talvez, para ela, o seu texto estivesse completo.

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4.6 PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITO A PARTIR DE DESENHOS ELABORADOS

PELAS PRÓPRIAS CRIANÇAS

Esse trabalho foi realizado de três maneiras em diferentes momentos de produção.

No primeiro, a atividade proposta foi que as crianças respondessem com desenho e

texto escrito ao seguinte enunciado: Você tem ou conhece algum animal? Faça aqui

o seu desenho e agora... escreva como ele é. Lembre-se que é do jeito de criança,

acompanhado de algumas explicações da professora. Na segunda, as crianças

deveriam produzir um texto, como veremos nas explicações que registraremos a

seguir, em uma folha xerocopiada com delimitação de espaço para o desenho, o

título e a escrita do texto. Na última, elas deveriam produzir os textos em folhas em

branco (delimitando elas mesmas o espaço para a produção do seu desenho e a

escrita). Assim, as folhas de papel – suporte para os textos – foram organizadas de

formas distintas pela professora.

Durante a nossa permanência em campo, a primeira proposta foi realizada somente

uma vez. A professora distribuiu as folhas e leu o enunciado para as crianças:

P — Você tem ou conhece algum animal? Faça aqui o seu desenho e agora... escreva como ele é. Lembre-se que é do jeito de criança. Pensem nos animais que vocês têm ou conhecem e desenhem neste espaço... quem não tem um animal... desenhem um que vocês gostam... e depois vocês vão escrever sobre ele... vão pensar e escrever o que quiserem sobre ele... da forma que vocês quiserem e sobre o animal que vocês escolherem... A gente sabe que tem gente aqui na sala que tem animal... então pode escrever sobre ele... assim a gente vai poder conhecer como é o animal de cada um e quem não tem pode escrever sobre aquele que gosta ou quer ter... ou alguém que vocês conhecem podem ter algum animal vocês podem pensar nele... Vocês vão dizer como é esse animal que vocês vão desenhar.

Assim, as crianças deveriam escrever sobre animais que possuíam ou conheciam e

desenhá-los. Torna-se evidente que a escrita seria mais significativa para a criança

que realmente possuísse um animal, pois haveria sobre o que dizer, já que a

descrição de um animal depende de conhecê-lo.

Os textos escritos pelas crianças foram variados. Eles revelam como as condições

dadas para a escrita dificultaram a produção de textos. Na realidade, as condições

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nem sempre possibilitam pensar a produção de textos como um processo dialógico

e discursivo. O texto de H. demonstra bem essa questão.

Foto – 18 (Texto de H, 16 de setembro de 2004) O elefante e o gato viro amigo e o rato fico trisite o elefante é bonito

Tendo em vista as condições observadas, percebemos que a maioria das escritas

produzidas pelas crianças foi composta com frases desarticuladas e essas, por sua

vez, possuíam estrutura simples, compostas, portanto, de sujeito, verbo e predicado.

No exemplo apresentado, percebemos que a criança elaborou os desenhos do

elefante, do gato e do rato como resposta à proposta da professora. Ela pediu que

as crianças desenhassem um animal e escrevessem “como ele é”. A criança, no

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entanto, esboçou uma tentativa de contar uma história, ao começar escrevendo que

“o elefante e o gato viro amigo e o rato fico trisite”. Em seguida, abandonou o

propósito inicial e escreveu que “o elefante era bonito” para atender à proposição da

professora.

Percebemos com nossas análises que as propostas de descrição de animais e

objetos entram em conflito com as tentativas das crianças de efetivamente

escreverem textos. Vimos que elas quererem dizer e escrever, mas não têm o que

dizer quando se trata de escrever sobre animais ou objetos. Como é necessário

cumprir o que é definido pela professora na atividade, mesmo quando as tarefas não

se adequam às condições de produção de texto mencionadas por Geraldi (2003),

algumas crianças produzem textos até certo ponto coerentes. Dessa forma, serão

evidenciadas duas produções: na primeira, a criança responde adequadamente à

proposta da professora; na segunda, ela efetivamente escreve um texto.

Verificamos ainda que nenhuma das crianças colocou título para os textos, pois,

conforme mostrado, a professora não as orientou nessa direção e não havia espaço

delimitado na folha, como em outras propostas. Outro exemplo que ilustra como as

crianças deviam responder adequadamente à proposta da atividade é a escrita de P.

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Foto – 19 (Texto de P, 16 de setembro de 2004) Meus animais são felises. - Eles são inteligemtes - Eles são famintos.

O desenho foi bem elaborado, colorido e rico em detalhes. A criança preencheu todo

o espaço delimitado para o desenho com um espaço verde para os animais, um céu

azul com nuvens e sol, desenhou duas casas com caricaturas uma de rosto feliz e

outra com coração, dois animais que parecem ser um cavalo e uma vaca malhada.

Desenhou também uma pessoa entre os animais, que pode ser uma criança, e, por

todo o desenho, aplicou o carimbo de uma abelha. Isso não propiciou que a criança

escrevesse um texto, mas, certamente ela respondeu à tarefa expressa pela

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professora: escrever como eram os animais. Eles “são felises”. “Eles são

inteligemtes”. Um dado interessante é o uso hífens para separar as frases. A

construção das frases é de estrutura simples e sempre é atribuída uma qualidade

aos animais. Como indicamos, em atendimento à solicitação da professora, a

criança escreveu como eram os animais. Uma das condições essenciais para que as

crianças produzam texto na escola é “ter o que dizer”. Como essa condição

fundamental não foi considerada, a escrita das crianças se constituiu em um

conjunto de frases com a mesma estrutura que elas estavam habituadas a utilizar

nas atividades de escrita de frases sobre desenhos.

Analisaremos o texto de Jv., que não está de acordo com a solicitação da proposta

da atividade. A criança produziu um pequeno texto com estrutura narrativa. O

desenho continha uma bela paisagem gramada com uma árvore com frutas, uma

bela flor, um dia de sol com apenas uma nuvem no céu e os dois personagens de

sua história a gatinha pintada de cor de rosa, com batom e enfeite no cabelo e o

elefante azul de tromba escura de costas no desenho.

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Imagem – 20 (Texto de Jv, 16 de setembro 2004) Era uma veis uma gatinha que sonhava de aparese na celebridade e um certo dia ela a pareceu na celebridade ela ficou muito comtente e o primo dela e um elefante muito pesado.

Esse texto demonstra, de forma clara, que a criança, apesar das condições de

produção, escreveu a história de uma gatinha que sonhava em aparecer na novela

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Celebridade. A temática foi trazida da vida real, porque, na época da produção

desse texto, a Rede Globo de televisão veiculava uma novela chamada Celebridade.

Nessa novela, há a intenção de grande parte dos personagens se tornar uma

celebridade, ou seja, segundo o dicionário Aurélio (2000), tornar-se “[...] afamado,

famoso, muito notório, com fama”. Dessa forma, a criança aborda a temática da

novela.

Ela é a narradora do texto e a narrativa gira em torno do sonho de uma gatinha em

ser celebridade: “Era uma veis uma gatinha que sonhava de aparese na celebridade

e um certo dia ela a pareceu na celebridade ela ficou muito comtente”. Essa criança

nos mostra, com muita propriedade, apesar de sua idade, que compreendeu o

conceito de celebridade, como também fez analogia à vida real, do contexto social

que a cerca, no caso, a novela que a capacita a compreender melhor essa questão.

Isso se comprova claramente na composição de seu desenho. O desenho expressa

o que imagina ser sinônimo de beleza. A gatinha foi pintada de cor de rosa,

realçando o batom vermelho e o enfeite no cabelo. Por outro lado, desenha

observando modelos escolares aprendidos. Antes de concluir o seu texto, introduz o

seu primo: “e o primo dela e um elefante muito pesado”. Dessa forma, parece se

voltar para a proposta da professora que é produzir um texto com estrutura

descritiva sobre os animais que, nesse caso, foram a gatinha e o elefante.

O texto da criança nos leva, portanto, a pensar no conceito de dialogismo, pois os

propósitos da criança e de sua interlocutora – a professora – levam a que a primeira

introduza conteúdos que atendam às expectativas da professora. Segundo Barros

(2003, p.2), o dialogismo, na obra de Bakhtin, “[...] é o princípio constitutivo da

linguagem e a condição do sentido do discurso”. O dialogismo discursivo em um de

seus aspectos “[...] decorre da interação verbal que se estabelece entre o

enunciador e o enunciatário, no espaço do texto” (BARROS, 2003, p. 2).

Apesar de a professora não trabalhar explicitamente com gêneros textuais, a criança

apreendeu das histórias que são trabalhadas em sala de aula e, provavelmente, de

outras experiências que foi possível identificar elementos e expressões comumente

usadas em narrativas: “era uma vez, um certo dia”. Percebemos ainda que essa

criança tinha o que dizer e, por isso, buscou registrar os significados e sentidos que

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foram apropriados por ela, ao trazer elementos de sua vida real e do contexto social

que, no momento da produção desse texto, estavam sendo postos em discussão

pela sociedade, por meio da novela Celebridade.

Consideramos pertinente ainda pontuar, já que ocorre a solicitação de uma

descrição, que Geraldi (2003, p. 148), ao falar sobre a produção de texto, esclarece

muito bem essa questão em seu trabalho quando se trata de “[...] atividades

discursivas de descrição de um objeto [...]”. O autor delineia de que forma essa

atividade deve ser regulada:

a) pela finalidade da descrição; b) pela natureza do objeto da descrição; c) pelos interlocutores a que a descrição se destina; d) pelas representações que faz o locutor do objeto que descreve. (GERALDI, 2003, p. 148).

Diante da proposta de produção analisada e da forma como ela foi conduzida, o

autor estabelece considerações que são pertinentes de serem registradas e condiz

com nossa opinião de análise, a partir do momento em que tomamos as condições

aqui expostas. Para ele, os textos na escola não são produtos de um trabalho

discursivo, mas “[...] exercícios de descrição apenas para ‘mostrar que aprendeu a

escrever’” (GERALDI, 2003, p. 148).

A proposta de produção que vamos analisar agora foi realizada apenas uma vez

pelas crianças durante o período de nossa pesquisa. Ela foi concretizada numa

folha xerocopiada que possuía um espaço contendo cabeçalho com nome e data,

um retângulo até quase a metade da folha reservado para o desenho, uma linha

para o título e nove linhas dentro de outro retângulo para a escrita do texto.

A professora solicitou que as crianças colocassem o nome e a data no espaço

destinado ao cabeçalho e, depois, explicou:

P – Turma, vocês vão poder nessa atividade produzir um texto, uma história sobre o que vocês quiserem. Nesse espaço aqui (apontando para o retângulo) vocês vão fazer um desenho, um desenho sobre a história que vocês querem contar... para que depois todos possam conhecer sobre o que vocês desenharam e escreveram... É como se

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fosse um livro de história em que temos o desenho e a história sobre o que está acontecendo no desenho, como esses que nós lemos. Nessas linhas (apontando para a folha) vocês vão colocar o título aqui e aqui vocês vão escrever o texto de vocês... para que depois cada um possa conhecer a história do outro e o desenho que cada um fez.

Como percebemos, foram construídas condições de produção para as crianças

produzirem seus textos. Os interlocutores foram explicitados para que as crianças

tivessem para quem dizer. A comparação com os livros de história dá, de certa

forma, um modelo para que a criança possa construir o seu texto. Em alguns

momentos, a professora chega a mostrar o livro de história para as crianças, para

que vejam como é organizada a página. Geralmente, o desenho ou ilustração está

na parte de cima da página e a escrita embaixo, como suporte que elaborou para as

crianças.

Após essa explicação, as crianças começaram a desenhar e, depois, iniciaram o seu

texto. Analisaremos primeiramente o texto de Da. Ela escreveu sobre a borboleta.

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Foto – 21 (Texto de Da. 20 de setembro de 2004) A borboleta A borboleta e bonita. Ela cheira a flor.

Percebemos que a criança, nesse texto, se detém em dizer como é a borboleta e o

que ela faz. Elabora, para isso, duas frases simples: A borboleta é bonita, ela cheira

a flor. O fato de ter escrito apenas duas frases nos leva a pensar que ela objetivou

cumprir a tarefa solicitada pela professora.

Analisaremos ainda o texto de Ma que, diante da mesma proposta, reagiu com uma

produção diferente.

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Foto – 22 (Texto de Ma, 20 de setembro de 2004) O meu cachorra é fofa Era uma ves um cachorrinho moito sosinho ai ele encontru uma menina e ela pegou o cachorrinho e levou para casa e conprou uma casinha e elas viveranl felizes para sempre.

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A criança, nesse texto, busca produzir sentidos em sua produção tanto do desenho

quanto do texto. Ela narra e se coloca na posição de sujeito que diz e denuncia uma

situação de vida real contando que: Era uma ves um cachorrinho moito sosinho ai

ele encontru uma menina. Então, essa menina autora e que também faz parte da

história realiza uma ação importante diante da situação do cachorrinho que estava

sozinho: e ela pegou o cachorrinho e levou para casa e conprou uma casinha. E,

como nos contos de fadas, ela termina sua história com uma expressão usada

nesse gênero: e elas viveranl felizes para sempre.

Torna-se muito interessante analisar que a motivação dessa criança em dizer o que

diz se afigura tanto no seu desenho como no seu texto. Dessa forma, afirmamos

que o êxito dessa produção evidencia-se, porque ela tinha o que dizer, sabia como

dizer e queria dizer o que havia acontecido com ela em vida real. O mesmo

acontece na situação de produção que se segue. A criança Am tem a mesma

motivação para falar de um animal de estimação. Ela estava sentada na mesma

mesa com a criança que produziu o texto analisado anteriormente e queria

comunicar que sua gata havia tido filhote.

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Foto – 23 (Texto de Am. 20 de setembro de 2004) Minha gata é fofa Minha gata botou filhote

Nessa atividade, percebemos que a criança desenha a gata e seus filhotes num

contexto de árvore, flores, pássaros, sol, nuvem, mas o seu texto não retrata o que

foi desenhado. Ela diz apenas o que considera mais importante de comunicar: Minha

gata é fofa, Minha gata botou filhote. Nesse sentido, podemos dizer que, para ela, o

mais importante era comunicar que sua gata havia tido filhote, algo que realmente

aconteceu na vida. Quanto ao título Minha gata é fofa, apesar de tê-lo copiado de

sua colega trocando apenas o nome do animal, o seu texto é muito autêntico e

traduz o que ela queria dizer. Essa produção é um texto, pois a criança usou a

escrita para contar uma experiência. Cabe registrar que encontramos, em outros

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textos produzidos pelas crianças, essa personagem – a Gata – , ou seja, ela

motivou a produção de muitas outras crianças, pois todas a conheciam.

Vamos analisar agora a produção das crianças em uma folha sem qualquer tipo de

enunciado ou delimitação de espaço. Esse tipo de suporte para a produção de texto

foi o mais utilizado na turma. Era dada uma folha de papel branca e era solicitado

que as crianças desenhassem e escrevessem a história que quisessem sobre o

desenho. A professora, com o passar do tempo e devido à minha presença na sala

de aula, chegou a estipular que, na sexta-feira, proporia esse tipo de atividade com

desenho e texto a partir dele. Ela considerou que estaria contribuindo com a

pesquisa, tendo em vista que o meu interesse e objeto de estudo era a produção de

textos. Apenas em algumas sextas-feiras em que havia apresentação de Sexta

Cultural ou alguma outra comemoração, ou mesmo atividade de artes, não era

possível realizar essa atividade. As crianças, nesses momentos de produção,

tinham a clareza de que o interlocutor para quem deveriam escrever o texto era a

pesquisadora, pois a professora, em vários momentos do processo de produção das

crianças, lembrava “A Bianca quer ver o que vocês vão produzir e escrever, ela vai

filmar como vocês produzem os textos, que história vocês vão contar pra ela”.

Os textos produzidos pelas crianças nessas condições evidenciam uma evolução.

No início, as crianças escreviam apenas uma frase sobre o desenho, com o passar

do tempo, com o incentivo da professora e as condições dadas por ela, elas

passaram a escrever de forma mais coerente. Percebemos que a maioria das

crianças iniciava seus textos com o enunciado: “Era uma vez”. As crianças, nesse

sentido, assumiam o papel de escritoras, narrando as histórias que criavam,

espelhando-se no modelo que conheciam.

A produção que vamos analisar a seguir será apresentada a partir das anotações

em Diário de Campo, ocorrendo da seguinte maneira: foram entregues folhas em

branco para as crianças e solicitado pela professora que desenhassem sobre o que

quisessem e escrevessem um texto sobre o desenho. Foi orientado que as crianças

poderiam escrever sobre alguma coisa que aconteceu com elas, poderiam criar uma

história parecida com a que lêem nos livros, poderiam fazer da forma que achassem

melhor. Poderiam registrar o que quisessem naquela folha.

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Apresentaremos um momento desse tipo de produção de textos. A proposta foi

anunciada da seguinte maneira:

P — Turma, vocês vão produzir um texto nessa folha (distribuindo a folha)... nesse texto vocês podem registrar o que vocês quiserem, algo que já aconteceu... uma história que vocês gostaram... uma história que vocês querem contar para os seus colegas... para isso vocês podem fazer um desenho sobre o texto que vocês vão escrever... como a gente vê nos livros de história, que mostra o desenho e conta sobre o que está acontecendo.... Vocês vão escrever aquilo que vocês quiserem... o texto é de vocês... vocês são os autores dessa história que vocês vão produzir.

Nessa produção, a professora mencionou os interlocutores (os colegas), sugeriu

uma organização semelhante à dos livros de história. Ela mostrou o livro do Pinóquio

para que as crianças vissem como as páginas são organizadas, contendo desenho e

escrita. Mencionou, também, a autoria, dizendo que as crianças seriam autoras dos

textos. Contudo, a professora se esquece de que, para as crianças se constituírem

autoras, é necessário que tenham razões para dizer, ou sejam, tenham motivos para

escrever. Na situação, a única razão para dizer – cumprir a tarefa – não é suficiente

para que as crianças se constituam como autoras, sujeitos produtores de textos.

Vejamos dois exemplos dos textos produzidos pelas crianças Al e Jv :

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Foto – 24 (Texto de Al, novembro de 2004) Era uma veis um menino muito felis eli tinha sete anos foi nada no rio a casa era dele.

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Imagem – 25 (Texto de Jv, novembro de 2004) Era uma veis uma menina muito linda ela era muito inteligente ela adorava cheirar flo- res e o menino adorava tirava fotos da natureza.

Esses textos evidenciam que as crianças em sua produção buscaram atender à

solicitação da professora, ou seja, desenhar e escrever sobre o desenho. Podemos

observar os desenhos de um menino e de uma menina, no primeiro e segundo

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textos, respectivamente. Assim, elas começam o texto introduzindo o menino e a

menina. Ambas iniciaram com Era uma vez. Elas narram o que desenharam,

atribuindo em alguns momentos qualidades aos seus personagens. Os desenhos

são ricos em detalhes e a estrutura da folha é organizada como habitualmente

vemos nas histórias infantis e atividades anteriores, com a ilustração em cima e o

texto embaixo. As imagens das crianças, no desenho, têm como fundo elementos

da natureza e, portanto, os seus personagens estão envolvidos com o meio

ambiente. No primeiro, o menino está nadando no rio e, no segundo, a menina

cheirando flores e o menino ele está tirando fotos da natureza. Essas ações são

descritas no texto, além das qualidades atribuídas à menina: linda, inteligente, feliz.

A descrição foi induzida pela professora que solicitou que escrevessem sobre o

desenho. Assim, as crianças não produzem em seu texto nada além do que foi

desenhado. É interessante observar, no primeiro texto, que a criança, para não

deixar de escrever sobre o que foi desenhado – uma casa –, introduz a frase no final

a casa era dele.

Segundo Smolka (2001, p. 99), “[...] quando se abre espaço para as crianças

falarem e se relacionarem em sala de aula, questões vitais vêm à tona e se tornam

‘matéria prima’ no processo de alfabetização”. Entretanto, em situações em que as

condições não são adequadas para a produção de texto, as crianças demonstraram

que tinham o que dizer e sabiam como dizer. É o caso de uma criança que quis

contar um passeio realizado com seu pai e sua amiga. Apesar de não ter estendido

seu texto para além do que desenhou (atendendo o que foi pedido pela professora),

registrou uma experiência.

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Vejamos como foi a produção de Ma. diante dessa proposta.

Foto – 26 (Texto de Ma., novembro de 2004) Papai foi busca G. ai nos fomos a praia i fisemos um castelo.

Nesse texto, percebemos que a criança respondeu à proposta de produção,

escrevendo sobre um momento que ocorreu no contexto de vida real, quando ela e

uma colega de sala de aula foram à praia. O seu desenho expressa com muita

clareza esse contexto. Ela inicia o seu texto dizendo como ocorreu o programa de

ida à praia: Papai foi busca G. ai nos fomos a praia. Depois continua o texto dizendo:

i fisemos um castelo, onde a criança pode ter expressado um dos momentos mais

significativos experimentado na praia.

Algo interessante para ser analisado é a estrutura de espaços que a criança dá para

o desenho e o texto. Percebemos que, para essa criança, a motivação para o

desenho foi muito maior e não pensou no momento de fazê-lo como ficaria o seu

texto. Dessa forma, localizou a escrita numa parte da folha onde havia espaço para

acomodá-la junto com o desenho. Nota-se que essa criança achou importante nos

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informar em seu texto algo que não poderíamos deduzir em seu desenho, que foi o

fato de seu pai ter ido buscar sua amiga G. para irem à praia. Podemos dizer

também que a falta de espaço na folha deixado pela criança para a produção de seu

texto possa ter limitado a sua escrita. Dessa forma, ela preferiu registrar o que achou

mais interessante, e que também estava contido em seu desenho, que foi terem feito

um castelo.

Nessa proposta de atividade (produção de escrita a partir de desenhos elaborados

pelas próprias crianças, sem espaço delimitado na folha para isso), percebemos que

algumas crianças não estruturavam o desenho e a escrita de seu texto como nas

atividades anteriores propostas pela professora, desenho em cima e texto embaixo.

Percebemos que algumas até se esqueciam desse espaço em detrimento do

desenho e acabavam colocando o seu texto nas posições mais diversas da folha e,

às vezes, delimitavam a sua escrita em função disso. Em nenhum desses textos

analisados existem títulos e nem espaço delimitado para isso. O desenho torna-se

também o grande motivador para a produção textual dessas crianças, por isso

algumas chegam a descrevê-lo literalmente. Os textos apresentavam vivências das

crianças, partes dos contos de fadas que foram trabalhadas pela turma e, também,

situações inventadas para atender à solicitação da professora.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em guisa de conclusão, fazemos algumas proposições que poderiam nortear o

estabelecimento de alguns indicadores a serem levados em consideração diante do

processo de ensino-aprendizagem da língua escrita.

Como enfatizado, esta pesquisa teve por finalidade investigar como se desenvolveu

o trabalho de produção de textos em uma classe de alfabetização de uma instituição

de Educação Infantil. Para tal, analisamos as condições de produção e, também, os

textos escritos pelas crianças.

As análises evidenciam que as propostas de escrita desenvolvidas na sala de aula

não consideraram as condições essenciais para o trabalho com textos. Segundo

Geraldi (2003), ao trabalhar com o texto como unidade de ensino aprendizagem, é

necessário “[...] é entendê-lo como um lugar de entrada para [...] [o] diálogo com

outros textos, que remetem a textos passados e que farão surgir textos futuros.

Conceber o aluno como produtor de textos é concebê-lo como participante ativo

deste diálogo contínuo: com textos e com leitores” (GERALDI, 1997, p. 22). Desse

modo, na produção de textos, os alunos constroem significados para a sua

produção, apoiando-se no que já foi dito e no que poderá vir a ser dito. Nesse

sentido, eles carregam significados historicamente construídos e instauram

possibilidades de produção de outros textos.

Foram várias as propostas de escritas desenvolvidas na sala de aula pesquisada.

Como vimos, as crianças escreveram palavras e sentenças a partir de gravuras.

Essas atividades eram consideradas tarefas fáceis pela maioria das crianças, pois

elas terminavam a tarefa e iam para a pintura das gravuras. Nas circunstâncias

analisadas, podemos perceber que estava subjacente às propostas uma concepção

mecanicista da alfabetização e da aprendizagem. A primeira era considerada como

processo de associação de letras e seus correspondentes sonoros e a segunda

como um processo repetitivo. Observamos, ainda, que essas propostas reproduziam

tarefas presentes em cartilhas de alfabetização. A formação de frases e de palavras

desconexas da realidade, nas situações analisadas, além de não estimular o

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desenvolvimento das crianças, pois elas já estavam alfabetizadas, desconsidera a

escrita como linguagem, como forma essencial de interação entre os humanos.

Na proposta da reescrita de um texto de memória, no caso, a parlenda,

evidenciamos uma prática que está posta nas “novas cartilhas” de alfabetização e

também no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA). É

uma proposta interessante, mas não deve se resumir apenas à reescrita. Esse texto

pode ser trabalhado de outras formas mais significativas para as crianças, por

exemplo, discutindo a sua estrutura frasal e a formação de sentenças, estudando o

seu estilo para compará-lo com outros tipos de texto. Assim, as crianças não devem

escrever apenas por escrever.

Diante da produção de texto, a partir de uma palavra-chave, as crianças buscaram

diversas estratégias para produzir seus textos de acordo com a solicitação da

professora. Utilizaram, para isso, todo o conhecimento que possuíam. Percebemos,

nessas circunstâncias, que as condições construídas pela professora limitavam as

capacidades de expressão das crianças, pois, sabendo o que a interlocutora

(professora) desejava, elas buscavam várias estratégias para dizer o que lhes era

solicitado. Ao mesmo tempo, demonstravam, em algumas situações analisadas, que

tinham experiências importantes a contar.

A produção de textos, a partir de imagens em quadrinhos, é uma proposta

interessante, mas o modo como foi realizado não possibilitou o desenvolvimento nas

crianças dessa forma de expressão. Isso se deve ao fato de que as histórias

apresentadas pela professora não possibilitavam variações nos arranjos dos

quadrinhos pelas crianças, o que propiciava a formação de outras histórias. Também

observamos que não houve discussão com as crianças sobre os códigos utilizados

em histórias dessa natureza e dos aspectos composicionais, o que auxiliaria a

construção de sentidos dos textos.

Em relação à produção de texto, a partir de uma imagem, percebemos, em algumas

análises, que as crianças buscavam dialogar com os textos visuais, discordando da

temática proposta. Entretanto, a maioria das produções era desconexa, pois as

crianças se baseavam nas experiências de escritas de frases sobre figuras. Além

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disso, podemos inferir que consideravam que as imagens completavam os sentidos

de seus textos. Houve produções em que as crianças completaram lacunas nas

imagens apresentadas, criando personagens (desenhos) para completarem os

sentidos dos textos. Diante dessa proposta, algumas crianças produziram ainda um

texto desconexo, faltando partes que auxiliariam na sua compreensão. É importante

salientar que articular, no texto, todos os elementos conhecidos não é tarefa fácil, se

considerarmos que a criança é um aprendiz iniciante da escrita, mas não

observamos iniciativas na sala de aula de discutir e trabalhar os problemas

evidenciados nos textos escritos.

As produções de texto escrito, a partir de desenhos elaborados pelas próprias

crianças, foram bastante realizadas. Nessas, as crianças desenhavam para atender

a uma solicitação da professora, mas, quando escreviam sobre esse desenho, nem

sempre as condições de produção evidenciadas por Geraldi (2003) eram

contempladas. Assim, surgiam frases desarticuladas e simples, como forma de

atender à solicitação.

As condições de produção que analisamos não possibilitaram uma construção

significativa de textos pela criança. Os textos analisados evidenciam que a

intervenção pedagógica é fundamental para o desenvolvimento desse processo.

Vimos nas análises que esse processo foi difícil, não possibilitando que as crianças

ampliassem suas capacidades de escrita e, portanto, de se expressar por meio dela.

O papel da mediação da professora, trabalhando estratégias de produção de textos,

é fundamental para que esse processo se realize. Entretanto, como evidenciou o

trabalho de Rizzo (2004), sabemos que a formação de professores ocorre de forma

precária, ou seja, não há, nos cursos que têm por finalidade formar os educadores,

propostas que consigam dar conta da dimensão do trabalho com textos na sala de

aula.

Diante das análises desenvolvidas neste trabalho, é necessário evidenciar a

necessidade de investimento na formação contínua dos professores que tenha como

eixo articulador a teoria e a prática. Nesse sentido, torna-se relevante registrar que

nossa pesquisa fomentou um processo de formação na instituição educativa em que

foi realizada a pesquisa. Esse trabalho foi coordenado por nossa orientadora, Dra.

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Cláudia Maria Mendes Gontijo, no CMEI, onde ocorreu esta pesquisa, e envolveu os

docentes, a direção da escola e os pedagogos. A temática do projeto de formação

foi Alfabetização, leitura e escrita. A professora da classe pesquisada participou

desse trabalho e refletiu sobre os problemas na abordagem da produção de textos.

Pensamos, a partir dos depoimentos das professoras, que algumas mudanças

começaram a ocorrer nas práticas de produção de textos na instituição. Assim, o

trabalho de formação realizado reforça a necessidade de formação continuada,

especificamente, para os professores e profissionais da educação do município de

Vitória, já que a nossa pesquisa retrata as práticas de alfabetização desenvolvidas

em uma sala de aula do Sistema Municipal de Ensino de Vitória.

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Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, Lev Semionovichz. Pensamento e linguagem . São Paulo: Martins

Fontes,1991.

VYGOTSKY, Lev Semionovichz. A construção do pensamento e da linguagem .

São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VYGOTSKY, Lev Semionovichz. Problemas de psicologia general . (Incluye

Pensamiento y Lenguaje Conferencias sobre Psicologia). Madrid, Espana: A.

Machado Libros, 2001. Tomo II (Coleção Obras Escogidas).

ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (Org.).

Itinerários de pesquisa : perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio

de Janeiro: DP&A, 2003.

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135

ANEXOS

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136

ANEXO A – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA

INSTITUIÇÃO EDUCATIVA INFANTIL

Este instrumento de pesquisa será usado para coletar informações destinadas à

caracterização da instituição Educativa Infantil.

1. Nome da instituição:

___________________________________________________________________

2. Endereço:

___________________________________________________________________

3. Ano de fundação:

___________________________________________________________________

4. Aspecto físico:

a) Número de salas de aula:_____________________________________________

b) Condições das salas de aula:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Possui biblioteca?

___________________________________________________________________

d) Possui sala ambiente? _____________Quais? ___________________________

___________________________________________________________________

e) Possui salas de professores, sala de direção e da coordenação pedagógica?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

f) Possui refeitório?

___________________________________________________________________

g) Outros espaços:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Recursos humanos:

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137

a) Número de professores por turno

Matutino: ______ Vespertino:______

b) Número de alunos:

Matutino: ______ Vespertino:______

Média de alunos por turma: ________

c) O corpo técnico administrativo é composto por:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

d) Número de turmas por série/turno:

Matutino Vespertino

1 ano _______ ________

2 anos _______ ________

3 anos _______ ________

4 anos _______ ________

5 anos _______ ________

6 anos _______ ________

e) Número de faxineiras e merendeiras:

___________________________________________________________________

6. Recursos materiais:

a) Tipo de material pedagógico existente na escola:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) Recursos audiovisuais:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

7. Histórico da Escola:

___________________________________________________________________

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138

ANEXO B – FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO

O diário de campo será um instrumento de pesquisa destinado ao registro de

aspectos importantes a serem considerados durante a transcrição das fitas e análise

dos dados.

Escola:

___________________________________________________________________

Data:_______________________________________________________________

Horário:

___________________________________________________________________

1. Observações:

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139

ANEXO C 13 – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA

Este instrumento de pesquisa será utilizado para coletar as informações para a

caracterização da professora da classe envolvida no estudo.

1. Sexo:

Masculino ( )

Feminino ( )

2. Idade:

Abaixo de 25 anos ( )

Entre 26 e 30 anos ( )

Entre 31 e 35 anos ( )

Entre 36 e 40 anos ( )

Mais de 40 anos ( )

3. Você trabalha em:

Uma sé escola ( )

Duas escolas ( )

Três escolas ou mais ( )

4. Nesta escola você é:

Profissional efetivo ( )

Profissional contratado ( )

Profissional com designação temporária ( )

Outros ( )

Especificar:_______________________________________________________

_________________________________________________________________

13 Os itens usados para caracterização da professora foram retirados do relatório de pesquisa, intitulado “A implantação do projeto CEFAM no Espírito Santo” coordenado pelas professoras Janete M. Carvalho e Regina H. S. Simões.

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140

5. Além de trabalhar nesta (s) escola (s), você exerce outra atividade

profissional?

Sim ( )

Não ( )

Se sua resposta foi afirmativa, qual é essa atividade?

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

6. Sua formação acadêmica está em nível:

( ) Médio - tipo de curso:

_________________________________________________________________

( ) Licenciatura curta - tipo de curso:

_________________________________________________________________

( ) Licenciatura plena - tipo de curso:

_________________________________________________________________

( ) Pós-graduação/ aperfeiçoamento (Menos de 360 horas)

( ) Pós-graduação/ especialização (360 horas ou mais)

( ) Mestrado

( ) Outros

Especificar:

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

7. Sua experiência como professor (a):

( ) abaixo de 2 anos

( ) entre 2 até 5 anos

( ) entre 5 até 7 anos

( ) entre 7 até 10 anos

( ) acima de 10 anos

8. Sua experiência profissional foi adquirida:

( ) na docência em nível de Educação Infantil

( ) na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)

( ) na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)

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141

( ) na docência em nível médio

( ) na docência e em funções técnicas de ensino

9. Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua

formação como professor (a)?

( ) Sim

( ) Não

Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de

relevância, e indicando a carga horária correspondente:

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

10. Você é vinculado ao sindicato?

( ) Sim

( ) Não

11. Assina jornais, revistas, periódicos?

( ) Sim

( ) Não

Se sua resposta foi afirmativa, quais?

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

12. Participa de congressos, seminário ou encontros similares?

( ) Sempre

( ) Às vezes

( ) Nunca

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13. Suas atividades culturais mais freqüentes são:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - ouvir rádio

( ) ( ) ( ) - assistir à TV

( ) ( ) ( ) - assistir à vídeo

( ) ( ) ( ) - ir ao cinema

( ) ( ) ( ) - ir ao teatro

Especificar outras, caso haja:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - ________________________

( ) ( ) ( ) - ________________________

( ) ( ) ( ) - ________________________

14. Suas leituras mais comuns:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - jornais locais

( ) ( ) ( ) - jornais do País

( ) ( ) ( ) - periódicos da área de

educação

( ) ( ) ( ) - livros didáticos

( ) ( ) ( ) -livros variados sobre educação

( ) ( ) ( ) - periódicos diversos

Especificar outras se ocorrerem:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - ________________________

( ) ( ) ( ) - ________________________

( ) ( ) ( ) - ________________________

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143

ANEXO D – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃ O DAS

CRIANÇAS

Este formulário será instrumento de pesquisa usado para coletar informações

destinadas à caracterização das crianças.

1. Nome da criança:

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

2. Endereço completo:

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

3. Idade:

5 anos ( )

6 anos ( )

Especificar a quantidade de meses:

_________________________________________________________________

4. Sexo:

Feminino ( )

Masculino ( )

5. Há quanto está matriculado na instituição:

______________________________________________________________

_________________________________________________________________

6. Tipo de material escrito que possui em casa:

Livros ( )

Revistas ( )

Jornais ( )

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144

Outros:

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

8. Diversão preferida da criança:

_________________________________________________________________

Especificar:_______________________________________________________

________________________________________________________________

9. Pessoas que moram com o (a) aluno (a):

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

10. Profissão do pai: ________________________________________________

Grau de instrução:__________________________________________________

Trabalho atual: ____________________________________________________

Renda mensal: ____________________________________________________

11. Profissão da mãe: ______________________________________________

Grau de instrução: _________________________________________________

Trabalho atual: ____________________________________________________

Renda mensal: ____________________________________________________

12. Profissão do responsável:______________________________________

Grau de instrução:__________________________________________________

Trabalho atual: ____________________________________________________

Renda mensal: ____________________________________________________

13. Número de irmãos:

Nenhum irmão ( )

Um irmão ( )

Dois irmãos ( )

Três irmãos ( )

Mais de três irmãos ( )

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ANEXO E – TABELAS Tabela 1 – Distribuição dos alunos segundo a idade

Idade F % 6 anos 15 88,23 5 anos 2 11,76 Tabela 2 – Distribuição dos alunos segundo o sexo

Tabela 3 – Distribuição das crianças se estudaram ou não anteriormente

Ano F % 2004 4 23,52 2003 2 11,76 2002 2 11,76 2001 2 11,76 2000 7 41,17 Tabela 4 – Tipo de materiais escrito que as crianças possuíam em casa

Material F % Revistas 16 94,11 Livros 15 88,23 Jornais 14 82,35 Caderno de Fotos 1 5,88 Tabela 5 – A diversão preferida das crianças

Diversão F % Brincar de escolinha 3 17,64 Pique alto 2 11,76 Pega-pega 4 23,52

Idade SEXO F %

5 e 6 anos M 8 47,05 F 9 52,94

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Tabela 6 – Pessoas que moravam com as crianças

Pessoas F % Pais e irmãos 8 47,05 Mãe, irmãos e avós 4 23,52 Mãe, tias e irmãos 2 11,76 Mãe e irmão 1 5,88 Mãe e empregada 1 5,88 Tabela 7 – Renda Familiar

Renda F % 2 1/2 salários mínimos 3 17,64 3 a 4 salários mínimos 5 29,41 4 a 5 salários mínimos 4 23,52 7 a 9 salários mínimos 3 17,64 Não declararam 2 11,76 Tabela 8 – Nível de instrução dos pais

Nível de instrução F % Até a 4ª. série 4 23,52 Ensino Fundamental 13 76,45 Ensino Médio 9 52,93 Graduação 8 47,05 Pós-graduação 1 5,88 Tabela 9 – Número de irmãos Número de irmãos F % Nenhum irmão 7 41,17 Dois irmãos 7 41,17 Duas irmãs 2 11,76 Três irmãos 1 5,88

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