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Page 1: O TOQUE TERAPEUTICO NA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA · PDF fileRio de Janeiro (UNIRIO) Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Doutorado em Enfermagem e Biociências ... Antonio Carlos

TOQUE TERAPÊUTICO NA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DO AUTOCUIDADO NAS PRÁTICAS DE SAÚDE

Esse é um diálogo do corpo teórico dos fundamentos da Psicanálise Aplicada

(Psicologia Médica e Psicossomática) com os da Pedagogia Corporal e da Filosofia além

dos das Biociências e da Enfermagem. Neste sentido, fala-se da Educação Médica/Saúde

Coletiva.

A mudança do paradigma biomédico para o humano compreende os conceitos de

subjetivação e suas singularidades no espaço de cuidados, ambiente e territórios

interdisciplinares: o cuidado ecológico do planeta, de si e do outro.

A nossa experiência na pesquisa, na pedagogia e na clínica de mais de trinta anos no

percurso na interface corpo/dança/Medicina clínica/cirúrgica/Enfermagem/Biociências e

saúde mental evidenciam os pontos de toque no encontro e desencontro entre corpo

biológico, redução do sujeito, máquina não desejante, consciência e expressão corporal: o

cuidar e curar meta disciplinar (FIGUEIREDO, 2009).

As estéticas das práticas de humanização utilizam esses conhecimentos na tensão

do campo institucional. Isso inclui a tradição de saúde advinda de Asclépio (considerado o

Deus da Medicina), sendo seus saberes assimilados pelo pai da medicina ocidental:

Hipócrates (formado no santuário de Esculápio em Cós e originário de uma linhagem de

sacerdotes – médicos).

Essa genealogia de pensadores encontrou no médico e psicanalista Donald Woods

Winnicott, na Enfermeira Florence Nigthtingale, no militante político Felix Guattari e no

filósofo Gilles Deleuze a continuidade dessas práticas terapêuticas ancestrais.

A estratégia corporal da escuta sensível e do afeto na práxis do vínculo do

cuidar/curar produz agenciadores ambientais, micro e macromoleculares.

D. W. Winnicott examinou os conteúdos das comunicações e emoções silenciosas e

barulhentas não verbais e verbais no encontro clínico: o corpo a corpo do paciente –

profissional de saúde – família e sociedade. Ele demonstra que nessa relação acontece a

psicodinâmica das situações do bebê no colo da mãe aonde são vividas as primeiras

angustias impensáveis da Natureza Humana (WINNICOTT, 1951).

Ele e outros pesquisadores em interconsulta clínica psiquiátrica concluíram que, os

sujeitos no espaço de cuidar pedagógico e da saúde revivem esses afetos perturbadores e

integradores da primeira infância no vínculo da intimidade da comunicação cotidiana. Esses

gestos espontâneos decodificam a rota terapêutica do toque no processo saúde/doença.

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As doenças parecem ser momentos experienciais e significantes de dor no ciclo de

vida de vida de um ser humano. A função de atenção à saúde é a criação de um ambiente

transicional propício de curar e cuidar desse sofrimento no fluxo da reabilitação do indivíduo

e por extensão de quem está ao seu redor. O ser humano necessita de momentos de

distensão e repouso, onde se sinta não integrado, sem forma, nos quais uma parte de si

interage silenciosamente com seus objetos subjetivos (WINNICOTT, 1951).

O toque terapêutico é um método holístico, não invasivo, uma abordagem

contemporânea oriundo de práticas ancestrais de cura. Pretende-se uma sintonia “com o

campo de cura universal”, procurando agir como um instrumento de influência de

restabelecimento e usando a sensibilidade das mãos para focalizar e direcionar o processo

de intervenção (SÁ, 2010.p.56 -58).

O toque com intenção para que o outro melhore precisa ser pesquisado e

aprendido para não deixarmos que uma boa parte da nossa energia escape e fiquemos

doentes. Esse ato ativa o cuidado emocional em saúde.

Os princípios científicos que sustentam a terapia do toque terapeutico são o modelo

de assistência da pesquisadora e enfermeira norte americana Martha Rogers (1914-1994).

Dolores Krieger, professora na Escola de Enfermagem da Universidade de New York

e a terapeuta holistica Dora Van Gelder Kunz desenvolveram em 1970, a disciplina "O

Toque Terapêutico", para ajudar os pacientes a melhorar a saúde física e emocional. Esse

método ficou conhecido como Método Krieger-Kunz de ToqueTerapêutico (SÁ, 2010.p.56-

58).

Cuidar vem do latim cogitare que significa tratar de, assistir, ter cuidado. O terapeuta

cuida daquele que possui um corpo que pede para ser tocado no seu ser profundo, o estilo

dos terapeutas de Alexandria: uma protoabordagem holística. É uma atitude, representando

atenção, zelo e desvelo (LELOUP, 2010).

A psicanálise sempre incluiu o saber transdisciplinar e introduziu no espaço de

cuidar da saúde mental, o método do talking cure, a cura pela fala através de uma escuta

qualificada, um toque, na busca de elementos do inconsciente de uma pessoa em

sofrimento (FREUD, 1893).

Isso transformou os cenários nos espaços e ambientes dos corpos e cuidados na

esfera da compreensão psicossomática. A preocupação de Donald Winnicott com a

maternagem (mãe suficientemente boa) e a reparação de falhas ambientais no

desenvolvimento ecológico da criança (biopsicosocial) se revela na contribuição do

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entendimento de sintomas mal esclarecidos na sociedade atual (adições e compulsões)

durante os ritos de passagem no ciclo de vida de uma pessoa.

Esse autor compreendeu na sua prática médica (olhar e escuta em saúde emocional)

que um bebê só se desenvolve nos seus processos de integração, personalização e contato

com a realidade quando três aspectos da função materna se constituem: holding (ou

sustentação), handling (ou manipulação, manuseio, toque) e apresentação do objeto. O amor

materno se expressa nos primeiros momentos da relação mãe – bebê em termos corporais,

sendo o cuidado físico, um cuidado psicológico.

Ele apresenta na palestra “A Cura”, que existe uma coisa que necessita ser

recuperada na prática da medicina: o cuidar e o curar - palestra proferida para médicos e

enfermeiros, na Igreja de São Lucas, Hatfield, no dia de S. Lucas em 18 de outubro de 1970

- (WINNICOTT, 1970).

O cuidar e curar em saúde é uma extensão do conceito de segurar: começa com um

bebê no útero, depois com o bebê no colo, havendo um enriquecimento a partir do

processo de crescimento da criança, pois a mãe que conhece aquele bebê específico, que ela

deu à luz, torna esse enriquecimento possível. Um suprimento ambiental do tipo segurar -

ambiente facilitador - durante os estágios de imaturidade. Esse movimento conduz um

indivíduo no seu processo de identidade dentro da família, da escola, da sociedade e numa

democracia.

As práticas em saúde na contemporaneidade que priorizam a importância do toque

na relação profissional de saúde – paciente são a medicina psicossomática, a enfermagem e

a fisioterapia. A compreensão de que as doenças e os cenários terapêuticos são momentos

de fenômenos transicionais e que o toque é uma ferramenta transformadora no cuidado em

vários territórios geográficos se sustentam na explanação do paradigma na psicanálise

winnicottiana.

Aprende-se na semiologia médica que se precisa perceber o imperceptível, quando

se entra num espaço/ambiente em que existe a necessidade do ato médico. Necessita-se

utilizar e aguçar todos os órgãos dos sentidos para essa tarefa: a visão periférica e profunda

do local aonde se encontra, a audição para ouvir o que o paciente expressa em gestos além

das palavras, o odor de certas doenças e do lugar em que se nos instala, o paladar de certas

desarmonias corporais .

Essas preocupações são denunciadas por autores, como Ana Cristina de Sá, no

livro “O cuidado do emocional em saude” (SÁ, 2010) e por José Galvão Alves no capitulo

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“Aspectos Psicossociais no Atendimento de Emergência” no livro intitulado

“Psicossomática Hoje” (MELLO; ALVES,1992.p.344-349).

O palco do espaço de uma emergência hospitalar é um ambiente de caos e tensão.

Ele pode ser amenizado pelo treinamento do sensorial e do emocional dos atores que

ocupam esse local. O tom, o ritmo e melodia da voz do profissional de saúde ao se

apresentar a pessoa enferma e ao solicitar que ela diga o seu nome. A demonstração da

preocupação se ela está sozinha ou acompanhada, que se identifique, a delicadeza dos

gestos como um aperto de mão ao paciente que vai ser atendido. O despir suave da blusa

ao examinar ou auscultar o tórax de uma pessoa. O palpar com precisão e ternura um

abdome doloroso. O acalmar um paciente que respira com dificuldade evidenciando que

ele não corre risco de vida. Esses exemplos fazem parte da semiologia do sujeito.

Essa é uma técnica transformadora dos movimentos desse espaço, aonde existe dor

em situações de vida e de morte. O lúdico precisa ser utilizado em momentos em que

acontece o atendimento de poli traumatizados, baleados e suicidas. Essa é uma atitude

humanística que pode resolver as situações problemas nesses locais, onde o sofrimento é

uma constante.

Nesta perspectiva, fala-se da relação profissional de saúde – paciente relação

professor aluno, ou seja, da relação mãe – bebê, que integra os aspectos psicológicos do

bebê em desenvolvimento. O olhar que garante a continuidade de existir após a ruptura na

linha de desenvolvimento do indivíduo.

Isso não desqualifica as qualidades de astúcia, rapidez de raciocínio, conhecimento

científico e as habilidades profissionais de um médico socorrista e sua equipe. O médico e

psicanalista Abraam Eksterman no livro intitulado “Psicossomática Hoje” comenta que,

psicanalizar em medicina e saúde é falar de Humanização em Saúde. O importante é o

vínculo que se estabelece com a pessoa do doente, sua família e sua comunidade (MELLO;

EKSTERMAN, 1992.p.28-33).

Essas práxis terapêuticas poderão suscitar no vínculo de produção de potencias de

vida nas essências dos sujeitos e suas singularidades micro e macrocósmica, experiências

humanas estéticas e inovações tecnologias, no fluxo de rede de pesquisas que traduzam o

discurso dos pensadores mencionados nesse ensaio.

Referências

CECCIM, R.B; MERHY, E.E. Um Agir Micropolítico e Pedagógico Intenso. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.13, supl.1, p.531-542. Sitio eletrônico: http://www.scielo.br/pdf/icse/v13s1/a06v13s1.pdf. Acesso em abril de 2014.

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LINS, M.I.A.; LUZ; R.. D.W.Winnicott: Experiência Clínica & Experiência Estética. RJ: Revinter, 1998. FIGUEIREDO, N.M.A.; MACHADO, W.C.A. Corpo e Saúde. Condutas Clínicas de Cuidar. RJ: Editora Águia Dourada, 2009. FREUD, S. Psicoterapia da Histeria. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2ª ed. V. 2. RJ: Imago Ed. Ltda., 1893-1895.p.261. LELOUP, J.Y. Uma Arte de Cuidar. 4ª ed. RJ: Ed. Vozes, 2007. MELLO, J. Psicossomática Hoje. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1992. SÁ, A. C. de O. O cuidado do emocional em enfermagem. SP: Robe Editorial, 2010.p.53-58. WINNICOTT, D.W. Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. Da Pediatria à Psicanálise. 2ª ed. RJ: Francisco Alves, 1951. p. 389-408. _______________. A Cura. Tudo Começa em Casa. SP: Martins Fontes, 2005. p.105-114 ZAMBONI, J.; BARROS, M.E.B. Um Clínico da Atividade Desejante no campo social: Felix Guattari. Polis e Psique, Vol.2.n.1.2012. p.23- 42. Sítio eletrônico: http://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePsique/article/view/30388/25703. Acesso em abril de 2014.

Autores: Terezinha de Souza Agra Belmonte Professora Adjunta da Escola de Medicina da Universidade Federal do Estado do

Rio de Janeiro (UNIRIO) Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Doutorado em Enfermagem e Biociências (PPBGENFBIO/UNIRIO) turma: 1/2014.

Nébia Maria Almeida de Figueiredo

Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora Emérita da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (UNIRIO). Professora no Programa de Pós Graduação Doutorado em Enfermagem e Biociências (PPBGENFBIO/UNIRIO). Grupo de Pesquisa MOTRICIDADE HUMANA E CUIDADOS (PPBGENFBIO/UNIRIO).

Antonio Carlos Ribeiro Garrido Iglesias Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Titular da

Escola de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Grupo de Pesquisa MOTRICIDADE HUMANA E CUIDADOS (PPBGENFBIO/UNIRIO). Como citar este post (Vancouver adaptado): BELMONTE, TSA; FIGUEIREDO, NMA; IGLESIAS, ACRG. TOQUE TERAPÊUTICO NA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DO AUTOCUIDADO NAS PRÁTICAS DE SAÚDE. [internet]. Rio de Janeiro (br); 2014 [Acesso em: dia mês (abreviado) ano]. Disponível em: http://www... (completar com os dados do site).