o teatro laboratório de jerzy grotowski 1959-1969

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  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

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  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

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    by Jerzy Grotowski dos textos de Jerzy Grotowski Todos os direitos reservados

    by Ludwik Flaszen dos textos de Ludwik Flaszen

    by Eugenio Barba do texto de Eugenio Barba

    2001 by Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli da curadoria do l ivro

    SERVIO SOCIALDO COMRCIO

    ADMINISTRAO REGIONAL NO ESTADODE SO PAULO

    Presidente doonselho Regional

    bram Szajman

    iretor

    doDepartamento Regional

    Danilo

    Santos

    de

    Miranda

    SuperintendenteTcnico Social

    Joel

    Padula

    Superintendentede omunicao Social

    Ivan Giannini

    Gerncia de o ultural

    Rosana Paulo

    da

    unha

    Gerente djunto

    Paulo Casale

    Gerncia de Desenvolvimento de Produtos

    Marcos Lepiscopo

    Gerente djunto

    Walter Macedo Filho

    EQUIPE DE REALIZAO

    SupervisoEditorial

    J Guinsburg

    Revisode Texto

    Lilian Miyoko Kumai

    Iracema A de Oliveira

    Carla Pollastrelli

    Produo

    Ricardo W Neves

    Sergio Kon

    Raquel Fernandes branches

    o TeatroLaboratrio de erzy rotowski

    959 969

    Textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwik Flaszen

    com um escri to de Eugenio Barba

    Curadoria de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli

    com a colaborao de

    Renata

    Molinari

    Traduo para o portugus: Berenice Raulino

    Fondazione

    Pontedera Teatro

    ii

    PERSPE TIV

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    SUMRIO

    AS ENERGIAS DA GNESE

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIP

    Cmara Brasileira do Livro , SP Brasil

    o

    Teatro Laboratrio de Je rzy Grotowski 1959 1969 / texto s e materiais de

    Jer

    zy Grotowski e Ludwik Flasz

    en

    com

    um

    escrito de Eug eni o Barba ; cur a

    d

    oria

    de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli

    com

    a colaborao de Re

    nata

    Molinari ; traduo par a o portugus Berenice Raulino. -- So

    Paulo:

    Perspectiva: SESC ; Ponte der a, IT : Fondazione Pontedera Teatro , 2007 .

    Ttulo original:

    II

    Teatr

    Lab orato

    rium di Jerzy Grotowski 1959-1 969

    ISBN 978 85 27

    3 07

    83- 3 - Perspectiva

    ISBN - 978 85 98112 -35 0 - SESC-SP

    I . Gro towski . Je rz y 2. Teatro - Hist

    ria

    3.

    Teatro

    - P ol nia 4. Teatro

    Laborat rio Gro towski, Jerzy.

    Flasze n . Ludwik .

    Barb a, Euge nio.

    IV Polla strelli, Carla . V Molin

    ar

    i, Ren at a .

    p. 9

    p

    p 13

    p

    17

    anilo SantosdeMiranda

    O

    Mund

    o, o Palco e a

    Inverso

    dos Papis

    Roberto a

    cci

    e Cac arvalho

    Lembrana de

    um

    Sorriso

    arla Pollastrelli

    Prefcio

    Ludwik Flaszen

    De Mistrio a Mistrio:

    Algumas

    C

    on

    sideraes

    em

    Abertura

    07 -1583

    ndices pa ra c atlogo sistemtico:

    I . Teatro Labor at rio : Artes da r

    epre

    sentao 792 .02

    Direitos reservados em lngu a po rtuguesa a

    EDITORA PERSPECTIVA S.A.

    Av. Brigadeiro Lus Antn io, 302 5

    0 140 1-000 So Paulo SPBrasil

    Telefax: I I 3885 8388

    www editoraperspectiva com .br

    EDIES SESCSP

    Av.

    lvaro

    Ramos, 991

    0333 1-000 So Paulo SPBrasil

    Te\. : I I 660

    7 8

    00 0

    sescs p@sescsp org .br

    ww

    w.sescsp .

    or

    gbr

    1007

    CDD-792 .02

    p. 35

    p. 37

    p.

    38

    p

    p 8

    p.

    75

    p.

    85

    Jerzy Grotowski

    Invocao

    para

    o

    Espetculo

    Orfeu

    Jerzy Grotowski

    Alfa mega

    Jerzy Grotowski

    Brincamos

    de

    Shiva

    Jerzy Grotowski

    Farsa-Mi

    sterium

    JerzyGrotowski

    A Possibilidade do Teatro

    Ludwik

    Fla

    szen

    Os ntepassados e Kordian

    no

    Teatro das 13 Filas

    Ludwik Flaszen

    O Tea tro C

    ondenado

    Magia

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    4/125

    p 8 7

    p. 91

    p. 98

    Ludwik laszen

    A

    Arte

    do Atar

    Ludwik laszen

    Hamlet

    no Laboratrio Teatral

    ugenio arba

    Rumo a

    um

    Teatro

    Santo

    e Sacrlego

    PRTICAS NA EXPANSO

    Jerzy Grotowski

    p.

    105 Em Busca de um Teatro Pobre

    Ludwik

    laszen

    p. 113 Depois da Vanguarda

    Jerzy Grotowski

    p. 119 Teatro e Ritual

    rzy

    Grotowski

    p 137

    A Voz

    Jerzy Grotowski

    p . 163 Exerccios

    Jerzy Grotowski

    p. 181 Sobre a Gnese de

    pocalypsis

    A PERSPECTIVA PELO AVESSO

    JerzyGrotowski

    p.

    199

    O Que Foi

    JerzyGrotowski

    p. 212 O Diretor

    como

    Espectador de Profisso

    Jerzy Grotowski

    p.

    226

    Da Companhia Teatral

    Arte como

    Veculo

    p 245 Teatrografia

    Nota dos curadores

    Nas diversas sees. os textos so acompanhados por

    uma

    breve informao

    relativa s circunstncias da composio e a destinao de uso. Issoespecialmente

    para os textos inditos.

    No que diz respeito aos textos de Jerzy Grotowski

    que

    j apareceram em re

    vista ou em volume, os curadores seguiram as disposies de Thomas Richards e

    de Mario Biagini - aos quais foram confiados pelo autor a tutela e os direi tos dos

    prprios textos - com relao s verses a serem consideradas definitivas para

    cada escrito. Isso considerando-se o fato de que em muitos casos o

    autor

    subme-

    teu os prprios escri tos a um constante

    trabalho

    de rev iso e de

    re traduo

    .

    Para cada texto de Jerzy Grotowski so fornecidas em uma

    nota

    no fim, na

    ordem) a indicaoda primeira publicao e da verso indicada como definitiva

    pelo autor.

    Assinala-se tambm a primeira publicao em volume juntamente com ou-

    tras indicaes consideradas relevantes para a histria dos textos.

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    I

    I

    I

    Danilo Santos de Miranda*

    o

    Mundo o Palco nverso

    dos

    Papis

    Logo aps ter-se incorporado ao Teatro Laboratrio,

    ainda

    na ci

    dade

    de Opole, Ryszard Cieslak,

    aquele

    que viria a ser o principal ator

    e, durante anos, o mais

    prximo

    colaborador de Grotowski, ouviu do

    encenador o seguinte comentrio:

    Representamos

    to

    completamen-

    te na vida que, para fazer teatro, bas taria cessar a representao .

    A frase poderia ser

    apenas uma retomada

    da idia bar roca de

    que

    o mundo , todo ele, t ea tr o, se no se convertes se em regra de

    uma

    dramatizao visceralmente

    despojada. Alis, em um dos primeiros

    textos desta coletnea

    aqui

    editada, Brincamos de Shiva .

    podemos

    ler: O

    teatro indiano

    antigo,

    como

    o

    japons

    an ti go e o hel nico. era

    um

    ritual

    que

    identificava em si a dana, a

    pantomima,

    a a tua o . O

    espetculo no era represent o da realidade

    construo

    da iluso

    mas

    danar

    a realidade

    uma construo

    artificial, algo

    como uma

    'viso

    rtmica' voltada

    realidade) .

    Tais indcios nos

    levam

    a pensar, e o

    cremos

    sem despropsitos,

    que talvez Grotowski buscasse no

    teatro

    muito mais uma forma de

    vida - que se poder ia qualificar de

    autntica

    ou de ntegra - do que

    uma

    realizao dramtica tradicional. Pois a primeira constatao

    que

    enuncia no Em Busca de um Teatro Pobre diz que o ri tmo de vida

    da civilizao

    moderna

    se caracteriza justamente

    por

    atos demasiada

    mente medidos,

    por

    tenses,

    por

    um

    sentimento

    de

    predestinao

    e

    mor te , pelo desejo de

    ocultar

    os verdadeiros motivos pessoais e assu

    mir, ao contrrio, uma var iedade de papis e de mscaras. Ou seja, na

    vida corriqueira j somos atores.

    E o

    que

    oferece o teatro, em contrapartida? Para aquele

    que

    sai do

    papel trivial da vida para consagrar-se ao papel reservado da cena, a arte

    dramtica permite dedicar-se a motivos mais elevados, autoriza a retirada

    Diretor do Departamento Regional do Sesc So Paulo

    .1111

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    10

    das mscaras sociais e torna possvel

    uma

    ao completa, qual seja, a

    de

    uma

    unio fsica e espiritual. Essa experincia, evidentemente s

    se justifica de modo pleno

    quando

    oferecida a um espectador. De pre

    ferncia, na intimidade de um espao ao mesmo tempo laico, por sua

    natureza mas sagrado nas intenes, e

    no

    qual acontea, finalmente,

    a emergncia de um s . O ator cnico teria pois

    em

    seu ministrio

    no

    s a preocupao de alcanar

    uma

    essncia teatral,

    mas tambm

    a de revelar uma pobreza

    quase

    mstica, quer dizer, despida dos falsos

    caracteres do mundo ainda que considerados indispensveis sobre

    vivncia pessoal ou convivncia social.

    O SESC de So Paulo teve a rara oportunidade de acolher Jerzy

    Grotowski e seu ltimo grande colaborador, Thomas Richards. entre

    o final do ms de setembro e o incio de outubro de 1996, ocasio em

    que promoveu trs atividades bastante concorridas: um simpsio de

    trs dias no Teatro Anchieta. sob o t tulo de

    rte como veculo

    duas

    sesses comentadas do documentrio de Mercedes Gregory, a respei

    to dos mtodos aplicados no Workcenter de Pontedera, efetuadas no

    CineSesc; e uma demonstrao livre do mtodo realizada nas depen-

    dncias da Pinacoteca do Estado.

    claro que a organizao do evento constituiu

    um

    fato de im

    portncia na h is t ri a das realiz aes t ea tr ai s do Brasil e de nossa

    instituio. Mas como os

    que

    puderam dele participar

    no

    foram,

    compreensivelmente, muitos, temos agora

    uma

    ocasio favorvel de

    ampliarmos a experincia a um pblico

    bem

    maior, constitudo

    por

    pesquisadores, estudantes e afccionados. nele includas as atuais e as

    futuras geraes. Essa possibilidade nos dada, mais

    uma

    vez, pela

    editora Perspectiva, cujo catlogo de textos dedicados ao universo tea

    tral

    continua

    insupervel

    em

    nosso pas.

    Roberto Bacci e Cac Carvalho

    embr n de um orr so

    Ler ou reler hoje os escritos teatrais de Jerzy Grotowski equivale

    a parar o tempo, a mergulhar em um conhecimento que no permi

    te aproximaes ou improvisaes, um conhecimento em que cada

    termo utilizado a sntese de u experincia rigorosa: palavras que

    servem mais para

    trabalhar

    do

    que

    para definir.

    Mesmo assim, passando de boca a boca, de cabea a cabea, tambm

    essas palavras se cansaram, perdendo a necessria aderncia com a pr

    pria origem; assim, viajando pelo

    mundo

    escutamos muitas vezes ter

    mos grotowskianos que eram seguidos por perguntas sobre Grotowski.

    Foio encontro com uma grande adeso emotiva em relao a um mito

    do trabalho teatral, cuja linguagem to rigorosa se coloria porm, s ve

    zes, com as necessidades, as expectativas e a imaginao de

    quem

    falava

    ou de quem perguntava, at perder o sentido original.

    Ento era melhor calar, evitar a confuso

    ou

    a ambigidade que

    o eco de cada palavra repetida

    traz

    consigo, conscientes

    porm

    da ne-

    cessidade,

    por

    parte de muitos,

    de

    conhecer mais para

    compreender

    melhor.

    Este l ivro com curadoria de

    Carla

    Pollastrelli e Ludwik Flaszen,

    construdo com o rigor necessrio e

    uma

    especial ateno s tradues,

    pode concretamente

    ajudar

    a

    reaproximar

    as palavras de Grotowski de

    sua verdadeira prtica, trazendo a quem o ler

    uma

    ateno e

    uma

    cons

    cincia novas sobre aquilo que foi o real trabalho teatral de Grotowski

    e do Teatro Laboratrio.

    Tivemos por anos o privilgio n em

    sempre

    cmodo de estarmos

    prximos a Grotowski; Jerzy foi para ns primeiro um colega, depois

    um amigo e, em um sentido muit o especial, um mestre.

    Grotowski foi

    um

    grande dreror que conseguiu livrar-se do teatro

    justamente para reafirmar o valor dele e este livro, voltando s razes,

    fora original da sua investigao. servir certamente tambm

    r

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

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    compreender

    melhor

    o que Grotowski empreendeu depois da fase

    teatral . Nesse sentido pode ser

    um

    instrumento importante de apro

    fundamento

    para

    todos aqueles que, em outubro de 1996, fo ram de

    modos diversos

    testemunhas

    e participantes do extraordinrio proje

    to do Workcenter of Jerzy Grotowski

    and

    Thomas Richards em So

    Paulo, realizado por iniciativa do Sesc.

    Destas pginas, do seu passado teatral, Grotowski nos fala, se sou

    bermos l-lo, do nosso futuro e do futuro do tea tro mesmo.

    Aos tantos colegas brasileiros

    que

    tero nas mos este livro gosta

    ramos, por fim, de dar um presente que tambm uma advertncia.

    Grotowski era uma pessoa doce

    que

    todavia incutia sujeio e difcil

    exprimir como esses dois contrrios se manifestavam nele ao mesmo

    tempo. Se o observamos com os o lhos da memria podemos dizer

    hoje

    que

    o

    ponto

    de encontro dessas duas diferentes vibraes da sua

    personalidade estava

    em um

    singular sorriso:

    um

    sorriso pelo qual

    nos sentamos observados, mas no qual podamos nos

    abandonar

    com

    confiana.

    Lendo estas pginas, nos lembramos daquele sorriso.

    Setembro

    de 6

    S

    A publicao em portugus deste livro

    um

    projeto da Casa

    Laboratrio para as Artes do Teatro, o grupo de trabalho que h dois

    anos funciona em So Paulo sob a direo artstica de Cac Carvalho

    e da Fondazione Pontedera Teatro; faz parte das atividades que a Casa

    Laboratrio realiza no mbito da cultura teatral compartilhando com

    as pessoas de teatro brasileiras

    um

    patrimnio de conhecimentos, do

    cumentos prticas, metodologias:

    instrumentos

    essenciais do fazer

    artstico.

    Em

    nome

    de Grotowski, fez-se promotor desta iniciativa editorial,

    que

    ao

    mesmo

    tempo

    uma

    iniciativa teatral , o SESC So Paulo,

    que h dez anos tornou possvel o encontro entre o mestre polons e

    artistas e estudiosos chegados de todo o Brasil e da Amrica Latina e

    que hoje apia, com a costumeira viso de longo alcance, as atividades

    da Casa Laboratrio.

    Carla Pollastrelli

    ref io

    No

    outono

    de 1999, vr ios meses depois do desaparecimento de

    Grotowski, aflorou nos

    meus

    colegas - Roberto Bacci e Luca Dini - e

    em

    mim mesma o desejo, talvez a necessidade, de pensar um encontro

    que

    nos permitisse reescutar . reconfrontar nos com um patrim-

    nio

    vivo e

    ainda

    agora provocante. Aquele

    patrimnio

    de impulsos,

    sugestes, audcia, sabedoria que, de modos diversos, continua a ser

    to

    importante na

    biografia profissional e pessoal daqueles que nos

    anos setenta deram vida ao Teat ro di Pontedera e depois , nos anos

    oitenta criaram as condies para a atividade do Workcenter of Jerzy

    Grotowski and Thomas Richards. Ainda no estava claro, naquela pri

    meira fase de elaborao, se o encontro deveria ser na forma de semi

    nr io ou de congresso, mas

    com

    certeza

    no

    seria

    um

    congresso in

    memoria . Antes um espao onde dar voz aos protagonistas e teste

    munhas

    da experincia do Teatro Laboratrio;

    um a

    ocasio adequada

    para criar

    um a

    ponte com as geraes de artistas e estudiosos para os

    quais Grotowski um

    nome

    ou um captulo nos livros de histria do

    teatro - quase

    uma

    figura lendria.

    No decorrer de longas conversas algumas com a participao de

    Thomas Richards e Mario Biagini)

    tomou

    forma o proje to total com o

    ttulo JerzyGrotowski: assadoe resentedeuma esquisa subdividido em

    trs fases, a primeira das quais, dedicada ao Teatro Laboratrio

    entre

    Opole e Wrodaw ocorreu em Pontedera em outubro de 200 I.

    De minha parte, aproveitando a oportunidade do congresso, havia

    tambm

    a

    vontade

    de

    reunir

    alguns escritos de Grotowski, publicados

    em revistas inencontrveis e portanto de fato indi tos, e propor sua

    publicao como materiais de trabalho. Eu

    t inha e m m en te

    sobre

    tudo certos escritos de carter metodolgico, que na realidade des

    cobrem um horizonte bem alm da metodologia Teatro e Ritual ,

    Exercicos . A Voz ), mas queria republicar tambm o texto cannico

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    8/125

    Em Busca de

    um

    Teatro Pobre , em uma nova traduo, segundo a

    vontade do autor . Ao mesmo tempo Ludwik Flaszen me enviara al

    gumas pginas inditas - arqueo

    ou

    palco Grotowski, como ele as

    definia - encontradas no seu arquivo particular.

    Em novembro de 2000 organizamos em Pontedera um encon

    tro preparatrio

    do congresso para o qual convidamos os amigos do

    Centro

    de

    Documentao

    de

    Wrodaw na

    Polnia e,

    evidentemente

    Ludwik Flaszen. E foi naquela ocasio, graas sua contribuio e s

    suas propostas, que se f echou o cerco, foi l

    que

    tomou forma esta

    publicao na sua composio atual. bem mais ampla do que o meu

    projeto inicial. Restava-me apenas iniciar o trabalho das tradues.

    Por muitos anos, ainda antes de trabalhar

    junto

    a Grotowski em

    Pontedera, fiz parte da confraria dos tradutores tendo feito voto de

    fidelidade literalidade da palavra dita e do texto original; um voto

    trabalhoso que induz a desenvolver

    uma

    espcie de lngua franca: s ve

    zes eficaz como

    uma

    lmina, s vezes

    um tanto

    deselegante e tortuosa.

    Freqentemente nos meses de trabalho nas tradues, parecia-me ou

    vir de novo a voz de Grotowski: a sua voz que falava no ritmo dos escri

    tos - a maior ia t ranscr ies de conferncias - e a sua voz

    que

    requeria

    a fidelidade, a palavra precisa. Voltavam-me mente as longas sesses

    noturnas

    junto

    com

    ele a

    procurar

    os verbos, as preposies, a for

    ar - s vezes reinventar - a lngua, fazer as frases tropearem para que

    tambm

    o leitor tropeasse e se detivesse. E os primeiros obstculos

    que

    pe o italiano so justamente termos como recitare , interpretare ,

    semanticamente muito distantes da prtica teatral de Grotowski; o ou

    tro problema a carncia de termos tcnicos apropriados para denotar

    as diversas abordagens do trabalho nos ensaios. Apesar das dificuldades

    da traduo, a longa convivncia com os textos desta coletnea foi uma

    aventura apaixonante que me permitiu, entre outras coisas, encontrar

    companheiros de armas de outros empreendimentos dos anos passados,

    como o

    nmero

    monogrfico de ip rio dedicado ao Teatro Laboratrio,

    publicado

    em

    1980. Renata Molinari -

    que

    seguiu de perto muitos pro

    jetos e passagens de Grotowski e do Teatro Laboratrio e aqui deu

    uma

    insubsti tuvel contribuio de competncia, rigor, dedicao - era a

    curadora, enquanto minhas eram as tradues dos textos do polons.

    Mas penso tambm nas pessoas que, nos anos em que Grotowski este

    ve

    em

    Pontedera, se empenharam em pontuais tradues, em diversas

    l nguas, dos seus textos ou das t ranscr ies de encontros. Com elas,

    em certos perodos, criara-se

    uma

    espcie de trabalho transversal de

    traduo que levava como resultado a verses definitivas ou a novos

    originais que substituam aqueles de incio.

    Este l ivro me propiciou longas sesses de trabalho, que t inham

    sempre o t rao emocionante da descoberta, com Ludwik Flaszen.

    I

    Lembro-me de um

    encontro

    em um caf de Paris

    onde

    se apresentou

    com um envelope volumoso

    que cont inha

    os tesouros das pginas

    palco e comeou a seguir as pegadas da primeira apario de pala

    vras como arqutipo , signo e depois teatro pobre . Flaszen, que

    como autor praticamente desconhecido fora da Polnia, foi um guia

    extraordinrio e indispensvel atravs dos textos dos incios (dos quais

    redigiu as

    notas

    bibliogrficas) e me parece

    importante

    publicar aqui

    alguns dos seus escritos dos anos sessenta, alm do magistral prefcio,

    composto para este volume .

    O carter inicial de coletnea de materiais explica algumas pe

    culiaridades no aspecto grfico desta publicao, por exemplo o fato

    que

    os diversos textos - sobretudo na seo palco - apresentem

    uma impostao grfica no homloga. Quis-se manter nos limites

    do possvel. as caracterst icas dos originais; veja-se particularmente

    A Possibilidade do Teatro , com os negritos, subnegritos, i tlicos e

    listas esquemticas. Trata-se de

    uma

    brochura de 1962

    que

    associa a

    declarao de princpios tericos e metodolgicos, aplicados tambm

    a cada

    um

    dos espetculos, com evidentes intenes promocionais;

    englobando amplos fragmentos de crticas, com a malcia de

    no

    omi

    tir uma crtica arrasadora, sada sob pseudnimo no rgo cotidiano

    do partido (mas o

    nome

    do

    jornal

    foi omitido ). Nesse sentido note-se

    que as matrias, publicadas

    em

    jornais e revistas importantes da poca,

    devem-se em parte aos grandes nomes da crtica polonesa.

    Nos textos adorou-se.

    po r

    outro lado, de

    modo homogneo

    a

    denominao Teatro Laboratrio , seguindo o hbito de Grotowski

    que

    costumava traduzir o nome original Teatr Laboratorium nas

    l nguas em que falava ou escrevia.

    Enfim, esta coletnea se fecha com uma teatrografia para a qual

    me

    reportei amplamente a Zbigniew Osirski - definido por Flaszen

    como Herdoto

    do Teatro Laboratrio - a quem vai tambm o

    mrito

    de

    ter

    tirado dos arquivos e do

    esquecimento

    as pginas de

    Brincamos de Shiva .

    A cinco anos da primeira publicao na Itlia, esta primeira edi

    o

    em

    lngua portuguesa v a luz - no por acaso

    no

    Brasil - graas

    a

    uma

    feliz conspirao: o empenho do SESC So Paulo, instituio

    que

    ostenta j uma tradio de projetos em nome de Grotowski ; a

    adeso partcipe de Jac Guinsburg e da sua edi tora Perspectiva ; as

    atividades no mbito da cultura teatral da Casa Laboratrio para as

    Artes do Teatro. Todavia este

    empreendimento

    no teria sido poss

    vel sem o trabalho apaixonado competente e paciente de Berenice

    Raulino sobre as t radues. Berenice aceitou confrontar comigo,

    durante

    extenuantes

    sesses telefnicas, a verso em

    portugus

    de

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    9/125

    todo., CI. ;

    u-xtos deste volume

    ,

    no

    esforo

    incansvel

    de

    descobrir

    a

    SO II . ll m.tis

    i l

    ao original,

    aceitando

    manter todas as

    asperezas

    da

    lngu.: laluda original e a

    peculiar linguagem

    de Grotowski.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    10/125

    e na lenda , do mestre de Opole e de Pontedera?

    Mudar

    alguma coisa?

    E o

    que

    ao

    contrrio

    confirmar?

    Talvez esses textos, organizados

    aqui

    em o rd em

    rigorosamente

    cronolgica,

    que

    aparecem em

    um

    mundo to diverso daquele em que

    nasceu o Teatro Laboratrio e quando Grotowski j no est mais en

    ns, esses

    t e x t ~ s

    e s ~ a s seq.ncias de palavras escritas em tempos

    d l v ~ r s o s

    se

    maravilharo

    por

    SI

    mesmos,

    com

    a

    prpria proximidade

    reciproca

    nestas

    folhas e com a proximidade com o

    ano

    2001.

    Grotowski amava

    repetir

    -

    para

    dizer a verdade com o

    passar

    do

    t ~ p - que as palavras e as definies no t m grande impor tn

    Ia que de bom grado podia substituir uma frmula ou uma palavra .

    Po.rque s pr ica, s o

    ato conta.

    No

    entanto,

    a idia de fixar as pr

    pnas

    expenencias

    na palavra talvez no o tenha jamais

    abandonado.

    E tambm no papel impresso anunciou ao mundo os seus propsitos

    reformadores e rebeldes, sobretudo na

    juventude.

    Antes

    que nos

    encontrssemos no trabalho

    sobre a

    construo

    do

    Teatro Laboratrio, ele tinha provavelmente notveis ambies liter

    rias. Escrevia poesias,

    tendo

    superado a idade cannica da adolescn

    cia

    para

    essa ocupao. Antes de

    conhec-lo pessoalmente, entre

    1956

    e 1958,

    eu

    lia os seus art igos na imprensa,

    sobretudo

    local.

    Tinha

    a

    pena pesada e vida de exprimir tudo de uma vez, inclusive o sentido

    ltimo

    da Vida e do Cosmo; tambm os seus primeiros espetculos

    em Cracvia e no Teatro Laboratrio eram assim,

    mas

    com lampejos

    de talento diretorial, Se a grandeza cresce sobre um

    certo

    fracasso

    on

    tolgico' arriscaria a afirmao de

    que

    a sua cresceu sobre o fracasso

    literrio.

    Porm

    persistia nos esforos: a obstinao e ra um dos segredos do

    gnio. ~ s ~ i t u i u a

    palavra

    ao se rv io da vocao que

    lhe

    pr

    pna. Mestre inigual vel da

    palavra

    falada, magnfico retrico e -

    por

    assim dizer - pregador, mas tambm sofista refinado, at o fim parecia

    esperar o

    momento

    oportuno, escolhido sempre de modo premedi

    tado,

    para pronunciar-se tambm por

    escrito,

    na

    pgina impressa.

    Consciente das prprias carncias literrias, freqentemente

    usava

    a

    forma da entrevista. E se val ia da ajuda de escribas devotos e humil

    des, a cuja corporao tambm eu, livre homem de pena de renome

    prprio, me vi pertencer, quando me foi

    pedida

    ajuda na redao de

    um certo

    texto seu . . . Mais de

    um

    entre os pertencentes

    corporao

    de bom grado hoje

    pode

    testemunhar - junto com os

    tradutores

    des

    ses escritos de uma lngua a outra, e nem

    sempre estava claro

    qual

    fosse a

    lngua

    do original-

    como Grotowski-Autor-da-Mensagem

    Verbal

    travava

    batalhas maniacais de

    horas

    e

    horas para

    cada palavra:

    a

    nica

    capaz de exprimir exatamente o seu pensamen to a lm das

    barreiras

    lingsticas .

    19

    Nesse Fausto, faminto por espaos infinitos, hospedava o pedante

    teimoso

    e meticuloso

    Wagner

    de robe, que velava sobre a

    apropriada

    articulao dos desejos

    desmesurados

    do

    patro.

    Apesar

    daquilo

    que repetidamente

    declarou, Grotowski atribua s

    palavras uma enorme importncia. Como se de uma certa

    enunciao

    no papel impresso, e

    at mesmo

    de uma palavra ou de uma frmula,

    dependesse

    o mais alto

    ser

    ou no

    ser. Se se prescinde do

    problema

    das

    gafes polticas, que podiam custar caro no mundo

    precedente

    queda

    do

    muro

    de Berlim, o que era para ele essencial nessa meticulosidade

    lingstica?

    A Santssima Preciso - Nossa

    Senhora

    da

    sua

    vida? A efi

    ccia da palavra como apelo ao

    inconsciente

    do destinatrio? A f

    na

    fora do Logos - apesar de si e da convico declarada - at

    mesmo

    na

    sua msera forma discursiva? O fato de que aquilo

    que

    no formu

    lado com palavras no existe, ou n o existe suficientemente? Assim

    como

    para aqueles da gerao de hoje no existe o que no seja fixado

    em forma de imagem

    em

    movimento...

    Alis, no sem af os textos de Grotowski

    atingiram

    a forma de

    finitiva. Era como o legendrio

    pintor que percorria

    os

    museus onde

    estavam

    expostas as

    suas

    obras-primas e as corrigia s escondidas.

    Grotowski fazia correes

    inexoravelmente,

    quando

    com

    o

    tempo en

    contrava formulaes mais felizes. Acontecia no querer difundir for

    mulaes ou idias que j t inha superado: aproveitando a ocasio de

    uma nova edio,

    transformava

    o velho texto de acordo com o estado

    atual

    das coisas . Assim,

    por exemplo,

    a famosa

    frmula

    histrica

    at o

    total

    chegou

    a escritos publicados

    anteriormente,

    em

    que

    substituiu

    def in ies do t ipo o rea l ato espiritual do ator . que podiam sugerir

    prticas introspectlvas, j corrigidas no trabalho com os atores em fa

    vor de uma psicofsica ativa. aberta ao espao

    externo,

    onde tudo

    contato. troca, comunho, ato em relao com o Outro.

    como se Grotowski fugisse do si mesmo definvel: procurava o

    ator que no

    fosse ator, a atuao

    que no

    fosse

    atuao.

    o

    ensinamen

    to

    que

    fosse

    desaprender.

    A

    deixava para

    t r s o

    seu

    pedante

    Wagner,

    que pretendia codificar em pargrafos o fluido processo da vida.

    Abandonou o propsito de escrever - segundo o

    modelo

    do seu

    mestre Stanislvski -

    um

    manual sobre a

    arte

    do ator, para no cair

    nas

    armadilhas

    inevitveis em

    um

    empreendimento do gnero, dos

    esteretipos, que eram a sua verdadeira fobia.

    Procurava

    a estreita

    passagem

    entre a Preciso, que a condio do profissionalismo, e a

    Vida. Na caa ao Mistrio do Vivente

    corrente

    da vida um dos seus

    termos tcnicos ) mudava as modalidades do trabalho e procurava as

    palavras

    que denominassem

    o mais fielmente possvel a fluida tangi

    bilidade da Experincia. O Grotowski prtico

    um

    homem em perene

    perseguio das palavras... .

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    11/125

    20

    Para diz-lo

    em

    termos simples: Grotowski tinha constantemente

    necessidade da inovao terminolgica. Afirmava que a prtica precede

    a sua formulao discursiva. Mas foi sempre assim? No houve talvez

    palavras

    que

    precederam a prtica? Palavras-projeto, palavras-intento,

    palavras-sonho? A nossa atividade no Teatro Laboratrio comeou com

    a palavra mistrio , mas quando Grotowski o realizou na prtica?

    E o

    que

    ser ia a obra

    que

    t raz o

    nome

    de Grotowski e a

    sua men

    sagem sem a produo verbal

    que

    acompanha a prtica? Sem essas

    frmulas, essas descries de experincias, esses comentrios? Tm

    um

    significado mltiplo, alm daquele evidente: do

    testemunho

    de

    algo cujo status

    -

    por assim dizer - onto lgico a transitoriedade. A

    verbalizao, o auto-comentrio

    uma

    denominao feliz constituem

    um

    fator indispensvel do resfriamento de

    um

    aparato superaquecido,

    mas

    tambm um

    elemento de fermentao. No possvel separar as

    precisas anlises tcnicas ou os comentrios da mgica ressonncia

    daqueles teatros pobres , desnudamentos atos totais , caminho

    negativo ,

    unio

    de espontaneidade e disciplina ...

    Como

    autor

    de palavras publicadas tinha perodos de suspenso:

    preferia que por ele falassem outros. Ou preferia rodear-se do silncio que

    era uma espcie de declarao . A estao da expanso neste mbito foram

    os anos logo depois de OPrncipe Constante (1965-1969), quando o

    mun

    do se abriu ao nosso Teatro Laboratrio, enquanto a base das sadas era

    j Wroclaw, cidade aberta. A expanso fora preparada ainda em Opole.

    onde pendia sobre ns a ameaa de liquidao. E logo depois: a vertigino

    sa celebridade de Grotowski, precedida pela celebridade subterrnea en

    tre os eleitos. Nesse perodo sai mBusca deum

    Teatro

    Pobre Pouco

    tempo

    depois

    vem

    a luz textos como Exerccios , A Voz e Teatro e Ritual ,

    at agora esparsos em vrias revistas, e que o leitor encontrar na segun

    da parte deste volume. E o trabalho evolua

    continuamente

    dirigindo-se

    com dramticas serpentinas

    rumo ltima obra teatral de Grotowski e do

    grupo do Teatro Laboratrio:

    Apocalypsis cumjiguris

    Anteriormente essa

    evoluo fora anunciada pela

    mudana

    de nome: Insti tuto do Ator. Era

    preciso vigiar com o mximocuidadoaquilo que saacom a marca mto

    do Grotowski . Antes que sasse

    m

    Busca

    deum

    Teatro

    Pobre

    Grotowski j

    estava em outro ponto

    no

    trabalho com osatores. E na transmisso verbal

    era mais reservado, menos generoso de detalhes tcnicos, de formulaes

    codificadas, de receitas para os exerccios.

    Procurava de fato - o met iculoso explorador do

    impossvel- tam

    bm

    o

    mtodo que

    no fosse mtodo.

    No

    queria

    multiplicar a populaomundial- j bastante numero

    sa - de especialistas do mtodo Grotowski . A estes, logo,

    junto

    com

    todo o Teatro Laboratrio d um golpe, rompendo violentamente com

    a

    arte

    do teatro enquanto esfera - apesar dos esforos extremos que

    21

    no tinha economizado - condenada incuravelmente ao Belo,

    ou

    seja

    Aparncia, enquanto a nica ocupao d igna o caminho da Vida

    na Verdade, ou seja, da Essncia.

    o o passardos anos se torna menos radical

    no

    seu s e p a r ~ r s e da

    arte materna e paradoxalmente se aproxima dela, embora nao volte

    nunca mais a criar espetculos. Trabalhar - como pesquisador-peda

    gogo - na prpr ia verso do

    mtodo

    das aes fsicas de

    ~ t a n i s l v s k i ;

    e o conhecido livro de

    Thomas

    Richards o documenta muito bem. E e

    interessante que todas as exploraes de Grotowski depois do Teatro

    Laboratrio, na sua dispora institucional, geogrfica e espiritual, se

    jam

    conduzidas

    em

    osmose com as

    t ~ n i c a s

    .do ator,

    no

    .cruzamento

    com

    as performing arts assim Grotowski rebatiza a sua antiga c:sfera de

    ao. No basta:

    em

    constante contato e t:o.ca com a pop';llaao atoral

    e com os filhos de Tspis de qualquer espcie E seus escnbas pensan

    tes e aliados ativos na palavra so teatrlogos universitrios altamente

    qualificados, em lugar dos crticos, dos jornalistas e dos vagabundos de

    um

    tempo plenos de paixo, sem ttulos.

    A arte como veculo

    um

    campo especfico, mas no pode pres

    cindir da vizinhana, da

    parentela

    secreta ou

    evidente com

    aquilo

    que

    la ant iga se chama de teatro.

    testemunho vvido disso o texto de

    Grotowski. provavelmente j clssico, que fecha este livro.

    A esses recursos do teatro reprimido devemos a terceira

    parte

    da nossa coletnea. Grotowski j fala depois do teatro, como de uma

    perspectiva pelo avesso. Depois de e x p e r i ~ c i a s

    c o ~ s i d e r a funda

    mentais

    por

    ele mesmo observa o seu antigo OfI IO Sao o olhar e a

    voz da

    outra

    margem. guisa de captulo de

    uma

    autobiografia ar

    tstica. Sem as redundncias do velho combatente livre da constrio

    do segredo profissional, Grotowski diz aqui coisas novas, ou de modo

    diverso de antes. Talvez sem saudade?

    A histria dos d iscur sos e dos textos de Grotowski

    um

    tema

    de investigaes parte. De

    qualquer

    forma, atrs da prudncia de

    Grotowski

    em manipular

    as palavras,

    com medida

    cuidadosa preci

    so farejar certos propsitos astutos, o desejo de exercitar

    um

    controle

    absoluto sobre a prpria imagem aos olhos da opinio pblica, ou os

    prazeres inquietos de Narciso

    no

    jog? ~ I I : os seus e s p ~ l h o s

    Osjogos lingsticos de Grotowskisao ncos e - depois dos desajeita

    mentos, das poeticidades e das circunvolues chancelerescas do estilo

    dos anos juvenis - alcanam uma harmonia peculiar e uma beleza;

    assim dizer, objetiva. E assim a Grotowski coube encontrar a pr.opna

    realizao tambm na escrita, quando a tinha encontrado como diretor

    teatral , guia de atores, mestre das performing arts e

    teacher

    of

    Performer

    Diversos textos seus, embora

    no

    concebidos como literatura, sobre o

    papel, mas

    na

    troca de energia com

    um

    auditrio vivo, tornam-se obras

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    12/125

    22

    emblemticas e podem ser parte importante de cada antologia dos ma

    nifestos teatrais

    ou

    artst icos do sculo - j? - passado.

    A obra e o comentrio so como uma coisa s. No

    um

    caso

    excepcional no sculo das

    numerosas

    revolues artsticas em

    que

    cada uma das artes teve que

    meditar

    a prpria essncia para acom

    panhar as inquietudes e as aceleraes dos tempos. Em alguns casos,

    o

    comentrio era digno

    da obra; s vezes a

    superou.

    So as

    duas

    asas, partes inalienveis da

    sua

    superfcie

    portante. Quer

    dizer talvez

    que

    os nossos

    tempos pertencem

    s pocas

    que

    o filsofo da hist

    ria qualificaria como alexandrinas? No o sabemos. A cada modo:

    scripta manent

    Mas o

    que

    havia no princpio? poca da nossa gnese? Quando

    fundamos com Grotowski o Teatro Laboratr io e f izemos o primeiro

    gesto para separar a luz da obscuridade? Daquele tempo provm os

    textos de abertura do presente volume.

    o

    ano

    de 1959. Estamos

    na

    Polnia,

    um

    pas de soberania limi

    tada, com um governo - depoi s dos movimentos de desestalinizao

    de 1956 -

    moderadamente

    totalitrio. As

    liberdades

    art s ticas e de

    pensamento

    so maiores. A poltica cultural oficial se abranda as

    tendncias da

    arte moderna at mesmo

    da ocidental,

    no

    so mais

    proibidas.

    Comea para ns um jogo apaixonante que naquele regime no

    termina nunca:

    como

    construir o prprio nicho ecolgico de liberdade?

    Como ser si mesmos- no reconciliados, rebeldes, zangados - funcio

    nando

    legalmente, no nico mbito possvel de uma instituio sub

    vencionada? Definimos ento o nosso teatro como teatro experimental

    profissional . O nome

    e o status de laboratrio viro depois.

    O primeiro texto da coletnea, escrito por Grotowski, Invocao a

    Orfeu segundo Cocteau), com o qual inauguramos a nossa atividade.

    Era dito no final do espetculo, como eplogo. uma prece de agrade

    cimento ao

    mundo que

    dana os seus mltiplos opostos e

    que

    dana

    Grotowski precisava de

    uma

    declarao verbal para esclarecer o sentido

    do seu espetculo. E qual a relao entre o teatr o e a dana plena de

    sentidos do universo? Naquele

    momento

    a resposta so as palavras,

    acrescidas pelo diretor s palavras do autor. E de onde vem esse

    Orfeu?

    To na vanguarda, parisiense, quele tempo ultramoderno? Cobraram

    nos depois de termos aberto o nosso ambicioso teatro com um trabalho

    qualquer. No esqueamosporm

    quem

    era o prottipo mtico do heri

    de Coeteau: atrs dele ocultavam-se os segredos do orfismo. E a ele se

    ligavam os mistrios, segundo os testemunhos dos antigos. .

    Ento, no princpio era a dana. E o mistrio - ou seja, o ritual inici

    tico secreto - como aluso e tentao. O sonho do teatro como ritual.

    23

    Inicitico? Naqueles anos tudo isso teria parecido absurdo e pretensioso.

    De resto, assim foi acolhida a Invocao .

    O segundo texto da nossa coletnea lembra os rabiscos infantis, era

    tracejado sobre um lenol branco que caa no final do espetculo sub

    seqente de Grotowski,

    Caim

    segundo Byron. O texto da escrita, dessa

    vez provocativamente ingnuo, contm uma mensagem afinada com o

    precedente. O final de

    Caim

    era

    uma

    dana

    louca, exttica de todos os

    personagens do espetculo em volta do misterioso Alfa-mega, Deus

    e Lcifer - como ali aparece - em uma nica encarnao. O ingnuo

    comentrio

    no

    fundo alivia a sobrecarga metafsica daquela dana, o

    seu deslize em direo alegoria. Portanto temos aqui a dana escrita

    e a dana danada. De novo o sentido do espetculo declarado no

    eplogo, acrescido pelo diretor.

    O subttulo do drama de

    Byron

    mistrio , o subt tu lo do espe

    tculo: grotesco

    ou

    seja mistrio . A dana csmica e o mistrio, ali

    auto

    ironicamente entrelaados com o grotesco , so os patronos de

    uma obra que deve exprimir os importantes segredos do Ser.

    E em fechamento quela mesma primeira temporada 1959-1960,

    ainda

    um

    mistrio

    na

    verso de Grotowski:

    Mistrio Bufo

    segundo

    Maiakvski. O

    texto

    do

    poeta

    foi integrado

    po r

    fragmentos de

    uma

    outra pea sua e, no incio e no fim, por trechos tirados dos mistrios

    medievais poloneses. O espetculo, subdividido ao modo de Dante

    em

    inferno , purgatrio e paraso , tratava de forma burlesca, la

    Bosch. o

    mundo

    como fluir e devir perenes , como

    eu t inha

    escrito no

    programa da pea, porque dessa vez Grotowski, como letrista, calou-se.

    Mas a idia do autor do espetculo era a mesma. Nesse mistrio - onde

    no

    falta o escrnio

    endereado

    nova

    classe

    com

    a

    sua

    esttica

    de gente bonita em

    belas paisagens -

    h

    mais bufo

    que

    mistrio,

    menos

    emanaes mgicas com relao aos espetculos precedentes;

    aparecem evidentes referncias ao trabalho do ator biomecnico de

    Meierhold com a sua ostentada composio do corpo, a ritmizao das

    aes e a acrobacia.

    como o

    anncio

    de algo

    que no

    se danar mais

    apenas nas enunciaes do diretor,

    que

    integram o texto do autor ,

    nem sequer nos finais alegorizantes.

    Dos dois seguintes textos de Grotowski os t tulos falam ampla

    mente e claramente: Brincamos de Shiva e Farsa-Misterium . So

    as primeiras tentativas de generalizao terica das pesquisas daquele

    tempo. Conduzem-nos ao longo do mesmo r as to da gnese: o ras to

    duplo da Dana e do Mistrio.

    Os textos remontam ao mesmo perodo: quando o autor trabalhava

    na encenao de

    Sakuntala

    segundo Kalidasa, o antigo drama indiano,

    originrio da civilizao predileta do diretor. Esses textos

    no

    eram-des

    tinados publicao. O primeiro era um apndice da tese para obteno

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    13/125

    24

    de diploma em direo de Grotowski e foi a c a b ~ r no arquiv? da ~ s c o l a

    Teatral de Cracvia.

    Enquanto

    o segundo - escnto para d I S C U S S ~ o no

    seminrio terico do nosso teatro - encontra-se nos arquivos p ~ r ~ 1 C u l a

    res dos colaboradores prximos e de amigos de confiana._Napagma.

    abertura do documento datilografado aparece a observaao: materiais

    tericos de trabalho para uso estritamente interno . .

    Menciono

    aqui

    os dados que deveriam constar da nota hfbliogrfi-

    ca. porque surpreende o fato de que e s c r i t ~ s to i ~ p o r t a n t e s tenham

    ficado escondidos como

    documentos

    restntos. Fm consultado sobre

    cada detalhe desses textos e

    no

    incentivei o

    autor

    a public-los.

    Quem

    naqueles

    an

    os na Polnia t ivesse louvado a divindade hin?u c o ~ o

    patrono da vanguarda

    teatral

    teria sido aparecido como o ~ ? e n t a h s t a

    um

    pouco louco; e quem tivesse

    c o n s i d e r a d ~

    9

    ue

    . a

    ~ o c a . ~ a o

    d?

    ~ r t e

    do

    teatro

    seja substituir os ritos

    r e l i g i o s ~ s

    o f i ~ l a l s

    l d e ~ a .

    ahas

    proxlma

    do vanguardista polons Witkacy ) tena arnscado senas problemas

    como perigoso extremista-livre

    p e n s ~ ~ o r

    e n c o n t ~ a n d o s e em desacor

    do com a linha atia, embora pragrnanca

    ,

    do partido e do estado sobre

    questes relativas religio Igreja . . .

    tr

    Sakuntala

    cuja criao

    ahmentou

    Brmcamos de Shiva e Fa:sa-

    Misterium (ou talvez sejamesmo o contrrio?), no se inscreveu no l l ~ r o

    de ouro das obras-primas do teatro do sculo xx. O prprio GrotowSkl o

    tratava em um certo sentido como madrasta, embora lhe r e c o n h e c ~ s s e

    um certo papel nas pesquisas

    que

    conduzia junto o g.rupo. Na . r e a h d ~

    de foi

    um

    daqueles espetculos-Iaboratrio, espetaculos-mcubadelra,

    cuja

    importncia se v sem perspectiva. Um espetculo semelhante - alguns

    anos mais tarde - ser o protoplasmtico, i n a c a b ~ d o E s t u ~ o

    s

    o r Ha11 let

    Em Sakuntala pela

    primeira

    vez , graas a fanta.sla d? arquteto

    Gurawski, a ao dos atares descia do palco frontal d l f u ~ d : n d o

    toda a sala. E o

    sonho

    do ritual adqui ria a sua transposteo espacial.

    A relao ater-espectador t o r n a v a - ~ e mvel, mltipla. ~ r e n h e va

    riadas potencialidades. Nesse espetaculo aparecia

    t ~ e m

    a

    partitura

    do ato r, minuciosa, matematicamente exata: a partitura corporal e

    vocal. O corpo-voz. Era o corpo-voz que emitia sons das palavras

    compostos musicalmente, o corpo-voz que se n:ov1a segund? estrutu-

    ras precisamente fixadas e ritmizadas. Mas entao era

    um

    b r m c ~ r com

    os signos, era virtuosismo, conyen?onalidade :- Em que medida era

    mistrio? O sonho da dana cosmica se aproximava do seu substra

    to: o

    atar

    como corpo-voz (onde a voz rgo invisvel do corpo).

    Essas duas ligas dinmicas que se encontraram ~ a k u n t a l a o

    atar-espectador e o corpo-voz, tornam-se, no futuro proXlI?-o, a pala

    vra de ordem

    ou

    a marca de fbrica do teatro de Grotowskl.

    A poca da nossa gnese foi um tempo de.

    x p l o r a ~ e s

    i n t e n s a ~

    e de discusses entre

    n

    s. O Teatro das

    13

    FIlas - dizia GrotowSkl

    25

    alguns anos depois, j da perspectiva do crescente prestgio - seria

    uma outra coisa se no nos tivssemos encontrado no momento

    oportuno

    com Plaszen, com o arquiteto Gurawski. Esse teatro seria

    uma

    outra coisa se fossem

    outros atares,

    pessoas de sensibilidade

    diferente,

    outros em vez de Cieslak. da Mirecka ou de

    Jaholkowski.

    O teatro

    seria melhor

    ou pior, mas seria diverso. CfT Zbigniew

    Os rski, Grotowski i j go Laboratorium Warszawa, 1980) . Essas pala

    vras' hoj e que

    Grotowski

    nos fugiu entre os imortais, podem soar

    estranhas.

    No tempo da gnese no era tudo evidente, diversas opes

    e

    stavam

    abertas: tambm querendo supor com certeza que um

    criador de nvel

    no

    comum traga consigo desde o princpio a vi

    so original da obra futura, todos os ingredientes das suas futuras

    realizaes ... Grotowski estava

    devorado

    pela fome de Absoluto.

    Cada

    espetculo seu

    queria -

    com

    todos os meios e de todos os

    modos

    -

    evocar

    o

    Grande

    Todo,

    danar todos

    os

    seus

    recessos de

    uma vez. Como governar aquela

    fome

    impaciente , que consumia

    tambm

    a

    ns,

    Messias confederados do teatro? Como tornar o

    Absoluto consistente?

    Em um certo sentido fingindo no v- lo - subst ituindo o Grande

    Absoluto pelo absoluto da teatralidade mais prximo ao ofcio.

    Segui r a pegada daqui lo que inalienvel matria prima do teatro,

    daquilo que especif icamente teatral . Passar atravs do buraco da

    agulha da teatralidade

    em

    estado

    puro

    (Grotowski possivelmente no

    usou esse adjetivo, porque era

    um

    teimoso conteudista). Esse caminho

    conduzia atravs daquilo que pouco depois teria recebido o

    nome

    de

    teatro pobre .

    Com Brincamos de Shiva e Parsa-Misterium estamos no teatro

    como ritual, onde o espectador deve participar ativamente. procedi

    mento que logo foi abandonado. E o mistrio deve coexist ir com a

    farsa - aquele vizinho irnico

    que

    o

    arremeda

    e desse

    modo

    o

    torna

    crvel. Aqui ainda toda essa xamance. prpria daquela esfera arcaica,

    devia passar atravs da

    auto

    -derriso, do gro tesco entendido como

    distncia, da magia das brincadeiras infantis, do jogo de convenco-

    nalidade ,

    em uma

    palavra: atravs de todo o moderno aparato pr

    prio, na Europa cartesiana, dos

    c ticos,

    dos rebeldes e dos hereges.

    Grotowski. rebelde e herege coerente,

    abandona

    logo a metade asse

    guradora

    da frmula, a farsa , quando descobre - depois de algumas

    abordagens precedentes que abr iram o caminho - a total, misteriosa

    seriedade em Akropolis com o silncio dos espectadores no final ao

    invs dos aplausos.

    Como se chegou a isso: o le it or encontrar a descrio

    no

    ensaio

    de Grotowski inti tulado Teatro e Ritual . Aqui gostaria de assinalar

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    14/125

    26

    algumas

    correspondncias

    entre

    esses

    primeiros

    textos, do

    perodo

    da gnese, e aquilo que nasceria alguns decnios depois.

    Em Brincamos de Shiva lemos: a

    dana

    da forma , o

    pulsar

    da

    forma . E a antiga autodefinio de Shiva, o deus do teatro: Eu

    sou

    pul

    sar,

    movimento

    e ritmo . Essas frmulas eram

    ento

    novas em Grotowski

    e

    no

    correspondiam totalmente a sua definio de

    ento

    -

    bem

    mais

    ampla

    - de

    teatralidade que

    era

    para

    ele o

    substituto

    laico do r itual

    religioso . Eram talvez o reflexo de pesquisas mais precisas ou de in

    tuies no

    mbito

    - d iri a - da tea tr al idade

    pura ,

    na

    qual

    a forma, o

    contedo

    e a

    matria-prima

    so uma s coisa e essa

    identidade

    original

    abre

    a

    janela

    sobre a metafsica.

    No

    texto

    de Grotowski

    que

    fecha a

    nossa coletnea,

    lemos: Mas

    se

    trata

    de

    encontrar

    tambm um

    tempo-ritmo com

    todas as suas flu

    tuaes dentro da melodia. Mas, sobretudo, se

    trata

    de algo que uma

    sonoridade

    certa: qualidades vibratrias a

    tal

    ponto tangveis

    que

    de

    uma certa

    maneira

    se

    tornam

    o sen tido do can to . Em

    outras

    palavras,

    o

    canto

    se torna o

    prprio

    sentido atravs das qualidades vibratrias

    (

    .. .

    )

    Quando

    falo desse sentido , falo ao mesmo

    tempo

    tambm dos

    impulsos do corpo; isso significa

    que

    a sonor idade e os impulsos so o

    sentido, dretarnente. O antigo Shiva metafrico

    no

    diz

    nada

    do som,

    mas a substncia das coisas

    permanece

    semelhante.

    como

    se o paleo

    Grotowski de Opole adentrasse

    aqui

    em um dilogo-eco com o

    velho

    mestre

    de Pontedera.

    Em

    Farsa-Misterium lemos: A

    forma

    no

    funciona aqui como

    um

    fim em si,

    nem como um meio

    de expresso

    ou para

    ilustrar

    algo . A

    forma

    - a sua estrutura, a sua variabilidade, o seu

    jogo

    dos

    opostos

    (em

    uma

    nica

    palavra, todos os aspectos tangveis e tcnicos

    da teatralidade de

    que

    se falou) -

    um singular

    ato de conhecimento.

    Em

    resumo temos:

    A

    forma

    um singular ato de conhecimento .

    Estamos

    aqui no

    corao

    do ofcio, na

    passagem

    entre

    Artesanato

    e

    Metafsica.

    E mais adian te : O

    ato

    de

    conhecimento,

    por

    sua natureza,

    algo

    de aberto, no acabado, no pode ser uma repetio de mtodos e de

    efeitos . A forma, de um

    espetculo

    a outro, no tem o dir ei to de es

    tabilizar-se, o

    espetculo

    tude

    superar a

    teatralidade apreendida

    (e,

    conseqentemente: superar

    - ou

    desmentir

    - o eu

    apreendido ) .

    Estas frases , se se

    quiser restringir

    ao

    seu sentido estri tamente pro

    fissional, poderiam passar por sbias instrues de Stanislvski. De

    resto, a essa regra, anotada

    secamente pelo

    paleo-Grotowski, se ateve

    o Grotowski subseqente

    em todas

    as

    suas encarnaes

    e

    ocupaes.

    Mas o trabalho do artista de teatro sobre a sua obra aqui ao mesmo

    tempo

    superar ou

    desmentir o

    eu

    apreendido Portanto existe

    um e u

    no apreendido

    alm do jogo soc ia l e dos condicionamen-

    27

    histricos? O

    futuro autor

    de o Performer j

    muito tempo antes

    da

    genese de Opole tinha

    praticado

    ioga e

    conhecia

    muito

    bem

    a filoso

    fia

    indiana,

    portanto

    provavelmente

    sabia o que dizia. E o

    teatro

    era

    para ele veculo, o que

    era

    objeto das nossas conversaes.

    Naquele

    tempo:

    o

    te tro no seu retorno

    s razes rituais. .. A

    arte como

    veculo

    teria esperado

    ainda

    mais

    de trinta anos a sua elaborao e o aval ter

    minolgico de

    Peter

    Brook. No

    entanto,

    o

    velho mestre

    de

    Pontedera

    d

    razo

    ao

    paleo-Grotowski

    de

    Opole

    quando escreve sobre a

    arte

    como

    veculo

    que,

    de outro lado, est l igada aos meus mais

    velhos

    i n t e ~ e s s e s E no l.timo texto retoma de algum modo a paleo-idia da

    sua

    ~ u v e n t u d e o nt.ual e, liberado das servides espetacular-teatrais.

    lhe

    mfunde nova Vida

    com

    o nome de Artes r itua is . E se r ef er e aos

    Mistrios da Antigidade.

    Como

    no princpio.

    se fala aqui de dana . Mas ela est presente

    nas entrelinhas.

    E

    esta

    presente algo que um

    certo

    tempo - seguindo Stanislvski

    c h a m a v ~ s e de

    ~ a r t i t u r a

    do a tor. No incio

    era

    a

    partitura

    de signos

    corporais

    e VO aIS

    composta

    artif icialmente. Depois a

    partitura

    das

    reaes fixadas, dos

    pontos

    de

    contato . enfim

    a reproduzvel cor

    rente.

    dos

    i m p ~ ~ s ? s

    visveis . A ,organicidade

    no estado puro que

    a

    zona

    intermediria entre o que e corpora l e o que espiritual. O

    santo

    Graal de Grotowski.

    Tudo isso surgiu na

    sua

    forma embrionria em 1960, durante o

    trabalho

    com

    Sakuntala e foi registrado em

    Parsa-Misrerium como

    p a r t i t ~ r a r tmica e

    sonora , ainda sem

    o

    a to r como seu

    sujeito. Um

    ponto i ~ p ? r t a n t e na sua

    evoluo

    foi o

    Estudo

    so re

    Hamlet

    (fim de

    1963 - mi IO de 1964); os ensaios desse

    trabalho transformaram-se

    em

    verdadeiro

    laboratrio da organicidade. Aquele espetculo

    no

    acaba

    do

    abriu

    a perspectiva a um ilustre

    exemplar:

    o

    ato

    de

    ator

    de Cieslak

    no

    r n i ~ e

    Constante

    e em seguida abriu o caminho para

    Apocalypsis

    cum jiguns

    (1968), a

    obra

    que fecha na histria criativa de Grotowski

    o

    perodo

    do teatro dos espetculos .

    A

    corrente

    da vida , os

    impulsos que correm atravs

    do cor

    po , a

    partitura

    das reaes ... Nesse

    texto fundamental

    que fecha

    o nosso volume e no qual magistralmente se expe como o Graal de

    Grotowski mudou

    radicalmente

    o

    prprio

    destino, encontramos nu

    merosos ~ c o s ou ;eminiscncias

    -

    conscientemente aqui

    evocados - de

    anos muto longmquos.

    Os antigos

    instrumentos

    e as palavras usadas

    naql;lele tempo

    servem

    ao

    trabalho

    na out ra

    margem.

    E impossvel comentar todos os textos. Paremos nesses quatro, total

    mente d e s c o n ~ e c i d o s e pr-diluvia.nos. Neles est contida a

    semente

    (a

    palavra. prefenda.- que Grotowski retomou de Stanislvski ) daquilo

    t.en.aacontecido depois. As energias da gnese eram

    impetuosas

    e

    impnrmram uma grande acelerao.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    15/125

    28

    Ainda algumas observaes sobre a linguagem desses escritos. O

    lxico de Grotowski

    tem

    um

    carter

    prprio peculiar.

    uma terminologia

    que

    t ira de vrias fontes. Nela

    encontram-se

    palavras e

    frmulas

    ideadas

    no

    s

    por

    ele. Mas prescindindodo fato de

    que

    o prprio Grotowski

    tenha inventado

    algumas frmulas,

    ou tenha

    tirado

    inspirao de

    alguma parte, ou

    a

    tenha pego sorrateiramente

    sabe-se l

    onde

    sem

    fornece r o endereo, ou a

    tenha

    retomado

    de al

    gum

    colaborador, do

    annimo

    caldeiro domstico - de resto, conside

    rava o furto criativo um indispensvel

    procedimento espiritual-

    todas

    as palavras e as frmulas,

    independentemente

    da

    sua

    origem, as

    torna

    prprias

    e

    em vir tude

    de

    uma peculiar

    alquimia elas se

    fundem com

    ele. Sabia

    t irar vantagem

    delas,

    tornava-se

    o

    seu

    avalista,

    dava-lhes

    ressonncia.

    Um dos

    instrumentos

    lingsticos

    que freqentemente usava era

    o

    adjetivo

    laico .

    Por mui tos anos

    o

    companheiro

    fiel do Teatro

    Laboratrio: o

    nosso escudo comum.

    No dicionrio de

    Grotowski

    era

    um a das

    palavras-camuflagem

    .

    Alm

    do

    que,

    fez

    grande

    carreira

    no

    mundo, porque respondia

    ao esprito dos

    tempos. Uma

    vez

    que

    a coi

    sa laica, soa

    bem para

    o

    mecenas

    de

    estado

    e de

    partido

    em

    um

    pas

    comunista,

    i gr eja d o s ina l de

    que no ent ra no territrio reserva

    do da d evoo . E

    no

    fere a sensibilidade agnstica

    independente no

    estilo do

    Ocidente.

    Mas

    na

    aproximao

    com palavras

    caracterizadas

    em

    sentido

    religioso,

    como

    mistrio ou

    sacro ,

    incita

    os espr i

    tos

    iluminados

    em

    direo a

    experincias

    espirituais

    no ortodoxas.

    Portanto a laicidade

    era

    uma

    camuflagem, mas

    tambm a lgo de

    verdadeiro

    em certa medida: de fato no se

    tratava

    ali de

    propagar

    crenas religiosas.

    Existia no Teatro Laboratrio algo

    que

    se poderia

    chamar

    de po

    ltica lexical. necessrio, se

    no

    se quer entrar no rol das nobres v

    timas dos grandes els. o

    que

    na

    arte

    do teatro

    pode

    querer dizer

    no

    existir. preciso evitar as mentiras,

    mas

    as coisas nem

    sequer devem

    ser

    definidas

    sempre

    com

    clareza absoluta.

    Aqui

    indispensvel

    a

    arte

    do eufemismo

    ou

    da perfrase.

    Uma arte muito exigente:

    a

    mensagem

    real deve chegar ao

    mesmo tempo

    queles aos quais

    deveria

    chegar.

    Grotowski adaptava

    a

    linguagem

    mentalidade

    e ao

    nvel

    dos

    ouvintes: era nisso um verdadeiro mestre. Como

    se supusesse

    que

    a

    verdade

    uma , mas

    as

    linguagens so tantas,

    se se

    quer alcanar

    eficazmente

    as pessoas.

    Quando considerava

    necessrio, falava

    como

    erudito

    e cientista, ou como homem

    cndido pouco propenso

    s

    sen

    tenas

    abstratas.

    Alm

    disso

    transpunha

    a

    sua

    linguagem

    para

    o falar

    prprio

    do espr ito do

    tempo, que tem

    a

    sua meteorologia

    mvel.

    No

    texto intitulado

    O

    Diretor como

    Espectador de Profisso fala

    com

    sinceridade

    provocante:

    29

    Po r

    que

    quis

    tocar

    com

    vocs

    neste

    aspecto

    totalmente

    artesanal

    do ofcio?

    ...

    ) Nos

    novos

    tempos, se

    quiserem

    ensinar

    uma

    pessoa a

    levitar

    devem trabalhar com

    ela

    ensinando-a como

    atravessar

    a

    rua

    durante o horrio de pico. Hoje h uma tal

    ruptura

    de toda confiana,

    um

    tal

    sentido

    de

    insegurana, que

    se

    quer aprender

    s as coisas consi

    deradas concretas e precisas. . .. )

    Portanto,

    nesse

    novo

    mundo

    preciso

    falar

    com

    uma

    linguagem

    tcnica. a

    nova

    linguagem.

    Por

    esse motivo

    decidi falar-lhes dos

    detalhes

    tcnicos do ofcio de observador.

    Essas palavras, pronunciadas

    em

    1984 em VoIterra - Grotowski mo

    rava e trabalhava

    ento

    nos Estados Unidos -

    prenunciavam

    aquilo

    que

    dois anos depois teria tido incio na vizinha Pontedera. O modesto, con

    creto

    trabalho

    do

    arteso.

    Mas -

    como

    diz

    brincando

    Grotowski -

    com

    o fim de

    ensinar

    a levitao.

    Depois dos

    anos loucos

    do

    teatro

    da

    participao com

    as

    suas

    derivaes, depois da

    ruptura repentina com

    a t cnica e depoi s de

    ter

    praticado,

    por

    assim dizer, o

    No-teatro

    no estado selvagem, Grotowski

    repete

    aqui

    uma

    jogada da estratgia criativa

    que tnhamos

    elaborado

    anteriormente

    no Teatro Laboratrio,

    quase

    na

    poca

    da gnese: em

    direo Metafsica atravs do buraco de agulha do Artesanato.

    interessante

    que

    caso

    no

    se trate de jogos de palavras de natureza

    puramente

    t tica, mas da substncia da mensagem, o lxico de Grotowski

    situa-se

    freqentemente

    na

    estreita passagem

    entre

    Artesanato

    e

    Metafsica. Uma frmula forte

    uma

    definio profissional, tcnica, li

    gada pr tica do ofcio, mas ao

    mesmo tempo

    faz relampejar significa

    dos,

    emana um

    claro de

    uma outra

    dimenso. O

    ponto

    de partida de tal

    peregrinao polissemntica

    pode

    ser

    uma

    modesta palavra de origem

    cientfica ou tcnica. Ou, ao contrrio:

    uma

    frmula de ressonncia

    -

    losfica

    tem

    em

    Grotowski

    uma

    rigorosa aplicao tcnica. Esses dois

    planos so intercambiveis, passam livremente de

    um

    a outro.

    A palavra desafio

    pertence

    quelas

    preferidas

    por

    Grotowski. Foi

    tomada

    do

    historiador

    ingls Toynbee

    que

    a usa

    em

    referncia

    situ

    ao

    de partida

    em que

    nasce

    uma

    civilizao.

    o

    contrrio

    do deter

    minismo

    histrico: o

    desenvolvimento

    de

    uma

    civilizao

    depende

    do

    modo

    que

    a

    comunidade responde

    ao desafio das circunstncias dadas

    por exemplo,

    o clima, as condies geogrficas). Em Grotowski essa

    palavra t em uma

    aplicao prtica:

    por exemplo,

    o exerccio

    constitui

    para

    o

    ator

    o desafio ao

    qual

    deve

    encontrar

    resposta o

    seu

    organismo,

    enfrentando

    o risco de

    superar

    a dificuldade nele contida. O exerccio,

    que no

    seja

    um

    desafio ou

    que deixe

    de s- lo

    porque

    foi assimilado

    rotina, no t em valor

    como

    treinamento

    e

    deveria

    ser

    abandona

    do. Desafio

    para

    o

    atar pode ser

    cada tarefa, o papel ,

    enfim

    a

    prpria

    vocao de art is ta de

    teatro.

    E

    em uma

    esfera

    mais

    ampl a: a vida. O

    confronto

    com

    o desconhecido. Ultrapassar o impossvel.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    16/125

    30

    Um outro exemplo: a

    unio em

    uma verso diferente: a dal

    tica) de espontaneidade e disciplina . Essa

    frmula

    famosa tem um

    sentido

    rigorosamente

    tcnico. O ato do

    atar

    compe-se das reaes

    vivas do

    seu

    organismo, da

    corrente

    dos impulsos visveis no cor

    po . Todavia,

    para

    que esse processo orgnico no se desvie no caos,

    necessria a estrutura que o canal ize, a partitura composta do movi

    mento

    e do som. Essa

    presena

    simultnea

    de dois

    elementos

    opostos

    favorece a tenso interior que potencializa a expressividade do

    atar

    .

    Espontaneidade,

    disciplina - nessas palavras podemos chegar a

    sen

    tir tambm

    mximas

    de vida ou princpios ticos. No

    fundo

    ressoa

    Herclito: Aquilo

    que

    se ope converge, e a mais bela das

    tramas

    for

    ma-se dos divergentes; e todas as coisas surgem segundo a contenda .

    Esse aforismo do legendrio pensador era pintado na entrada da sala

    do Teatro Laboratrio na poca da nossa gnese.

    Uma out ra

    frmula

    que

    soa como o desaf io de Gro towski : ca

    minho

    negativo . Ela

    tem um

    sentido

    estritamente

    tcnico, prti

    co. Trata-se de no procurar no

    trabalho

    do atar gestos

    aprendidos,

    meios de expresso belos e

    prontos, modos

    de atuar inventados de

    cabea . Mas.

    por

    meio

    de

    um

    training

    especfico,

    individualizado

    , re

    mover os bloqueios psicofsicos do atar,

    eliminar

    os

    esteretipo

    s do s

    comportamentos e da r ea o. chegar ao ponto

    em

    que o

    atar

    agindo

    toca o desconhecido. E se for preci so : sobre essa base, construir a

    partitura.

    Mas

    caminho

    negativo ressoa de

    modo

    enigmtico e

    no

    tcnico ...

    Essa frmula apartou no vocabulrio de Grotowski da teologia msti

    ca crist

    denominada

    apoftica (negativa). Esse

    caminho

    em direo

    Causa de Todas as Coisas exige o progressivo abandono de

    tudo

    aquilo

    que conhecvel e conhecido, junto com os instrumentos comuns do co

    nhecimento, como por exemplo, a linguagem discursiva. Aqui se avana

    atravs da negao e do princpio da ignorncia. Pode-se ver -

    alm

    da

    religio - uma analogia com o autntico processo criativo que medir

    se

    com

    o desconhecido. E

    com

    aquilo

    que

    seria possvel

    chamar

    de a

    vida criativa do

    homem.

    De

    uma

    semelhante famlia terminolgica derivam as palavras

    freqentemente usadas

    em

    uma

    poca nos escritos de

    Grotowski

    e

    nos textos

    can

    nicos : desnudamento e sacrifcio . Essas

    pala

    vras

    indicam

    uma

    concreta

    orientao psicotcnica do ator na ao .

    Durante os ensaios, diante dos companheiros de trabalho e dos par-

    tners e em seguida, diante dos

    espectadores-testemunhas.

    ele

    deve

    tender para a plena sinceridade - sinceridade consigo me smo, com o

    especifica Gr

    otowski

    -

    n

    o se esconder, mostrar o si

    mesmo

    ntimo

    em um

    singular ato

    de

    provocao,

    que

    deve evi tar

    as armadilhas

    do masoquismo e do narcisismo. Aquilo

    que

    o ator faz diante do

    31

    pblico no representar, fingir

    artisticamente.

    mas

    um

    ato real: de

    coragem,

    de humildade, de

    oferta.

    Com o t empo tudo isso com

    preendido

    na

    frmula-chave

    do

    perodo teatral

    a to total . Estamos

    aqui no mbito do ofcio, mas j evidentemente alm do ofc io . A

    inspirao

    vinha

    nesse caso dos escritos de Joo da Cruz que

    tinham

    confidencialmente

    acompanhado o grupo no

    perodo

    do trabalho

    sobre O

    Prncipe onst nte

    Por fim a frmula teatro pobre que se tornou emblemtica no

    teatro do sculo passado. Naturalmente, tambm

    aqui

    temos um sen

    tido tcnico: trata-se,

    como

    se sabe, de

    um

    teatro

    em que se elimina

    tudo

    aquilo que no constitutivo da arte do teatro. ,

    portanto,

    um

    delimitar

    hermeticamente

    o

    t er reno em que

    se

    condu

    zem as pesqui

    sas. Mas o relampejar semntico dessa frmula. que pode recordar o

    humilde

    af monacal, vai

    alm

    do teatro.

    A presena no lxico do Teatro Laboratrio de

    tantas

    referncias

    crists pode

    maravilhar

    o lei tor. . .

    Como

    se Grotowski tivesse sido

    um agente secreto do cristianismo no Ocidente laicizado, pago. Na

    Polnia. ao contrrio, ele

    pode

    passar

    por

    um herege

    impenitente

    e

    por um ateu

    ocidental.

    O nosso Teatro Laboratrio teve incio sob o signo do mistrio.

    Grotowski sonhava com a dana inicit ica de Shiva e com os mis

    trios

    grego

    s. E aconteceu um fato singular que

    segue

    a lgica da

    autenticidade criat iva mais forte dos sonhos : o sonho dos mistrios

    se realizou. Mas por meio do blasfemo, da transgresso, da violao

    dos

    tabu

    s Grotowski realizou algo que constitui

    uma

    analogia com

    os mistrios da idade mdia europia . com o ato de sacrifcio como

    evento axial . O retorno do reprimido .

    Ligando-o tradio

    do ro

    mantismo polons. Grotowski

    define

    tudo

    aquilo

    como vozes dos

    an

    tepassados, como colquio com os antepassados. Paixo - antipaixo?

    Mistrio - antim istrio?

    Depois do teatro dos espetculos, o

    sonho

    dos mistrios gregos ou

    egpcios ou de

    outros

    no

    abandona

    Grotowski.

    como

    se

    procura

    sse

    antepassados ainda mais longnquos . Muda tambm a sua terminolo

    gia: fica

    mai

    s prxima das tradies da ioga. Mas mantm a sua dpli

    ce ressonncia: tcnica e ao

    mesmo tempo

    alm da tcnica. artesanal

    e

    alm

    do artesanato.

    Como ele mesmo disse em algum

    lugar

    , o de

    stino

    de Grotowski

    era: estar na passagem.

    Como

    o lxico desses escritos

    que

    uma

    ono

    mst ica de coisas na passagem. Ele refle te esse estado. Est tambm

    ele na pas sagem.

    Com

    a esper ana de que na pa s

    sagem

    qu e leva o nome de

    Grotowski,

    continue

    a soprar a corrente.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    17/125

    S

    . Desejo agradecer qu i a todos aqueles que torn r m possvel este

    volume, aos amigos do Teatro de Pontedera , e em p rticul r a Carla

    Pollastrelli, pela paixo que colocou

    no

    trabalho sobre nossa publica-

    o e pelo amvel af de traduzir, so retudo da lngua polonesa. Nota

    edio italiana.

    ref io

    primeira edio

    agosto/setembro 2001

    S

    ENERGI S GNESE

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    18/125

    obre tr duo

    o Teatro

    Laboratrio deJerzy Grotowski

    1959-1969), constitudo

    por

    artigos de

    auto-

    r ia de uma das f iguras mais importantes no t ea tr o no s cu lo xx e de doi s de seus

    colaboradores histricos, o segundo livro sobre o trabalho do encenador de ori

    ge m

    polonsa a ser publicado no Brasil . O primeiro, Em

    usca

    deum

    Teatro Pobre

    data de 1971. Trinta e se is anos separam,

    portanto

    os dois

    lanamentos

    .

    Osescritos de Grotowski, em sua maior parte, so transcries de conferncias e

    palestras . Ao realizar esta

    traduo

    , portanto, procurei observar particularmente

    as especificidades da lngua falada e tambm as peculiaridades da linguagem de

    Grotowski. Tive

    sempre

    o

    intuito

    de

    preservar

    o r itmo das frases e de

    manter

    a

    mxima fidelidade aos textos originais. E se Grotowski inventava ou adaptava pa

    lavras , esse foi igualmente o meu procedimento ao traduzi-las para o portugus

    A reviso foi feita juntamente com Carla Pollastrelli em longos contatos telef

    nicos nos qua is discutamos minuciosamente a traduo de cada frase, de cada

    palavra , na busca do

    termo

    preciso e do sentido

    exato

    . Nesse rigoroso processo,

    muitas vezes, eram consultados novamente ostextos em outras lnguas queno a

    i ta liana com o objet ivo de

    evitarmos

    qualquer tipo de distorso . Foi um trabalho

    rduo mas que muito me

    honrou

    pela certeza de

    estar contribuindo para

    a am-

    pliao dos horizontes de nossa

    cultura

    por meio da difuso no Brasi l do trabalho

    desenvolvido por Grotowski

    em seu

    Teatro Laboratrio.

    ereniceRaulino novembrode 2 6

    Jerzy Grotowski

    nvoc o

    para

    o espetculo

    Orfeu

    Ns te agradecemos mundo por ser.

    Ns te agradecemos, por ser danarino infinito e eterno.

    Ns te agradecemos porque danas o teu caos, que chegou

    at

    ns sob a aparncia de Cavalo do Absurdo, te

    agradecemos pelo fato de que freando o teu caos)

    podemos esculpir ns mesmos, a nossa liberdade.

    Ns te agradecemos porque danas a

    tua

    ordem: a ordem

    das tuas leis e a

    ordem

    da nossa

    mente que

    capaz

    de compreender as

    tuas

    leis; e m uma palavra, o que

    chegou a ns como Heurtebise e nos l iber tou.

    Ns te agradecemos, mundo pois possumos a conscincia

    que nos permite vencer a morte: compreender a nossa

    eternidade na tua eternidade. E

    porque

    o

    amor

    nisso

    mestre, abecedrio. Teagradecemos por no sermos

    separados de ti, por sermos tu, porque justamente em

    ns atinges a conscincia de ti , o despertar.

    Ns te agradecemos, mundo por ser.

    Invocao

    para o espetculo Orfeu

    O texto era dito pelos

    atore

    s no final do espetculo.

    Impresso no

    programa

    de Orfeu de

    Jean

    Cocteau, adaptao e direo de Jerzy

    Grotowski. Opole, outubro de 1959.

    Texto original em polons.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    19/125

    36

    RZT

    R T WW

    Jerzy

    Grotowski

    lfa mega

    Alfa

    =

    mega

    =

    mundo vocs sabem, ei

    Omundo unidade todavia, que se

    dana

    infinitamente

    vocs sabem, do

    elemento

    ao cerebrinizar

    isto

    quer

    dizer de Alfa a mega. Do fazer festa

    dor

    tambm

    vocs sabem.

    Perdura-se,

    mas

    a a legria ,

    antes

    todavia),

    como

    nose

    separar

    dele,

    vocs sabem

    como no deixar de se importar com isso,

    pardonc

    Mas

    no

    crer

    nos

    espritos. Mas da prpria

    dor

    rir,

    em

    certo modo, vocs sabem,

    ei

    13

    Fffiilas

    Alfa mega

    Texto do cartaz

    que

    descia no final do espetculo im de George Gordon Byron,

    adaptao e direo de Jerzy Grotowski.

    Impresso no programa do espetculo. Opole.

    janeiro

    de 1960.

    Texto original em polons.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    20/125

    Jerzy

    Grotovvski

    rincamos de hiva

    Patrono

    mitolgico do

    teatro indiano

    antigo era Shiva. o

    Danarino

    Csmico que, danando, gera tudo o

    que

    e

    tudo

    o

    que

    destruir ;

    aquele

    que

    dana a total idade . .. .)

    Shiva.

    nos contos

    mitolgicos,

    aparece como criador

    dos opostos.

    Nas e

    sculturas antigas

    era

    representado

    com

    os

    olhos entreaberto

    s,

    levemente

    sorridente;

    o

    seu

    rosto t razia a

    marca

    de

    quem

    conhece a

    relatividade das coisas. .. .)

    Se

    eu

    tivesse

    que definir

    as

    nossas pesquisas

    cnicas com

    uma

    frase , com um

    termo

    ,

    me

    referiria ao mito da Dana de Shiva ; diria :

    brincamos de Shiva .

    H nisso uma tentativa de absorver a realidade de todos os seus

    lados, na

    multiplicidade

    dos

    seus aspectos

    , e ao

    mesmo t empo um

    permanecer

    como de fora, de lo nge, a

    distncia extrema.

    Em outras

    palavras , a dana da forma , o

    pulsar

    da

    forma

    , a fluida, refrangente

    multiplicidade

    das

    convenes teatrais,

    dos estilos, das

    tradies

    da

    atuao; a construo dos opostos: do

    jogo intelectual na

    espontanei-

    dade, da

    seriedade no

    grotesco , da

    derriso na

    do r; a

    dana

    da forma

    que quebra qualquer teatro

    de

    iluso

    ,

    qualquer

    verossirnilhana

    com a vida , mas, ao

    mesmo

    tempo, nutre a ambio

    evidentemen-

    te insatisfeita) de

    conter em

    si, de absorver, de

    abraar

    a

    totalidade,

    a totalidade do destino humano e, atravs disso, a totalidade da r e

    alidade

    em

    geral ; e ao mesmo

    tempo

    manter os

    olhos entreabertos

    ,

    um leve sorriso, a distncia, o

    conhecimento

    da relatividade das coi

    sas. . . .)

    O

    teatro indiano

    antigo,

    como

    o

    japons

    antigo

    e o hel nico,

    era

    um ritual

    que

    identificava

    em

    si a

    dana,

    a pantomima, a

    atuao.

    O

    espetculo

    no era

    representao da realidade

    construo

    da i lu

    so) ,

    mas danar

    a realidade uma

    construo

    artificial, algo

    como

    uma

    viso rtmica voltada realidade).

    39

    A dana mmica na liturgia dos Pashupati uma seita shivasta) era

    um dos seis principais atas rituais. .: .) A citao mitolgica: Shiva

    diz:

    Sem

    nome sou,

    sem

    forma e

    sem

    ao . .. ). Eu sou pulsar,

    movi-

    mento

    e

    ritmo

    . . .

    Shiva Gira .

    A

    essncia

    do

    t ea tro que procuramos

    pulsar, movimento

    e

    ritmo .

    Brincamos

    de

    Shiva

    Fragmento do texto, anexado pelo autor a sua tese para

    obteno

    de diploma em

    d reo do arquivo da Escola Teatral Superior do Estado de Cracvia, 1960) .

    Cortes do

    texto autori

    zados.

    Publica-se

    segundo

    Zbigniew Osirski.

    rotowski wytycza trasy

    Wyd. Pusty Oblok,

    Warszawa. 1993.

    Subttulo do texto integral: apostila para

    uma

    certa prtica.

    Texto original em polons.

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    21/125

    Jerzy Grotovvski

    arsa Misteriumtese)

    Materiais tericos de

    trabalho para

    uso

    estritamente interno

    Perguntas:

    1)

    Que tipo

    de

    arte poderia

    -

    de modo laico

    -

    s a t i s f a z ~ r c e r t ~ s

    excessos da imaginao e da inquietude

    desfrutados nos

    ritos reh

    giosos?

    2) O que a ess nci a do teatro? o

    que

    aquele fator ~ n i ~ o que

    dec ide o fato de algo ser teatral? o que permaneceria se

    e l l l ~ m ? a S S e -

    mos do

    teatro

    o

    que no

    teatro

    a literatura, as artes p_lastlcas,.a

    atualidade, as teses , o copiar a realidade)? qual elemento nao poderia

    ser retomado por qualquer

    outro

    gnero artstico por

    exemplo,

    pelo

    cinema)?

    No se

    trata aqui

    de um

    programa

    de

    eliminao

    do teatro

    de todos os fatores acima citados por

    exemplo,

    a

    literatura), trata

    se,

    em

    primeiro lugar, de orden-los hierarquicamente e de chegar

    quilo

    que

    o ncleo da teatralidade.

    Na arte, a

    prova pode ser exclusivamente

    a prtica.

    Com

    a

    nossa

    prtica, procurarei demonstrar que as perguntas aci:na c i t d a ~ res

    pondem-se

    mutuamente.

    Presumo que aquilo que e a essencia do

    teatro

    seja capaz

    -

    de modo

    laico - de satisfazer

    certos

    excessos da

    imaginao e da inquietude desfrutados nos ritos

    r e l i g i ~ s o s

    mes

    mo tempo,

    suponho

    que aquilo que poder ia ser o substituto laico do

    ritual religioso seja o

    ncleo

    da

    teatralidade como

    arte.

    Isso equivale a

    pressupor

    um a

    funo laicizante do teatro,

    41

    2

    O teatro a nica dentre as artes a possuir o privi lgio da ritu

    alidade , De resto, em sentido puramente laico:

    um

    ato

    coletivo. o

    espectador

    tem a possibilidade de co-participar, o

    espetculo

    uma

    espcie de ritual coletivo, de sistema de signos.

    O espectador, tambm no

    teatro

    normal , inclusive no

    burgues

    mente desteatralizado influi em

    parte

    sobre

    o

    desenvolver-se

    do ato

    criativo: digamos, se os espectadores comeam a aplaudir no decorrer

    da ao cnca. os a to res devem esperar para dizer a fala

    seguinte,

    mudar portanto o r itmo, a velocidade e, conseqentemente, a estrutura

    do espetculo. Em uma situao anloga, durante um filme, a fita no

    pra, l tudo j est pronto antes,

    indiferente

    reao

    dos

    espectado

    res, que no so participantes,

    mas

    s e exclusivamente, observadores,

    espectadores.

    O tea tro era e

    permaneceu, mas

    em um mbito residual) algo

    como

    um ato coletivo.

    um

    jogo ritual. No ritual no h a tores e no h espec

    tadores. H participantes principais por exemplo, o xam) e

    secund

    rios por exemplo, a multido que observa as aes mgicas do xarn e

    as acompanha com a magia dos gestos, do canto, da dana

    etc).

    O princpio da co-participao. do cerimonial coletivo, do sistema

    de signos favorece a criao de

    uma

    certa singular

    aura

    psquica e co

    letiva. da concentrao, da sugesto coletiva: organiza a imaginao e

    disciplina a inquietude.

    A

    reconstruo

    no teatro do

    jogo

    ritual a

    partir

    de elementos

    residuais, ou seja, a res ti tuio ao

    teatro

    de seu princpio vital, seria

    um dos objetivos principais da nossa prtica.

    ma

    tese

    sobre a utilidade social de tal tipo de pesquisas):

    ritu li-

    d de do

    teatro como contraproposta

    em

    relao

    sform s ritu isd

    reliqio

    Aspectos prticos:

    1) O espetculo. como uma espcie de cer imonial, de s is tema de

    signos.

    2) A eliminao da diviso entre palco e platia; estes dois espaos

    so

    substitudos por um espao

    teatral unitrio,

    ou

    seja,

    pelo

    local

    onde esto presentes, ao mesmo tempo e

    sem

    delimitao, os espec

    tadores e os atares.

    3) Os espectadores so co-atores;

    por

    exemplo, por

    meio

    da djspo

    sio das cadeiras so subdivididos

    em grupos

    distintos,

    no decorrer

    da

  • 7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969

    22/125

    42

    ao so tratados como

    grupos

    de figurantes exemplo, a encenao

    burlesca de uma

    batalha

    -

    parte

    dos espectadores considerada

    como

    o exrcito inimigo, parte como as prprias reservas). Os espectadores

    e os atores so ao

    mesmo tempo

    observadores e observados.

    Em ou

    tras palavras: a liquidao prtica do espetculo em favor de algo que

    poderia

    ser chamado ironicamente

    de

    part

    cip culo .

    Na antiqidade, na Grcia, formas teatrais semelhantes, que funcio

    navam

    evidentemente

    ainda na

    fronteira

    do culto dos deuses,

    eram

    chamadas mist

    rios da

    palavra

    misterium - segredo ). S que