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O CORPO: VIDA E MORTE

RODRIGUES, José Carlos. O tabu do corpo. 7º ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006.

No conjunto das modificações que o homem sofre no decorrer de sua existência, há duas

mudanças que se destacam e predominam sobre as outras: o nascimento e a morte. Rechaçada como tabu na vida cotidiana, a morte está, não obstante, presente em todos os momentos, nas mitologias, no ritual, no inconsciente.

Nossos jornais relatam e dissecam dezenas de mortes diariamente. A morte exerce fascínio e é ambicionada mercadoria jornalística. O espectador dos meios de comunicação de massa, como diz Kientz (1973: 140), "é um espectador insaciável dos casos de morte". O jornal e o cinema fazem reverberar o tabu de morte, vendendo para cada um de nós um sentimento que está reprimido na profundidade de cada alma. De fato, esta exaltação da morte nos diários contrasta com a sua silenciosa dissimulação na vida cotidiana, em que ela é banida das conversas, obscurecida por metáforas e escondida das crianças, que podem ver os cadáveres empi1hados nas telas de cinema e televisão, mas a quem é furtado o conhecimento da realidade da morte em seus círculos familiares e de quem se afastam os velhos, porque estes seres enrugados, curvados, decrépitos são capazes de transmitir a idéia de decadência e morte. Quantos jovens das classes médias e altas das sociedades ocidentais já viram ou se aproximaram de um cadáver?

Ninguém permanece perto de um cadáver sem que sua fisionomia ateste que é precisamente um cadáver o que está vendo. Se a pessoa não está habituada, apresenta certas reações típicas: ousa olhar rapidamente para o cadáver e afasta os olhos imediatamente, de maneira a não deixar dúvida de que quer separar sua visão de algo que não quer ver; há quem cubra os olhos e quem desmaie. O certo é que o morto, como as coisas insólitas, anormais ou ambíguas, constitui um ser impuro cujo contato representa perigo para o mundo das normas. Em muitas sociedades ameaça manchar a todos e a tudo que tem ou teve contato com ele - incluindo os seus pertences -, já que tudo que se relaciona com um morto participa de sua perigosa personalidade: se ele é tabu, são também tabus suas propriedades, sua casa, seus parentes, seus amigos. Estes, segundo os casos e em graus variáveis, se tratam com cuidados especiais, se evitam, se destroem ou se purificam.

Em algumas sociedades, como entre os maori, os que tocaram um morto ou participaram de seu enterro estão extremamente poluídos. Qualquer contato com outras pessoas lhes está interditado. Estão proibidos de entrar em casa e de tocar qualquer objeto, sob pena de os tornarem impuros também. Nem sequer tocam com as próprias mãos os alimentos. Apenas indivíduos mi-seráveis e abandonados que vivem de esmolas podem se aproximar deles. Ao fim desse período de isolamento tudo o que teve algum contato com estes homens, tudo o que os serviu no tempo de perigo é sumariamente destruído, e eles são purificados. Coisa fundamentalmente parecida acontece com os dayaks marítimos, que praticam o enterro imediatamente após a morte porque acreditam que se O conservassem perto por muito tempo estariam se expondo a sinistras influências provindas do cadáver. A mais simples observação de nossos costumes demonstra que não sentimos coisa essencialmente diferente.

À morte reconhecemos uma eficácia ritual. A morte tem mana. Basta olharmos em volta dos muros dos cemitérios e veremos a quantidade de ritos mágicos de que ela é objeto. Ritos que exprimem o seu poder temível. Entre certos pigmeus, a iniciação dos magos exige provas para o ingresso na sociedade secreta dedicada à magia negra, muitas delas ligadas ao contato com a morte e com a impureza. Em uma delas se coloca atado, peito contra peito e boca contra boca, o candidato, a

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um cadáver, levando-os ambos para o fundo de um fosso, que se cobre de ramagens, onde permanecem três dias; outros três dias o neófito passa em sua cabana, atado ao morto que se putrefaz e de cuja mão ele deve se servir para a alimentação - esta mesma mão que depois, posta para secar, servirá a ele como seu mais poderoso fetiche (Cazeneuve, 1972).

A morte tem mana e atribui mana. David Sudnow (1971) relata o estigma que recai, nos hospitais que estudou, sobre os indivíduos que se relacionam com cadáveres. Descreve que sempre que se constata a presença desses indivíduos desconfia-se da ocorrência de morte; de onde quer que esses indivíduos venham e para onde quer que eles se encaminhem, são sempre vistos e imaginados como indivíduos que recolhem cadáveres ou que se acham envolvidos nas horripilantes tarefas de necropsia. Vistos como poluídos por causa de suas atividades, estes indivíduos tentam dissimular de toda maneira os aspectos mais degradantes de seus misteres: evitando falar no assunto, não usando panos manchados de sangue, dissimulando que fazem a limpeza do chão depois das autopsias etc. É fácil verificarmos este poder negativo nas conotações negativas com que vemos os 'papa-defuntos', os coveiros e todos os que de uma forma ou de outra se relacionam com a morte.

Tanto isto é verdadeiro que nos hospitais existe uma evidente divisão de tarefa na maneira de se lidar com cadáveres. Os médicos que entrevistamos e o trabalho de Sudnow (1971) é uma confirmação disso - somente tocam cadáveres quando diagnosticam a morte ou realizam autopsia, considerando a manipulação de corpos mortos um trabalho de menor dignidade, destinado às pessoas de status menos elevado do hospital. Os médicos e enfermeiras de status mais elevado são normalmente os que menos chance têm de presenciar falecimentos e de ver cadáveres, além de serem os que menos probabilidade têm de os manipular fisicamente: "o trabalho de locomoção e preparo dos cadáveres é feito por pessoas de menos nível", conforme nos declarou um informante médico. Num dos hospitais que Sudnow estudou, a tarefa de preparar os cadáveres estava a cargo de funcionários de baixa posição, 95% dos quais eram negros. A morte não pode ser esquecida com facilidade. Sobretudo quando se trata de uma pessoa próxima, é talvez o golpe mais violento que a existência dirige ao homem. Ela significa uma terrível ameaça ao grupo humano e exige alterações substanciais na organização da vida, principalmente quando é inesperada. A morte de uma pessoa adulta significa normalmente dor e solidão para as pessoas que sobrevivem: verdadeira chaga que põe em risco a vida social.

Van Gennep (1969) e Hertz (1970) mostraram que a morte, para a consciência coletiva, representa um afastamento do indivíduo da convivência humana; esta exclusão, entretanto, tem um caráter temporário e tem por efeito fazer com que o morto passe da sociedade palpável dos vivos para a sociedade invisível dos ancestrais. Como fenômeno social, a morte consiste na realização do penoso trabalho de desagregar o morto de um domínio e introduzi-lo em outro. A feitura desse trabalho exige toda uma desestruturação e uma reorganização das categorias mentais e dos padrões de relacionamento social. E apenas ao termo desse doloroso esforço o grupo se recobra, restabelece sua paz e vence.

Nessa passagem de um mundo a outro, do conhecido ao desconhecido, do seguro ao misterioso, O indivíduo recebe um acondicionamento que se concretiza em ritos que o preparam para a nova vida: muda o nome, as roupas ou o gênero de vida. Este estágio intermediário, intersticial entre um mundo e outro, coloca em jogo forças perigosas. Entre a desintegração do indivíduo excluído de um mundo e a sua integração à sociedade dos mortos, pratica-se uma série de procedimentos rituais que visam a completar o processo e proteger a comunidade. Ninguém estará livre do perigo antes que o processo funerário seja realizado em todas as suas etapas e antes que todas as coisas estejam em seus devidos lugares. Nesta fase intermediária, o grupo está sujeito à ação das forças nefastas que a morte irradia - forças nocivas que ameaçam os homens e as mulheres.

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Devem, então, se prevenir e se munir dos recursos simbólicos capazes de alterar essas forças e de neutralizá-las. Toma-se necessário exorcizar o cadáver, a morte e tudo o que diga respeito a eles. Nesse ponto está a inspiração das práticas funerárias e de seu valor expressivo.

Valor expressivo, porque, por tudo o que se disse, o corpo humano morto não pode ser considerado como um cadáver qualquer: é necessário dar-lhe uma sepultura. Não por simples gesto instrumental de motivação higiênica, mas por obrigação moral e por necessidade de exprimir alguma coisa. Não se poderia explicar, por exemplo, o enterro, por motivos puramente utilitários (afastar a sociedade de uma possível fonte de elementos patogênicos), porque se isto fosse verdade não se entenderia o porquê de algumas sociedades enterrarem os seus membros antes mesmo de estes falecerem.

O enterro e as outras formas de se lidar com o corpo morto são um meio de a comunidade assegurar a seus membros que o indivíduo morto caminha na direção da ocupação do seu lugar determinado, devidamente sob controle. Estas práticas comunicam ao grupo uma mensagem que evolui da insegurança ao sentimento de ordem e representam a maneira especial que cada grupo tem de resolver o mesmo problema fundamental: O drama da finitude humana.

Hertz (1970: 34) relata que, entre os indonésios, os parentes e particularmente a viúva têm obrigação de recolher de tempos em tempos os líquidos produzidos pela decomposição dos cadáveres, a fim de aplicá-los sobre o próprio corpo ou de misturá-los aos alimentos. Aqueles que observam este ritual justificam-no alegando que o afeto pelo defunto e a tristeza que sobre eles se abale em virtude de haverem perdido a sua presença obrigam-nos a proceder dessa maneira. Hertz observa, todavia, que esta alegação não basta para explicar o rito, já que ele é estritamente obrigatório, inclusive ameaçando de punição capital às mulheres que não o observarem. Diz ele: "não se trata, pois, simplesmente de um sentimento individual, mas de uma participação forçada de certos sobreviventes à condição presente do morto".

Trata-se de manobras sociais por intermédio das quais o grupo reafirma por meio do morto a solidariedade do grupo a que ele pertenceu. Coloca-se a morte no seu devido lugar e evita-se assim que ela continue agindo no interior da sociedade. Os parentes próximos que realizam estes atos comungam de alguma forma com o defunto, imunizam-se a si mesmos e evitam que a sociedade sofra outras infelicidades. Acreditam que absorvem as qualidades do morto ou a potência mística que reside no cadáver, tornando-se assim capazes de a controlar. Entretanto, estes parentes estão em contato íntimo e sólido com a morte - o que é um argumento para a comunidade completar a construção de uma muralha protetora em torno de si, expulsando-os temporariamente do seu convívio. Uma prática parecida O próprio Hertz diz existir entre os dayaks, de Bornéu, que promovem a comunhão com os mortos misturando com arroz os líquidos que provêm da decomposição do cadáver e fazendo com que os parentes próximos se alimentem dele durante o período fúnebre.

Entre os bororo verifica-se a dupla inumação. Realizam um primeiro enterro, rápido e durante várias semanas jogam água sobre o cadáver para apressar a decomposição. Quando esta se encontra adiantada, abrem a sepultura e lavam o esqueleto, retirando dele todas as carnes. Pintam então os ossos de vermelho e os enfeitam com plumas. Colocam-nos em um cesto e os submergem em ato solene em um rio ou lago, onde moram as almas, completando o processo (Lévi-Strauss, 1968b). A água e a morte, em decorrência disto, estão para sempre associadas no pensamento desses indígenas. Para evitar associação com a morte, provavelmente, os esquimós prescrevem que esta deve ter lugar fora das casas. Talvez encontremos também nesse ponto a explicação de por que nos nossos velórios se coloca sempre o defunto com os pés voltados para o lado de fora de casa e o porquê da tendência a velar o corpo em lugares especialmente dedicados a isto (capelas), abandonando-se as residências.

Ruth Benedict (s.d.: 78) narra que:

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Nas planícies do oeste a atitude do sobrevivente durante o luto era tudo o que há de mais distante de uma tal ansiedade: era um render-se dionisíaco a uma dor sem restrições. A conduta seguida intensificava, em vez de evitar o desespero e o abalo que a morte implica. As mulheres golpeavam a cabeça e cortavam os dedos. Longas filas de mulheres com as pernas nuas a verter sangue atravessavam o acampamento quando morria qualquer pessoa importante. Não limpavam o sangue da cabeça nem das pernas, deixando formar uma crosta. Logo que o corpo saía da tenda a enterrar, atirava-se ao chão, para quem o quisesse tudo que nela existia. Os bens próprios do morto não deviam ser poluídos, mas tudo o que existia em casa da família se deitava fora porque, na sua dor, esta não podia ter interesse por coisas que lhe pertenciam nem utilizá-las. As próprias tendas eram desmontadas e dadas a outras pessoas. Nada ficava para a viúva, além do cobertor em que ela própria se envolvia. Os cavalos favoritos do morto eram levados ao pé de sua campa e aí mortos, enquanto todos gemiam.

Um dos costumes mais comuns entre os diferentes povos - e que em certo grau podemos constatar entre nós mesmos - consiste na proibição de se tocar no nome do morto em determinados períodos, principalmente se não forem observadas certas condições. Para alguns povos, inclusive, O pronunciar o nome do morto em determinadas circunstâncias ou diante de determinadas pessoas constitui urna profunda ofensa, sujeita a penas comparáveis às dos mais graves crimes. Outros grupos costumam trocar o nome do morto imediatamente após o seu falecimento, recaindo as proibições de citar o nome sobre o anterior. O tabu do nome em alguns povos atinge o extremo de determinar com que todos os que possuem nomes idênticos ou parecidos ao do defunto tomem outros diferentes. Chegam ainda ao ponto de ditar a modificação do nome de animais ou coisas quando coincidentes com a do falecido. O nome de qualquer maneira está associado àquele que o porta e representa uma parte constitutiva da identidade social da pessoa. Portanto, é lógico que possa ser envolvido no tabu que diz respeito ao defunto. Pronunciar O nome de um morto é uma forma de entrar em contato com ele, ou, o que pode ser mais grave, de invocá-lo.

Todo esse trabalho social ligado à morte diz respeito específico a cada sociedade. Quem pode pronunciar o nome do morto e quando, o que se pode comer e como, como tratar o corpo do morto - vestindo-o, lavando-o, pintando-o fechando os orifícios corporais, mutilando uma parte de seu corpo, enterrando-o, cremando-o, quem deverá temer, quem deverá chorar. A etnografia nos tem ensinado que tudo isso é função de cada cultura e expressa particularidades de sua própria cosmologia e de sua estrutura social.

Não obstante, os antropólogos têm observado que os procedimentos funerários mostram uma similaridade bastante grande através do mundo e através da história. Parece que em todas as sociedades o ato de morrer, talvez o mais íntimo da existência humana, é transformado em uma ocasião pública. Há quase sempre uma manifestação de tristeza mais ou menos real, mais ou menos convencional. O cadáver é sempre considerado perigoso ou repugnante. Há sempre ritos que cumprem a missão de preparar o morto para sua viagem em direção ao outro mundo. Mallinowski observa a dupla e contraditória tendência de, por um lado, preservar o corpo, deixar suas formas intactas ou reter partes do mesmo, e, por outro, o desejo de despachá-la, de aniquilá-la comple-tamente. Para ele, a mumificação e a cremação correspondem às duas expressões extremas dessas tendências, enquanto o canibalismo mortuário - praticado ao mesmo tempo com extrema repugnância e asco, em nome da reverência, do amor e da devoção que se dedica ao morto - representa o ponto intermediário, onde elas se encontram e conflitam. Mallinowski (1954: 49) acrescenta:

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é impossível ver a mumificação ou a cremação ou qualquer forma intermediária como determinadas pelo mero acidente de crença, como um traço histórico de uma ou de outra cultura que ganhou sua universalidade pelo mecanismo da difusão e do contato apenas. Porque nesses costumes está claramente expressa a atitude mental fundamental dos parentes, amigos ou amantes sobreviventes (...).

A descrição de Ruth Benedict (s.d.: 76-8) do seguinte ritual resume tudo o que estamos tentando dizer:

(Aos Zuñi), o que mais interessa é que a pessoa enlutada esqueça (...). Reúnem-se para alimentara morto pela última vez e despedi-la (...). Então, expulsam-no da aldeia, levando-o para fora dela (e) enterram tudo (o que era seu). Voltam para casa a correr e sem olhar para trás, e trancam a porta contra o morto, gravando nela com uma faca de sílex uma cruz para evitar que ele entre, o que corresponde ao formal rompimento com o morto. O chefe fala às pessoas, dizendo-lhes que o esqueçam para sempre (...). Despedem as pessoas e terminou o luto. Mas qualquer que seja a tendência de um povo, a morte é um fato impiedosamente iniludível (...) uma morte que toca muito de perto uma pessoa nem mesmo em Zuni é coisa fácil de esquecer (...) o cônjuge que sobrevive corre grande perigo. A sua falecida mulher pode puxá-la para si; isto é, na sua solidão, pode levá-lo com ela (...). Por conseqüência, é tratado com todas as precauções com que foi a pessoa que morreu. Deve isolar-se durante quatro dias de toda a vida corrente: não deve falar com ninguém nem ninguém se lhe deve dirigir; toma um emético todas as manhãs para se purificar, e sai da aldeia para ofertar com a mão esquerda milho moído, fazendo girar quatro vezes a mão em torno da cabeça e arremessando o milho para “arrancar de si o desgosto”, como se diz. No quarto dia crava no chão as varas de orar pelo morto e roga-lhe, na única prece que em Zuñi se dirige a um indivíduo natural ou sobrenatural, que o deixe em paz, que o não arraste consigo e que lhe conceda: “Toda a vossa boa sorte que nos guarde ao longo De um caminho seguro”

A morte de um homem ou de uma mulher, para um grupo de reduzidas dimensões, é um evento de enormes proporções. Os parentes e amigos são abalados no mais profundo de sua vida emocional. A morte mutila uma sociedade pequena e no lugar do morto deixa um vazio indisfarçável. Ela quebra o curso normal das coisas e questiona as bases morais da sociedade, ameaçando a coesão e a solidariedade do grupo ferido em sua integridade.

A reação do homem é um impulso contrário a essas forças desagregadoras. A violência das manifestações contrárias à morte significa que a sociedade continua viva. Quanto mais ela chora, quanto maior a sua dor, tanto mais intensa a sua presença na alma de seus membros. A sociedade reage com veemência igual à da força que a feriu. Os indivíduos nunca a amam tanto quanto quando ela é ameaçada. Visa com isto a reagir ao desabrigo a que seus membros se viram submetidos, restabelecendo, pelo calor da solidariedade dos que ficaram, a integridade do grupo. Aproximando-se, os sobreviventes conseguem ocupar o vazio deixado pelos que partiram.

Tudo isto porque os efeitos da morte não se restringem absolutamente a dar termo à existência material do homem. Ela atinge diretamente o capital investido nesse corpo pelo grupo social. Ela incide sobre uma individualidade física carregada de sentido. Quando um homem morre, não é apenas uma fração do grupo que foi roubada: algo de dignidade infinitamente mais elevada foi afetado - a própria estrutura social, que se reproduz no organismo. Atingido em seu princípio mais

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sagrado, o edifício social corre o risco de desmoronar. Aí está a razão do pavor que a morte inspira. A putrefação, a decomposição, não ameaçam

apenas a materialidade corporal, já que a ser isto verdadeiro todos os corpos deveriam provocar o mesmo horror. Entretanto, a experiência etnográfica demonstra que o sentimento que a morte determina varia enormemente com o tipo de morte e com a qualidade do morto. A morte do rei, do governante ou de qualquer alto mandatário é normalmente seguida de intenso assombro, pois nele se resume toda a personalidade social. A morte do rei anuncia a iminência do caos. A decadência de sua majestade se apresenta aos homens como catastrófica, deixando-os perplexos. À iminência do caos muitos povos respondem com rituais de inversão da ordem, procurando produzir sob controle social a desordem que poderia provir de fontes implacáveis: nas ilhas Sandwich muitos matam, pilham e incendeiam, enquanto as mulheres se prostituem. Reações da mesma natureza podem ser vistas nas ilhas Fidji. Esta licenciosidade ritual é obrigatória e não tem fim muitas vezes antes que a decomposição do cadáver real se complete e não reste senão um esqueleto imputrescível. O terror que acompanha a morte do rei coloca-se acima das divergências políticas profanas: aponta de modo inequívoco para a extrema precariedade da organização social, trazendo para a proximidade da consciência a possibilidade de uma existência anômica que não poderá mais ser humana.

Além disso, o gênero de morte determina reações diferentes no trato com o cadáver, e isso se expressa na diversidade das fórmulas rituais. Os que sofrem mortes violentas, as mulheres virgens, as crianças, os natimortos, os suicidas, os indigentes, os militares, os sacerdotes, merecem, cada um, um procedimento particular. Em muitas sociedades o cadáver de um suicida suscita um pavor especial, mais intenso, e por isso é imediatamente abandonado. Entre os cristãos, os suicidas não podiam ser enterrados no mesmo cemitério que os mortos regulares nem suas sepulturas receber a benção sacerdotal, acreditando-se que iam para o inferno. Mas se, por um lado, o suicídio pode gerar entre os parentes que sobrevivem um certo sentimento de vergonha, por outro os sobreviventes de um suicida altruísta, de um mártir, de alguém que se deixou morrer em defesa dos ideais patrióticos, dos valores da moralidade coletiva, dele se podem orgulhar e sua memória se torna para sempre objeto das mais solenes reverências.

Também é diferente - e em geral mais branda - a reação que a morte de crianças produz na consciência coletiva. Na realidade, a comunidade investiu nelas pouco mais que esperança. Não chegou a lhes imprimir a sua marca. Sente-se pouco atingida. Tudo se passa como se fosse uma morte menor. Um fenômeno "infra-social", como diz Robert Hertz (1970: 80). Em muitos hospitais os natimortos são lançados ao lixo.

Há ainda a morte insólita, ocorrida fora da rotina, longe das previsões, colhendo de surpresa os sentimentos sociais. São os desastres, a morte do casal que retoma da lua-de-mel, do jovem assassinado no dia de sua formatura, do rapaz fulminado por um raio, do filho que morre eletrocutado ao tentar salvar o pai, as chacinas e monstruosidades. Estas mortes provocam uma comoção especial: ferem incisivamente. Devem ser seguidas das mais cristalinas reiterações dos símbolos de solidariedade. Os ao-naga familiares de um morto por acidente matam todo o seu gado, permanecem seis dias sem sair, deixam de lado tudo que pertenceu ao defunto, constroem outra casa e passam a viver miseravelmente. Na Austrália, os que morreram por acidente não são considerados merecedores de honras fúnebres (Cazeneuve, 1972). Em muitas sociedades, o grupo que teve um de seus membros assassinado por um membro de outro grupo acha-se no direito, ou na obrigação, de matar um membro do grupo do assassino.

O horror que o cadáver inspira, portanto, não tem a ver essencialmente com as transformações naturais que se operam no corpo. Estas transformações não significam tanto por si mesmas. Elas valem na realidade por aquilo a que remetem - o espírito dos seres humanos. Nenhuma

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sociedade pode suportar um corpo alheio ao controle cujo aprendizado é uma das primeiras tarefas que ela impõe ao recém-nascido. Por isso tratamos o corpo cuidadosamente depois de sua morte: vestimo-lo, fechamo-lhe a boca e os olhos, obturamo-lhe todos os orifícios pelos quais ele pode manifestar alguma atividade de uma natureza escapada do domínio da coletividade.

É esta atividade incontrolada que sobrevém ao cadáver - e que o consome - que a sociedade não pode suportar. É preciso esconder, apressar, intervir de alguma forma. Enterrar, comer, cremar são formas de interferência, tentativas simbólicas de definir o irreversível processo por caminhos demarcados. Assisti certa vez, em um programa de televisão, a um debate sobre a cremação, tendo os participantes quase unanimemente tomado o partido desse processo como um método 'mais econômico', 'mais racional' e 'mais digno'. A cremação, como o cozimento, representa uma transformação culturalmente orientada. A transformação culturalmente canalizada aparece realmente aos indivíduos como 'mais digna'. Um jornal de 4 de setembro de 1973 traz a notícia de haver sido derrotado em primeira instância um recurso contra a medida do prefeito da cidade de Pirassununga, no estado de São Paulo, que mandou retirar do cemitério municipal um epitáfio que continha os seguintes dizeres: "Bípede, meu irmão: eis o fim prosaico de um espermatozóide que, há mais de oitenta anos, penetrou um óvulo, iniciou o seu ciclo evolutivo e acabou virando carniça. Estou enterrado aqui. Sou o Chico Sombração. Xingai por mim".

Aí se recusa o enquadramento cultural, pois se descreve o processo de transformação em termos puramente naturais; substituem-se por palavras profanas os termos sagrados que deveriam figurar; impele-se para a natureza, a comunidade; matam-se as esperanças de ressurreição e de vida eterna. Fala-se na primeira pessoa, quando os mortos devem silenciar. Ameaça-se. Peca-se. No contexto, a expressão é essencialmente agramatical. Mas deixa claro que nos ritos e crenças funerários a cultura busca se impor com todas as dimensões com que tenta estruturar o mundo: natureza/cultura, sagrado/ profano, puro/impuro, próximo/distante, conformidade/desvio, ordem/desordem ...

A sociedade tem de se apropriar desse processo natural porque, se os indivíduos morrem, ela, pelo contrário, sobrevive. Se ela vê no homem a sua imagem projetada, gravada, as forças que o constituem devem ter a mesma perenidade. A destruição do corpo turva a sua imagem, sobretudo enquanto ele se consome. Obriga a sociedade a refletir sobre si e os homens a pensar em seus destinos. Evidencia suas vulnerabilidades. Para uma sociedade que se crê imortal, o espetáculo de degradação do objeto em que se vê não pode ser suportado. Não pode suportar que os membros que a representam, que os corpos em que existe, estejam destinados a perecer. É bastante comum dizer-mos que a morte é traiçoeira, pois diante dela nos sentimos como vítimas: dificilmente perguntamos 'por quê?', quando nos noticiam a morte de uma pessoa, mas 'de quê?'.

Cada sociedade dá à morte a sua resposta, e esta resposta é uma espécie de teste projetivo da estrutura social. Mas todas elas respondem ao mesmo problema: a morte do símbolo que o corpo é. A morte do corpo é a morte do símbolo da estrutura social, é a evidência da entropia, é a imposição ao homem "de se pensar na finitude" (Balandier, 1970, cap. 9). O que se teme na morte é exatamente o que ela tem de morte e por isso se procura dar ao cadáver aparência de vida: vestindo-o, engravatando-o, banhando-o, maquiando-o, dando-lhe, enfim, uma 'boa aparência'. As flores com que cobrimos os cadáveres, cujas pétalas separamos e lançamos nas sepulturas, que enviamos em coroas, estão presentes também em outros ritos muito proximamente ligados à vida (aniversários, casamentos, nascimentos, convalescença, corte, Ano Novo etc.) e, se quisermos aprofundar, são os órgãos responsáveis pela reprodução da vida vegetal ...

Os ritos que lidam com a morte solucionam o problema que ela implica, prometendo implicitamente a ressurreição e a vida eterna. A noção de morte está sempre ligada à de ressurreição,

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e esta ligação não se dá explicitamente apenas nas religiões institucionalizadas: o avanço material já permite a alguns (ou a milhões?) a audácia de sonhar com um congelamento, na esperança de que a ciência do futuro lhes possa devolver a vida. E cada povo tenta trazer a certeza dessa vida eterna para perto de si, lançando mão dos recursos que lhe parecem viáveis - quer recuperando, após o luto, os nomes que haviam proscrito, dando-os às novas crianças que nascem, quer carregando no peito as caveiras dos parentes falecidos (como as viúvas bena-bena da Nova Guiné), quer expondo os corpos mumificados dos grandes líderes e os ossos de sacerdotes e arcebispos (como no convento de Santa Catarina no Monte Sinai), ou ainda assimilando, por meios canibalísticos ou não, as virtudes das grandes personalidades que desapareceram fisicamente, mas que não podem perecer moralmente. Hertz constatou em todos os ritos que estudou que as partes moles dos cadáveres, quando não eram preservadas por procedimentos artificiais, eram pura e simplesmente destruídas. E nós mesmos tomamos, como símbolo da morte, a caveira - exatamente O que, da morte, fica. O que se teme na morte é exatamente o que ela tem de morte e o que nela se cultua é o amor à vida.

O CORPO: FOME DE SÍMBOLOS

Enganam-se os que pensam que o sistema gastrointestinal é aquele por meio do qual o corpo se relaciona fundamentalmente com objetos. Na realidade, são as convenções sociais que decidem o que é alimento e o que não é alimento, bem como quem pode comer o que e quando. Portanto, podemos esperar encontrar uma relação mais ou menos Íntima entre os tipos de alimentos conhecidos e aceitos por uma população e o gênero de estruturação social da comunidade. Analogamente, é bastante provável que exista correspondência entre os tipos de alimentos prescritos para determinadas ocasiões e a natureza dessas ocasiões. Os talensi, da África Ocidental, não permitem que as mulheres cozinhem ou comam galinhas caseiras ou cães, perseguem e matam hienas - que os jovens recusam como alimento, pois as consideram impuras por desenterrarem e comerem cadáveres, enquanto os anciãos as consideram um delicioso manjar (Firth, 1971). Os pueblo, contrariamente a grande parte das populações indígenas que travaram contato com os povos de tradição ocidental, rechaçam as bebidas alcoólicas com extremo asco (Benedict, s.d.). Boltanski (1970) demonstrou como varia a categorização dos alimentos segundo os estratos da sociedade francesa.

É verdade que, quando um homem come, está reagindo a determinadas motivações internas, isto é, às contrações de fome que decorrem da redução da taxa de açúcar na composição sangüínea. Em outro nível, porém, a sua reação não pode ser entendida apenas com recurso aos conhecimentos fisiológicos. O fato de um indivíduo sentir fome pela manhã, pelo meio-dia, pela tarde e à noite, na hora de jantar, é um enquadramento cultural assim como o é em grande parte a quantidade de alimentos que é ingeri da. A fome de um trabalhador braçal não é exatamente idêntica ao apetite de um burguês; nem a disposição do italiano à mesa coincide com a do francês. É bastante conhecida a resistência dos samurais à sensação de fome, pela qual não podiam se deixar vencer: deviam, quando famintos, dar aparência de terem acabado de comer, palitando ostensivamente os dentes (Benedict, 1972).

Também não se pode comer e beber de uma maneira qualquer. Há alimentos especiais para cada ocasião e alimentos proibidos a determinadas pessoas. Encontramos quantidades estabelecidas para cada tipo de pessoas ou para cada sexo. Existem maneiras especiais de prepará-los, de servi-los e de comê-los. Constatam-se alimentos de ricos e alimentos de pobres. Há comidas com virtudes excepcionais. Alguns alimentos se servem em horas fixas; outros podem ser ingeridos a qualquer tempo. As refeições, em algumas culturas, se fazem normalmente a sós; em outras, com o grupo

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familiar ou com toda a comunidade. No ato de comer alguns membros ocupam uma posição especial no tempo e no espaço. Certos alimentos podem ser tomados diretamente com as mãos, outros requerem algum instrumento mediador. A alimentação exige às vezes purificação anterior; outras. posterior, e com freqüência negligencia essa atitude. Certos assuntos podem ser mencionados à refeição, outros são tabu e muitas vezes se exige silêncio. Há povos que usam mesas e povos que não as conhecem.

Todos esses hábitos, que cada cultura elege a seu gosto particular, configuram princípios normativos que não raramente definem a condição de humanidade para aquela cultura. É comum uma pessoa não conseguir comer ao lado de outra que observa práticas diferentes, sobretudo se se colocam em evidência os distanciamentos sociais e as regras de higiene. Nessas horas, como em todas, o estômago se submete ao intelecto.

A alimentação contém algumas das primordiais doutrinações a que o homem assiste ao se socializar. Inclinamo-nos muitas vezes a pensar que o comportamento ao mamar é algo instintivo e automático, mas quem quer que tenha tido uma razoável experiência com culturas diferentes percebe que além das forças orgânicas instintivas existem outros fatores atuantes. Os prazos de desmame variam enormemente pelas diferentes culturas, sendo as mulheres muitas vezes obrigadas a, com seu seio, alimentar animais. Algumas culturas manipulam o prazo de desmame como instrumento de controle da reprodução. A transição do seio para alimentos sólidos não se dá também da mesma maneira em diferentes sociedades: as crianças hopi recebem pequenos pedaços de alimentos previamente mastigados por vários membros da família e que são postos em sua boca, cedo aprendendo a sugar milho, carne e frutas (Eggan, 1965), sendo o seio materno apenas uma das muitas fontes de satisfação oral que uma criança recebe. A boca é, portanto, um importante instrumento de comunicação com o mundo e com a sociedade, mesmo se se abstrair a comunicação verbal: a criança aprende algo sobre a vida cada vez que se lhe nega, ou que recebe, um alimento de tipo particular ou característico de situações especiais.

Tanto é a alimentação uma atividade expressiva que a antropofagia parece ter sido muito raramente praticada com fins pura ou fundamentalmente alimentícios. A rigor, talvez nunca tenha sido assim praticada porque nenhuma alimentação humana é apenas instrumental. A vítima tem sempre uma qualificação especial: um parente, um possuidor de virtudes notáveis de que se quer partilhar, um morto canibalisticamente transformado em alimento a fim de evitar o horror de uma lenta e indigna decomposição, oferecendo-lhe a mais honrosa das sepulturas, que é o corpo de seus familiares ou companheiros. Não poucos antropólogos observaram o estreito paralelismo existente entre a prática cristã da comunhão - em que se ingerem o corpo e o sangue de Cristo - e os ritos canibalísticos de muitos povos que acreditam estarem ingerindo, no ato de comer a carne humana, as virtudes veneradas na comunidade e que pensavam que com esta ingestão e por instrumento destas virtudes estavam celebrando o estreitamento dos laços que ligam os membros individuais à coletividade.

Causou grande repercussão há poucos anos a notícia de que um grupo de sobreviventes de um desastre aéreo nas montanhas geladas dos Andes, na ausência de outro tipo de alimento, serviu-se da carne dos companheiros que haviam morrido, É claro que este gesto resultou da opção entre morrer e viver um pouco mais, já que as possibilidades de salvação eram bastante remotas. Isto prova não estar esta prática tão afastada quanto imaginamos das alternativas abertas à defesa da vida para a nossa sociedade: outros povos seguramente prefeririam a morte. A ser confirmada a integralidade da notícia, mesmo neste caso não poderíamos considerar o gesto como puramente famínico, uma vez que, segundo consta, cada indivíduo deveria evitar comer aqueles com quem tivesse algum laço de parentesco, além de deverem preferir certas partes do organismo a outras. Disso podemos concluir

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que mesmo à beira da anomia a cultura não se furtou ao esforço da tentativa de controlar os processos naturais.

As regras alimentares de uma sociedade apresentam, portanto, profundas dimensões inconscientes e residem no âmago de cada ser. Qualquer procedimento agramatical pode transtornar violentamente um indivíduo.

Certa vez conheci a esposa de um comerciante do Arizona que tinha um prazer algo diabólico em produzir reações culturais. Servia a seus convidados, não raro, deliciosos sanduíches recheados com uma carne que não parecia nem frango nem atum, mas que vagamente lembrava as duas. Quando lhes faziam perguntas, não dava resposta alguma, até que cada um tivesse comido a sua porção. Explicava então que o que tinha comido não era frango, nem atum, mas a carne branca e suculenta de cascavéis recentemente mortas. A reação era imediata: acesso de vômitos, não raros violentos. Um processo biológico é envolvido numa trama cultural. (Kluckhohn,1963:30)

Eu mesmo, quando criança, senti algo muito parecido ao ler em uma revista uma descrição, mais ou menos como a seguinte: um povo do hemisfério norte costuma ingerir pela manhã, num estranho ritual, a secreção de uma glândula de um determinado mamífero, ao qual misturava-se líquido de uma cor terrivelmente negra; figurava, ainda, nessa tétrica cerimônia, uma gosma que certos insetos vomitavam, células reprodutoras de aves e algumas pastas gordurosas. Talvez o leitor tenha percebido tratar-se de uma apetitosa refeição matinal, ao estilo americano, constituído de leite, café, mel, manteiga, queijos e ovos. O asco que senti foi profundo. O mal-estar explica-se pela inversão total dos termos de uma gramática que nos permite controlar culturalmente os eventos naturais. Ao torná-los crus, a descrição transformou os alimentos em fontes de terror e perigo. Nesta situação está sempre o homem em relação aos alimentos, independentemente das definições culturais particulares: enquanto animais, fazemos parte da natureza; mas, enquanto seres humanos, somos parte da cultura - nossas sobrevivências como animais e como homens dependem da ingestão de alimentos, que são, propriamente, elementos da natureza, e da sobrevivência das categorias intelectuais com que pensamos o mundo, que pertencem ao domínio da cultura.