o sujeito, o discurso, a ideologia e a ......8 resumo: a análise de discurso é uma área que já...

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1 Fundação Universidade Federal de Rondônia Núcleo de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras Mestrado Acadêmico em Letras O SUJEITO, O DISCURSO, A IDEOLOGIA E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE INDIGENA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE DOCUMENTOS OFICIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS ARICENEIDE OLIVEIRA DA SILVA PORTO VELHO 2017

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Fundação Universidade Federal de Rondônia Núcleo de Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras

Mestrado Acadêmico em Letras

O SUJEITO, O DISCURSO, A IDEOLOGIA E A CONSTITUIÇÃO DA

IDENTIDADE INDIGENA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE

DOCUMENTOS OFICIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

ARICENEIDE OLIVEIRA DA SILVA

PORTO VELHO

2017

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ARICENEIDE OLIVEIRA DA SILVA

O SUJEITO, O DISCURSO, A IDEOLOGIA E A CONSTITUIÇÃO DA

IDENTIDADE INDÍGENA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE

DOCUMENTOS OFICIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação, Mestrado

Acadêmico em Letras, da Fundação Universidade Federal de

Rondônia – UNIR, como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso

Linha de Pesquisa: Estudos de Diversidade Cultural

PORTO VELHO

2017

3

FICHA CATALOGRÁFICA

4

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM LETRAS

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso

___________________________________________________________________________

Membro Interno: Profa. Dra. Nádia Nelziza Lovera de Florentino

___________________________________________________________________________

Membro Externo: Profa. Dra. Juciele Pereira Dias

___________________________________________________________________________

Suplente Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, o senhor João Cardoso e dona Edite Alves, eles que tanto me ajudaram com

incentivos e palavras de conforto, sem as quais eu não teria conseguido vencer tantos

obstáculos – mesmo estando de longe estiveram tanto perto e presenciaram cada momento e

cada palavra escrita.

Ao Professor Élcio, o meu orientador que sempre esteve presente nesses dois anos de curso,

não apenas como orientador, mas como amigo nos momentos mais difíceis e, que tanto

colaborou com o meu processo de escrita, dando norte ao texto na teoria da Análise de

Discurso – procurando-me mostrar as diferenças de escrita a partir da Teoria de Análise de

Discurso de linha francesa.

Ao meu amigo, Douglas Ferreira de Paula que colaborou desde o primeiro momento em que

pensei em fazer o mestrado dando apoio e incentivo e, no percurso demonstrou tanta

preocupação com o processo que eu enfrentava de problemas de saúde e dificuldades no

ambiente de trabalho ele, meu grande irmão esteve sempre presente apontando caminhos. A

você, Douglas minha gratidão.

Às minhas irmãs, Rita e Lusineide que torceram sempre pela minha vitória e nunca deixaram

de acreditar em mim.

A João Gabriel, meu sobrinho-filho que com poucas palavras soube ajudar-me quando eu

mais precisava e soube compreender cada momento difícil que atravessei. Ele estava sempre

ali, acompanhando-me com seu olhar sereno. Por ele enfrentei todos os obstáculos.

As minhas colegas de trabalho, Viviane Braz e Laura Miranda pela parceria e amizade. Além

da ajuda prestada – organizando meus horários na UFAM, para que eu pudesse cursar as

disciplinas do mestrado e trabalhar ao mesmo tempo – dessa forma, pude cumprir minha

carga horária.

Aos meus alunos que sempre admiraram o meu trabalho e foram muitas vezes compreensivos.

A Dudu e Victor, meus sobrinhos mais novos pelo sorriso sempre em que eu estava me

sentido perdida.

6

Às, Professoras Doutoras: Marília Pimentel e Maria do Socorro Dias que acompanharam-me

mesmo de longe, desde a minha vinda para o Norte, sempre torceram e deram-me todo apoio.

À dona Veridiana que tornou-se uma grande amiga e que me acolheu como filha dando-me

apoio no Sindsef, marcando consultas médicas toda vez que precisei nesses dois anos de

viagem para Porto Velho. Ali, encontrei não apenas um abrigo, mas também um lar.

Aos meus amigos baianos que mandaram energias boas, torceram pela minha felicidade na

Região Norte. Em especial Lázaro Félix, Eduardo Fróes, Noélia Nascimento, Caroline Teles.

Ao Michael, tão jovem e tão experiente com as palavras e tantas vezes soube confortar-me

nos momentos difíceis na UFAM.

7

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e

cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.”

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RESUMO: A Análise de Discurso é uma área que já se firmou, principalmente, devido aos estudos e

trabalhos desenvolvidos por Michel Pêcheux, na França e a sua institucionalização no Brasil se deu pelo

trabalho de Eni Orlandi desde a década de 70, primeiro como professora da USP de 1969 a 1979 e

depois de 1979 a 2002 na UNICAMP. Esta área tem como filiações teóricas a Linguística, o Marxismo

e Teoria do Discurso, sendo todas atravessadas pela Psicanálise. Respaldado nessa teoria de Análise de

Discurso em que se desenvolve esse trabalho que se justifica porque, historicamente, o processo de

colonização portuguesa no Brasil foi muito difícil para os povos que habitavam essas terras. Os índios

pelas suas práticas e por formações discursivas, próprias das várias etnias indígenas, eram

ideologicamente diferentes dos europeus. Essas diferenças de formações discursivas e formações

ideológicas provocaram conflitos entre as culturas (brancos e índios). Assim, os índios foram

considerados povos sem Lei, sem Fé e sem Rei. Dessa forma, os portugueses consideraram os índios

como “selvagens”, o que justificou a colonização do Brasil e permitiu que passassem a interpelar os

indígenas com outras formações discursivas o que desencadeou em embates que ressoam ainda hoje

tanto socialmente quanto culturalmente. Por isso, após cinco séculos de história, os índios continuam

lutando pelo reconhecimento de suas identidades e de seus direitos como cidadãos brasileiros. Mas

como têm sido materializadas essas lutas em leis, documentos oficiais e políticas públicas para educação

indígena? Como será que tais documentos constituem as identidades desses grupos étnicos no processo

histórico? E como tais discursos refletem a ideologia do Estado sobre os sujeitos? O objetivo geral desse

trabalho é, portanto, identificar a forma de constituição da identidade dos sujeitos índios a partir das

abordagens linguística-ideológicas nos documentos oficiais, leis e políticas públicas para indígenas,

levando em consideração o sujeito, o discurso, a formação discursiva, a formação ideológica e a

ideologia dos sujeitos que constituem as leis e como os indígenas são constituídos a partir dessas leis, ou

seja, o discurso dos colonizadores e do Estado. Entre os objetivos específicos espera-se verificar a

constituição de identidades linguísticas e culturais dos índios nos discursos de documentos oficiais, leis

e políticas públicas para educação dos indígenas. E, compreender quem são os sujeitos, quais as

condições de produção dos discursos e as formações discursivas e ideológicas dos sujeitos, que

constituíram uma identidade simbólica para os índios e, séculos depois criaram as políticas públicas

educacionais e os textos oficiais brasileiros que retratam às necessidades dos indígenas. Como

identificar a constituição do silenciamento e apagamento do sujeito (índio) de maneira que o

conduziram ao interpelamento nos discursos dos colonizadores e do Estado. Assim como compreender

nos textos a ideologia no jogo discursivo que materializa a identidade cultural dos indígenas no Brasil

ao longo dos séculos XV, XVI, XIX, XX e XXI. A problemática de nosso trabalho gira em torno da

questão de identificação indígena pela interpelação do discurso do colonizador e do Estado. Ou melhor,

será que o índio ocupou esse lugar de submissão que relatam os portugueses? Ou será que esse lugar de

interpelação é apenas um discurso imaginário do europeu? Com a finalidade de compreender essa

relação histórica entre índios e brancos, é preciso fazer uma abordagem sobre as condições de produção

dos textos, como: a Carta de Pero Vaz Caminha ao Rei Dom Manuel, em 1500; a História da Província

de Santa Cruz de Gândavo, de 1575; a Constituição Federativa do Brasil de 1988; a Lei de Diretrizes e

Bases 9394 de 1996; O Decreto 426 de 1845; a Lei Nº 6.001 de 1973 que dispõe sobre o Estatuto do

Índio; O Código Civil de 1916; A Lei 12.711 de 2012 que dispõe da cotas para pretos, pardos, indígenas

e pessoas com deficiência; as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena (Série

Institucional – Vol. II); o Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação; A Resolução 03/99;

Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas de 1998. Esses documentos servirão de arquivo

de leitura e foram tomados os recortes dos mesmos como objeto para análise, embasados teoricamente

na Teoria de Análise de Discurso de linha francesa e brasileira institucionalizada por Eni Orlandi.

9

Palavras-Chave: Análise de Discurso. Colonização. Estado. Identidade Indígena.

ABSTRACT: The Discourse Analysis is an area that has already been established mainly due to the

studies and works developed by Michel Pêcheux in France and its institutionalization in Brazil was due

to the work of Eni Orlandi since the 1970s, first as a professor from 1969 to 1979 at USP and then as a

professor from 1979 to 2002 at UNICAMP. She has as theoretical affiliations Linguistics, Marxism and

Discourse Theory and all of them, which are crossed by Psychoanalysis. Based on this Discourse

Analysis theory, this work is justified because, historically, the process of Portuguese colonization in

Brazil was very difficult for the people who inhabited these lands. The Indigenous by their practices and

their discursive formations, typical of the various indigenous ethnic groups, were ideologically different

from the Europeans. These differences of discursive and ideological formations provoked conflicts

between cultures (The Whites and The Indigenous). Thus the Indigenous were considered people

without laws, without God and without king. In this way, the Portuguese considered the Indigenous as

"savages", which justified the colonization of Brazil and allowed them to begin to question the

Indigenous with other discursive formations, which triggered in clashes that still resonate both socially

and culturally. Therefore, after five centuries of history, the Indigenous continue to sttrugle for the

recognition of their identities and their rights as Brazilian citizens. But how have these struggles been

materialized in laws, official documents and public policies for Indigenous Education? How do such

documents constitute the identities of these ethnic groups in the historical process? And how do such

discourses reflect the ideology of the State over the subjects? The general objective of this work is

therefore, to identify the form of identity of the Indian as subjects from the linguistic-ideological

approaches in the official documents, laws and public policies for Indigenous people, taking into

account the subject, the discourse, the discursive formation, the ideological formation and ideology of

the subjects that constitute the laws and how the indigenous are constituted from these laws, that is, the

discourse of the colonizers and the State. Among the specific objectives it is expected to verify the

constitution of linguistic and cultural identities of the Indigenous in the discourses of official

documents, laws and public policies for the education of the Indigenous. And, to understand who the

subjects are, what are the conditions for the production of the discourses and the discursive and

ideological formations of these subjects, who constituted a symbolic identity for the Indigenous and,

centuries later, created the public Educational Policies and the official Brazilian texts that portray the

needs of Indigenous people. How to identify the constitution of the silencing and erasure of the subject

(Indigenous) in a way that led to the interpellation in the discourses of the colonizers and the State. As

well as understanding in the texts the ideology in the discursive game that materializes the cultural

identity of the Indigenous natives in Brazil throughout the XV, XVI, XIX, XX and XXI centuries. The

thesis of our work revolves around the question of indigenous identification through the interpellation of

the discourse of the colonizer and the State. Or rather, did the Indian occupy this place of submission

that the Portuguese report? Or is this place of interpellation merely an imaginary discourse of the

European? In order to understand this historical relationship between Indigenous and Whites, it is

necessary to approach the conditions of production of the texts, such as: the Letter of Pero Vaz Caminha

to King Dom Manuel, in 1500, History of the Province of Santa Cruz of Gândavo of 1575, the Federal

Constitution of Brazil of 1988, National Educational Bases and Guidelines Law, 9394 of 1996, Decree

426 of 1845, Law Number 6.001 of 1973, which provides for the Statute of Indigenous, The Civil Code

of 1916, A Law 12.711 of 2012, which has quotas for blacks, browns, Indigenous people and people

with disabilities, the Guidelines for the National Policy of Indigenous School Education (Institutional

Series - Vol. II), Official Opinion 14/1999 of the National Council of Education, A Resolution 03/1999,

National Curriculum Reference for Indigenous Schools of 1998. These documents will serve as object

of study and were taken as the utterances as discourse for analysis, based theoretically on the Theory

Discourse Analysis of French approach and Brazilian one institutionalized by Eni Orlandi.

Keywords: Discourse Analysis. Colonization. State. Indigenous Identity

10

SUMÁRIO

1. Introdução ………………………………..………………........……………………...……... 11

CAPÍTULO I

2. Quadro teórico epistemológico da Análise de Discurso............................................................16

2.1. Quadro teórico epistemológico da Análise de Discurso de linha francesa .......................... 16

CAPÍTULO II

3. Quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso..............................................................20

3.1 As condições de produção.......................................................................................................20

3.2. História x Historicidade e Compreender x Interpretar ……………………..........................24

3.3. A linguagem na Análise de Discurso: uma leitura materialista..................……....................26

3.4.Sobre a regularidade na Análise de Discurso…………….................................…......……...28

3.5. Sujeito, Ideologia e Forma-sujeito ...........................................................................….........29

3.6. Formações Discursivas e Formações Ideológicas ....................................……...……...…...32

3.7. Discurso x Texto ............................................................................................................................. .....34

38. Silêncio x Silenciamento ........................................................................................................39

3.9. Sobre o político na Análise de Discurso...…………….…………....………....…....……….40

3.10. Identidade na perspectiva da Análise de Discurso..............................……….........………41

CAPÍTULO III

4.Quadro da análise de documentos oficiais e de políticas públicas indígenas............................43

4.1 O apagamento e/ou silenciamento do indígena na Carta de Caminha e nas leis brasileiras: um

processo histórico e discursivo......................................................................................................43

4.2. A constituição da identidade indígena a partir dos discursos ideológicos colonizadores

portugueses e do Estado................................................................................................................64

4.3. As Políticas Públicas sobre a Educação Indígena após 500 anos de resistência: uma análise

discursiva…………............................................................……………………...........................69

5. Conclusão...................................................................................................................................91

6. Referências Bibliográficas...……………………......……………....................................……93

11

I. INTRODUÇÃO

Esse trabalho, intitulado O sujeito, o discurso, a ideologia e a constituição da

identidade indígena: uma análise discursiva de documentos oficiais e políticas para educação

indígenas, tem como relevância social compreender a constituição da identidade indígena no

contexto do século XXI, por isso ele versa sobre o sujeito índio e a constituição da identidade

desse sujeito no processo histórico da formação do Brasil, constituindo um arquivo de leitura,

desde o processo de colonização, documentado nos textos literários dos séculos XV, XVI,

XIX, XX e XXI como A Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel, datado de 1500,

História da Província de Santa Cruz, de Pêro de Magalhães Gândavo, datado de 1575 dentre

outros dos quais tomamos como recortes discursivos que constituem o objeto de nossa

análise.

Foi o processo de colonização relatado nos textos de viajantes dos séculos XV e XVI,

ou seja, o contato entre as duas culturas, índios e brancos que deu início a um processo de

interpelação e constituição de uma nova identificação do sujeito índio, pois os portugueses

com suas formações discursivas e formações ideológicas entraram em conflitos com a cultura

indígena. Assim, procuraram interpelar os índios principalmente, com as formações

discursivas e formações ideológicas da catequização pelos Jesuítas. Dessa forma, os sujeitos

índios foram atravessados, interpelados pelas ideologias da coroa portuguesa que constituíram

os índios em sujeitos sob a tutela do Estado, como sendo seres sem identidade, sem uma

língua de qualidade, sem Fé, sem Lei e sem Rei – isso os caracterizam como sendo seres sem

estrutura social e, que os deixaram às margens da sociedade, necessitando hoje, de políticas

públicas para recuperarem seus direitos. Esta é a nossa hipótese inicial.

Essas formações discursivas e formações ideológicas dos europeus atravessaram mais

de 500 anos de história, claro que com um certo movimento ao longo da história e que deixou

consequências na forma da sociedade e do Estado se relacionarem com os povos indígenas.

Mas, como forma de resistência ao poder político do colonizador, o índio continua lutando

por um lugar por seus direitos que lhes foi destituído ao longo do processo histórico. Pois ele,

o índio, não podia se significar pela língua, nem pelo modo de viver, nem pela estrutura

social, porque só os colonizadores imprimiam seu dizer nos textos e isso já pronunciava nos

seus dizeres europeus, a partir de suas formações discursivas nas quais estavam inscritos e nas

formações ideológicas de que o índio carecia de ser colonizado, que lhes imprimissem uma

identidade social, pois os viam com seres “selvagens”.

12

Elas, as formações discursivas e formações ideológicas, revelam o discurso, o sujeito e a

ideologia dos colonizadores e, se materializaram no silenciamento e na identificação do índio

que culmina numa ressignificação da identidade indígena, conforme figura nos documentos

oficiais da sociedade brasileira e do Estado como: O Decreto 426 de 1845, o Código Civil de

1916, a Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases 9394 de 1996, no Plano

Nacional de Educação de 2001, as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar

Indígena de 1994, a Lei 6.001 de 1973, a Lei 12.711, lei que institucionaliza as cotas para

pretos, pardos, índios e pessoas com deficiência.

Portanto, para compreender esse processo histórico da construção da identidade do índio

serão utilizados recortes de textos da literatura de informação do século XV – A Carta de Pero

Vaz de Caminha e do século XVI – História da Província de Santa Cruz. No movimento da

história, ou melhor, a história em sua regularidade, a identidade do índio que começou a ser

tecida com a formação discursiva e formação ideológica dos colonizadores, se materializou

historicamente, discursivamente nos documentos oficiais e nas políticas públicas, acima

citados.

Apesar de só haver um dizer nesses documentos, o dizer dos colonizadores portugueses

nos séculos XV e XVI, e a do Estado no século XIX, XX e XXI, o sujeito índio assume uma

forma-sujeito, pois todo sujeito tem sua formação discursiva e sua formação ideológica, as

quais constituem o sujeito. Nos discursos dos colonizadores, o dizer do índio foi silenciado,

foi censurado pela língua. Pensando o político na Análise de Discurso, vemos isso na forma

como os europeus desprestigiaram, desqualificaram, diminuíram a língua do índio, que para

os portugueses ela era um caos, era inferior.

Logo, se pode dizer que ali, naquele momento, a constituição da identidade do indígena

deve ser pensada em relação à regularidade histórica, ou seja, em relação aos discursos

produzidos e as regularidades que são constitutivas delas, assim os indígenas foram

significados na/pela regularidade da história. Mas os sentidos que os índios produziam mesmo

sob dominância da forma discursiva do europeu, os sentidos produzidos pelos índios estão ali,

confrontando, não dizendo. E, só no final do século XX, pela primeira vez, o índio entra na

história, não como o herói do romantismo literário, mas como um inscrito em demandas uma

Política Pública para Educação Indígena. As políticas Públicas são “formas de pagamentos”

de uma dívida da sociedade com os sujeitos marginalizados, para oferecer-lhes um lugar

social, recuperar uma falha da sociedade para com esse sujeito.

13

Portanto, outras questões também nortearão nosso trabalho que são as seguintes: De que

maneira ele, o índio está significado nesses documentos de políticas públicas? De que lugar

ecoa essa voz? Quais as formações discursivas que os atravessam nesses discursos? Há nesses

documentos uma tentativa de reparar os prejuízos causados a essa etnia após mais de 5oo anos

de história? Se há uma necessidade de uma política pública para recuperar a língua e a cultura

de um povo, então houve um apagamento, uma interpelação e um novo processo de

identificação ou o que houve foi uma resistência em forma de lutas silenciadas?

Esse trabalho se inscreve na metodologia da Análise de Discurso. Esse tipo de trabalho

se funda na consideração das condições de produção do dizer como constitutivas desse

próprio dizer; assim, quem fala, para que se fala, o que se fala, como se fala, em que situação

e de que lugar da sociedade se ecoa um dizer, etc. Para a Análise de Discurso, esses são

considerados elementos fundamentais do processo de produção da linguagem. (ORLANDI,

1989). Pensando em todos esses aspectos das condições de produção e refletindo sobre a

constituição da identidade do índio ao longo da história que esse trabalho de desenhou.

Para compreender o processo de identificação do índio foi preciso buscas na Análise de

Discurso de linha francesa e sua teorização sobre alguns conceitos: discurso, sujeito,

ideologia, formação discursiva, formação ideológica, silêncio, a resistência, o político,

condição de produção, recorte linguagem, história, historicidade, regularidade, enunciação,

por isso buscou-se estudar sobre a constituição histórica dessa teoria para tomar posse do

corpo de conceitos e assim poder servir de fundamentação para análise dos recortes dos textos

literários e documentos oficiais.

Para entendermos o sentido da palavra recorte, tomamos as explicações de Orlandi

(1989, p.36) quando ela diz que “recorte é uma unidade discursiva”. Mas, o que é então uma

unidade discursiva? Como essa unidade discursiva será analisada? Na perspectiva teórica de

Análise de Discurso de Linha Francesa, Orlandi (1989) diz que a unidade discursiva deve ser

entendida como fragmentos correlacionados de linguagem-e- situação. Ou seja, um recorte é

um fragmento da situação discursiva. Dessa forma, essas unidades discursivas das mais

diversas situações que o sujeito índio passou no movimento histórico, político e ideológico,

devem ser analisadas a partir dos conceitos teóricos da análise de discurso.

Para compreender todo esse processo histórico discursivo, esse trabalho está estruturado

em três capítulos. Os mesmos tratam de abordagens sobre o processo político, histórico e

14

ideológico do Brasil na constituição da identidade indígena nos documentos já citados e

fundamentados na teoria da Análise de Discurso Pecheutiana. Além dos capítulos temos esta

Introdução que apresenta um panorama do trabalho geral, a conclusão e as referências

bibliográficas.

O primeiro capítulo trata da constituição da Análise de Discurso de Linha Francesa. A

importância desse capítulo é que ele trata de conceitos epistemológicos que não correspondem

aos conceitos empiristas, por isso devem ser esclarecidos para uma melhor compreensão da

análise. Além disso, também aborda a Análise de Discurso como espaço de enunciação

brasileira, ou seja, a institucionalização dessa disciplina no Brasil.

O segundo capítulo faz uma abordagem teórica-metodológica da Análise de Discurso de

linha francesa, e sua importância na análise discursiva do objeto simbólico. Nele são

apresentados os conceitos de sujeito, discurso, ideologia, história e historicidade, dentre

outros.

O terceiro capítulo corresponde ao quadro analítico do corpus que compõe esse

trabalho. Ou seja, nele é apresentado o processo histórico e político do Brasil para a

constituição da identidade indígena representada hoje, nas políticas públicas para Educação

escolar Indígena. Portanto, são apresentados os processos de constituição do sujeito índio e de

seu silenciamento pelos colonizados e pelo Estado. Desse processo se justificam as políticas

de recuperação das línguas e culturas indígenas e vias de apagamento histórico. Como

também aponta o processo de silenciamento indígena nos discursos de documentos oficiais do

Estado. Por fim também aborda a identidade indígena a partir dos reflexos ideológicos do

Estado. A análise das políticas públicas para educação indígenas após 500 anos de resistência

aos às interpelações dos colonizadores europeus nas tentativas de apagamento linguístico e

cultural nação indígena.

Portanto, essa linha de Análise de Discurso trabalha a linguagem como prática:

mediação, trabalho simbólico, e não instrumento de comunicação (HONÓRIO, 2000, p. 80) E

ainda, Orlandi apud Honório (2015, p. 81), como “a linguagem é estrutura e acontecimento,

tendo assim de existir na relação necessária com a história (e com o equívoco)”.

Dessa forma, a Análise de Discurso, situando a linguagem no social e ideológico, procura

trabalhar não as evidências, mas o processo de produção dessa evidência, através de um objeto

discursivo, o discurso que se constitui nem pelas evidências do dado empírico, nem do texto, já

15

que ele é sempre construído através de hipóteses histórico-sociais (HONÓRIO, 2000, p.83). E,

é a partir dessa teoria que discutiremos os discursos selecionados para análises nesse trabalho.

16

CAPÍTULO I

2. QUADRO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO DA ANÁLISE DE DISCURSO

Este trabalho propõe uma análise de Políticas Públicas para Educação Indígena tendo

como quadro teórico-epistemológico, a Análise de Discurso de Linha Francesa criada por Michel

Pêcheux e desenvolvida no Brasil, por Eni Orlandi. Portanto, a importância de apresentar a

constituição dessa área de conhecimento tanto na França como no Brasil. Pois sem a

compreensão da constituição política e histórica dessa teoria, não se pode compreender os efeitos

de sentidos produzidos a partir de uma análise desenvolvida a partir desse quadro teórico.

2.1. QUADRO TEÓRICO EPSTEMOLÓGICO DA ANÁLISE DE DISCURSO DE

LINHA FRANCESA

A Análise do Discurso é uma área de estudo que surge na década de 60 do século XX, e

tem a Linguística como um dos campos de conhecimento que a constitui. A linha de Análise de

Discurso na qual se filia esse trabalho tem seu início na França e foi criada por Michel

Pêcheux. A mesma constituiu-se na relação entre três domínios disciplinares: a Linguística, o

Marxismo e a Teoria do Discurso. Essa constituição dos campos de domínios disciplinares da

Análise de Discurso, surgem de um conjunto de relações que provoca em Pêcheux a

necessidade de uma crítica às ciências sociais e, segundo Gadet (1997, p. 8):

Na França, a Análise de Discurso é, de imediato, concebida como um dispositivo que

coloca em relação, sob uma forma mais complexa do que o suporia uma simples

covariação, o campo da língua (suscetível de ser estudada pela linguística em sua

forma plena) e o campo da sociedade apreendida pela história (nos termos das

relações de força e de dominação ideológica). Emergência temporal, também; a

Análise de Discurso aparece nos anos sessenta, sob uma conjuntura dominada pelo

estruturalismo ainda pouco criticado na linguística, e triunfante por ser

“generalizado”, isto é, exportado para as outras ciências humanas (por exemplo por

Lévi-Strausss ou Barthes), ou inspirador de reflexões mesmo quando não se declara

explicitamente (por exemplo por Lacan, Foucault, Althusser ou Derrida): a linguística

pode ainda ser chamada de ciência-piloto das ciências humanas.

Partindo desses pressupostos, o primeiro domínio disciplinar ou campo de saber que é a

Linguística, parte da base do Estruturalismo de Saussure, tendo como foco o sentido

estabelecido no funcionamento da linguagem, ou seja, a Linguística toma-se a língua com uma

ordem própria para compreender o funcionamento da linguagem entre os sujeitos

17

interlocutores. Isso compreende um estudo da língua não apenas em sua estrutura, mas como

acontecimento, segundo Orlandi (2015). Partindo desses pressupostos, a língua e a história

produzem sentidos. Mas, o que interessava à Pêcheux no estruturalismo eram, conforme Gadet

(1997, p. 14), “... aspectos que supunham uma atitude não-reducionista no que se refere à

linguagem”. E, sobre o funcionamento da linguagem trataremos mais detalhadamente em um

ponto específico para essa discussão.

Então, o que faz Pêcheux com suas críticas às ciências sociais, na década de sessenta, é

abrir espaço para novas discursões teóricas, dessa forma afirma Gadet (idem, idem):

Pêcheux sempre teve como ambição abrir uma fissura teórica e científica no campo

das ciências sociais, e, em particular, a psicologia social. Ele afirmava, no momento

da publicação de A análise automática do discurso, que ali se encontrava seu objetivo

profissional principal. Nesta tentativa, ele que ria se apoiar sobre o que lhe pare já ter

estimulado uma reviravolta na problemática dominante das ciências sociais: o

materialismo histórico tal como Louis Althusser o havia renovado a partir de sua

releitura de Marx; a psicanalise, tal como a reformulou Jacques Lacan, através de seu

“retorno a Freud”, bem como certos aspectos do grande movimento chamado, não sem

ambiguidades, de estruturalismo.

Portanto, o segundo domínio que é o Marxismo, parte do materialismo histórico a partir

de uma leitura althusseriana de Karl Marx. Nesta perspectiva há “um real da história mas esta

não lhe é transparente” (ORLANDI, 2015, p.17), o que se pode então chamar de forma material

é o conjunto linguístico mais o histórico. Ou seja, o materialismo histórico remete às lutas de

classes, relações de poder que determinam a história, as condições de existência de produção e

reprodução do discurso.

Entender esse materialismo histórico, base teórica de Marx é importante para

compreender como funciona a sociedade moderna. Essas relações materializam as formações

discursivas e formações ideológicas que determinam a ideologia. Mas antes de tratar das

formações discursivas e formações ideológicas, vejamos o que diz Orlandi sobre o

materialismo histórico para essa linha de Análise de Discurso de linha francesa:

Pensando o caráter material e histórico – do materialismo histórico, em nossa

perspectiva – podemos dizer que o caráter material está em que os homens se

organizam na sociedade para produção e reprodução da vida. E o caráter histórico está

em como se organizam através da história. Resulta daí o movimento do pensamento

através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade. (2012, p.74)

Estudar a Análise de Discurso pensando no materialismo histórico é compreender a

organização social através da história. Por isso a importância de se observar o real da história.

18

A Análise de Discurso de linha francesa, apresenta o seguinte quadro teórico

epistemológico: a Linguística, o materialismo histórico e a teoria da Análise de Discurso, todas

atravessadas pela Psicanálise. Como já abordamos, Pêcheux foi o criador dessa teoria que

propõe uma forma especial de pensar a linguagem. Portanto, Pêcheux desempenha um papel de

grande importância para essa nova forma de pensar a linguagem e o sujeito ao evidenciar um

sujeito bio-psico-social, ou seja, não é um sujeito consciente, que tem pleno controle do dizer,

mas pela formação discursiva e formação ideológica em que está inscrita. A autora Zoppi

Fontana, no artigo Althusser e Pêcheux: um encontro paradoxal, trata da importância de

Pêcheux na produção teórica e nas abordagens de práticas discursivas:

[...] podemos salientar o impacto da obra de Michel Pêcheux no campo das ciências da

linguagem e especialmente da Análise de Discurso; ele rompe com as evidencias de

um sujeito bio-psico-social em interação comunicativa e produz uma ruptura

epistemológica na abordagem das práticas discursivas na sua relação constitutiva com

a história. (ZOPPI FONTANA 2014, p. 33).

O que faz Pêcheux com essas discursões é, partir de uma inscrição do materialismo

histórico, a partir de uma leitura althusseriana de Marx. Dessa inscrição no materialismo

histórico, Pêcheux vai propor “mudanças no terreno da língua ao discurso, ou da teoria da

língua à teoria do discurso”. A respeito dessa mudança de terreno, Pêcheux apud Zoppi

Fontona (idem, p.23-24), no artigo citado, diz que:

[...] se desvencilhar da problemática subjetiva no individuo [...] e compreender que o

tipo concreto com que lidamos e em relação ao qual é preciso pensar, é precisamente o

que o materialismo histórico designa pela expressão relações sociais, que resulta de

relações de classe características de uma formação social dada ( através do modo de

produção que a domina, hierárquica das práticas de que este modo de produção

necessita, os aparelhos através dos quais se realizam essas práticas, as posições que

lhes correspondem, e as representações ideológicas-teóricas e ideológicas políticas

que delas dependem).

Portanto, é nas relações sociais que as práticas e modo de produção, as quais

determinam as posições ideológicas e políticas do sujeito por isso a necessidade de pensar a

língua em seu processo discursivo, pensar o real da língua e o real da história.

Sendo assim, o discurso – objeto da teoria do discurso, ele não é neutro, porque é

resultado das formações ideológicas que representa os aparelhos ideológicos e as posições

políticas ideológicas que os sujeitos ocupam ou sou estão inscritos. Isso significa que o sujeito

é visto como sendo imbricado em seu meio social, sendo permeado e constituído de história,

política e atravessados pelas formações discursivas que o interpelam, e é na linguagem, base

19

em que os discursos se realizam e produz efeitos de sentido que os sujeitos se relacionam.

Partindo dessa perspectiva tem-se um sujeito dotado de linguagem, constituído de história, de

política e ideologia.

O histórico na Análise de Discurso deve ser entendido como um registro marcado em

um certo tempo, ou seja, situado num dado momento da história. Isso remete a fatos,

acontecimentos, registros, e faz o movimento social, histórico, político e cultural ter um

desenrolar, ter consequências que fazem mudar a sociedade, que fazem a sociedade evoluir, que

fazem os tempos serem outros, sempre isso aconteceu como uma forma de apagamento ou

mudanças históricas e sociais, o processo histórico.

E o terceiro campo ou domínio é a constituição da Teoria do Discurso que se fortalece

por meio dessas áreas de conhecimento e se fundamenta como método para o analista do

discurso. Essa Teoria do Discurso que é composta por um quadro epistemológico e o

metodológico, que em grande parte está apresentado ao longo desse texto.

E todos esses domínios comentados acima, são atravessados pela teoria da subjetividade

de natureza psicanalítica. Sobre isso Orlandi (2015, p.18) explica:

Desse modo, se a Análise de Discurso é herdeira das três regiões de conhecimento –

Psicanálise, Linguística, Marxismo – não o é de modo servil e trabalha uma noção – a

de discurso – que não se reduz ao objeto da Linguística, nem se deixa observar pela

Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise. Interroga a

Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo

questionando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo de como,

considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao

inconsciente sem ser absorvida por ele.

Um quadro epistemológico da Análise de Discurso, o Pêcheux o faz apresentando as

áreas de saber sendo atravessada pela Psicanálise, mas esta não será discutida neste trabalho.

Portanto, a análise documental que será feita nesse trabalho se respalda nessa teoria que

se fundamenta nesses domínios supracitados e se fortaleceu no Brasil a partir da propagação

dos trabalhos da professora Eni Orlandi, conforme veremos a seguir.

20

CAPÍTULO II

3. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE DISCURSO

Nesse espaço serão apresentadas as concepções teóricas próprias da Análise de Discurso

para então desenvolver metodologicamente o processo analítico com base na Teoria de Análise

de Discurso. Pois, os conceitos aqui apresentados são necessários para a compreensão de uma

análise discursiva de linha francesa. Pensar uma análise discursiva é compreender o processo

histórico e político do corpus em análise, portanto, conceitos de história, historicidade, sujeito,

forma-sujeito, discurso, ideologia, formações discursivas e formações ideológicas dentre

outros, são imprescindíveis neste trabalho.

3.1. AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

As condições de produção são fatores determinantes da interpretação e, por sua vez

compreensão de um discurso pela teoria de Análise de Discurso. Nesse trabalho serão

analisados textos de séculos diferentes da história do Brasil, por isso faz-se necessário

identificar os momentos históricos em que os discursos se materializaram – uma vez que serão

analisados discursos dos colonizadores e do Estado ao longo da história – como textos da

literatura de informação, ou relatos de viajantes do século XV e XVI e documentos oficias do

Estado como o Decreto 426 de 1845, o Código Civil de 1916, A Constituição Federativa do

Brasil de 1988, A LDB de 1996, as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar

Indígena de 1994, a Lei 6.001 de 1973, Lei 12.711 de 2012. Esses textos e/ou documentos que

compõem o corpus desse trabalho estão situados em contextos sociais, políticos, históricos e

ideológicos diferentes, isso remete a um quadro de condições de produção heterogêneo.

Conta a História que os portugueses chegaram à Costa brasileira em 1500. Na Carta que

Pero Vaz de Caminha enviou ao Rei de Portugal na época, documento esse que ficou conhecido

como a Carta Magna do Brasil, ou A Carta de Pero Vaz de Caminha, o documento que registra

o “achamento” dessas terras, ou melhor, documento que celebra o encontro entre bancos e

índios, entre colonizador e colonizado. E nesse contexto histórico é o de que as coroas

Portuguesa e Espanhola estavam em busca de expansão territorial, ou seja, desejam expandir

seus limites territoriais, para isso eles desbravavam os mares em busca de conquistar novas

terras, especiarias e conseguir vassalos para seus reinos. É em meio a esse processo que se dá a

21

chegada dos portugueses na costa brasileira. Assim, nessas condições de produção, a ideologia

europeia era a de conquistas, expansão territorial, disputas por terras, demarcação territorial por

meio de políticas que por sua vez, também são políticas linguísticas.

Conforme escreve Borges (2004) em seu artigo As línguas gerais e a Companhia de

Jesus – política e milenarismo, aqui temos um cenário inicial do processo de escrita dos relatos

dos viajantes, a coroa estava em busca de conquistar terras, vassalos e converter almas.

Vejamos nas palavras de Borges:

Na América portuguesa e espanhola, o processo de conquista territorial e espiritual,

responsáveis pela expansão da cristandade e do mercantilismo teve como um de seus

suportes o fato de tese valido, de acordo com estratégias adotadas tanto no âmbito

religioso – com os concílios de Lima – como pela coroa, de que são exemplo as

Ordenações Filipinas... (BORGES, 2004, p.171)

Dessa forma há um fortalecimento da associação entre a monarquia portuguesa e das

ordens religiosas, isso, essa relação entre os dois poderes: a igreja e a coroa portuguesa, ou

seja, o civil e o religioso. Esse processo foi instaurado no período medieval. Borges (idem,

p.175) ainda destaca: “no período medieval, Portugal havia se tornado um dos centros mais

importantes das atividades da Ordem dos Templários, sendo que a cidade de Tomar abrigar

um dos principais monastérios da ordem”. Mas ao ser extinta pelo Papa Clemente V, em

1312, o rei de Portugal, D. Dinis, instituiu uma nova ordem, a Ordem de Cristo. Dessa forma

tornou-se tradição que a monarquia portuguesa tivesse um posto de destaque na Ordem de

Cristo. Também Borges aborda que:

Outro elemento que mostra a associação entre a igreja e a coroa portuguesa refere-se à

doação feita pelo Papa Calixito II, pela qual todas as terras a oeste do Cabo do

Bojador pertenceria à Ordem de Cristo. Isso mostra que antes mesmo de ter sido

descoberto, o Brasil já era propriedade de uma Ordem religiosa portuguesa que

mantinha com a coroa uma relação que não era fortuita. (BORGES, 2004, p.171)

Segundo Pita apud Borges (2004, p.171): “Dom Manuel revelou esta notícia com

alvoroço próprio do desejo grande, que lhe fervia no peito, de que houvesse mais mundos em

um dilatar a fé católica e empregar um inesquecível esforço de seus vassalos!” Essas eram as

condições de produção da Carta de Caminha e do relato de viagem de Gândavo. Documentos

que serviram de corpus para essa análise.

Borges (2004, p. 175) ainda discorre “assim é que em 1512, quando Dom João III

assume o trono, ele se torna um membro da Ordem de Cristo e volta o interesse da Coroa para

22

terras de além mar sobre as quais a Ordem tinha domínio, empenhado ‘o seu zelo católico na

empresa, assim das terras como das almas do Brasil’”. O autor citado também destaca que:

[...] Em 1537, ocorre um novo movimento importante para consolidar o domínio da

coroa sobre as Ordens Religiosas, Dom João III unifica os mestrados essas ordens e

torna-se grão-mestre delas. Desse modo, o rei passa a ter o controle direto sobre as

ordens, seus bens e suas propriedades. É nesse contexto que, simultaneamente, dá-se a

consolidação política e econômica do Estado Português como monarquia absoluta, e a

colonização do Brasil”! (BORGES, 2014, p.175).

A partir de então, inicia o processo de colonização nas novas terras e conversão dos

nativos, solicitada e financiada pela coroa portuguesa no reinado de Dom João III, e o Frei

Manuel da Nóbrega foi quem chefiou a Ordem dos Jesuítas no Brasil. A missão dos Jesuítas

era de instaurar uma organização social na colônia por meio da conversão à fé católica, da

criação do aldeamento que correspondia ordenar e administrar juridicamente os indígenas

convertidos. Sobre isso Borges (idem, p. 124):

[...] a instauração de um discurso colonial cuja materialidade se encontra na política

linguística, nas práticas de conversão e na produção de imagens e sentidos sobre as

terras e os povos. A ação catequético-colonial sobre o novo mundo tinha também a

função de produzir sentido(s) para essa nova realidade, ao identificar e normatizar um

saber acerca desse novo mundo, uma vez que é preciso ordenar o que até então se lhes

apresentava como caótico. [...] nesse sentido, as aldeias jesuíticas dão corpo jurídico,

pedagógico, administrativo e urbano aos ideais da missão e, ao mesmo tempo impulso

centralizador e hegemonizante da Companhia de Jesus.

Esse foi o cenário das produções dos relatos de viagem analisados nesse trabalho. Para

compreender o processo de identificação dos indígenas, ou seja, as formações discursivas e

ideológicas dos europeus compõem esses discursos desses documentos, ela são o reflexo da

ideologia europeia dos séculos XV, XVI até o século XIX, ou seja, essas foram as condições

de produção da Carta de Pero Vaz de Caminha, da História da Província de Santa Cruz, e do

Decreto 426 de 1845. Esses documentos, do processo histórico de colonização das terras

basílicas provocaram vários sentidos que conduziram ao processo de identidade indígena no

Brasil. Os textos citados foram escritos de um lugar em que os europeus ideologicamente

estavam inscritos em suas formações discursivas colonizadoras, é desse lugar que eles

manifestavam seus dizeres nesses documentos.

Sobre esse processo histórico das condições de produção da Carta de Pero Vaz de

Caminha e da História da Província de Santa Cruz de Pero de Magalhães Gândavo, Bosi

(1994,11) relata que:

23

A Colônia é, de início, o objeto de uma cultura, o “outro” em relação à metrópole: em

nosso caso, foi a terra a ser ocupada, o pau-brasil a ser explorado, a cana-de-açúcar a

ser cultivada, o ouro a ser extraído; numa palavra, a matéria-prima a ser carregada

para o mercado externo. A colônia só deixa de o ser quando passa a sujeito da sua

história. Mas essa passagem fez-se no Brasil por um lento processo de aculturação do

português e do negro à terra e às raças nativas; e fez-se com naturais crises e

desequilíbrios. Acompanhar esse processo na esfera de nossa consciência é pontilhar o

direito e o avesso do fenômeno nativista, complemento necessário de todo complexo

colonial.

Conforme escreve Bosi (1994), a Colônia teve um papel inicial de lugar de exploração,

de aculturação, de ocupação, foi objeto da cultura do “outro” em relação ao “centro” que era a

metrópole. Nessa conjuntura política e histórica que se dá a escrita dos documentos, relatos de

viagens. Nesses documentos os viajantes desempenhavam um papel de observadores e de uma

transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda

medieval, tanto Caminha quanto Gândavo cumprem esse papel de relatar dando suas medidas

aos documentos que escreviam.

Portanto, os discursos dos outros documentos, mesmo sendo situados em outros modos

de produção, apresentam os sentidos constituídos no processo histórico. Assim, as políticas

públicas para os indígenas representam a materialidade histórica dos discursos citados, ou

seja, nos documentos do século XX e XXI, como o Código Civil de 1916, o Estatuto dos

Povos Indígenas 2009, a Constituição Federativa Brasileira de 1988, A LDB 9394/96, as

Políticas Públicas Para Educação Indígena como a Lei 12. 711 de 2012, foram escritos pelo

Estado, porém em um contexto pós-colonial. Estão dentro de um novo quadro político e

ideológico da história do Brasil, mas que ao reconhecer o processo histórico da construção da

identidade indígena, procura estabelecer parâmetros sociais de recuperação da língua e da

cultura dos povos indígenas e o dizer que ainda ecoa nesses documentos é a voz do Estado,

que ainda tem como ideologia manter o controle sobre os índios, as suas terras, e

constitucionalmente é o representante legal dessa nação indígena.

Portanto, a conjuntura política, social e econômica de uma sociedade em um dado

momento da história corresponde às condições de produção, ou seja, o cenário em que se

instaura o discurso, o momento histórico da produção do discurso. Orlandi (2015) diz que as

condições de produção compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação. Também a

memória1 ‘aciona’ parte da produção do discurso. E as condições de produção podem ser

1 A memória, quando pensada em relação ao discurso, ela é tratada como interdiscurso. Este é definido como

aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente... (ORLANDI, 2015, p.29)

24

consideradas em sentido estrito – corresponder às circunstâncias da enunciação: é o contexto

imediato. E em sentido amplo – incluem o contexto sócio-histórico, ideológico. Esse aspecto

teórico-metodológico não deve ser ignorado em uma análise discursiva.

3.2. HISTÓRIA X HISTORICIDADE E COMPREENDER E INTERPRETAR

História e historicidade são também dois conceitos que precisam ser definidos, pois

alguns conceitos são importantes para a Análise de Discurso e, o conceito de história e

historicidade, neste trabalho são muito importantes relevantes para compreender o processo

discursivo. Assim, para compreender e interpretar os discursos, a história para o analista do

discurso, na perspectiva discursiva, ela, a história deve ser vista como efeitos de sentido,

como constitutiva da produção de sentidos. Já para o historiador, a história é vista como

conteúdo, como fonte única de interpretação. Dessa forma, Horta Nunes propôs em seu artigo

Leitura de Arquivo: historicidade e compreensão, distinções sobre esses dois termos na linha

de Análise de Discurso “a historicidade deve funcionar de modo a caracterizar a posição do

analista de discurso em relação ao historiador”. E ainda acrescenta que “[...] trabalhar a

historicidade implica em observar os processos de constituição dos sentidos e com isso

desconstruir as ilusões de clareza e de concretude”.

Partindo dessa perspectiva, o historiador não trabalha com o processo de constituição de

sentido na perspectiva da situação de produção, ele trabalha com o conteúdo, os fatos dentro

de um processo cronológico. Já para o analista de Análise de Discurso, não há uma sequência

de ordem temporal cronológica, ou seja, contemporalidade empírica, mas com a

temporalidade dos processos discursivos. Horta Nunes ainda acrescenta que “um discurso

remete a outros discursos dispersos no tempo, ele pode simular um passado, reinterpretá-lo

para o futuro, fazendo emergir efeitos temporais de diversas ordens”. (SP/SD). Portanto, é

preciso estar atento aos mecanismos ideológicos e as formações discursivas, em momentos

diferentes na história, uma vez que a história para a Análise de Discurso, segundo Orlandi

(2008, p.42):

Está ligada a práticas e não ao tempo. Ela se organiza tendo como parâmetro as

relações de poder e de sentidos, e não a cronologia, não é o tempo cronológico que

organiza a história, mas relação de poder (a política). Assim, a relação da Análise de

Discurso com o texto não é extrair o sentido, mas apreender sua historicidade, o que

significa se colocar no interior de uma relação de confronto de sentidos.

25

Sendo assim, o histórico na Análise de Discurso é o sentido construído na história, não

de forma cronológica, mas significado e materializado ideologicamente nos processos

discursivos. E entender a identidade indígena no Brasil é compreender as relações de poder –

a política estabelecida entre brancos e índios na sua historicidade, na relação de confronto

entre colonizador e colonizado.

E, sobre a questão da historicidade, Horta Nunes, no artigo citado diz que:

A noção de historicidade desloca a noção de história como conteúdo e como fonte

única de interpretação. O sufixo- idade nos parece funcionar aí como indício desse

modo de conceber a história na análise de discurso, juntamente com as noções de

processo de constituição de sentido de gesto de interpretação.

Portanto, a historicidade nada mais é do que observar os processos de constituição de

sentidos não num processo cronológico, mas a partir das formações discursivas e ideológicas

e das condições de produção do discurso.

COMPREENDER E INTERPRETAR

Faz-se necessário abordar também, o que se entende por compreender e interpretar.

Pois há na Análise de Discurso uma diferença entre compreender e interpretar. Saber como

funcionam tais termos nessa área de conhecimento é importante porque teoricamente a

Análise de Discurso tem sua particularidade no trabalho com a língua, a linguagem. Por isso a

necessidade de se saber como esses conceitos funcionam antes de se realizar uma análise.

Para corroborar com esse entendimento, mais uma vez trazemos Orlandi (2015, p.24):

Compreender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música

etc) produz sentidos. É saber como as interpretações funcionam. Quando se interpreta

já se está preso em um sentido. A compreensão procura explicitação dos processos de

significação presentes no texto e permite que possam “escutar” outros sentidos que

ali estão, compreendido como eles se constituem” (Grifo nosso).

Orlandi apud Hortas Nunes (2005, SD) no artigo Leitura de Arquivo: Historicidade e

compreensão, propõe uma distinção ou diferenciação entre os termos: o inteligível, o

interpretável e o compreensível, vejamos essa diferenciação:

26

o inteligível é a atribuição de sentido atomizadamente (codificada); o interpretável é a

atribuição de sentido levando-se em conta o contexto linguístico (coesão). E o

compreensível é a atribuição de sentidos considerando o processo de significação no

contexto de situação, colocando-se em relação enunciado/enunciação.

E, ainda, Orlandi apud Horta Nunes (idem) diz que “compreender, na perspectiva

discursiva, não é, pois, atribuir um sentido, mas conhecer os mecanismos pelos quais se põe em

jogo um determinado processo de comunicação”. Portanto, é em busca desses mecanismos do

processo de comunicação dos textos que tomaremos os discursos para análise que se

desenvolve esse trabalho, ou seja, é procurando conhecer os mecanismos usados pelos

colonizados e pelo Estado para comunicar seus dizeres, produzindo sentidos que se fundamenta

essa discussão teórica.

Sabendo que todos os efeitos de sentido produzidos entre os sujeitos surgem de uma

prática de linguagem e é em busca, do modo como essa prática de linguagem funciona entre os

locutores, que a Análise de Discurso se debruça. E, por ser a Linguística um dos campos da

Análise de Discurso, a qual tem a linguagem como objeto de estudo, vejamos a seguir como

ela, a linguagem funciona discursivamente.

3.3.A LINGUAGEM NA ANÁLISE DE DISCURSO: UMA LEITURA MATERIALISTA

A linguagem, objeto da Linguística, para a Análise de Discurso, ela, a linguagem deve

ser pensada do ponto de vista histórico, materialista, ideológico e político. Nessa perspectiva,

Orlandi (2015, p. 17) afirma que “[...] a Análise de Discurso pressupõe o legado do

materialismo histórico, isto é, o de que há um real da história de tal forma que o homem faz

história mas também não lhe é transparente.” Isso porque no processo de produção de sentidos,

o sujeito é afetado pela ideologia e pela história. A linguagem para a Análise de Discurso não é

um mero instrumento de comunicação, ela ultrapassa essas fronteiras da comunicação, “porque

o método de análise da linguagem instituído pela Análise de Discurso, que propomos, incide

justamente na relação da linguagem com as condições (a situação) em que ela se produz, ou

seja, seu contexto sócio-histórico-cultural” (ORLANDI, 1989, p.11).

Essas questões sobre a linguagem e seu funcionamento, Orlandi discute na obra Vozes e

contrastes: um discurso na cidade e no campo. Nesta obra o que faz a autora é mostrar que há

uma diferença de contato com a linguagem entre o analista do discurso e o cientista. Segundo a

27

autora, “para os cientistas em geral, a linguagem é um instrumento de trabalho. Enquanto tal ela

lhes parece como transparente e neutra.” (ORLANDI 1989, p. 18).

Além disso, os analistas de discurso, devem entender que a linguagem não é apenas os

aspectos linguísticos e aspectos gramaticais, mas ela ultrapassa essas fronteiras e não é algo

transparente e neutro, como pensam os cientistas que ela representa a transparência e que serve

como instrumento de trabalho apenas para comunicar e informar. Sobre isso, Orlandi (1989,

p.18) ressalta que é importante “[...] mostrar para o cientista, que a linguagem tem espessura e

que é necessário conhecer seus mecanismos de funcionamento que não são só descrições

gramaticais” (idem). E ainda Orlandi (idem) diz que:

... a linguagem tem sua materialidade específica que não autoriza seu uso ingênuo,

apenas para comunicar “informações”; levá-los, pois a idéia de que ela não transmite

apenas sentidos, mas os constitui e os transforma, em processos que são sociais,

históricos, e que funcionam ideologicamente.

Isso mostra o quanto a linguagem é importante para o analista de discurso porque ela

produz efeitos de sentidos entre os sujeitos, assim, a linguagem como vimos, não se configura

apenas em aspectos gramaticais, gráficos e fônicos, como já abordamos, mas ela funciona em

um processo de produção, respeitando as condições sociais, históricas, culturais e ideológicas

dessa condição de produção. Pois, os sujeitos inseridos nesse processo se constituem, se

significam a partir de suas formações discursivas e formações ideológicas no funcionamento da

linguagem na história. Por isso, a linguagem não é neutra e nem transparente para Análise de

Discurso, já que ela faz parte de um processo histórico, que é ao mesmo tempo político e

cultural e se manifesta ideologicamente por meio de formações discursivas em que os sujeitos

estão inscritos. Daí, podemos concluir dizendo que “nossa concepção de linguagem indica que

os fatores contextuais (de natureza sócio-histórica) estão inscritos na própria linguagem, e que a

historicidade é a própria matéria da linguagem e não algo exterior a ela, a que ela se ligaria de

maneira ocasional” afirma Orlandi (1989, p. 18).

Na perspectiva da Linguística de Saussure, o que interessa para Análise de Discurso não

é o Estruturalismo, corrente teórica da Linguística Moderna em si, mas a língua como base para

realização dos processos discursivos e sua relação com a história. Pois segundo Orlandi, (2008,

p.35) “se a linguagem aparece nesse quadro teórico como a materialidade específica do

discurso, este por sua vez, se define como materialidade especifica da ideologia”. Orlandi em

outro texto afirma que “a língua é assim, condição de possibilidade do discurso. No entanto, a

28

fronteira entre língua e discurso é posta em causa sistematicamente em cada prática

discursiva...” (2015, p. 20).

A linguagem é palco para os acontecimentos, e é no funcionamento da linguagem, seja

ela qual for imagética, palavra, som, cor e etc. pois nela que se estabelece o sentido. Ela, a

linguagem é a materialidade do discurso. Para a Análise de Discurso, não nos interessa a

Linguística do Estruturalismo, o que nos interessa é saber a constituição dos sentidos, pois “...

dos estudos estruturalistas, vem a ideia de que o sentido não é conteúdo” (ORLANDI, 2012,

p.22). Isso que nos ajuda a compreender que analisar um discurso não é fazer uma análise de

conteúdo, mas compreender os sentidos entre os discursos e os interlocutores.

3.4. SOBRE A REGULARIDADE NA ANÁLISE DE DISCURSO

A noção de regularidades conforme está em Arqueologia do Saber, trata-se das regras

para formação discursiva, ou seja, é o olhar sobre os fenômenos dispersos que dão estrutura,

aquilo que ele chama de formação discursiva, ou seja, você observa os fenômenos no espaço e

no tempo o e que pressupõem trações coesivos que dão sentido ao processo histórico, assim

diz Foucault (2008, p.43)

[...] se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema d

dispersão e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as

escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações,

posições e funcionamento, transformações) diremos por conversão que se trata de uma

formação discursiva. As regularidades discursivas não acontecem de maneira

categóricas, cronológicas nos recortes da Análise de Discurso, elas dependem do

modo como o analista traz para os seus textos as suas análises e as teorias.

Partindo desses pressupostos, a regularidade diz respeito a uma ordem, posições,

funcionamentos e correlações entre os objetos ou temática e, isso se pode observar nos

discursos históricos dos documentos e leis brasileiras sobre a constituição da identidade

indígena, eles apresentam essa regularidade nos processos discursivos. Sobre as regularidades,

Eni Orlandi (1994, p. 122) diz que:

...as regularidades (ou regras), nesse quadro teórico, não são formuláveis nem

quantitativamente (como resultado de uma certa frequência), nem sob o modo de

notação formal. Além disso, não são detectáveis por uma metodologia tradicional da

linguística descritiva já que implicam na consideração de aspectos sociais e históricos.

29

A partir dessas perspectivas, compreende-se que as regularidades estão presentes na

história sem depender de uma cronologia e nem uma quantidade, mas se materializam nos

aspectos sociais e históricos. Logo, a regularidade nos discursos analisados nesse trabalho se

constitui nos dizeres dos colonizadores e do Estado no processo histórico e social da

constituição da identidade indígena. Para Orlandi (2015, p.20) “o discurso tem sua

regularidade, tem seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o

histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao produto”.

3.5. SUJEITO, IDEOLOGIA E FORMA-SUJEITO

SUJEITO

O sujeito assume a posição de sujeito porque o indivíduo ao nascer é inscrito em

determinadas formações políticas e ideológicas, isto é, o “batizam” como sujeito e ao ser

inserido na sociedade, esse sujeito vai ser banhado pela linguagem, por sentidos ou seja,

interpelado por novas formações discursivas e ideológicas. Portanto, nenhum sujeito tem

apenas uma formação discursiva ou ideológica, mas no próprio convívio social, o sujeito vai

sendo levado por injunção, obrigado a se posicionar, a fazer escolhas sociais e tudo vai

depender de suas inscrições. Sobre inscrições, Orlandi (2012, p. 230) escreve:

Pensando a inscrição do sujeito, na formação discursiva para que se identifique, assim

como a produção de sentido, e o reflexo das formações ideológicas nas formações

discursivas, podemos ver como é nesse passo, em que o sujeito individu(aliz)ado se

identifica que pode haver ruptura.

Partindo desses pressupostos, o sujeito se identifica com a formação discursiva para que

ele produza sentidos. A formação discursiva é o reflexo da formação ideológica que ele está

inscrito ou foi interpelado, e ao se individualizar, o sujeito encontra falhas para se inscrever

também em outras formações discursivas e ideológicas.

O conceito de sujeito que Pêcheux traz para a Análise de Discurso foi discutido com

Magalhães e Mariani (2010, p. 402) “esse sujeito determinado pelas relações de classe de seu

tempo, interpelado pela ideologia e atravessado pelo inconsciente”. Esse sujeito que é

interpelado pela ideologia, ou seja, ele tem sua identificação nas discursividades do Outro, nas

30

relações que se estabelecem. Pêcheux apud Magalhães e Mariani (2014, p. 405) “a

identificação discursiva se dá pelas filiações sócio-históricas (formações discursivas e

formações ideológicas), admitindo uma agitação no interior destas”. Assim, o sujeito é

interpelado através das formações discursivas e ideológicas que revela sua ideologia.

IDEOLOGIA

Pensar em um conceito para ideologia, não se pode deixar de abordar Althusser.

Portanto, segundo Althusser apud Orlandi (2012, p. 75) “ideologia é o modo através do qual os

homens vivem suas relações em relação às suas condições de existência”. Nessa perspectiva

pode-se concluir que o sujeito no uso da linguagem atribui sentido na relação da língua com sua

exterioridade a partir da sua posição ideológica. Assim, ele produz seu dizer e na teoria

materialista da Análise de Discurso, a “ideologia não é ocultação, mas função da relação

necessária entre linguagem e mundo, linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, do

efeito imaginário de um sobre o outro”. (ORLANDI, 2015, p.45)

Contudo, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. Pois o sujeito é

por natureza um ser social e ideológico. Não há dúvida de que todo homem é um ser sócio-

histórico, cultural e ideológico, pois ninguém é destituído de cultura, de história, de política e

de ideologia. Esse sujeito fala de um determinado lugar na sociedade, de uma determinada

posição. Isso significa que o sujeito é permeado de ideologia que se constituem em suas

formações discursivas, constituindo os discursos que o circulam. E, a linguagem é o lugar de

materialização do discurso. Logo, o alicerce, da ideologia são suas formações discursivas e

formações ideológicas, as quais passam a identificar o sujeito que não é uno, e que seu discurso

passou ter formações discursivas e ideológicas distintas.

Sendo assim, para Orlandi (2008, p. 35): “a linguagem é a materialidade do discurso, e

o discurso se define como materialidade específica da ideologia”. Como vimos no segundo

capitulo desse trabalho, que aborda a importância da linguagem para a Análise de Discurso é o

palco de acontecimentos e lugar de discussão sobre o processo de identidade. Mas, retomando

aos pressupostos de que a linguagem também é a materialidade do discurso é, a ideologia é que

sustenta o discurso, e essa ideologia é constituída das formações discursivas e formações

31

ideologias de cada sujeito e de cada grupo social. Veremos então, como essas ideologias são

manifestadas em discursos documentais selecionados para análise no próximo capítulo.

FORMA-SUJEITO

Como já vimos, o sujeito é interpelado pelas formações discursivas e formações

ideológicas, portanto são essas formações que constituem o sujeito, logo, ser interpelado é ser

atravessado por um dizer, é ser constituído por esse dizer, mas um sujeito, ele é interpelado ou

escrito em formações diferentes, por isso ele não é uno, mas disperso. Todo sujeito é

determinado pelas inscrições ideológicas das quais faz parte. As inscrições fazem parte das

instituições ou Aparelhos Ideológicos do Estado. Sobre os Aparelhos Ideológicos Pêcheux

(2014, p. 131) “[...] é pela instalação dos aparelhos ideológicos do Estado, nos quais essa

ideologia [a ideologia de classe dominante] é realizada e se realiza, que ela se torna

dominante...”

Segundo Gallo (1995, p.24) “o sujeito do discurso é, então, uma Forma-Sujeito”. Sobre

forma-sujeito, Althusser apud Gallo (idem) diz que “todo indivíduo humano, isto é, social, só

pode ser agente de uma pátria se se revertir da forma de sujeito. A “forma-sujeito”, de fato, é

a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente de práticas sociais”. Sobre a

questão de que todo indivíduo humano é social, não resta dúvida de que o índio vivia em

sociedade, pois ele tinha sua forma social própria de viver naquele contexto histórico do

contato com o europeu, mas para os colonizadores, na forma-sujeito do colonizador para se

representar uma pátria, na forma europeia, de um capitalismo, ele, o índio precisava se

revertir de uma forma de sujeito capitalista, religioso, sujeito de direito, sujeito ideológico foi

representado nos dizeres de Caminha e no texto de Gândavo.

Conforme Althusser apud Gallo (1989, p. 18) “todo indivíduo humano, isto é, social, só

pode ser agente de uma prática se se revestir de uma forma de sujeito. A “forma-sujeito”, de

fato, é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente de práticas sociais”. Nos

documentos veremos que o índio já tinha sua forma sujeito. O que justifica compreender esse

conceito antes de se adentrar à análise.

32

3.6. FORMAÇÕES DISCURSIVAS X FORMAÇÕES IDEOLÓGICAS

FORMAÇÃO DISCURSIVA

Retornemos à problematização da noção de formação discursiva. Como explicar o que é

uma formação discursiva na Análise de Discurso, já que ela é tão citada em uma análise

discursiva. Para Orlandi (2007, p. 2):

A formação discursiva – aquilo que se pode dizer numa situação dada, numa

conjuntura dada, lugar provisório da metáfora – entendido esta como transferência –

representação, lugar da constituição do sentido e de identificação do sujeito. Nela o

sujeito adquire identidade e o sentido adquire unidade, especificidade, limites que

configuram e o distinguem de outros, para fora, relacionando-o a outro, para dentro.

Essa articulação entre um fora e um dentro são efeitos do próprio processo de

interpelação.

Partindo desses pressupostos, nem tudo pode ser dito em qualquer lugar porque os

sentidos são efeitos entre locutores de maneiras diferentes dependendo de suas formações

discursivas. Por isso as pessoas muitas vezes não se entendem porque podem estar inscritas em

formações discursivas diferentes.

Os textos são atravessados por formações discursivas, como as mesmas podem ser

definidas? Podemos partir do princípio de que um indivíduo só se torna sujeito à medida em

que é inserido na sociedade, logo é interpelado pela ideologia e passa a ser sujeito. Esse sujeito

mas ao passo que se filia às formações ideológicas e ao entrar no jogo das relações entre

sujeitos, aquilo que é mostrado na perspectiva do discurso, o dizível, aquilo que ele acredita e

diz e está na exterioridade da linguagem, é o que se pode se chamar de formação discursiva. Ou

seja, uma formação discursiva é “determinada pelas posições ideológicas colocadas em jogo no

processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas” (ORLANDI, 2015, p.40).

Ao longo desse trabalho já fizemos algumas abordagens sobre a constituição da

ideologia que depende das formações discursivas dos sujeitos. Também falamos que as

formações ideológicas materializam a ideologia. Mas como isso funciona? As formações

discursivas podem ter várias ideologias, o que significa dizer que não existe um sujeito uno.

Mais uma vez citamos Orlandi, (2008, p.46) nos ajuda a esclarecer isso, ela diz que o que

acontece é que o indivíduo ao nascer, ele é biopsíquico, ao passo que se insere na sociedade é

interpelado por formações discursivas e formações ideológicas e passa a ser sujeito, ou seja, o

33

sujeito é individualizado, mas ao passo que se filia às formações discursivas e ideológicas ele

se constitui sujeito. No jogo das relações que se estabelece entre os sujeitos, o dizível – aquele

que é mostrado na perspectiva do discurso (psicológicas) na relação com a exterioridade da

linguagem, aquilo que o sujeito diz e acredita, isso é o que se pode chamar de formação

discursiva.

O sujeito que foi interpelado pela ideologia, mas que essa interpelação nunca é fechada,

deixando assim falhas na constituição, permite que o sujeito seja atravessado por novas

formações ideológicas. Assim, o sujeito está sempre sendo interpelado por novas formações

discursivas em cada contexto cultural, mas ele ali, também deve manifestar suas ideologias

seja por meio da linguagem. Trocando em miúdos, uma criança ao nascer em uma família

cristã, a família batiza o filho na sua crença e, a partir daí a criança crescerá segundo os

princípios que essa religião apresenta como verdade. Só que o sujeito numa sociedade, ele

vive em meios a muitas ideologias, apesar de ele já está inscrito nas formações discursivas e

formações ideológicas da família, com a convivência social ele também será atravessado por

tantas outras formações ideológicas, o que faz com que esse indivíduo seja um sujeito e essa

inscrição faz com que esse sujeito não seja uno e nem transparente.

Orlandi (2015, p. 41) diz que “a formação discursiva se define como aquilo que numa

formação ideológica dada, ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-

histórica dada determina o que pode e deve ser dito”. Por isso, nem tudo que pensamos

podemos dizer, ou até podemos dizer, porque somos “livres”, mas isso não significa que

nosso interlocutor irá produzir sentido que dá forma como sujeito que disse deseja, porque o

sentido será dado conforme a formação ideológica em que o locutor está inscrito. Daí a

conclusão de que “as formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as

formações ideológicas. Desse modo os sentidos serão sempre determinados ideologicamente”.

(idem). Dessa forma, para compreender melhor, uma formação discursiva permite

compreender a produção de sentidos, pois o sentido é produzido pelas posições ideológicas

que os sujeitos ocupam, ou as posições nas quais os sujeitos estão inscritos. Como essas

formações discursivas dos europeus se manifestaram ou funcionaram no processo de

identidade indígena? Isso, veremos no terceiro capítulo.

FORMAÇÕES IDEOLÓGICAS

34

As formações ideológicas são responsáveis pela construção do sentido, pois os sentidos

se constroem a partir da posição em que ocupam os sujeitos, ou seja, a partir das posições em

que os sujeitos estão inscritos. Elas se definem nas formações discursivas que partem das

formações ideológicas do sujeito. Para Orlandi (1988, p. 58) “de acordo com a Análise de

Discurso, o sentido não existe em si mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas

em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas”.

Uma formação ideológica é um posicionamento do sujeito numa dada conjuntura social

e histórica, que remete a valores, ideias, condição política, cultural e ideológico. Partindo de

suas convicções o sujeito se posiciona na perspectiva da formação discursiva que foi

constituída de ideologias. Portanto, na conjuntura histórica do processo de colonização,

apenas os portugueses determinavam o que devia ser dito, pois não compreendia à língua dos

índios conforme a Carta de Caminha e assim ecoou o discurso do europeu.

Logo, o sentido das palavras, das coisas dependem das posições em que ocupam os

sujeitos. Já, as formações ideológicas são elas que dão sentido às coisas como são ditas pelos

sujeitos em que nelas estão escritos. Conforme Orlandi (2015, p.40) “elas ‘tiram’ seu sentido

dessas posições, isto é, em relação às posições ideológicas nas quais essas posições se

inscrevem” (idem). Portanto, a formação discursiva se define como aquilo que numa formação

ideológica dada, a partir de uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve

ser dito. Assim, as formações discursivas representam no discurso as formações ideológicas e

os sentidos sempre são determinados ideologicamente. O que significa dizer que a análise do

discurso “explicita a maneira como a linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua

relação recíproca”. (2015, p.41).

3.7. DISCURSO X TEXTO

DISCURSO

Em se tratando da questão do discurso numa abordagem da Análise de Discurso de linha

francesa, ele, o discurso está materializado no texto. E, o texto é o lugar em que se estabelece

o discurso. O texto é escrito a partir de formações discursivas e formações ideológicas do

35

autor2. Nessa perspectiva, o discurso é ideológico, não é neutro. Assim, nenhum discurso é

neutro, pois o homem é um ser ideológico e por meio de seus discursos ele revela suas

formações ideológicas.

Para Maingueneau apud Orlandi (1986, p. 115) “o conceito de discurso, ao ocupar o

espaço particular entre língua e fala, despossui o sujeito falante de sua centralidade, para

integrá-lo no funcionamento dos enunciados, dos textos, cujas condições de possibilidade

estão articuladas sobre formações ideológicas”. E para Orlandi (2015, p.20) “o discurso é

efeito de sentido entre os locutores”. Essa interação se estabelece na formação discursiva e

formação ideológica entre os sujeitos para construir a noção de enunciação. Para Análise de

Discurso os mecanismos enunciativos não são unívocos nem auto-evidentes. São construções

discursivas com seus efeitos de caráter ideológico. (ORLANDI, 1988, p. 54). Ao pensar no

processo enunciativo Orlandi diz que:

... pensando o processo de enunciação como atualização temporal e espacial do

sujeito no seu discurso, a AD vincula a linguagem ao seu contexto. Para ela, se a

língua não é um sistema abstrato, também não é um produto da individualidade. A

realidade da enunciação, segundo a perspectiva discursiva (é a de Voloshinov (1976)),

é dialógica. Sendo assim, o centro organizador da expressão deve ser buscado no

exterior, no bojo da ideologia. (ORLANDI,1986, p.115)

Sobre o processo de enunciação que Orlandi aborda na citação acima, Ducrot apud

Honório (2000, p. 86) ressalta que “a enunciação é considerada como realização de um

acontecimento histórico, irrepetível: aparição momentânea. Para Foucault apud Honório

(idem), “enunciação também é vista como um acontecimento que não se repete, formula ainda

que, pelo irrepetível, manifesta-se o repetível”. Portanto, pode-se concluir com as palavras de

Orlandi (1994, p. 115) que “discurso é enunciado, formulado em certas condições de

produção determinando um certo processo de significação”. E Pêcheux apud Orlandi (idem)

“o discurso não é apenas transmissão de informação, mas efeito de sentidos entre os

locutores” (grifo da autora). E, segundo Orlandi, a Análise de Discurso é a análise desses

efeitos de sentido.

Ao dizer que o discurso é a realização das construções de sentido entre os sujeitos, é

porque ali, se estabelecem sentidos a partir das suas formações ideológicas. Por isso pode-se

dizer que o discurso é de um certo modo um “campo minado” porque os sujeitos ao

2 O autor é o lugar onde se constrói a unidade do sujeito. É onde se realiza o seu projeto totalizante.

(ORLANDI,1988, p.56).

36

proferirem seus discursos interpelam o outro com suas formações discursivas e formações

ideológicas, assim, os discursos não são neutros, mas carregados de sentidos. Ou seja, o

discurso produz a significação que é dada ao enunciado, na materialidade do uso da

linguagem, nela o sentido é constituído. E os tipos de discursos estabelecem as diferenças e a

desigualdade entre os sujeitos.

Dessa forma, os tipos de discursos determinam a caracterização da linguagem, vejamos

o que diz Orlandi (1989, p. 26):

Relativamente à elaboração da tipologia que, segundo o que pensamos, é condição

fundamental para a caracterização da linguagem em uso, gostaríamos de explicar que

nos ocupamos das seguintes espécies de tipos e cruzamentos: discurso

cotidianos/discurso científico; discurso cotidiano/zona rural, zona urbana e periferia;

discurso autoritário/discurso polêmico/discurso lúdico. Dentro dessa esfera de

tipologia de discurso há o discurso religioso, o discurso jurídico.

Sobre os tipos de discurso, Foucault (1970, p.21-22) diz: “suponho, mas sem ter muita

certeza, que não há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam, se repetem

e se fazem variar; fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de discursos que se narram,

conforme circunstâncias bem determinadas;” e ainda comenta Foucault (idem):

Em suma, pode-se supor que há, muito regularmente nas sociedades, uma espécie de

desnivelamento entre os discursos: os discursos que “se dizem” no correr dos dias e

das trocas, e que passam com o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos que

estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os

transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que indefinidamente, para além de

sua formulação, são ditos, permanecem ditos. Nós os reconhecemos em nosso sistema

de cultura: são os textos religiosos ou jurídicos, são também esses curiosos, quando se

considera o seu estatuto, e que chamamos de “literários”; em certa medida textos

científicos. (p. 22).

O que se discute sobre os tipos de discurso é que na sociedade há formas de discurso

que atendem as necessidades discursivas dos sujeitos, ele se repete e também se faz variar,

não há um nivelamento entre os discursos. Conforme Pêcheux pode-se haver desestruturação

e reestruturação dessas redes sociais. Pêcheux apud Orlandi (2012, p.57):

O discurso não é independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais

ele irrompe, mas, só por sua existência, ele marca a possibilidade de uma

desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos. É um efeito das filiações sócio-

históricas de identificação e, ao mesmo tempo, um trabalho de deslocamento no seu

espaço.

Partindo da perspectiva de redes de memória do já-dito sobre os índios nos textos

literários e nos trajetos sociais dos índios ao longo do processo histórico desde a colonização

37

pelo europeu, desde os séculos XV e XVI, numa tentativa de desestruturar e reestruturar os

povos indígenas, a partir dos efeitos das filiações ideológicas dos colonizadores que ao

colonizar, os portugueses interpelavam os colonizados com suas formações discursivas e

ideológicas. Esses discursos eram uma forma de tentar silenciar o índio, de censurá-lo e

deslocar esse sujeito para as filiações ideológicas do europeu. E, isso fica mais evidente no

processo de aldeamentos e no Decreto 426 de 1845, conforme veremos no terceiro capítulo

desse trabalho.

Ainda sobre a concepção de discurso e texto a autora, Gallo (1995, p. 27) diz que:

Discurso, então, se define como prática linguística de um sujeito em determinadas

condições de produção (sociais, políticas, históricas etc). O texto é, então,

considerado como o produto de um discurso, é material ahistórico, mas que, no

entanto, conserva em si as pistas que remontam à materialidade histórica que está na

origem de sua produção, e que são atualizadas pelo sujeito em um movimento de

reprodução/transformação. (Grifo nosso).

No entanto, para Foulcault (1970, p.10) “o discurso não é simplesmente aquilo que

traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do

qual nós queremos apoderar”. Pensar o discurso nessa perspectiva é buscar uma compreensão

para as relações de poder dos colonizadores sobre os índios, é entender a dominação do

colonizador sobre os índios, isso nada se configura uma luta de forças ou luta de classes, em

defesas das terras, das riquezas dos índios. Os textos literários de Caminha e Gândavo

enunciam essas relações de poder dos portugueses sobre os índios como veremos no próximo

capítulo.

Também, sobre o conceito de discurso, Foucault (1996) diz que o discurso é perigoso e

por isso cria-se mecanismo de controle. O perigo está nas relações de poder. Vamos conferir

nas palavras de Foucault (1996, p.7)

Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso; não queria ter de me

haver com que tem de categórico e decisivo; gostaria que fosse ao meu redor como

uma transparência calma, profunda, indefinidamente aberta; em que outros

respondessem à minha expectativa, e de onde as verdades se elevassem, uma a uma;

eu não teria senão de me deixar levar, nela e por ela, como um destroço feliz. (Grifo

nosso).

Partindo dessa perspectiva de o discurso ser uma coisa arriscada, isso por não ser

transparente, é também um lugar aberto e que se pode não ser o que parece é que pode se

observar na ordem da lei, porque esta também lhe dá o poder, mas sob um certo controle, aí

reside, no discurso uma relação de poder que é controlado pelo Estado, pela Instituição e isso

38

é materializado nos discursos sobre o índio. Portanto, podemos dizer que “o discurso é o

linguístico, mais o histórico e o ideológico. E o discurso não é um conjunto de textos é uma

prática. Para encontrar sua regularidade não se analisa seus produtos, mas os processos de sua

produção” (ORLANDI 1988.p. 55).

TEXTO

Sobre textos e discursos, vamos fazer um contra ponto entre discurso e texto. Entende-se que o

discurso que é o objeto da Análise do Discurso, e é também o espaço de relações entre os

sujeitos, situado no tempo e no espaço com todo seu caráter histórico-sócio-ideológico, ou seja,

o discurso é o funcionamento da linguagem entre os sujeitos afetados pela ideologia, nessa

relação entre sujeitos ideológicos se constituem a produção de sentidos – assim podemos dizer

que “o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,

compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos” (ORLANDI, 2015, p.

15).

Partindo desses pressupostos chegamos à conclusão de que não devemos ignorar que a

Análise de Discurso é um método voltado para interpretação, para análise de um corpus

revestido de linguagem, e constitui o texto. Isso porque “sai-se do positivismo da estrutura e

instala-se em uma posição materialista, a que privilegia a ideia de processo de articulação entre

estrutura e acontecimento, ganhando corpo a noção de funcionamento” (ORLANDI, 2012,

p.22). O que precisa ficar claro é que o discurso não é o texto, pois “o texto é a unidade que o

analista tem diante de si e da qual ele parte” (ORLANDI 2015, p.61).

Dessa forma, o texto é o material simbólico, material linguístico que servirá de

interpretação para a Análise do Discurso, visto que partindo desse corpus – texto - o analista,

na sua função o remete a um discurso. Como isso acontece? O texto revela sua face do discurso

quando passa pelo processo da discursividade, ou seja, “quando se explicita em suas

regularidades, pelas suas referências de formas discursivas que vai ganhando sentido pela sua

formação ideológica” (ORLANDI, idem). É importante abordar também que um texto por ser

uma unidade que serve para análise, não se pode perder de vista que o mesmo é “afetado pelas

condições de produção e é também o lugar da relação com a representação da linguagem: som,

letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Mas é também espaço significante: lugar de jogo

39

de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade” ORLANDI (2015,

p.70).

Portanto, discurso não é texto ou vice versa, mas um revela a face do outro – o texto – é

a porta de acesso para o discurso, pois quando o texto passa pelo processo discursivo, modo

como o texto significa, partindo das suas referências, suas formações discursivas e formações

ideológicas dá-se o discurso, o que significa dizer que todo processo discursivo se inscreve

numa relação ideológica de classes (PÊCHEUX, 2014, p.82). Dessa forma – o discurso – não é

uno, fechado em si, mas ele depende das formações discursivas e ideológicas do sujeito da

linguagem. Isso demonstra que o discurso depende das formações ideológicas e discursivas do

sujeito.

Para Orlandi (2015, p. 68) “o discurso é uma dispersão de textos e o texto uma

dispersão do sujeito. O sujeito se subjetiva de maneira diferente ao longo de um texto”. Logo,

um texto é imbricado de formações discursivas, estas por sua vez, dependem das ideologias do

sujeito que nelas se inscrevem. Assim, pode-se dizer que nenhum discurso é neutro e nem

fechado, já que os sujeitos que se manifestam por meio da linguagem, produzem textos

atravessados por formações discursivas diferentes que constituem as diferentes ideologias desse

sujeito. E cabe ao analista de discurso identificar a relação com as formações discursivas,

procurando remeter os textos ao discurso e esclarecer as relações deste com a ideologia, assim

o analista deixa a superfície linguística passando ao processo discursivo (ORLANDI, 2015).

3.8. SILÊNCIO X SILENCIAMENTO

O silêncio é um processo de não comunicar ou de comunicar sem falar. Em se tratando

do silêncio, há no jogo da linguagem silêncio e silencio que resulta em um silenciamento. Em

um dito sem dizer.

Na Análise de Discurso, pensar o silêncio, segundo Orlandi ( 2007, p.13) é pensar que

“o silêncio é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da significação: um lugar de recuo para que se

possa significar, para que o sentido faça sentido” e ainda “ silêncio que atravessa as palavras,

que existe entre elas, ou que indica que o sentido pode ser sempre outro, ou ainda que aquilo

que é mais importante nunca se diz, todos esses modos de existir dos sentido e do silêncio nos

leva a colocar que o silêncio é ‘fundante’ ”. (idem, p. 14). Foi isso que no momento da

40

colonização aconteceu com os índios, eles, os portugueses silenciaram a língua, as palavras dos

índios, mas os gestos e atitudes dos índios revelavam os sentidos de seu silêncio, mesmo

porque não tinham a lei de seu lado, já que a lei era do lado do Estado. Portanto o silêncio

significa um posicionamento, o silêncio também é atitude.

Portanto, diz Orlandi (idem, p. 42) que “o silêncio significa de múltiplas maneiras e é o

objeto de reflexão de teorias distintas: de filósofos, de psicanalistas, de semiólogos, de

etnólogos e até mesmo os linguistas se interessam pelo silêncio, sob a etiqueta da elipse e do

implícito. Sendo assim, o silêncio como fonte de sentido, de significação, ele representa uma

forma de manifestação, assim como a greve de fome, que tem uma significação de repudio a

algo. E ainda a autora conclui dizendo que: “além disso, há silêncios múltiplos: o silêncio das

emoções, o místico, o da contemplação, o da introspecção, o da revolta, o da resistência, o da

disciplina, o do exercício de poder, o da derrota da vontade etc.” O que veremos nas análises do

corpus, são as formas de silencio indígena ou o que provocou o silêncio que tem como fundo

uma certa resistência às ideologias dos colonizadores.

3.9. SOBRE O POLÍTICO NA ANÁLISE DE DISCURSO

Na Análise de Discurso, à questão do político é constituinte da linguagem, assim como o

histórico, o político e o ideológico. E a vida social também depende do político nas condições

de produção. Portanto, saber como esse político se manifesta nos discursos em estudo é

fundamental para a compreensão dos objetos em análise.

O Político, para a Análise de Discurso conforme Michel Pêcheux apud Orlandi (2012, p. 55)

“não está presente só no discurso político. O político, tal como pensamos discursivamente está presente

em todo discurso”. Portanto, os corpus selecionados para análise desse estudo, sejam eles relatos de

viajantes, lei e documentos, todos estão construídos a partir do histórico e do político.

E assim, o político para Análise de Discurso que parte do materialismo histórico,

“corresponde às relações de poder são simbolizadas”. Segundo Orlandi (2012, p. 72):

Nesse percurso redefino o político como divisão – divisão entre os sujeitos e divisão

do sujeito – já que nossa formação social é dividida e a interpelação do indivíduo em

sujeito produz uma forma histórica que é a capitalista de que resulta um sujeito

dividido, ao mesmo tempo determinado e determinador.

41

E, segundo Pêcheux apud Orlandi (2012, p. 55):

O político não está presente só no discurso político. O político, tal como pensamos

discursivamente está presente em todo discurso. Não há sujeito nem sentido, que não

seja dividido, não há forma de está no discurso sem constituir-se em uma posição-

sujeito e, portanto, inscrever-se em uma ou outra formação discursiva que, por sua

vez, é a projeção da ideologia no dizer. As relações de poder são simbolizadas e isso é

o político. A Análise de Discurso trabalha sobre relações de poder simbolizadas em

uma sociedade.

Nessa perspectiva o político é simbolizado nas relações sociais, nas relações de poder

entre os sujeitos inscritos em uma posição sujeito, para Pêcheux “o simbólico entra em uma

forma de relação específica com o real e o imaginário, determinado a subjetividade como efeito

de interpelação de que o sujeito é o lugar, pelo viés da identificação” (PÊCHEUX apud

ORLANDI, 2012, p.48). Logo, o político está simbolizado nas formações discursivas e nas

relações de poder que interpelam o sujeito refletindo a ideologia dos sujeitos sociais e sua

identificação.

2.10. IDENTIDADE NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE DISCURSO

A identidade é construída a partir de um processo de identificação ideológica, cultural,

história, é o que caracteriza um povo, uma nação, é o que o difere de outros. A identidade é o

reflexo da identificação de um povo, é o que faz significar. Por isso, as diferenças culturais

revelam as diferenças identitárias. Conforme Honório (2000, p. 302), “a identidade se constitui

historicamente na relação com a alteridade. Deste ponto de vista, o processo de identificação é

dinâmico, construído na relação com outras posições de sujeitos, nos acontecimentos sócio-

históricos”. Então, se a identidade se constitui na relação com a alteridade, a identidade

indígena foi tecida a partir do dizer do europeu, na forma de identificar do colonizador, aquilo

que o colonizador diz conhecer da cultura indígena. Ou seja, o que faltava aos indígenas da

cultura europeia, da ideologia europeia, ele, o colonizador relatou em documento o que seria a

identidade indígena. Sobre a questão da “falta”, Maingueneau apud Orlandi (2008, p. 137):

No espaço discursivo, o Outro não é nem um fragmento localizável, uma citação, nem

uma entidade exterior [...]. Ele é o que faz sistematicamente falta a um discurso e lhe

permite se fechar em um todo. Ele é essa parte de sentido que foi preciso sacrificar

para construir sua identidade. [...] esse intricamento do mesmo e do outro tira à

42

coerência semântica das formações discursivas todo caráter de essência cuja inscrição

na história seria acessória; não é dela mesma que a formação discursiva tira o

princípio de sua unidade, mas de um conflito regrado.

Para entendermos o processo de identidade indígena será necessário também

retornarmos a forma-sujeito e a concepção de ideologia, já que o sujeito possui uma identidade

e estas são os reflexos dos discursos ideológicos da sociedade e do meio em que se vive. Para

compreendermos a constituição do da identidade indígena precisamos entender quais as

ideologias do Estado que interpelaram o índio a partir da colonização portuguesa no século XV

e, que ao longo da história se constitui como Estado no século XIX. Portanto, quais os poderes

que eles, os portugueses tinham naquele momento para produzirem aqueles discursos sobre os

índios, constituírem aquela identidade de um sujeito sem fé, sem lei e sem rei, ou seja, a

identidade de uma nação “selvagem”?

Antes de tratarmos da questão da constituição da identidade, é importante discutirmos

sobre o que é ideologia, pois ela é que vai nortear os discursos do Estado, assim como os

discursos dos portugueses, os outros discursos.

43

CAPÍTULO III

4.QUADRO DA ANÁLISE DE DOCUMENTOS OFICIAIS E DE POLÍTICAS

PÚBLICAS INDÍGENAS

Esse é o espaço das análises discursivas do corpus estudado a partir da teoria da Análise

de Discurso. Cabe aqui desenvolver os aspectos teóricos-metodológicos da teoria nos

documentos oficiais e nos textos escritos no período colonial, tendo em vista a constituição da

identidade indígena nos processos histórico, político e ideológico dos colonizadores e do

Estado na contemporaneidade. Ou seja, com as análises visa a compreensão da constituição da

identidade indígena, o processo de apagamento, silenciamento e resistência da identidade

linguística e cultural do índio em cinco séculos de história.

Nas regularidades do discurso e do interdiscurso, não se pretende fazer uma análise

exaustiva dos documentos, mas compreender o funcionamento das regularidades discursivas no

corpus.

4.1. O APAGAMENTO E/O SILENCIAMENTO DO INDÍGENA NA CARTA DE

CAMINHA E NAS LEIS BRASILEIRAS: UM PROCESSO HISTÓRICO E

DISCURSIVO

Neste espaço, será retomada a concepção de sujeito, de silenciamento e será também

discutida a constituição da forma-sujeito para a Análise de Discurso, pois esses conceitos

teóricos são de grande importância para a compreensão desse capítulo. Em seguida,

trataremos desse silenciamento em recortes da Carta de Pero Vaz de Caminha, no Código

Civil de 1916, na Lei 6.001 de 1973, no Decreto 426 de 1845 e na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, com o objetivo de mostrar que o silenciamento ao longo do

processo histórico tem como consequência a tutela do índio. Isso demonstra a condição desse

sujeito perante a sociedade e o Estado e a constituição de sua identidade como o reflexo de

um processo histórico desde a colonização pelos europeus.

Logo, pensar esse sujeito índio a partir do processo de colonização e como esse índio se

foi significado para os colonizadores, basta pensar a maneira como foi relatado o momento do

beijo da Cruz, símbolo ideológico cristão católico. Ali, naquele momento, os índios estavam

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sendo interpelados pelos cristãos católicos, os quais com suas formações discursivas e

ideológicas, os quais, ideologicamente estavam assujeitando aquela nação. Eram realmente

uma conquista? Era a constituição em uma nova forma de sujeito, naquele momento que,

simbolicamente beijam a Cruz para que os índios repetissem aquele gesto? Há uma

constituição de uma identidade de um povo sem crença e que precisava ser imposta a dos

colonizadores? Essas questões nortearão esse capítulo.

Primeiramente, é importante destacar que o sujeito é por natureza um ser social, vive

em grupos, tem ideologias, valores, conhecimentos e costumes, os quais constituem o homem

em um ser sócio-histórico, cultural e ideológico, logo nenhum ser humano é destituído de

cultura, de história, de valores e, principalmente de ideologias. Por isso, não podemos

esquecer que os índios sempre viveram em grupos, expressaram seus costumes e valores pré-

determinados, viviam em aldeias e sua forma-sujeito, não era de sujeitos capitalistas. E nessa

forma de viver, existiam ideologias que pertenciam aquelas etnias. Eles tinham uma

organização social, tinham moradia e os costumes que eram diferentes das dos europeus. Mas,

eles, os indígenas, viviam em grupos, repartiam o que tinham, se protegiam, respeitavam-se

seus valores, dividiam a educação das crianças e jovens. Nos recortes da Carta de Pero Vaz

Caminha em 1500, é feita uma declaração que contradiz o discurso do próprio Caminha e de

Gândavo:

Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma

légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou doze casas, as quais eram tão

compridas, cada uma, como esta nau capitania. Eram de madeira, e das ilhargas de

tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura: todas duma só peça, sem nenhum

repartimento, tinha dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos

cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha

cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.

Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os

achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito

inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. (Grifo nosso).

Com esse recorte percebemos como era o modo de vida e a organização social dessa

nação. Eles eram organizados e conforme mostra o discurso acima, a sua forma de

organização, moradia e vivência, eram socializáveis entre eles, ali existiam regras do bem

viver, não estavam escritas em regulamentos, mas os regulamentos eram passados de geração

em geração e faziam parte de seu modo de viver. Isso contra diz o discurso dos relatos de

Gândavo quando dizem que essa gente precisa de um Rei. Na fala de Gândavo (1575) “esta

gente nam tem entre si Rei, nem outro tipo de justiça, se nam um principal e cada aldêa”.

Assim também discorre Caminha dando a impressão que os índios eram selvagens “ali por

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então não havia mais fala ou entendimento com eles, por barbaria deles ser tamanha que não

se entendia e nem se ouvia ninguém”.

Conforme Orlandi (2007, 1-2) no artigo A questão do assujeitamento: um caso de

determinação histórica, “o sujeito para se constituir, deve submeter-se à língua, ao simbólico,

não estamos dizendo que somos pegos pela língua enquanto sistema formal, mas sim pelo

jogo da língua na história, na produção de sentidos. E o acontecimento do objeto simbólico

que nos afeta como sujeitos”. E foi justamente pela língua que o índio foi interpelado,

obrigado a aprender uma outra língua que foi ensinada pelos Jesuítas e também interpelados

pela religião, pela fé. Sobre a criação da língua Jesuítica, Borges (2004, p. 189) diz que:

Esta nova língua tupinambá, como língua geral, produzirá no imaginário brasileiro

dois fantasmas até hoje difíceis de exorcizar, porque, sendo lugares fundadores de

significância, instituem redes e filiações de sentido que sempre possibilitam novas

paráfrases discursivas: que o “tupi” ou “tupi-guarani” é(foi) a língua dos índios

brasileiros e que os jesuítas forjaram uma língua (o tupi jesuítico).

Isso já havia sido anunciado na Carta de Caminha e por Gândavo. Mais tarde

oficializado conforme mostra o Decreto 426 de 1845, Artigo 1º, Parágrafo 7º:

§7ºInquerir onde ha Indios, que vivão em hordas errantes; seus costumes, e linguas; e mandar

Missionarios, que solicitará do Presidente da Provincia, quando já não estejão á sua

disposição, os quaes lhes vão pregar a Religião de Jesus Christo, e as vantagens da vida social

(Grifo nosso)

Como mostra o discurso acima, as línguas dos indígenas foram um objeto simbólico

pela qual os europeus mantiveram uma preocupação porque a língua é um lugar político e

demarca relações de poder.

Esse sujeito índio também é afetado por ideologias, as quais não eram transparentes

como descrevem os portugueses nos relatos de Caminha e Gândavo, pois os mesmos em seus

discursos revelam suas ideologias próprias, de colonizadores que só enxergam as ideologias

de sua cultura e, aquilo que era diferente não foi respeitado pelos colonizadores.

Mas, o importante abordar aqui, é que esse sujeito fala de um determinado lugar na

sociedade, demarca seu espaço através do uso da linguagem e, vale ressaltar também que para

a Análise de Discurso, a linguagem significa, constitui os discursos. E para essa linha de

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Análise de Discurso, a linguagem é lugar de realização de acontecimentos3 discursivos.

Zoppi-Fontana (2014, p. 29) diz que o acontecimento discursivo “como o lugar material onde

o real da língua e o real da história se encontram produzindo uma ruptura, uma interrupção e

uma emergência nas relações de continuidade definidas pelos rituais enunciativos que

conformam às práticas discursivas na sua historicidade.” Essa ruptura, corresponde às falhas

nas formações discursivas que dão espaços para novas ideologias e novas práticas discursivas.

Dessa forma, no discurso de Gândavo, na obra Histórias da Província de Santa Cruz,

texto literário tal como a Carta de Pero Vaz de Caminha, já citada acima, relatam sobre as

diversas nações que habitam a costa do Brasil, mas que há muita semelhança nos costumes,

condição e rito gentílicos, conforme escreve Gândavo:

Já que tratamos da terra e das cousas que nella foram criadas pera o homem, razam

parece que demos aqui noticia dos naturaes dela: a qual posto que nam seja de todos

em geral será especialmente daqueles que habitam pela costa, e em partes pelo sertão

dentro muitas legoas, com que temos communicaçam. Os quaes ainda que estejam

divisos, e haja entre eles diversos nomes de nações, todavia na semelhança, condição,

costumes, e ritos gentílicos, todos sam huns; e se nalguma maneira diferem nesta

parte, he tam pouco, que se nam pode fazer caso disso, nem particularizar cousas

semelhantes entre outras mais notáveis, que todos gerealmente seguem, como logo

adiante dierei. (Grifo nosso)

Tais semelhanças relatadas por Gândavo, simbolicamente remete às características de

uma nação diferente da europeia. E é pela linguagem que os portugueses registram os

acontecimentos, ou seja, o encontro entre o povo indígena e os portugueses. Nesse encontro é

materializado no discurso de Gândavo a visão ideológica da nação portuguesa e, ele não

registra a visão que os indígenas tiveram dos portugueses. Vistos que devem ser consideradas

as condições de produção. Podemos considerar as condições de produção apontada por

Orlandi(2015) em sentido estrito em que temos as circunstâncias da enunciação e o contexto

imediato. Como também em sentido amplo, em que as condições de produção incluem o

contexto sócio-histórico, ideológico. Dessa forma, as condições de produção da Carta de

Caminha e da História da Província de Santa Cruz, de Gândavo, eram de expansão territorial,

de conquistas europeias.

No recorte a seguir, o sentido estrito da circunstância da enunciação na Carta de Pero

Vaz de Caminha corresponde à chegada dos portugueses a uma terra que para eles era

3 Pêcheux apud Zoppi-Fontana (no artigo Althusser e Pêcheux: um encontro paradoxal, 2014, p. 29)

acontecimento discursivo como o “ponto de encontro de uma atualidade e uma memória”.

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desconhecida. Ali, encontram homens nus caminhando na praia de arco e flecha. Segundo

Caminha (1500) “dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito,

segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro”. Em seguida, Caminha os

descrevem: “eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas

mãos traziam arcos e setas. Vinha todos rijos sobre o betel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal

que pousassem os arcos. E eles pousaram” (idem).

Nos discursos em análises, o sentido amplo das condições de produção é considerado os

efeitos de sentido focado nos elementos do modo de vida dos índios, pessoas sem vaidades, os

costumes de viverem na mesma casa sem repartições e daí ideologicamente dizer que essas

pessoas não têm rei, nem lei e nem fé. Há nesse discurso de Gândavo um pré-construído de

Pero Vaz de Caminha quando escreve sobre o ritual de beijar a cruz na Terra de santa Cruz,

nome que batizaram o Brasil quando aqui chegaram os portugueses eles fizeram uma cruz,

símbolo ideológico cristão para celebrarem a missa. Assim, escreveu “parece-me gente de tal

inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos porque eles,

segundo parece não têm, nem entendem em nenhuma crença”

Pensando no funcionamento da linguagem entre os sujeitos índios e brancos nos

documentos históricos que constituem a identificação indígena, Orlandi diz:

... no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados

pela língua e pela história, temos um processo de constituição desse sujeito e produção

de sentidos e não meramente transmissão de informação. São processo de

identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de construção da realidade,

etc. (2015, p. 19)

A identificação atribuída ao indígena nos dizeres do colonizador remete a um ser muitas

vezes inocente como descreveu Caminha no discurso acima, que em seus argumentos para

colonizar as terras, ele justifica ao rei Dom Manuel que parece-lhe de tal inocência que se

estivesse entre eles, os portugueses logo seriam cristãos. Nesse argumento, Caminha já

constitui uma identidade para o índio.

Também nesse processo de identificação indígena se revela um silenciamento

relacionado no Decreto 426 de 1845, pois alí, eles descrevem a necessidade de construção de

igrejas para Missionários e índios, isso para lhes chamar atenção, agradá-los e silenciá-los.

Confira nos Parágrafos 9º e 10º do artigo 1º.

§9ºDiligenciar a edificação de Igrejas e de casas para a habitação assim dos Empregados da

Aldêa, como dos mesmos Indios.

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§10ºDistribuir pelos Directores das Aldêas, e pelos Missionarios, que andarem nos lugares

remotos, os objectos que pelo Governo Imperial forem destinados para os Indios, assim para a agricultura, ou para o uso pessoal dos mesmos, como mantimentos, roupas, medicamentos, e os

que forem proprios para attrahir-lhes a attenção, excitar-lhes a curiosidade, e despertar-lhes o

desejo do trato social; requisitando-os do Presidente da Provincia, segundo as Instrucções que

tiver do Governo Imperial. (Grifo nosso)

O processo de aldeamento citados nos parágrafos 9 e 10, demonstram como os

portugueses se relacionavam com os índios para interpelá-los. Esse sujeito índio foi

interpelado pelos colonizadores nesse processo de identificação determinado pelos

portugueses. Em seu imaginário, os portugueses relatavam a figura do índio sem organização

social, sem lei, sem governante para ocupar esse lugar na nova terra e ainda escravizarem essa

gente, como relata Caminha na Carta que os homens eram sujeitos fortes. Na sociedade

capitalista o sujeito forte e saudável serve para trabalhar. Vejamos o discurso de Caminha

(1500) sobre as características físicas que ele descreve sobre os índios “nem comem senão

desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si

lançam. E com isso andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tantos, com

quanto trigo e legumes comemos”.

Tomando o materialismo histórico de Marx, o que nos interessa aqui é mostrar a relação

social entre portugueses e índios quando os colonizadores chegaram ao Brasil. E assim, o que

nos resta compreender nessa relação é o poder que os colonizadores exerceram sobre os

índios é nisso que se sustenta esse estudo, compreender essa relação de força e poder que

provocou o assujeitamento histórico do índio e, isso materializou-se em textos literários,

documentos e leis. Os quais são os discursos que estão sendo recortados para compreender

como os índios foram determinados no processo histórico, e é com essa teoria que o analista

busca compreender como os discursos foram adquirindo sentidos, pois numa perspectiva

materialista, o sentido é dado, determinado historicamente.

Portanto, o materialismo histórico ajuda-nos a compreender esse sujeito (índio) e a

interpelação dessa etnia nas leis e documentos oficiais em análise, visto como um processo

linguístico, histórico, político e ideológico. Processo histórico porque os índios já habitavam

essas Terras em 1500 quando os portugueses chegaram, e os índios, de posse de sua

linguagem veem o seu patrimônio sendo retirado de sua posse, ou seja, as terras em que

habitavam, as suas línguas em fase de dizimação com o processo de colonização portuguesa,

um projeto de também dizimação indígena e negação de suas crenças. E, durante todo esse

tempo sua cultura foi ignorada, seu alicerce, estrutura social, tudo parecia ameaçado como

mostram os documentos e a história.

49

Então, partindo da perspectiva da historicidade e das relações de sentido constituída

entre os sujeitos, a palavra materializa no enunciado, o discurso se torna espaço de debate,

conflito e demarcação de poder. Cabe-nos então, entender como se dá esse embate na relação

cultural, na manifestação de demarcação de espaço entre os europeus e os sujeitos índios, e a

constituição do da identidade indígena, no Brasil. Logo, por meio dos recortes do corpus já

mencionados, abordaremos teorias de Análise de Discurso, nos discursos, ou melhor, nos

documentos oficiais que abordam sobre o índio e a constituição de sua identidade. Isso

facilitará o esclarecimento da concepção cultural que permearem o plano da ideologia dos

colonizadores e do Estado.

Portanto, o conceito de sujeito depende da formação discursiva e formação ideológica

que interpelam indivíduos em sujeitos. E, na perspectiva de Pêcheux, isso ajudará a

compreender a materialização das ideologias nos discursos concretos, ou seja, entender que o

discurso é o lugar onde se dá a manifestação da linguagem – e que o texto é um enunciado, o

qual torna-se unidade de análise, que permitirá identificar, as memórias, os já-ditos, os

resultados dos conflitos e embates linguísticos na formação da identidade do índio e de seu

silenciamento pelos colonizadores ao chegarem ao Brasil. Então, partindo da linguagem, lugar

onde se manifesta o discurso, onde se relatam as memórias, onde se processa as formações

discursivas e formações ideológicas e que constituem os sujeitos e revelam suas identidades.

No Código Civil de 1916, o índio é visto como parcialmente incapaz, livre, mas sem poder

sobre si, livre, porém tutelado pelo Estado. Vejamos o Código Civil de 1916, Lei 3.071:

Art.6º São incapazes relativamente a certos atos ou maneira de exercer:

...

III – Os silvícolas.

Já na Lei 10.406/2002:

Art. 4º São incapazes a certos atos, ou maneira de exercer:

...

Parágrafo Único: a capacidade do índio será regulada por legislação especial.

Esse recorte do Código Civil permite-nos observar a constituição do sujeito índio em

sua forma-sujeito não de direito, mas sujeito dependente, pois o índio é regulado por lei de

homens que não compreenderam sua cultura, no Artigo 6 o índio é visto como incapaz, não

tem voz, é silenciado, apagado e na Lei 10.406 de 2002, são considerados incapazes a certos

atos. Ou seja, no dizer do Estado, o índio não tem responsabilidades pelos seus atos por serem

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incapazes ou parcialmente incapazes, essa é a relação de poder entre o Estado e o índio, há alí,

um apagamento dessa nação. Esse sujeito foi anunciado nos textos de Pero Vaz de Caminha e

de Pêro de Magalhães Gândavo. O primeiro datado de 1500 e o segundo de 1575, os discursos

de ambos são reforçados no interdiscurso, nos já-dito no Código Civil e na Constituição

Federal Brasileira de 1988. Esse sujeito índio nesses documentos é representado, constituído,

ele nunca fala, é sempre citado, ou falam sobre ele, a voz do índio é sempre atravessada,

primeiro pelos colonizadores e agora pelo Estado. Conforme os discursos da Constituição

Federativa Brasileira de 1988, o índio depende da voz do Estado sobre seus direitos e deveres,

isso é tutela, e o já-dito no Código Civil de 1916 que aborda sobre a incapacidade do índio.

Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

XIV- populações indígenas.

Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

XVI- autorizar em terras indígenas, a exploração e aproveitamento de recursos

hidrícos e a pesquisa e a lavra de riquezas minerais;

Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

Dessa forma, as relações históricas remetem às condições políticas da figura do índio,

de donos da terra passaram à condição de dependentes das Terras do Estado, são agora

sujeitos que vivem em terras alheias, estão na terra, mas não são donos delas, desfrutam da

terra na condição de usufruto até a vontade da União. Não podem negociá-las, trocá-las, nada

é permitido. Segundo os artigos citados, ao índio cabe alguém que responda ou que dispute

sobre seus direitos – que são os juízes federais – dar-se então, o apagamento da nação sob

responsabilidade de outrem.

Também esse discurso sobre o sujeito índio tutelado, se repete na Lei 6.001 de 1973 no

Artigo 7º, Parágrafos 1º e 2º. Vejamos:

Art. 7º - os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão

nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.

§ 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se no que couber, os princípios

e normas da tutela de direito comum, independendo todavia, o exercício da tutela da

especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução

real ou fidejussória.

51

§2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de

assistência aos silvícolas.

O regime tutelar simboliza em sujeito assujeitado, num processo de apagamento desse sujeito

sem voz, dependente do Estado, constitucionalmente silenciado. Daí a importância da

concepção de sujeito para Análise do Discurso, em especial na perspectiva de Pêcheux que é

compreender um sujeito atravessado, interpelado pela linguagem, pela história e pelas

formações discursivas e formações ideológicas. Sobre a constituição do sujeito e do

assujeitamento na Análise de Discurso, mais uma vez citamos Orlandi (2007, p.1) no artigo A

questão do assujeitamento: um caso de determinação histórica a autora diz que: “há um

princípio na Análise de Discurso que afirma que ‘o indivíduo é interpelado em sujeito pela

ideologia’. É desse modo que a Análise de Discurso trata do assujeitamento4, ou seja, do fato

de que o sujeito está sujeito à (língua) para ser sujeito da (língua)”. E ainda “que se é sujeito

pela submissão à língua, na história. Não se pode dizer senão afetado pelo simbólico, pelo

sistema significante. Portanto, não há nem sujeito nem sentido sem o assujeitamento à

língua”. Logo, esse sujeito não é neutro e nem transparente, é livre e ao mesmo tempo

interpelado por estar submetido às regras específicas que delimitam o discurso que enuncia. O

apagamento está relacionado aos sujeitos envolvidos nas diferentes esferas sociais e conforme

as ideologias de cada instância social.

Sobre os processos ideológicos, Althusser na obra Aparelhos ideológicos do Estado

aborda sobre a situação do sujeito perante os Aparelhos Ideológicos do Estado e dos

Aparelhos (repressivo) do Estado. Do ponto de vista de Althusser, os Aparelhos Ideológicos

não são puramente ideológicos ou os Aparelhos (repressivos) não são puramente violentos

(1970, p. 46-47):

É que em sim se mesmo, o Aparelho (repressivo) de Estado funciona de maneira

massivamente prevalente pela repressão (inclusive física), embora funcione

secundariamente pela ideologia.

...

Da mesma maneira, mas inversamente, devemos dizer que, em si mesmos, os

Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam de um modo massivamente prevalente

pela ideologia, embora funcionando secundariamente pela repressão, mesmo que no

limite, mas apenas no limite, esta seja bastante atenuada, dissimulada ou até

simbólica.

4 Orlandi (2007, p.1) “(...)o assujeitmento tem uma forma histórica que depende da conjuntura da época, sendo

diferente, por exemplo, na época medieval e na época contemporânea”.

52

Portanto, Althusser no primeiro recorte ressalta que não há aparelho puramente

repreensivo ou aparelho puramente ideológico, ou seja, secundariamente ele funciona pela

ideologia. E, no segundo recorte, ele ressalta que não há Aparelho Ideológico do Estado que

funcione puramente pela ideologia, mas também secundariamente pela repressão. Nesse caso,

a igreja ao catequisar o índio não agiu puramente pela ideologia, mas houve uma imposição

da fé católica aos índios sem respeitar seus cultos, suas crenças, logo o que houve foi uma

violência de imposição da fé católica, que se materializou numa repressão. Assim também se

deu com a língua, os índios foram submetidos ou interpelados para aprender a língua geral.

Isso é simbolicamente uma forma de apagamento de suas raízes.

Assim, como naquele contexto histórico também existiu uma ideologia e uma repressão

aos índios no ato da colonização. Pois os colonizadores se apossaram das terras indígenas

pelas ideologias europeias massacrando, dizimando e apagando a nação indígena. Assim,

nessa relação da igreja com a catequização do índio houve uma interpelação ideológica, já que

a igreja desde o início procurou catequizar o índio conforme relatou Caminha na Carta ao rei

português em 1500. Para Orlandi (1988, p. 56) “vale ressaltar que é em relação à tal

constituição do sujeito que também se pode pensar a relação entre inconsciente e ideologia: o

recalque inconsciente e assujeitamento ideológico estão materialmente ligados”. E ainda

Pêcheux apud Orlandi (idem) “no interior do processo de significante na interpelação e

definição do sujeito. Processo pelo qual se realizam as condições ideológicas”.

O processo de catequização remete ideologicamente ao assujeitamento ideológico do

Estado, que naquele momento da história era a coroa portuguesa. Sobre esse assujeitamento

ideológico, Orlandi (1988, p. 54) remete às teorias de Foucault quando diz: “a outra afirmação

que nos interessa, e que deriva de Foucault (1969), é a de que são as formas de assujeitamento

ideológicas que governam os mecanismos enunciativos”.

Por isso, o sujeito demarca seu espaço a partir da inscrição ideológica do grupo do qual

faz parte, o sujeito tem sua forma-sujeito histórico, sujeito capitalista que tem direitos e

deveres. Mas é bom lembrar que nenhum sujeito é assujeitado por completo, pois mesmo ele

sendo interpelado pela ideologia, nunca será um interpelamento completo. É isso que

podemos ver que se deu com o índio ao longo da história, ele resistiu ao processo de

dizimação proposto pelos colonizadores. Segundo Pêcheux (2014, p.124-125):

53

[...] “o inconsciente é o discurso do Outro”, podemos discernir de que modo o

recalque inconsciente e o assujeitamento ideológico estão materializados, sem estar

confundidos, no interior do que se poderia como processo do Significante na

interpelação e na identificação, processo pelo qual se realiza o que chamamos as

condições de produções ideológicas da reprodução/transformação das relações de

produção. (Grifo do autor)

Partindo dessa ótica, o sujeito é aquele que defende suas concepções ideológicas e do

grupo do qual faz parte, mas ele também demarca o seu lugar individual. Foi com essa

perspectiva que os colonizadores se constituíram como sujeitos e donos de uma terra que

consideraram ter “descoberto”, percebendo que com seus conhecimentos tecnológicos

poderiam assujeitar os verdadeiros donos da Terra. Vejamos nos recortes da Carta de Pero

Vaz de Caminha de 1500:

Dalí avistamos homens que andava pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram

os navios pequenos, porque chegaram primeiro.

...

E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E

tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois,

quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal

que pousassem os arcos. E eles pousaram. (Grifo nosso).

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas...

No recorte acima, Caminha descreve o índio do ponto de vista de suas formações

discursivas e suas formações ideológicas, ele não os identifica como habitantes e donos da

terra, apenas diz que avistaram homens, diz que eram apenas sete ou oito. Isso resumiria a

população daqueles homens. Em seguida, aponta que tinha arcos nas mãos, mas os tomam

como pacíficos, pois não os atacaram com aquelas armas. Em seguida descreve a cor da pele e

que estavam nus e não havia coisa alguma cobrindo suas vergonhas.

Para a teoria da Análise de Discurso, o sujeito é um indivíduo que além dos aspectos

culturais, sociais, históricos, ele é banhado por formações discursivas e interpelados pelas

mais diversas ideologias constituindo-o em sujeito. Isso dá materialidade à identidade do

sujeito. E a materialidade discursiva do sujeito índio está representado no trecho de Gândavo,

no dizer do colonizador constituindo-se assim, a identidade de um sujeito que carece de ser

civilizado, carece da intervenção do governo. São homens que não tem fé, não têm lei e nem

rei. Dessa forma essa gente está sem direcionamento espiritual, organizacional e

administrativa. Veja o excerto a seguir de Gândavo (1575):

54

A lingoa de que usam, toda pela costa, he huma: ainda que em certos vocábulos difere

n’agumas partes; mas nam de maneira que se deixem huns aos outros entender: e isto

até altura de vinte e sete grãos, que dahi por diante há outra gentilidade, de que nós

nam temos noticia, que falam já outra lingoa diferente. Esta de que trato, que he ageral

pela costa, he muito branda, e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há

nella de que nam usam senam as femeas, e outros que nam servem senam pera os

machos: carece três letras, convem a saber, nam se acha nella F, nem L, nem R, cousa

digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem

desordenadamente sem terem alem disto conta, nem peso, nem medido. (grifo nosso).

Será que essa língua era tão uma? Qual o interesse de simplificar a linguagem? Isso é

reflexo da ideologia nos relatos literários portugueses sobre o achamento da nova terra. Dessa

forma, a constituição do índio foi ideologicamente tecida na linguagem desses textos

portugueses. Sobre a constituição do sujeito, Pêcheux (2014, p.120) diz que as ideologias

“[…] elas constituem os indivíduos em sujeitos”. Mas esses sujeitos são resultados da

ideologia de outros que constroem as identidades, daqueles que são descobertos, dominados,

conquistados e desrespeitados culturalmente. Portanto, essa interpelação é o resultado de

perseguições étnicas e culturais dos povos indígenas pelo poder da hegemonia da coroa

portuguesa que dominou e apagou a nação indígena da nova terra descoberta.

Sobre a questão da descoberta e da conquista, Eni Orlandi em “Terra à Vista”, aborda a

situação dos efeitos da palavra “descobrir” para os portugueses naquele contexto histórico e

ideológico. Para a autora, (2008, p11-12):

Entre história, antropologia, literatura e linguística, o tema começou a se mostrar

como um percurso em linha reta: as formas colonizadoras do discurso do

conhecimento. Descobrir, conquistar, dar a conhecer. Isso, no interior da perspectiva

foucaultina, não acrescentaria grande coisa ao par saber/poder, mas, na perspectiva do

discurso em que trabalho, me dizia muito mais:

a) O apagamento da história pela noção de cultura;

b) A produção material do que, apagado, toma o nome de ideologia;

c) A intervenção crítica na história da ciência através de um modo de observação que

propõe um confronto entre discurso da descoberta (de lá para cá) e o da origem (daqui

para cá);

d) Finalmente, a viagem como descoberta, a viagem como posse, a viagem como

administração, a viagem como missão, a viagem como diário íntimo, a viagem como

possível, a viagem como turismo.

Ao retomarmos o pensamento de Orlandi, a palavra descoberta com efeito de sentido de

conquista para os portugueses, remete ao poder político da coroa portuguesa na situação de

produção da época. E esse efeito de sentido anunciado no século XV, ecoa até hoje. Os

sentidos construídos na literatura da colonização se perpetuaram na sociedade brasileira e

resistiu aos passar dos séculos. Para Orlandi (2008, p.24) “discurso das descobertas, discurso

55

das conquistas ou discurso da dominação”. Com o poder político da coroa portuguesa a

descoberta era conquista, significava tomar posse, habitar o habitado, pois nessas terras

existiam moradores. E assim “... no discurso das descobertas não encontramos senão modos

de tomar posse” (idem). E além disso escravizava, apagavam simbolicamente o sujeito

colonizado.

A concepção de sujeito de Pêcheux, está fundamentada em Althusser quando, ele,

Pêcheux em “Resposta a Jonh Lewis” aborda que “as massas não são sujeito” (idem), ou seja,

não basta ter um corpo físico, ele precisa significar. Para Althusser apud Pêcheux (idem, p.

121) “...um sujeito é também um ser do qual se pode dizer: é ele!”. Diante do sujeito massas,

como poderemos dizer: é ele?”. Então, numa perspectiva da teoria materialista dos processos

discursivos, “o sujeito é atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do

imaginário, só tem acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido desde a sua

constituição: ele é sujeito de e é sujeito à” (ORLANDI, 2015, p.46). Daí surge um sujeito

assujeitado, submisso, conduzido por leis, documentos que regem a organizam a sociedade.

Dessa forma, todo sujeito é assujeitado como mostra nos escritos de Gândavo (1575,

s/p):“Essa gente nam tem entre si nenhum Rei, e nem outro gênero de justiça, senam um

principal em cada aldêa, que he como capitam, ao qual obedecem por vontade, e nam por

força.” Como se pode ver, entre os índios não havia assujeitamento do ponto de vista das leis

portuguesas, fruto do capitalismo e das lutas de classes. Eles obedeciam à voz da experiência,

o cacique, o pajé eram seus superiores, e a eles haviam um respeito e não coação.

Pensar na constituição do sujeito, é pensar na formação do sujeito índio e sua

identidade e como ele é representado na lei e nos textos documentais – qual o sentido de que

está dito ali. No recorte, Orlandi (2015) trata da questão do sentido nesse efeito ideológico,

vejamos: “a evidência do sentido, que, na realidade é um efeito ideológico... direitos e

deveres”. (p. 43). Sobre a questão de direitos e deveres como um efeito ideológico, vejamos

um excerto da Constituição Federativa do Brasil de 1988:

Art.20 – São bens da União:

XI- as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Art. 176 – As jazidas, em lavras ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de

energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração

ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade

do produto da lavra.

56

Partindo do Artigo 20, inciso XI, as terras da União são terras ocupadas pelos índios,

esses mesmos sujeitos que no século XV eram os habitantes dessas terras, agora ocupam as

terras da União. Essa forma-sujeito que é o índio na constituição é o sujeito de direito, sujeito

(jurídico). Conforme Souza (1994, p. 32):

Enfim, sobre esse processo será produzido um sujeito no lugar vazio, deixado no

enunciado um sujeito um sujeito que deverá aprender sob diversas formas – formas-

sujeitos, impostas pela “relação social jurídico-ideológico. Quando se tem então de

um lado a forma-sujeito de direito, a forma-sujeito ideológico (que reduplica o

primeiro).

Também o Artigo 6º do Código Civil de 1916, Lei Nº 3.071/1916 vai tratar da

incapacidade do índio, ou seja, para essa lei, código Civil, o índio é um ser que depende de

um responsável legal, um tutor que o represente, nesse caso é o Estado. Vejamos nos termos

da Lei: Art. 6º - São incapazes, relativamente a certos atos, ou maneira de exercer: III – os

silvícolas.

Tomando o índio com identidade histórica de um ser incapaz, ideologia implantada aos

índios pelos portugueses, colonizadores, que segundo seus dizeres, os indígenas viviam

desordenadamente e carecia de fé, de lei e de rei, ali se fazia presente na Análise do Discurso

a ideologia de colonizar, organizar e, por isso, os tomaram como seres incapazes. Assim versa

a Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 22, o qual declara que os povos indígenas são

legislados pela União: e assim procede nos termos da lei:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (ECnº19/98)

XIV – populações indígenas;

Portanto, foi essa identidade imaginária de um sujeito sem autonomia e dependente que

os colonizadores constituíram ideologicamente os índios por meio de suas formações

discursivas e formações ideológicas. Pêcheux (2014, p. 147) aborda que “[...] os indivíduos

são “interpelados” (em sujeitos falantes de seu discurso) pelas formações discursivas que

representam “na linguagem” as formações ideológicas que lhes são correspondentes”.

Violentamente o índio foi posto nesse lugar do dizer do Estado, um sujeito incapaz e hoje, são

legislados pela União.

57

Vamos retornar às formações discursivas e formações ideológicas que atravessam o

sujeito para compreendermos melhor a questão de formação do sujeito em sua forma-sujeito

histórico.

Nosso objetivo aqui é mostrar a constituição da identidade indígena em documentos

oficiais e leis, textos esses que materializam os discursos acerca dos povos indígenas. Esses

textos significam a história vivida por uma nação que aqui habitava, os povos indígenas, não

seria o real pelo olhar da etnia, mas o ideal no olhar do europeu já que esses discursos revelam

exatamente as ideologias dos colonizadores, nesses textos eles justificam o espaço que se abre

para a colonização, os índios nesses textos não tinham cultura, não tinha lei, não tinha

capacidade para administrar um país, daí se justifica a construção de uma identidade indígena

que atenda aos interesses dos colonizadores. Pois, os discursos não são neutros e muito

menos transparentes, e estes promovem historicamente no silêncio das palavras um

silenciamento da etnia.

A questão do apagamento e silenciamento do indígena é procurar compreender que o

discurso que versa sobre esse sujeito, que o silencia faz parte da construção de um sujeito

imaginário da perspectiva do europeu, do colonizador nos relatos dos viajantes. Essa

perspectiva de sujeito silenciado é reflexo dos mecanismos ideológicos dos brancos – esse

sujeito do imaginário criado pela colonização. Conforme Orlandi apud Magalhães e Mariani

(2010, p. 392) “a forma-sujeito, que resulta dessa interpelação pelas ideologias, é uma forma-

sujeito histórica, com sua materialidade”.

Ainda Orlandi apud Magalhães e Mariani (2010, p. 392) diz que:

A interpelação produz o assujeitamento e isso ocorre em qualquer época histórica, em

quais quer que sejam as condições de produção, pois resulta da inscrição do sujeito no

simbólico e, ao mesmo tempo, produz como resultado que esse sujeito, afetado pelo

simbólico, expresse a sua subjetividade na ilusão de autonomia e de ser origem do seu

dizer.

Partido desses pressupostos, a interpelação que produziu o assujeitamento do indígena

já foi relatado nos textos de Gândavo e na Carta de Caminha, depois se reproduziu e

materializou no Decreto 426 de 1845, nesses documentos ocorreram a inscrição do sujeito

índio no simbólico, no imaginário do europeu.

Para as autoras Magalhães e Mariani (2010, p. 399) “o assujeitamento do sujeito às

determinações sociais, que têm as relações de produção de cada sociobilidade como

58

fundantes”. Portanto, o assujeitamento do índio ocorreu principalmente, pela censura

linguística e processo simbólico de um indivíduo sem fé, sem lei e sem rei.

Assim, os colonizadores procuraram silenciar os índios tentando impressioná-los,

encantá-los com objetos que não eram de seus conhecimentos como papel, carapuchinha velha.

Vejamos no excerto da Carta de Caminha:

À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram

então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos.

Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se

conosco. Abraçavam-se e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam

alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer

outra coisa. Em tal maneira isso se passou, que bem vinte ou trinta pessoas das nossas

se foram com eles, onde outros muitos estavam com moças e mulheres. E trouxeram

de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos

quais, creio, o Capitão há de mandar amostrar a Vossa Alteza. (Grifo nosso).

O silenciamento se processa na troca, no encantamento por objetos desconhecidos, e

pouco a pouco os índios, no dizer do europeu, se misturaram, juntaram-se aos europeus. Essa

foi a política do colonizador para aproximar o índio.

A política do silêncio, isto é, o silenciamento do indígena por parte do europeu era

ignorar a língua ou as línguas indígenas e, consequentemente, veio a opressão dos

colonizadores ao índio, pois o índio não detinha naquele momento o poder que os portugueses

demonstraram com as armas de fogo e tecnologias das embarcações. No recorte que segue,

Orlandi (2007, p. 29) diz “em face dessa dimensão política, o silêncio pode ser considerado

tanto parte da retórica da dominação (a da opressão) como de sua contrapartida, a retórica do

oprimido (a da resistência). No Decreto 426 de 1845, a dimensão política está no processo de

aldeamento, organização do trabalho e nas obrigações diárias, coisa que os índios não estavam

acostumados a fazer como opressão. No artigo 1º, parágrafo 1º:

§ 1ºExaminar o estado, em que se achão as Aldêas actualmente estabelecidos; as occupações

habituaes dos lndios, que nellas se conservão; suas inclinações e propensões; seu

desenvolvimento industrial; sua população, assim originaria, como mistiça; e as causas, que tem

influido em seus progressos, ou em sua decadencia.

Nesse processo de aldeamento, os índios deveriam se submeter às ordens dos brancos,

trabalhavam sob seus comandos, eram escravizados, deveriam produzir e falar a língua geral, e

os que repudiavam essa forma de viver eram expulsos do aldeamento, censurados.

59

Sobre o silêncio como censura, essa é uma das maneiras mais rápida de oprimir um

povo começando por ignorar, proibir sua língua, impondo-lhes outra, e isso aconteceu com os

índios, além do silenciamento com armas de fogo, canhões, etc. os colonizadores procuraram

logo eleger as línguas Tupi da Costa brasileira como língua mãe da língua indígena. Conforme

Honório (2000, p. 59), “a ação doutrinaria dos Jesuítas, elegendo as línguas Tupi da Costa

como protótipo de língua indígena, contribuem com a política colonizadora. Esta prática

missionária faz parte do que leva a uma reorganização do espaço multilíngue de enunciação

brasileira: o Tupi Jesuítico”. Isso demonstra um processo de homogeneização linguística, ou

seja, todos como se devessem falar o tupi esquecendo sua diversidade linguística, suprimindo

as demais línguas indígenas e esse processo significa o silenciamento de outras nações

indígenas do Brasil. A língua e a cultura é o que forja um povo e uma nação, e toda vez que se

castra uma língua e interfere em uma cultura de um povo, há uma forma política de censura, de

silenciamento. Isso sempre vai se repetir na sociedade, isso é histórico. Honório (2000) trata

também do processo de homogeneização linguística e, conforme a autora:

Esse modo de homogeneização linguística-cultural do processo tupi passa a ser

interditado pela política imperial que viria a regulamentar e impor práticas

enunciativas exclusivamente na língua do monarca: a língua Tupi dominou a cena

enunciativa do país até meados do século XVIII, quando então instaura-se o diretório

pombalino que irá instituir a imposição da língua portuguesa aos índios e a proibição

de língua geral e de outros vernáculos. (p.59). (Grifo nosso)

Mais uma vez o processo histórico, o silêncio indígena é promovido pela censura da

língua tupi com a imposição da Língua Portuguesa pelo Marquês de Pombal e a proibição da

Língua Geral.

Esse processo de silenciamento, tendo a língua censurada, é uma forma de dominar um

povo, isso é recorrente na história da humanidade, assim aconteceu com os índios no Brasil e

em outras partes do mundo com outras civilizações. A língua impõe poder, ela é um dos

aspectos políticos mais fortes, ela demarca limites, fronteiras. Ainda sobre o silêncio de um

povo tendo a língua como instrumento, Câmara apud Honório (2000, p.61) aborda: “as línguas

minoritárias, faladas por comunidades não-tupi foram silenciadas nesse processo, na medida

em que “todas as outras línguas indígenas eram desprezadas pelos próprios Tupi, e ficaram

excluídos num grupo geral, chamado Tapúya, que em Tupi quer dizer ‘inimigo, bárbaro’”.

Portanto, “...ao falar de história e de política não há como não considerar a memória como feita

de esquecimento, mas também de silêncios, de sentidos não ditos, de sentidos a não dizer, de

silêncios e de silenciamentos”. (ORLANDI, 2012, p. 64).

60

E, ainda Orlandi no texto Política Linguística na América Latina (1988, p. 31), “[...] há

um apagamento das formas de representação da cultura indígena no confronto com nossa

cultura. Mesmo em relação à linguagem e à ciência que se faz sobre ela, a cultura dominante

exerce seu poder pela linguagem e na linguagem”. Dessa forma, as relações de poder da coroa

portuguesa e, ainda hoje, do Estado imprime por meio da língua o seu poder a partir de um

dizer unilateral, de uma ideologia colonizadora. Por meio de documentos, leis, políticas

públicas, há uma tentativa de apagar o outro, mas, no silêncio, também são produzidos sentidos

que significam a resistência no processo histórico da identidade indígena, não aquele simbólica,

imaginária do europeu, mas aquela que não foi dita pelo europeu, a identidade de um povo que

o tempo não apagou. Há sentidos que na história não se apagam, a identidade é um deles, a

identidade se significa no processo histórico, ela se materializa e as políticas públicas refletem

isso. Portanto todo o processo histórico e político de 500 anos de Brasil, é refletido nas políticas

públicas para os grupos sociais que não foram atendidos pela Lei. Assim, o índio faz parte

desse cenário. E dessa forma surgem as políticas públicas para a educação indígena a partir da

Constituição de 1988 e da LDB 9394 de 1996, enunciam uma identidade de um povo que

necessita de uma educação bilíngue para as comunidades indígenas, uma educação bilingue que

fomente a língua da etnia, por isso é importante se compreender como se processa essa eleição

bilíngue na LDB DE 1996. Como veremos nos artigos analisados no desenvolvimento desse

trabalho.

O índio foi silenciado, apagado pela língua perante o colonizador. Sobre silêncio,

Orlandi (2007) diz que o silêncio é como o mar e o eco. O primeiro é incalculável, disperso,

profundo, imóvel em seu movimento monótono. O segundo repetição, não-finitude,

movimento contínuo e disso resulta o aspecto fluido e líquido do silêncio. O silenciamento

conforme a metáfora do mar, ela diz ser incalculável, não dá para mensurar a profundidade do

silenciamento indígena, com os prejuízos linguísticos, e em relação à metáfora do eco, isso se

reflete na história com a substituição do tupi pela Língua Geral, Língua Jesuítica, pela

substituição da Língua Portuguesa.

Vejamos o modo como o silenciamento aparece significado nos retalhos dos

documentos a seguir como na Carta de Pero Vaz de Caminha e na História da Província de

Santa Cruz que demostra um processo de desconstrução da identidade do índio:

Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe

pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi

cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinquenta ou

setenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.

61

No ritual da Cruz, Caminha diz que os índios estavam com eles, estavam assentados de

joelhos, nesse dizer do colonizador há simbolicamente uma forma de tratar de um já

assujeitamento. Gândavo (1575, p. 9) diz “nam adoram a cousa alguma...”. Nos recortes ficam

configurados um processo de silenciamento da cultura da nação indígena, ao passo que mostra

um processo de desterritorialização de sua cultura. O índio tem sua voz silenciada, seus

costumes, suas crenças são apagadas pelo dizer europeu.

A nossa finalidade aqui, ao promover tal discussão é mostrar o apagamento do índio na

história do Brasil desde o processo de colonização por meio dos documentos oficiais. Na Carta

de Pero Vaz de Caminha que não é apenas um texto literário, mas a carta ou certidão de

registro desse país, mostra que esse povo não tinha nem Deus, isso significava a inexistência de

uma sociedade, aos olhos do colonizador.

Com a tutela, em que posição o sujeito (índio), está escrito, ou seja, em que formação

discursiva? O índio nunca teve ideologia? Com esses questionamentos, o que pretendemos é

promover uma reflexão sobre o apagamento da voz do índio desde a chegada dos portugueses,

pois na Carta Caminha diz que esse povo não se pronuncia, só há uma voz, a do colonizador, só

há nesses documentos oficiais uma só ideologia, a do homem branco, são as formações

discursivas do homem europeu que prevalecem. Dessa forma o sujeito indígena ao longo da

história é impedido de se manifestar, ocupar o seu lugar de direito, a posição que ocupou nessas

terras até a chegada dos colonizadores deixou de existe e começa aí o processo de apagamento

de suas memórias. Portanto, há também uma censura da identidade desses sujeitos. Aqui a

censura é vista como um objeto de desconstrução da história e da cultura de um povo. Para

Orlandi (1989, p. 18-19) “uma conversa qualquer traz a noções sociais (de sua constituição) em

sua própria textura. Nem as palavras, nem os sujeitos que as falam são transparentes: eles têm

sua materialidade e sua história de constituição”. Logo, os discursos dos colonizadores e, muito

menos os discursos do Estado são neutros, há nesses discursos um jogo de formações

discursivas revestidos de ideologias sobre os índios, criaram nesses documentos um sujeito

imaginário.

Partindo da Análise de Discurso, o silenciamento dos índios nos colocam diante da

natureza histórica do silenciamento indígena. Mas esses documentos, essas leis como práticas

discursivas nos mostram é que não é a linguagem o resultado do silêncio, é uma produção de

sentidos, carregado de significado. Dessa forma, “o assujeitamento é um reflexo de uma

conjuntura histórica” (ORLANDI, 2012, p.47). Segundo Eni Orlandi (idem), essa é a proposta

62

de Michel Pêcheux de tratar a questão discursiva, de um lado pela conjuntura histórica e, de

outro, pelos modos de assujeitamento.

O silenciamento ou apagamento se configura nas relações de poder entre os sujeitos

sociais são as diferenças que o sujeito se sobrepõe ao outro. Sobre as diferenças Orlandi

(1989, p. 25) diz: “assim, as diferenças quando existem, são vistas como diferenças efetivas e

que não devem ser ignoradas, mas levadas em conta como elementos produtivos das relações

sociais e dos estabelecimentos das diferentes formas de organização social”. As diferenças

sociais entre os colonizadores e os colonizados eram enormes, a organização social de

portugueses fizeram com que os colonizadores não reconhecessem a organização social dos

índios nas tribos, a sua forma de morar, distribuir as atividades entre eles etc. Mas, o que

difere o discurso do colonizador do silêncio do índio é que, naquela conjuntura social do

século XV, XVI e XIX, há ali uma luta de classes de um lado o colonizador e do outro o

colonizado, pois o índio estava procurando proteger suas terras enquanto que os portugueses

iam ganhando forças. Os índios não tinham as mesmas ideologias que o centro, o europeu.

Assim o processo de produção dos textos, dos relatos dos viajantes era de descobridores, de

conquistadores, já que os índios não estavam em busca de conquista de terras. Isso era a

prática política do europeu naquele modo de produção, naquele contexto histórico e, o índio

estava deslocado dessa conjuntura, ele não fazia parte desse processo e, isso, deu origem ao

processo de relações de poder entre o colonizador e o índio, sendo aquele para inscrever o

índio no lugar de submissão, de apagamento e silenciamento. Os índios queriam defender suas

terras, mas havia ali uma lutar em desigualdade.

Dessa condição ideológica do colonizador o sujeito índio passa por um processo de

reprodução/transformação conforme apresentam os discursos dos portugueses. Vejamos o que

Pêcheux aborda sobre essa questão de reprodução/transformação nas relações de produção de

uma formação social:

Ao falar de “reprodução/transformação”, estamos designando o caráter

instrinsecamente contraditório de todo modo de produção que se baseia numa divisão

de classes, isto é, cujo “princípio” é a luta de classes. Isso significa, em particular,

que consideramos errôneo localizar em pontos diferentes, de um lado, o que contribui

para a reprodução das relações de produção e, de outro, o que contribui para

transformação: a luta de classe atravessa o todo de produção em seu conjunto, o que,

na área da ideologia, significa que a luta de classes “passa por” aquilo que L.

Althusser chamou os aparelhos ideológicos de Estado (PÊCHEUX, 2014, p. 130).

Portanto, apesar de o índio não está disputando posição social com os colonizadores,

eles, os índios foram submetidos à uma transformação, foram obrigados a aprender uma nova

63

língua, a viver de maneira diferente, foram escravizados como mostra o Decreto 426 de 1845,

pois tiveram que produzir fazendas e ter os frutos de seu trabalho recolhido por um

administrador da Colônia, ou seja tiveram que deixar de ser nômades. Vejamos um parágrafo

do Artigo 1º do Decreto citado:

§36ºPropor ao Governo Imperial os Regulamentos especiaes para os regimes das Aldêas, e as

instrucções convenientes para o desenvolvimento de sua industria; tendo attenção ao estado de civilisação dos Indios, sua indole, e caracter; ás necessidades dos lugares, em que se acharem

ellas estabelecidas; ás produções do Paiz, e ás proporções, que o mesmo offerece para o seu

adiantamento moral, e material. (Grifo nosso)

Nesse discurso sobre o governo imperial criar regulamento para o regime de aldeamento

demonstra o controle sobre a organização do processo de aldeamento, ou seja, de donos da

terra os índios passam a seres dominados, apagados. Nos recortes que seguem observa-se uma

relação de poder e pode-se compreender em momentos diferentes da história. Primeiramente,

no discurso de Gândavo, os índios são habitantes da terra (1575):

Já que tratamos da terra e das cousas que nella foram criadas pera o homem, razam

parece que demos aqui noticia dos naturaes dela: a qual posto que nam seja de todos

em geral será especialmente daqueles que habitam pela costa, e em partes pelo sertão

dentro muitas legoas com que temos communicaçam. Os quaes ainda que estejam

divisos, e haja entre elles diversos nomes de nações, todavia na semelhança, condição,

costumes, e ritos gentílicos, todos sam huns; e se nalguma maneira diferem nesta

parte, he tam pouco, que se nam pode fazer caso disso, nem particularizar cousas

semelhantes entre outras mais notáveis, que todos geralmente seguem, como logo

adiante direi.

Depois, no discurso de Caminha o índio é visto como “selvagem”, fáceis de amansar,

fáceis de serem dominados, Caminha (1500) “bastará dizer-vos que até aqui, como quer que

eles um pouco se amansassem, logo duma mão para outra se esquivavam, como pardais, do

cevadoiro. Homem não lhes ousam falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa

como eles querem, para os bem amansar”.

Conforme mostrou Caminha nesse discurso, esse era o dizer do europeu a respeito do

índio, essa era a formação discursiva europeia. A formação discursiva é definida como “um

conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinada no tempo e no espaço que

definiram em sua época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística

dada, as condições de exercício da função enunciativa.

O discurso segue um curso na história, ele é a materialidade da história, ele é produzido

em um contexto social, histórico, político e revela a ideologia das formações discursivas dos

sujeitos nelas inscritos. “E se o discurso é uma materialidade histórica sempre já dada, na qual

64

os sujeitos são interpelados e produzidos como ‘produtores livres’ de seus discursos cotidianos,

literários, políticos, científicos, estéticos etc, a questão primordial cessa de ser a da

subjetividade produtora de discurso e torna – e a das formas de existência histórica da

discursividade ”, afirma Orlandi ( 2012, p. 47).

Segundo Pêcheux (2014, p. 22):

Pensamos que uma referência à História, a propósito das questões da Linguística, só

se justifica na perspectiva de uma análise materialista do efeito das relações de classes

sobre o que se pode chamar as “práticas linguísticas” inscritas no funcionamento dos

Aparelhos Ideológicos de uma forma econômica e social dada: com essa condição

torna-se possível explicar o que se passa hoje no “ estudo da linguagem” e contribuir

para transformá-lo, não repetindo as contradições, mas tornando-as como os efeitos

derivados da luta de classes hoje em um ‘país ocidental’, sob a dominação da

ideologia burguesa.

Partindo modos recortes de Orlandi e de Pêcheux, acima citados, o que se compreende é

a materialidade histórica que revelam sujeitos interpelados no funcionamento das relações de

poder e o efeito ideológico –colonialista – não nasce do nada. Sua materialidade específica é o

discurso, Orlandi (2008, p. 55). E, os discursos dos documentos oficiais arquivaram essas

memorias discursivas sobre a identidade indígenas construídas desde o processo de

colonização. Mas também “vale dizer que o silêncio a que nos referimos não é visto apenas na

“negatividade”. O silêncio é. No silêncio, o sentido é. Há história no sentido porque há sentido

no silêncio.” (idem, p.60-61). Por isso, pensando no sentido do silêncio indígena, há políticas

para atender essa nação, se elas dão contam de recuperar o estrago que ecoa no tempo, sabe que

não, pois as línguas silenciadas, mortas com seus falantes não há retrocesso, não se recupera

mais.

4.2.A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA A PARTIR DOS DISCURSOS

IDEOLÓGICOS DOS COLONIZADORES PORTUGUESES E DO ESTADO

Neste capítulo discutiremos a questão da constituição da identidade5 indígena tendo

como base os discursos ideológicos dos colonizadores portugueses nos documentos6 oficiais do

5 [...] a identidade é um movimento, tanto de seu modo de funcionamento (entre o eu e o outro) como em sua

historicidade (devir, mas também multiplicidade na contemporaneidade etc.). (ORLANDI, 2008, p.54).

65

Estado. Tratar de texto documental na Análise de Discurso é pensá-lo discursivamente, ou seja,

o caráter documental na perspectiva discursiva exige a compreensão do mesmo na

especificidade de um saber metalinguístico. Os textos correspondentes aos três primeiros

séculos foram produzindo no período colonial, as condições de produção eram bem diferentes

das dos textos dos dois últimos séculos citados, pois esses foram produzidos no período pós-

colonial.

Esses documentos que estamos analisando nesse trabalho são discursos que foram

historicizados, institucionalizados, tendo caráter de arquivo para a Análise de Discurso, os

quais guardam a memória de um povo, constituem a história. Na perspectiva da Análise de

Discurso, arquivo tem um sentido de movimentar a interpretação dentro de um processo de

construção do objeto. Para Orlandi apud Horta Nunes (2008, p. 82):

Arquivo em análise de discurso é o discurso documental, memória institucionalizada.

Essa memória tem relações complexas com o saber discursivo, ou seja, com o

interdiscurso, que é a memória irrepresentável, que se constitui ao longo de toda uma

história de experiência de linguagem. Trabalhar a relação entre essas formas de

memória, sem deixar-nos dizer pelas nossas preferências, pelos nossos compromissos,

e também não sermos ditos por uma história sem já-contada, é um exercício de

método e de disciplina.

Partindo desses pressupostos sobre arquivo, a análise desenvolvida nesse trabalho tem a

perspectiva de nos documentos de políticas públicas e documentos científicos teóricos

compreender os processos históricos de identificação indígenas no Brasil desde o período

colonial e sua materialização nas políticas públicas de educação escolar indígena. Ou seja, as

políticas públicas apagam a identidade simbólica da identidade indígena constituída pelos

europeus? Pois, é no processo de colonização que há um processo de significar o índio que não

estacionou no tempo, nem no dizer de Pero Vaz de Caminha e Pero de Magalhães Gândavo e,

de outros portugueses. Isso conduziu a um movimento na história que ecoa até os dias de hoje,

ou seja, essa identidade indígena, é hoje, consequências de um dizer e de um já-dito que

resultou na constituição da identidade de uma nação por meio do olhar de outra que tinha

ideologias bem diferentes? Como se pode verificar no recorte do trecho da obra História da

Província de Santa Cruz de Gândavo escrito em 1575.

6 Uma obra passa a ser um “documento” na medida em que ela é historicizada, ou seja, na medida em que ela se

torna objeto e traça percursos. Sua tipologia é variada e caracteriza-se pelo caráter metalinguístico. Por vezes, ele

se apresenta inserido em um texto teórico, outras vezes apresenta-se como texto de arquivo, com o objetivo

reconhecido de documentação. (HORTA NUNES, 2008, p.83).

66

As invenções e galantarias de que usam, sam trazerem alguns o beiço debaixo furado,

e huma pedra comprida metida dentro do buraco. Outros há que trazem o rosto todo

cheio de buracos e de pedras, e assi parece mui feitos e diformes; e isto lhes fazem

enquanto sam meninos.

...

Mas a vida que buscam e grangearia de que todos vivem, he á custa de pouco

trabalho, e muito mais descançada que a nossa: porque não possuem nenhuma

fazenda, nem procuram acquiri-la como os outros homens, e assi vivem livres de toda

cobiça e desejo desodernado de riquezas, de que outras nações nam carecem; e tanto

que ouro nem prata nem pedras preciosas têm entre elles nenhuma valia, nem pera seu

uso têm necessidadede nenhuma cousa destas, nem doutras semelhantes. (Grifo

nosso).

No discurso acima, Gândavo revela que as ideologias dos indígenas são diferentes das

dos outros homens de uma sociedade respaldada no capitalismo lucrativo e ambicioso, no

materialismo e nas lutas de classes, os índios não precisavam desse modo de vida,

culturalmente eles obedeciam ás regras da natureza, eles eram nômades, respeitavam o

ambiente, exploravam o necessário para sobreviver, não precisavam desmatar, poluir rios,

explorar minérios. De acordo com os pressupostos sobre o arquivo, o discurso documental é

memória institucionalizada. Apesar desses textos serem escritos por viajantes, tornaram-se

memorias na constituição da história do Brasil, e imaginariamente configuram uma identidade

no dizer do colonizador.

A linguagem é o lugar do processo ideológico discursivo da identidade do sujeito índio.

Pois, nos textos produzidos sócio-historicamente em seus contextos culturais, ou seja, nas

condições de produção dos mesmos, materializa-se a identidade indígena. Isso é, analisaremos

como a identidade indígena que se constitui no funcionamento da linguagem do europeu no

contato entre colonizadores e colonizados, entre brancos e índios, pois não se pode esquecer

que “todo contato é marcado por uma direção, ou seja, aquele entre o dominante e o dominado

– aparecem alguns domínios privilegiados pelos quais se pode observar o processo de contato

em suas determinações”. (ORLANDI, 1989, p.11). Porque o reflexo desse contato está

materializado nos arquivos documentais, memória de um povo.

Na Carta de Caminha, assim como, em textos de viajantes relatam-se à coroa

portuguesa que era preciso manter alguns degredados na nova terra para tomar a conhecer essas

terras. Ou seja, para se conhecer ou saber sobre as riquezas da terra era preciso manter alguém

aqui e não levar alguns índios para Portugal. Esse olhar europeu demonstra que a ideologia

europeia era a expansão marítima, as conquistas de terras. Podemos confirmar isso, no

discurso de Caminha:

67

[...] E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a

Vossa Alteza pelo navio de mantimentos, para a melhor a mandar descobrir e saber

dela mais do que nós agora podíamos saber, por irmos de nossa viagem. (Grifo

nosso).

...

Sobre isso acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral

costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de

tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam

dois homens destes degredados que aqui deixassem, do que eles dariam se os

levassem, por ser gente que ninguém entende...

Então, o Estado, representado no ato da colonização pelos portugueses, nas formações

discursivas reflexos de suas ideologias, eles desprestigiaram a cultura indígena e valorizaram a

sua cultura que era letrada e, assim procuraram apagar a cultura indígena que ainda não tinha

posse da escrita. Os colonizadores não reconheceram o respeito dos índios pela mãe natureza,

não entenderam que os índios não precisavam de documentos escritos, respeitavam seus

superiores como o pajé. Que os índios não precisavam de ouro, pois viviam muito bem com

aquilo que a natureza oferecia. Por isso, as condições materiais que precisavam para sobreviver

os constituíam sujeitos com identidade própria e conservavam uma ideologia de respeitar a

biodiversidade. Mas o discurso do colonizador fez com o processo de aldeamento

desconstruísse sua identidade e lhes implantasse outra, como está registrado no Decreto 426 de

1845, que discutiremos no próximo capítulo. Portanto, diz Orlandi (2008, p.43) “não há

discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia [...]” e é “no discurso que se configura a

relação da língua com a ideologia”. Com base no recorte da Carta de Caminha (1500), pode-se

compreender o uso da linguagem na representação ideológica dos portugueses:

Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos diretos à Cruz, que

estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para erguer amanhã, que é sexta-

feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o

acatamento que lhe tínhamos. E assim fizéssemos. A esses dez ou doze que aí

estavam, acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.

Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam

logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma

crença.

E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem, não duvido que eles,

segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa

santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e

de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes

quiser dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons

homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa. (Grifo nosso).

68

E, a ideologia que repercutia nos dizeres dos colonizadores no processo da colonização,

de que a cultura indígena não prestava, não era boa, isso ainda ecoa na sociedade. Por isso a

sociedade brasileira ainda hoje acredita que boas são as coisas importadas, os pacotes

importados, as formas de educação importadas, isso significa que o discurso colonial ainda

produz sentidos. E Orlandi (2012, p.64) ainda diz: “o que em minhas palavras lembrando o que

é ideologia para a análise de discurso, significa o efeito é a causa. Não há origem, não há

sentido senão relação”. Nessa relação que foi estabelecida com os indígenas, os colonizadores

criaram uma identidade simbólica que produziram efeitos de sentido.

Tratar da questão de identidade é tratar das diferenças no âmbito social, político, cultura

e ideológico. Essas diferenças vão demarcar os espaços de ocupação do sujeito e assim

constituir sua identidade, pois essa se constrói nas diferenças. Logo, a identidade indígena é

assim, constituída pela diferença entre colonizador/colonizado, europeu/outro, o não-

índio/índio. Essas diferenças promovem muitas vezes a exclusão, a ausência de poder, a

dificuldade de se conquistar algo, a falta de identidade e, na falta de uma identidade se constitui

uma. Pois como diz Orlandi (2015) a falta é também lugar do possível.

Quando se trata das próprias diferenças nacionais, e que em determinada região um

povo se sente melhor que o outro seja nos aspectos das representações culturais, históricas,

econômicas, linguísticas e ideológicas, um quer superar o outro. E, nesse processo de

representação acontecem a interpelações ideológicas e discursivas, e se constitui a

identificação. Nesse modo de produção são estabelecidas as diferenças e a constituição da

identidade indígena se configurou ao longo desses cinco séculos de história.

Essa teoria da Análise de Discurso nos ajudará a olhar a etnia indígena, não com um

olhar de historiador, ou como nos mostram os livros didáticos de História, mas essa teoria nos

ajudam a compreender o “como” e o “porquê” os índios na história foram constituídos como

“incapazes” e foram tutelados e perderam seus direitos sobre a terra em que habitavam, ou

seja, perderam o direito de serem donos de suas terras.

É com o olhar de analista de discurso que procuramos compreender o que nos conta a

história em documentos escritos, não pelos índios, mas por portugueses e depois pelo Estado

que não tem representação indígena.

Dessa forma fica claro que essa identidade diz respeito à forma-sujeito do índio no

contexto histórico da colonização, pois mesmo no ato da colonização o índio já tinha uma

forma-sujeito. Era outra forma de organização de sociedade indígena em 1500, mas ele assume

69

a forma-sujeito diferente do modo de produção dos portugueses, ou seja, a formação discursiva

do europeu interpela devido ao contexto de produção. Retomando aos pressupostos de

Althusser sobre ideologia e interpelação, já que estamos tratando de interpelação, o autor vai

dizer que o indivíduo se constitui sujeito pela ideologia, é que só há ideologia pelo e para o

sujeito, e que só há prática através de e sob uma ideologia, então, o sujeito ao ser interpelado

ele se significa pela ideologia, há um processo de identificação desse sujeito com aquela

ideologia, e assim ele se constitui. Sobre essa identificação do sujeito, Gallo (1995, p.23) diz:

Com o sujeito se colocando, na origem no sentido, perde-se para ele a dimensão

material e histórica do sentido e instaura-se no lugar da ‘materialidade histórica’ a

‘transparência da linguagem’. Isso se daria por um processo de interpelação-

identificação-apagamento do sujeito em relação à determinada formação ideológica”.

Portanto, o processo de interpelação – identificação – apagamento do sujeito índio

materializa uma identidade simbólica da ideologia europeia. E assim, nessa inscrição de uma

forma sujeito de direito, o índio tem uma identidade de um sujeito incapaz, assujeitado que

depende da intervenção do Estado e de políticas públicas educacionais.

4.3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE EDUCAÇÃO INDÍGENA APÓS 500 ANOS

DE RESISTÊNCIA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

O nosso objetivo nesse capítulo é procurar compreender o que são políticas públicas, de

que lugar elas são construídas e, como essas políticas públicas para educação indígena

pretendem atender toda essa diversidade cultural dos diferentes povos indígenas, já que foi

essa diversidade que provocou tanta resistência desses povos ao longo de mais de 500 anos de

colonização portuguesa. Em nome de uma diversidade linguística, inclui-se a diversidade

cultural. Esta é uma questão política. Conforme Mariani e Medeiros (2013, p.23) “o trabalho

da análise discursiva dos processos de produção de sentidos, e de seus efeitos, quando

tomados do ponto de vista de Pêcheux e Orlandi, incide na suspensão das certezas, na crítica

das evidências, na construção das verdades, na escuta do silêncio e das políticas de

silenciamento”.

O trabalho da análise discursiva dos processos de sentidos construídos na relação de

poder entre brancos e índios aqui versa sobre as políticas, sobre educação indígena, após mais

70

de 500 anos de resistência, ou seja, mesmo impondo o poder da coroa portuguesa, como

vimos no processo de colonização, nos documentos de relatos de viagens, mesmo passado

pelo processo de interpelação, pela ideologia como sujeito-jurídico, sujeito do capitalismo,

historicamente e politicamente sendo submetidos à aprenderem uma nova língua ( primeiro a

Língua Geral, depois a Língua Portuguesa), a todas essas formas de apagamento e

silenciamento com o processo de aldeamento, os povos indígenas resistiram à esse

assujeitamento mantendo ainda hoje, mais de 180 línguas indígenas, como veremos nos

documento de políticas públicas.

Enfim, para compreendermos essas questões, primeiro, precisamos retomar o que é o

político na perspectiva na Análise de Discurso e, como os índios se demostraram resistentes

ao longo dos anos. Ou seja, como os índios conseguiram manter suas diferenças culturais em

meio à tanta forma de interpelação. O ponto de partida para isso é compreender esses aspectos

do político e da resistência. Nessa direção nos pautaremos em recortes de documentos, leis e

políticas públicas tais como, Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas de 1999.

Esse documento apresenta critérios para a Educação Indígena- RCNEI – ele é semelhante às

propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, as Diretrizes para Política Nacional

de Educação Escolar Indígena, a Escola Indígena – a Lei 12.711 de 2012 que versa sobre a

política de cotas em escolas e universidades para pretos, índios e pessoas com deficiência.

Tratar da questão de política pública é tratar de políticas específicas para atender a um

grupo social, que, de uma certa forma, encontra-se à margem da sociedade capitalista. Então,

poderíamos dizer que essa política busca atender às necessidades de um grupo que ocupa um

lugar social ou que está fora da sociedade. Aqui, neste trabalho o espaço é para o indígena, a

ocupação indígena na sociedade brasileira, em especial, a constituição de sua identidade e o

espaço escolar que ocupa esse sujeito após mais de 500 anos de interpelação e resistência.

Pois o indígena, desde a colonização, foi posto à margem, eram vistos como desorganizados e

o objetivo da educação indígena dada pelos padres Jesuítas, era o de desterritorializar e

construir uma nova identidade para os índios. Para isso, os índios eram interpelados de

diversas maneiras, principalmente por meio da língua e da cultura, como vimos. Dessa forma,

as políticas públicas para educação indígena deveriam reconstruir aquilo que ficou silenciado

durante séculos, que foi a cultura indígena e o apagamento da língua.

O lugar de ocupação desse sujeito desde a chegada dos europeus sempre foi o de

silenciamento, afetado pelo simbólico e pela política dos colonizadores. Hoje, esse lugar do

sujeito indígena deixa de ser um lugar imaginário e passa a ser o lugar real. Mas, o real da

71

história o havia colocado em um lugar simbólico naquelas condições de produção do período

colonial. Sobre isso, Orlandi (2010, p. 6) diz:

Consideramos, pois, que, discursivamente, o espaço significa, tem materialidade e não

é indiferente em seus distintos modos de significar, de enquadrar o acontecimento. É

pela aproximação do espaço com as condições de produção, que podemos ter uma

noção de espaço não mais só tecnológica [...] mas significativa. Deixar de ser uma

noção de espaço instrumental e idealista, sai-se dos domínios dos projetos enquanto

abstrações, e do construído, para a noção de processos de produção de um espaço em

que entram as práticas públicas enquanto afetadas pelo simbólico, pela historicidade.

Afetadas pelo real e pelo imaginário.

Dessa forma, pode-se dizer que o índio tal como foi historicizado, é um ser imaginário

do discurso fundador, ou do discurso do europeu. Pois, no processo de colonização

portuguesa, o índio foi violentamente silenciado por meio da censura linguística e cultural da

política de colonização dos europeus, pois naquelas condições nos séculos XV, XVI e XIX, os

europeus ocupavam um lugar de colonizadores, estavam sempre em busca de terras e de

pessoas que pudessem ser colonizadas, conquistadas e escravizadas. Para isso, contavam com

suas forças materiais e espirituais. De um lado, eles, os portugueses contavam com armas de

fogo, bússola, pólvora e a escrita, como também tinha ao seu lado a igreja para agregar almas,

ou seja, interpelar os colonizados para fé cristã como mostraram os relatos de viajantes e o

Decreto 426 de 1845. Do outro lado, estavam os índios que não detinham a escrita, era uma

sociedade oralizada e sem as tecnologias, que era de domínio dos europeus. Portanto, a

tecnologia usada pelo índio era a oralidade, que para os colonizadores isso não constituía uma

sociedade, era preciso ter a escrita, daí a ideia de povo imaginário, um povo sem memória,

sem organização social e que era um lugar propício para colonizar, catequisar. Isso promoveu

um apagamento cultural daquela nação, que conforme Pero Vaz de Caminha (1500), relatou

na Carta ao rei de Portugal, ser um povo “fácil de amansar”, que quer dizer interpelá-lo, fazê-

lo se comportar de maneira dócil, vesti-lo, adotar hábitos diferentes dos de sua cultura

indígena – que significa interpelá-lo com outra ideologia – a ideologia do europeu. Mas

apesar de todo um processo de interpelação do branco, os documentos do século XXI que

promovem as políticas públicas, mostram que houveram “falhas”, ruptura nesse processo de

interpelação e os índios ainda hoje mantém uma diversidade linguística que sobreviveu, ou

resistiu ao processo histórico e político do europeu e do Estado.

Para retratar situação escrita acima, Bonácio e Honório no artigo Identidade, História e

Língua: o outro e o centro na construção discursiva do sujeito-índio (2007, p. 1267) diz que:

“[...] sabemos que o contato da cultura europeia com a indígena se deu de forma violenta. A

72

cultura ocidental imposta no Brasil permitiu a interpretação do indígena como o “outro” e do

europeu como o “centro”. Dessa forma, a cultura “boa” era a do “centro, a do europeu e, com

as ideologias dos europeus inicia a construção de uma identidade imaginária para os índios e,

que hoje, o Estado reconhece a necessidade de políticas públicas para reparar as diferenças

criadas no ato da colonização. As autoras(idem) ainda destacam que o “Estado queria

controlar o indígena, tendo uma imagem de que ele devia obedecer ao branco, e reconhecer

sua autoridade”. Foi desse lugar de “outro” e de “centro” que se interpelou e constitui a

identidade simbólica para os índios. Lugar de um ser submisso, sem cultura, sem lei, sem

ideologia e que depende do europeu e depois do Estado conforme o Código Civil de 1916, já

citado e, também a Constituição de 1988, esses documentos ajudam a compreender a

estruturação da administração das terras que já pertenceram aos indígenas, daí o processo de

tutela indígena pelo Estado.

Como já discutimos, esse contanto significou mudanças violentas na cultura indígena e

na língua. Ao serem catequisados pelos Jesuítas, tornam-se sujeitos históricos. Ali, no

momento de catequização há o que se pode chamar de acontecimento histórico, há nesse

processo de catequização um deslocamento do sujeito, há a construção de uma identidade de

“cento”, pois os índios tiveram que se submeterem à catequização, interpelação da ideologia

da religiosidade europeia. Esse processo também foi violento, mas não foram todos os grupos

ou aldeias que se deixaram catequisar, muitos resistiram, lutaram, fugiram ou foram

dizimados, como mostra a história do Brasil contada nos livros didáticos.

Mas esse deslocamento cultural se dá por meio da linguagem – é porque o sujeito é

passível de assujeitamento, porque ele está sempre aberto às novas ideologias, podem ser

constituídos de ideologias diferentes, há no sujeito uma incompletude, pois “a condição da

linguagem é a incompletude. Nem sujeito nem sentidos estão completos, já feitos, construídos

definitivamente. Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do

movimento” (ORLANDI, 2015, p.50). Essa falta foi a ruptura que fortaleceu a resistência

linguística de grupos indígenas que ainda hoje mantém viva a língua de sua tribo.

Segundo Orlandi (2010, p.6) na obra Políticas públicas: a fabricação do consenso, ela

nos diz que “as políticas públicas faz surgir um consenso7 entre os sujeitos e a sociedade”.

7O consenso traz em si, e pelas suas definições no campo das ciências sociais, a noção de unidade e constitui a

base para se pensar os grupos humanos sem estacionar na ideia de um amontoado de indivíduos. Quando se pensa

o consenso, se pensa a ligação que une a sociedade. (ORLANDI, 2010, p. 6)

73

Esse consenso é uma maneira de os envolvidos (sujeitos e sociedade) caminharem em busca

de reduzir os espaços de diferenças e, passam a acreditar em um novo processo histórico,

político e social que com as políticas públicas o Estado vai solucionar os conflitos que foram

materializados na história. Sobre essa produção do consenso, Orlandi aborda que:

A produção do consenso, apoiada na prática da opinião pública, é assim considerada

um ideal para solucionar satisfatoriamente os conflitos sociais, pela instituição de um

“nós” coletivo sobre o qual desenhar políticas que atendam às aspirações e

sentimentos compartilhados pelos indivíduos e grupos que integram a sociedade. (2010, p.6)

A forma satisfatória encontrada pelo Estado para controlar os conflitos sociais entre

índios e sociedade foi a criação de algumas políticas públicas para educação indígena com a

intenção de resolver as questões de identidade do povo indígena, daí a criação cotas e do

Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas (RCNEI). Esse documento, assim

como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – é composto por uma série de propostas

para atender o ensino escolar indígena, ou seja, ele sugere como deve ser o processo de ensino

para atender às necessidades do índio. No recorte a seguir, confira como isso foi descrito para

atender as propostas da LDB 9394/96. Das Disposições Gerais no Artigo 78 – aborda a

questão da educação escolar bilíngue e intercultural dos povos indígenas como um de seus

objetivos a recuperação das memorias históricas e reafirmação de suas identidades étnicas

como veremos mais adiante, nesta análise.

Segundo Pfeiffer, no artigo Políticas Públicas de Ensino (2010, p. 85-86), “[...] as

políticas de ensino estruturam-se sob o mesmo funcionamento que sustentam as políticas

públicas em geram na história brasileira (e também mundial), guardados suas especificidades

e ligeiras diferenças”. Ou seja, as políticas públicas têm suas origens nas diferenças históricas

entre grupos sociais e etnias. Essas diferenças são geradas na constituição da história de uma

nação, de um povo. Mas o que muda nas políticas públicas são suas especificidades, as

necessidades de cada grupo social ou etnias, por exemplo: índios e negros africanos tiveram

históricos parecidos na constituição da nação brasileira, porém há diferenças na especificidade

para cada etnia, pois muitos índios ainda vivem distantes dos centros urbanos.

As políticas públicas para Educação Escolar Indígena estão respaldadas na Lei LDB

9394 de 1996 e na Constituição de 1988, a pesar dessas leis garantirem a diversidade cultural

e a educação bilíngue para a nação indígena, foram criados também outros documentos como

o Parecer 14/99 e a Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação. Nesses documentos

74

são garantidos direitos para criação de escolas indígenas em áreas de ocupação indígenas, isto

é devido às suas especificidades. Para que essas escolas fossem realmente criadas, efetivadas

elaboraram ações necessárias para o funcionamento do ensino bilíngue e intercultural. O MEC

– Ministério da Educação, criou um setor para cuidar dessas especificidades indígenas que é a

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secad). Essas

ações são necessárias para um funcionamento e garantia dos direitos indígenas garantidos em

lei. Pois para uma escola indígena funcionar dentro dos parâmetros necessários e atender às

diversidades culturais, é necessário que se tenha escolas nas comunidades indígenas e

professores capacitados e falantes da língua maternas das tribos. Para isso vejamos algumas

ações criadas pelos Cadernos Secad 3, Ministério da Educação (2007, p. 74):

1.Formação inicial e continuada de professor indígena em nível médio (Magistério

Indígena). Esses cursos tem em medida a duração de cinco anos e são compostos, em

sua maioria, por etapas intensivas de ensino presencial (quando os professores

indígenas deixam suas aldeias e, durante um mês, participam de atividades conjuntas

em um centro de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre

a prática pedagógica nas aldeias. O MEC oferece apoio técnico e financeiro à

realização dos cursos.

2.Formação de Professores Indígenas em Nível Superior (licenciaturas interculturais).

O objetivo principal é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das

quatro séries finais do ensino fundamental, além de implantar o ensino médio em

terras indígenas.

3. Produção de material didático específicos em línguas indígenas, bilíngues ou em

português. Livros, cartazes, vídeos, CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos

professores indígenas são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às

escolas indígenas.

Essas políticas públicas, criadas pelo MEC a partir da Constituição de 1988 e da LDB

de 1996, apresentam um discurso diferenciado dos discursos dos colonizadores no período

colonial e imperial, conforme vimos nos documentos analisados do séculos XV, XVI e XIX, o

que se constata na historicidade é que as políticas públicas do século XX e XXI tentam sanar

problemas políticos desses três primeiros séculos, mas em apenas três décadas de efetivação

dessas leis e, nesse percurso a criação dessas políticas públicas para atender as especificidades

indígenas, só reafirmam a resistência da nação indígenas, mas ainda é só o despontar desse

novo olhar sobre os índios. O Estado compreende nessa nova condição de produção nesses

discursos documentais, que o que propuseram os colonizadores no ato da colonização, e que

perdurou durante séculos não se materializou por completo porque o assujeitamento não se dá

75

por completo. Sobre isso, o Parecer do Conselho Nacional de Educação 14/99 (p.4) discorre

assim:

Aos processos educativos próprios das sociedades indígenas veio somar-se à

experiência escolar com a s várias formas e modalidades que esta assumiu ao longo da

história de contato entre índio e não-índios no Brasil. Necessidade formada “pós-

contato”, a escola assumiu diferentes facetas ao longo da História num movimento

que vai da imposição de modelos educacionais aos povos indígenas, por meio da

dominação, da negação de identidades, da integração e a homogeneização cultural, a

modelos educacionais reivindicados pelos índios, dentro de paradigmas de pluralismo

cultural e de respeito e valorização de identidades étnicas. (Grifo nosso).

Todo esse processo histórico justifica a necessidade de diferentes propostas de políticas

públicas e para atender às necessidades e especificidades das escolas indígenas, para isso

precisa-se de professores qualificados, material pedagógico específico para cada grupo

indígenas, precisa-se de escolas nas áreas indígenas para garantir a diversidades cultural de

cada povo. Discursivamente, politicamente os efeitos de sentidos dessas vozes do Estado,

nesses documentos e políticas públicas, revelam uma necessidade criada a partir das relações

de poder entre brancos e índios.

Por isso, hoje, a Lei de 12.711 de agosto de 2012, Lei que regulamenta as cotas para

negros, índios e pessoas com deficiência, para ingressos nas universidades federais e nas

instituições federais de ensino técnico de nível médio. Esta Lei configura uma das políticas

públicas para reduzir as diferenças sociais construídas com o processo histórico. Vejamos no

artigo que segue como funciona essa política pública que contempla os indígenas:

Art. 1º - As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da

Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de

graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas

para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas

públicas. (Grifo nosso).

Art. 3º - Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o artigo

1º desta Lei serão preenchidas por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e

indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao

total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e

pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a

instituição, segundo o último senso da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE (Redação dada pela Lei Nº 13. 409, de 2016). (Grifo nosso).

No primeiro artigo desta Lei são resguardadas 50% das vagas para estudantes oriundos

de escolas públicas. E no terceiro artigo, as outras 50% das vagas para serem redistribuídas

76

entre pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Nas regras dessa lei já geram

conflitos e exclusão porque, segundo o IBGE, senso de 2015 mostra que a população

brasileira é composta de 54% de negros e pardos, ainda tem os indígenas e pessoas com

deficiência, para compartilharem de apenas 50% das vagas reservadas pela Lei supracitada,

logo não há uma proporção. E essa política pública não resolverá os problemas sociais dessas

etnias. E os indígenas que chegam às universidades são um número bem reduzido, pois eles

ainda se concentram em área distantes dos centros universitários. Ainda há o problema da

locomoção, que é outro fator que impede o preenchimento dessas vagas por indígenas. Além

disso, os índios enfrentam dificuldades para concluírem a Educação Básica. Esse ensino está

garantido pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases. Mas na prática esses discursos do

Estado não estão sendo o suficiente para resolver as questões históricas e políticas da

identidade indígena, constituída no processo histórico.

Pfeiffer (2010, p. 86) diz que “... as políticas sociais são instrumentos importantes no

sentido de amenizar as desigualdades originadas no mercado”. E acrescenta (idem, p. 89) “as

políticas de ensino do MEC e suas legislações correlatas, como a nova LDB de 1996 são

lugares analíticos importantes na compreensão de algumas interpelações dos sujeitos pelo

Estado”. Sobre isso pode-se destacar que o Ministério da Educação e Cultura – MEC, a partir

da Constituição Federativa Brasileira de 1988, procura redefinir a identidade indígena. A

Constituição é um documento que reconhece as particularidades da cultura indígena, sua

língua e estruturação social, conforme o artigo abaixo:

Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,

crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente

ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus

bens.

Apesar do reconhecimento da organização social, da diversidade linguística e das

especificidades dos povos indígenas, pelo Estado, tudo isso não faz retroceder um processo

identitário, mesmo que imaginário, daí as falhas nas políticas públicas. Portanto, o MEC passa

a repensar as relações do sujeito índio para com o Estado. Em 1996, foi criada a nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Como vimos nessa Lei que também redefine o

papel identitário da Educação Indígena que passa a ter um caráter não mais de integração

forçada dos índios à sociedade nacional, como fizeram os Jesuítas no processo de

colonização. O que se propõe no século XX, com esses documentos oficiais, a Constituição e

a LDB já citadas, é o reconhecimento da diversidade sócio-cultural e linguística da nação

indígena. Vejamos o artigo que segue da LDB 9394/96.

77

Art. 78 – O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de

fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de

ensino e pesquisas, para oferta de Educação escolar bilíngue e intercultural aos povos

indígenas, com os seguintes objetivos:

I – Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos a recuperação de suas

memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de

suas línguas e ciências; (Grifo nosso).

Sabemos que esses documentos desse século mostram uma nova relação social entre o

Estado e os índios, mas ainda prevalece a voz do “centro” que é o Estado, que assume a

posição do colonizador do século XV. Como o momento de produção em que se configura

essa sociedade do século XX, faz-se jus também oferecer aos indígenas uma relação direta

com as tecnologias em que a sociedade brasileira está inserida, já que hoje o índio compõe

esse cenário de globalização. Pois, a LDB também assegura aos indígenas, acesso às

tecnologias por meio do ensino conforme o Artigo 78 da LDB, no segundo inciso. Vejamos

na forma da lei;

II – Garantir aos índios suas comunidades e povos, o acesso às informações,

conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades

indígenas e não-índias.

Os índios por estarem em outro momento histórico, há uma necessidade de não

permanecer fora da sociedade brasileira. As políticas públicas institucionalizadas para

indígenas reconfiguram a identidade dessa nação. E, o mais interessante foi a resistência

dessas etnias, após 500 anos de colonização que tiveram suas línguas silenciadas, dizimadas,

mas muitas ainda conseguiram ser preservados parte dos grupos étnicos com cerca de 210

grupos distintos e falantes de mais de 170 línguas diferentes. Orlandi (2008, p. 56) diz

“quanto mais força para igualar o indígena ao branco maior a sua exclusão”. E Orlandi apud

Honório (2008, p.221) diz que: “o branco sempre agiu de forma a excluir a língua indígena o

processo de homogeneização silenciou muitas línguas indígenas”. Portanto os índios não

foram interpelados da forma como se imaginou o europeu, aí reside o silêncio em forma de

resistência, por isso o silêncio se significa, ou seja, ele diz algo.

Pfeiffer (2010, p. 98) diz que “na relação entre o administrativo e o jurídico, o político

funciona como argumento [...] o político como argumento funciona justamente no

silenciamento de outras práticas não coesas com aquilo que já está devidamente administrado

e que se sustenta por uma discursividade jurídica”. A autora conclui assim “[...] dito de outro

78

modo, o político como argumento sustenta o não deslocamento, mantendo o sentido de

benefício para aqueles que têm garantido direitos”. Portanto, o que o político garante com as

políticas públicas foram os direitos sequestrados no processo histórico, os direitos dessas

etnias foram usurpados, negados aos grupos sociais e étnicos e, aqui, queremos dizer a etnia

indígena tiveram suas identidades assujeitadas, silenciadas, em parte apagada, transformadas,

mas não foram vencidos nessa relação de poder com o Estado.

Mostraremos, então, como os documentos históricos literários e documentos oficiais do

Brasil colaboraram com a construção da identidade indígena hoje e que criaram condições

para o reconhecimento da dívida do Estado para com os povos indígenas por meio da

implantação de políticas públicas para Educação Indígena. Essa implantação de políticas

públicas para Educação Indígena fez a sociedade e o Estado repensarem a significação da

resistência indígena que tem sua origem no processo de colonização portuguesa e

catequização pelos Jesuítas. Isso acontece desde o século XV e tem seu curso ao longo da

história que percorre cinco séculos de lutas até a institucionalização da Educação Escolar

Indígena em 1988 na Constituição Federal e consolidada com a Lei de Diretrizes e Bases de

1996. O ponto essencial desse capítulo é a constituição de uma identidade indígena em textos

do século XV, XIV, XIX e XXI, que vem sendo discutido, observando e o modo de analisar,

como esses discursos funcionam na constituição das diversidades culturais dos povos

indígenas que atravessam séculos.

Partindo do Decreto Nº 426, de 24 de Julho de 1845, que regulamenta acerca da

catequese e civilização dos índios, pretende-se mostrar a forma como a identidade dos grupos

indígenas que permaneceram entre os colonizadores foi assujeitada, silenciada e interpelada

com as ideologias dos europeus, sem contar a destituição das terras desses sujeitos silenciados

e que passaram a ter uma identidade simbólica. Pois o europeu na posição de sujeito falante,

ativo, dono de um discurso fundador constitui um sujeito índio na posição de selvagem”,

aquele que precisa ser domesticado, ensinado. Segundo Honório no artigo A construção

discursiva do espaço brasileiro em Viagem ao Brasil: inclusões e apagamentos, publicado em

periódicos.sbu.unicamp, nesses termos a autora aborda (2005, p.89):

Tendo em vista um contexto histórico particular, o da construção de uma consciência

nacional, as imagens que se constroem sobre os espaços brasileiros e sobre os

indígenas são atravessados pelo discurso da descoberta. Nesta discursividade instaura-

se um lugar de identificação para estes sujeitos que são ora de seu apagamento no

espaço, ora de sua naturalização. Vistos como sujeitos passivos, a história da

insurreição não convocada enquanto memória.

79

Mas retornemos ao Decreto citado acima. Nesse documento pode-se acompanhar a

historicidade da identidade indígena, a redefinição de sua cultura, o silenciamento e a

resistência de alguns grupos, além do modo ou estratégias de interpelação dos colonizadores

portugueses para atrair os indígenas. Primeiramente, veja o recorte de abertura do Decreto

426, de 24 de julho de 1845, nele está escrito: “Contêm o Regulamento acerca das Missões de

Catechese, e civilização dos Índios”. Para começo de conversa, o regulamento trata das

missões catequéticas que interpelaram os índios com ensinamentos católicos Jesuíticos

conforme foi relatado na Carta de Caminha que essa gente precisa ser catequisada. Como

também era papel dos Jesuítas a implantação de uma Língua Geral nas Províncias, ou seja,

uma língua que fosse falada por todos da Colônia (índios e portugueses).

Com a implantação de uma língua que não era o Tupi puramente indígena, mas uma

versão que tornou-se a Língua Geral falada nas terras Basílicas, como também a língua dos

índios era totalmente oralizada e passa a ser escrita com a gramaticalização criada pelo

Jesuítas. Além disso, com a Língua Geral, agora falada por tribos e etnias diferentes houve

um processo de identificação desse sujeito. Vejam Honório o que diz (2000, p.67):

Representações imaginárias produzindo efeitos de sentido sobre o real: o real histórico

e o real da língua. Nesta direção, nos interessa menos a categorização da língua do que

os efeitos que a relação de contato produz sobre ela e seus falantes, assim como os

efeitos que a própria categorização produz na construção de um imaginário da língua e

no processo de identificação dos sujeitos.

Pensando assim a relação de contato entre os colonizadores e o índio provocou efeitos

de sentidos imaginários no processo de identificação indígena. Além do processo catequético

regulamentado no Decreto 426, há também o processo civilizatório do índio. Isso significa

amansá-lo, reassujeitá-lo, interpelá-lo, como relatou Pero Vaz de Caminha na Carta, em sua

carta, documento esse já citado tantas outras vezes nesse trabalho. Veja como isso procede

nos recortes desse Decreto de 1845:

Art. 1ºHaverá em todas as Províncias um Director Geral de Indios, que será de

nomeação do Imperador. Compete-lhe:

§ 2º Indagar os recursos que offerecem para a lavoura, e commercio, os lugares em que estão

collocadas as Aldêas; e informar ao Governo Imperial sobre a conveniencia de sua

conservação, ou remoção, ou reunião de duas, ou mais, em uma só.

§ 3º Precaver que nas remoções não sejão violentados os Indios, que quizerem ficar nas

mesmas terras, quando tenhão bem comportamento, e apresentem um modo de vida industrial,

principalmente de agricultura. Neste ultimo caso, e emquanto bem se comportarem, lhes será mantido, e ás suas viuvas, o usufructo do terreno, que estejão na posse de cultivar.

80

§4º Indicar ao Governo Imperial o destino que se deve dar ás terras das Aldêas que tenhão

sido abandonadas pelos Indios, ou que o sejão em virtude do § 2º deste artigo. O proveito, que se tirar da applicação dessas terras, será empregado em beneficio dos Indios da Provincia.

§6º Mandar proceder ao arrolamento de todos os Indios aldeados, com declaração de suas

origens, suas linguas, idades, e profissões. Este arrolamento será renovado todos os quatro annos.

§8º Indagar se convirá fazel-os descer para as Aldêas actualmente existentes, ou estabelecel-os

em separado; indicando em suas informações ao Governo Imperial o lugar onde deve assentar-se a nova Aldêa.

§19º Empregar todos os meios licitos, brandos, e suaves, para atrahir Indios ás Aldêas; e

promover casamentos entre os mesmos, e entre elles, e pessoas de outra raça.

Nesses discursos políticos do Decreto 426, os índios interpelados já passam a ser

sujeito-de-direito que segundo Haroche apud Lagazzi-Rodrigues (1998, p.10):

No curso da história o assujeitamento tomou diferentes formas, até chegar à forma de

sujeito-de-direito, decorrente do Estado Moderno. Assim, trazer para o mesmo nível

de explicação as lutas contra os mecanismos de assujeitamento e as lutas contra a

exploração e a dominação, é ser tomado nas evidencias do sujeito.

A forma-sujeito do índio antes do contato com o europeu, não era capitalista, eles não

precisavam produzir industrialmente como mostra o parágrafo terceiro do Decreto acima

citado, também a sua forma organização política e social não era a que se estabeleceu nesse

processo de aldeamento criado pelo governo imperial e administrado por eles conforme as

ideologias dos europeus de exploração e produção industrial, e até mesmo do controle das

línguas faladas pelos povos indígenas.

Nos recortes abaixo poderemos verificar como os índios eram tratados, forçados a

trabalhar como escravos, perderem suas culturas, suas línguas, suas especificidades, pois no

processo de colonização se falava cerca de 1500 línguas indígenas e existiam milhares de

etnias. Com o processo de colonização e dizimação como já foi comentado nesse trabalho, os

índios passaram a ser misturados em aldeamentos, tiveram que aprender uma língua

imaginaria, um tupi que não era o originário de cada tribo, mas uma versão de língua geral,

isso era facilitador para os colonizadores, eram estratégias e ideologias dos colonizadores para

controlar os índios conforme mostram os recortes do Decreto 426 de 1845 a seguir:

Art. 2º. Haverá em todas as Aldêas um Director, que será de nomeação do Presidente

da província, sobre proposta do Director Geral. Compete-lhe:

§7º Distribuir os objetos, que forem aplicados pelo Director Geral para os trabalhos

comuns, e particulares dos Indios; e os que forem destinados para animar, e premiar

os Indios já aldeados, e attrahir os que ainda não o estejão.

81

A forma de os colonizadores atraírem os índios para o processo de aldeamento era uma

política de interpelação para garantir a permanência dos índios na aldeia com o objetivo de

explorar a força de trabalho e garantir a mão-de-obra escrava. E uma das formas de atrair os

índios era premiá-los com objetos, atribuir-lhes alguns cargos para aqueles que já havia sidos

interpelados conforme mostram os discursos acima.

Segundo Borges (2004, p. 179):

A babel brasílica era tida como uma arte do demônio para dificultar a propagação e a

enculturação do cristianismo, mas também era elemento dificultador do recrutamento

dos indivíduos para a força de trabalho. Isso levou à necessidade de criação das

missões ou dos aldeamentos de redução. Tratava-se do aparato do sistema colonial

nos quais se dava a redução da diversidade ao uno/todo, a fé única, à língua uma e

ao sistema econômico uno. Lembramos que essas novas aldeias conviviam índios de

diferentes tradições culturais e que a língua franca, entre eles, era o tupinambá, a

qual eram forçados a aprender. (Grifo nosso).

No recorte de Borges (2004), ele mostra que a diversidade linguística das etnias

indígenas era vista como uma torre de babel, era um problema, não dava para administrar

todas as línguas faladas pelos indígenas, isso dificultava o controle administrativo nos

aldeamentos, assim era preciso unificar, reduzir a diversidade linguística e a diversidade

cultural, inclusive a fé única em nome de um sistema econômico uno. No entanto, a

resistência dos povos indígenas manteve a diversidade, mesmo que em muitas situações foram

apagadas, mas essa diversidade perdura como mostra o Parecer do Conselho Nacional de

Educação 14/99 de (1999, p.9):

Tal necessidade explica-se pelo fato de, no Brasil contemporâneo, existirem cerca de

210 sociedades indígenas, com estilos próprios de organização social, política e

econômica. Essas sociedades falam cerca de 180 línguas e têm crenças, tradições e

costumes que as diferenciam entre si e em relação à sociedade majoritária. Vivem

processos históricos de colonização que ocasionaram impactos ecológicos,

socioculturais e demográficos. Tais impactos demandaram das populações indígenas

reestruturações para garantir sua sobrevivência física e para resistir culturalmente. A

base sociocultural e política própria e o território de ocupação tradicional sustentam a

diversidade étnica e linguística que o Estado brasileiro reconheceu a partir de 1988,

superando assim, a política integracionista e anuladora da identidade étnica

diferenciada.

Conforme o discurso político do Parecer citado acima, confirma-se a resistência de

grupos indígenas às interpelações dos colonizadores e do Estado durante séculos, é a

diversidade indígenas de mais de 210 povos diferentes com suas culturas e línguas maternas,

exigem sim políticas diferenciadas para cada especificidade. Mas, as políticas públicas do

Estado hoje, são possíveis atender às diversidades que ainda estão parcialmente preservada?

82

Falamos parcialmente preservadas porque o próprio Parecer 14, fala de impactos e

reestruturação indígena, impactos esses provocados pela ação colonizadora. Portanto, todo

aquele processo de uma política integracionista desde a Carta de Pero Vaz de Caminha, como

também no discurso de Pêro de Magalhães Gândavo, que promoviam a unificação de

identidade nos parâmetros europeus de fé e administração das terras basílicas duraram

séculos, mas hoje, o Estado foi obrigado a reconhecer a diversidade e garantir políticas que

recuperem diversidade linguística e cultural indígena. Talvez uma política tardia, mas já é um

avanço.

Insistimos em dizer que é papel do Estado defender essa diversidade linguística e que a

escola deve ensinar a língua materna e a língua da etnia, as políticas públicas estão postas, são

defendidas, mas discursivamente a funcionalidade social, será possível recuperar o processo

histórico de 500 anos?

Sobre história, Orlandi (2008, p. 18) diz que “não há história sem discurso. É aliás pelo

discurso que a história não é só evolução mas sentido, ou melhor, é pelo discurso que não se

está só na evolução mas na história”. E essa evolução produziu sentidos ao longo desses cinco

séculos, a partir do apagamento do índio cria-se as diferenças e a negação de culturas, de

línguas diversas, de povos diversos como mostrou Gândavo em 1575 que havia alí “... os

quaes ainda estejam divisos, e haja entre eles diversos nomes de nações”. Essas nações foram

submetidas a todo um processo histórico como vimos nos excertos de Borges e do Decreto

426 de 1845. Portanto, muitas dessas nações, que Gândavo trata em 1575, foram interpeladas

e transformadas de acordo com as ideologias políticas dos colonizadores no movimento da

história, mas nem todas a nações indígenas se deixaram silenciar.

Os efeitos de sentido produzidos pelos discursos da colonização chegaram ao século

XXI, mas segundo Orlandi (2008, p.19) “o princípio talvez mais forte de constituição do

discurso colonial, que é o produto mais eficaz do discurso das descobertas, é reconhecer

apenas o cultural e des-conhecer (apagar) o histórico, o político.” Por isso, na negação da

diversidade se reconhecia alí uma riqueza cultural, porém difícil de se controlar, administrar

os colonizados e, para manter o controle sobre a nação era preciso unificar, negar e apagar a

diversidade linguística e cultural para não perder o espaço conquistado. Mas com o

reconhecimento pelo Estado das diversidades linguísticas e culturais dos povos indígenas,

cria-se um novo propósito que é a recuperação das especificidades indígenas, tanto

linguísticas quantos culturais.

83

Segundo Honório (2000, p. 72) “refletindo sobre essa polêmica, a propósito da

educação escolar indígena, caracterizada como bilíngue, o que estaria significando

ensinar/falar duas línguas no contexto multilíngue e que línguas são essas? Como (e de que

lugar) se nomeiam as línguas para serem ensinadas no ensino bilíngue?”. Essas questões

discutidas por Honório, provocam ou problematizam questão da política pública ou uma

institucionalização de uma educação para indígenas que respeitem suas diversidades culturais

que envolvem várias línguas de diferentes grupos e povos indígenas, pois como já foi

reconhecido pelo Parecer 14/99 do Conselho de Educação que mostra que ainda há cerca de

170 línguas indígenas faladas em todo território nacional e mais de 210 grupos indígenas

diferentes. Será que essas políticas públicas e leis atendem a essa diversidade?

O MEC, segundo a SECAD há políticas de formação de professores indígenas. Como

também há políticas de escola indígena e de material didático pedagógico. Essas políticas

públicas são importantes para ajudar a resolver parte da situação, mas não reporão 500 anos

de história, de uma política de integracionista e anuladora de identidade. Também apresentam

dificuldades para executar essas políticas, pois conforme está no Caderno 3, SECAD (2007, p.

75): “muitas vezes, os complicados mecanismos de repasse de verbas implicam dificuldades

para que os insumos básicos do funcionamento escolar – como a merenda e o material

didático –cheguem até a ponta inferior do sistema, isto é, as escolas situadas nas aldeias e

comunidades”. Além desses problemas de verbas, ainda é apresentado no próprio discurso do

MEC, dificuldades como na década de 1980, a ausência de interesse de professores não índios

em aprender a língua materna e incorporar os processos nativos. Isso justifica a necessidade

de formação de professores indígenas e as políticas públicas para formação dos mesmos.

Assim surgem os cursos de formação de “magistério indígenas” e posteriormente política

voltada para o Ensino Superior Indígena como o (Prolind) – Programa de Apoio à Formação

Superior e Licenciaturas Indígenas.

Essas medidas certamente não devolverão aos povos indígenas o prejuízo, apagamento

da nação indígena que foi provocado pela colonização e depois mantida pelo Estado. E,

segundo Honório, “[...] além disso, o apagamento do processo histórico de designação das

línguas funciona como uma estratégia de homogeneização do ensino e dos sentidos sobre as

línguas e seus falantes” (2000, p. 72). Essa homogeneização era estratégia para facilitar a

catequização e escravização dos indígenas. Sobre essa homogeneização no artigo As Línguas

Gerais e a Companhia de Jesus – política e milenarismo, publicado na revista de estudos

Linguísticos da Unicamp Borges (2004, p. 188) explica:

84

O sistema de aldeamento revela também um outro aspecto da teoria política de

dominação dos Jesuítas. O crescimento da Ordem na colônia, devido ao aumento de

seu prestigio e de suas propriedades, a exploração da mão de obra indígena para a

produção de riqueza, propiciando à ordem um domínio na economia e na política

coloniais.

...

É claro que o tupinambá continua a ser o instrumento linguístico mais importante no

processo de conversão, e em todas as instancias essa língua vai sendo assimilada e

assimilando ao processo de conversão e de colonização. Mas é especialmente no

terceiro momento, os dos aldeamentos – quando se instaura uma lei supratribal, como

corporificação da presença do estado, uma vez que as aldeias eram concebidas e

administradas à semelhança dos demais espaços jurídicos-administrativos – que ela

se torna a mais eficaz, assimilando-se completamente de aprendizagem baseado no

medo da punição. E é também a partir daí que o tupinambá extrapola as fronteiras do

mundo tupinambá e se generaliza, tornando-se uma língua supraentnica (afinal, é a

língua falada nas aldeias e os não falantes de tupi são forçados a aprendê-la, do

mesmo modo que é uma língua oficial do Maranhão e Grão-Pará). Uma língua enfim,

que não pertence mais aos falantes tupinambá, mas ao processo de colonização. Mais

do que um deslocamento etno-linguístico e territorial, o que se observa é, do ponto de

vista discursivo, a criação de um novo espaço de discursividade a partir de uma

formação histórico-ideológica que, não sendo mais tupinambá, não é, tampouco,

integralmente europeia, uma vez que dialógica e dialeticamente o processo colonial

termina por instaurar um acontecimento novo. (Grifo nosso).

Portanto, a política de ensino bilíngue para nação indígena é uma forma de preservar as

identidades são constituídas de cultura, conhecimento, modo de vida, organização de grupo,

valores, educação e ideologias. Todos esses aspectos fortalecem o sujeito índio e os faz

acreditar nas diferenças. Apesar de todo esse processo descrito por Borges na instauração da

política de aldeamentos, como a língua tupinambá um instrumento linguístico mais

importante no processo de conversão e de interpelação dos colonizadores.

Mas, questões culturais também provocam conflitos quando há quebra de paradigmas,

isso reflete em mudanças culturais e em identidades novas. E nem sempre os representantes

de um grupo tendem a concordar com as ideologias desse grupo étnico ou social, nesse

contexto de não se deixar induzir por tais ideologias e o sujeito é violentamente apagado por

outra etnia ou grupo social. Por isso, nos discursos das descobertas deixaram marcas

produziam sentidos ao longo da história. Segundo Eni Orlandi (2008, p. 18) “de qualquer

modo, o discurso das descobertas é um discurso que domina a nossa existência como

brasileiros, quer dizer, ele se estende ao longo de toda a nossa história, produzindo e

observando sentidos”.

Com o surgimento no final do século XX e início do século XXI, de uma série de

documentos que procura reconhecer a importância de se respeita e conservar a identidade dos

85

povos indígenas, etnia essa, que por mais de 500 anos sofreu com a busca desenfreada dos

povos europeus em mudar o estilo de vida dos índios esse fenômeno aconteceu não apenas no

Brasil, mas ao redor do Globo Terrestre, verifica-se que a identidade de um povo ou de um

grupo não é formada de forma brusca, mas depende de uma história para ir se constituindo,

como foi possível constatar nos documentos analisados até então.

No entanto, o que a história construiu em termos de apagamento em um contexto de

produção, as consequências estão postas para a sociedade solucionar em forma de políticas

públicas. E ainda sobre as políticas públicas, Orlandi (2010, p. 9) aborda que:

O que se vê, pelos resultados alcançados, é que, no entanto, estas políticas produzem

sentidos que caminham na direção em que se produz a segregação, desigualdades,

confrontos de poder e o que chamam de delinquência, reforçando situações de

violência, administrando o preconceito e a rarefação da sociabilidade. O que nos faz

pôr em questão a relação das políticas públicas e o político. Ou seja: as políticas

públicas produzem o político ou o calam? (Grifo nosso).

Na perspectiva de políticas públicas para indígenas, o que se pode pensar no processo

histórico da identidade dessa nação, é que as políticas públicas do ponto de vista de preservar a

identidade linguística e cultural não seria uma segregação, mas se pensar na questão de cotas

justificando uma inferioridade devido à falta de oportunidade de uma educação sem qualidade,

isso materializa uma segregação, um preconceito diante das desigualdades e apagamento da

identidade no período de colonização.

E, os sujeitos procuram nesse ato de assegurar sua cultura, suas origens, e dessa forma

encontram meios de resistir à violência ideológica dos grupos dominadores, colonizadores etc.

Segundo Orlandi (2007, p.2) “a materialidade das condições de produção dispõe a vida dos

sujeitos e, ao mesmo tempo, a resistência desses sujeitos constituem outras posições que vão

materializar outros lugares”. Naquele momento da história os índios para resistirem às

ideologias dos colonizadores, muitos resolveram fugir para o interior do país, se deslocaram

para terras distantes do litoral e juntaram-se a outros grupos, não se deixaram assujeitar pela

língua tupi que tornou-se a Língua Geral. Resistiram às interpelações das formações discursivas

dos colonizadores e dos Jesuítas. A políticas públicas mostram que não perderam suas origens,

suas raízes, suas identidades.

Esses grupos lutaram por manter suas identidades e não se submeteram ao modo de

interpelação do sujeito capitalista, pois como vimos em 1500, os índios que viviam nessas

terras, hoje brasileiras ainda era um índio medieval, ou seja, viviam na natureza e da natureza,

86

cultuavam seus deuses, viviam em equilíbrio com o meio ambiente, essas eram suas formas e

condições de vida. Os portugueses ao chegaram aqui já eram capitalistas, tinhas outras

ideologias, sua forma social estava distante da realidade dos índios, era diferente da forma de

viver dos povos dessa terra. Fica claro, então que o modo de interpelação do sujeito capitalista

pela ideologia é diferente do modo de interpelação do sujeito medieval” (ORLANDI, 2007, p.

2). Por isso, o índio não estava preocupado em cobrir seu corpo, viviam em grupos,

estabeleciam suas regras, as quais eram respeitadas por vontade e não por força conforme

mostra a Carta de Caminha e a História da Província de Sana Cruz de Gândavo.

E sobre esse sujeito medieval, Orlandi ainda acrescenta: “se, no sujeito medieval, a

interpelação se dá de fora para dentro e é religiosa, a interpelação do sujeito capitalista faz

intervir o direito, a lógica, a identificação” (idem). No caso, da situação do índio, ou as

condições de produção da Carta de Caminha, sendo o índio ainda um sujeito medieval, os

portugueses iniciaram uma interpelação usando a religião para interpelá-los. Isso ficou bem

visível na Carta quando Caminha relata que os índios não tinham crenças e que carecia o Rei

mandar uma expedição religiosa para essas terras. O próprio ritual de beijar a Cruz antes da

Primeira Missa nas Terras de Santa Cruz. Gândavo também toma os índios como povos

medievais e tratam da questão de os índios não terem Fé.

Bonácio e Horácio (2007, p. 1267) no artigo Identidade, História e Língua: o Outro e o

centro na construção discursiva do sujeito-índio, aborda:

[...] sabemos que o contato da cultura europeia com a indígena se deu de forma

violenta. A cultura ocidental imposta ao Brasil permitiu a interpretação do indígena

como o ‘outro’ e do europeu ‘o centro’. Diante deste fato, percebemos que esta

construção identitária, por estar presente ainda hoje nas práticas discursivas, tem

sido resignificada no contexto das políticas públicas de inclusão indígena. Pensando

o indígena na atualidade é relevante, então considerar que, se por um lado os povos

indígenas têm direito à igualdade como, por exemplo, ingressar no ensino superior,

constituindo-se como cidadão brasileiro, por outro, tem o direito à diversidade. Nossa

proposta é explicitar como se dá esta construção identitária neste espaço contraditório.

(BONÁCIO E HORÁCIO 2007, p. 1267) (Grifo nosso).

Portanto, no que diz respeito às Políticas Públicas para Educação Indígena, devem levar

em conta a significação da escola para o sujeito índio, a escola deve ser um lugar em que esse

sujeito tenha acesso como garante a LDB e a Constituição Federativa Brasileira de 1988, à sua

língua, identidade, e as tecnologias sociais e que os sujeitos índios tenham o direito à escrita

numa perspectiva de inseri-lo socialmente. E, conforme Orlandi (1999, p.7-8):

87

A escrita, numa sociedade de escrita, não é só um instrumento, ela é estruturamente.

Isso significa que ela é lugar de constituição de relações sociais, isto é, de relações

que dão uma configuração específica à formação social e aos seus membros. A forma

da sociedade está assim diretamente relacionada com a existência ou ausência da

escrita.

Se assim é, podemos dizer que não adianta só “aprender” a escrever, é preciso que

esta aprendizagem não seja mera transcrição mas que inscreva o sujeito na estrutura

social. (grifo nosso).

Por isso, o direito à uma escola indígena garantida por Lei, é manter as relações de

poder entre brancos e índios, não mais numa perspectiva de colonizá-los, mas de dar a esses

sujeitos um lugar que lhes foi negado. O que queremos dizer com o recorte acima é que na

conjuntura social e política do século XXI, não cabe mais os índios aprender a escrever numa

perspectiva integracionista, de extinção de uma nação, mas pensando nas propostas do MEC

conforme o Parecer 14/99 (p. 8):

O MEC, em atendimento ao que lhe compete, publicou em 1993, as Diretrizes para

Política Nacional de Educação Escolar Indígena como necessidade de um

reconhecimento de parâmetros para atuação das diversas agências governamentais e

lançou, recentemente, o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas

(RCNEI), objetivando oferecer subsídios para elaboração de projetos pedagógicos

para escolas indígenas e, assim, melhorara a qualidade de ensino e a formação dos

alunos indígenas como cidadãos.(Grifo nosso).

A partir desses pressupostos do Parecer do Conselho de Educação, o índio nesse novo

espaço de produção, deve estar inscrito no espaço social, ele não pode mais ficar à margem,

nem desvinculado da sociedade, nem ter sua identidade negada. Ele precisa fazer parte da

sociedade como sujeito de direito, mas com suas especificidades também asseguradas.

Pois no processo de colonização a escrita era uma forma de interpelação, mas

historicamente a escrita para o indígena hoje, como uma forma de assegurar o uso de sua

língua, a sua memória histórica se se deslocar de sua cultura e da vida social nacional que

também ter acesso à Língua Portuguesa. Orlandi (1999, p. 9) vai dizer que: “identidade é um

movimento na história”. O que significa que a identidade indígena no século XXI, não pode

retroceder à história, não tem como querer que o índio não tenha acesso à escrita, às tecnologias

sociais. A autora ainda ressalta que “...nos processos identitários é necessário atentar-se à

afirmação da identidade na sua afirmação social”. E por fim ela, a autora (idem)comenta que:

... é preciso se elaborar um espaço para que o índio trabalhe seus processos

identitários de modo politicamente significado. Isso quer dizer que, na perspectiva

discursiva, a identidade resulta de processos e estes são da ordem do simbólico, do

88

social, e do político, no modo como são praticados na história, com suas causas e

consequências.

Esses processos identitários de que trata Orlandi no recorte acima, está respaldado no

Estatuto dos Povos Indígenas: Propostas da Comissão Nacional de Políticas Indígenas de 2009.

No Artigos 26, que trata dos objetivos das políticas públicas para proteção e promoção dos

conhecimentos tradicionais, no inciso a seguir assegura que: “VIII- Criar mecanismos de apoio

de identificação, valorização, e revitalização dos processos culturais, rituais, festas e demais

práticas tradicionais e ancestrais, garantindo mecanismos de acesso aos produtos nacionais e

internacionais necessários a esses processos”. Por isso, esses documentos de políticas públicas

reconhece o processo histórico de silenciamento, mas também de resistência da nação

indígenas. Ou seja, esses documentos remetem aos sentidos produzidos nas relações entre

colonizador e colonizados na história de constituição da nação brasileira e na historicidade das

produções de sentidos.

Sobre a história e a historicidade para a Análise de Discurso, apresentada no capítulo II,

desse trabalho, isso se reflete na escrita, pois no processo de colonização a escrita tinha um

sentido e nas condições de produção das políticas públicas do século XXI para Educação

Escolar Indígena, a escrita tem outro modo de significar para o sujeito índio. Para Orlandi

(1999, idem) o principal princípio:

... é o de que é preciso pensar a escrita em relação ao real da história e à historicidade

do sujeito (e do sentido). Se no primeiro caso colocamos em questão a relação da

escrita com a Instituição no confronto do simbólico com o político, no segundo, é a

questão do homem com o simbólico que se apresenta pondo em jogo a constituição do

sujeito na sua relação com a ideologia.

Portanto, o sujeito índio na relação com a ideologia do colonizador e do Estado, hoje,

faz significar a identidade silenciada do índio nas Diretrizes para a Política Nacional de

Educação Escolar Indígena que reconhece aos índios o direito à diferença e reconhece que a

nação indígena não está fadada à extinção:

A Constituição Brasileira reconhece aos índios o direito à diferença, isto é, à

alteridade cultural, rompendo com a posição que sempre procurou incorporar e

assimilar os índios à “Comunidade Nacional”, e que os entendia como categoria

étnica e social transitória, fadada ao desaparecimento certo. Com o texto

constitucional em vigor, os índios deixam de ser considerados como espécies em via

de extinção, sendo-lhes reconhecida sua organização social, costumes, línguas,

crenças e tradições. À União não mais caberá a incumbência de incorporá-los à

comunhão nacional, mas de legislar sobre as populações indígenas, conforme o artigo

89

22 da Constituição, no intuito de protegê-las. (DIRETRIZES PARA A POLÍTICA

NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, 1994, p.09)

Ainda as Diretrizes citada trazem que (p. 10):

Existem hoje no Brasil cerca de 200 sociedades indígenas diferentes, falando em

torno de 180 línguas e dialetos e habitando centenas de aldeias situadas em vários

estados da Federação. Remanescentes de um grande contingente populacional, cujas

estimativas históricas indicam estar em torno de 6 milhões de indivíduos quando da

chegada dos europeus no século XVI, as sociedades indígenas são portadoras de

tradições culturais específicas e vivenciaram processos históricos distintos. Cada um

desses povos é único, tem uma identidade própria, fundada na própria língua, no

território habitado e explorado, nas crenças, costumes, história, organização social.

(Grifo nosso).

Sobre o ensino bilíngue, a diversidade linguística é abordada nas diretrizes da seguinte

forma (p. 11)

As sociedades indígenas apresentam um quadro complexo e heterogêneo em relação

ao uso da língua materna (a língua indígena) e ao uso e conhecimento da língua oficial

(o português). Monolingüismo total em língua indígena é situação transitória de

comunidades indígenas nos primeiros momentos do contato. A maioria dos povos

indígenas se encontra em diversas situações e modalidade de bilingüismo e/ou

multilingüismo.

Essa situação sociolingüística, assim como o momento histórico atual e suas

implicações de caráter psicolingüístico, faz com que se assuma a educação escolar

indígena como sendo necessariamente bilíngüe:

a) cada povo tem o direito constitucional de utilizar sua língua materna indígena na

escola, isto é, no processo educativo oral e escrito, de todos os conteúdos curriculares,

assim como no desenvolvimento e reelaboração dinâmica do conhecimento de sua

língua;

b) cada povo tem o direito de aprender na escola o português como segunda língua,

em suas modalidades oral e escrita, em seus vários registros - formal, coloquial, etc.

c) a língua materna de uma comunidade é parte integrante de sua cultura e,

simultaneamente, o código com que se organiza e se mantém integrado todo o

conhecimento acumulado ao longo das gerações, que assegura a vida de todos os

indivíduos na comunidade. Novos conhecimentos são mais natural e efetivamente

incorporados através da língua materna, inclusive o conhecimento de outras línguas.

Essas especificidades linguísticas reforçam a política de formação de professores

indígenas para atuarem nas escolas indígenas, pois são mais de 180 línguas diferentes que ainda

precisam ser preservadas, é uma riqueza linguísticas que exigem conhecimentos por parte dos

profissionais. Portanto, as políticas públicas não dão conta de atender às especificidades,

quando se trata de educação bilíngue, há nesse documento citado uma diversidade de 180

línguas maternas indígenas, como se trabalhar essas diferenças com uma política pública

bilíngue na formação Superior de Professores Indígenas? Por isso, que Nunes apud Borges

(2013, p. 117) diz que: “a política nacional funciona, não somente com um discurso sobre

alguns sujeitos, mas como um processo de significação que atribui sentidos generalizados para

90

espaço público e as relações entre sujeitos que ali se estabelecem”. Pensar em política pública é

pensar na diversidade que compõe o grupo social a que se refere a política. O Plano Nacional

de Educação de 2001, também trata da educação bilíngue como uma das suas metas, a

necessidade de formação de professores conforme as políticas já citadas. O PNE assim aborda:

A educação bilíngüe, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é

melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer que a formação

inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores de suas comunidades,

deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação

que se contempla deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e

programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngüe, no que se refere à

metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema

ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico

visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das

sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngües ou

não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades.

Ainda o PNE 2001, reforça o discurso do Estado nos outros documentos já analisados,

que versam sobre as especificidades culturais e uma identidade diferenciada nas regiões do

Brasil.

A escola entre grupos indígenas ganhou, então, um novo significado e um novo

sentido, como meio para assegurar o acesso a conhecimentos gerais sem precisar

negar as especificidades culturais e a identidade daqueles grupos. Diferentes

experiências surgiram em várias regiões do Brasil, construindo projetos educacionais

específicos à realidade sociocultural e histórica de determinados grupos indígenas,

praticando a interculturalidade e o bilingüisrno e adequando-se ao seu projeto de

futuro.

A partir das discussões estabelecidas nesse trabalho, compõe-se a ideia de que a

identidade indígena foi constituída no processo de colonização de maneira simbólica dentro das

formações discursivas e ideológicas dos colonizadores dando uma configuração de um povo

sem princípio civilizadores, sem organização social e de uma certa selvageria que precisavam

ser colonizados. Naquelas condições de produção os europeus revelavam suas ideologias de

conquistas e dominações. Mas o que revelam os documentos oficiais do Estado em seus

discursos políticos documentais, comportam as causas e consequências desse dizer colonizador.

E conforme a teoria de Analise de Discurso, o sujeito interpelado pelas formações

discursivas pode ser também interpelado por outras formações discursivas e ideológicas, pois

nas interpelações existem falhas, rupturas que permitem outras interpelações, por isso o sujeito

não é uno, nem transparente. Isso nos ajuda a compreender a resistência dos indígenas nesse

processo histórico de colonização europeia, permiti-nos compreender o silêncio da nação, mas

a revelação de um sujeito que não se apagou completamente na histórica.

91

5. CONCLUSÃO

A proposta de desenvolvimento desse estudo foi procurar entender a constituição da

identidade indígena no Brasil. Daí, foram surgindo muitas interrogações, muitos

questionamentos a partir de textos que contam a nossa história, que relata sobre o índio a partir

das condições de produção dos textos escritos pelos colonizadores.

Nesse percurso foram despontando as políticas públicas que nos seus discursos remetem

aos interdiscursos produzidos por Caminha e Gândavo no período Colonial e, de pois pelo

governo imperial. De certa forma, as políticas públicas são também discursos políticos do

Estado, mas que dizem reconhecer a diversidade linguística e cultural dos povos indígenas que

durante cinco séculos ficou silenciada, foi aparentemente apagada, até a Constituição de 1988

assegurar o direito às diferenças culturais. E oito anos depois a Lei de Diretrizes e Bases

garantir uma Educação Indígena pautada na educação bilíngue e intercultural.

Mas esses discursos políticos fizeram ecoar novos discurso tendo em seus interdiscursos

o apagamento e silenciamento da nação indígenas, promovidos por questões políticas e

ideológicas. No entanto, as interpelações de séculos não garantiram um apagamento, mas sim,

um silenciamento que produziu sentidos ao longo do processo histórico. Não se pode dizer

apagamento e nem extinção como pretendiam os colonizadores, mas uma reestruturação

identitária conforme trata o parecer 14/99.

Mas, esses dizeres políticos nas políticas públicas ajudam a nação refletir sobre o

assunto e a compreender sobre o lugar que ocupa o índio na nossa sociedade, no entanto, o

porquê da necessidade de Políticas Públicas não ajuda a recuperar a identidade silenciada, as

línguas que morrem com seus falantes dizimados. De outro lugar, essas políticas recuperam ou

excluem a nação?

No que diz respeito aos aspectos culturais, educacionais, os índios foram durante muito

tempo da história do Brasil, marcados pela indiferença, pela negação de sua cultura e

estudavam em escolas que não atendiam suas expectativas, ali residiam a falta de significação e

sentido, a negação de sua língua e cultura, isso os deixam às margens da sociedade. As Leis a

partir do século XX, os discursos em forma de leis e com representantes de organizações do

Estado e organizações não governamentais passaram a demarcar os direitos e deveres de grupos

étnicos diferentes, ou seja, culturalmente os indivíduos das diferentes etnias puderam

demarcam seus espaços como os pretos, pardos e indígenas estão sendo representados pela Lei.

92

Isso não significa que discursivamente a identidade negada, hoje está sendo totalmente

recuperada pelo Estado. O que está representado nos documentos oficiais a representação de

símbolos e significações para assegurar direitos sócios-culturais pelo menos por meio da

educação escolar indígena que atendam às suas peculiaridades. Para isso, o Estado com a

criação dessas políticas públicas procura atender às lutas dos povos indígenas que ainda

resistem ao processo de colonização e que permanece vivo nas conquistas por terras e

demarcações ilegais que ainda causam mortes e confrontos nas relações entre índios e brancos.

Assim, o Estado com a proposta de políticas públicas visa a reconstrução de um

processo irrecuperável, mas é uma nova forma de se desculpar com a etnia que teve sua

identidade, seu histórico e o político silenciado em um processo de mais de cinco séculos,

93

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