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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Graziele Aparecida Bassi LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO BAURU 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Graziele Aparecida Bassi

LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO

BAURU 2005

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Graziele Aparecida Bassi

LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração em Comunicação, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Inez Mateus Dota.

Bauru 2005

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Graziele Aparecida Bassi

LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Banca Examinadora: Presidente: Profa. Dra. Maria Inez Mateus Dota Instituição: Unesp/Bauru Titular: Prof. Dr. Murilo César Soares Instituição: Unesp/Bauru Titular: Prof. Dr. Danilo Rothberg Instituição: Universidade do Sagrado Coração

Bauru, 1º de junho de 2005.

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Dedico este trabalho a todos os brasileiros leitores de jornais

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pela oportunidade de ter sentado um dia numa carteira de escola. Aos meus pais, Eurydes Aparecido Bassi e Maria Rissato Bassi e às minhas irmãs, Sandra e Cristina, porque sempre me incentivaram a estudar. A todos os educadores com os quais tive a oportunidade de aprender e compartilhar conhecimentos durante toda a minha vida acadêmica. Ao Eduardo, pelo companheirismo, paciência e apoio em todos os momentos, especialmente nos difíceis. À Maria Inez Mateus Dota pela presteza e prontidão, professora com quem tive a satisfação de trabalhar durante o período do Mestrado. Aos professores amigos que participaram, desde o pré-projeto até a dissertação em si, ajudando, sugerindo ou apoiando. Aos meus amigos e colegas que em pensamento ou palavras muito me ajudaram a não desistir dos meus objetivos.

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BASSI, G. A. Linguagem e Subjetividade no discurso do jornalismo impresso: a cobertura das Eleições 2002 pela Folha de S. Paulo. 2005. 212 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru, 2003. RESUMO Reflexão sobre a forma de representação do cenário político eleitoral presidencial pela Folha

de S. Paulo, sob a ótica da análise da prática discursiva empregada pelo jornal, fundamentada

no estudo da relação sujeito-ideologia no meio impresso. A problemática é constituída a partir

de análises da superfície textual, com a finalidade de evidenciar posições, formas de pensar e

de construir sentido pelo diário de acordo com seus princípios e interesses, rompendo com os

paradigmas do pluralismo e da independência, tão defendidos pelo veículo analisado.

Palavras-chave: Jornalismo impresso; Discurso; Política; Ideologia

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ABSTRACT

This work shows a reflection about the representation form of the Brazilian election scenery

in 2002 presented by Folha de S. Paulo, from the perspective of the newspaper discourse

practice analysis, based on the study of the subject-ideology relation in the press. The problem

is constituted from analyses of textual surface, with the purpose of emphasizing positions,

ways of thinking and constructing meaning by the paper according to principles and interests,

breaking with the paradigms of pluralism and independence, so much defended by the vehicle

analyzed.

Key words: Press journalism; Speech; Politics; Ideology

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LISTA DE ANEXOS Anexo A Qual Lula?

Anexo B Independência e Solidão

Anexo C ´Elite brasileira é perversa´, afirma Lula

Anexo D Lula elogia governo Médici

Anexo E Metalúrgicos protestam em visita de Lula

Anexo F Filósofo aponta falta de coerência no PT

Anexo G Lula pede votos para o ‘companheiro’Quércia

Anexo H PT prepara texto conjunto com a Bolsa para conter ira do mercado

Anexo I Haverá segundo turno?

Pensando o impensável

Anexo J Serra liga alta do dólar à ‘tensão pré-eleitoral´ FMI critica pessimismo de investidores

Anexo K O ataque final dos mercados contra Lula

Anexo L Datafolha avalia atuação do jornal na eleição Lula, Serra e Ciro recebem espaço semelhante

Anexo M Leitores identificam equilíbrio na Folha Leitorado se divide entre Serra e Lula Jornais oscilam ao longo da campanha

Anexo N Gerente da crise e administrador do caos

Anexo O Eleição em sete dias Muitas e fortes emoções

Anexo P Lula precisa conter radicais do PT, diz Piva

Anexo Q As urnas e a crise

Anexo R PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder

Anexo S Mercado testa BC, e dólar bate em R$ 4 Com Lula, Brasil vira Venezuela, diz tucano Escalada do câmbio gera outro confronto Deixar Serra é ‘covardia’, diz Ermírio

Anexo T Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer

Anexo U Serra usa alta do dólar para desafiar Lula

Anexo V Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de lado

Anexo X A largada

Anexo W Tucano liga PT a troca da cor da bandeira

Anexo Y Dias de decisão

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Anexo Z Folha se manteve equisdistante no 2º turno Leitor reconhece cobertura apartidária 49% votam em Serra, 42% preferem Lula

Anexo AA Pesquisa aponta vitória de Lula para presidente hoje

Anexo AB Lula, com 64% dos votos válidos, deve ser eleito hoje; Serra tem 36%

Anexo AC ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos

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SUMÁRIO AGRADECIMENTOS 05

RESUMO 06

ABSTRACT 07

LISTA DE ANEXOS 08

1 INTRODUÇÃO 09

2 O CAMPO JORNALÍSTICO 13

2.1 As teorias do Jornalismo (ou da Notícia) 14 2.1.1 Ação pessoal 16 2.1.2 Ação social 19 2.1.3 Ação ideológica 23 2.1.4 Ação tecnológica 26 2.1.5 Ação histórica 27 2.1.6 Para quem se destina o jornalismo? 29

2.2 Um breve perfil da imprensa brasileira 31 2.2.1 A mídia e o modelo de jornalismo brasileiro 32 2.2.2 Oligopólios: ponto conflitante da mídia brasileira 34

2.3 O jornal Folha de S.Paulo 35 2.3.1 Um breve histórico 35 2.3.2 Projeto Editorial e Manual de Redação: estratégias de posicionamento mercadológico 37 2.3.2.1 A Folha e a crise do mercado 40

3 A ANÁLISE DO DISCURSO 43

3.1 Definições e conceitos 44 3.1.1 A perspectiva francesa 44 3.1.2 Outras perspectivas 48

3.2. A relação linguagem ideologia: o estudo da subjetividade na prática discursiva do jornalismo 52 3.2.1 Discurso e sujeito 53 3.2.2 A subjetividade no jornalismo e o jornalismo enquanto prática discursiva 56 4 JORNALISMO, POLÍTICA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 64

4.1 Jornalismo e Política: campos que se entrecruzam 65 4.1.1 O Jornalismo e seu papel na construção do sentido político 67

4.2 Os modos de produção da notícia nas Eleições Presidencias de 2002 69 4.2.1 Visibilidade ou construção do sentido e interpretação da realidade? 70 4.2.2 O cenário político eleitoral em 2002 73 4.2.2.1 Cenários e candidatos 78

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5 O ENFOQUE DA FOLHA DE S. PAULO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 84

5.1 Processos de análise 85 5.1.1 A prática discursiva do jornalismo 85 5.1.1.1 Delimitação do corpus 86 5.1.1.2 Temática recorrente e referência ao estilo predominante 87 5.1.2 Formas de representação do sujeito no discurso jornalístico 88 5.1.2.1 Os dêiticos 89 5.1.2.2 As modalidades 91 5.1.2.3 A axiologia 94 5.1.2.4 A intertextualidade e a interdiscursividade 96 5.1.2.5 O discurso enquanto prática social 98

5.2 Análises 100

5.2.1 O jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista” 100 5.2.1.1 A visão do articulista 101 5.2.1.2 O retrato da imparcialidade trazido pelas notícias 104 5.2.1.2.1 Os critérios do Instituto Datafolha 106 5.2.1.2.2 Uma cobertura “diferente”? 107 5.2.1.2.3 A imprensa por ela mesma 108 5.2.1.2.4 Sobre os candidatos: preferências 109 5.2.1.2.5 O referendo do leitor 112 5.2.1.2.6 O voto do (e)leitor 115 5.2.1.3 Considerações 117

5.2.2 Contestando as pesquisas 117 5.2.2.1 Desenhando o cenário do segundo turno 119 5.2.2.1.1 A “batalha” intensa, o debate e o “caos econômico” 120 5.2.2.1.2 Vamos ter uma “virada”? 121 5.2.2.1.3 Um último olhar 125 5.2.2.2 A pesquisa segundo os articulistas 127 5.2.2.3 Considerações 129

5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado Financeiro 129 5.2.3.1 Previsões “sangrentas” 130 5.2.3.2 Notícias: o fantasma do mercado 133 5.2.3.2.1 As estratégias do PT – 1º turno 134 5.2.3.2.2 A crise econômica e Serra – 1º turno 135 5.2.3.2.3 A crise econômica e Serra – 2º turno 136 5.2.3.2.4 Fontes de peso 141 5.2.3.2.5 O “outro lado” 143 5.2.3.2.6 O caso da bandeira vermelha 143 5.2.3.2.7 Torcendo pelo segundo turno 144 5.2.3.3 Considerações 145

5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor” 146 5.2.4.1 O partido das duas faces 146 5.2.4.2 A entrevista: um só lado da moeda 149 5.2.4.3 A agenda de Lula 151 5.2.4.3.1 Alianças 151 5.2.4.3.2 De costas para o sindicato 153 5.2.4.3.3 Saudades da ditadura? 155

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5.2.4.4 O novo PT 157 5.2.4.4.1 Cedendo anéis. E também dedos 158 5.2.4.4.2 A estrutura profissional da campanha 159 5.2.4.4.3 Aliados 160 5.2.4.5 “Lulinha paz e amor” 161 5.2.4.6 Considerações 163 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 164

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 175

ANEXOS 183

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1 INTRODUÇÃO

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1. INTRODUÇÃO

A imprensa é palco para discussões e apresentações de temas, o espaço privilegiado de

poucas vozes e um dos locais de visibilidade da política. Discutir a forma de representação do

cenário político eleitoral de 2002 pelo jornalismo impresso brasileiro é a proposta deste

estudo.

A tarefa terá como aporte o pensamento de estudiosos sobre a atividade jornalística,

enfocando, principalmente, os fatores que influenciam a seleção e a produção da notícia.

Também buscamos como referência os estudos de pesquisadores sobre o campo político

relacionado aos meios de comunicação, bem como suas análises sobre o pleito majoritário

brasileiro em 2002, no tocante à cobertura prestada pelos meios de comunicação no período.

Essa leitura será feita sob a luz da Análise do Discurso, uma abordagem que busca

revelar o sentido que está por trás das escolhas feitas no processo informacional. Nesse

contexto, percebemos que a forte influência do jornalismo dá-se justamente por ser um tipo de

discurso que tenta apagar as marcas de subjetividade visando à isenção, à neutralidade.

Entendemos que a produção da informação feita pelo jornalismo constitui

representação da realidade que segue interesses e objetivos de atores internos e externos do

espaço jornalístico e que vai influenciar diretamente na construção do sentido.

O objetivo da análise é verificar como se dá a relação sujeito-ideologia em textos do

jornal Folha de S. Paulo, um dos principais diários brasileiros, por intermédio da análise de

recortes em que serão verificadas as escolhas lexicais que apontam para a subjetividade do

jornalismo e que materializam a ideologia e, assim, como coloca Fowler (1991), observar

como a linguagem vai consolidar e confirmar as organizações que a moldam.

No capítulo dois apresentamos as Teorias do Jornalismo (ou da Notícia), um conjunto

crítico de discussões sobre o fazer jornalístico em que devem ser levadas em conta as ações

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pessoais, sociais, ideológicas, tecnológicas e históricas que influenciam diretamente nessa

atividade e que determinam aquilo que é produzido e publicado pela imprensa.

Com essa visão geral da produção noticiosa, focamos nossa atenção no jornalismo

impresso brasileiro concentrando nossa análise de forma particular no jornal Folha de S.

Paulo. Propomos traçar um perfil do meio na atualidade, discutindo para quem se destina o

jornalismo impresso e analisando alguns princípios que regem a imprensa brasileira.

No capítulo em seqüência, nossa abordagem se refere diretamente à Análise do

Discurso, por meio de autores que seguem a linha francesa e também as inglesas - Análise

Crítica do Discurso e Teoria Social do Discurso. Trazemos, de maneira muito especial, uma

discussão de estudos sobre a subjetividade e a produção do sentido na prática discursiva do

jornalismo como um meio de compreender as relações entre sujeito-sentido-ideologia na

imprensa.

Posteriormente, o quarto capítulo discute particularmente o jornalismo e a política

enquanto campos que se entrecruzam e que se necessitam, e o papel do jornalismo na

construção do sentido político. Nesse capítulo retomamos também o contexto das eleições

presidenciais de 2002, com o resgate do cenário eleitoral especialmente durante o período

eleitoral, ou seja, aquele que acontece durante a veiculação nos meios de comunicação do

Horário Eleitoral Gratuito, com destaque aos quatro principais candidatos no primeiro turno e

aos dois oponentes do segundo turno. Fazemos uma discussão sobre o enfoque dos meios de

comunicação, observando os modos de produção da notícia eleitoral.

No quinto capítulo estão delimitados os processos de análise, discutindo como se dá a

prática discursiva do jornalismo a partir das formas de identificação e representação do sujeito

nesse tipo de discurso, que nos levará, finalmente, à compreensão do discurso enquanto

prática social. O objeto desta pesquisa é constituído por quarenta textos noticiosos do jornal

Folha de S. Paulo, do período Eleitoral, que compreende o intervalo entre 20 de agosto - data

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em que se inicia a propaganda eleitoral gratuita, e 27 de outubro - data em que se encerra o

segundo turno das eleições presidenciais.

Optamos pela seleção de enunciados agrupados em quatro eixos, quais sejam: a imagem

que a Folha faz de si para o público-leitor, as interpretações das pesquisas de opinião pública

do período, o agendamento da crise econômica como fator eleitoral e o tratamento dado ao

candidato Luís Inácio Lula da Silva.

Os recortes foram obtidos nos cadernos Brasil (1o Caderno) e Especial Eleições 2002,

que abordam propriamente a notícia sobre política. Os textos foram distribuídos por temas

predominantes e discutidos com base no referencial teórico-metodológico construído para este

trabalho.

Para fazer a análise, selecionamos trechos das notícias, agrupamos por gênero

jornalístico predominante e os enquadramos a partir de temáticas que identificamos como

predominantes no jornal durante o período. Em nossas análises identificamos marcas

lingüísticas como os dêiticos, a modalidade, a axiologia e a intertextualidade, com o fim

principal de recorrer às marcas de subjetividade no texto jornalístico.

Finalmente, em nossas considerações, discutimos nossas impressões a respeito das

relações entre o jornalismo e a política e, a partir dos estudos sobre as formas de construção

das notícias políticas feitas pelo jornal Folha de S. Paulo, questionamos o paradigma da

independência e do pluralismo propagados pelo diário.

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2 O CAMPO JORNALÍSTICO

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2.1 AS TEORIAS DO JORNALISMO (OU DA NOTÍCIA)

Trazemos nesta primeira parte o referencial teórico sobre as Teorias do Jornalismo (ou

da Notícia), pois entendemos que o pensamento de pesquisadores a respeito da atividade

jornalística nos auxilia na compreensão das ações e fatores que influenciam na construção e

no fabrico da notícia, podendo se tornar uma fonte rica de conhecimentos junto à aplicação da

metodologia da análise do discurso de um meio impresso no período eleitoral de 2002, de que

tratamos adiante.

De uma atividade diretamente relacionada à técnica (a imprensa), o jornalismo, no

cenário contemporâneo, tem um papel de extrema relevância à sociedade. “As notícias são

socialmente relevantes nas sociedades democráticas, onde o acesso à informação, mais do que

um direito, pode ser definido como uma necessidade que emana dos próprios fundamentos do

sistema” (SOUSA, 2002, p. 198).

Hoje o jornalismo é uma instituição. Tornou-se uma organização que contrata

profissionais para quem estabelece contratos e normas e organiza a produção de notícias com

a finalidade de gerar lucros assim como toda empresa do sistema capitalista.

Com a conquista da liberdade de imprensa e de expressão coube ao jornalismo

trabalhar para legitimar a democracia, cumprindo sua função social de garantir o acesso da

população à informação. Nesse aspecto, o jornalismo é uma modalidade de conhecimento que

contribui para a construção da realidade individual (PARK, 1972; TUCHMAN, 1983; HALL,

1993; GENRO FILHO, 1997; MEDITSCH, 1998 apud SOUSA, 2002).

É pelo campo jornalístico que se estabelecem as discussões sociais. Nele, as diversas

opiniões são apresentadas e defendidas, sejam elas favoráveis à ideologia dominante ou

contrárias a ela, uma vez que o pensamento dominante não é unânime em todas as camadas

sociais e precisa sempre ser contestado. Por essa razão que os efeitos do jornalismo

dependem, como principal instância, do receptor, de sua forma de pensar.

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Os valores jornalísticos (liberdade, independência, autonomia, rigor, honestidade, eqüidistância...), ao mesmo tempo que sustentam e dão coesão ao grupo profissional dos jornalistas, mostram à sociedade que o jornalismo é legítimo e necessário, tal como são legítimas e necessárias as atividades dos jornalistas (SOUSA, 2004, p. 27).

Mesmo perdendo o papel de portal da informação para a mídia digital, a consistência e

a profundidade para o infotainement, sendo controlada pelas rotinas diárias, ameaçada pelo

tempo e falta de pluralismo de idéias, agravadas com a recente entrada dos grandes

oligopólios da comunicação, e dependente de uma agenda rica em contatos e de bons

relacionamentos, a atividade jornalística é ainda a responsável por tornar pública grande parte

das informações e por trazer para a discussão os acontecimentos e idéias que possivelmente

farão parte da agenda do público.

O jornalismo constitui uma actividade profissional de grande dificuldade e de grande complexidade, e, por isso, um alvo fácil de criticar. Afinal, os jornalistas são frequentemente obrigados a elaborar a notícia, a escrever a ‘estória’, em situações de grande incerteza, com falta de elementos, confrontados com terríveis limitações temporais, pressionados pela concorrência de outros órgãos de informação. Ainda mais, precisam de seleccionar certos acontecimentos dentro duma avalancha de múltiplos acontecimentos, fazendo escolhas quase imediatas, sem grande tempo para reflectir sobre o significado e o alcance histórico do que acaba de acontecer e que “precisa” de ser informado imediatamente (TRAQUINA, 1999, p.12).

Ao colocar em questão “por que é que as notícias são como são” e “por que é que

temos umas notícias e não outras”, alguns pesquisadores (TRAQUINA, 1999; 2001; SOUSA

2002; 2004) buscam respostas nas teorias do Jornalismo (ou da Notícia).

Mesmo não havendo entre os acadêmicos acordo sobre se já existe ou não conhecimento científico suficiente para se enunciar com clareza uma teoria unificada do jornalismo, não é menos certo que a pesquisa tem produzido resultados dignos de registro na compreensão e explicação do fenômeno jornalístico, quer na sua globalidade quer em casos particulares (SOUSA, 2004, p. 19).

Os estudos enfocados pelas Teorias da Notícia se debruçam sobre a relação entre o

jornalismo e as implicações sociais e políticas da atividade jornalística. As pesquisas partem

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das análises de pesquisadores como Gaye Tuchman, Jorge Pedro Sousa, Michael Schudson,

Nelson Traquina, Robert Hackett, Stuart Hall, entre outros, cada qual abordando enfoques

diversos sobre a atividade jornalística em diferentes épocas, sob diferentes contextos. Na

opinião de Traquina (2001, p. 32):

(...) é possível esboçar a existência de várias teorias que tentam responder à pergunta porque as notícias são como são, reconhecendo o facto de que a utilização do termo teoria é discutível porque pode também significar apenas uma explicação interessante e plausível e não um conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições. De notar também que estas teorias não excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou necessariamente independentes umas das outras.

Buscando relacioná-las de forma sucinta, seguimos parte da divisão elaborada por

Sousa (2002; 2004) para discutir as teorias. O autor sugere que o espaço jornalístico passa

pela influência direta do que ele chama de “ações”, dentre as quais abordaremos: 1) ação

pessoal; 2) ação social; 3) ação ideológica; 4) ação tecnológica. Ações estas que deverão ser

norteadas pela força de 5) ação histórica.

2.1.1 Ação pessoal

Existem estudos baseados na metáfora do Gatekeeping – um portão por onde o

jornalista (porteiro) faria a seleção de algumas informações. Por esse portão umas notícias

passam (aquelas que recebemos), e outras, não.

O gatekeeper foi um conceito desenvolvido por White (1999) para estudar o fluxo de

notícias nos jornais, sobretudo no aspecto individual e subjetivo do jornalista que vai decidir

se uma informação passa ou se será rejeitada.

A passagem de uma notícia por determinados canais de comunicação estava dependente do facto de certas áreas dentro dos canais funcionarem como gates. (...) certos sectores dos gates são regidos ou por regras imparciais ou por um grupo ‘no poder’ tomar a decisão de ‘deixar entrar’ou de ‘rejeitar’ (WHITE, 1999, p. 142).

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Sobre esse aspecto discutido por White (1999, p. 145), concordamos com sua

observação de que a comunicação pela notícia é “extremamente subjectiva e dependente de

juízos de valor baseados na experiência, atitudes e expectativas do gatekeeper”.

Há de se considerar, porém, que a ação pessoal, além da experiência subjetiva e da

capacidade de cognição, é fortemente influenciada pelo “sistema” ao qual o jornalista está

atrelado. Fatores como tempo, por exemplo, influenciam diretamente no fabrico das notícias

e, dessa forma, o jornalista pode escolher o tema que mais lhe convenha diante do deadline,

procurando por informações mais próximas e que confirmem suas convicções mais

facilmente. “Essas informações são, por sua vez, recombinadas, montadas e adaptadas à

linguagem do meio através do qual vão ser veiculadas, ou seja, sofrem um processo de

transformação” (SOUSA, 2004, p. 20). Nessa mesma linha, destacamos a consideração de

Traquina (1999, p. 136):

O factor tempo influencia a cobertura jornalística dos acontecimentos e constitui em si um critério de noticiabilidade, podendo servir como ‘cabide’ para pendurar a notícia ou actuar como justificação devido ao conceito de ‘actualidade’. (...) Devido ao facto de as notícias serem definidas na cultura ocidental como essencialmente uma resposta à pergunta “o que há de novo?”, as notícias são elaboradas num quadro temporal muito limitado e são ‘servidas’ o mais rapidamente possível.

Outro aspecto muito interessante diz respeito à auto-imagem que o jornalista tem de si

mesmo. Para Traquina (2001, p. 33), a profissão de jornalista está carregada de mitos, como o

da neutralidade, em que se tem como premissa que “o jornalista é um comunicador

desinteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a defender que o desviem

da sua missão de informar, procurar a verdade, de contar o que aconteceu, doa a quem doer”.

Sousa (2002), em pesquisa com a comunidade de jornalistas portugueses, constatou

que as convicções dos profissionais ditam a forma de tratamento e enquadramento da notícia:

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Alguns jornalistas que se consideravam “neutros”, perspectivando as suas profissões como meros canais de transmissão e que outros se viam como “participantes”, acreditando que os jornalistas necessitam de explorar, esquadrinhar e sacar a informação em ordem a descobrir e desenvolver as histórias (SOUSA, 2002, p.41-42).

É realmente importante observar que os jornalistas se entendem e se definem como

“neutros”, já que questionamos a “não-neutralidade” no espaço jornalístico, uma vez que, a

partir do momento em que se opta por contar um assunto com umas palavras e não outras,

automaticamente já se faz uma escolha por algo que se quer ou que não se quer dizer. No

enunciado existe um interesse em jogo, marcas discursivas que demonstram o que foi dito, o

que está implícito e o que está subentendido (DUCROT, 1987). Nessa mesma linha, Hackett

(1999), com base em críticos da imparcialidade jornalística argumenta:

À parte o papel do jornalismo como mediador do mundo social, a própria linguagem não pode funcionar como transmissora directa do significado ou veracidade supostamente inerentes ao acontecimento. (...) isso acontece porque a rotulagem de algo implica a existência e avaliação de um contexto (HACKETT, 1999, p. 107).

A imparcialidade deve ser contestada se levarmos em consideração que a notícia se

constrói a partir de forças de interesse do espaço jornalístico, como a posição ideológica da

empresa de comunicação e do próprio jornalista, e a relação com fontes de informação, com o

meio cultural e com a própria sociedade.

Ainda, como uma força de ação pessoal, há de se levar em conta o aspecto ético, os

valores morais e os princípios do gatekeeping. Ou seja, como o jornalista percebe o produto

noticioso como algo que esclarece a comunidade, em detrimento dos seus próprios fins,

satisfação pessoal ou desejo de audiência e prestígio. “Parece ser claro que, em função das

considerações do seu papel ético, o jornalista poderá afetar os conteúdos que produz”

(SOUSA, 2002, p. 42). Na mesma linha, acrescentamos a exposição feita por Chaparro (1994,

p. 24):

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É fácil imaginar situações similares no dia-a-dia do jornalista: a dúvida entre o revelar e o omitir uma informação que contraria os interesses de certa fonte importante; a decisão de fazer um título positivo ou negativo em relação a um ministro amigo; a opção de colaborar ou não com a polícia, divulgando ou evitando a divulgação de certas notícias; aceitar ou recusar um convite para jantar com gente do governo ou dos departamentos de relações públicas de empresas interessadas em divulgação; adequar ou não o texto ao interesse ideológico de editores, quando estão em jogo informações importantes para o relato verdadeiro dos fatos; resistir ou ceder à tentação de aproveitar o poder de informar para se vingar de alguém de quem não se gosta ou de quem se tem razões de queixa...

Nesse sentido, a ação pessoal do jornalista é um dos fatores marcantes na construção

da notícia, “embora temperada por outras forças conformadoras” (SOUSA, 2002, p. 45),

como atesta a citação de Manuel Chaparro, acima apresentada e como veremos adiante.

2.1.2 Ação social

O jornalismo, como um espaço específico de produção de conteúdos dentro do campo

midiático, está sujeito à influências e à ação da sociedade na qual está inserido. “A produção

jornalística é permeada por relações estruturais de forças e lutas entre jornalistas e outros

atores sociais que dão às disputas formas particulares de ação social” (FRANCISCATO,

2002, p.5).

Um dos fatores considerados como uma influência de ação social é o fator tempo. O

tempo (ou a falta dele) torna-se uma influência de ação social na medida em que transcende a

ação pessoal do jornalista, pois se impõe com tirania às rotinas das redações. Sempre com

tempo cronometrado, o jornalismo atual tende a perder a profundidade. Sobre o fator tempo,

Traquina (1999, p. 174) observa:

Lemos o jornal para saber o que é que aconteceu ontem e não há 15 dias; e se um acontecimento que teve lugar há 15 dias é notícia, provavelmente o é porque só agora o campo jornalístico teve conhecimento do sucedido. Os acontecimentos devem ser actuais; a própria actualidade constitui um fator de noticiabilidade.

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O fator rotina também possui uma ação poderosa. Redações jornalísticas atualmente

seguem padrões e rotinas para o fabrico da notícia. Nesse aspecto, podemos considerar o

tempo imposto para a produção, os manuais de redação que ditam formatos, determinam

regras que “engessam” o estilo do jornalista, além da edição propriamente dita. Para a

empresa jornalística, o manual de redação assegura ao jornalista, sob pressão constante do

tempo, rapidez na transformação do acontecimento em notícia.

Para Sousa (2002), as rotinas jornalísticas podem distorcer ou simplificar

arbitrariamente o mundo dos acontecimentos, constranger os jornalistas e burocratizar a

atividade. O autor entende que a rotina é uma das responsáveis diretas pela uniformidade da

notícia e por termos a sensação de ler a mesma coisa em diferentes veículos noticiosos. Isso

porque o modo “correto” de se fazer o jornalismo gera uma perda da polifonia dos órgãos

jornalísticos, e, por conseqüência, uma visível falta de abertura democrática aos veículos.

“Intuitivamente, nas organizações noticiosas em que as rotinas são mais importantes, o

produto será, à partida, menos diversificado, até porque a seleção operada pelos gatekeepers

tenderá para a uniformidade” (SOUSA, 2002, p. 52). É possível, quando se fala de ação

social, que a profissionalização dos jornalistas tenda a reduzir a diversidade (discursiva e de

pontos de vista) no jornalismo.

A respeito da problemática das rotinas, Tuchman (1999) destaca a questão da

construção da informação numa seqüência apropriada, ditada pelas normas de redação e estilo

das empresas jornalísticas para afirmar a objetividade. Ela ressalta: “Até certo ponto, as

dificuldades do jornalista são mitigadas pela fórmula familiar de que a notícia preocupa-se

com ‘o quem, o quê, o quando, o onde, o porquê, o como’. A isto chama-se os ‘seis

servidores’ de uma notícia” (TUCHMAN, 1999, p. 83).

Há ainda alguns fatores que são determinantes na “modelagem” da notícia que

independem do repertório do jornalista, tais como os manuais de redação e o tipo de

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engajamento da empresa jornalística. Isto determina, inclusive, que o editor remodele a

notícia. A esse respeito, destaca-se a forte influência na produção noticiosa de diretores,

editores e chefes de redação, como coloca Chaparro (1994, p. 79):

Nas camadas superiores estão aqueles a quem Paillet chama de ‘árbitros’(diretores, editores, pauteiros, editorialistas, chefes de reportagem e até repórteres com prestígio pessoal), que decidem o que, quando e como publicar. Eles definem conteúdos, prioridades, relevâncias, enfoques, propósitos e a disposição final dos textos, a relação entre eles e a sua apresentação. (...) Aos ‘árbitros’ pertence ainda, o poder da ‘última olhada no pacote de mensagens’ a ser enviado para o público, depois que as informações escolhidas recebem o tratamento técnico de acabamento por parte de secretários de redação, diagramadores, ilustradores e outros.

A respeito de ações que perpassam normas e manuais de redação, rotinas jornalísticas

à arbitragem hierárquica nas redações, Chaparro (1994, p. 100) traz uma brilhante dedução,

apontando que o fazer jornalístico é conduzido à criação de um produto (o jornal) permeado

pelos aspectos formais que estabelecem forma e conteúdo:

É verdade que, enquanto discurso, cada manual de redação forma um conjunto lógico de enunciados normativos, estabelecendo ‘verdades’ constitutivas de um saber (fazer jornal) oficial e inquestionável, emitido pela organização para um universo fechado, especializado e dependente. Objetivo: impor uma linguagem- -padrão, e normas de ação, tendo em vista a obtenção, em escala econômica, de um produto cultural com determinados atributos de conteúdo e forma. Na realidade, existem dois discursos: o discurso da fisionomia institucional, configurado nos manuais e na metalinguagem de cada veículo; e o discurso produto que resulta da prática, desenvolvida no contexto completo das relações sociais, culturais, políticas e econômicas, de múltiplos intervenientes e conflitantes interesses, e do qual o próprio jornalista faz parte – tanto o repórter, que investiga e escreve a notícia, quanto o editor que, direta ou indiretamente, pauta, reescreve e decide o quê, o porquê e o como do que vai ser publicado.

Um outro aspecto que tange a ação social diz respeito à relação de jornalistas com suas

fontes de informação. Existe uma articulação na sociedade que traz para o jornalismo relações

de força e poder, exercício do processo político, econômico, cultural, expectativas e interesses

próprios de atores internos ou externos às redações, capazes de impor limites aos jornalistas.

“As rotinas têm conseqüências (...) proliferam nos meios de comunicação as posições das

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fontes ‘oficiais’ em detrimento das perspectivas de outras fontes” (SOUSA, 2004, p. 21).

Nessa mesma visão, Traquina (1999) entende que as fontes oficiais têm mais espaço,

pois representam a autoridade da informação. “Quanto mais alta é a posição do informador

melhor é a fonte de informação. Esta convenção tem o seguinte raciocínio: a posição de

autoridade confere credibilidade” (TRAQUINA, 1999, p.172), e faz com que o jornalista “se

poupe” de investigar, de apurar a informação sob outros vieses.

As fontes são, geralmente, meios externos à organização jornalística. São responsáveis

pela seleção de informações que vão passar pelo gatekeeping. Elas determinam o assunto que

será agendado e, conseqüentemente, são as responsáveis pela passagem ou não de notícias no

“portão”.

A propósito das fontes, Tuchman (1999, p. 81) aborda que seu papel é validar uma

informação que tem como princípio a objetividade: “Se o repórter decidir falar pelos ‘factos’,

ele não poderá afirmar-se objectivo, ‘impessoal’, ‘imparcial’. (...) Ao inserir a opinião de

alguém, eles acham que deixam de participar da notícia e deixam os ‘factos’ falar”.

Nesse sentido, ao engatar a fala de alguém pelo uso das “aspas”, o jornalista se isenta

da opinião. Segundo Tuchman (1999, p. 82), “o uso de citações para fazer desaparecer a

presença do repórter da notícia estende-se ao uso das aspas como instrumento de sinalização.

Elas podem ser usadas (...) para informar: ‘Esta afirmação pertence a qualquer pessoa, menos

ao repórter’”.

Claro que fontes oficiais são mais seguras e muito mais fáceis de publicar. Fontes que

divulgam informações em off estão se precavendo das eventuais pressões ou mesmo

conseqüências da divulgação da informação. Existe, nesse caso, um grau mais alto de

cumplicidade na relação fonte-jornalista (FRANCISCATO, 2002, p. 15).

Há uma espécie de representação do poder tanto do jornalista, que ganha status

quando se liga a fontes de maior prestígio, quanto das fontes, que buscam a posição de

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protagonistas do espaço jornalístico. “As fontes podem reter, travar ou acelerar a difusão de

informação e moldá-las aos seus interesses” (SOUSA, 2002, p. 61).

As fontes diferem entre si por posição, influência, volume de informação que possuem

e qualidade das mensagens (SOUSA, 2002). Todos estes aspectos são relevantes para que a

informação passe pelos “portões”.

É costumeiro dizer que “o jornalista que sabe mais pode mais”. Entretanto, muito do

que se divulga nos bastidores pelas fontes de informação não passa de boatos, deturpações ou

inverdades. O jogo de poder, aliado à troca de favores das fontes com os meios de

comunicação, tende a neutralizar o jornalismo independente (DIMENSTEIN, 1990).

2.1.3 Ação ideológica

Ao estudar a ação ideológica como um dos fatores que influenciam a produção e

organização de notícias, Sousa (2002) aponta o “controle” que os meios de comunicação

exercem sobre a sociedade, que orientaria para a manutenção do status quo, legitimação ou

exercício de poder simbólico, fato presente principalmente quando tomamos como exemplo a

cobertura sobre política pelos meios de comunicação. “As rotinas dos jornalistas e das fontes,

as convenções profissionais, os valores e a estrutura organizacional combinam-se, assim, para

manter um sistema de controle e reprodução das ideologias dominantes” (SHOEMAKER e

REESE, 1996 apud SOUSA, 2002, p. 75).

Um outro aspecto apontado pelo autor são as forças ideológicas sobre os meios

jornalísticos e não a influência ideológica dos Meios de Comunicação de Massa na sociedade.

Das conceituações que usa sobre ideologia, o autor atenta para o fato do papel da mídia na

construção do sentido, definindo situações e catalogando pessoas ou acontecimentos.

O ethos jornalístico é, em grande medida, ideológico, pois, considerando a ideologia um conjunto de idéias que sustenta grupos em função de interesses, verifica-se que o

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ethos jornalístico se alicerça em dois vectores que concorrem para legitimar interessadamente o papel dos jornalistas na sociedade: a ideologia da objetividade e a ideologia do profissionalismo. (...) A ideologia da objetividade leva os jornalistas a construírem notícias de maneira que estas ‘espelhem’ o melhor possível da realidade; a ideologia do profissionalismo alimenta o sentido de missão dos jornalistas, contribuindo para uma atitude de vigilância de poderes (SOUSA, 2004, p. 26, grifos nossos).

Dessa forma, relações de poder explicadas pelos meios de comunicação também são

provavelmente solidificadas, uma vez que a mídia compactua que as relações existentes são

fatos naturais e imutáveis (SOUSA, 2002).

A essa discussão, somam-se as contribuições de autores como Rubim (2003), Fausto

Neto (2003), em análise de períodos eleitorais, ou por Lima (2001), ao lançar o conceito de

Cenário de Representação Política, como veremos adiante.

As notícias passam a ser interpretadas em função das relações de poder e interesses

quando se parte do pressuposto de que a ideologia está ligada ao pensamento de um grupo

dominante, e o jornalismo oferece a esse grupo a manutenção da coesão social, disseminando

um conjunto de normas, valores, idéias e práticas sociais para justificar as relações políticas,

sociais e econômicas existentes no interior da sociedade. De acordo com Orlandi (2003, p.

38), tudo o que é dito é ideologicamente marcado e “é na língua que a ideologia se

materializa”, ou, como escreve Hall et al (1999, p. 228):

Os media definem para a maioria da população os acontecimentos significativos que estão a ter lugar, mas também oferecem interpretações poderosas acerca da forma de compreender estes acontecimentos. Implícitas nessas interpretações estão as orientações relativas aos acontecimentos e pessoas ou grupos nelas envolvidos.

Existe também uma perspectiva que leva em conta a forma como é modelada a

informação. O enquadramento da notícia pode ser fruto de ação cultural e também ideológica,

pois, muitas vezes, as diferenças fazem parte do repertório e da percepção do jornalista

(SOUSA, 2002).

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As notícias são notícias porque culturalmente fomos condicionados a aceitar que certos acontecimentos merecem ser noticiados e que as notícias, tal e qual como as conhecemos, são representações aceitáveis desses acontecimentos. As notícias, enquanto representações dos acontecimentos, pressupõem e estruturam visões do mundo – os enquadramentos” (SOUSA, 2004, p. 29).

Segundo Machado; Jacks (2002), mesmo que os interesses pareçam ser nobres ou ter

validade universal, mesmo nesses casos, jornalistas são sujeitos que lutam para conciliar seus

critérios éticos e jornalísticos (o seu “news judgement”) com as informações que julgam

relevantes − e organizadas dos pontos de vista que consideram mais adequados.

Sousa (2002) aborda esse assunto sob outro ângulo, mas com igual relevância. Para

ele, as imagens que o jornalista possui de si mesmo e de seu público (leitor) seriam mais um

aspecto de influência ideológica no fabrico da notícia.

As imagens que os públicos têm da imprensa podendo ser afetadas, numa certa extensão, pela história e pela tradição, resultam, para mim, essencialmente da imagem do jornalismo construída pelos públicos a partir dos próprios discursos jornalísticos (o que os media dizem de si e uns dos outros) e dos estereótipos projetados pela ficção popular (SOUSA, 2002, p. 85).

Em redações, esses estereótipos poderiam encorajar um estilo, uma tentativa de

orientar uma produção, como também a seleção e fabricação de notícias por temas. Não é à

toa que especialistas costumam dizer que o jornalista, muitas vezes, menospreza e pouco

conhece seu público.

Para estudiosos que abordam a relação linguagem-ideologia, como Althusser (1985, p.

96), “toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos, através do

funcionamento da categoria de sujeito”. Como sujeitos de um processo, somos obrigados a

tomar posições, escolhendo uma palavra, omitindo uma outra, pois de um determinado lugar

que ocupamos e de onde falamos e do papel que representamos, não nos é permitido dizer

determinadas coisas.

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“Todavia, aquilo que os jornalistas pensam deles próprios, dependerá da sociedade em

que vivem, da imagem da imprensa, em geral, e da imagem da organização para a qual

trabalham” (SOUSA, 2002, p. 86) e do que pensam de seus leitores. Em suma, do seu

universo sócio-cultural.

Desse modo, o jornalismo trabalha com uma imagem a respeito do interlocutor que

determina as questões que dizem respeito ao uso da linguagem e à prática discursiva. O

jornalista fala e escreve tendo a imagem de um “leitor virtual” que irá absorver o seu

enunciado.

2.1.4 Ação tecnológica

O ciberespaço, o acesso a notícias 24 horas por dia tem feito com que o jornalista

perca gradativamente o seu papel de portal da notícia, que já pode ser acessada 24 horas por

dia e o leitor já não precisa mais esperar pelo jornal para saber dos fatos. Ao contrário dos

meios tradicionais, a comunicação on-line está permitindo a interatividade e a comunicação

direta com o receptor. “Os ‘consumidores’ têm maior capacidade de se furtar ao ‘crivo’

jornalístico no que respeita à obtenção da informação” (SOUSA, 2002, p. 88).

O jornalismo hoje é uma empresa e, com ela, muitas mudanças de ordem tecnológica e

estrutural são as fontes diretas de informação na organização noticiosa. Para Sousa (2002), as

mudanças promoveram inovações nos processos de seleção, processamento e distribuição das

notícias. Tudo isso aliado aos multimeios e à nova tendência de interatividade que hoje é um

dos maiores desafios colocados aos grupos de comunicação, aliado à segmentação da

audiência já que a oferta de programas é tão segmentada e, ao mesmo tempo, com conteúdos

tão homogêneos.

Para Sousa (2002, p. 110) “tal fenômeno terá contribuído para uma aproximação

global das formas discursivas jornalísticas”, e essas mudanças promoveram, ainda, mais uso

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de aparato tecnológico.

O autor aponta para a tendência do infotainement, uma nova abordagem noticiosa em

função da competição acirrada do jornalismo com o entretenimento, da adaptação para um

formato novo, superficial, redesenhado para se parecer com a TV e orientado para o consumo.

Segundo Ramonet (1999, p.137), “agora, as informações devem ter três qualidades principais:

serem fáceis, rápidas e divertidas”.

Para os estudiosos do jornalismo, essa tendência pode ser a causa da falta de

perspectiva da carreira jornalística e aponta também para a diminuição do poder do jornalista.

“Esse poder pode estar a diminuir, devido à força das novas tecnologias, que estão a retirar ao

jornalista o papel de gatekeeper privilegiado de gestor do espaço público informativo”

(SOUSA, 2002, p. 112).

Excesso de informações, necessidade de velocidade para acompanhamento dos fatos e

concorrência com o jornalismo on-line apontam para uma superficialidade das matérias

jornalísticas impressas, como observa Ramonet (1999, p. 137), “cada vez mais, a imprensa

escrita adota o formato da mídia audiovisual: ela privilegia os artigos curtos, coloca títulos de

modo astucioso para provocar”.

Por outro lado, talvez o jornalismo ainda não saiba explorar as várias potencialidades

da tecnologia do hipertexto, no sentido de oferecer um aprofundamento das temáticas. Muitos

textos que encontramos em jornais on-line conservam os traços tradicionais dos jornais

impressos.

2.1.5 Ação histórica

“Podemos dizer que as notícias que temos, que os conteúdos e os formatos das notícias

que temos, são frutos da história” (SOUSA, 2002, p. 90). Com essa afirmação o autor mostra

que fatores históricos marcam o desenvolvimento do jornalismo.

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Existe uma vasta diferença do jornalismo atual para o jornalismo do século XIX,

quando predominava o gênero opinativo, dada a escassez de notícias e a politização dos

leitores, que era mais elitizada e em número reduzido (ALVAREZ, 1992 apud SOUSA,

2002).

Nessa época predominava o artigo como formato do discurso jornalístico. A notícia só

se tornou a unidade discursiva preponderantemente informativa no final dos anos 30, quando

surgiu a imprensa de massa nos Estados Unidos, ocasião em que aumentou o volume de

informações, a alfabetização, o poder de compra da população e o aparecimento da empresa

noticiosa, direcionada para o lucro, junto às inovações tecnológicas que permitiram o aumento

das tiragens (DE FLEUR; BALL-ROKEACH, 1989).

Foi quando começou a existir uma disputa entre os jornais, para imposição dos valores

da objetividade como prática social legítima dentro do campo jornalístico. Surgiram as

técnicas do lide, da pirâmide invertida, do texto impessoal, do uso de aspas, etc. Essas novas

regras de elaboração jornalística representaram uma ruptura simbólica com o passado.

Sousa (2002) conceitua duas tendências do jornalismo desde a 2ª Guerra Mundial: 1) a

competição crescente em preços dos exemplares e 2) a concentração monopolista e

oligopólica do setor de comunicação. Esta última, tão relevante e em nível mundial, é

justificada pelos grandes impérios midiáticos como sendo uma condição imprescindível para

sobrevivência, mas, no entanto, “configura-se como uma indústria de mídia extremamente

concentrada e regida por princípios exclusivamente comerciais, na qual o que conta são os

critérios de rentabilidade, acima dos critérios públicos, e o paradigma consumidor(a) por

sobre o cidadão(ã)” (LEON, 2003, p. 404).

Recentemente, temos a internacionalização de grupos, megacorcoporações que

controlam os meios impressos, cadeias de televisão, TV a cabo, internet, cinema, softwares,

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provedores, telefonia e outros1. São sete as corporações que dominam o mercado mundial de

comunicação: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom e Bertesman e,

se não forem estabelecidas restrições a esta lógica oligopolista, futuramente podem ser ainda

menos.

No Brasil existem cinco tradicionais grupos de mídia: Grupo Folha, O Estado de S.

Paulo, Organizações Globo, Grupo Abril, Jornal do Brasil e SBT. Todos esses são

proprietários de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações, cujas concessões foram

emitidas pelo governo brasileiro (LIMA, 2001, p. 97).

Por fim, a ação histórica completa o que Sousa (2002) chama de “um mix explicativo

para a noticiabilidade”, já que é o contexto que define as notícias que temos hoje, pois ao

longo do tempo o que tem valor notícia para a sociedade muda. E, justamente, contextos

históricos estão presentes em todas as outras ações (pessoal, social, ideológica, cultural e

tecnológica) referentes ao universo do jornalismo e do fabrico das notícias.

2.1.6 Para quem se destina o jornalismo?

Essa pergunta tem primordial valor para tentarmos compreender as variáveis presentes

na produção da notícia jornalística. Justamente porque com ela refletimos sobre as razões

mercadológicas que permeiam a empresa jornalística, uma vez que esta tem como principal

fonte de renda não o faturamento com a venda de exemplares aos leitores, mas sim, o espaço

que destina à publicidade. “Hoje a informação é considerada essencialmente uma mercadoria.

Não é um discurso que tenha a vocação ética de educar o cidadão ou de informar (...), pois

tem, essencialmente e antes de mais nada uma perspectiva comercial” (RAMONET, 2003, p.

247).

Em concordância com essa visão acrescentamos a afirmação de Arbex Jr. (2001, p. 1 Esse fenômeno é denominado Propriedade Cruzada, ou seja, diferentes meios no setor de comunicação controlados por um mesmo grupo (LIMA, 2001).

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114), que entende os meios de comunicação como uma indústria centralizadora: “A

comunicação de massa se estabelece quando a fonte emissora da informação é única e

centralizada, estruturada como indústria, ao passo que os destinatários da informação são um

número imenso de seres humanos nas mais distintas regiões do país ou do planeta”.

Sob esse prisma, Carlos Chaparro afirma que o leitor não possui voz no jornalismo. É

tratado como um consumidor. “O leitor (...) raramente consegue interferir em conteúdos e

intenções. Embora nos discursos de marketing dos jornais o leitor seja a razão central dos

objetivos jornalísticos, na prática, ele recebe um tratamento de consumidor” (CHAPARRO,

1994, p. 81).

E, justamente por ser o leitor entendido como um consumidor que, quanto mais

assinaturas, mais empresas vão querer anunciar no jornal. Isso reforça a tese de que o jornal

não pode entrar em dissonância com o leitor, pois este pode não mais comprá-lo,

deslegitimando-o. Logo, se a empresa jornalística enxerga o leitor como consumidor, o jornal

é visto como sendo um produto, “e como tal se deve relacionar com o mercado”

(CHAPARRO, 1994, p. 82).

Nesse sentido, muitas vezes, a empresa jornalística fica propensa a evitar

constrangimentos com as empresas anunciantes podendo, inclusive, alterar o conteúdo

editorial para evitar atritos. Essas distorções ficam evidentes em jornais do mundo inteiro e de

todos os tamanhos.

Diante dessa constatação, percebemos que as notícias jornalísticas são dominadas pelo

mercado e pelo lucro. Segundo Ramonet (1999, p. 8), existe um esquema industrial concebido

pelos proprietários das empresas de comunicação em que “cada um constata que a informação

é antes de tudo considerada como uma mercadoria, e que este caráter prevalece, de longe,

sobre a missão fundamental da mídia: esclarecer e enriquecer o debate democrático”.

Além de evitar ou omitir informações, existem empresas que pautam determinados

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assuntos em função da propaganda do anunciante. Segundo Ramonet (1999, p. 60):

A informação se tornou de verdade antes de tudo uma mercadoria. Não possui mais valor específico ligado, por exemplo, a verdade ou à sua eficácia cívica. Enquanto mercadoria, ela está em grande parte sujeita às leis do mercado, da oferta e da demanda, em vez de estar sujeita a outras regras, cívicas e éticas, de modo especial, que deveriam, estas sim, ser as suas. (grifos nossos)

Dessa forma, Ramonet (1999) esclarece que a relação entre poder e imprensa na

atualidade não é mais entendida apenas sob o viés político, mas especialmente pela questão

econômica e financeira.

De acordo com o raciocínio desse autor os poderes – legislativo executivo e judiciário

- estão em crise. Nesse sentido, ele questiona a imprensa – entendida como o quarto poder -,

aquele que teria como missão cívica averiguar o funcionamento dos três outros, já não pode

mais ser qualificada desse modo (RAMONET, 1999).

Para falar de ‘quarto poder’ ainda seria preciso que os três primeiros existissem e que a hierarquia que os dispõe na classificação de Montesquieu fosse válida. Na realidade, o primeiro poder é hoje claramente exercido pela economia. O segundo (cuja imbricação com o primeiro se mostra muito forte) é certamente o midiático – instrumento de influência, de ação e de decisão incontestável – de modo que o poder político só vem em terceiro lugar (RAMONET, 1999, p. 40).

O pensamento de Ignacio Ramonet acerca do poder econômico é claramente

observado na prática quando passamos à análise da cobertura do jornal Folha de S. Paulo

sobre o cenário eleitoral presidencial de 2002. Os capítulos 4º e 5º deste trabalho indicam

como a questão da crise financeira brasileira incidiu na cobertura da conjuntura política

durante o período.

2.2 UM BREVE PERFIL DA IMPRENSA BRASILEIRA

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O estudo de como estão configurados os meios de comunicação no Brasil é uma forma

de entendermos a sistemática da produção das notícias que fazem parte do nosso cotidiano.

Sobre esse aspecto, trazemos uma breve discussão de como está estruturado o modelo de

jornalismo brasileiro. Nossa preocupação é traçar um perfil com as principais características

do meio impresso para, em seqüência, fazer uma abordagem do jornal Folha de S. Paulo, que

analisamos com maior profundidade.

2.2.1 A mídia e o modelo de jornalismo brasileiro

Com a conquista da liberdade de imprensa e de expressão, o jornalismo brasileiro se

aproxima do “Modelo Ocidental de Jornalismo”, porém, com algumas particularidades que

iremos discutir posteriormente.

O Modelo Ocidental de Jornalismo preconiza que a imprensa deve ser independente do estado e dos poderes, tendo o direito a reportar, comentar, interpretar e criticar as atividades dos agentes do poder, inclusive dos agentes institucionais, sem a repressão ou ameaça de repressão (SOUSA, 2002, p. 33).

O modelo ocidental de jornalismo projeta a idéia de uma imprensa independente, uma

espécie de espaço público para a discussão de idéias, cumprindo sua função social de garantir

o acesso da população à informação.

A importância dada à mídia como fonte de informação na sociedade levou Lima

(2001) a classificar a sociedade de media-centric, que se caracteriza como uma organização

social centrada na mídia e que depende dela mais do que de instituições como a família, as

igrejas, sindicatos ou partidos políticos para a construção do conhecimento e a tomada

cotidiana de decisões.

No caso da imprensa, que não se caracteriza com um meio de comunicação de massa,

pois é restrita à pequena parcela da população, a opinião publicada é restrita a formadores de

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opinião, justamente pela premissa de que os fatos são discutidos com mais profundidade.

Os eventos dignos de se tornar notícia se originam de limitado grupo de pessoas que têm acesso privilegiado à mídia, que são tratadas pelos jornalistas como fontes confiáveis, e cujas vozes são aquelas que são mais largamente apresentadas no discurso da mídia (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143).

Mas, será esse conhecimento oferecido pelo jornalismo livre, totalizante e creditível?

O conhecimento gerado pelo jornalismo possui algumas particularidades, ou seja, o processo

de produção e fabrico das notícias com o qual o público-leitor/espectador irá estabelecer

referência é amplamente influenciado por inúmeros fatores dentro e fora do espaço

jornalístico. Dessa forma, a informação oferecida pelo jornalismo é criada a partir de

determinados recursos e fundamentos pré-estabelecidos.

Nesse sentido, à idéia de “Modelo Ocidental de Jornalismo” deve-se levar em conta

alguns fatores como imposição do pensamento dos países ocidentais ricos para os países

pobres; a existência de empresas de jornalismo dependentes da publicidade e convivendo com

a lógica do mercado e a grande concentração da informação em conglomerados da mídia

(SOUSA, 2002), regras que não fogem à realidade da mídia de modo geral e especialmente do

jornalismo praticado no Brasil e geram algumas distorções em relação ao funcionamento

desse sistema.

Ao contrário da imprensa européia, em que predomina a opinião aberta, no Brasil a

imprensa segue os padrões do jornalismo norte-americano, ou seja, o jornalismo dito

informativo, aquele que se define como imparcial, uma vez que se apresenta como isento de

opinião ou de uma ideologia. Com esse discurso, o gênero busca estabelecer uma relação de

credibilidade com o leitor.

No entanto, o papel de representação do jornal, como um veículo influenciado por

atores internos e/ou externos do espaço jornalístico, fatalmente o leva a se posicionar desta ou

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daquela maneira, ocorrendo uma falsa neutralidade no tratamento da notícia

(FRANCISCATO, 2002).

2.2.2 Oligopólios: ponto conflitante da mídia brasileira

Um ponto conflitante dos meios de comunicação brasileiros amplamente estudado por

Lima (2001) é a existência dos oligopólios dos meios de comunicação. No Brasil, o setor de

comunicação é controlado por uns poucos grupos familiares e por elites políticas regionais

que detém o poder político em qualquer um dos dois âmbitos com cargos eletivos (Executivo

e Legislativo), uma concentração que fere, inclusive, o parágrafo quinto do artigo 220 da

Constituição Brasileira que determina que os meios de comunicação não podem, direta ou

indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

Impulsionadas pelas brechas na legislação do país, cerca de dez famílias controlam a

radiodifusão no país: Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT), Sirotsky

(RBS), Câmara (Centro-Oeste), Jereissati (Nordeste), Civita (Abril), Mesquita (Grupo OESP),

Frias (Grupo Folha), Levy (Gazeta Mercantil). O conceito de coronelismo eletrônico define

bem a situação brasileira, em que 90% da mídia é controlada por apenas 15 grupos (SILVA;

CUNHA, 2003, p. 12).

Lima (2001) relata o poder de exclusividade do Presidente da República nas

concessões de serviços de radiodifusão, uma decisão usada como moeda política. Fato que

desvenda a tentativa de políticos em exercer, pelos meios de comunicação, o controle sobre

parte do eleitorado demonstrando claramente o grande vínculo entre os meios de comunicação

e as elites políticas brasileiras.

Para Lima (2001), a disparidade social brasileira é o que permite à mídia submergir ao

controle sobre a informação por um pequeno segmento social que se intitula como os

defensores dos interesses do país.

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Além do poder político, vale ainda destacar que o cenário brasileiro modificou-se nos

últimos anos com o avanço de grupos religiosos sobre o campo dos meios de comunicação.

Sobretudo as igrejas evangélicas têm se destacado na disputa pelo setor.

2.3 O JORNAL FOLHA DE S. PAULO

Passamos aqui a fazer uma abordagem particular do jornal Folha de S. Paulo cujos

recortes constituem o corpus do nosso estudo. Nosso objetivo é traçar um perfil do diário

como forma de compreender melhor o seu comportamento discursivo. Sobre este aspecto não

é nossa intenção realizar um estudo completo e detalhado da história do veículo.

Buscamos, apenas, construir um breve contexto do diário, sua relação com o leitor e

avaliação de sua linha editorial na tentativa de compreender como a Folha de S. Paulo

sagrou-se como o maior jornal de circulação do Brasil.

2.3.1 Um breve histórico2

A Folha de S. Paulo é atualmente o maior jornal brasileiro, quer falemos na atual

tiragem, de 300.712 unidades3, quer na estrutura empresarial que o suporta. O ano de sua

fundação é 1921, quando Olival Costa e Pedro Cunha colocam em circulação o jornal Folha

da Noite. Em 1925 é fundada a Folha da Manhã e 24 anos depois, a Folha da Tarde. Apenas

em 1960 os três jornais se fundem na Folha de S. Paulo.

É também nos anos 60 que Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho

assumiram o controle acionário da empresa.

2 Todos os dados levantados da história da Folha de S. Paulo que constituem esta parte do trabalho foram coletados no site da Folha, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/história.shtml e da edição especial Primeira Página – Folha de São Paulo - uma viagem pela história do Brasil e do mundo nas 216 mais importantes capas da Folha desde 1921. 3 Os 5 maiores jornais brasileiros em circulação média diária são: Folha de S. Paulo, com 300.712; O Globo, com 240.468; O Estado de S. Paulo, com 228.671; Extra, com 207.186; e Correio do Povo, com 179.634. Dados de dezembro de 2003, fornecidos pelo IVC – Instituto Verificador de Circulação. Fonte: Revista Negócios da Comunicação, Ano II, número 6, 2004, p. 47.

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O pioneirismo da Folha de S. Paulo é observado em vários momentos. Em 1967, foi o

primeiro a usar a impressão em off-set colorida e em 1971, o sistema eletrônico de

fotocomposição. Em 1976, foi criada a sessão Tendências/Debates, um espaço para

publicação de artigos.

O jornal foi também o primeiro a estabelecer, de forma documentada, um projeto

editorial, no início da década de 80, cujas metas, de acordo com a empresa, eram a

informação correta, interpretações competentes e pluralidade de idéias. Ainda nessa década a

Folha se tornou a primeira redação informatizada da América do Sul.

Em 1984 foi publicado o primeiro Projeto Editorial e o primeiro Manual de Redação

editado em livro, que já conta com três versões revisadas e ampliadas (1987, 1992 e 2002).

Na década de 90 merecem destaque a reorganização do jornal em cadernos temáticos,

o posicionamento, como o primeiro órgão da imprensa, a favor do impeachment do Presidente

Fernando Collor e o início de circulação com primeira página colorida todos os dias.

Em 1993 a família Frias de Oliveira assumiu o total controle acionário da companhia.

Nesse período a Folha registrou uma média de 522 mil exemplares vendidos aos domingos,

tornando-se o maior jornal com circulação paga do país.

Mas foi em 1994 que o diário bateu recorde de tiragem e vendas na história brasileira

com o lançamento do “Atlas Folha/ The New York Times” em fascículos dominicais, com a

distribuição de 1.117.802 exemplares no lançamento e nas semanas subseqüentes.

Em 1995, após iniciar as atividades no Centro Tecnológico Gráfico em Tamboré, SP,

o jornal passou a circular com páginas internas coloridas. E em 1996 criou o Universo Online

(UOL), primeiro portal de informações de grande porte do país, que no mesmo ano, se fundiu

com o Brasil Online (BOL), do Grupo Abril.

No ano de 1999 a empresa divulgou um total de 350 mil assinantes no portal UOL e

uma visitação de 400 milhões de páginas vistas por mês, uma média de 3,2 milhões de

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pessoas, o que correspondia a 80% dos usuários de Internet no Brasil. É também no mesmo

ano que a empresa anunciou a venda de 12,5% da participação acionária para o grupo Morgan

Stanley Dean Witter & Co., iniciando a expansão do portal para a América Latina ao mesmo

tempo em que o jornal passou por uma reformulação gráfica, adotando um novo formato.

Em 2000 a companhia criou a NetGratuita, a FolhaWaap, um serviço de informações

via telefonia celular e, começou a publicar, em parceria com o InfoGlobo, o jornal Valor

Econômico. Ainda nesse ano o jornal Folha de S. Paulo apresentou um novo projeto gráfico e

a criação de novos cadernos.

2.3.2 Projeto Editorial e Gráfico, Manual de Redação: estratégias de posicionamento mercadológico

“A Folha é um jornal feito em São Paulo com irradiação nacional, que se propõe a

realizar um jornalismo crítico, apartidário e pluralista” (MANUAL DE REDAÇÃO, 1996, p.

13 – grifos do autor). Essa asserção encabeça a apresentação do Projeto Folha.

A edição do novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo, publicada em 2002,

repete, na primeira parte, o Projeto Editorial seguido pela empresa em 1997, mas vale lembrar

que o jornal segue projeto editorial desde a década de 70, como citamos anteriormente.

Arbex Jr (2001), em ensaio crítico sobre o jornalismo brasileiro, lembra que a Folha

se obstinou na adoção do manual de redação, o que, para os jornalistas da época, representava

a imposição de normas para a produção de seus textos.

O uso de termos e expressões como ‘limites implacáveis de tempo e de espaço’ ou a forte noção de hierarquia e disciplina presentes nos verbetes não é casual. Decorre de percepção, segundo a qual a produção de jornal deveria ser encarada como uma guerra diariamente travada entre, de um lado, a direção de redação e a ‘elite’ do jornal (editores fechadores) – encarregados da missão de implantar as normas do manual – e, de outro, uma redação integrada por jornalistas pouco habituados a isso, ou por tradição ou por serem muito jovens (ARBEX JR, 2001, p. 150).

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Para o jornalista, a identificação da Folha com os setores mais democráticos do Brasil

se inicia justamente nos anos 70, quando o jornal passou a ter artigos assinados por

intelectuais, políticos e personalidades identificadas como de oposição ao regime militar, e

também passou a contar com representantes da sociedade civil em seu conselho editorial.

Segundo Melo (1992), a Folha sempre se preocupou em tornar pública a sua história e

a sua linha editorial, com várias publicações analíticas desde a década de 80. Foi também

nesse período que o jornal estava se modernizando, informatizando-se e implantando uma

estrutura gerencial na redação.

O grande salto do jornal durante os anos 80 marca um período de demissões

ocasionadas pela informatização, da otimização do desempenho e da adoção de um programa

de metas trimestrais, que visava fechar a edição do jornal cada dia mais cedo (ARBEX JR,

2001).

Arbex Jr. (2001), que trabalhou na empresa de 1984 a 1992, relata que apesar de a

sociedade ver o jornal como um “porta voz da democracia”, o que acontecia eram atitudes

contraditórias, observadas dentro da redação, no trato com seus profissionais.

A FSP aparecia, aos olhos da sociedade, como porta-voz da democracia, ao mesmo tempo em que, internamente, praticava uma política autoritária de rígido controle industrial e ideológico. O “paradoxo” apenas aparente, resolve-se com a constatação de que a FSP apenas adotou uma estratégia de transformar a luta pela democracia em marketing. Em outros termos, a FSP implantou na imprensa nacional a defesa da democracia-para-o-mercado (ARBEX JR, 2001, p. 144).

O autor relata que o jornal não tinha aderido de fato a um projeto democrático de

sociedade, como a sociedade acreditava. As estratégias resumiam-se em seduzir o leitor,

caracterizado, de acordo com Melo (1992), como da classe média, pressionada pela crise

econômica e com valores políticos relativamente conservadores.

Segundo Melo (1992, p. 7), desde a década de 80 a Folha se caracterizava pela

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sintonia com as expectativas da sociedade civil na transição do regime autoritário para um

sistema democrático de governo. Um dos fatos que mais contribuíram para isso foi o apoio

dado à campanha Diretas Já, em oposição ao seu maior concorrente, O Estado de São Paulo,

que assumia posição mais conservadora, vinculada às oligarquias do país (ARBEX JR, 2001).

No Brasil dos anos 80, essa preocupação se traduzia em uma aparência de vigor, rebeldia e juventude, em franco contraste com o “concorrente”, como era chamado, internamente, o jornal O Estado de S. Paulo. A “linha ideológica” também deveria produzir seus efeitos visuais, na forma de apresentação do jornal, princípio que iria nortear todo o processo de “cadernização” e reformas gráficas que a FSP introduziria ao longo dos anos 80. É essa a linha de sedução que explica a participação da FSP na campanha pelas Diretas Já (ARBEX JR, 2001, p. 146).

Para Chaparro (1994, p. 92), foi justamente nos anos 80 que a Folha decidiu “enterrar

com o passado o jornalismo engajado – e implantar, definitiva e integralmente, o projeto de

‘um jornalismo apartidário, pluralista, crítico, didático, moderno na tecnologia e na

linguagem’, síntese oficial do Projeto Folha”, e que causou uma grande frustração na equipe

interna de reportagem.

Para Chaparro (1994), não apenas a organização Folha, pioneira na implantação de

manuais de redação, mas toda a imprensa brasileira possui normas carregadas de “muitos

propósitos, mas (sic) poucos princípios”. Ele faz uma analogia entre as apresentações dos

manuais de redação da Folha, d’O Estado e d’O Globo com o estatuto do jornal espanhol El

Pais.

Enquanto a imprensa brasileira se preocupa com as técnicas jornalísticas de produção

e apresentação da notícia, o diário espanhol inclui, em seu texto introdutório, a premissa da

busca da verdade e a defesa do interesse do leitor. No caso da Folha, Chaparro observa: “O

manual da Folha, embora em tom solene, logo na introdução reduz o jornal a um produto e os

ideais jornalísticos a meras estratégias de marketing” (CHAPARRO, 1994, p. 103).

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Ao organizar uma obra analítica sobre os gêneros jornalísticos na Folha de S. Paulo,

Melo (1992) aponta distorções entre o projeto editorial do jornal e a prática jornalística diária.

O estudo aponta a ausência de pluralidade nos artigos opinativos, com baixa participação de

mulheres, negros e índios; controle na publicação de cartas do leitor; interferências políticas

sutis nos editoriais; e o baixo uso do gênero entrevistas.

Arbex Jr (2001, p. 153) denuncia que, com o término do período ditatorial, passou a

existir um mal-estar na produção do jornal, quando “a Folha mudou o tom de seu discurso,

tornando-se cada vez mais ‘empresarial’ e dissociada dos anseios nacionais e populares”. Isso

levou ao afastamento de jornalistas, mantendo-se somente os chamados “jornalistas

intelectuais”, aqueles que gozavam de certa autonomia.

O Projeto Folha proclamava-se “pluralista” - por supostamente admitir, nas páginas do jornal, a expressão de uma pluralidade de opiniões – e “apartidário”- por não se filiar a qualquer “partido” (no sentido institucional do termo), o que significava um limite muito claro à possibilidade do exercício do “pluralismo”. A direção do jornal tinha consciência disso. Como conseqüência, a implantação do projeto exigia uma “guerra contra a esquerda” dentro da redação (ARBEX JR, 2001, p. 154).

O autor critica os princípios de objetividade pregados pelo projeto editorial da Folha,

que, mesmo afirmando que “Não existe objetividade no jornalismo” (FOLHA, 1992, p. 19),

ressalta que uma notícia deve ser o puro registro de fatos sem comentários e interpretações, o

que revela a adoção de um discurso tecnicista.

2.3.2.1 A Folha e a crise do mercado

O maior jornal do país e seus concorrentes estão hoje em franca queda na circulação

de exemplares, acentuada desde os primeiros sinais de desgaste do Plano Real que ocasionou

a instabilidade da moeda em relação ao dólar e o conseqüente aumento dos insumos,

especialmente do papel.

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Outro fator preponderante são as alternativas de busca pela informação on-line: mais

rápida e gratuita. Não é à toa que a Folha, entre outras empresas jornalísticas, passou a

disputar leitores na Internet.

Na década de 90 a Folha chegou a ter uma circulação média de 606 mil exemplares

por dia. Hoje não passa dos 350 mil, sendo entre 80% e 90% os exemplares destinados aos

assinantes. Nessa época ações promocionais levaram o jornal a bater recordes de circulação,

medidas paliativas que ajudaram a assegurar o volume de tiragens.

Especialistas afirmam que, muito além da questão econômica, os jornais estão se

tornando menos atrativos para o público leitor. Isso porque estão perdendo o seu caráter

analítico e estão apenas repetindo as notícias divulgadas em tempo real por outros meios,

como a televisão e a Internet, como relata Lins da Silva. “O jornal brasileiro hoje é previsível,

traz notícias que eu já vi ontem e tem linguagem empolada” (NEGÓCIOS, 2004, p. 35).

Para Ramonet (1999), isso ocorre porque a idéia de informação sofreu alteração nos

últimos anos. Para esse autor, informar já não é mais descrever um fato de forma precisa e

comprovada, trazendo parâmetros que permitam ao leitor compreender um significado, mas,

“‘mostrar a história em curso, a história acontecendo’, ou, em outras palavras, fazer o público

assistir (se possível, ao vivo) os acontecimentos” (RAMONET, 1999, p. 132).

Nesse sentido, cabe ao meio impresso uma reestruturação, que é possível por meio da

reflexão sobre o tratamento do conteúdo e linguagem, como uma questão de sobrevivência no

mercado. Analistas, como Noblat, afirmam que a imprensa precisa trazer informações mais

interpretativas, analíticas, com textos profundos e longos (NEGÓCIOS, 2004, p. 38). Além da

reformulação editorial está em questão também a adoção do formato tablóide, muito comum

na imprensa internacional e pouco usado no Brasil.

Em termos de anunciantes – os que pagam os jornais -, este tem sido um grande

problema para os empresários do setor. Desde o ano 2000 o investimento publicitário em

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jornais caiu de R$ 2.117 milhões para R$ 1.918 milhões4.

Na Folha, uma das empresas mais bem sucedidas da imprensa brasileira, e que destina

quase 30% de sua área à publicidade, a queda de circulação refletiu no fechamento dos

cadernos regionais no interior do Estado de São Paulo e na demissão de parte da redação.

4 Os dados foram publicados pela Revista Negócios da Comunicação, Ano II, número 6, 2004, p. 44, que usou como fonte: Mídia Dados 2003/Projeto Inter – Meio e Mensagem.

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3 A ANÁLISE DO DISCURSO

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3.1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS

Nossa abordagem inicial traz definições e conceitos da Análise do Discurso com base

em autores que seguem a linha Francesa, enfocando os trabalhos que realizaram sobre o modo

de constituição dos sujeitos e produção dos sentidos. Enfocamos também outras perspectivas

na linha da Análise Crítica do Discurso e a Teoria Social do Discurso, ambas direcionadas

para produtos da mídia e de origem inglesa.

3.1.1 A perspectiva francesa

A Análise do Discurso é uma das diversas metodologias para estudar a linguagem sem

se preocupar apenas com a lingüística ou com a superfície textual, transcendendo, portanto, as

Teorias Não-Enunciativas que se limitam aos estudos da língua em si e por si mesma como

um sistema de signos e de regras (CERVONI, 1989), e a Análise de Conteúdo, um método

interpretativo muito usado nas pesquisas das Ciências Sociais que busca extrair sentidos dos

textos (PINTO, 1999).

O foco da Análise do Discurso não é entender “o que” o texto significa, mas sim

“como” o texto se faz significar, um conhecimento que deve ser obtido a partir do próprio

texto (ORLANDI, 2003).

Isso ocorre porque a preocupação não está mais no sentido das palavras, expressões ou

frases que podem mudar conforme o contexto em que são usadas, mas em função das forças

presentes nas condições de produção e consumo dos textos (MARIANI, 1999, p. 108).

Essa perspectiva de estudo tem uma de suas origens na França na década de 60. A

Escola Francesa leva em conta, principalmente, a produção do sentido como sendo um

método de tratamento da informação a partir da articulação da lingüística, da psicanálise e,

especialmente, do modo social de produção da linguagem, como aborda Mariani (1999, p.

107): “A AD é uma ciência que situa seu objeto – o discurso – no campo das relações entre o

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lingüístico e o histórico-ideológico, buscando, no interior deste campo, as determinações

sociais, políticas e culturais dos processos de construção do sentido”.

A linguagem é um suporte de pensamento, um instrumento de comunicação e o

discurso é o espaço onde emergem as significações (ORLANDI, 1988). É pelo discurso que

se concretiza a materialidade. Para Brandão (1998, p. 19), a Análise do Discurso “nasceu com

a preocupação de fazer uma análise textual voltada para o texto considerado na sua

opacidade”, ou seja, naquilo que está por detrás do campo enunciativo, na significação, no

sentido produzido, tratando-se, portanto, da palavra em movimento, uma vez que “articula o

lingüístico com o social” (BRANDÃO, 1997, p. 17).

E por tratar a linguagem como uma produção do pensamento de um sujeito e sua

capacidade de significar e significar-se em um determinado contexto histórico-social é que o

discurso tem a idéia de movimento, percurso (ORLANDI, 2003). É pelo discurso, portanto,

que o homem realiza mediações entre sua realidade e a realidade social, uma vez que ele é um

membro de uma determinada sociedade, onde exerce papéis.

Nesse contexto, a Corrente Francesa da Análise do Discurso pressupõe que todo

sujeito, ao exercer práticas sociais, assume lugares que o remetem a uma relação de classes, e,

conseqüentemente, a posicionamentos ideológicos:

Ao produzir o discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de veicular mensagens, mas principalmente, com o objetivo de atuar, de interagir socialmente, instituindo-se como Eu e constituindo, ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio Eu, por meio do jogo de representações e de imagens recíprocas que entre eles se estabelecem (BRITO, 1994, p. 19).

Para ORLANDI (1988), o discurso materializa a ideologia, pois a linguagem não é um

dado e nem a sociedade um produto. Elas se constituem mutuamente e a linguagem, sendo um

suporte de pensamento, passa pelo núcleo social e ideológico, como nos acrescenta Brandão

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(1997, p. 18): “Preconizando, assim, um quadro teórico que alie o lingüístico ao sócio-

-histórico, na AD, dois conceitos tornam-se nucleares: o de ideologia e o de discurso”.

Ideologia, compreendida sob a ótica do marxismo, trazendo como sentido o

pensamento produzido a partir de determinadas condições sociais e históricas que passam pela

imposição dos ideais da classe dominante (CHAUÍ, 1980 apud BRANDÃO, 1997), conceito

que vamos adotar neste trabalho.

Na Análise do Discurso Francesa, o conceito de ideologia se apropria, principalmente,

do pensamento de Althusser, que, com base no pensamento marxista, elaborou a conceituação

dos Aparelhos Ideológicos do Estado, em que define que os sujeitos apoiados em instituições

estabelecem papéis sociais e, portanto, Formações Ideológicas, que determinam “aquilo que

pode e deve ser dito” (BRANDÃO, 1997).

Toda ideologia tem por função constituir indivíduos concretos em sujeitos. Nesse processo de constituição, a interpelação e o (re)conhecimento exercem papel importante no funcionamento de toda ideologia. É através desses mecanismos que a ideologia, nos rituais materiais da vida cotidiana, opera a transformação dos indivíduos em sujeitos. O reconhecimento se dá no momento em que o sujeito se insere, a si mesmo e a suas ações, em práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos. Como categoria constitutiva da ideologia, será somente através do sujeito e no sujeito que a existência da ideologia será possível (BRANDÃO, 1997, p. 24).

Um outro conceito, de Foucault (1969 apud BRANDÃO, 1997), que complementa o

tratamento dado à ideologia na Análise do Discurso é o de Formações Discursivas. Com essa

noção, Foucault concebe o enunciado como o local onde as posições de subjetividade podem

se manifestar, gerando significações às vezes dispersas, já que o sujeito é o resultado das

várias posições que ele assume no discurso. Fairclough (2001, p. 69) exemplifica esse

conceito: “um(a) médico(a) é constituído(a) pela configuração de modalidades enunciativas e

posições de sujeito que é reassegurada pelas regras correntes do discurso médico”. As

formações discursivas são, portanto, elementos que compõem e coexistem no discurso

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47

(BRANDÃO, 1997, p. 31).

A partir dos pensamentos de Althusser e Foucault e fazendo uma releitura da

lingüística formulada por Saussure, Michel Pêcheux desenvolve o aporte teórico da Análise

do Discurso Francesa. “É justamente para romper com a concepção tradicional da linguagem

que Pêcheux fez intervir o discurso e tentou elaborar teoricamente, conceitualmente e

empiricamente uma concepção original sobre este” (HENRY, 1990, p. 26).

As reflexões de Pêcheux (1990) mostram como a ideologia está presente na língua,

uma vez que não existe discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia. E é por intermédio

da língua que o sujeito expressa o sentido. Orlandi (2003), com base no pensamento desse

teórico, afirma que a relação língua-discurso-ideologia é formada partindo da idéia de que a

materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a

língua. Como acrescenta Brito (1994, p. 13), “estudiosos buscam uma compreensão da

linguagem não mais centrada na língua, mas em nível situado fora dessa dicotomia

saussureana, ou seja, entre a língua e a fala está o discurso”.

A Análise do Discurso de Pêcheux (1990) apresenta como quadro epistemológico a

articulação de conhecimentos de três regiões:

1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias; 2. a lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de produção de enunciação ao mesmo tempo; 3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos. Convém explicitar ainda que estas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica) (PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p.163).

Orlandi (2003) exemplifica o plano de trabalho na Análise do Discurso Francesa: a

primeira etapa baseia-se na passagem da superfície lingüística para o texto (discurso), quando

é estabelecida uma análise de natureza lingüístico-enunciativa, ou seja, na seleção de marcas

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presentes no enunciado. A segunda etapa diz respeito à passagem do objeto discursivo para as

Formações Discursivas, ou seja, os modos de representação dos sentidos, “observando os

processos de significação” (ORLANDI, 2003, p. 78). A terceira etapa, finalmente, é a

passagem do processo discursivo para a Formação Ideológica.

Com muitas décadas de existência, a AD hoje é reivindicada por diversos campos de

estudo, como a comunicação, justamente por ser “uma disciplina do entremeio”, como diz

Orlandi (1996 apud MARIANI, 1999, p. 107).

Segundo Brandão (1998) e Gill (2003) hoje não podemos falar numa escola francesa

de AD, mas de várias, que surgiram a partir da diversidade de objetos, formas de análise e

diferentes preocupações, e que, no entanto, têm em comum a noção da linguagem enquanto

elemento produtor do sentido. “O que estas perspectivas partilham é uma rejeição da noção

realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo,

e uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social” (GILL,

2003, p. 244).

3.1.2 Outras perspectivas

O conceito de ideologia marxista também está presente na Análise Crítica do

Discurso, fruto dos trabalhos de pesquisadores ingleses sobre análise de discurso, iniciados na

década de 70. Segundo Fairclough (2001, p. 47), a Análise Crítica se baseia em “casar um

método de análise textual com a teoria social do funcionamento da linguagem em processos

políticos e ideológicos, recorrendo à teoria lingüística”.

Recorrer aos estudos dos pesquisadores da Análise Crítica é uma excelente

oportunidade para procurar entender o funcionamento da linguagem produzida pelos meios de

comunicação e a sua relação com o sistema político-ideológico, como ressalta Gill (2003, p.

246). O trabalho lingüístico crítico

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(...) tem uma preocupação explícita com a relação entre linguagem e política. A tradição está bem representada nos estudos da mídia, particularmente na pesquisa sobre imprensa, e enfatizou – entre outras coisas – a maneira como formas lingüísticas específicas (tais como a anulação do sujeito, passivização ou nominalização) podem ter efeitos dramáticos sobre a maneira como um acontecimento ou fenômeno é compreendido.

Sob a ótica de Fowler (1991), um dos teóricos partidários dessa escola, as

representações ideológicas estão presentes nos enunciados ora causando conflitos, ora

consensos. Para o autor, que trabalha com a perspectiva da Análise Crítica do Discurso em

textos jornalísticos, a linguagem vai consolidar e confirmar as organizações que a moldam.

Assim, os diferentes modos de colocar a linguagem como produção de significado podem

envolver sistemas ideologicamente diferentes.

A lingüística crítica busca, estudando os detalhes minuciosos da estrutura lingüística à luz do contexto social e histórico no texto, expor os padrões de crenças e valores que são codificados na língua e que estão no limiar da notícia para que qualquer um aceite o discurso como ‘natural’ (FOWLER, 1991, p. 67, tradução nossa5).

Assim, estudiosos como Fowler buscam em suas análises as representações da

linguagem por estereótipos, discriminações e atitudes que remetam ao poder como

manifestações da ideologia dominante.

Para Fowler (1991), o discurso discriminatório reforça os estereótipos. Mesmo que a

intenção não seja discriminatória, os termos conceituais são repetidos e isso parece uma coisa

normal e por isso não é uma questão muito refletida.

Mesmo em se tratando de um problema lingüístico, é no discurso que aparece um

grande número de expressões que se referem ao poder e que foram incorporadas ao senso

5 Critical linguistics seeks, by studying the minute details of linguistic structure in the light of the social and historical situation of the text, to display to consciousness the patterns of belief and value which are encoded in the language – and which are below the threshold of notice for anyone accepts the discourse as ‘natural’ (FOWLER, 1991, p. 67).

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comum numa forma ideológica de manutenção do status quo. “A língua simplesmente reflete

os fatos” (FOWLER, 1991, p. 104, tradução nossa6), ou, como escreveu Sousa (2004, p. 18):

“A linguagem é mediadora entre o mundo e as idéias e imagens que temos dele”.

Outra visão que não podemos deixar de mencionar diz respeito à Teoria Social do

Discurso, de Fairclough (1995; 2001). O trabalho do teórico tem em comum com a Escola

Francesa a dimensão crítica da linguagem enquanto uma prática social, discutindo o papel da

linguagem como (re)produtora de ideologias, mas, também, o seu papel enquanto capacidade

de transformação social. “Especificamente, as conexões entre o uso da língua e exercício de

poder freqüentemente não estão claras entre as pessoas, contudo, aparentam, num exame mais

próximo, ser de vital importância para os funcionamentos do poder” (FAIRCLOUGH, 1995,

p. 54, tradução nossa 7).

Para esse teórico, a linguagem como prática social implica a constituição da identidade

social por meio do relacionamento entre a sociedade e os sistemas de conhecimentos e

crenças, ou seja, das representações sociais (FAIRCLOUGH, 1995).

(...) ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas, de forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos marcos delimitadores vão sempre além da produção dos sentidos. Assim, seus procedimentos e suas práticas podem ser investidos política e ideologicamente, podendo ser posicionados por sujeitos (e membros) (FAIRCLOUGH, 2001, p. 101).

A prática discursiva de Fairclough (1995; 2001) envolve os processos de produção,

distribuição e consumo textuais. O discurso é a linguagem utilizada como a representação da

prática social e traz pontos de vista particulares, elaborados por intermédio de uma construção

6 Language simply reflects the facts (FOWLER, 1991, p. 104). 7 “Specifically, connections between the use of language and its exercise of power are often not clear to people, yet appear on closer examination to be vitally important to the workings of power” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 54).

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arquitetada pelo produtor do texto.

O autor, em sua teoria, desenha uma concepção tridimensional indispensável para a

realização de análise discursiva de produtos da mídia, o que ele chama de “Análise Crítica do

Discurso” e que envolve as relações entre: Texto, Prática Discursiva e Prática Social.

Na esfera textual, Fairclough (1995) propõe a análise de processos de produção em

textos. O estudo engloba análise do vocabulário, gramática, semântica, fonética e sistema de

escrita. Trata-se de uma análise lingüística que se preocupa com a organização do texto, seus

significados e forma, uma vez que é impossível dissociar uma noção da outra, já que são

elementos intrínsecos.

Nesse sentido, a Prática Discursiva abrange o estudo da construção do texto

observando o sistema de produção, os valores sociais, as representações particulares do autor

(ideologia), assim como as identificações sociais e a relação do emissor com o receptor.

Contempla, portanto, a mediação entre o textual, o social e o cultural. A análise pela prática

discursiva - chamada pelo autor de criativa -, faz uma ponte entre a linguagem e a sociedade.

Observa a heterogeneidade nos formatos e significados nos textos e localiza a relação

do repertório com a prática discursiva. Por conseqüência, o analista tem de compreender os

aspectos sociais e culturais. “Conseqüentemente, na análise intertextual o analista é mais

dependente da compreensão social e cultural” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 61, tradução nossa8).

A visão de como são estruturados os termos que configuram os gêneros e discursos, as

mudanças da ordem do discurso e a sua relação com outras ordens socialmente adjacentes são

entendidas como Prática Social.

O que o autor chama de “Ordens do Discurso” são as dominações hegemônicas

presentes nos enunciados, ou seja, construídas por grupos dominantes que lutam para manter a

estrutura particular entre si. Implica um código estável de uma prática discursiva e, portanto,

8 “Consequently, in intertextual analysis the analyst is more dependent upon social and cultural understanding” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 61).

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aceito pela sociedade. “Tais processos geralmente procedem de maneira não-consciente e

automática, o que é um importante fator na determinação de sua eficácia ideológica (...)”

(FAIRCLOUGH, 2001, p. 109).

Ele acredita que exista a mudança nas ordens do discurso que poderão trazer uma

contribuição ao debate das mudanças sociais. A ordem do discurso é remodelada por

intermédio das redefinições de relacionamentos entre o público e o consumo.

À medida que os produtores e os intérpretes combinam convenções discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos discursivos inovadores, estão, sem dúvida, produzindo cumulativamente mudanças estruturais nas ordens do discurso: estão desarticulando ordens de discurso existentes e rearticulando novas ordens de discurso, novas hegemonias discursivas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 129).

Com a rearticulação da ordem do discurso, observamos o caminho que envolve o

contexto de produção e as mudanças sociais. “Novas hegemonias discursivas” podem afetar

as ordens do discurso, levando a processos de mudanças sociais. Essas mudanças na ordem do

discurso são, segundo o autor, a chave para a compreensão do discurso e as relações entre os

gêneros que os constituem.

As visões apresentadas têm pontos em comum. Entretanto, apresentam certas

diferenças entre uma ou outra conceituação. A possibilidade de conciliá-las com objetivo de

analisar a influência do meio impresso no período eleitoral, como veremos a seguir, é uma

forma de extrapolar regras e convenções de grupos fechados, criados sob determinados

contextos, na busca de ampliar visões que possibilitem um estudo apoiado no pensamento de

autores que trabalham com a relação linguagem-ideologia e os modos de produção do sentido

em eventos comunicacionais.

3.2 A RELAÇÃO LINGUAGEM-IDEOLOGIA: O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PRÁTICA DISCURSIVA DO JORNALISMO

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O estudo da subjetividade, ou da presença de marcas de sujeito no campo enunciativo,

parte do pressuposto de que todo discurso provém de um alguém que se manifesta sobre

alguma coisa que é dirigida para um outro alguém. Justamente nessa polaridade entre eu e tu

que os sentidos são produzidos, pois implica um posicionamento do enunciador em relação ao

outro, o seu enunciatário. Posição esta que depende de fatores como contexto, lugares e papéis

assumidos pelos sujeitos da enunciação.

3.2.1 Discurso e sujeito

É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’. A subjetividade de que tratamos aqui é a capacidade do locutor de se propor como ‘sujeito’(BENVENISTE, 1988, p. 286).

Esse trecho da obra de Benveniste (1988) nos remete à noção de subjetividade dentro

do estudo da linguagem. Para esse teórico, a subjetividade leva o autor do enunciado a se

posicionar como sujeito em seu discurso e isso acontece a partir da língua. Existe, portanto,

um sujeito pensante, criador do enunciado e um outro que está presente no interior do

enunciado, aquele que se faz ouvir. A partir desse raciocínio, a linguagem “é o lugar de

criação da subjetividade”, como afirma Gomes (2000, p. 63).

Nessa perspectiva, o enunciador passa a ter papel privilegiado, pois se torna

representado por um sujeito que lhe atribui sentido, como esclarece Brandão (1998, p. 37):

“porque falo, aproprio-me da linguagem, instauro minha subjetividade e é enquanto sujeito

constituído pela linguagem que posso falar, representar o mundo”.

Benveniste (1988) afirma que o emprego do eu só existe porque o sujeito se projeta a

alguém, um tu a quem dirige seu enunciado e que lhe trará a noção de reciprocidade. Eu e tu

protagonizam a enunciação, um não se concebe sem o outro e apresentam em si, as marcas de

pessoa.

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A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu pressupõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a ‘mim’ torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma conseqüência pragmática (BENVENISTE, 1988, p. 286).

Indo um pouco além da concepção de Benveniste, entendemos que a questão central

da subjetividade não está na polaridade do eu-tu, mas sim no espaço discursivo criado entre

ambos, que se manifesta ora na identidade ora na alteridade dos sujeitos, uma vez que o

sujeito só é construído ao se relacionar com o outro (BRANDÃO, 1997). É com esse olhar

que se coloca a Análise do Discurso.

Uma explicação sobre esse tema se encontra na obra de Pinto (1999). Para o autor

existe uma distinção entre o autor do texto e o sujeito do enunciado, que no próprio enunciado

é encontrado como o responsável pelo discurso. Algumas vezes o sujeito do enunciado

explicita diferentes posicionamentos, lugares ou discursos que aparecem no texto. “São seres

de papel” (PINTO, 1999, p. 32) que ora são livres e ora interpelados por seus papéis sociais.

É sob esse paradigma que Pêcheux elabora sua teoria. A primeira premissa do autor é

que o “sujeito não é um dado a priori, mas constituído no discurso” (PÊCHEUX, 1975 apud

BRANDÃO, 1998, p. 40) e que seu discurso é determinado pela posição e lugar de onde fala.

Dessa forma, não existe sentido em si mesmo: ele é determinado pelas posições ideológicas

colocadas em jogo no processo discursivo.

Pêcheux centra o sujeito como o responsável pelo efeito ideológico no discurso, ora

livre, ora “interpelado” pelo lugar que ocupa no sistema de produção. Assim, suas idéias são

trabalhadas em três frentes: Ilusões Discursivas – Formações Imaginárias – e Formações

Ideológicas.

A Ilusão Discursiva do sujeito da enunciação é o que Pêcheux (1990) chama de noção

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de esquecimento e se divide em duas formas:

1) ao produzir um enunciado, o sujeito cria a noção de que é o único senhor de sua fala.

Segundo Orlandi (2003, p. 35), esse esquecimento vem da instância do inconsciente e mostra

como o sujeito é afetado pela ideologia, pois tem a ilusão de ser a origem de um sentido e

assim, se esquece que suas idéias advêm de outros enunciados.

Outra noção vem da definição de polifonia de Ducrot (1987 apud Brito, 1994).

Segundo Ducrot (1987) o sujeito do enunciado (enunciador) traz a voz do “ponto de vista”, da

“perspectiva” de uma posição ideológica que o permite falar. É a pessoa cujo ponto de vista é

apresentado. É onde o sujeito reconhece o que pode e deve ser dito. No entanto, no mesmo

enunciado, pode-se ter uma ou mais vozes, trazendo a noção de polifonia, ou seja, do

aparecimento de várias falas atravessadas no mesmo discurso.

2) de forma pré-consciente ou consciente, o sujeito escolhe uma forma em detrimento de

outra, a um dito em relação a um não-dito, indiciando sinais de parcialidade. Segundo

Brandão (1998, p. 41), “essa operação dá ao sujeito a ilusão de que seu discurso reflete o

conhecimento objetivo que tem da realidade, de que é senhor de sua palavra, origem e fonte

do sentido”.

Com base especialmente neste apagamento, o de não sermos a fonte única ou original de nossos discursos, e somando-se a ele a compreensão das formações ideológicas, dizemos que um discurso é sempre um efeito de sentido. Vem de um lugar e vai a outro. Um discurso é sempre decorrência, antes de ser causa (MACHADO; JACKS, 2001, p. 4).

Como Formações Imaginárias, o teórico entende as posições e lugares ocupados pelo

sujeito do enunciado em relação ao seu enunciatário, como ele mesmo define as condições de

produção do discurso: “como pertencentes a um sistema de normas nem puramente

individuais nem globalmente universais, mas que derivam da estrutura de uma ideologia

política, correspondendo, pois, a um certo lugar no interior de uma formação social dada”

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(PÊCHEUX, 1990, p. 77).

Para explicar as Formações Imaginárias, Pêcheux traça um esquema onde imagina um

sujeito A (enunciador) em relação a um sujeito B (enunciatário) representados em um certo

lugar. A cria uma imagem sobre si mesmo enquanto produtor do discurso: “Quem sou eu para

lhe falar assim?” e sobre B: “Quem é ele para que eu lhe fale assim?”. Da mesma forma, B

se projeta em relação a si mesmo: “Quem sou eu para que ele me fale assim?” e em relação a

A; “Quem é ele para que me fale assim?” (PÊCHEUX, 1990, p. 83).

Continuando com o raciocínio de Pêcheux, existem regras e representações na

sociedade, dessa forma, todo indivíduo possui diversos papéis, e em cada um deles, pode se

manifestar ou se calar de acordo com a sua posição. A isso, o autor chama de Formações

Ideológicas que consiste no indivíduo em condição de sujeito ora livre, ora afetado pela

ideologia. “Falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de

intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura característica de uma

formação social em dado momento” (PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p. 166).

É a interpretação do sentido dentro de Formações Discursivas que nos remete às

Formações Ideológicas. Sentido que se regula pelas condições de produção do discurso, pela

realidade, pelo contexto. É pela realidade que nos enquadramos e que determinamos o sentido

de nosso discurso.

3.2.2 A subjetividade no jornalismo e o jornalismo enquanto prática discursiva

Partindo dos conceitos de subjetividade anteriormente construídos e sob a luz da

análise do discurso, propomos pensar o jornalismo na perspectiva da prática discursiva, como

forma de compreender as relações entre sujeito-sentido-ideologia na imprensa.

Originalmente, o jornalismo impresso carregava um caráter nitidamente opinativo. Foi

a partir do século XVIII que os jornais começaram a impor valores de objetividade no campo

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jornalístico. A preocupação estava em relatar os fatos de forma precisa, sem exposição de

comentários pessoais, ou seja, eliminando as marcas de subjetividade com o propósito de

conferir precisão, exatidão, equilíbrio e clareza textuais. Chaparro (2003) traz uma excelente

explicação à busca de “objetividade” no jornalismo:

No ‘policiamento’ da opinião, que os crentes da objetividade fazem, é claramente identificável um viés moralista, como se a opinião, só por si, tornasse suspeita a informação. E a questão não é moral nem ética, mas de estratégia interlocutória: para o relato dos acontecimentos, a narração é mais eficaz (CHAPARRO, 2003, p. 14).

Segundo Baccega (1998, p. 54), na imprensa, “a objetividade se apresenta

textualmente com ausência de sujeito. Ou seja, é o fato que assume contar-se como se não

houvesse intermediação do sujeito e sua linguagem”.

A terceira pessoa do singular ou do plural (ele/eles), normalmente usada no discurso jornalístico, evidencia fractura e distanciamento entre o enunciador e os acontecimentos representados no discurso. Revela também uma intenção de objectivização do discurso. Por vezes, o enunciador procura desvincular-se de si mesmo, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, o que parece conferir-lhe maior capacidade analítica e objetividade (SOUSA, 2004, p. 81).

A separação entre opinião e informação, a colocação do enunciador ausente, tem como

objetivo passar a sensação de que o jornalista (enunciador) não intervém no sentido, como

analisa Gomes (1999, p. 66): “Essa ausência faz pensar que os fatos como contando-se por si

próprios”. Entretanto, de acordo com Chaparro (2003), tudo não passa de mera ilusão, pois

leva-nos a crer

(...) que a paginação diferenciada dos artigos garante notícias com informação purificada, livre de pontos de vista, produzida pela devoção à objetividade. Como se tal fato fosse possível, e até desejável (...) Trata-se de um falso paradigma, porque o jornalismo não se divide, mas se constrói com informações e opiniões (CHAPARRO, 2003, p. 3).

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Nesse contexto, a análise do discurso é uma forma de compreender a convivência

entre a objetividade e a subjetividade num mesmo espaço, mesmo sendo o texto de

predominância estilística subjetiva (editorial, artigo, crônica, coluna, etc) ou objetiva (nota,

notícia, matéria, reportagem), pois ajuda a esclarecer o falso paradigma da objetividade.

Correntemente tipificam-se os principais gêneros jornalísticos em notícia, entrevista, reportagem, crônica, editorial e artigo (de opinião, de análise, etc.). Porém, os gêneros jornalísticos não têm fronteiras rígidas e, por vezes, é difícil classificar uma determi-nada matéria, até porque, consideradas estrategicamente, todas as matérias jornalís-ticas são notícias, especialmente se aportarem informação nova (SOUSA, 2004, p. 94).

Como lembram Caldas, Gonçalves e outros (2003, p. 1): “o discurso não é neutro, a

língua não é o espelho da realidade, mas sua representação”, uma vez que a produção de

mensagens não se apóia no caráter informativo, mas no sujeito que, ao produzir um

enunciado, está necessariamente interferindo, interpretando, reformulando, conferindo um

novo sentido.

E como não existe discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia, como muito bem

abordam os teóricos da análise do discurso (ORLANDI, 1988; BRANDÃO, 1998), o meio

impresso caracteriza-se como um cenário para a produção de sentidos de sujeitos que se

manifestam ideologicamente. Como esclarece Mariani (1999), o discurso jornalístico é

ideológico porque é produzido sob um contexto histórico, em que predominam determinados

fatos que nos remetem a interpretações da realidade.

Entretanto, os leitores - sejam eles mais ou menos críticos -, vão perdendo de forma

desapercebida o contexto histórico e assim, tomam a direção do sentido proposto pelo jornal

que lêem. “As interpretações engendradas nos jornais fazem circular os sentidos hegemônicos

que interessam às instâncias que os dominam” (MARIANI, 1999, p. 112).

Para Mariani (1999), a falsa noção da objetividade é uma forma de incentivar o “não- -

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conflito”, pois permite a colocação de um ponto de vista de forma silenciosa, livre de críticas

assumidas, criando a noção para a grande maioria dos receptores de que o enquadramento

trazido pela imprensa é uma verdade inquestionável (MARIANI, 1999).

Fairclough (1995) alerta que as conexões entre linguagem e exercício de poder não

têm ficado claras entre as pessoas. É o caso do repórter que, numa entrevista, legitima seu

discurso como aquele “que fala pelo público” para seu entrevistado. Na verdade, o

direcionamento do entrevistador é feito de acordo com as relações de poder entre os grupos,

poder este que se sustenta como prática e que assim se mantém, como observa o autor: “Pode-

se considerar que a mídia de notícias efetiva o trabalho ideológico de transmitir as vozes do

poder em uma forma disfarçada e oculta” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 144).

O discurso jornalístico é editado a partir de filtros que nos fornecem um recorte, uma

leitura da realidade. Compreendê-lo requer uma varredura das condições sócio-culturais e

históricas predominantes.

Se perdemos a noção de contexto e de relevância no consumo das informações que nos

são apresentadas, estabelecemos com o jornal que preferimos uma espécie de “contrato de

leitura”9, em que o jornal esconde e mostra o que lhe convém, usando de estratégias

discursivas. O jornalista, tendo em mente o seu “público leitor”, escreve para um tu virtual,

pensando em seu papel como a fonte da notícia e no que o seu leitor se interessa em saber. O

leitor, por sua vez, estabelece uma relação de confiança com o jornal. Segundo Brito (1999, p.

44): “o jornal visa a convencer o leitor; o leitor, convencido, sustenta o jornal. Por

conseguinte, ambos se necessitam. De onde se conclui que deverá haver uma semiose, uma

vez que sem ela o jornal se invalida por falta de instauração de sentido do leitor”. 9 O conceito de Contrato de Leitura foi formulado por Eliseo Veron, com base na teoria da enunciação como metodologia para analisar os suportes de imprensa. Para Veron, pelo contrato de leitura podemos observar o elo entre um veículo de imprensa e seus leitores. Cada suporte de imprensa cultiva, ao longo de sua existência, uma relação que se alimenta de uma permanente negociação com seus leitores. (VÉRON, 1983 apud FERREIRA, 2000).

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Podemos entender essa relação entre o jornal e o leitor a partir do conceito de Pêcheux

(1990). Em relação à noção de Ilusões Discursivas, o esquecimento leva o jornalista a, muitas

vezes, se apropriar do discurso de suas fontes de informação.

É comum que o jornalista se utilize não só da visão sobre a realidade fornecida pelas fontes, mas também de suas expressões. Em muitos momentos, assume as perspectivas de enunciação de outros pensando serem as suas. No momento em que produz o texto, considera-se o dono deste discurso, seu autor (MACHADO; JACKS, 2001, p. 4).

A essa noção, o conceito de polifonia elaborado por Ducrot (1987 apud Brito, 1994)

também é aplicável, pois observamos as várias vozes que colocam dentro de um mesmo

enunciado, ora explicitadas pelo uso do discurso relatado, ora implícitas pela apropriação da

idéia sem o uso de citações.

Ainda retoma a noção de apagamento o processo de escolha de umas palavras em

detrimento de outras na construção do sentido como sendo parte do jogo de “isenção” armado

pelo jornalismo, especialmente pelo gênero informativo, que evita adjetivos como forma de

não atribuir valores aos fatos, permitindo que o jornal mantenha uma imagem de seriedade,

independência, neutralidade e imparcialidade ao veicular seus modelos de verdade.

O jornalismo informativo − gênero supostamente ‘não contaminado’ pela opinião, pela valoração e pela ideologia − define a si mesmo como imparcial e isento. Faz parte de seu jogo discursivo fazer crer que ele se interpõe entre os fatos e o leitor de forma a retratar fielmente a realidade (MACHADO; JACKS, 2001, p. 1).

O conceito de Formações Imaginárias também é caro ao jornalismo porque estabelece

uma ilusão vital e, ao mesmo tempo, hipócrita para o jornalismo, como lembram Machado;

Jacks (2001):

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Como já observamos, o jornalismo não pode construir outra imagem a respeito de si mesmo que não aquela de ser uma instituição capaz de um relato fiel dos fatos e dos pensamentos. É por meio do jornalismo que o leitor espera ler o mundo. Podemos pensar que nossa relação, enquanto jornalistas, com nossos leitores, é paradoxal ou hipócrita, dependendo do termo que se prefira usar. Sabemos que o jornalismo é uma narração do real mediada por sujeitos (no exercício de suas subjetividades) e que as escolhas se dão da pauta à edição, passando pela apuração, pela seleção das fontes e pela hierarquização das informações. Tendo consciência desse processo ou não, o leitor ainda assim busca no jornalismo uma porta para o real (MACHADO; JACKS, 2001, p. 6).

Segundo Sousa (2002), é o jornalismo o responsável por trazer as notícias que irão se

tornar os referentes da realidade social para aqueles que participam dessa realidade e

contribuirá para a construção das imagens que essa realidade terá para esse grupo. Para

Maingueneau (2001, p. 40) “o discurso jornalístico é de certa forma antecipadamente

legitimado, uma vez que foi o próprio leitor que o comprou”.

O jornalismo é um fenômeno do homem moderno, o meio onde ele se espelha e retira

seu conteúdo (referencial). “Não será errado afirmar que os meios jornalísticos são o principal

veículo de comunicação pública através dos quais a estrutura de poder se comunica com a

sociedade” (SOUSA, 2002, p. 122).

Dessa forma, os meios jornalísticos conferem notoriedade a determinados fatos ou

temas, “democratizando” o acesso à informação e tornando habitual o consumo, contribuindo

para conferir um sentido e criando um quadro explicativo para o mundo (SOUSA, 2002).

“Sentidos” e “explicações” para o mundo enviesados por influências, interesses e

acordos que determinam os critérios de noticiabilidade. Para Mariani (1999, p. 102): “O ato

de noticiar (...) não é neutro nem desinteressado: nele se encontram, entrecruzando-se, os

interesses ideológicos e econômicos do jornal, do repórter, dos anunciantes, bem como, ainda

que indiretamente, dos leitores”.

Dessa forma, a informação oferecida pelo jornalismo é criada a partir de determinados

recursos e fundamentos pré-estabelecidos, o que remonta à subjetividade na prática

jornalística, pois o discurso jornalístico propõe leituras e releituras do mundo, e por esse único

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motivo, “um olhar, portanto, nunca é imparcial” (MARIANI, 1999, p. 104).

Em outras palavras, o jornalismo é uma prática dotada de um conjunto de atores, de

instituições e de recursos próprios para uma ação especializada (FRANCISCATO, 2002) e

que escolhe, de forma singular, os eventos que irá noticiar de acordo com critérios como

conhecimento e situações prévias, contexto onde ocorre, número de pessoas envolvidas,

valores notícia (eventos inesperados, com conseqüências, envolvendo uma pessoa da elite ou

várias pessoas, etc), ou mesmo a angulação (enquadramento) como o evento noticioso é

tratado. “Dito de outro modo, as notícias podem indiciar aspectos da realidade (...), mas não

podem nunca refletir a realidade porque isto é impossível” (SOUSA, 2004, p. 28).

São esses atores e essas práticas que conferem sentidos à organização política e social

de um grupo. “O que se escreve nos jornais são interpretações do mosaico que constitui

historicamente uma formação social, mas não é do mosaico inteiro que se fala, apenas de sua

parte hegemônica, i.e., da parte que se impõe a ler” (MARIANI, 1999, p. 105).

De acordo com Fowler (1991) quando a mídia traz-nos informações construídas a

partir do enfoque sobre uma pessoa, nós, inconscientemente, a relacionamos com nossos

valores percebidos. Tal processo é um trabalho ideológico que nos apresenta modelos

socialmente construídos e projetados no mundo do conhecimento. Essa operação é feita por

intermédio do uso de palavras que rotulam as pessoas e que fazem parte de uma estrutura

ideológica representada no espaço do jornal impresso. Fowler (1991) mostra, em seus

estudos, como a personalização, a categorização e a discriminação de indivíduos tornaram-se

uma prática utilizada pelo jornalismo.

O indivíduo é estereotipado e categorizado a um grupo de forma prejudicial

(pejorativa). O “grupo” aparece como um instrumento de discriminação entre classes e, no

discurso, adquire aparência solidificada. Nesse sentido, para Fowler (1991), o discurso tem

poder na manutenção da discriminação social, pois é pela linguagem que nomeamos

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categorias, estabelecemos fronteiras e permitimos que as categorizações sejam faladas ou

escritas.

Assim, o jornalismo precisa ser analisado como um produto midiático formador de

opinião, difusor do discurso ligado às instâncias de poder, produtor de sentido para os

acontecimentos e, portanto, dotado de subjetividade e nem um pouco imparcial, e a Análise

do Discurso é uma das formas de se entender esta problemática: “(...) a análise do discurso

permite conhecer indiretamente o público-alvo de um jornal, assumindo que determinado

setor do público escolhe esse jornal porque se revê nos seus conteúdos e formatos” (SOUSA,

2004, p. 15).

Levando-se em conta os fatores de construção da notícia (interesses internos e

externos da empresa jornalística), considera-se que é praticamente impossível que um veículo

impresso adote uma posição de neutralidade (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143 - 144).

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4 JORNALISMO, POLÍTICA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002

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4.1 JORNALISMO E POLÍTICA: CAMPOS QUE SE ENTRECRUZAM

Para tentar compreender a delicada relação entre o jornalismo e a política, recorremos

inicialmente a Pierre Bourdieu (1997) que lança a idéia de campo, uma moldura definida por

cada uma das partes com seus agentes e interesses individuais.

Segundo o teórico, o campo político é o lugar onde são gerados produtos políticos,

problemas, programas, análises, comentários, conceitos e acontecimentos que, na maioria das

vezes, ficam à parte dos cidadãos comuns. “Bourdieu, ao analisar o campo político, assinala

que o monopólio dessa atividade por especialistas – profissionais da política – tem

concentrado o capital nas mãos de um grupo selecionado de pessoas” (RUBIM, 1994, p. 43).

Todos os que ficam à parte do campo político (os que não são profissionais da

política), tornam-se os “consumidores” desses produtos, conceitos e idéias gerados pela

política. A estes cabe a decisão de avaliar, escolher e validar.

Nesse sentido, os produtos gerados pela política necessitam de visibilidade, que,

atualmente, é grande parte feita pelos meios de comunicação. Portanto, a necessidade de

reconhecimento e visibilidade do campo político existiu antes mesmo do advento dos meios

de comunicação. “Antes (...) outros fatores ‘vivenciavam’ o discurso político. Se hoje é

importante que o candidato tenha um rosto atraente, antes pesavam mais a técnica retórica, o

timbre da voz ou mesmo o talhe do corpo (...)” (MIGUEL, 2002, p. 158).

Segundo Miguel (2002, p. 167), os campos político e jornalístico “guardam certo grau

de autonomia e a influência de um sobre o outro não é absoluta nem livre de resistência; na

verdade, trata-se de um processo de mão dupla”, pois “a imprensa lê cinicamente a disputa

política e os políticos se adaptam ao comportamento esperado, numa cadeia de alimentação

mútua” (CAPPELLA E JAMIESON 1997, p. 9-10 apud MIGUEL, 2002, p. 159) e nesse

sentido, ambos os campos estão submetidos aos juízos da sociedade, como ressaltou Pierre

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Bourdieu:

(...) esses dois campos têm em comum estarem muito direta e muito estreitamente situados sob a influência da sanção do mercado e do plebiscito. Daí decorre que a influência do campo jornalístico reforça as tendências dos agentes comprometidos com o campo político a submeter-se à pressão das expectativas e das exigências da maioria, por vezes passionais e irrefletidas, e freqüentemente constituídas como reivindicações mobilizadoras pela expressão que recebem na imprensa (BOURDIEU, 1997, p. 114-115).

Dessa forma, política e jornalismo se interferem, apesar de serem campos autônomos e

se guiarem por lógicas diferentes. Para Fausto Neto (2003), o campo político brasileiro perdeu

a visibilidade de discussão fora do campo da mídia. O campo midiático, portanto, amplia o

acesso aos agentes da política, expondo-os de forma mais permanente à sociedade. Com

respeito a essa idéia, temos também as impressões de Rubim:

O deslocamento hoje nitidamente detectado entre a luta política – assumida, circunscrita e realizada, em boa medida, através do campo político – e a visibilidade da política, crescentemente ensejada na atualidade pelo campo das mídias, especialmente nas sociedades mídia-centradas, conforme a denominação cara aos autores norte-americanos, não resta dúvida estimula ainda mais tal distinção (RUBIM, 2004, p. 20).

Na política, os agentes do processo buscam a visibilidade, que se faz principalmente

por intermédio dos meios de comunicação, como coloca Miguel (2002, p. 158): “É necessário,

em primeiro lugar, o reconhecimento de que a mídia é um fator central da vida política

contemporânea e não é possível mudar este fato”. Ainda sobre a questão da visibilidade,

temos a observação de Rubim (2004):

(...) o primeiro desafio de qualquer ator político, seja ele individual ou coletivo, na atualidade passa a ser a aquisição de uma existência pública, que o inscreva efetiva e legitimamente no cenário político, propiciando condições mínimas para uma efetiva competição política e eleitoral. A visibilidade dos atores, portanto, passa a ser um desafio político-midiático (RUBIM, 2004, p. 19-20).

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4.1.1 O Jornalismo e seu papel na construção do sentido político Disse Marcondes Filho (1986, p. 11) que “um conglomerado jornalístico nunca está

sozinho. Ele é, ao mesmo tempo, a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos

políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas o foro de objetividade”. A partir dessa

idéia, acrescentamos que o jornalismo projeta a política sob enquadramentos com o objetivo

de transformar a notícia em uma mercadoria para a sociedade e, por esse motivo, na maioria

das vezes, atrelada às esferas do poder.

Para esse pesquisador, Jornalismo e Estado, como instituições, são “independentes” e,

de fato, funcionam como organizações separadas; entretanto, apresentam proximidades. “Os

agentes que operam essas instituições não se distinguem tão claramente. (...) Sua proximidade

vem da origem de classe, da ideologia de uma forma geral e do trânsito das esferas comuns”.

(MARCONDES FILHO, 1986, p. 77).

Nesse contexto, encontramos ainda em Marcondes Filho (1986) a noção de que o

jornalismo é uma instituição suporte da sociedade capitalista porque, ao projetar a informação

institucionalizada sob o ponto de vista oficial, via de regra, busca amenizar, encobrir fatos e

silenciar vozes.

Além disso, existe a mercantilização da informação, com bases na exploração e no

lucro do trabalho dentro da empresa jornalística. Sodré (1999), em uma das obras mais

completas sobre o jornalismo no Brasil, declara que a imprensa nasceu com o capitalismo e é

regida pelas regras de produção e circulação ditadas pelo sistema. Nessa mesma linha,

Marcondes Filho (1986, p. 12), afirma:

Atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, como, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas. É sobre a notícia que se centra o interesse principal no jornalismo.

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Com tantas influências, interesses e valores norteando a construção e fabrico das

notícias, muitas vezes os processos jornalísticos tendem a degradar a função informativa e

pouco têm trabalhado para reforçar o seu papel de mediador/regulador na sociedade (SOUSA,

2002).

O jornalismo, na visão ocidental e democrática, existe para informar, comunicar utilmente, analisar, explicar, contextualizar, educar, formar, etc, mas também existe para tornar transparentes os poderes, para vigiar e controlar os poderes de indivíduos, instituições ou organizações, mesmo que se tratem de poderes legítimos, manifestados do sistema social. Este, como qualquer outro sistema, tem tendência a perpetuar-se. Por vezes, todavia, a idéia é que a situação inversa é dominante, isto é, os poderes controlariam e influenciariam mais os meios jornalísticos do que ao contrário (SOUSA, 2002, p. 58).

No campo do jornalismo político, o conhecimento oferecido está submetido a relações

de conflito de interesses dos atores internos e externos do espaço jornalístico. As influências e

relações de poder impõem limitações sobre tratamento, conteúdo, enquadramento e interferem

diretamente na produção da notícia.

As notícias adotam um estilo apropriado a determinado jornal, refletindo os processos sociais e econômicos em que o jornal está inserido. Esse estilo veicula uma ideologia que está incorporada na linguagem, aí implantada pelas práticas sociais e discursivas existentes (DOTA, 2004, p. 2)

As notícias passam a ser interpretadas em função de relações de poder e interesse.

Quando se parte do pressuposto de que a ideologia é o pensamento de um grupo dominante, o

jornalismo oferece a esse grupo a manutenção da coesão social, disseminando um conjunto de

normas, valores, idéias e práticas sociais para justificar as relações políticas, sociais e

econômicas existentes no interior da sociedade.

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Os meios de comunicação são um dos vectores através dos quais se fazem sentir as estratégias e táticas de dominação e de controlo ideológico da sociedade, pois têm a capacidade de construir os sentidos prevalecentes para a realidade, definirem a norma e os desvios à norma (Hall, 1989) (SOUSA, 2004, p. 25).

A produção jornalística política acontece, portanto, no âmbito da negociação. É um

processo que leva em conta princípios, interesses, expectativas, avaliações e recursos

(DIMENSTEIN, 1990) e que, portanto, é costurada à ação ideológica.

Sob a perspectiva de ideologia de Gramsci, Sousa (2002) observa que os meios de

comunicação servem uma hegemonia, uma vez que aceita as interpretações “oficiais” dos

acontecimentos, centram-se em fontes advindas das elites dominantes, deslegitimando vozes

alternativas. E as marcas dessa hegemonia podem ser vistas na notícia.

Poderíamos dizer que os discursos estabelecem os termos e as categorias através das quais vemos o mundo, ou seja, os enquadramentos que fazem com que o mundo tenha sentido. Além disso, os discursos definem o território das discussões quando diferentes enquadramentos sobre um assunto chegam ao espaço mediático. Assim, o jornalismo ajuda a definir as fronteiras do aceitável e não aceitável, do legítimo e ilegítimo, do falado e não falado, do consensual e do desviante numa determinada sociedade (SOUSA, 2004, 19).

Os meios de comunicação mostram e escondem o que melhor lhes convém. Dessa

forma, relações de poder explicadas pelos meios de comunicação também são provavelmente

solidificadas, uma vez que a mídia compactua que as relações existentes são fatos naturais e

imutáveis (SOUSA, 2002).

Além disso, há de se constatar ainda que a imprensa tende a destacar a política dentro

da estrutura de partidos e com esta estrutura as manobras de bastidores, negociações e

alianças (MIGUEL, 2002, p. 175; DIMENSTEIN, 1990), que muitas vezes, não passam de

meras especulações e balões de ensaio que nem sempre têm a veracidade verificada.

4.2 OS MODOS DE PRODUÇÃO DA NOTÍCIA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002

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O objetivo deste tópico é resgatar os poucos ensaios publicados sobre as Eleições

Presidenciais de 2002 em relação à questão da visibilidade da política pelos meios de

comunicação de modo geral no período em questão, uma problemática que, para alguns

pesquisadores ultrapassou os limites do propósito “tornar público” e até mesmo do poder de

agendamento para um controle de sentido e interpretação da realidade.

Outro aspecto apresentado diz respeito ao cenário brasileiro durante o período pré-

-eleitoral e eleitoral, como forma de contextualizarmos, de modo sucinto, como se

desenvolveram as pré-candidaturas e como foi a disputa dos primeiro e segundo turnos

eleitorais presidenciais em 2002.

Recorrer a essa discussão sobre o poder de construção do sentido pelos meios de

comunicação no contexto do último pleito majoritário, bem como conhecer a opinião de

especialistas a respeito do cenário eleitoral e dos candidatos, nos auxilia na interpretação dos

recortes de textos noticiosos que constituem o foco de nossas análises.

4.2.1 Visibilidade ou controle do sentido e interpretação da realidade?

Diferentemente da comunicação interpessoal, as mensagens geradas pelos meios de

comunicação se apresentam de forma unilateral. Como um produto acabado e completo, a

mensagem provém de um espaço central e de grande abrangência e, dessa forma, constrói a

realidade com os seus aparatos tecnológicos e linguagens próprias aplicadas com a finalidade

de expor, tornar comum. Iniciamos essa discussão com a colocação feita por Rubim:

A comunicação mediática deixa transparecer de imediato sua mutação fundante: de mera intermediária a comunicação agora concebida como mídia, torna-se produção e divulgação (é obvio) sociais de bens simbólicos: como falante/fala da sociedade e como fabricante de (inter)mediações onde e quando os discursos sociais são reproduzidos, isto é, produzidos novamente pela mídia, através do acionamento de gramática e olhar determinados, e reproduzidos tecnicamente em números sempre mais fantásticos e alucinantes (RUBIM, 1994, p. 35 – grifos do autor).

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Ao tratar do pleito mais recente da política brasileira, Fausto Neto (2003) acrescenta

que o fato mais relevante das Eleições 2002 não é o poder de agendamento da mídia, e sim, a

hipótese de que o campo político parece perder as condições próprias de enunciação, uma vez

que os enunciados passaram para o controle do campo midiático.

(...) se o campo político perdeu o controle das condições de produção de visibilidade de sua discursividade na esfera pública, parece agora perder, igualmente, as condições de sua própria enunciação, na medida em que o poder de sua enunciação passaria, hoje, por um conjunto de estratégias e operações que estariam sob o controle de dispositivos de enunciação do próprio campo da mídia (FAUSTO NETO, 2003, p. 118).

Essa hipótese, lançada pelo autor, constitui uma reflexão sobre o poderio da mídia, que

lançou um conjunto de operações enunciativas na organização do discurso dos atores do

cenário político nas últimas eleições e deu-se a partir de análises sobre o comportamento de

programas jornalísticos na televisão.

Nesse estudo, para Fausto Neto, ficou claramente exposto o controle do profissional de

comunicação, que enviesa a temática de acordo com um roteiro pré-estabelecido, não

permitindo saídas para outras questões a não ser aquelas pré-agendadas, delimitando tempo,

insistindo na obtenção da resposta, exaltando o domínio do assunto pautado e chegando, até

mesmo, à falta de ética, com colocações preconceituosas. “Tais estratégias tornam, assim, a

política ‘refém’ das condições de produção do sentido produzidas pela mídia” (FAUSTO

NETO, 2003, p. 123).

Em outras palavras, o controle das operações enunciativas feito pelos meios de

comunicação, ao se entrecruzar com o enunciado político, mostra claramente algumas

estratégias usadas para a produção do sentido. Fausto Neto lembra-nos do poder da televisão

para criar controles sem limites sobre as enunciações advindas de outros campos, como o

político, por exemplo.

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Evidentemente, esse fenômeno não é observado apenas nos programas jornalísticos da

televisão. É comum a todos os meios. O próprio Fausto Neto, em outro estudo a respeito do

discurso do jornalismo impresso, aponta recursos discursivos desse meio em que se

sobressaem os “ideais da mídia”:

O discurso jornalístico se constitui numa longa citação de títulos, textos e imagens, organização gráfica, hierarquização editorial, etc, articulada e articulando um estilo a partir de uma variedade de palavras, introduzindo suas respectivas expressividades. Falando de muitas coisas a partir de elos unificadores, o discurso jornalístico pode fazer do campo da mídia um dos lugares estratégicos de constituição do discurso social. Não se trata de uma voz a fazer, simplesmente, o reclame das coisas, mas uma voz que se impõe às coisas e que anuncia seus próprios semantizadores (FAUSTO NETO, 1994, p. 160 - grifos do autor).

A respeito do deslocamento do “poder” para o campo midiático na construção do

sentido político, Rubim observa: “(...) agora a comunicação retém, em grande parte, o

momento de publicização da política. Isso significa poder” (RUBIM, 2004, p. 45). Poder que

se revela no uso de dispositivos como agendamentos, composição de cenários políticos e

interpretação da realidade (RUBIM, 2004) e que podem ser observadas no campo discursivo,

por intermédio da análise da mensagem, e particularmente, no uso da linguagem enquanto

reprodutora de ideologias (FAIRCLOUGH, 2001), como propõe este trabalho.

Para Miguel (2002), essa tendência faz com que os políticos de origens partidárias

diferentes adaptem seus discursos em função das operações enunciativas dos meios de

comunicação, criando um estilo pasteurizado e sem o aprofundamento dos conteúdos. “Os

políticos de todas as matizes têm revelado uma tendência a descaracterizar seu próprio

discurso e incorporar o estilo midiático” (MIGUEL, 2002, p. 177).

Diante desse cenário onde o campo jornalístico tornou-se o espaço de projeção do

campo político e, mais do que isso, transformou-se num instrumento de controle da produção

de enunciados dos políticos e conferiu sentidos, Fausto Neto (2003) propõe aos profissionais

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das empresas de comunicação uma reflexão sobre as condições sobre as quais estruturam,

moldam e definem suas produções e o seu papel enquanto agente da informação e da

prestação de serviço; mesmo porque, o eleitor toma conhecimento da política sobretudo pelos

meios de comunicação, como observa a pesquisadora portuguesa Suzana Salgado:

Inúmeros estudos têm comprovado um maior impacto e uma maior legitimidade das mensagens políticas transmitidas pelos media, através da mediatização dos jornalistas, funcionando estes como uma espécie «selo de garantia» para o público receptor (SALGADO, 2004, p. 3).

4.2.2 O cenário político eleitoral em 2002

A história recente da intervenção da mídia nos pleitos presidenciais, em especial no Brasil, deixou marcas profundas em nosso imaginário social e demonstrou como a mídia tem desempenhado significativo papel político e eleitoral, em especial no período pós-ditadura, quando o país já se encontra estruturado em rede e ambientado pela comunicação midiática, vivendo uma situação de Idade Mídia (RUBIM, 2003, p. 44).

A partir do comentário de Rubim, podemos afirmar que tem sido muito comum na

mídia brasileira um posicionamento, implícito ou não, a favor de um candidato que melhor

corresponda às expectativas da empresa de comunicação. Exemplos disso foram as eleições

presidenciais de 89, 94 ou de 98, em que a preferência da mídia já foi objeto de análise de

muitos especialistas (ALBUQUERQUE, 1997; CONTI, 1999; LIMA, 2001; SOARES, 1995;

1999).

Sobre essa ótica, em se tratando de períodos eleitorais, os meios de comunicação terão

mais influência quando for oferecido mais do que a simples intermediação das mensagens

entre a política dos partidos e o público.

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O noticiário político tem sido estudado em seu caráter de realidade construída e as notícias não são tratadas como o oposto do entretenimento, mas como um tipo de dramatização, semelhante, em alguns aspectos, ao conteúdo da programação de ficção. Outra contribuição importante se deu no estudo do agendamento (agenda setting) promovido pelo jornalismo nos meios, trazendo um conhecimento sobre sua capacidade de afetar as avaliações da audiência sobre os assuntos e contextos em que esses assuntos aparecem (SOARES, 1995, p. 22).

A atuação do jornalismo no processo eleitoral tem sido objeto de discussão, em

especial no que diz respeito ao problema da construção da agenda política e a polêmica em

torno do impacto da informação sobre a audiência. Há de se considerar que a construção da

notícia política é um processo de negociação, em que se confrontam interesses, expectativas,

avaliações e recursos (FRANCISCATO, 2002). Sobre os interesses e negociações, Sousa

(2002, p. 58) lança a seguinte reflexão:

Que garantias oferecem aos cidadãos os “jornalistas” (uso intencionalmente entre aspas) que hoje estão a cobrir uma campanha e depois da campanha se tornam assessores dos políticos cujas campanhas cobriram, regressando, posteriormente ao jornalismo, num círculo vicioso?

Em Lima (2001) e em Fausto Neto (2003) encontramos estudos de períodos curtos,

como o eleitoral, que chegam à conclusão de que é pelos meios de comunicação que temas

relacionados à política são discutidos, colocados em pauta, supervalorizados ou esquecidos,

um fato observado desde as eleições presidenciais de 1989, quando a mídia se colocou

explicitamente de forma favorável a um candidato em detrimento de outro; de 1994, quando

trabalhou em torno de agendamentos e tematizações um tanto quanto mais implícitas por

restrições jurídicas, como lembram bem os pesquisadores; ou em 1998, quando os meios de

comunicação silenciaram a disputa, de modo a favorecer a reeleição de FHC (RUBIM, 2004).

No período eleitoral, os meios de comunicação tornam-se um lugar estratégico para

veiculação de discursos de interesses próprios dos candidatos, em que vemos uma interação

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entre o discurso veiculado na mídia e o discurso dos candidatos. As notícias constituem uma

espécie de pauta para discussão e se baseiam em tema de maior penetração junto ao público.

Na mídia impressa, os temas são tratados de forma incisiva e com mais profundidade.

O que desejo assinalar aqui é que os meios de comunicação são, em si mesmos, uma esfera da representação política. A mídia é, nas sociedades contemporâneas, o principal instrumento de difusão das visões de mundo e dos projetos políticos; dito de outra forma, é o local em que estão expostas as diversas representações do mundo social, associadas aos diversos grupos e interesses presentes na sociedade. O problema é que os discursos que ela veicula não esgotam a pluralidade de perspectivas aos diversos grupos e interesses presentes na sociedade. As vozes que se fazem ouvir na mídia são representantes das vozes da sociedade, mas esta representação possui um viés. O resultado é o que os meios de comunicação reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta conseqüências significativas para o exercício da democracia (MIGUEL, 2002, p. 163).

No pleito de 2002 o que ficou marcado pela atuação da mídia foi a questão da

“superexposição” (RUBIM, 2004) que se desdobrou em dois períodos: 1) no período pré-

-eleitoral e 2) no período eleitoral, com ênfase ao Horário Eleitoral Gratuito.

O primeiro período, o da construção das pré-candidaturas, foi marcado com a

exploração da televisão, com a veiculação de programas partidários no horário gratuito. A

imprensa atuou nessa fase com grande exposição das alianças partidárias, as quais sofreram

ação de regras de verticalização impostas pelo sistema eleitoral brasileiro. Como destaques

principais têm-se a ascensão e queda da candidatura de Roseana Sarney, do PFL, desmontada

pelas denúncias de corrupção; e a criticada aliança do PT com o PL.

No período eleitoral, observamos a aparição dos candidatos dentro do Horário

Eleitoral Gratuito, o que Fausto Neto classificou como “Campanha Oficial”, “que é

caucionado a partir de protocolos discursivos que se apóiam em competências midiáticas,

enquanto uma das suas condições de produção” (FAUSTO NETO, 2003, p. 121).

Dentro da “campanha oficial”, cada um dos candidatos oferece a sua interpretação da

realidade sobre temas levantados pela agenda pública, principalmente pautados pelos meios

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de comunicação. Para Mauro Porto (2002 apud RUBIM, 2003), Lula trabalhou

principalmente com análise da conjuntura, enquanto que Serra priorizou a apresentação do seu

plano de governo. Ciro evidenciou a propaganda negativa e Garotinho, a apresentação de suas

realizações.

Entretanto, além da visibilidade dos candidatos pelo Horário Eleitoral Gratuito, existiu

também a “Campanha Oficiosa”...

(...) que se desdobra em outros dois conjuntos de estratégias: a cobertura dos mídias, via mecanismos de agendamentos e de tematização de atores, questões, etc; e as iniciativas institucionais midiáticas, que transformam as rotinas da sua programação e dos seus gêneros para, assim, acolher a política, como novas possibilidades de lhe dar visibilidade (FAUSTO NETO, 2003, p. 121).

É justamente pela “campanha oficiosa” que a mídia, a “guardiã do contato” (FAUSTO

NETO, 2003, p. 122) entre a política e os eleitores, vai estabelecer seu trabalho discursivo

restritivo, delimitando temas pontuais do campo político.

No decurso de uma campanha, os políticos esforçam-se para fazer passar a sua mensagem nos órgãos de informação, ou seja, transformar o seu discurso de propaganda política em notícia, porque se acredita numa maior eficácia da mensagem política mediatizada, ou seja, quando esta sofre as alterações próprias dos profissionais da informação (SALGADO, 2004, p. 3).

Até agora, todos os pesquisadores que estudaram a atuação dos meios de comunicação

em relação ao período eleitoral presidencial de 2002, afirmaram que a superexposição, a

ampla visibilidade, foi uma circunstância motivada pela necessidade de configurar a

legitimidade e credibilidade para a população a respeito da cobertura (RUBIM, 2004;

COLLING, 2004; CHAIA, 2004; FAUSTO NETO, 2003; MIGUEL, 2004) na busca de

proclamação da “pluralidade”, como forma de transmitir ao receptor um posicionamento

confiável.

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Mas, por detrás da questão da credibilidade, para Rubim (2004) os meios de

comunicação brasileiros adotaram essa posição justamente pela falta de um candidato

consensual entre as elites. Já para Chaia (2004) e Colling (2004), a visibilidade foi uma forma

de divulgar os outros candidatos que se colocaram como alternativa a Lula, que “encabeçou”

as pesquisas em todo o período.

Observações de tendências à parte, para nós, o fato mais relevante é que a visibilidade

não significa necessariamente qualidade na informação. Trata-se de uma idéia pela qual se

imagina que tudo é exposto e somente aquilo o que é exposto é realidade.

A idéia simplista que a mera visibilidade representa um benefício para a política e um expediente democrático para as candidaturas em competição carece de um sentido mais consistente, pois ‘esquece’ que a mediação contemporânea da visibilidade da política não se realiza ao modo de uma plena e pura transparência, para a qual a mídia funcionaria como apenas um elo de intermediação (passiva) entre a política e os cidadãos. Bem mais complexo que isto, tal mediação supõe sempre intervenção ativa dos múltiplos atores sociais partícipes e das culturas envolvidas no procedimento de mediação ativa efetuado pelas mídias, que inevitavelmente envolve selecionamentos, agendamentos, silenciamentos, etc (RUBIM, 2004, p. 14).

Assim, os meios de comunicação não são passivos, como muitos imaginam, bem

como uma ampla exposição está longe de ser entendida como uma informação de qualidade.

“Mais espaço para a cobertura da campanha eleitoral não é necessariamente garantia de

prover a cidadania com informação de melhor qualidade” (MIGUEL, 2004, p.100). A respeito

dos aspectos visibilidade e superexposição pelos meios de comunicação, vale acrescentar a

observação de Ramonet (1999) acerca do efeito ‘bola de neve’, em que os meios se

contaminam e se auto-estimulam:

Quanto mais os meios de comunicação falam de um assunto, mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe ainda mais cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas. Assim, os diferentes meios de comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam

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arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea (RAMONET, 1999, p. 21).

Isso porque a cobertura pode não englobar prioritariamente temas como o programa de

governo dos candidatos ou a trajetória dos mesmos, seus feitos e realizações ou as bases de

seus partidos e sim, denúncias, suspeitas, escândalos, fatores que ficam expostos ao crivo dos

meios de comunicação, como se eles fossem os guardiões da ética e da moral.

“A mídia pareceu funcionar com base na máxima de que cabe a ela colocar todos os

candidatos na parede, demonstrando ‘isenção’ e ‘criticidade’, confundidas com objetividade,

com relação a todas as candidaturas” (RUBIM, 2004, p. 17). Esse recurso ajudou a divulgar a

“política em descrédito”, abrangendo aspectos como corrupção e tentando associá-los aos

candidatos ou delimitando um espaço para troca de acusações relativas a questões pessoais

entre os candidatos.

4.2.2.1 Cenários e candidatos

Para tratarmos do cenário das eleições presidenciais de 2002 e dos candidatos

recorremos ao conceito do Cenário de Representação Política – CR-P, elaborado por Lima.

De modo sucinto, CR-P é o espaço para a construção pública das significações relativas à

política e o papel central e hegemônico na construção da realidade (LIMA, 2001, p. 191).

Pressupõe a existência de uma sociedade media-centric, ou seja, centrada na mídia,

que exerce um papel fundamental numa sociedade cujos sistemas nacionais de comunicações

são consolidados, e com o exercício de uma hegemonia, na qual a televisão é identificada

como o meio dominante. Como aponta Ramonet (1999, p. 26), “a televisão que dita a norma,

é ela que impõe sua ordem e obriga os outros meios, em particular a imprensa escrita, a seguí-

la”. Fato comprovado se destacarmos a cobertura da imprensa, totalmente pautada no horário

eleitoral gratuito divulgado na televisão, bem como nas entrevistas em estúdio e nos debates

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também apresentados nesse meio. Nesse sentido, o CR-P é construído na e pela mídia.

O CR-P é o espaço específico de representação da política nas ‘democracias representativas’ contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e pela mídia, sobretudo na e pela televisão (LIMA, 2001, p. 182).

Estudos relacionados ao CR-P aplicam o conceito em análises a respeito do papel dos

meios de comunicação influenciando resultados de eleições. Lima desenvolveu duas hipóteses

aplicadas nas análises dos pleitos:

1) O CR-P dominante, embora não prescreva os conteúdos da prática política, demarca os limites dentro dos quais as idéias e os conflitos políticos se desenrolam e são resolvidos, podendo neutralizar, modificar ou incorporar iniciativas opostas ou alternativas. 2) Um candidato em eleições nacionais e majoritárias dificilmente vencerá as eleições se não ajustar sua imagem pública ao CR-P dominante. A alternativa é a construção de um CR-P contra-hegemônico ou alternativo (LIMA, 2001, p. 198).

A hipótese do CR-P leva-nos a considerar o alto grau de importância dado à mídia no

agendamento de informações. Vale lembrar que esse tipo de atitude visa ao favorecimento de

grupos ou de partidos políticos que se alinham às empresas de comunicação.

No caso particular do meio impresso, entendemos que este teve um papel relevante no

período eleitoral, pois foi quem pautou, analisou e discutiu com profundidade assuntos que

acreditava dever fazer parte da agenda dos candidatos e excluiu os que julgou não ter

importância.

Retomando o contexto do período, Chaia (2004) afirma que as candidaturas de Lula e

de Ciro Gomes já estavam desenhadas desde as Eleições de 1998. Vale ressalvar que a

candidatura de Lula passou por uma prévia eleitoral no PT e que Lula relutava publicamente à

escolha de seu nome como o candidato do PT pela quarta vez.

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A autora ainda aponta José Serra e Antony Garotinho como “novidades” do processo

eleitoral. Sobre Serra, sua candidatura teve resistências dentro do próprio partido, o PSDB, e o

apoio da principal base aliada, o PFL, foi rachado.

Retomando rapidamente o 1o turno e seus quatro principais candidatos, verificamos

que os meios de comunicação destinaram uma cobertura intensa e voltada, principalmente,

para a disputa do segundo lugar nas pesquisas, já que Lula manteve-se em primeiro lugar

durante todo o período.

No período em questão, um dos maiores destaques foi a cobertura intensa das trocas

de acusações entre Ciro Gomes e José Serra dentro do Horário Eleitoral Gratuito e a

associação de Ciro Gomes à destemperança, ao desequilíbrio, que o fez perder a vice-

-liderança para José Serra. Sobre esse episódio, Alessandra Aldé (2004, p.112) afirma: “De

modo geral os jornais parecem ter sido muito coniventes com a estratégia de Serra para

desconstruir a imagem de seu principal adversário na disputa pelo segundo turno”.

A respeito da candidatura de Lula, a cobertura enfocou o perfil de “articulador” do

candidato, expondo, muitas vezes de forma crítica, e porque não dizer pejorativa, as suas

ligações com segmentos do PMDB, PSB e PFL, além de sua postura mais moderada em

relação a temas pontuais como o MST – Movimento dos Sem Terra -, ou a Alca – Área de

Livre Comércio das Américas.

Sobretudo, a questão que mais agendou os meios de comunicação foi a econômica.

Miguel (2004) aponta que, no contexto das Eleições 2002, o destaque principal foi o

agravamento da crise econômica, além de questões a ela associadas, como a participação

brasileira na Alca. Essas problemáticas foram amplamente pautadas pela mídia e

profundamente discutidas, no caso do meio impresso.

Durante toda campanha para Presidente em 2002 esteve em pauta a especulação em

suas diversas formas, em especial a econômica e a exigência, especialmente pelos meios de

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comunicação, de um comprometimento dos candidatos em relação a “compromissos de ordem

econômica”.

Isso fez com que cada um dos principais candidatos firmasse compromissos de

manutenção da agenda econômica programada pelo governo FHC, em especial, os candidatos

de “oposição”, que poderiam representar o rompimento com o modelo vigente.

Segundo Rubim (2003, p. 49), “a mídia, por exemplo, impôs um fechamento do

horizonte discursivo da agenda em debate e também privilegiou um enquadramento restrito

dos temas veiculados. Com isso, a cena de disputa da interpretação da realidade se viu

restringida”.

O fechamento do campo discursivo dos meios de comunicação na questão da crise

econômica colocou temas outros em segundo plano e transformou o mercado em um fator

imprescindível na política.

O sujeito político ‘mercado’, construído na e pela mídia, como que dita posturas dos candidatos e mesmo exige determinados candidatos confiáveis. Todos, pretensamente iguais, tornam-se agora desiguais perante a mídia, porque se alguns têm a ‘competência’ de acalmar o mercado, outros estão contaminados, imanentemente, com o vírus que provoca o caos econômico (RUBIM, 2004, p. 17).

Essa citação de Antonio Rubim é facilmente comprovada se relembrarmos que o dólar

e o risco-país subiam todas as vezes em que as sondagens, apresentadas de forma intensa

pelos meios de comunicação, indicavam queda de José Serra, o candidato do Governo, e

mantinham a preferência do eleitorado à Lula, que liderou praticamente todas as pesquisas

feitas no período em primeiro e segundo turnos. “A associação entre instabilidades econômica

e política com a candidatura de Lula foi imediata, estampada nas capas das revistas semanais

e jornais, gerando o medo” (CHAIA, 2004, p. 41).

Foi justamente a questão do mercado que trouxe às eleições presidenciais de 2002 um

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paradoxo marcante: medo versus esperança, que gerou diferentes formas de interpretar a

realidade.

Dessa forma, o candidato da situação, José Serra, em especial no segundo turno,

colocou-se no Horário Eleitoral Gratuito, nas campanhas publicitárias e em grande quantidade

de notícias nos meios de comunicação como a “alternativa adequada” para vencer a crise sem

medo, porque representava a continuidade. Com essa interpretação da realidade, a candidatura

de Serra parte para a associação da imagem de Lula ao medo, trazendo, como último recurso

dentro do Horário Eleitoral Gratuito, o depoimento da atriz Regina Duarte que afirmava estar

com medo de que o Brasil perdesse sua estabilidade caso Lula vencesse as eleições.

Entretanto, a campanha de Lula soube muito bem como driblar o estigma do medo e

revertê-lo em esperança, como explica Rubim (2003):

Para Lula uma das questões essenciais para tornar a quarta eleição competitiva e construir uma possibilidade efetiva de chegar à presidência do Brasil colocava-se cristalinamente no âmbito da disputa de imagem. A dialética entre esperança e medo, na já compacta formulação de Duda Mendonça, estava no cerne do problema. Era imprescindível (re)construir a imagem pública de Lula de tal modo que ela ajudasse a superar o medo, inclusive de votar e correr um risco com Lula, e possibilitasse a vitória da esperança (RUBIM, 2003, p. 53).

Foi exatamente com o signo da esperança que a imagem de Lula incorporou a

possibilidade de mudança. Mudança sem sobressaltos e com a garantia de compromissos.

Para Rubim (2003), Lula foi capaz de colocar-se como uma alternativa firme, demonstrando

capacidade de governar e revertendo aquela imagem do Lula radical e despreparado, sem

diploma universitário.

A imagem do Lula negociador não só serviu para diminuir resistências, como aconteceu privilegiadamente com a imagem do ‘Lulinha paz e amor’. Politicamente posicionou o candidato em um lugar privilegiado na circunstância da crise, dotando-o da possibilidade simbólica de liderar, via negociação, um processo de reconstrução de alternativas para o país (RUBIM, 2003, p. 57).

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Serra, em contrapartida, não conseguiu incorporar a situação de candidato do governo

e, ao se concentrar no combate aos seus adversários, como fez no primeiro turno,

principalmente com Ciro Gomes, e com Lula no segundo turno, ganhou para si a imagem “de

alguém que passa por cima, sem escrúpulos quando quer chegar em algum lugar” (FAUSTO

NETO, 2003, p. 82).

Serra (...) se viu questionado como liderança capaz de enfrentar a crise, posto que sua trajetória eleitoral, longe de trazer marcas de alguma capacidade política de aglutinação, como aconteceu com a de Lula, foi exaustivamente anunciada como um árduo combate e um violento atropelo de seus adversários (RUBIM, 2003, p. 58).

Simultaneamente, esse deslocamento agravou a situação da candidatura José Serra que, além dos problemas de apoio político e de ordem pessoal, defrontou-se com a dificuldade de ser candidato do governo em meio a uma conjuntura que solicita mudanças (RUBIM, 2003, p. 58).

Foi o Lula “remodelado”, perfil marcante na “campanha oficial” sob um viés positivo

– embora muito criticado pela “campanha oficiosa”- (em contraste com o Serra ambíguo, em

crise de identidade, que relutou em utilizar o rótulo de “continuísta” – embora aclamado pela

mídia como a “alternativa adequada”), que conquistou o eleitorado brasileiro e culminou na

eleição de Lula em 2002.

Questionado sobre o CR-P nas Eleições 2002, Venício Lima explica que a hipótese se

confirma no caso da candidatura de Lula, uma vez que o candidato ajustou a sua imagem ao

CR-P dominante:

Quando o processo eleitoral ainda estava em curso, eu arriscaria afirmar que as eleições de 2002 confirmariam - no caso da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva - a hipótese do CR-P (Cenário de Representação da Política). (...) A segunda hipótese de meu trabalho enuncia que um candidato em eleições nacionais e majoritárias dificilmente vencerá as eleições se não ajustar sua imagem pública ao CR-P dominante. Foi o que aconteceu com Lula (LIMA, 2004, p. 1).

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5 O ENFOQUE DA FOLHA DE S. PAULO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002

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855.1 PROCESSOS DE ANÁLISE

A Análise do Discurso é um método de análise que mostra como a ideologia se

manifesta no discurso. Direcionada à prática jornalística, é possível enxergar os recursos

utilizados para conduzir o leitor a determinados sentidos, visões de mundo determinadas pela

imprensa e pelos jornalistas que a representam num determinado contexto.

Todo analista recorre a um caminho particular, o que revela que não existe uma

análise neutra ou objetiva. O analista recorre a um enfoque, delimita um corpus, enfim,

escolhe um enquadramento. Dessa forma, cada análise supõe novas descobertas que levam a

outras análises e visões.

O que se espera do dispositivo do analista e que ele lhe permita trabalhar não numa posição neutra mas que seja relativizada em face da interpretação: é preciso que ele atravesse o efeito transparência da linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito. Esse dispositivo vai assim investir na opacidade da linguagem, no descentramento do sujeito e no efeito metafórico, isto é, no equívoco, na falha e na materialidade. No trabalho da ideologia (ORLANDI, 2003, p. 61).

5.1.1 A prática discursiva do jornalismo

Optamos por verificar a questão da subjetividade na prática discursiva do jornalismo,

pois mais do que uma indústria midiática, o jornalismo é uma organização influente, poderosa

e legitimadora da sociedade porque oferece um espaço público para o debate, o conhecimento

sem contato físico e, como já afirmamos, a interpretação da realidade de fatos próximos ou

distantes.

Escolhemos analisar os fatores que envolvem a atividade jornalística no campo da

política e em períodos de curto prazo, como o eleitoral, “um momento político singular e

intenso” (RUBIM, 2003, p. 52). Nosso recorte visa à analise dos fatores que envolvem o

fabrico e a circulação da notícia política e tenta compreender o papel do jornalismo na

sociedade, em especial, busca as influências do jornalismo justamente por ser um tipo de

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86discurso que tenta apagar as marcas de subjetividade visando à neutralidade, à imparcialidade.

No campo específico da análise do discurso jornalístico impresso, normalmente é relevante ter-se em consideração os seguintes elementos de contexto: jornais e revistas que vão ser analisados, circunstâncias do fenômeno que está a ser estudado e conhecimento científico relevante para a interpretação dos dados recolhidos durante a pesquisa (SOUSA, 2004, p. 11).

5.1.1.1 Delimitação do corpus

O corpus é constituído por recortes do jornal Folha de S. Paulo, um dos diários

brasileiros com relevante tiragem e circulação no território nacional.

A escolha do diário deu-se porque foi constatado que, logo no início da campanha

eleitoral, o jornal se intitulou como “neutro”, como sempre o faz. Para “comprovar” sua

neutralidade, o jornal publicou em 14 de julho de 2002 uma matéria sobre as eleições

presidenciais em que encomendou uma pesquisa sobre a atuação dos principais jornais

brasileiros em relação a cobertura dedicada aos pré-candidatos e seus partidos (LO PRETE,

2002; DINES, 2002), fato que se repetiu ao final do 1o e do 2o turnos das Eleições, como

exprime o trecho a seguir: “O objetivo da pesquisa é avaliar o grau de isenção da cobertura da

Folha, para aferir a aplicação dos princípios de apartidarismo e pluralismo de seu projeto

editorial” (FOLHA, 2002, p. 12 – grifo do autor).

Os recortes do jornal Folha de S. Paulo foram selecionados durante o período eleitoral,

que compreende o intervalo entre 20 de agosto - data que se inicia a propaganda eleitoral

gratuita -, e 27 de outubro - data em que se encerra o segundo turno das eleições presidenciais.

Escolhemos enunciados que enfocam especialmente o tratamento dado ao candidato Luís

Inácio Lula da Silva, nos cadernos Brasil (1o Caderno) e Especial Eleições 2002.

Os recortes foram obtidos no Banco de Dados da Folha de S. Paulo, um serviço do

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87diário à comunidade em geral, onde é possível o acesso aos arquivos do jornal para consulta e

é permitida a fotocópia dos mesmos.

5.1.1.2 Temática recorrente e referência ao estilo predominante

Para delimitar o corpus, escolhemos analisar textos tradicionalmente classificados

quanto a predominância do gênero Opinativo (Editorial, Artigo, Crônica, Opinião Ilustrada,

Opinião do Leitor), Informativo (Notícia, Reportagem, Informação pela imagem) e

Interpretativo (Reportagem em Profundidade) (BELTRÃO, 1980) de dois dias da semana:

sexta-feira, dia que se encerra a semana política e financeira, e domingo, dia em que o leitor

dispõe de mais tempo para leitura.

O agrupamento é feito de acordo com as temáticas percebidas como predominantes.

Mesmo os recortes possuindo gênero estilístico diferente nos dão a dimensão da recorrência

do tema durante o período, perpassando as várias formas de construção de sentido no jornal.

Evidentemente, o material informativo possui nuances diferentes do opinativo.

Enquanto o primeiro é construído por uma pauta, que revela o enfoque noticioso e,

conseqüentemente, os critérios como a apresentação de estilo “objetivo”, o segundo está

sujeito a várias tendências, possui um responsável e, muitas vezes, tem relevância

mercadológica para a empresa jornalística, uma vez que determinado colunista/articulista traz

prestígio ao jornal.

Entretanto, apesar de se classificarem como vozes com orientações diferentes, são

constituídas igualmente por sujeitos enunciadores, que se manifestam, ora de forma clara ora

implícita. No caso do gênero opinativo, entendemos, a partir de nossos estudos, que o jornal,

muitas vezes, usa da voz do outro para dizer aquilo que pensa. Nesse sentido, avaliamos que o

agrupamento é válido porque mostra tendências de sentido construídas pela empresa

jornalística, se comparada com a notícia construída a partir da voz da instituição.

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88Por esse motivo, a análise é feita por agrupamento temático, contudo dá-se de forma

separada e aponta o gênero jornalístico predominante, a fim de realizar uma discussão

posterior quanto ao tratamento dispensado ao tema na parte informativa e opinativa do jornal.

5.1.2 Formas de representação do sujeito no discurso jornalístico

Como compreendemos em nossos estudos sobre a prática discursiva, não existe

discurso sem sujeito. Segundo Benveniste (1988, p. 288), “o discurso provoca a emergência

da subjetividade”. Nossa abordagem, portanto, será direcionada ao estudo da Subjetividade,

ou seja, da apresentação do sujeito na prática discursiva no jornalismo impresso. A análise do

sujeito, pela sua posição e lugar de onde fala concebe o efeito de assujeitamento à formação

discursiva com a qual ele se identifica.

Como etapa inicial, analisaremos a superfície textual, isto é a materialidade

lingüística: quem diz, a forma como diz e o que se diz. Para isso, recorremos às teorias

enunciativas, à metodologia da AD Francesa e à Análise Crítica do Discurso, com o objetivo

de encontrar algumas formas de representação do sujeito no discurso do jornalismo.

No espaço discursivo se revelam as marcas (pistas) que atestam a relação entre sujeito

e linguagem (ORLANDI, 1988, p. 54). As formas de representação do sujeito no discurso são

traços presentes na superfície lingüística. Segundo Pinto (1999, p. 22), “é na superfície dos

textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de

produção do sentido”, ou, como disse Dota (1994, p. 173), “através das orientações atinentes

às operações enunciativas, é possível situar o autor do texto no contexto externo e estudar as

relações que ele estabelece com seu enunciado: com o que ele diz, com o que ele cita e com

seus leitores”.

Apresentaremos aqui, com base em estudiosos das Teorias Enunciativas e da Análise

do Discurso, algumas dessas marcas, como o uso dos dêiticos: elementos reflexivos que

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89designam os elementos que constituem a enunciação, com enfoque às marcas de sujeito e sua

posição ideológica como emissor em relação ao outro – o receptor; as modalidades:

identificando a atitude do enunciador perante seu enunciado e seu enunciatário, e a axiologia:

uso de termos com diferentes graus de subjetividade presentes nos enunciados, variando de

acordo com o gênero jornalístico predominante; e a intertextualidade e a interdiscursividade,

que identificam as construções enunciativas a partir de elementos de outros enunciados.

5.1.2.1 Os dêiticos

Os dêiticos, de acordo com Benveniste (1988), são uma classe de palavras que diferem

dos outros signos da linguagem, pois não denominam nenhuma entidade lexical. São palavras

que designam os elementos que constituem a enunciação: eu-tu (pessoa), o espaço e o tempo.

Fazem parte de um contexto e só dele, onde o locutor se designa como “eu”, como explica

Benveniste (1988, p. 288): os dêiticos se definem “somente com relação à instância de

discurso na qual são produzidos, isto é, sob a dependência do eu que aí se enuncia”.

Permitem, portanto, a inserção do sujeito na fala. Gomes (1999, p. 61) acrescenta que

essas palavras “funcionam como marchas nas quais se engata um falante e o mundo enquanto

falado”.

Segundo Fuchs (1984), desde a Antiguidade se reconheceu que alguns termos só

obtinham valor quando relacionados a um contexto.

Longe de serem unidades isoladas, esses termos formam um verdadeiro sistema (...) uma vez que servem como pontos de ‘ancoramento’ da mensagem (...). Do mesmo modo, eles manifestam uma propriedade importante da linguagem: a de comportar em si própria as condições de reflexividade, de conter em si, enquanto código, unidades que remetem ao próprio funcionamento desse código (FUCHS, 1984, p. 113-114).

Para Kerbrat-Orecchioni (1980), os dêiticos são um conjunto de signos vazios, não

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90referenciais com relação à realidade e que leva em conta não apenas as unidades externas do

discurso mas seus componentes e a situação espacio-temporal. É impossível atribuir um

sentido preciso a essas palavras. Assim Brandão (1998, p. 48) define os dêiticos: “A

referência dêitica, portanto, leva em conta não só as outras unidades do discurso mas

elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de comunicação”.

Os dêiticos de pessoa são identificados pelos pronomes pessoais e, como disse Fuchs

(1984), são o primeiro ponto de ancoragem para identificação da subjetividade na linguagem.

Também nas palavras de Benveniste (1988, p. 288), “a linguagem está de tal forma

organizada que permite a cada locutor apropriar-se da língua toda designando-se como eu”.

A designação de eu pelo enunciador pressupõe o tu como enunciatário, como agentes

da enunciação. Na obra de Cervoni (1989) é proposta uma discussão sobre a terceira pessoa, o

ele do enunciado, considerado por alguns autores como dêitico, pois ele ao estar presente na

fala é participante do processo comunicativo. Outros autores entendem que ele não é dêitico

porque não remete ao quadro enunciativo.

Nossos estudos compreendem a relação dêitica na polaridade eu-tu que remete ao

quadro enunciativo. Entretanto, nas análises de textos jornalísticos (a seguir), observamos que

muitas vezes o sujeito do enunciado comunga as mesmas crenças da instituição jornalística

que ele representa. É o caso de membros do conselho editorial ou de articulistas que, muitas

vezes, se pronunciam por intermédio da organização em que trabalham engatando a terceira

pessoa (ela, a instituição) na unidade discursiva. Sob esse aspecto, entendemos que ele é

dêitico.

Na linguagem do jornalismo impresso, raramente observamos a presença do

enunciador e do enunciatário. Na tentativa de estabelecer a impessoalidade, o jornalismo tenta

apagar as marcas de subjetividade. Isso leva ao discurso ideológico da objetividade: o

afastamento do autor visa à transparência, apaga as ambigüidades e procura tornar claros e

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91objetivos os argumentos presentes no texto. Gomes (1999, p. 66) revela que mesmo com o

distanciamento das pessoas “podemos isolar termos que remetem a uma posição de chefia e

poder da qual o jornal se torna o porta-voz ou guardião”.

Gomes (1999), em sua abordagem sobre a enunciação na prática jornalística, lança o

estudo do conceito dos shifters como palavras que engatam um falante. Os “shifters de escuta

ou testimoniais” aparecem constantemente como marcas de subjetividade na prática do

jornalismo, pois indicam os lugares da língua onde o jornalista engata a sua referência. É

quando o jornalista traz em seu enunciado as fontes, uma forma de testemunho ao qual o leitor

se referencia para comprovação do fato contado. “Palavras como fulano ‘disse’, ‘segundo eu

entendi’, ‘em nosso conhecimento’, etc., são exemplos desses shifters” (GOMES, 1999, p. 64)

e representam uma estratégia jornalística para se livrar da responsabilidade do discurso.

Os dêiticos de tempo e espaço são identificados pelos advérbios. São termos que

implicam relações de espaço e tempo em torno do sujeito da enunciação, uma vez que o

homem está situado num espaço e num tempo determinados: o presente, que combina

qualquer indicação de tempo.

Poder-se-ia supor que a temporalidade é um quadro inato do pensamento. Ela é produzida, na verdade, na e pela enunciação, e da categoria do presente nasce a categoria do tempo. O presente é propriamente a origem do tempo (BENVENISTE, 1988, p. 85).

Sobre o aspecto da temporalidade, é comum ao jornalismo impresso o tratamento dos

fatos sempre em tempo presente. O aqui-agora da imprensa é uma forma de manter a

atualidade dos fatos, como forma de não perder o tempo em relação a outras mídias, como a

Internet, muito mais imediatistas e que justamente têm o tempo a seu favor.

5.1.2.2 As modalidades

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92 O estudo da modalidade na comunicação é um caminho para a compreensão da

construção do sentido. Para Fuchs (1984) o estudo das modalidades faz parte de uma tradição

de análise não puramente gramatical, mas lógico-gramatical.

A modalidade é uma atitude do sujeito enunciador em relação ao enunciado e ao seu

enunciatário. A análise da superfície textual permite relacionar a categoria da modalidade

presente a partir das marcas lingüísticas que a recobre, o que remete à posição do enunciador,

e, conseqüentemente, aponta as marcas de subjetividade na linguagem.

As operações de modalização intervém para especificar o ponto de vista segundo o qual o enunciador concebe, considerando o outro, o objeto da comunicação, ponto de vista cujas operações de conexão vão negociar a pertinência argumentativa e as conclusões a tirar com o outro (DAHLET, 1994, p. 122).

Segundo Dota (1994, p. 176), com base na teoria de Culioli, a modalidade é uma

categoria gramatical. “Quando produz um enunciado, o enunciador sempre toma posição com

respeito à relação predicativa: ele emite um julgamento. É por isso que a teoria de Culioli

considera que todo enunciado é modalizado”. Ainda, segundo a pesquisadora, existe

modalidade desde que se note a existência de uma marca que revele um julgamento do

enunciador, seja ela no uso de verbos, advérbios ou mesmo na relação de conteúdo de uma

frase anterior ou subseqüente a determinado enunciado.

Dota (1994) relaciona a operação de modalização à combinação de três elementos: 1)

relação predicativa (o predicado e seus argumentos); 2) operador lingüístico de modalização

(verbo, adjetivo, advérbio, substantivo, etc) e 3) o enunciador, como origem do julgamento.

Culioli (1976 apud Dota, 1994) define quatro tipos de modalidade, embora muitas

vezes uma modalidade possa pertencer a mais de um tipo, como lembra Dota (1994, p. 183):

“não podemos nos esquecer, entretanto, que os vários tipos de modalidade se entrelaçam,

compondo, como um todo, a operação da modalização”. Apresentamos uma breve definição

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93dos tipos propostos por Culioli:

1) Modalidade 1: com a asserção, a interrogação, a injunção e o hipotético.

A asserção é a validação do “conteúdo da relação predicativa, como verdadeira ou

falsa, afirmando ou negando” (DOTA, 1994, p. 178).

A interrogação se dá quando “o enunciador percebe que o conteúdo daquilo que ele

diz pode ser validado, mas que ele não é capaz de efetuar esta validação” (DOTA, 1994, 178).

Logo, não assume uma posição entre verdadeiro e falso. Umas das marcas visíveis é o ponto

de interrogação. Segundo Dota (1994), a interrogação quando propõe ao enunciatário uma

decisão sobre a validação pode revelar, ao mesmo tempo, a modalidade assertiva e a

intersubjetiva, pois pretende que o interlocutor se posicione.

A injunção é um valor que “recobre a súplica, a ordem, o desejo, o pedido e a

sugestão” (DOTA, 1994, p. 179).

O hipotético acontece quando o enunciador lança uma hipótese.

2) Modalidade 2 – epistêmica: muito utilizada pela prática jornalística, a modalidade

epistêmica “não trata de uma questão de falso ou verdadeiro, como ocorre na asserção”

(DOTA, 1994, p. 181), mas revela que o enunciador exprime uma ausência de certeza. O uso

de termos como “provavelmente”, “pode ser”, “possivelmente”, “talvez” entre outros,

marcam esta modalidade.

3) Modalidade 3 – apreciativa: visa à qualificação, descartando a questão de

verdadeiro e falso: “trata-se de fazer uma apreciação sobre o caráter bom, ruim, feliz, infeliz,

etc., do conteúdo da relação predicativa, sendo, portanto, essencialmente qualitativa” (DOTA,

1994, p. 182). Dota (1994) esclarece que essa modalidade combina também com a asserção

quando qualifica o validado ou o não-validado.

4) Modalidade 4 – intersubjetiva: essa modalidade “diz respeito às relações entre

sujeitos, sujeito enunciador e sujeito do enunciado” (DOTA, 1994, p. 183). Pode incidir

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94também sobre o enunciatário, pressionando, persuadindo, tentando convencer, sugerir,

estabelecer ordem ou vontade. De acordo com Dota (1994), muitos pesquisadores afirmam

que essa modalidade está sempre presente no enunciado porque, ao produzir um sentido, o

enunciador sempre está se propondo a convencer seu enunciatário, mesmo que de forma

implícita, uma vez que “todo o discurso é organizado a fim de se tornar persuasivo” (GILL,

2003, p. 250).

Ainda sobre modalidade, Fairclough (2001) divide modalidade em ‘subjetiva’ e

‘objetiva’. Segundo o autor, a subjetiva tem sempre uma proposição explicitada. Fica clara a

afinidade do falante com o que está sendo expresso. No caso da modalidade objetiva surgem

dúvidas quanto ao julgamento do enunciador: se seu ponto de vista é universal, ou se

representa outro indivíduo ou um grupo. “O uso da modalidade objetiva freqüentemente

implica alguma forma de poder” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200).

Para o autor, o discurso da mídia associado ao estudo das modalidades oferece uma

visão de como os fatos são tratados de acordo com os valores de verdade e conhecimento e

sustenta o trabalho ideológico, oferecendo imagens da realidade, moldando sujeitos e

contribuindo para o controle social, uma vez que as diferentes formas de julgamento do

enunciador refletem os graus de incerteza. Segundo Fairclough (2001), a mídia...

(...) sistematicamente transforma em ‘fatos’ o que freqüentemente não passa de interpretações de conjuntos de eventos complexos e confusos. Em termos de modalidade, isso envolve uma predileção por modalidades categóricas (...) Trata-se também de uma predileção por modalidades objetivas que permitem que perspectivas parciais sejam universalizadas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 201-202).

5.1.2.3 A axiologia

Todas as palavras trazem consigo um sentido cultural. As diferentes práxis (cultural,

social, tecnológica, etc) determinam os juízos interpretativos subjetivos inscritos no

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95inconsciente lingüístico de uma sociedade. Para Kerbrat-Orecchioni (1980), as palavras

possuem determinadas cargas semânticas e, inconscientemente, definimos a aplicação e a

escolha de determinadas palavras em nossos enunciados. Segundo Fairclough (2001, p. 230):

“Essas escolhas e decisões não são de natureza puramente individual: os significados das

palavras e a lexicalização dos significados são questões que são variáveis sociais e

socialmente contestadas, e facetas de processos sociais e culturais mais amplos”.

A axiologia, ou teoria dos valores, leva em conta o peso das palavras de acordo com os

valores de objetividade ou de subjetividade e a forma de usá-las no discurso. Dessa forma, é

possível ao sujeito enunciador relacionar unidades sintáticas que caminham para a

objetividade – quando seleciona palavras que o ajudem a apagar os traços individuais; ou que

remetam à subjetividade – quando o mesmo se coloca como sujeito, seja de forma explicita ou

implícita.

Portanto, o sujeito enunciador é sempre a fonte do enunciado em qualquer situação

(KERBRAT-ORECCHIONI, 1980). Nenhum indivíduo tem a liberdade de descrever com

imparcialidade absoluta, o que confirma que a objetividade é uma mera ilusão.

Segundo Kerbrat-Orecchioni (1980), as diferenças dos termos objetivos e subjetivos é

que o objetivo tem classe denotativa estável, enquanto que o subjetivo é um conjunto fluido e

varia de um enunciado para outro, dependendo do contexto. Assim, não é possível medir o

grau de subjetividade.

Certos termos flutuam entre a classificação de objetivo e subjetivo. Eles pretendem,

em princípio, a objetividade, e estão situados em várias classes de palavras, como os

substantivos. Isso acontece por causa da polissemia (palavras com vários significados) e a

axiologia evolui de acordo com o repertório da pessoa. Para Kerbrat-Orecchioni (1980),

algumas palavras podem trazer consigo conceitos que remetam ao racismo, comunismo,

nacionalismo, palavras de ordem ou de disciplina, etc, e podem ser usadas para

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96valorizar/desvalorizar uma pessoa no discurso. A autora coloca, ainda, que termos valorativos

podem ter relação positiva com x e, ao mesmo tempo, pejorativa com y.

De modo geral, os termos axiológicos são mais usados em passagens avaliativas e

menos em descritivas. Em algumas práticas discursivas, como no jornalismo, ao se pretender

“apagar” as marcas de subjetividade, aparece então a subjetividade objetivizada, ou seja, a

colocação de termos na forma assertiva, como se fossem verdadeiros, uma constatação que é

reforçada pelos estudos de Fowler (1991), como já abordamos anteriormente (item 3.1.2).

5.1.2.4 A intertextualidade e a interdiscursividade

A intertextualidade consiste numa construção enunciativa usando elementos de outros

enunciados. Trata-se de textos que evocam outros textos. Para os lingüistas, a

intertextualidade é fato mais comum do que se imagina. “‘Cada enunciado é um elo na cadeia

da comunicação’. Todos os enunciados são povoados e, na verdade, constituídos por pedaços

de enunciados de outros, mais ou menos explícitos ou completos” (FAIRCLOUGH, 2001, p.

134). Em concordância, temos as palavras de Pinto (1999, p. 27): “todo o texto se constrói por

um debate com os outros”.

Para Fairclough, a intertextualidade deve ser o foco principal na análise do discurso

uma vez que ela é uma das chaves para a compreensão das ordens do discurso e das relações

hegemônicas. Como coloca o autor, “o conceito de intertextualidade aponta para a

produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos anteriores e

reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos”

(FAIRCLOUGH, 2001, p. 135).

A intertextualidade indica a heterogeneidade discursiva. E é um recurso muito

observado no universo do jornalismo, tornando-se, dessa forma, um precioso elemento em se

tratando da análise da subjetividade no discurso jornalístico.

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97O conceito pode ser classificado de duas formas, quais sejam: intertextualidade

manifesta ou constitutiva (AUTHIER-RÉVUZ, 1982 apud FAIRCLOUGH, 2001). A

manifesta consiste na apresentação textual marcada e sugerida por traços na superfície do

texto, como as aspas (no caso do discurso relatado), ou mesmo pelo discurso indireto, quando

se recorre ao uso dos testimoniais, ou, como denomina Fairclough (2001, p. 140):

representação do discurso. “A representação do discurso é obviamente uma parte importante

das notícias: representações do que as pessoas disseram e o que merece ser notícia”. A essa

noção, temos também a contribuição de Pinto (1999, p. 27), que classifica a intertextualidade

manifesta com o termo heterogeneidade mostrada, “caracterizado pela manifestação,

localizável pelos receptores/intérpretes (e pelo analista de discursos, entre eles) a partir do

contexto situacional imediato, de uma multiplicidade de outros textos citados de maneira

unívoca ou aludidos pelo texto presente”.

Sobre o aspecto do discurso indireto – que se encaixa no conceito de intertextualidade

manifesta -, Fairclough (2001) observa que pode ocorrer uma ambivalência sobre se as

palavras são atribuídas ao enunciador ou à pessoa cuja fala é apresentada, um fator que

implica o efeito e a forma de interpretar as palavras. E nesse sentido, nas notícias dos jornais -

pela predominância estilística -, são apresentados pontos de vista pela voz dos outros, o que

sugere uma forma muito peculiar de representação no discurso.

A intertextualidade constitutiva, que vamos tratar com o termo interdiscursividade,

apresenta-se com a manifestação de outro texto sem uma sugestão explícita.

A intertextualidade manifesta é o caso em que se recorre explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto interdiscursividade é uma questão de como um tipo de discurso é constituído por meio de uma combinação de elementos de ordens do discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p. 152).

Temos também a abordagem de Pinto (1999, p. 27):

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98

Heterogeneidade constitutiva ou interdiscurso, constituído pelo entrelaçamento no texto presente de vestígios de outros textos preexistentes, muitas vezes independentemente de traços recuperáveis de citação ou alusão e segundo restrições sócio-histórico-culturais sobre as quais o(s) autore(s) empírico(s) do texto não tem controle.

A própria adequação de um discurso para facilitar a mediação indica esse tipo de

intertextualidade, também muito observado no jornalismo, como observa Fairclough, 2001, p.

143:

Isso é associado com uma tendência dos fornecedores de notícias para agirem como ‘mediadores’, figuras que cultivam ‘características que são consideradas típicas da audiência alvo’ e uma relação de solidariedade com essa audiência suposta, e que podem mediar os eventos dignos de serem notícias para a audiência nos termos de seu próprio ‘senso comum’ ou numa versão estereotipada disso (Hartley, 1982: 87).

Para Pinto (1999) a grande tarefa do analista de discurso é encontrar explicações sobre

porque o uso de citações - quer sejam conscientes ou inconscientes -, contribuem para

determinar o contexto social e histórico vigentes.

5.1.2.5 O discurso enquanto prática social

Com a verificação das marcas de subjetividade presentes nos recortes selecionados,

passaremos a análise do processo discursivo, quando serão observadas as formações

discursivas presentes no discurso jornalístico. “A partir do objeto discursivo, o analista vai

incidir uma análise que procura relacionar as formações discursivas

10

10 O conceito de Formações Discursivas, de Pêcheux, foi apresentado nas páginas 50 e 51 desse trabalho.

distintas (...) com a formação ideológica que rege essas relações” (ORLANDI, 2003, p. 78).

Pela abordagem de Fairclough (2001), nessa fase é observado o contexto sociocultural de

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99produção da notícia.

É quando atingimos os processos responsáveis pelos efeitos de sentido, apoiando nos

“esquecimentos” e na formação ideológica de Pêcheux observando, assim, a materialização da

ideologia (Pêcheux, 1990) ou as dominações hegemônicas (Fairclough, 2001; Fowler, 1991)

aceitas pela sociedade. “Ao olhar os textos, o analista defronta-se com a necessidade de

reconhecer, em sua materialidade discursiva, os indícios (vestígios, pistas) dos processos de

significação aí inscritos” (ORLANDI, 2003, p. 90).

Dessa forma, ampliamos nossa visão e entendemos a linguagem como prática social,

ou seja, como elemento capaz de orientar um discurso. Este é o elemento chave para o

trabalho do analista do discurso, como muito bem explica Gill (2003, p. 248):

Os analistas do discurso vêem todo discurso como prática social. A linguagem, então não é vista como um mero epifenômeno, mas como uma prática em si mesma. As pessoas empregam o discurso para fazer coisas – para acusar, para pedir desculpas, para se apresentar de uma maneira aceitável, etc. Realçar isto é sublinhar o fato de que o discurso não ocorre em um vácuo social. Como atores sociais, nós estamos continuamente nos orientando pelo contexto interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para nos ajustarmos a esse contexto. (grifos da autora)

Para Fairclough (1995; 2001), a prática discursiva contribui tanto para a reprodução

das representações sociais como também para transformá-las.

O pesquisador esclarece que o discurso “é um mero reflexo de uma realidade social

mais profunda” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 93), ou seja, sua constituição não é articulada

por um simples jogo de idéias, mas de uma prática social “firmemente enraizada em

estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas” (FAIRCLOUGH, 2001, p.

93), ou, dito de outro modo, provém de valores, pontos de vista ou formas de representar o

mundo, como enfatiza Gill (2003, p. 250): “(...) não existe nada ‘simples’, ou sem

importância, com respeito à linguagem: fala e textos são práticas sociais, e até mesmo

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100afirmações que parecem extremamente triviais, estão implicadas em vários tipos de

atividades”.

Portanto, como prática social, o discurso torna-se uma forma de contribuição para

preservação ou para a mudança das relações e hegemonias tradicionais, orientadas por

questões econômicas, culturais e ideológicas e, especialmente, políticas, aspecto de maior

preocupação para Fairclough (2001) e foco deste trabalho, como tratamos (a seguir).

O discurso como prática política não é apenas um local de luta de poder, mas também um marco delimitador na luta de poder: a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções, os modos em que se articulam são um foco de luta (FAIRCLOUGH, 2001, p. 95).

5.2 ANÁLISES

Os tópicos trazidos a seguir fazem parte das análises discursivas realizadas segundo a

metodologia e o plano de trabalho preliminarmente apresentados. Os trechos selecionados de

cada um dos recortes foram agrupados de acordo com o enfoque predominante no conteúdo

informativo. Procuramos estabelecer temas que foram agendados pela Folha de S. Paulo

durante as eleições 2002, de acordo com a nossa percepção à recorrência temática, buscando

matérias que preenchiam esses temas predominantes durante o período delimitado para a

análise.

Nossa análise, além de reunir os critérios apresentados pela Análise do Discurso,

busca utilizar, também, como suporte as ações que influenciam na produção e fabrico da

notícia jornalística.

5.2.1 O jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista”

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101Esse tema merece atenção pela postura da Folha de S. Paulo em auto-afirmar-se

apartidária ao tratar das Eleições 2002. A tentativa de mostrar a independência e comprovar

uma atitude de neutralidade para com os presidenciáveis marcou a cobertura do diário em

toda a campanha eleitoral e, por esse motivo, abordamos esse tema em nossas análises.

Tratamos o assunto em duas partes. A primeira observa apenas um artigo de opinião.

Na seqüência, trazemos uma discussão a partir da seleção de trechos de oito notícias sobre o

mesmo tema, selecionadas durante o período eleitoral.

5.2.1.1 A visão do articulista

A seguir trechos de um texto da parte “opinativa” do jornal: o artigo intitulado

“Independência e Solidão” (anexo B), publicado por Clóvis Rossi, membro do Conselho

Editorial do diário, que tenta convencer o leitor de que a Folha é um jornal independente e,

como tal, é o único dentre os meios de comunicação brasileiros.

O articulista centra seus argumentos a partir de uma questão (“‘Como a Folha não

tem candidato, se todos têm?’” (l. 9-10)), formulada por um certo sujeito com quem

estabelece uma relação de proximidade. A resposta será endereçada não apenas a esse sujeito,

mas aos leitores do diário. Dessa forma, a pergunta feita pelo suposto “amigo” do articulista

não se remete ao sujeito do discurso, mas à organização Folha, uma terceira pessoa

representada pelo sujeito da enunciação como o seu porta-voz. A questão, engatada no texto

por um tu solidário ao sujeito enunciador, é usada para amarrar a primeira pessoa (eu) à

terceira pessoa (a Folha) com a finalidade de levar o leitor a concluir que, sendo o sujeito

enunciador uma pessoa sem preferências partidárias, logo o jornal também o é.

A independência exclusiva da Folha é mostrada a partir das escolhas lexicais grifadas

abaixo, tiradas de trechos do artigo analisado:

(1) “É dura a vida de jornais e de jornalistas que tentam ser independentes. Ninguém

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102acredita” (l. 1-3) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002– (anexo

B).

(2) “‘Tucanos’ acham a Folha petista (...) Petistas dizem, ao contrário, que a Folha está

com José Serra. Ciro Gomes acusou o jornal de governismo (...) Anthony Garotinho

conseguiu a mágica de acreditar que a Folha apóia a um só tempo José Serra e Lula

(...)” (l. 12-12; 16-18; 20-22) - - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,

25/08/2002– (anexo B).

(3) “Mas o mais grave nessa batalha pela independência nem é a incompreensão. É a

solidão. Hoje por hoje, até o restante da mídia soltou razoavelmente suas amarras”. (l.

29-33) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002– (anexo B).

Em (1), selecionamos a expressão é dura como uma marca valorativa que tenta trazer

a idéia de que ser independente é algo difícil. Isso é reforçado com a oração Ninguém

acredita. Ao afirmar, de maneira assertiva, que ninguém acredita que existam jornais e

jornalistas independentes, a trama do enunciado se inicia, pois o autor terá como objetivo

fazer o leitor acreditar que o jornal que escolheu para ler é imparcial.

Nos trechos selecionados em (2), o articulista lança mão da ironia, explicando a “teoria

conspiratória” em que todos os partidos se afirmam perseguidos, injustiçados pelo veículo.

Recorre à interxtualidade colocando as opiniões dos adversários (Tucanos acham; Petistas

dizem; Ciro Gomes acusou; Anthony Garotinho conseguiu a mágica de acreditar).

Nos dois trechos anteriormente selecionados, observamos marcas modais assertivas,

com a predominância do uso de orações afirmativas que buscam validar a opinião do

articulista. Em todas as orações percebemos uma combinação com a modalidade

intersubjetiva, uma vez que existe uma tendência do sujeito enunciador em levar ao

convencimento de que a Folha é um jornal independente e, como tal, é único, apesar de ser

equivocadamente criticado por correntes diversas do cenário político.

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103No trecho (3) a palavra solidão é trazida ao texto - uma marca modal apreciativa para

enfatizar que o diário é o único a prezar os princípios da imparcialidade. O tom, enfático,

aparece no uso da palavra grave, que indica uma valorização de uma grande dificuldade,

representada ainda pela expressão batalha pela independência, que recorre à luta travada

pelo diário para defender a pluralidade, já que o articulista afirma de modo assertivo que até o

restante da mídia soltou razoavelmente suas amarras. Nesse trecho, o autor lança a

dicotomia Folha X outros veículos da mídia. Mas, ao afirmar as posições adotadas pelo

restante da mídia, o autor usa um atenuante: a palavra razoavelmente. Por todo trecho vemos

uma predominância da modalidade apreciativa.

Após tentar provar a existência de um modelo de jornalismo exclusivamente

independente praticado pela Folha, o articulista vai então responder como é que se faz um

jornalismo pluralista, reiterando suas convicções dentro do diário que representa, como

observamos no trecho (4):

(4) “não tenho carteirinha de partido nenhum nem sou fã incondicional de candidato

nenhum (então como agora)”. (l. 6-9) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,

25/08/2002– (anexo B).

Ao afirmar seus valores, o eu do enunciado é um dêitico de pessoa, que engata o

sujeito enunciador no texto como primeira pessoa. Contudo, na postura de articulista e

membro do conselho editorial do veículo, representa e se enquadra dentro da organização

Folha e, ao se declarar, de forma assertiva e em primeira pessoa, que não tem preferência por

algum candidato ou partido, o faz pela instituição. A oração entre parênteses (então como

agora) remete ao tempo presente, visando a reforçar os princípios de independência nas

eleições 2002. Aqui, a asserção negativa (não tenho carteirinha (...) nem sou fã de

candidato nenhum (...)) procura, mais uma vez, validar o discurso da imparcialidade do

sujeito enunciador.

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104Nos trechos a seguir, (5) e (6), o jornalista explica que, se o leitor encontrar palpites de

especialistas em relação aos candidatos, essa opinião é externa à organização jornalística. Ora

o autor afirma que as opiniões dos analistas (palpites externos) se referem ao contexto

(realidade), ora acentua que tais valores estão alinhados às preferências de quem os emite:

(5) “É quase impossível conseguir conversar com algum especialista sem temer que suas

opiniões estejam enviesadas por preferências eleitorais ou, pior, por preconceitos contra

um candidato” (l. 40-44) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002–

(anexo B).

(6) “palpites externos dizem respeito à realidade, não à preferência (ou preconceito)

eleitoral do analista”. (l. 52-56) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,

25/08/2002– (anexo B).

Nos dois enunciados existe uma intenção de justificar o trabalho “independente” do

especialista em política dentro da Folha, afirmando que suas opiniões partem do contexto, “da

realidade” e não das preferências do jornal. Em (6) o autor reforça, entre parênteses, que o

jornalismo da Folha se isenta de preconceitos, um modo de dizer que aceita, por exemplo,

candidaturas como a de Lula, que ainda nesse período sofre com rejeição por parte da mídia e

do empresariado. Existem, nesses dois trechos selecionados, marcas que possuem valor modal

intersubjetivo, uma vez que a atitude do sujeito enunciador exerce forte pressão sobre seu

enunciatário.

5.2.1.2 O retrato da imparcialidade trazido pelas notícias

O tema da independência é explorado também pela Folha de S. de Paulo em matérias

jornalísticas (notícias). Nesse tipo de texto, em que predomina o estilo “objetivo”, a Folha usa

como principal recurso os resultados de pesquisas de opinião com seus leitores e os dados

fornecidos pelo Instituto Datafolha, da própria Folha, obtidos por análise quantitativa da

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105distribuição de espaço em centimetragem para cada candidato e classificação de textos

enquanto “positivos”, “negativos” ou “neutros”.

As notícias – acompanhadas de infográficos (v. anexos L e M) – são construídas por

números matemáticos, numa tentativa de se estabelecer critérios objetivos, usados para a

validação da premissa de que a Folha possui princípios de apartidarismo e pluralismo

estabelecidos em seu projeto editorial, um “lembrete” que aparece na maioria dos textos

analisados:

(1) “O jornal utiliza o trabalho como um dos instrumentos para aferir a aplicação dos

princípios de apartidarismo e pluralismo estabelecidos em seu projeto editorial” – (l. 9-

13) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 -

(anexo L).

(2) “Ao pedir que os leitores opinem sobre a isenção da cobertura, a Folha tem por objetivo

monitorar a percepção dos princípios de pluralismo e apartidarismo que regem seu

projeto editorial” – (l. 16-21) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio

na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).

(3) “O objetivo da pesquisa é avaliar o grau de isenção da cobertura da Folha para aferir

a aplicação dos princípios de apartidarismo e pluralismo de seu projeto editorial.” - (l.

30-34) – Trecho extraído da matéria: Folha se manteve equidistande no 2º turno, 25/10/2002 -

(anexo Z).

(4) “Os resultados demonstram que o jornal transmitiu a imagem de apartidarismo,

conduta prevista por seu projeto editorial” – (l. 20-24) - Trecho extraído da matéria: Leitor

reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z).

Os quatro trechos anteriores fazem apologia aos princípios de apartidarismo e

pluralismo prezados pelo jornal e pré-estabelecidos em seu projeto editorial. Em todos os

parágrafos o uso da modalidade assertiva (com a afirmação) tem como propósito validar que a

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106Folha é um jornal que, por princípios, possui conduta pluralista e apartidária.

Essa conduta é então referendada pela maioria do público leitor do jornal, como

reforçado, inclusive, no título de uma das notícias (“Leitor reconhece cobertura apartidária”)

e por um instituto de pesquisa de opinião que aparece também em destaque, em título de outra

notícia selecionada (“Datafolha avalia atuação do jornal da eleição”); este último é um meio

de reforçar que os dados apresentados no decorrer da matéria foram levantados por um órgão

competente, que faz o papel de fonte oficial do diário.

Ainda sobre os quatro trechos anteriormente apresentados, vale destacar que os

períodos assertivos possuem marcas modais apreciativas, como os substantivos pluralismo e

apartidarismo apresentados nos enunciados para atribuir valor ao próprio jornal.

Retomando novamente a linguagem explorada pelos infográficos, ressaltamos que a

Folha inaugura um estilo novo de apresentação dos dados: um visual gráfico que destaca, por

intermédio de círculos e setas simulando traços manuais com canetas destaque, alguns

números apresentados. Trata-se de uma estratégia que visa à informalidade, usada para

destacar alguns dados numéricos, estabelecer uma aproximação com o leitor e orientá-lo

quanto à compreensão dos gráficos. Esse estilo, mais solto, foi inaugurado no caderno

Especial da Copa de 2002 e retomado no Caderno Eleições 2002. Os destaques auxiliam na

construção das informações jornalísticas.

Entretanto, constatamos a existência, ainda que sutis, de marcas que atestam

preferências, ausência da imparcialidade e mensagens persuasivas nesses textos analisados,

como discutiremos a seguir. As matérias selecionadas, com a mesma temática, foram

publicadas no final do primeiro turno e do segundo turno.

5.2.1.2.1 Os critérios do instituto Datafolha

Inicialmente selecionamos um trecho com referência direta aos critérios de

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107classificação do instituto Datafolha:

(5) “Ainda que pautada por critérios rigorosos, permanentemente examinados pelo

Datafolha em conjunto com a redação, a tarefa de classificar as informações em

‘positivas’, ‘negativas’ e ‘neutras’ sempre esbarra em uma dose de subjetividade,

reconhece o diretor geral do instituto” (l. 91-99) - Trecho extraído da matéria: Datafolha

avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).

Nesse trecho, após detalhar para o leitor o que o instituto considera como “positivo”,

“negativo” ou “neutro” (v. anexo L), o enunciador se antecipa a um possível questionamento

do leitor sobre a ausência de objetividade na classificação desses critérios, observados no uso

da conjunção ainda que e da expressão sempre esbarra em uma dose de subjetividade.

Essa menção é feita por intermédio de uma fonte citada na matéria, o diretor do instituto, cuja

citação nesse texto vem de forma indireta e com esta procura-se atribuir credibilidade, dado o

status da fonte. Entretanto, o uso dos termos critérios rigorosos, de valor modal apreciativo,

sugerem que o órgão competente cumpre os parâmetros pré-estabelecidos.

5.2.1.2.2 Uma cobertura “diferente”?

(6) “A série de gráficos ao lado demonstra que, na Folha, o sobe-desce de reportagens

consideradas ‘positivas’ e ‘negativas’ foi menos acidentado do que no ‘Estado’ e no

‘Globo’”. – (l. 14-19) – Trecho extraído da matéria: Jornais oscilam ao longo da campanha,

27/09/2002 - (anexo M).

Nesse enunciado, com base na notícia intitulada “Jornais oscilam ao longo da

campanha” em que se tem uma análise de conteúdo apresentada pelo Instituto Universitário

de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ -, a Folha argumenta a diferença da sua cobertura

em relação aos seus concorrentes, na medida em que acontecem menos oscilações quanto à

classificação dos conteúdos destinados aos candidatos. Nesse trecho, percebemos o

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108predomínio da modalidade intersubjetiva (combinada com asserções afirmativas), uma vez

que reitera a posição da Folha como diferente dos outros diários brasileiros.

5.2.1.2.3 A imprensa por ela mesma

Em editorial publicado no dia do primeiro turno das eleições 2002, a Folha de S.

Paulo faz uma reflexão acerca do seu comportamento em relação ao período. Destacamos

alguns trechos:

(7) “Cada um a seu modo, imprensa e Ministério Público, deram passos decisivos rumo a

sua consolidação como instituições de controle do exercício do poder” - (l. 110-114) –

Trecho extraído do editorial As urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).

No trecho anteriormente descrito (7), o jornal se apresenta como uma instituição de

poder, equiparando-se ao Ministério Público. A assertiva afirmativa combina com a

modalidade intersubjetiva pelo posicionamento persuasivo em relação ao enunciador

sugerindo que a imprensa é um órgão de poder.

(8) “Quanto à atuação dos principais veículos de mídia, a cobertura da campanha eleitoral

cuja primeira fase se encerra hoje, coroa um processo de amadurecimento. Nunca se deu

tanta oportunidade ao leitor, ao ouvinte e ao telespectador de travar conhecimento com

as idéias principais dos candidatos”- (l. 122-137) – Trecho extraído do editorial As urnas e

a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).

Em (8) o trecho em negrito destaca de forma positiva a superexposição do tema

eleições nos meios de comunicação. Para a Folha, a oportunidade que o leitor tem de

vislumbrar os candidatos nos veículos de comunicação é sinônimo de amadurecimento do

órgão, uma marca modal apreciativa. Novamente, concluímos que a modalidade

predominante é a intersubjetiva, na medida em que se busca convencer o leitor de que uma

cobertura intensa a respeito dos candidatos é sinal de uma postura madura, correta não apenas

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109do diário em questão, mas da mídia de modo geral.

Em (9) o foco dos elogios acerca da mídia se fecha no jornal em questão. Mais uma

vez, a Folha se coloca como um jornal independente e, novamente, apresenta-se como o único

na mídia brasileira a não apoiar qualquer um dos candidatos. Nesse trecho predomina a

modalidade intersubjetiva uma vez que o enunciador sugere de forma explícita sua imagem

perante seu leitor.

(9) “A prática do jornalismo também se aperfeiçoou em busca de um modelo de atuação cada

vez mais independente. Aprimorou-se tecnicamente. Este jornal, que sempre cultivou a

independência, o pluralismo e o apartidarismo como pilares de sua política editorial e

procurou submeter candidatos e partidos, sem distinção, ao mesmo filtro crítico,

contribuiu para esse processo. O exercício pleno desse jornalismo crítico, independente e

pluralista, entende esta Folha, obriga o jornal, diferentemente do que fazem outros

veículos de mídia, a não apoiar nenhum candidato à Presidência, a governo de Estado ou

a qualquer cargo eletivo” – (l. 144-161) – Trecho extraído do editorial As urnas e a crise –

06/10/2002 - (anexo Q).

5.2.1.2.4 Sobre os Candidatos: preferências

Na seqüência observamos as explicações para os resultados alcançados em relação aos

candidatos:

(10) “Para instituto, Folha dá mais notícias ‘negativas’ sobre Serra e Ciro; Lula obtém

tratamento mais ‘positivo’” (linha fina) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia

atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).

(11) Para o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do estudo do instituto

fluminense, maior visibilidade costuma corresponder a crescimento da cobertura ‘negativa’.

‘Quanto mais o candidato aparece, mais sujeito a crítica ele está’” (l. 47-54) - Trecho

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110extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).

(12) “Personagens de um tiroteio que começou na primeira noite da propaganda televisiva,

os dois candidatos registraram percentuais similares nas três categorias de classificação

do noticiário” – (l. 29-34) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal

na eleição, 27/09/2002 - (anexo L)

Nos trechos (10) e (11) tenta-se argumentar porque José Serra e Ciro Gomes, que, pelo

contexto, disputavam o segundo lugar, de acordo com pesquisas do primeiro turno das

eleições 2002, tinham mais notícias de cunho “negativo” do que os outros candidatos. No

primeiro trecho (10), observamos o predomínio de marcas modais assertivas afirmativas, que

enunciam o conteúdo da matéria. Em (11) a análise feita por um especialista - engatada no

texto pelo recurso da intertextualidade -, aparece como uma justificativa para os critérios de

noticiabilidade, ou seja, a notícia negativa tem mais valor. Justamente por levar o leitor ao

convencimento sobre os critérios para a construção das notícias, em (10) temos o predomínio

da modalidade intersubjetiva.

Ainda em (12), vemos o peso do valor-notícia à questão da chamada cobertura

negativa. O enunciador usa inicialmente uma marca modal apreciativa (personagens de um

tiroteio) para qualificar o combate entre os candidatos José Serra e Ciro Gomes e depois

procura creditar ao jornal uma atribuição similar de espaço aos dois candidatos.

Na seqüência, observa-se certa preferência de que Serra vá para o segundo turno com

Lula:

(13) “O cientista político acredita, por exemplo, que a condição de candidato do governo

contribui para explicar porque José Serra recebeu nos jornais, em vários momentos da

atual campanha, espaço maior do que o dedicado a adversários em situação semelhante

nas pesquisas” (l. 50-58) - Trecho extraído da matéria: Lula, Serra e Ciro recebem espaço

semelhante, 27/09/2002 - (anexo L).

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111(14) “‘O novo embolamento no segundo lugar se caracterizou muito recentemente”, diz.

“As chances de Garotinho cresceram agora, na reta final’” (l. 38-42) - Trecho extraído da

matéria: Lula, Serra e Ciro recebem espaço semelhante, 27/09/2002 - (anexo L).

Nesses trechos as abordagens favorecem diretamente José Serra. No primeiro

enunciado (13), por intermédio do recurso da intertextualidade, o enunciador se apropria da

fala de um analista para justificar o espaço maior recebido por Serra na Folha de S. Paulo. O

discurso é engatado no texto pelo testimonial “o cientista político acredita”, um recurso

usado para comprovar que a referência opinativa vem da fonte e não do jornalista.

Na fala temos a marca modal apreciativa “candidato do governo” para qualificar

Serra (título que o então candidato praticamente negou durante toda a sua campanha), para

relembrar o enunciatário que, por ser do governo, Serra estava em maior evidência.

Em (14), também por intermédio de sua fonte oficial, temos uma justificativa para a

falta de espaço dedicada a Antony Garotinho em detrimento do espaço dedicado a Serra na

disputa pelo “segundo” lugar. Nesse caso, utilizando do interdiscurso, é relatado o discurso da

fonte oficial, como representante do instituto de pesquisa, justificando a ausência de notícias

sobre Garotinho por se tratar de um período no qual ele não estava ainda em franco

crescimento nas pesquisas de opinião. Nesse trecho temos o uso do testimonial “diz” para

referenciar a fonte de informação e uso do dêitico de tempo agora, para marcar a

temporalidade e justificar a falta de atualidade dos dados apresentados.

Em ambos os trechos notamos o predomínio da modalidade intersubjetiva, pois existe

uma intenção clara de justificar os dados publicados, persuadindo o leitor a convencer-se das

idéias apresentadas.

A seguir vemos como o jornal enxerga Lula:

(15) “No mesmo intervalo de tempo, o inverso ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva

(PT). Em confortável liderança nas intenções de voto, o que o desobrigou de envolver-se

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112em confrontos” – (l. 40-45) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal

na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).

(16) “Também a biografia de Lula ajuda a explicar um certo ‘viés de condescendência’

detectado pelo instituto. Diferentemente de Serra e Ciro, o petista não tem um passado

administrativo pelo qual possa ser diretamente cobrado- não obstante as administrações

petistas em municípios e Estados” (l. 81-89) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia

atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).

Em (15) o jornal sutilmente critica Lula pela falta de combate com os adversários da

campanha. É claro o predomínio da modalidade intersubjetiva quando percebemos a intenção

do enunciador de levar o leitor a questionar-se sobre os motivos que levam Lula a fugir do

embate político.

Já no enunciado seguinte (16) temos marcas explícitas de opinião por parte do jornal

em relação ao candidato. A marca assertiva negativa presente no trecho “o petista não tem

passado administrativo pelo qual possa ser diretamente cobrado” critica a falta de

experiência do candidato em cargos públicos, em tom nitidamente provocativo, observado

especialmente no primeiro trecho do mesmo enunciado, no qual é justificada a menor

presença de matérias “negativas” sobre o candidato no jornal, qualificada como “viés de

condescendência”, uma marca modal apreciativa que justifica a atitude da Folha perante o

candidato.

5.2.1.2.5 O referendo do leitor

Os enunciados selecionados em seqüência fazem parte das notícias construídas a partir

das sondagens realizadas com os leitores do jornal. Observamos uma intensa exploração de

dados numéricos simulando uma identificação positiva dos leitores com os posicionamentos

do jornal.

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113(17) “Para maioria dos entrevistados pelo Datafolha, jornal não favorece nem persegue

nenhum dos candidatos à Presidência” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Leitores

identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M)

Esse trecho, que apresenta marcas modais assertivas com a negação - “jornal não

favorece nem persegue” -, simula uma relação de concordância do leitor com o jornal, ao

afirmar ferrenhamente os princípios de isenção. Esse destaque, pela linha fina, é combinado

com o título da matéria “Leitores identificam equilíbrio na Folha”, procurando exaltar a

simbiose entre o jornal e os seus leitores.

Nos três enunciados a seguir aparecem os dados percentuais. Em todos eles temos a

distribuição dos entrevistados de acordo com as respostas obtidas nas questões dispostas pelo

instituto.

(18) “Para 10% dos entrevistados, José Serra (PSDB) é beneficiado pelo jornal. A seguir

vêm Luís Inácio Lula da Silva (PT) com 3% e Ciro Gomes (PPS), com 1%. Na opinião

dos leitores, Ciro é o mais prejudicado pela Folha. Dos pesquisados, 4% fazem esse

diagnóstico. Lula, com 2%, e Antony Garotinho (PSB), com 1% também foram

mencionados” – (l. 21-32) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na

Folha, 27/09/2002 - (anexo M).

(19) “Como pontos positivos do trabalho da Folha, foram citadas a publicação de

informações a respeito dos candidatos (35%), a imparcialidade (20%) e a qualidade do

conteúdo informativo (16%). Não souberam responder 27%” – (l. 67-74) – Trecho

extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).

(20) “Como pontos negativos, foram mencionadas parcialidade (8%) e deficiências de

conteúdo nas reportagens (8%). Não souberam responder a questão 31%. Quase metade

(44%) afirmou não encontrar pontos negativos.” – (l. 74-80) – Trecho extraído da matéria:

Leitores identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).

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114Após uma releitura do primeiro trecho (18), que questiona o leitor se o jornal está

beneficiando algum dos candidatos, percebemos que, somadas as respostas, 21% dos leitores

não enxergam o equilíbrio prezado pela Folha. É interessante ressaltar que esses dados

aparecem em totalidade apenas no conteúdo da notícia, porque, nos gráficos, os mesmos

dados se dividem em dois quadros (v. anexo M).

Os trechos (19) e (20) não são apresentados nos infográficos, apenas no conteúdo da

notícia. Em (19) observamos que apenas 20% dos leitores destacam a imparcialidade do

jornal. Em (20) o jornal afirma que 44% dos leitores declararam não encontrar pontos

negativos, enquanto que 31% não souberam responder e 16% encontraram falhas ou

parcialidades no conteúdo. Em nenhum momento é citada a forma como os entrevistados

foram abordados ou a forma de aplicação da pesquisa, apenas o universo de pesquisados, 386

leitores da Grande São Paulo.

Os recortes textuais a seguir dizem respeito as sondagens com leitores no 2º turno, no

qual vemos novamente as estratégias discursivas do jornal em afirmar a eqüidistância em

relação às eleições:

(21) “Pesquisa feita entre quarta e quinta-feira da semana passada entre leitores da Folha na

Grande São Paulo revela que 81% deles avaliam que o noticiário sobre as eleições tem sido

isento e não favorece nenhum dos finalistas ao segundo turno presidencial.” - (l. 1-9) -

Trecho extraído da matéria: Leitor reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z)

(22) “Pesquisa anterior, feita com a mesma finalidade e já com a campanha pelo segundo

turno em andamento, revelou, com porcentagens parecidas, que o leitor atribuía boa

qualidade às informações do jornal e as consumia por ver nelas a isenção” – (l. 32-39) -

Trecho extraído da matéria: Leitor reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z).

(23) “O jornal manteve assim o relativo equilíbrio que já havia observado na cobertura

da campanha do primeiro turno.” - (l. 61-64) – Trecho extraído da matéria: Folha se

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115manteve equidistande no 2º turno, 25/10/2002 - (anexo Z).

Observamos que todos os trechos combinam as modalidades assertivas com a

modalidade intersubjetiva pois em todos eles percebemos a tentativa de persuasão do leitor

quanto à validade da sondagem e a afirmação dos resultados positivos por meio do referendo

da maioria dos entrevistados. Vale também destacar, no enunciado (21), uma referência

dêitica de tempo (semana passada) como forma de justificar a periodicidade dos dados.

5.2.1.2.6 O voto do (e)leitor

Mais uma vez destacamos uma “vontade” da Folha de que Serra realize o 2º turno

com Lula. Como nos recortes (24), (25) e (26) :

(24) “Leitorado do jornal se divide entre Serra e Lula” – (título) – Trecho extraído do box:

Leitorado se divide entre Serra e Lula, 27/09/2002 - (anexo M).

(25) “Em levantamento realizado entre 2 e 4 de setembro pelo Datafolha, o petista tem 26%,

contra 29% de José Serra, que subiu nove pontos percentuais em relação à pesquisa

anterior” (l. 10-15) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na Folha,

27/09/2002 - (anexo M).

(26) “Apesar do PT gozar da preferência de 31% dos entrevistados, mais do que o dobro

do apoio registrado pelo PSDB (14%), Lula não disparou na intenção de voto dos

leitores na Grande São Paulo.” – (l. 1-8) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam

equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).

Os trechos (24) e (25) revelam uma polaridade entre Lula e Serra (e este está

vencendo) na opinião dos leitores do jornal na Grande São Paulo. Ainda em (25) o jornal

destaca o crescimento de Serra, uma forma de destacar que o candidato deve ir para o 2º

turno.

Em (26) o atenuante expresso pela palavra apesar é um meio para remeter ao

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116enunciador que a “simpatia” em relação ao Partido dos Trabalhadores não fez com que Lula

crescesse nas pesquisas com leitores do jornal, uma marca da modalidade intersubjetiva usada

para argumentar que Lula e Serra estão “em pé de igualdade” e devem ir para o 2º turno.

Já em relação ao 2º turno, a Folha explicita uma preferência sutil a José Serra ao

expressar os resultados das sondagens com seus leitores, como destacamos:

(27) “Há pouco mais de um mês os leitores da Folha na Grande São Paulo estavam

praticamente empatados quanto à opção de voto para o segundo turno: 43% preferiam José

Serra (PSDB) e 44% tinham preferência por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há uma semana,

no entanto, o grupo favorável ao tucano tornou-se ligeiramente maior e agora soma

49%, contra 42% favoráveis ao petista.” – (l. 1-12) - Trecho extraído da matéria: 49%

votam em Serra; 42% preferem Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).

(28) “Isso revela que o público leitor da Folha está dividido em relação às duas

candidaturas.” (l. 46-48) - Trecho extraído da matéria: 49% votam em Serra; 42% preferem

Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).

Em ambos os trechos notamos um esforço do jornal de manter o quadro empatado

entre os candidatos com uma sutil diferença favorável a Serra, explicitada com mais clareza

no título de uma das notícias “49% votam em Serra; 42% preferem Lula”. Os dados das

sondagens confrontam as pesquisas de opinião de caráter mais abrangente que o próprio

Instituto Datafolha vinha publicando freqüentemente no período e que davam larga vantagem

à Lula. A modalidade predominante é a intersubjetiva, na medida em que os trechos

sutilmente expressam o desejo da Folha em ressaltar o crescimento do apoio do eleitorado a

José Serra.

(29) “E, a exemplo do que outras pesquisas têm apontado, 96% dos eleitores de Lula no

primeiro turno manterão seu voto no segundo, o mesmo acontecendo com 97% dos que

votaram em Serra.” (l. 25-30) - Trecho extraído da matéria: 49% votam em Serra; 42%

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117preferem Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).

Da mesma forma, a modalidade intersubjetiva predomina também no trecho (29),

quando o enunciador sugere que os seus (e)leitores manterão sua opinião no 2º turno.

5.2.1.3 Considerações

A partir das marcas selecionadas e analisadas nos textos, concluímos que a publicação

do artigo opinativo e das notícias destacando a cobertura do jornal referente ao período

eleitoral presidencial representa uma estratégia da Folha de convencer seu leitor de que seu

trabalho é apartidário e pluralista.

A preocupação em demonstrar a independência é uma forma de estabelecer uma

imagem de credibilidade, confiança e, acima de tudo, ressaltar que esse mérito é apenas e

somente seu em toda a imprensa brasileira, “comprovado” pela encomenda de sondagens de

dois órgãos oficiais (Datafolha e IUPERJ) e também pela amostragem de opinião do público

leitor do diário.

A Folha, ao produzir esse efeito de sentido, adota um discurso ideológico que busca

mascarar o sentido hegemônico presente em sua linguagem, como forma de manter o

“contrato de leitura” por meio da imagem construída de um discurso neutro, independente.

5.2.2 Contestando as pesquisas

Imensa maioria das notícias publicadas pela Folha durante as eleições 2002 foi

pautada pelos resultados divulgados pelo instituto Datafolha, da própria Folha de S. Paulo,

como observamos em nossas análises. Constatamos, na temática anteriormente discutida (O

jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista”), que existe uma tendência do diário

em ressaltar uma imagem de credibilidade ao reforçar o jornalismo que pratica como

independente, e boa parte desse argumento é reforçada pelos resultados das pesquisas de

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118opinião pública, de forma especial nas notícias e matérias informativas.

Contudo, ao lançarmos nosso olhar sobre os editoriais e artigos publicados no período

eleitoral que recorrem à temática “Pesquisas Datafolha”, percebemos um posicionamento de

descrença dos resultados, especialmente se estes não estão em concordância com os princípios

do corpo editorial, e uma “torcida” ferrenha para a alteração do quadro apresentado pelas

sondagens. Como aborda Beltrão (1980), pelo editorial, enquanto gênero opinativo, o jornal

pode manifestar-se a favor de quem desejar, da mesma forma que ocorre no artigo assinado;

entretanto, nos mesmos espaços, o diário preza os princípios de neutralidade em relação ao

evento político.

Transcrevemos trechos de cinco editoriais e de dois artigos em que constatamos essa

tendência durante os dois turnos do pleito.

(1) “Os resultados da pesquisa Datafolha que este jornal publica hoje inaugurarão uma

semana em que a dúvida enunciada acima ganhará total proeminência na discussão de

analistas políticos, de agentes do mercado financeiro e da opinião pública de maneira

geral” (l. 1-8) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 -(anexo I).

(2) “A duas semanas do dia do pleito, não se pode dizer que a tendência de subida de Lula

seja um fato inexorável dessa reta final. Ainda haverá eventos importantes, até lá, que

poderão afetar a decisão do voto do eleitorado” (l. 25-31) – Trecho extraído do editorial

Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).

Em (1) e (2) o editorialista prevê que o resultado das pesquisas eleitorais publicadas -

as quais apontam vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos outros candidatos -,

deverá suscitar um novo posicionamento da opinião pública e dos analistas políticos. Em (2) o

adjetivo inexorável (inabalável), uma marca modal apreciativa, é combinada com a oração

assertiva negativa, declarando abertamente que o corpo editorial acredita que as tendências

apontadas pelas pesquisas devem se alterar, pois eventos importantes surgirão. O quadro

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119sugerido no enunciado (1) e na segunda oração em (2) trazem as marcas modais hipotéticas

combinadas com a modalidade intersubjetiva, uma vez que exprimem com clareza que o

jornal responde de forma afirmativa aos leitores à questão lançada no título do editorial: “Sim,

haverá segundo turno”.

5.2.2.1 Desenhando o cenário do segundo turno - editoriais

Convencido o leitor da hipótese do segundo turno, o enunciador agora explica o

cenário, tentando apontar as causas que levaram aos resultados das pesquisas de opinião. Em

(3), (4) e (5), nossas análises recobrem especialmente José Serra, na tentativa de explicar

porque o candidato “governista” não emplaca nas sondagens.

(3) “Já há uma discussão que volta, a partir de agora, sobre, em havendo um segundo

turno, qual será o adversário de Lula. A campanha de José Serra logrou desbancar Ciro

Gomes do alto patamar em que se encontrava e atingir a vice-liderança. Mesmo assim, não

conseguiu consolidar uma distância confortável sobre o terceiro colocado. Dos votos que

Ciro perdeu, apenas parte migrou para o governista” (l. 57-67) – Trecho extraído do

editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).

(4) “Tudo somado, esta pesquisa do Datafolha parece revelar que se alastra na população

um sentimento de oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso e, por

conseqüência, ao candidato imediatamente identificado com os oito anos de sua gestão”

(l. 75-81) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).

(5) “O desejo de mudança pode ser o elemento a conferir uma propulsão extra às

intenções de voto em Lula e, mais discretamente, em Garotinho. Também pode ser o

fator que está impedindo Serra de romper a barreira dos 20%” (l. 81-87) – Trecho

extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).

Em todos os trechos observa-se o predomínio da modalidade intersubjetiva na medida

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120em que o enunciador sugere a seu leitor que o cenário ideal para o segundo turno deve ter

como candidatos José Serra e Lula.

5.2.2.1.1 A “batalha” intensa, o debate e o “caos econômico”

Em (6), (7) e (8) novamente o enunciador é persuasivo ao sugerir que o período que

antecede o primeiro turno será muito disputado, a exemplo dos superlativos: intensíssima (6)

e duríssima (8), marcas modais apreciativas para qualificar a disputa. Em (7) a colocação é

de se esperar é uma marca modal intersubjetiva apontando a vontade, o desejo do diário de

que aconteça o segundo turno.

As marcas modais intersubjetivas são observadas ainda no segundo trecho em

destaque em (7); o jornal reforça que as mudanças da opinião dos eleitores serão ocasionadas

pelo debate entre os presidenciáveis (um evento produzido pela televisão); e em (8), ao lançar

mão do argumento de que a crise dos mercados - associada a Lula - , possa alterar o cenário

político.

(6) “As próximas duas semanas, que prometem ser de intensíssima batalha política,

elucidarão de vez essas questões” (l. 88-91) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo

turno? – 22/09/2002 - (anexo I).

(7) “É de esperar que redobrem as forças para tentar barrar a ascensão de Lula e

qualificar-se para o turno final. Restam aos presidenciáveis dois dias para apresentação de

programas no rádio e na TV, os quais devem ter maior audiência. Na quinta-feira está

agendado um debate na TV Globo. Se faltam poucos votos para Lula vencer, falta

também pouco para que seus adversários precipitem um segundo turno” - (l. 70-80) –

Trecho extraído do editorial Eleição em sete dias – 29/09/2002 - (anexo O).

(8) “A única certeza que pode ser enunciada hoje é a de que serão dias de duríssima

disputa os poucos que nos separam de 6 de outubro, temperados por mais uma rodada

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121de instabilidade nos mercados financeiros” - (l. 81-86) – Trecho extraído do editorial

Eleição em sete dias – 29/09/2002 - (anexo O).

A seguir, a seleção dos trechos (9) e (10) mostra claramente como a Folha usa o poder

econômico para construir significados. Em ambos os casos a crise econômica é atribuída ao

cenário eleitoral, prevalecendo nos textos a marca modal intersubjetiva:

(9) “Na democratização recente, parecem fadados a coincidir processos de sucessão

presidencial com momento de deterioração do cenário econômico” - (l. 21-25) – Trecho

extraído do editorial As urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).

(10) “Este ano, 2002, não foge ao padrão. E o termômetro da incerteza financeira, que

engendra atitudes defensivas nos investidores internacionais em relação ao Brasil, é o

frenético comportamento da taxa de câmbio” - (l. 41-49) – Trecho extraído do editorial As

urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).

Entretanto, em (10), observamos a modalidade assertiva para julgar o período em

questão, recorrente ao dêitico este em este ano eleitoral, que não foge ao padrão da influência

do cenário econômico. A modalidade intersubjetiva prevalece na medida em que os

argumentos são lançados pelo enunciador, de forma a sugerir uma conjuntura.

5.2.2.1.2 Vamos ter uma “virada”?

A seguir, trechos de um editorial publicado no dia que antecede a propaganda eleitoral

gratuita no segundo turno das eleições presidenciais, daí o título “A largada”, que sugere o

início de uma nova fase.

O texto é pautado no resultado da prévia eleitoral feita pelo instituto Datafolha, da

mesma empresa jornalística do diário, que aponta Lula com 26 pontos percentuais sobre

Serra. Valendo-se de possibilidades, o jornal alega que o resultado não é surpreendente, mas

tenta lembrar seu leitor que o resultado ainda não foi definido e aposta numa virada de José

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122Serra, que entende como difícil, porém não é impossível.

(11) “Não há propriamente surpresa nos resultados da pesquisa Datafolha para a

Presidência que este jornal publica hoje” (l. 1-4) - Trecho extraído do editorial A largada –

13/10/2002 - (anexo X).

(12) “Era de esperar que a primeira pesquisa indicasse o candidato do PT, Luiz Inácio Lula

da Silva, bem à frente do presidenciável do PSDB, José Serra” (l. 9-13) - Trecho extraído do

editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

Nos trechos (11) e (12) o enunciador afirma não se surpreender com o resultado da

pesquisa eleitoral publicada. Em (11) a oração assertiva negativa e em (12) a marca assertiva

afirmativa indicam que o resultado da sondagem, para o jornal, era previsível. Com isso, o

diário parece indicar um certo desprezo pelas indicações numéricas que apresenta.

Já nos recortes (13) e (14) percebemos alguma surpresa do editorialista em relação aos

dados com que tece seu texto:

(13) “Talvez a magnitude da distância entre os dois, de 26 pontos percentuais, tenha

ficado além do que uma parte dos analistas previa” (14-17) - Trecho extraído do editorial

A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(14) “Mas nem o apaixonado eleitor de Serra esperava que o seu candidato figurasse a

uma distância pequena de Lula na primeira sondagem”(l. 18-21) - Trecho extraído do

editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

Em (13), depois de atribuir desprezo ao resultado da pesquisa, é sugerido que os

analistas poderiam achar o resultado um pouco surpreendente. A colocação do advérbio

talvez é uma marca da modalidade epistêmica. Também existem sinais de qualificação do

resultado, como o uso do termo magnitude, que remete à modalidade apreciativa.

Em (14), novamente, se volta a atenuar a importância do resultado da pesquisa,

indicando que provavelmente os eleitores de Serra (ou o próprio jornal?) já esperavam um

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123resultado como esse. A tentativa de sugerir uma vontade, com o uso da palavra talvez

combina a modalidade epistêmica com a intersubjetiva.

No enunciado abaixo vemos como o enunciador torce para que os resultados se

alterem e quais argumentos ele usa para convencer seu leitor, traçando cenários prováveis:

(15) “Mas isso não quer dizer que está descartada a hipótese de Serra ultrapassar Lula”

(l. 30-32) - Trecho extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(16) “Para vencer, o tucano terá que anular, em duas semanas, uma vantagem da ordem

de 24 milhões de votos. A tarefa é difícil, porém não é impossível” (l. 31-36) - Trecho

extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

Em (15) é mostrado, por intermédio de dados numéricos, as chances de Serra para

reverter o resultado. Em ambos os trechos, novamente temos a combinação das modalidades

epistêmica e intersubjetiva.

Os argumentos presentes em (15) e (16) são reafirmados e indicam o desejo do autor

de que o fato ocorra, indicando a modalidade intersubjetiva. Os adjetivos difícil e impossível

qualificam o julgamento e são marcas da modalidade apreciativa.

(17) “Além disso, a lamentável recusa do PT em expor o seu candidato a mais debates e

as indagações mais críticas pode associar uma imagem negativa a Lula” (l. 40-44) -

Trecho extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(18) “Segundo o Datafolha 74% dos eleitores julgam ser muito importante a realização

dos debates entre Lula e Serra” (l. 44-46) - Trecho extraído do editorial A largada –

13/10/2002 - (anexo X).

Em (17) o enunciador busca convencer o leitor de que a imagem de Lula tende a se

desgastar pela superficialidade e pela não-participação em debates. Ao sugerir essa

possibilidade, além de indicar a modalidade epistêmica também emite uma sugestão, marca

da modalidade intersubjetiva.

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124No trecho (18), transmitindo um dado obtido na pesquisa Datafolha, o jornal reforça

sua convicção de que a realização do debate pela televisão é muito importante, uma marca

modal apreciativa, combinada com a modalidade intersubjetiva, já que o trecho tem caráter

altamente persuasivo.

Vale destacar que nessa mesma edição em que a parte “opinativa” do jornal argumenta

sobre a importância do debate, na parte chamada de “informativa” no Caderno Eleições, o

resultado da sondagem a respeito do Debate confirma que “74% acham o debate importante”,

entretanto, com menor destaque, aparece a seguinte observação: “70% dos entrevistados

disseram que um debate não os faria mudar sua intenção de voto” (Especial 3, domingo, 13 de

outubro de 2002).

(19) “A propósito do conteúdo dos programas, é provável que a campanha de Serra

parta definitivamente para o ataque contra Lula e o PT” (l. 47-50) - Trecho extraído do

editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(20) Já do lado petista, a necessidade de administrar o seu cacife de intenções de voto deve

levar a campanha a evitar ainda mais o confronto. (l. 53-56) - Trecho extraído do editorial

A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

Em (19) e (20) são feitas previsões a respeito das estratégias que seriam usadas no

Horário Eleitoral Gratuito que se iniciaria no dia subseqüente. As sugestões apresentadas no

jornal com o uso das locuções verbais é provável e deve levar indicam marcas modais

epistêmicas novamente combinadas com a modalidade intersubjetiva, já que os trechos

novamente apontam a sugestão por parte do enunciador de que a campanha de Serra será mais

agressiva e que a de Lula deve permanecer branda.

(21) “Lula parece comportar-se como se eleito estivesse” (l. 57-58) - Trecho extraído do

editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(22) “Mas o fato inequívoco é que nada ainda está decidido. Grandes viradas na política

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125brasileira já ocorreram no passado recente” (63-66) - Trecho extraído do editorial A

largada – 13/10/2002 - (anexo X).

(23) “Em vez de tratar o resultado das eleições como favas contadas, cabe esperar o

desenrolar do jogo, pois ainda há lances decisivos a serem jogados” (l. 66-70) - Trecho

extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).

No trecho (21) o jornal reforça a crítica ao comportamento de Lula. Em (22) e (23),

com sugestões que indicam o desejo do editoralista, sugere-se uma virada, como se fosse dito

ao leitor que “ainda” é possível reverter a situação. No segundo trecho, chama a atenção o

fato de o jornal negar o resultado da sua própria pesquisa quando ele desdenha do resultado.

Ainda nesse trecho, ao tratar a disputa como um jogo, prevê que “novos lances serão

colocados”, na tentativa de “virar o jogo”, marcas modais apreciativas usadas para estabelecer

proximidade com o leitor.

5.2.2.1.3 Um último olhar

Nesse editorial publicado a uma semana da eleição, a Folha propõe a análise da reta

final da campanha de José Serra, que intensificou os ataques a Lula. O jornal destaca a

comparação entre Lula e Hugo Chávez, o despreparo de Lula e sua atitude de se poupar de

confrontos, como observamos no trecho (24):

(24) “A propaganda da chapa governista se pautou, nos últimos dias de campanha, pelos

ataques sistemáticos e cada vez mais fortes a Lula e ao PT. Os serristas, de modo geral,

procuraram despertar o temor da população a respeito de uma futura administração

petista, atribuindo despreparo a Lula e a seu partido, sugerindo comparação entre o que

ocorre na Venezuela de Hugo Chávez e o que poderia ocorrer no Brasil de Lula e

criticando o petista por furtar-se aos debates diretos entre presidenciáveis”- (l. 17-30) –

Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).

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126Contudo, no trecho (25) se reconhece que as estratégias não estavam surtindo o efeito

necessário. Observamos a marca modal epistêmica: é possível aventar a hipótese para

atenuar suas conclusões a respeito do fato percebido.

(25) “Mas essa estratégia radical de Serra parece não ter comovido o eleitor a mudar a

decisão de voto. É possível, inclusive, aventar a hipótese de que a ‘campanha negativa’

se tenha voltado contra o próprio Serra, impedindo que o candidato governista subisse

na preferência do eleitorado e, até, fazendo com que a diferença em favor a Lula

aumentasse” – (l. 30-40) – Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 -

(anexo Y).

Em (26) o enunciador critica o descaso da campanha de Lula aos confrontos com os

adversários. Ele qualifica a campanha como festiva e avessa a confrontos.

(26) “Vale lembrar que a campanha de Lula, afora um ou outro episódio isolado,

manteve-se na linha ‘festiva’, repleta de cantigas e de imagens de confraternização e

avessa a confrontos”- (l. 40-45) – Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002

- (anexo Y).

Nos trechos (27) e (28) o jornal avalia a campanha sob a ótica da campanha de Serra.

Usando marcas modais epistêmicas, como o verbo parecer, e as expressões é bastante

provável e pode estar, o enunciador atenua a avaliação negativa que faz da campanha de

Serra e do cenário político de modo geral.

(27) “A favor de Lula, parece prevalecer um sentimento plebiscitário neste segundo

turno sobre os oito anos de governo FHC – por mais que a campanha de Serra tenha

lutado para evitar que o confronto ganhasse essa conotação”(l. 56-62) – Trecho extraído

do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).

(28) “É bastante provável que o público esteja enxergando o confronto entre Lula e

Serra como o da mudança contra a continuidade. E a continuidade – em meio a uma

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127drástica crise financeira – pode estar sendo duramente punida” (l. 71-73) – Trecho

extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).

(29) “É preciso aguardar o veredicto das urnas depois de uma semana que contará com

um debate na TV e que ainda pode reservar surpresas” (l. 94-97) – Trecho extraído do

editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).

O trecho (29), de editorial publicado no segundo turno, encerra uma análise feita

acerca das campanhas de Lula e Serra em que o jornal chega a admitir que as estratégias de

Serra não estavam surtindo efeito. Contudo, novamente o enunciador expressa sua esperança

na alteração dos resultados, tentando sugerir ao leitor que os fatos poderão reverter a disputa,

uma marca modal intersubjetiva.

5.2.2.2 A pesquisa segundo os articulistas

Em concordância com o corpo editorial, destacamos trechos de artigos opinativos

publicados simultaneamente aos editoriais selecionados.

Em (30) o articulista explica o cenário desenhado pela pesquisa em tom crítico à Lula.

Ele usa de marcas modais apreciativas para qualificar de forma pejorativa a postura do

candidato, ironizando a forma de apresentação e moldagem do presidenciável.

(30) “Pois bem: o Datafolha que este jornal publica hoje mostra que o eleitor está

condenando Serra e que Luiz Inácio Lula da Silva passeia garbosamente o seu novo

revestimento (‘teflon’), no qual resvala, mas não gruda nenhum torpedo” - (l. 13-19) –

Trecho extraído do artigo Pensando o impensável – 22/09/2002 - (anexo I).

No trecho em seqüência (31) o mesmo articulista tenta persuadir o leitor sobre sua

vontade de que os resultados de sondagens possam se alterar. Os termos valorativos: é óbvio e

é sempre bom repetir reforçam a presença da marca modal intersubjetiva.

(31) “Não quer dizer, é obvio, que Lula vá liquidar o jogo já no primeiro turno, embora

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128esteja muito perto. Nem quer dizer que Lula ganhará no segundo turno. Pesquisa, é

sempre bom repetir, é o instantâneo de um momento, não o fim da história” - (l. 20-27) –

Trecho extraído do artigo Pensando o impensável – 22/09/2002 - (anexo I).

Os trechos (32) e (33) inserem, a exemplo dos editoriais, a questão econômica no

cenário eleitoral. As marcas apreciativas enorme agitação do mercado e nervosismo ainda

maior (em referência ao mercado) são usadas para pressionar o leitor a respeito da crise

financeira, combinando-as com a marca modal intersubjetiva.

(32) “É esse o cenário desenhado de um lado pela pesquisa Datafolha, cujos números

principais o leitor já viu na capa do jornal de hoje, e, de outro, pela semana de enorme

agitação nos mercados, que levou o dólar a um novo recorde, próximo a R$ 4” - (l.9-15)

– Trecho extraído do artigo Muitas e fortes emoções – 29/09/2002 - (anexo O).

(33) “2 – Como é pouco razoável supor que Lula caia nas pesquisas a serem

eventualmente divulgadas no início da semana, o mercado reagirá com nervosismo

ainda maior à perspectiva de vê-lo eleito já. Continuará pois exibindo a “ganância

infecciosa” nele apontada por Pedro Malan, uma descoberta, aliás, feita com atraso de pelo

menos um século” - (l.29-38) – Trecho extraído do artigo Muitas e fortes emoções –

29/09/2002 - (anexo O).

No trecho (34), mais uma vez o enunciador pressiona o leitor a respeito de suas

convicções. Fazendo analogia com batalha, ou guerra todos os tiros (...) terão de ser

disparados, ou com o ditado popular perdido por perdido, truco, ele declara claramente a

necessidade de ações “maquiavélicas” para se atingir os objetivos. Dessa forma, a modalidade

intersubjetiva é a predominante nesse recorte.

(34) “1 - Todos os tiros remanescentes terão de ser disparados contra o líder nas

pesquisas. Suspeito que todas as considerações de marketeiros, de assessores, de candidatos,

etc., serão postas de lado em nome do ‘perdido por perdido, truco’” - (l.22-28) – Trecho

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129extraído do artigo Muitas e fortes emoções – 29/09/2002 - (anexo O).

5.2.2.3 Considerações

As sondagens eleitorais são tratadas com uma subjetividade explícita pela parte

opinativa do jornal. Editoriais e artigos sobre essa temática se pautam pela probabilidade de

uma “virada” nos resultados apontados.

Sob a luz da Análise do Discurso, compreendemos que o corpo editorial da Folha

efetiva um trabalho ideológico ao transmitir um sentido construído em favor de José Serra. A

posição parcial, que muitas vezes está velada em textos informativos publicados pelo diário,

dessa vez está explícita no editorial, apesar do corpo editorial afirmar-se como neutro.

Mesmo se tratando de um texto publicado na sessão opinativa do jornal, no qual se

tem uma opinião emitida sobre um assunto, existe a ausência das marcas do sujeito

enunciador o que, segundo Fairclough (2001), pode trazer ao leitor uma certa dúvida sobre a

visão dos editores. Ela representa um ponto de vista universal, individual ou da organização?

Ao publicar, portanto, um ponto de vista em favor de uma das partes, a Folha, mais

uma vez, coloca-se numa posição parcial em relação à temática das eleições, porque defende

seus interesses, influencia e auxilia na construção do cenário político que possa favorecer-lhe.

5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado Financeiro

Um dos temas mais pautados pela imprensa nas eleições 2002 foi a crise do mercado

financeiro. A questão econômica, como já dissemos anteriormente, além de estar presente nos

cadernos especializados em Economia, tomou conta também das primeiras páginas do jornal

e, de modo especial, do caderno Especial Eleições 2002 na Folha de S. Paulo.

O agravamento da crise econômica com a alta da moeda americana e a elevação do

risco-país - termo do economês muito explorado por toda os meios de comunicação brasileiros

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130-, foi, sobretudo, associado ao que o diário chamou de “incerteza política” brasileira, atribuída

em alto grau a Lula e, de modo mais brando, aos outros candidatos de oposição no primeiro

turno; e de forma intensa a Lula no segundo turno.

Demonstrada como um elemento imprescindível na política pela Folha, a questão

econômica e os fatores a ela associados, perpassaram artigos, colunas, editoriais e notícias

jornalísticas do período, na grande maioria das vezes, cercados por previsões e comentários

negativos, especialmente quando associados ao resultado das sondagens sobre as intenções de

votos.

5.2.3.1 Previsões “sangrentas”

Selecionamos, do período proposto, trechos de dois textos opinativos do colunista

Vinicius Torres Freire publicados em dois domingos subseqüentes do 1º turno, e que fazem

previsões negativas sobre o mercado, caso Lula vença as eleições.

(1) “O mercado quer sangue, que já está correndo. Deve correr mais. Este jornalista

ouviu banqueiros e diretores de cinco bancos nos últimos seis dias” – (l. 1-5) – Trecho

extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

(2) “(...) essas pessoas descreviam com calma o tumulto financeiro que racionalmente

podem provocar caso o sucesso de Luiz Inácio Lula da Silva se confirme” – (l. 9-13) –

Trecho extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

Logo na primeira oração do primeiro trecho (1), o jornalista lança mão do terror e do

sensacionalismo. Usa o estilo metafórico para despertar interesse e dar noção ao leitor sobre a

gravidade do assunto. Fala de sangue associado à tragédia (a crise financeira), como se o

mercado financeiro fosse o “terrorista” potencial. Nesse sentido, temos o interdiscurso, pois o

enunciador usa como recurso o discurso do terrorismo.

Na segunda oração lança uma previsão: a crise vai piorar. Todos os trechos combinam

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131a modalidade intersubjetiva, pela pressão feita sobre o leitor de modo a convencê-lo de que o

país está vivenciando uma “terrível” crise, uma constatação que não é do jornalista, mas de

especialistas, pessoas da área econômica, ou seja, fontes fidedignas.

São essas fontes que aparecem, ainda, no trecho seguinte (2) alertando a respeito da

crise caso o sucesso de Lula da Silva se confirme; uma oração assertiva hipotética, que traz

como seqüência um enunciado no qual observamos o uso da antítese com as palavras: calma,

tumulto e racionalmente. Recorrendo a figura de linguagem, o jornalista procura advertir

que suas fontes já calculam friamente como reagirão caso Lula vença as eleições.

(3) “Agora, depois de o PT entregar, ao menos retoricamente, os anéis e os dedos, o

mercado quer as mãos e os braços. Os bancos estão ansiosos para saber quem vai tocar o

barco furado da economia caso Lula vença” – (l. 22-30) – Trecho extraído do artigo: O

ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

(4) “A demonização de Lula da Silva, a especulação típica de períodos de volatilidade e

incerteza e a tormenta financeira mundial, tornaram-se mais agudas nas duas últimas

semanas” – (l. 1-5) – Trecho extraído do artigo: Gerente da crise e administrador do caos,

27/09/2002 - (anexo N).

Em (3) e (4), novamente o enunciador usa metáforas. Em (3) dirige-se ao PT, fazendo

alusão à mudança de postura do partido que, agora, fez trocas e concessões para conquistar o

mercado (e o eleitorado). Ironiza quando afirma ser uma postura apenas do âmbito discursivo

e, finalmente, associa a direção da política econômica a um barco furado se Lula vencer as

eleições. Temos a marca apreciativa de valor negativo associada novamente a uma marca

assertiva hipotética.

No trecho seguinte (4) fala, outra vez, da crise usando expressões como tormenta para

definir o período que ele chama de volátil e incerto, graças à demonização de Lula, um

termo usado para associar o presidenciável ao negativo, ao mal. Todas essas marcas são

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132valorativas e, portanto, combinam com a modalidade apreciativa.

A seguir, nos trechos (5) e (6), o colunista usa de períodos assertivos afirmativos para

validar suas ‘teorias conspiratórias”.

(5) “Mas há promessa firme de tumulto financeiro caso um eventual governo Lula ‘não

entregue’ o que o mercado acha que ele prometeu. Indefinição é incerteza, é mais risco, é

juro alto, é real no chão.” – (l. 95-101) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos

mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

(6) “Mas o ‘fator Lula’ voltou com tudo, assim como os mercados e a economia voltaram a

entrar em parafuso. Vamos ter meses infernais” – (l. 96-110) – Trecho extraído do artigo: O

ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

Em (5) ele argumenta que a equipe de Lula não satisfaz as exigências do mercado, daí

a expressão indefinição combinada com outras marcas apreciativas do economês de alto valor

axiológico negativo como incerteza, risco, juro alto, real no chão para definir o período.

Em (6) o autor atribui os rumos financeiros ao “fator Lula” e prevê que os meses

eleitorais serão infernais. O peso da expressão meses infernais indica uma pressão sobre o

leitor para acontecimentos muito negativos, prejudiciais ao crescimento do país do ponto de

vista econômico.

As previsões ainda aparecem em (7), mas com a predominância da modalidade

assertiva hipotética, quando novamente o articulista lança uma hipótese:

(7) “O choque terá de ser radical, tanto mais radical se Lula da Silva for eleito” – (l. 85-

87) – Trecho extraído do artigo: Gerente da crise e administrador do caos, 27/09/2002 -

(anexo N).

Nos três trechos a marca modal intersubjetiva prevalece combinada com a modalidade

apreciativa, na medida em que o colunista expõe seus argumentos para persuadir, convencer o

leitor dos problemas que o país encontrará se a hipótese de que Lula seja eleito se confirmar.

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133A seguir, observamos algumas impressões a respeito da equipe do PT:

(9) “O PT tem ‘economistas profissionais’ (poucos, é verdade. Não tem quadros internos

prontos e bastantes para ocupar a burocracia econômica. Não tinham nem para ocupar

a Prefeitura de São Paulo).” – (l. 74-80) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos

mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

(10) “Enfim, após tanta dificuldade para ganhar a eleição, é difícil acreditar que

entregariam a rapadura tão rápido, fazendo loucuras econômicas, de resto assumindo o

governo numa situação que, a princípio, impede qualquer ação muito distante da

ortodoxia.” – (l. 86-94) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra

Lula, 20/09/2002 - (anexo K).

No trecho (9) o autor lança mão da ironia para desqualificar o PT. A oração entre

parênteses, com marcas modais assertivas negativas, é usada para justificar a ausência de

profissionais capazes dentro do PT para administrar a economia quando governo.

Em (10), o enunciador recorre à modalidade epistêmica para explicitar a ausência de

certeza, a dúvida quanto à condução do governo pelo PT, observadas pelo uso da expressão: é

difícil acreditar e pelo verbo entregariam, embora o próprio autor acredite que a condução

da situação econômica não possibilitaria muitas manobras fora daquilo que “reza as cartilhas”.

O enunciador usa a expressão idiomática (entregar a rapadura) para ironizar a postura

do eventual governo petista de não reconhecer-se como vencido, de não desistir de um projeto

(não entregariam a rapadura), uma marca modal epistêmica, por indicar fatos possíveis

acerca das atitudes do eventual governo do PT.

5.2.3.2 Notícias: o fantasma do mercado

As notícias e notas trazidas em seqüência também estão relacionadas

predominantemente com a questão do mercado financeiro. São informações sobre as

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134estratégias de Lula para conter a crise financeira (claramente a ele associadas), a forma como

a campanha de Serra conduziu a questão nos 1º e 2º turnos e a publicação de opiniões de

representantes do FMI e da imprensa internacional.

Vale destacar, contudo, que durante todo o período eleitoral, a Folha trouxe notícias

destacando que o problema não estava diretamente ligado ao candidato em especial, mas à

conjuntura mundial, como o trecho abaixo que traz a opinião de um representante que fala

pelo Fundo Monetário Internacional a respeito das eleições no Brasil:

(1) ‘“O Fundo mostrou sua disposição de trabalhar com qualquer governo

comprometido com políticas econômicas sólidas, evitando, ao mesmo tempo,

interferência externa no processo democrático’, disse” - – (l. 15-21) – Trecho extraído da

matéria: FMI critica pessimismo de investidores, 20/09/2002 - (anexo J).

No entanto, com maior predomínio, as notícias destacavam a crise financeira como um

sintoma das pesquisas eleitorais de intenção de voto para Lula, mas, sem dúvida, vale ressaltar

que estas últimas ganharam mais destaque, como nos textos selecionados para discussão a

seguir e que serão apresentados por temas e subdivididos pelo período (1º e 2º turnos):

5.2.3.2.1 As estratégias do PT – 1º turno

(2) “O PT prepara mais um antídoto para a desconfiança do mercado em relação a Luiz

Inácio Lula da Silva. Trata-se de um documento em elaboração com representantes do

mercado de capitais.” - (l. 1-6) – Trecho extraído da matéria: PT prepara texto conjunto com

a Bolsa para conter ira do mercado, 20/09/2002 - (anexo H).

(3) “São ações em linha com o marketing petista de vender Lula como um negociador

responsável, que não faria mudanças bruscas na economia” – (l. 41-45) – Trecho extraído

da matéria: PT prepara texto conjunto com a Bolsa para conter ira do mercado, 20/09/2002 -

(anexo H).

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135Observamos, pela leitura da matéria, que o PT assumiu a eleição de Lula como um

fator contagiante na crise do mercado e, por esse motivo, o partido estava planejando ações

para reverter à situação, um tema com alto valor de noticiabilidade e que ganhou capa do

caderno Eleições 2002.

Em (2) o jornal qualifica o documento elaborado pelo partido para conter a crise

financeira como mais um antídoto, aludindo a mais uma estratégia fabricada em favor do

candidato. Posteriormente, a Folha explica que o documento parte de especialistas do

mercado, aqueles mesmos que possuem desconfiança sobre Lula. As marcas modais

apreciativas combinam, nesse período, com a modalidade assertiva, exprimindo certeza

quanto à veracidade das informações divulgadas.

No trecho seguinte (3) o enunciador se posiciona em relação ao documento elaborado

pelo PT como “ações de marketing para vender” uma imagem do candidato. Nessa parte

vemos a marca modal assertiva afirmativa, combinada com a modalidade apreciativa por

existir uma qualificação opinativa a respeito das estratégias (ações em linha com o

marketing). No mesmo trecho ainda existe uma marca modal epistêmica, com o verbo faria

indicando uma ausência de certeza em relação à atitude do presidenciável.

5.2.3.2.2 A crise econômica e Serra – 1º turno

Abaixo, selecionamos alguns trechos de notícias publicadas pela Folha sobre a postura

de José Serra a respeito do tema crise econômica no primeiro turno:

(4) “Mas candidato evita relacionar diretamente turbulência do mercado econômico à

situação de Lula nas pesquisas” – (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Serra liga alta

do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).

(5) “Questionado sobre o fato de a crise ser atribuída a estabilidade de Lula nas

pesquisas de intenção de voto, o tucano foi evasivo. Disse que isso é uma questão para

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136‘analistas de mercado’, não para um candidato a presidente. ‘Sou candidato, não sou

analista econômico, apesar de economista’” – (l. 16-24) – Trecho extraído da matéria: Serra

liga alta do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).

(6) “A cautela de Serra faz parte da estratégia do PSDB, cuja ordem é expor os petistas

a contradições em seus discursos, mas preservando a imagem do tucano, que teme ser

prejudicado por parecer agressivo com o rival” – (l. 25-31) – Trecho extraído da matéria:

Serra liga alta do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).

O primeiro trecho destacado (4), a linha fina, é um atenuante do título da matéria. Isso

pode ser observado na conjunção mas. Dessa forma, a Folha vai construir o texto declarando

que José Serra não fez ataques diretos aos adversários.

No trecho seguinte (5) o enunciador qualifica o candidato José Serra como evasivo

pela sua postura de não confirmar a pergunta formulada pelo jornalista, uma marca modal

apreciativa. O trecho é construído com afirmações do presidenciável, usando primeiramente a

intertextualidade e terminando com uma citação do candidato nas quais se combinam marcas

assertivas afirmativas e negativas e que termina com o atenuante apesar, usado pelo

presidenciável para destacar seu know-how sobre o assunto.

Em seqüência (6) temos a explicação sobre a estratégia de José Serra de manter-se fora

de discussões sobre a questão econômica. O enunciador parece concordar com a estratégia do

PSDB de expor as contradições do discurso do PT ao se posicionar de forma assertiva

afirmativa. O atenuante mas volta a aparecer no texto para afirmar que Serra está preservando

sua imagem, justamente porque o candidato ganhou “fama de agressivo” por atacar seus rivais

no primeiro turno, em especial, Ciro Gomes.

5.2.3.2.3 A crise econômica e Serra – 2º turno

A mudança de atitude de Serra, muito mais agressivo no 2º turno, parece ter ganhado o

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137apoio da Folha de S. Paulo. Muito atrás nas pesquisas de intenção de voto, o candidato passou

a atribuir a crise econômica diretamente a Lula e relacioná-lo aos presidentes da Venezuela,

Hugo Chávez, que na ocasião enfrentava problemas com a opinião pública daquele país e

estava em evidência nos meios de comunicação internacionais; e da Argentina, Fernando de

La Rúa, que levou aquele país a uma das maiores crises já vividas.

No dia 11 de outubro de 2002, após o dólar chegar à casa dos R$ 4, a capa da Folha

publicou a seguinte manchete: “Mercado testa BC, e dólar bate em R$ 4”, com uma chamada

de capa explicativa:

(7) “A seca de empréstimos externos para o Brasil, devido à crise global, ao baixo

crescimento do país e à incerteza política detonou a alta do dólar no ano.” – (l. 26-30) –

Trecho extraído da matéria: Mercado testa BC, e dólar bate em R$4, 11/10/2002 - (anexo S).

Em (7) o jornal caracteriza o período eleitoral como de “incerteza política”. Essa

expressão, embora não relacionada diretamente no texto a qualquer dos candidatos, tem

relação direta a Lula se observarmos a distribuição das notícias na primeira página da Folha

(v. anexo S), que traz ao lado da manchete duas chamadas de notícias do caderno Especial

Eleições 2002 em que Serra faz acusações a Lula:

(8) “O candidato à Presidência José Serra (PSDB) afirmou, durante ato em Goiânia, que o

Brasil corre risco de virar ‘uma Venezuela caso o petista [Lula] seja eleito.’” Trecho

extraído da chamada: Com Lula, Brasil vira Venezuela, diz tucano, 11/10/2002 - (anexo S).

(9) “O candidato do PSDB a presidente, José Serra, desafiou Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

para um debate sobre o dólar. Questionado, o petista disse: ‘Isso tem que perguntar para o

Armínio’” – (l. 1-8) – Trecho extraído da chamada: Escalada do câmbio gera outro

confronto, 11/10/2002 - (anexo S).

Em (8), pela voz do outro (José Serra), o jornal coloca sua forma de pensar. O trecho

traz a modalidade assertiva (afirmou) e a modalidade intersubjetiva ao enunciar: o Brasil

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138corre o risco, explicitando uma opinião em relação ao futuro político do país.

No trecho (9) temos outra chamada relacionada a José Serra a respeito de Lula. Desta

vez o jornal usa o verbo desafiar, para sugerir o duelo entre os oponentes, e tenta trazer a

noção de que Lula está “fugindo” do debate sobre o tema, justificada com uma colocação feita

pelo próprio candidato.

Nos dois recortes encontramos o predomínio da marca modal intersubjetiva, que

recobre a pressão do enunciador em relação ao seu enunciatário, convencendo sobre suas

posições.

Após observar a primeira página, vamos aos trechos das notícias apresentadas pelo

jornal:

(10) “O candidato à Presidência José Serra (PSDB) deu início à campanha do segundo turno

pelo país ontem em Goiânia acusando seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de

‘arrogante’ e alertando para o risco de o Brasil se transformar em uma Venezuela caso o

petista seja eleito. Tucanos e pefelistas aliados que participaram do evento também

fizeram discursos duros contra o PT” – (l. 1-13) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e

diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).

O trecho (10) mostra como a Folha se apropria do discurso de José Serra para acusar

Lula. Trata-se do lide da matéria sobre a cobertura de um comício do presidenciável do

PSDB. O jornalista remete ao local do discurso com o dêitico de tempo ontem e retoma o

contexto com suas próprias palavras, mas a partir do discurso de Serra. As marcas

apreciativas tucanos e pefelistas resgatam a união da base aliada de José Serra, formada por

parte do PFL.

Expressões como adversário e arrogante são marcas modais apreciativas de Lula. O

trecho: ‘caso Lula seja eleito’ combina com a modalidade assertiva hipotética para afirmar

que o país “corre o risco de” se transformar no país vizinho, uma marca modal epistêmica,

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139pois exprime ausência de certeza. Venezuela, nesse sentido, é uma palavra de valor

axiológico extremamente negativo, remetendo o leitor aos problemas que aquele país vem

enfrentando em razão do seu presidente.

(11) “No país vizinho, a população foi às ruas ontem para pedir que o presidente Hugo

Chávez – que tem afinidades com Lula e enviou um presente ao petista nesta semana

para cumprimentá-lo pelas eleições no Brasil – convoque eleições gerais imediatamente.”

– (l. 29-36) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se

Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).

Aqui, o enunciador contextualiza a situação na Venezuela e abre um aposto, para

resgatar a afinidade de Lula a Hugo Chávez. Todo o trecho combina a modalidade assertiva,

pela validação da informação, à modalidade intersubjetiva, uma vez que sugere ao leitor a

ligação, a afinidade de Lula com o presidente venezuelano.

(12) “‘Nós prometemos o realismo; e ele, o delírio”. Para ele, “o eleitor vai escolher se o

próximo presidente vai ser Juscelino Kubitschek ou Fernando de La Rúa’, em

referência ao ex-presidente argentino” – (l. 50-55) - Trecho extraído da matéria: Serra

ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).

Nesse trecho selecionado (12) vemos, na transcrição do discurso do senador Arthur

Virgílio, marcas de sujeito com o dêitico nós, incluindo-se ao grupo de apoio a José Serra e

trazendo uma menção direta a Lula, que não faz parte do processo comunicativo (ele). Após,

o discurso relaciona José Serra a JK, presidente lembrado pelo estilo desenvolvimentista e

Lula ao presidente argentino Fernando de La Rúa, esquerdista, que marcou um período de

crises na Argentina. Os nomes dos presidentes também possuem peso axiológico pelo

significado remetido à lembrança do enunciatário sobre os “feitos” realizados durante os

governos dos mesmos.

(13) “O pefelista Ronaldo Caiado também criticou Lula. ‘Aquele homem não fala o que

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140pensa. Fala o que o seu marqueteiro manda. Ele não sabe governar’” – (l. 70-74) - Trecho

extraído da matéria: Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer,

11/10/2002 - (anexo T).

Novamente o enunciador se apropria da fala da base aliada de Serra para criticar as

estratégias de marketing político de Lula e a falta de experiência do candidato, percebemos o

predomínio da modalidade intersubjetiva, já que busca sugerir ao leitor um perfil negativo de

Lula.

(14) “Depois do evento, Serra comentou a alta do dólar dizendo que é uma alta

especulativa. ‘É uma especulação devido à tensão pré-eleitoral. Para acalmar o mercado,

posso dizer que, se for eleito, vou baixar o dólar’” – (l. 63-69) - Trecho extraído da matéria:

Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).

Nesse trecho (14) o autor retoma o tempo e lugar da enunciação (depois do evento),

mostrando um comentário do candidato, agora menos inflamado, em que opina sobre a alta do

dólar, desta vez não a relacionando ao oponente, mas qualificando como especulação e

tensão eleitoral. A modalidade intersubjetiva aparece quando o enunciador sugere, com as

palavras do próprio candidato, que Serra vai baixar o dólar, se eleito.

(15) “A estratégia tucana prevê trazer novamente ao debate eleitoral os supostos riscos

econômicos de uma vitória da oposição” – (l. 27-30) - Trecho extraído da matéria: Serra

usa alta do dólar para desafiar Lula, 11/10/2002 - (anexo U).

(16) “Coordenador do programa de governo de Serra, o economista Gesner Oliveira,

disse que a vitória do tucano representará um ‘choque de credibilidade’ cuja

conseqüência imediata será a queda do dólar, o que permitirá ao país ‘poupar valiosos

recursos’” – (l. 86-94) - Trecho extraído da matéria: Serra usa alta do dólar para desafiar

Lula, 11/10/2002 - (anexo U).

Essa matéria, que tem como mote as declarações de Serra sobre a alta do dólar,

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141mostra, mais uma vez, o sentido construído pela Folha a respeito das eleições, indicando sua

preferência por Serra. O título: “Serra usa alta do dólar para desafiar Lula” faz relação às

fugas de Lula quanto às investidas de Serra para o embate. No trecho (15) o jornal aponta que

a pauta a respeito dos riscos econômicos faz parte de uma estratégia eleitoral. Em (16),

usando a opinião do coordenador do Programa de José Serra como fonte, o jornal aponta a

vitória do candidato como a “melhor alternativa” para o país. Os verbos no futuro do presente

denotam a confirmação das promessas se Serra for eleito presidente.

Os dois trechos possuem a modalidade intersubjetiva como predominante, pela

estratégia de convencimento do leitor sobre a preferência da empresa jornalística.

5.2.3.2.4 Fontes de peso

Caras ao jornalismo, as fontes de informação conferem status e credibilidade às

notícias. Entre as poucas entrevistas publicadas pelo jornal no período, temos a de Antônio

Ermírio de Moraes, empresário respeitado e aliado do PSDB. A entrevista, ilustrada com uma

foto em que o empresário está com Fernando Henrique Cardoso (v. anexo V), foi publicada na

mesma edição da Folha de S. Paulo do dia 18 de outubro, cuja chamada para entrevista

aparece também na capa do jornal sob o título: “Deixar Serra é ‘covardia’, diz Ermírio” (v.

anexo S). Como observamos, essa edição deu grande espaço à ofensiva de Serra contra Lula.

Selecionamos alguns trechos:

(17) “O empresário Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, sem citar

nenhum nome, classificou ontem de covardes os empresários que declararam apoio ao

presidenciável tucano, José Serra, no primeiro turno e passaram a apoiar Luiz Inácio

Lula da Silva (PT) no segundo turno: ‘Tem muita gente covarde que já está pulando

para o outro lado. Mas isso é falta de caráter’”. (l. 1-12) – Trecho extraído da matéria

Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de lado - 11/10/2002 - (anexo V).

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142(18) “Ele fez coro ao presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que no dia anterior

vinculou a tensão do mercado à falta de clareza das propostas dos candidatos à

Presidência” (l. 13-18) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de

lado - 11/10/2002 - (anexo V).

No trecho (17) está em destaque a crítica de Moraes ao empresariado que se coloca em

favor de Lula. O recurso da intertextualidade com a fala do empresário comprova e reforça o

lide da matéria. Em (18) o enunciador associa a declaração de Moares à opinião de uma outra

fonte, Armínio Fraga, presidente do Banco Central, sobre a crise do mercado atrelada à

corrida eleitoral.

Em seguida vemos um trecho (19) em que o enunciador reformula a opinião do

empresário e lança o atenuante em parte para declarar que Antônio Ermírio de Moares não

associou a alta do dólar apenas ao cenário eleitoral.

(19) “Para o empresário, apenas ‘em parte’ pode se atribuir a subida do dólar ao efeito

da eleição presidencial: ‘Não é o caso de Lula, não. O mundo inteiro está apavorado, e

ponto final’”(l. 43-48) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de

lado - 11/10/2002 - (anexo V).

Novamente o enunciador reafirma a posição de aliado de Ermírio de Moraes, que se

coloca como um eleitor de Serra mesmo com os resultados anunciados pelas pesquisas.

(20) “Em relação a Serra, o empresário avaliou como ‘difícil’ a chance dele vencer a

disputa contra Lula: ‘Acho que não é fácil. Mas acho que...Eu vou votar no Serra. Não

vou virar a casaca, né?”’ (l. 59-63) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’

que mudam de lado - 11/10/2002 - (anexo V).

A expressão não vou virar a casaca, né?, de Moraes, parece sugerir ao leitor para que

mantenha seus propósitos, assim como o empresário.

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1435.2.3.2.5 O “outro lado”

(21) “Mercadante chamou de ‘terrorismo’ a atitude do governo, que atribui à expressiva

votação obtida por Lula e outros oposicionistas no primeiro turno” – (l. 59-63) - Trecho

extraído da matéria: Serra usa alta do dólar para desafiar Lula, 11/10/2002 - (anexo U).

(22) “O prefeito de Aracaju, o petista Marcelo Deda, rebateu as críticas de Serra e

classificou de ‘terrorismo retórico’ a insinuação de que, num governo Lula, o Brasil

pode virar uma Venezuela” – (l. 76 - 81) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e diz que

país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).

Esses dois trechos mostram a estratégia de defesa do lado do PT sobre as acusações de

Serra nas duas notícias publicadas no dia 11 de outubro. Apesar do espaço dado ao “outro

lado”, entendemos que o destaque não foi feito de forma equilibrada, como ditam os

princípios do jornal. O espaço destinado para rebater as críticas são muito menores e

aparecem no “pé” das matérias (v. anexo T).

Os dois trechos usam do argumento de que os oponentes fazem “terrorismo eleitoral”

contra Lula, uma marca apreciativa. Em um dos trechos (21) a acusação não parte apenas da

equipe de Serra mas também do governo.

5.2.3.2.6 O caso da bandeira vermelha

No trecho a seguir o enunciador usa o recurso da intertextualidade manifesta e

constitutiva (interdiscurso) para produzir uma notícia sobre a letra da música da campanha de

José Serra. O discurso entre aspas é uma forma de indicar ao leitor que o sentido advém de

outra fonte, tornando o jornal isento de sua concepção. Entretanto, cabe destacar, a partir dos

conceitos de Fairclough (2001), que a intertextualidade é uma representação do que foi dito e

que merece ser notícia. Nesse caso, aponta para uma convenção pré-existente, altamente

ideológica, que faz uma ligação sócio-histórica do Partido dos Trabalhadores à “onda

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144comunista”, daí a interdiscursividade presente também nesse enunciado.

(23) “O horário eleitoral de José Serra no rádio e na TV, ontem, subiu ainda mais o tom dos

ataques ao PT. A principal novidade foi um jingle insinuando que votar em Lula seria

trocar a cor da bandeira do Brasil. ‘Muda meu país, mas não muda de bandeira, aonde

é verde amarela, ela não é vermelha’, diz a letra da música, em referência à cor símbolo

do PT” – (l. 1-11) - Trecho extraído da matéria Tucano liga PT a troca da cor da bandeira,

18/10/2002 - (anexo W).

5.2.3.2.7 Torcendo pelo segundo turno

Selecionamos dois recortes em que a Folha faz previsões a respeito do segundo turno

das eleições 2002. Em todos os trechos o jornal deixa evidente a possibilidade de que a

candidatura de Lula deve se enfraquecer ou mudar de rumos, no caso de não liquidar as

eleições no primeiro turno. Avaliamos que é intenção do enunciador exprimir ausência de

certeza, observada com o uso de termos como “pode causar” em (24), “obrigaria” e “seria”

em (25), marcas modais epistêmicas usadas para lançar uma nova conjectura ao período

eleitoral.

(24) “Se frustrada essa possibilidade, a realização do segundo turno pode causar danos

ainda não mensuráveis à candidatura Lula, que vinha embalada por adesões políticas e

empresariais não previstas em razão da possibilidade de vitória definitiva no pleito de hoje” -

(l. 15-22) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu

líder, 6/10/2002 - (anexo R).

(25) “Seja qual for o adversário, uma vitória na segunda etapa obrigaria Lula a ‘ceder

anéis’, na forma de mais ministérios para partidos que o apoiarem. Seria o ministério

possível, não o desejado”- (l. 90-95) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo

para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

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145No trecho (26) o enunciador projeta o cenário eleitoral do segundo turno, contudo,

essa hipótese aparece combinada novamente com suposições do enunciador a respeito do

sentido criado, na medida em que acrescenta que esse cenário deve “esfriar” a participação

dos militantes e diminuir o apoio do empresariado, já que a maioria se colocaria pró-Serra.

Avaliamos o predomínio da marca modal epistêmica na construção textual combinada com a

marca modal intersubjetiva na medida em que é utilizada de forma persuasiva, ou seja, com o

objetivo de indicar, apontar uma idéia.

(26) “Enfrentar José Serra (PSDB) no segundo turno seria a comprovação da avaliação,

feita em documento interno no 12º Encontro Nacional do PT, em dezembro do ano passado,

de que Lula iria disputar a Presidência com um situacionista, mas poderá provocar

arrefecimento na militância, novo distanciamento de ao menos parte do empresariado e

pressões fortes do mercado financeiro” - (l. 51-57) – Trecho extraído da matéria PT

concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

5.2.3.3 Considerações

Um dos temas que recebeu o peso do valor-notícia nas Eleições 2002 na Folha, a crise

econômica e também todos os fatores a ela associados transformaram-se em manifesto

eleitoral a favor de José Serra. Apesar da publicação de algumas notícias que não associavam

a crise econômica à eleição de qualquer um dos candidatos de “oposição”, nesse jornal,

percebemos um predomínio dos enquadramentos noticiosos sobre a questão financeira

diretamente atribuída a Lula, de forma muito particular nos períodos que encerram o 1º turno

e durante todo o 2º turno.

Apesar de afirmar-se um jornal apartidário, percebemos uma intenção de manifestar

preferências, sejam elas explícitas na opinião dos articulistas/colunistas, sejam pela voz da

fonte da informação, como forma de manter os padrões de objetividade. Entendemos que foi

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146estabelecida uma relação direta entre o “caos” financeiro e Lula, a “última cartada” para tentar

reverter os resultados apontados pelas sondagens.

Nesse sentido observamos a ação ideológica que o discurso do jornalismo impresso

exerce sobre a sociedade, ao construir um sentido para a interpretação da realidade da forma

que melhor lhe convém.

5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor”

Apresentamos algumas leituras feitas pela Folha sobre as transformações do Partido

dos Trabalhadores, qualificada como “PT cor de rosa”, e sobre as estratégias traçadas para a

remodelagem do perfil de Lula, apelidada de “Lulinha Paz e Amor”, que também recebeu

notável enfoque nos meios de comunicação.

A seguir, selecionamos trechos de um artigo publicado na sessão Tendências e

Debates da Folha, fazendo uma leitura sobre o PT e sobre seu candidato à presidente.

Selecionamos esse texto porque notamos que há uma grande preocupação do diário em

transmitir ao leitor que o candidato do PT inspira o medo, ao expor de forma negativa

contradições e incoerências que norteiam a campanha de Lula e insinuando que o partido

possui até mesmo “uma afinidade com as FARC”, como declarado pelo articulista em um

dos trechos selecionados.

5.2.4.1 O partido das duas faces

Nos enunciados analisados, notamos a construção de uma imagem do candidato

supondo que todas as falas e ações de Lula não passam de estratégia eleitoral visando à sua

eleição. Para o articulista, o discurso petista foi remodelado com objetivo de “acalmar os

mercados” e encobrir suas contradições internas.

Em seqüência, alguns trechos em que observamos marcas lexicais que remetem a um

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147julgamento negativo do candidato e de seu partido:

(1) “Os deslocamentos recentes do PT para o centro do espectro partidário suscitam questões

sobre o sentido dessa mudança de rumo. Pode-se, evidentemente, dizer que eles

correspondem a uma necessidade eleitoral”. (l. 1-7) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?,

23/08/2002 - (anexo A).

(2) “Consideremos a hipótese, plausível, de que estamos presenciando um movimento de

“social-democratização” forçada do PT que reluta em dizer o seu nome”. (l. 16-20) -

Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).

(3) “A vaguidade dos propósitos petistas, a generalidade das repostas às perguntas dos

jornalistas e a postura reiterada de nada esclarecer correspondem a uma finalidade de

cunho eleitoral demagógico”. (l. 56-61) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002

- (anexo A).

Nos três trechos anteriormente apresentados o enunciador coloca em xeque a postura

atual do PT. O autor chama a atenção do leitor (eleitor) sobre a incoerência doutrinária do

partido e as mudanças adotadas visando a alcançar a vitória nas eleições. Em todos os trechos

percebemos uma tentativa de validar uma opinião construída sobre o partido, o que aponta

para a modalidade intersubjetiva.

No trecho (1) o verbo poder, de valor modal epistêmico, por lançar uma ausência de

certeza, ao combinar com a palavra evidentemente, usada para reforçar uma idéia, indicia,

também, uma marca modal intersubjetiva, já que aponta para uma pressão do enunciador ao

propor a idéia da existência de um falseamento no discurso do partido. Da mesma forma, a

palavra plausível, destacada no trecho (2), tem o mesmo valor modal intersubjetivo, pois

busca convencer o leitor a aceitar que a sua suposição de que o partido mascara uma realidade

é razoável, admissível.

Também destacamos marcas modais apreciativas para qualificar de forma negativa a

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148postura do PT, como os termos necessidade eleitoral (1), movimento de ‘social-

democratização’ forçada (2), vaguidade dos propósitos e postura reiterada de nada

esclarecer correspondem a uma finalidade de cunho eleitoral demagógico (3).

Em seqüência, selecionamos os enunciados (4), (5) e (6) enfocando a chamada “ala à

esquerda” do PT, com a construção de um sentido que sugere ao leitor que essa corrente

deverá representar um perigo para o regime democrático brasileiro, caso o candidato do

partido vença as eleições presidenciais:

(4) “Paralelamente a esses processos de social-democratização forçada e de demagogia, um

outro processo está em curso, o da realização do projeto revolucionário das alas mais à

esquerda do partido”. (l. 75-79) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 -

(anexo A).

(5) “(...) movimento totalitário, a saber, aquele processo que conduz ao desmantelamento

do Estado, à abolição da democracia, visando à instalação de um regime que se pretende

revolucionário”. (l. 85-89) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).

(6) “Sem falar no discurso anti-americano, anti-Alca e anti-FMI (...) d) relutância

extrema no cumprimento de ordens judiciais; e) ideologização da educação pública; f)

afinidade com as FARC; h) vinculação com o jogo do bicho, recuperando a velha

máxima de que os fins justificam os meios”. (l. 70-71; 97-106) - Trecho extraído do artigo

Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).

Ao emitir julgamento com enunciados assertivos, que procuram validar a informação,

e com palavras para qualificar o discurso com valor modal apreciativo tais como: projeto

revolucionário (4) e movimento totalitário (5), o articulista objetiva aliar o PT com as

FARC (guerrilha colombiana), com a ilegalidade, como o jogo do bicho e o Movimento dos

Sem Terra; este último, tratado em tom negativo pela mídia brasileira, que muitas vezes o

associa a movimentos de guerrilha.

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149Além disso, o texto remete também à ligação do partido ao movimento “anti-

americano, anti-Alca e anti-FMI” (6), um fator muito negativo se retomarmos o contexto das

eleições, quando a questão da especulação da economia dominou a agenda do meios de

comunicação.

O enunciado “recuperando a velha máxima de que os fins justificam os meios”,

final do trecho (6), recorre à modalidade intersubjetiva, ao tentar persuadir o enunciatário que,

para o partido, o que interessa é ganhar as eleições a todo e qualquer custo.

Das marcas anteriormente analisadas desse artigo opinativo publicado pela Folha de S.

Paulo no período eleitoral, que demonstra uma visão explicitada por um especialista

(Professor Universitário de Filosofia), consideramos a existência de uma intenção em conferir

sentido negativo à construção da imagem do candidato do PT. Nesse texto, a generalização do

Partido dos Trabalhadores e a associação ao MST ou as FARC indicam o uso de estereótipos

e discriminação ao grupo (petistas), a quem mesmo inconscientemente, o leitor pode fazer

uma associação pejorativa.

Sob o contexto das eleições, o discurso ideológico representa a manutenção do status

quo. O que se observa é o mesmo discurso do medo no qual o candidato José Serra,

principalmente, iria se apoiar ao longo do período, com mais intensidade no final da

campanha eleitoral, na possibilidade de reverter os resultados apontados em pesquisas de

opinião pública.

5.2.4.2 A Entrevista: um só lado da moeda

Gênero que muito pouco aparece na imprensa brasileira, a entrevista também não foi

muito explorada durante as Eleições 2002. Dentre as poucas publicadas, temos uma entrevista

com o mesmo especialista que assinou o artigo anteriormente analisado, Denis Rosenfield,

que acabara de lançar um livro a respeito do partido. A entrevista, publicada no caderno

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150Especial Eleições 2002, em 8 de setembro de 2002, ocupa quase toda a página e abre espaço

para expor uma crítica sobre os rumos do Partido dos Trabalhadores segundo a ótica do

entrevistado. Evidentemente, a opinião é assumida por um especialista e não pelo jornal.

Contudo, pelas notícias analisadas nesta dissertação, percebemos que a postura do diário

comunga com as idéias explicitadas pelo colunista.

Em seguida dois trechos preparados pelo jornal para introduzir o leitor à entrevista:

(1) “Para Denis Lerrer Rosenfield, partido precisa enfrentar sua divisão interna para

definir caminho que vai seguir” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Filósofo aponta

falta de coerência no PT, 8/09/2002 - (anexo F).

(2) “Gaúcho, Rosenfield acompanha de perto a experiência do PT-RS – que comanda a

Prefeitura de Porto Alegre há 14 anos e o governo estadual há quatro –, do qual é um

crítico feroz” - (l. 23-28) – Trecho extraído da matéria: Filósofo aponta falta de coerência no

PT, 8/09/2002 - (anexo F).

No primeiro enunciado selecionado, o jornal atribui ao entrevistado uma opinião

expressa na linha fina, ao engatar o testimonial “Para Denis Rosenfield”, junto ao título do

texto. A oração assertiva, com o objetivo de validar uma informação, combina de modo

especial com a modalidade intersubjetiva, já que observamos o verbo precisar indicando uma

pressão sobre o sujeito do enunciado (partido).

Em (2) o enunciador marca a posição da fonte, ao qualificá-lo como gaúcho,

indicando a relação de proximidade dele com uma das principais cidades governadas pelo PT,

explicação que vem entre apostos no enunciado, de forma a situar o leitor. Outro termo

valorativo está em crítico feroz quando é estabelecida a posição do especialista em relação ao

tema. Nesse trecho existe um predomínio da modalidade apreciativa.

Bem ao lado da entrevista está publicado um box explicativo revelando que as

opiniões do entrevistado publicadas pelo jornal receberam críticas dos leitores (v. anexo F).

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151Esse texto ainda traz uma pequena biografia da fonte, em que são apontadas a formação do

analista e os livros publicados e, também, onde o jornal afirma que o mesmo não tem filiação

partidária. Selecionamos uma pequena parte:

(3) “Freqüente colaborador de jornais, Rosenfield gerou várias reações de leitores com

artigos recentes na Folha, a maioria crítica. O filósofo, entretanto, afirma manter

separadas as suas atividades em sala de aula e as de analista político” (l. 6-14) – Trecho

extraído do box: Artigos de gaúcho causam reações críticas, 8/09/2002 - (anexo F).

Vale comentar que o jornal expõe, em box ao lado da entrevista, que o entrevistado

recebe críticas dos leitores por atacar o PT. Na explicação, o filósofo declara que é professor e

analista político.

5.2.4.3 A Agenda de Lula

Apresentamos duas matérias jornalísticas abordando a cobertura da candidatura de

Lula logo no início do primeiro turno eleitoral presidencial. A seleção de textos sobre o

candidato para análise foi feita porque notamos existir uma tendência do diário em mostrar

que o discurso do candidato é incoerente e contraditório. Nos enunciados selecionados,

observamos a construção de uma imagem do candidato cujo objetivo é apresentar a hipótese

de que todas as falas e ações do candidato, bem como as alianças, não passam de estratégia

eleitoral visando à sua eleição.

5.2.4.3.1 Alianças

A seguir, alguns trechos em que observamos um julgamento negativo do candidato,

conforme alguns termos em destaque:

(1) “Após ir a Brasília para dar apoio, com reservas, ao acordo entre o Brasil e o FMI (Fundo

Monetário Internacional), Lula voltou, em cima de um palanque, ao discurso mais

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152agressivo contra o fundo e suas políticas” (32-38) - Trecho extraído da matéria ‘Elite

brasileira é perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).

(2) “Mais tarde, em Palmas, Lula declarou que vai continuar as obras da Ferrovia Norte-

Sul que corta o Estado do Tocantins, onde esteve em campanha eleitoral. Paralisada por

falta de recursos do governo federal, a construção foi contestada pelo petista quando ele

exerceu o cargo de deputado federal constituinte, em 1988” (l. 61-70) - Trecho extraído da

matéria ‘Elite brasileira é perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).

(3) “‘Tenho horror a obras inacabadas. Não podemos virar o paraíso das obras

inacabadas’, disse Lula, depois de reconhecer que era contrário ao envio de verbas para a

ferrovia. Obra polêmica do governo do ex-presidente Sarney, que hoje flerta com apoio

ao PT na eleição presidencial (...)”(l. 70-79) - Trecho extraído da matéria ‘Elite brasileira é

perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).

Os trechos (1), (2) e (3) fazem parte de uma matéria jornalística de cobertura da

campanha de Lula à presidência. Usando do recurso da intertextualidade, a matéria engata

trechos da fala de Lula em comícios na região Norte do país, nos quais acusa a “elite”

brasileira de corrupção. O enfoque não é enaltecer o discurso do candidato, mas expor a sua

associação a personagens da “elite” aos quais Lula propõe aliança, como José Sarney, que

apoiara Lula na eleição. Para informar sobre a aliança, ainda incerta no período, o enunciador

usa o verbo flertar, expondo uma aproximação com interesse entre ambas as partes.

Nesses três trechos o enunciador articula as marcas dêiticas de tempo, quando aborda

no texto referências temporais tentando explicar o que Lula disse no passado e o que diz no

tempo atual (agora): “Após ir à Brasília (...) Lula voltou, em cima de um palanque (...)”;

“Mais tarde, em Palmas, Lula declarou que (...)”; “a construção foi contestada pelo petista

quando ele exerceu o cargo (...)”; “depois de reconhecer que era contrário”.

Em (1), o uso do termo com reservas qualifica o apoio dado por Lula ao FMI em

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153reunião com o então Presidente FHC; e “em cima de um palanque” é uma forma também de

avaliar o lugar, a posição em que o sujeito fala. Aqui a expressão escolhida pelo enunciador

foi “mais agressivo”, que remete a existência de uma atitude contrária ao que Lula se propôs

em acordo com o presidente FHC. Da mesma forma, o sujeito enunciador expõe uma

mudança de opinião em relação a uma obra inacabada na região Nordeste (trecho 2), em que

Lula era contra quando deputado em 1988, e agora é a favor, dando a entender que a mudança

de opinião aconteceu justamente por causa da aliança com Sarney.

Ainda sobre alianças com adversários, a Folha expõe a incoerência de Lula ao se unir

ao PMDB de Orestes Quércia, candidato a Senador adversário de Aloísio Mercadante, do

próprio partido do candidato, como mostra o trecho (4), quando o jornal usa o recurso da

intertextualidade inserindo na notícia um trecho do discurso do presidenciável:

(4) “Meu companheiro e amigo Quércia sempre foi contra o neoliberalismo e tem, por

isso, todo o meu apoio”, disse Lula, de mãos dadas com Quércia, em evento de uma

ONG, em São Paulo. Ontem pela manhã, Lula havia pedido votos para Mercadante e Wagner

Gomes, em um palanque em Mauá (São Paulo) – (l. 11-20) - Trecho extraído da matéria Lula

pede votos para o ‘companheiro’ Quércia- (anexo G).

A palavra companheiro, uma marca apreciativa comum nas falas do candidato, é

destacada com sentido irônico pelo jornal, em alusão as articulações projetadas pelo Partido

dos Trabalhadores. No mesmo trecho o enunciador destaca - usando do dêitico de tempo

(ontem) - , que o presidenciável pediu votos para os concorrentes de Quércia em outro evento

eleitoral.

5.2.4.3.2 De costas para o sindicato

Outra matéria que cobre a agenda de Lula destaca a visita do candidato à Embraer. A

notícia traz, como enfoque principal, uma manifestação de sindicalistas em frente à fábrica, a

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154qual o candidato afirmou não ter visto, pois chegou e saiu de helicóptero do local. Seguem

alguns trechos:

(5) “Petista é cobrado por trabalhadores ligados à CUT acampados em frente à

Embraer; candidato diz não ter visto ato” – (linha fina) – Trecho extraído da matéria

Metalúrgicos protestam em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).

(6) “Enquanto visitava ontem a sede da Embraer, de cuja privatização foi um opositor

oito anos atrás, o presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado por

metalúrgicos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT)” – (l. 1-7) – Trecho

extraído da matéria Metalúrgicos protestam em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).

(7) “O presidenciável, que chegou e saiu da fábrica de helicóptero, não se deparou com a

manifestação” – (l. 55-57) – Trecho extraído da matéria Metalúrgicos protestam em visita de

Lula, 6/09/2002 - (anexo E).

Os três trechos colocados na seqüência (acima) permitem uma nova visão dos fatos.

Em (5) temos o destaque da linha fina indicando que Lula não deu atenção a um protesto de

sindicalistas da CUT, central sindical aliada do presidenciável. Enquanto a primeira oração

traz marcas da modalidade assertiva afirmativa, validando a informação que houve um

protesto, a segunda oração traz a modalidade assertiva negativa, com o candidato negando ter

visto a manifestação. O discurso do candidato é marcado com o uso do testimonial diz.

Em (6) o lide da notícia faz referência novamente ao protesto de membros da CUT

durante a visita de Lula à Embraer. Destacamos nesse enunciado a construção de um texto

explicativo declarando que Lula visitou a sede de uma empresa que o mesmo defendia da

privatização durante a antepenúltima eleição que o candidato disputou.

Nesse trecho observamos o predomínio da modalidade intersubjetiva, ao sugerir um

enfoque negativo à notícia, tentando convencer o leitor sobre um novo perfil de Lula, que

“agora” briga com o movimento sindical e que se relaciona com a direção de uma organização

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155privatizada.

O trecho (7) está quase no final da notícia e informa porque o candidato não se

deparou com os manifestantes, o que mostra uma atitude do jornal em mostrar a incoerência

de Lula.

O enfoque dado pela Folha a essa notícia mereceu atenção do ombudsman do jornal,

que fez o seguinte comentário sobre a matéria: “A manifestação, organizada por um sindicato

da CUT, com forte influência do PSTU reuniu 15 pessoas e uma placa, e nem teria sido vista

pelo candidato. Mereceria um registro? Sim. Mas não sua transformação em principal

acontecimento da visita” (AJZENBERG, 2002, p. 8).

O crédito ao PSTU é dado, inclusive, pela própria notícia, observado no trecho (8):

(8) “‘Como o Lula, que já foi dirigente sindical e criticou a venda da empresa, vem visitar a

diretoria e faz vista grossa às nossas reivindicações?’, disse Edmir Marcolino da Silva,

diretor do sindicato cutista, que tem forte influência do PSTU, partido do presidenciável

José Maria de Almeida” – (l. 39-47) – Trecho extraído da matéria Metalúrgicos protestam

em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).

5.2.4.3.3 Saudades da Ditadura?

Em outra matéria que ganhou destaque em primeira página do caderno Especial, o

diário relata que o candidato faz um elogio ao período da Ditadura Militar durante entrevista

concedida a um telejornal da Rede Globo. Lula destaca pontos da Ditadura Militar que dizem

respeito ao planejamento de governo, obras implantadas, geração de empregos e, ao mesmo

tempo, ressalva que o período foi um dos mais difíceis da história do país, dada a repressão,

mas o sentido construído pelo jornal é de que o candidato enalteceu o período militar.

No título “Lula elogia governo Médici” é destacado o verbo elogiar trazendo uma

apreciação atribuída pelo candidato ao período, usado para chocar o leitor. Informação que

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156combina com o lide escolhido, como ressaltamos:

(9) “O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez ontem

elogios ao governo do general Emílio Garrastazu Médici, cuja gestão como presidente

(1969-74) marcou o período de maior repressão política e policial do regime militar” (l.

1-8). – Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 - (anexo D).

Recorrendo ao estudo das modalidades, temos o predomínio da modalidade assertiva,

um recurso utilizado pelo enunciador para validar suas afirmações. O título e o lide da matéria

são usados para chocar o leitor sobre a postura de Lula, o candidato da “esquerda” que agora

está elogiando o regime militar.

O conteúdo da matéria, no entanto, apresenta as ressalvas que Lula fez em relação à

ditadura durante a entrevista. Lula elogiou o boom de emprego gerado pelo planejamento

estratégico durante a ditadura, mas criticou o período de repressão ocorrido à época:

(10) “A menção à Médici, na verdade, ao regime militar de um modo geral – foi feita por

Lula como contraposição ao que considera falta de planejamento estratégico do atual

governo” (l. 18-23) - Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 -

(anexo D).

(11) “Apesar dos elogios, o petista procurou explicitar sua crítica à repressão do período.

Disse que ‘não vale a pena viver sem liberdade’. ‘É por isso que eu luto por democracia’,

completou” (l. 58-63) - Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 -

(anexo D).

Em (10) e (11) o enunciador usa de atenuantes para incluir no texto um novo fato: que

o presidenciável não fez elogios ao sistema ditatorial, mas sim ao planejamento feito para o

período. A expressão na verdade que aparece em (10) é um desses recursos para remeter o

leitor a um outro contexto diferente daquele trazido no título da matéria, que revela que Lula

não corrobora com o período de repressão. Em (11) o atenuante é expresso com a palavra

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157apesar.

Sobre essa matéria, percebemos que a escolha do tema, o enquadramento, o título

apresentado, o texto em destaque, a seleção das frases ditas pelo candidato Lula são uma

forma de construir o sentido de que Lula mudou suas posições. O discurso, infeliz, do

candidato, transmitido na entrevista concedida à televisão foi publicado como notícia de capa

do Caderno Eleições e explorado de forma distorcida.

Por todo o texto trechos do discurso de Lula se entrelaçam à matéria. A edição das

citações esconde o verdadeiro sentido e é usada como forma de dar credibilidade ao fato

contado, recorrendo ao recurso da intertextualidade, para se isentar da responsabilidade do

conteúdo informado.

A temática construída em torno das eleições no diário impresso é quase que toda

pautada pela televisão e tem como principal objetivo trazer ao leitor uma postura de

desconfiança em relação à Lula, que lidera as pesquisas de opinião. Aqui observamos como a

linguagem representa a ideologia com uma angulação que traz um sentido distorcido ao

discurso do presidenciável, interpretado e reformulado pela Folha de uma forma disfarçada. É

essa a forma com que se pretende que o leitor do jornal entenda o contexto.

5.2.4.4 O novo PT

Durante o período eleitoral presidencial a Folha mostrou grande preocupação em

“lembrar” o leitor sobre as transformações ocorridas no Partido dos Trabalhadores, o que os

meios de comunicação, de modo geral, trataram de “PT cor de rosa”, uma versão branda do

antigo partido de esquerda. Percebemos que, no enfoque do jornal a respeito das mudanças do

PT, predomina a valorização negativa e a abordagem de desconfiança em relação à postura do

partido. Esse tema, de grande recorrência será tratado com a seleção de alguns recortes

noticiosos.

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158(12) “O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Horácio Piva, fez

ontem advertência para que Lula ‘controle o ímpeto de seus correligionários’, em

referência aos radicais do PT” – (l. 1-5) – Trecho extraído da matéria Lula precisa conter

radicais do PT, diz Piva, 4/10/2002 - (anexo P).

O trecho (12) vale das declarações de uma fonte conhecida no setor industrial, o então

presidente da FIESP, para realçar o sentimento de desconfiança em relação ao partido com

orações assertivas afirmativas, combinada com o dêitico ontem, que coloca a fala com

recente. O título da notícia “Lula precisa conter radicais do PT” recorre à modalidade

intersubjetiva para expressar ordem ou desejo do enunciador.

5.2.4.4.1Cedendo anéis. E também dedos

Nos trechos, em seqüência, observa-se a construção de sentido trazida pela Folha de S.

Paulo a respeito do PT e de seu candidato:

(13) “Partido profissionaliza a campanha, constrói pontes com ex-desafetos e promove

guinadas em seu discurso para conquistar a Presidência” - (linha fina) – Trecho extraído

da matéria PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

Na linha destaque da reportagem publicada no dia em que se realizou o primeiro turno

das eleições presidenciais, o jornal convida o leitor a refletir sobre a campanha de Lula. As

construções assertivas avaliam as estratégias do PT, justificando a postura adotada visando à

vitória no pleito.

(14) A quarta campanha de Lula teve a égide do “agora ou nunca”, na definição de um petista.

Nunca o PT desenhou com tamanho detalhamento um projeto e nunca foi tão longe para

concretizá-lo” - (l. 97-102) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para ‘última

cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

(15) “Em nome do projeto de finalmente eleger Lula, o delicado equilíbrio interno de

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159forças foi jogado de lado” (l. 113-116) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo

para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

(16) “Coesa, a direção moderada entregou a Lula um partido unificado a fórceps, em que

a minoria radical foi abafada” (l. 147-150) – Trecho extraído da matéria PT concede quase

tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

Em (14), (15) e (16) observamos a vontade do enunciador de criticar a estrutura

montada pelo PT para a disputa em questão. Em (14) as asserções negativas, com o repetido

uso da palavra nunca, são uma forma de reforçar uma mudança de postura em relação ao

passado do partido. Nos trechos (15) e (16) observamos que o jornal argumenta para o leitor

que tais mudanças desfiguram a composição do partido, que remetem à marca modal

intersubjetiva. As expressões equilíbrio interno jogado de lado e partido unificado a

fórceps, marcas apreciativas reforçam a sugestão do enunciador ao expor de forma pejorativa

a articulação partidária.

5.2.4.4.2 A estrutura profissional da campanha

(17) “Na esteira da contratação de Duda, uma estrutura altamente profissional foi

montada, reduzindo o espaço para o voluntarismo de antes. Jornalistas vieram a peso de

ouro. Foram montados núcleos de apoio aos Estados, equipes de mobilização e até grupo

especializado em debelar crises” (l.151-159 ) – Trecho extraído da matéria PT concede quase

tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

(18) “Na campanha atual, Lula gostava de lembrar os tempos de vacas magras do

passado: ‘A gente fazia comício em que eu falava para poste. Agora o petezinho

cresceu’” - (l. 106-113) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos

conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).

(19) “Foi a mais rica campanha presidencial petista. O partido pediu autorização ao

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160TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para gastar até R$ 48 milhões.” - (l. 91-95) – Trecho

extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).

Nos trechos (17), (18) e (19), o enunciador avalia a estrutura profissional do PT,

apontando mudanças em relação a um tempo em que o partido contava com menos recursos e

com mais participação de voluntários. O sentido criado para a transformação do PT aponta

para uma certa postura crítica às mudanças. No trecho (17) predomina a modalidade assertiva

com termos apreciativos, como peso de ouro, usado para realçar o investimento do partido.

Em (18) o recurso da intertextualidade engata no discurso a fala de Lula, como que se

o mesmo ironizasse os tempos antigos, caracterizado pela apreciação vacas magras. No

trecho (19) o jornal lança a cifra máxima de R$ 48 milhões, avaliando a campanha do partido

como a mais rica, estratégia para reforçar a crítica à forma profissional com que o partido

tratou as eleições 2002. Vale destacar que a reportagem não traça parâmetros em relação aos

gastos de nenhum dos adversários.

5.2.4.4.3 Aliados

Os trechos de (20) a (23) recobrem as alianças partidárias feitas pelo PT em 2002. Em

todos eles o sentido irônico coloca em xeque a postura adotada pelo partido, recorrendo às

falas de Lula a respeito dos recém-aliados e das estratégias petistas. Em todos os trechos

predomina a modalidade intersubjetiva, uma vez que o enunciador sugere, de forma

persuasiva, que a reformulação do partido visa às eleições e que esse fato tem caráter

negativo.

(20) “O PL foi apenas o primeiro passo. Logo vieram apoios que obrigaram Lula a

reformular, sem maiores constrangimentos, uma versão petista do “esqueçam o que

escrevi”, que assombrou FHC”. (l. 172-177) – Trecho extraído da matéria PT concede

quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

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161(21) “Após três derrotas, desta vez o petista adotou um discurso mais conciliador e fez

alianças com partidos mais à direita, como o PL, que indicou seu vive, o empresário e

senador José Alencar, 71, e com líderes como José Sarney (PMDB) e Antonio Carlos

Magalhães (PFL)” (l. 16-23) – Trecho extraído da matéria Pesquisa aponta vitória de Lula

para presidente hoje, 27/10/2002 - (anexo AA).

(22) “Após três derrotas, adotou um discurso mais conservador, com a inflexão ao

centro e alianças com a direita” – (l. 50-52) – Trecho extraído da matéria Lula, com 64%

dos votos válidos, deve ser eleito hoje; Serra tem 36%, 27/10/2002 - (anexo AB).

(23) “O sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, que na acusação mais leve era ‘pelego’,

foi peça-chave na união com o PL; Orestes Quércia, ‘ex-ladrão de pipoca’, virou

‘companheiro’; José Sarney, anteriormente um ‘grileiro’ e ‘administrador medíocre’,

tornou-se avalista da candidatura. Pazes foram feitas com a Igreja Universal, para quem

Lula já foi o Diabo” (l. 179-189) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para

‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

Da mesma forma, o trecho (24) sugere que a condução das eleições foi moldando Lula

e PT, cuja preocupação era manter-se competitivo na disputa eleitoral. Nesse trecho, a marca

modal apreciativa mal-humorado, usada pelo enunciador para qualificar Lula sugere a

existência de uma contrariedade do próprio candidato em relação às estratégias eleitorais.

(24) “Mais um vez, a solução foi uma guinada rápida. A ‘ruptura’ desapareceu, e foi

feita uma carta prometendo respeito aos contratos e ao superávit acertado pelo atual

governo. Em 8 de agosto, um mal-humorado Lula leu em seu pronunciamento em que o

pacote do FMI era descrito como ‘inevitável’”. (l. 235-243) – Trecho extraído da matéria

PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).

5.2.4.5 “Lulinha paz e amor”

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162A imagem dos candidatos, em especial a de Lula, foi uma das mais exploradas pelos

meios de comunicação para explicar a conjuntura política do período. Para a Folha, a

referência “Lulinha paz e amor” tratou-se de uma estratégia para driblar as discussões

provocadas pelos adversários. Observamos a discussão da temática tratada por uma

reportagem em que se destaca a postura de Lula pelos trechos selecionados:

(25) “Slogan que sintetizou a campanha mais rica do PT foi criado espontaneamente por

Lula em agosto, marcando estratégia que privilegiou emoção em detrimento do

conteúdo” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos

conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).

(26) “Naquele 22 de agosto, uma quinta-feira, 66 dias atrás, o candidato do PT à

Presidência criou – impensadamente e sem o auxílio do publicitário Duda Mendonça – o

slogan síntese de sua campanha neste ano” - (l. 8-12) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha

paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).

(27) “‘Lulinha paz e amor’ primeiro simbolizou o candidato que evitava ataques diretos

a seus adversários e usava o programa eleitoral na TV para prioritariamente divulgar

seu programa de governo” - (l. 43-50) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’

fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).

Em (25) e (26) o enunciador esclarece que a expressão “Lulinha paz e amor” foi

formulada pelo candidato sem o auxílio dos estrategistas políticos contratados pelo partido.

Ele lança mão da ironia para destacar que a equipe de marketing contratada por milhões pelo

candidato não foi a responsável pela concepção do slogan.

O trecho a seguir (28) aponta para uma análise do jornal às estratégias da campanha de

Lula. O enunciador deixa claro uma crítica à campanha de Lula pela falta de conteúdo, pela

promoção de alianças e pela postura de evitar confrontos com os adversários. Em todos os

recortes percebemos o predomínio da modalidade intersubjetiva, utilizada para prevalecer a

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163opinião do enunciador perante o leitor, como forma de levá-lo a convencer-se de suas idéias a

respeito da campanha de Lula.

(28) “Até a mídia internacional (...) adotou o ‘Lula peace and love’, que depois virou

sinônimo de um comportamento arredio do candidato, que evitava respostas a questões

que pudessem desagradar a algum segmento do eleitorado ou a algum aliado, vários

deles adversários históricos entre si ou concorrentes nas disputas eleitorais.” - (l.51-64) –

Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo

AC).

5.2.4.6 Considerações

A leitura feita pela Folha de S. Paulo da imagem do Partido dos Trabalhadores e de

seu candidato a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, acerca das transformações pelas quais

passaram é condenatória. O sentido construído pelo diário remete às mudanças na estratégia

eleitoral, sempre de forma negativa.

Observamos, pelos recortes analisados, a proposta de criticar o candidato pelas

alianças feitas durante o período eleitoral, questionar sua capacidade administrativa,

especialmente destacando a falta de experiência e pela falta de combate com os adversários.

Sobre o PT, é visível a ação ideológica de associar o partido a questões ilícitas, a

movimentos de guerrilha e, ainda, a movimentos de esquerda revolucionários. Além disso, o

jornal critica o uso pelo partido do marketing político e alto custo da estrutura da campanha.

A respeito dessas observações, consideramos que mais uma vez o jornalismo da Folha

deixa apenas para o campo conceitual o compromisso com a neutralidade no jornalismo. Pela

materialidade do discurso existe um sentido construído a partir do conceito hegemônico, que

busca restaurar convenções pré-existentes e que sugere, para os leitores, uma interpretação da

realidade.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir o jornalismo a partir dos estudos da subjetividade e dos fatores que regem a

construção e a produção da noticía nos trouxe considerações valiosas sobre o papel do meio

impresso brasileiro como um espaço de discussão de questões necessárias à sociedade.

O jornalismo é a porta para o acesso democrático de fatos e notícias, é um campo

privilegiado das discussões sociais e políticas e oferece pontos de vista, sugestões e, mesmo

indiretamente, respostas.

Dessa forma, a atividade jornalística é umas das principais responsáveis por tornar

pública grande parte das informações e por trazer para a discussão os acontecimentos e idéias

que, possivelmente, farão parte da agenda do público.

Em uma era em que a informação é tratada sob o ponto de vista do imediatismo, do

ao-vivo, do tempo real e, justamente pela busca desenfreada da rapidez, talvez o jornalismo

impresso necessite repensar as bases e normas que determinam o conteúdo e o formato da

notícia.

A literatura revista nos apontou, na imprensa brasileira de modo geral, existe uma

tendência de aproximar-se dos meios eletrônicos; daí os investimentos em reformulação

gráfica, trazendo mais cores, gráficos e imagens nas páginas dos jornais, e de privilegiar a

publicação de notícias de predominância estilística objetiva. Por essa razão, entrevistas em

profundidade e reportagens são raras nas páginas dos jornais atualmente.

A partir dessa realidade, percebemos que os meios de comunicação acompanham as

mesmas tendências, se repetem, se copiam, mesmo porque pertencem aos mesmos

conglomerados que operam no que Lima destacou como Propriedade Cruzada, ou seja, aquela

que controla diferentes tipos de meios do setor de comunicação.

A esse aspecto, soma-se a inegável égide do campo econômico que influencia o campo

da comunicação, ocasionada especialmente pelo controle dos meios por poucos grupos, muito

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mais preocupados com a geração de lucros e com rentabilidade econômica e que, sob o ponto

de vista do jornalismo, leva-o muitas vezes a abandonar a vocação de informar e educar o

receptor.

Por esse motivo questionamos para quem se produz a notícia jornalística. Na

preocupação com os anunciantes, aqueles que pagam as despesas geradas pela empresa

jornalística, concordamos com Ramonet que os jornais tratam a notícia como mercadoria e

preocupam-se em selecionar e conduzir a produção noticiosa de forma a não gerar atrito com

os seus parceiros econômicos e, como não poderia deixar de ser, com seus aliados políticos.

Mais do que isso, enxergam o leitorado como consumidores, numa relação

mercadológica e, justamente por esse motivo, o leitor vem perdendo mais e mais o espaço, a

voz no jornalismo.

Para agravar, os meios de comunicação corroboram com a construção de sentidos com

um forte viés ideológico, especialmente em se tratando do jornalismo político: 1) o sentido de

que estão cumprindo seu dever cívico de possibilitar mais acesso à informação, associando

visibilidade à qualidade, e 2) o sentido de se apresentarem como o “quarto poder”, aquele

capaz de fiscalizar, denunciar e controlar o campo político. Foi o que aconteceu no período

Eleitoral de 2002 e que nos levou a questionar qual o papel da imprensa na divulgação do

campo político.

No caso particular do corpus selecionado do jornal Folha de S. Paulo, que constituiu o

objeto das análises deste trabalho, percebemos a presença dessas tendências anteriormente

apontadas.

Se recorermos ao contexto histórico, a Folha, um dos jornais mais importantes e

tradicionais do país, sempre foi uma das pioneiras da imprensa em se tratando do uso de

tecnologias e padrões técnicos, estratégias adotadas para melhor posicionamento

mercadológico.

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Quando, na década de 80, o jornal rompeu com o jornalismo engajado, político,

atuante e implantou o seu Projeto Folha, oficialmente passou a difundir a bandeira do

pluralismo e do apartidarismo, por meio de um produto moderno em termos de tecnologia e

linguagem. Os princípios da Folha levaram o jornal a se tornar uma instituição muito mais

profissional e mercadológica.

Justamente essa proposta do apartidarismo e do pluralismo que provocou nossa

análise. Um jornal que, ao mudar o tom de seu discurso, tornou-se cada vez mais empresarial

e, dessa forma, distante dos anseios populares, com baixa pluralidade nos artigos opinativos,

quase extinção de gêneros como entrevistas e com interferências políticas, ainda que sutis, nos

editoriais, não pode ser considerado como independente ou pluralista, proposição que defende

ferrenhamente perante os outros meios de comunicação do Brasil.

Nesse sentido, coube-nos buscar compreender a forma como a Folha de S. Paulo, dada

a sua magnitude, constitui sentidos, determina fatos sob o ponto de vista hegemônico. Essa

tarefa foi direcionada ao tratamento da notícia política, escolhendo como pano de fundo a

relação entre a imprensa e a política, voltando-se particularmente para as Eleições

Presidenciais de 2002.

O momento eleitoral é historicamente singular para o Brasil. É a oportunidade de

discussões sobre problemas da sociedade. O foco é direcionado, como afirmou Soares, à

disputa do cargo executivo majoritário, sem atribuir a devida importância à disputa do

Legislativo.

Com caráter ainda mais singular, as Eleições Presidenciais 2002 levaram, de forma

inédita, um operário à Presidência após três tentativas frustradas, em que tantos analistas e

especialistas reconheceram que os meios de comunicação ajudaram a influenciar os

resultados. Daí a justificativa de concentrar nosso olhar no tratamento da notícia sobre Luiz

Inácio Lula da Silva.

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Diante do cenário político definido para as Eleições 2002, a partir do jornalismo

impresso, nossos questionamentos nos conduziram a observar a forma como os meios de

comunicação adquirem poder de controle no campo da política, definindo regras e formatos

de apresentação das idéias, delimitando espaços, promovendo a pasteurização da informação,

uma vez que é o político que deve se adequar às normas de divulgação dos meios de

comunicação.

Além disso, numa tentativa de se redimir dos erros do passado, toda a mídia partiu

para a superexposição da temática eleições e dos temas a ela associados, tais como a crise

enconômica brasileira e internacional, a participação brasileira na Alca, o MST e o

desemprego.

A Folha não fugiu à regra. Dispôs de um caderno Especial Eleições 2002 para tratar

do tema, abordando-o, também, nas primeiras páginas, por meio do corpo editorial e das

matérias do tradicional caderno Brasil e, ainda, no caderno Economia, uma vez que a questão

econômica prevaleceu na agenda política do período.

Em torno do cenário político de 2002, questões não mais importantes do que as

alianças partidárias e a exposição do perfil dos candidatos, foram muito exploradas pelos

meios de comunicação, como que se coubesse a eles o poder de sabatinar e de fiscalizar os

candidatos, em analogia aos órgãos oficiais; ou fornecer ao leitor análises do contexto, expor

os casos de denúncias de corrupção, ou mesmo, delimitar espaços para enfrentamentos entre

os oponentes. Isso tudo na tentativa de demonstrar a isenção, a criticidade perante as

candidaturas.

Diante desse cenário, escolhemos observar a cobertura das Eleições Presidenciais sob

o enfoque teórico e metodológico da Análise do Discurso, a fim de compreender o que há por

trás do paradigma da objetividade, um valor tão caro ao meio jornalístico. Com esse método

conseguimos enxergar o dilema da objetividade e da subjetividade no discurso da Folha de S.

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Paulo.

Ao identificar o sentido de textos por meio da sua materialidade, ou seja, ao verificar

as marcas que regem a construção do sentido dentro de um determinado contexto e que nos

guiam a uma interpretação da realidade, compreendemos que o texto jornalístico - seja qual

for a predominância estilística quanto ao seu gênero-, carrega consigo marcas de

representação de um sujeito que confere uma visão de mundo, um enquadramento, uma forma

de pensar que quase sempre está submetida a relações de poder dentro e fora do espaço

midiático, pois o sujeito, como escreveu Pêcheux e seus seguidores, muitas vezes, se torna

interpelado pelas instâncias do poder.

A análise a que nos propusemos contou com a seleção de quarenta textos jornalísticos,

dos quais extraímos recortes que foram agrupados por temáticas predominantes. Para cada

trecho selecionado buscamos aplicar elementos para análise do discurso com a observação

primeira da subjetividade, como elemento-chave para desmascarar os paradigmas do

pluralismo e da independência propagados pela Folha de S. Paulo.

É certo que este estudo abrangeu uma pequena amostragem de material desse jornal,

podendo, futuramente, incluir novos estudos, com amostras maiores, com comparativos, a fim

de verificar os aspectos observados em âmbito ampliado. Entretanto, a partir deste estudo,

trazemos algumas constatações.

O estudo textual com base na identificação das modalidades, dos dêiticos, da axiologia

e da intertextualidade nos revelou preciosas pistas de como a subjetividade é materializada no

discurso e este, por sua vez, implica uma atitude do enunciador que faz uma escolha por um

viés ou um significado e, portanto, é o responsável pelos efeitos de sentido.

Sobre esse aspecto, a forma como o jornal tenta se colocar para seus leitores,

observada a partir dos recortes que constituem o item 5.2.1 O jornalismo “independente”,

“apartidário” e “pluralista”, reforça o conceito ideológico de que os meios de comunicação

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têm o poder de fiscalizar o campo da política, equiparando-se ao Ministério Público. Partindo

desse sentido construído, a Folha se inclui - juntamente com todos os outros meios de

comunicação brasileiros -, como o “quarto poder”, destacando ao seu leitor, contudo, que é o

único e exclusivo órgão da mídia que, de fato, pode ser reconhecido como tal, justamente

porque não possui preferências partidárias.

Mais do que destacar essa imagem, o jornal é extremamente persuasivo, pois fabrica

uma realidade com base em números, gráficos, textos opinativos, matérias e notícias com a

finalidade de convencer o leitor de um trabalho exclusivo na mídia brasileira.

Essa visão é construída de forma muito parecida nos textos de características

opinativas e informativas, quer pelo uso de termos apreciativos altamente subjetivos, tais

como independência, pluralismo e apartidarismo; ou quando se percebe as marcas modais

predominantes nos textos. Frases assertivas afirmativas combinadas com marcas modais

intersubjetivas foram muito usadas para conduzir o leitor a aceitar a visão de que a Folha é

um jornal singular, porque não possui preferência partidária ou política.

A ideologia do apartidarismo é reforçada nos editoriais e artigos pela voz do sujeito

que representa a instituição para quem escreve, daí a identificação do dêitico de primeira

pessoa, que aponta o sujeito com a voz da empresa jornalística; e também nas matérias, com o

uso de fontes de órgãos oficiais de pesquisa, reforçando o uso da intertextualidade para

validar o sentido construído pelo diário.

A leitura do item 5.2.2 Contestando as pesquisas explicita as preferências políticas do

conselho editorial do jornal, uma vez que todos os textos afirmam a possibilidade de

mudanças nos resultados das pesquisas Datafolha. Muitas vezes editorialistas chegam a se

desfazer dos dados apurados pelas sondagens se estes não estiverem de acordo com suas

convicções, usando, de forma especial, as marcas modais epistêmicas combinadas com a

modalidade intersujetiva, na medida em que sugerem a ausência de certeza e, ao mesmo

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tempo, explicitam uma vontade do sujeito enunciador de que os resultados sejam alterados.

Basta uma leitura dos editoriais do jornal para colocar em xeque a sua postura de

independência, dada à posição de insatisfação que o sujeito enunciador explicita em relação

aos resultados das sondagens eleitorais. Portanto, ao se posicionar pelo corpo editorial, e

mesmo pelos articulistas que compõem a sessão opinativa, o jornal auxilia na construção do

cenário político no qual possa ser mais ou menos favorecido, uma vez que tenta persuadir o

leitor a respeito de suas convicções em relação ao cenário político.

A temática discutida no item 5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado

Financeiro expõe como a Folha de S. Paulo se manifestou contra a candidatura de Lula. A

crise econômica foi constantemente agendada pelo diário e, na maioria das vezes, associada

diretamente ao candidato do PT.

A respeito do agendamento da Folha em relação à questão econômica, percebemos

diferenças no tratamento da notícia em artigos e matérias. Na parte opinativa, o interdiscurso

com o terrorismo prevaleceu na maioria dos textos analisados, numa forma de exaltar o

sentido do medo e do caos econômico pela voz do outro. O uso de termos apreciativos como

crise, caos, medo aparecem qualificando o PT e o eventual Governo Lula. A modalidade 1

com a hipótese também recobre os trechos selecionados na medida em que lança uma

conjuntura a respeito do período, colocando sempre em xeque as atitudes do candidato Lula

em relação ao futuro econômico brasileiro.

Na parte informativa, a modalidade assertiva aparece combinada com a modalidade

intersubjetiva, pois os textos foram construídos de forma a sugerir o lado negativo de Lula. A

modalidade assertiva deixa de predominar quando são feitas pelo jornal analogias do Brasil

com o cenário da Venezuela. Nesse caso, a modalidade epistêmica, também combinada com a

intersubjetiva, sugere ausência de certeza em relação às decisões do eventual governo Lula.

A partir dessa constatação, concluímos a partir do corpus selecionado a existência de

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preferências pela Folha que, inicialmente, poderia até somar-se ao bojo da elite que não

possuía um candidato consensual, como abordou Rubim em suas análises sobre o período a

respeito de José Serra, mas que, posteriormente, ao ter o cenário definido para o turno final,

posicionou-se de forma implícita em favor do candidato do governo.

Daí a tentativa de atribuir significados que possibilitassem reverter o quadro eleitoral,

observada com as análises da conjuntura feitas por fontes oficiais, tais como o empresário

Antonio Ermírio de Moraes, Pedro Malan, Armínio Fragra, entre outros, todos aliados à

candidatura de José Serra.

Mais uma vez observamos como a ação ideológica do discurso do jornalismo pode

reforçar as dominações hegemônicas, constituídas por grupos dominantes na tentativa de

controle e poder.

Ponto-chave para a compreensão do Cenário Político em 2002 é a análise da imagem

dos candidatos. Nosso olhar sobre a versão que a Folha fez de Lula e do Partido dos

Trabalhadores revela algumas diferenças das imagens projetadas pela sociedade, como

recobre o item 5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor”.

Por todo o período, o jornal repercutiu de forma negativa as transformações do

partido, condenou as alianças políticas da candidatura de Lula, suscitou dúvidas em relação às

capacidades do candidato, sugeriu fatos que podiam estar relacionados a Lula, na maioria das

vezes, de forma negativa, associando sua imagem ao medo, em concordância com a

campanha de José Serra.

As análises de trechos de editoriais e de artigos sobre as transformações do Partido dos

Trabalhadores e de Lula nos apontam o uso da modalidade epistêmica com a modalidade

intersubjetiva ao tentar sugerir uma desconfiança a respeito de tais mudanças, associando-as

especialmente às estratégias eleitorais.

No tocante às notícias, observamos especialmente a cobertura intensa da agenda do

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candidato e uma tentativa de expor as contradições ao longo da campanha, criticando os

gastos elevados com a campanha e a estrutura montada, em analogia às eleições anteriores.

Observamos o recorrente uso da intertextualidade para engatar a fala de Lula às matérias,

sugerindo mudança de postura e justificando ações sob um viés negativo.

Em paralelo, observamos, pela visão de muitos pesquisadores, como Rubim e Chaia,

que a sociedade brasileira enxergou em Lula um articulador, atribuiu a ele os signos da

mudança e da esperança. O fato de o jornal tomar uma posição, qualquer que seja, favorável

ou não a um candidato revela a ausência dos princípios apartidários apregoados pela Folha.

Por outro lado, adotar uma posição contra a candidatura de Lula revela, mais uma vez,

o sentido hegemônico do jornal, voltado para atender os interesses das classes dominantes, os

mantenedores do jornal, como disse Ramonet no item 2.

A partir das análises, identificamos uma tendência no jornal Folha de S. Paulo em

determinar enquadramentos como melhor lhe convinham a partir de estratégias discursivas, o

que nos leva a contestar a idéia defendida pelo diário que, com freqüência, se afirma como

independente ou pluralista.

Diante da desmistificação dos princípios defendidos pelo jornalismo da Folha de S.

Paulo, a partir dos estudos sobre o tratamento da notícia política, avaliamos que um dos

passos para que a imprensa tenha mais possibilidades de discutir, avaliar e porque não opinar,

perpassa a proposta de Noblat, de que o jornalismo brasileiro deva “andar na contramão” das

tendências dos meios eletrônicos.

Isso implica retomar o jornalismo analítico, interpretativo, com reportagens em

profundidade e discussão de temas. As notícias, sob o enfoque analítico, colaboram com o

debate, o questionamento, a apuração dos fatos com mais profundidade, com uma visão

diferente daquela apresentada pela televisão. A proposta apresentada, de motivar a imprensa a

deixar de lado o simplismo, pode lhe trazer de volta a produção da informação com qualidade.

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Além disso, cabe ao jornalismo romper com o simulacro da objetividade, da

independência e do apartidarismo. A partir de nossos estudos sobre a subjetividade,

entendemos que não existe a imparcialidade no discurso. Então, por que não tomar a atitude

de explicitar posições? Isso estimularia o debate e promoveria muito mais a pluralidade de

idéias e a participação social.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

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ANEXO E

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ANEXO F

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ANEXO G

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ANEXO H

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ANEXO I

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ANEXO J

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ANEXO K

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ANEXO L

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ANEXO M

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ANEXO N

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ANEXO O

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ANEXO P

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ANEXO Q

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ANEXO R

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ANEXO S

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ANEXO T

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ANEXO U

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ANEXO V

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ANEXO X

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ANEXO W

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208

ANEXO Y

Page 213: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: …€¦ · 3.2. A relação linguagem ideologia: o estudo da subjetividade na prática discursiva do jornalismo 52 3.2.1 Discurso

209

ANEXO Z

Page 214: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: …€¦ · 3.2. A relação linguagem ideologia: o estudo da subjetividade na prática discursiva do jornalismo 52 3.2.1 Discurso

210

ANEXO AA

Page 215: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: …€¦ · 3.2. A relação linguagem ideologia: o estudo da subjetividade na prática discursiva do jornalismo 52 3.2.1 Discurso

211

ANEXO AB

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ANEXO AC