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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela,
Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 15 – Géneros discursivos e/ou textuais e ensino de Língua Portuguesa no Brasil
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SUBJETIVIDADE E NORMA NA CIRCULAÇÃO DO SUJEITO EM UM GÊNERO ORAL FORMAL: CARACTERIZAÇÃO E ENSINO DO GÊNERO
COMUNICAÇÃO ORAL EM MEIO ACADÊMICO
Glaís Sales CORDEIRO1 Tania Regina TASCHETTO2
RESUMO Este texto apresenta o resultado da análise de marcas de subjetividade do enunciador em um gênero oral formal, a comunicação oral em mesa redonda. A partir de dados video gravados, foram transcritas e analisadas cinco comunicações apresentadas em dois congressos da área da linguística, realizados em duas universidades brasileiras. Nossa proposta é analisar e caracterizar o gênero comunicação oral em mesa redonda a fim de propor pistas a serem exploradas no âmbito do ensino deste gênero em nível universitário. Em nossa análise, procuramos observar a forma como o sujeito circula, isto é, como a subjetividade escapa do modelo ou é comprimida por ele Com isto, podemos definir o papel do ensino formal deste gênero na apropriação de suas características e na construção do discurso do enunciador que se refletirá num programa de ensino que considere e tematize, além das características deste gênero, as formas de apropriação pelo enunciador das normas instituídas no círculo acadêmico. Nossos dados revelam um sujeito sócio-histórico que se responsabiliza por sua enunciação, respeitando as características do gênero textual, numa sintaxe que privilegia seu não-apagamento enquanto enunciador. Resulta daí, um efeito de não-afastamento que se reflete no comportamento da audiência, chamada a contribuir na construção do texto falado; isto é, a estabelecer uma coenunciação. Através dessa interação, o enunciador parece buscar a compreensão da audiência, numa atitude de heterogeneidade explícita, numa dialogia consciente. PALAVRAS-CHAVE: Gênero oral; discurso acadêmico; subjetividade; ensino universitário; heterogeneidade
Introdução
A linguagem acadêmica é tida como objetiva, precisa e de caráter informativo. No
entanto, quando posta em funcionamento é insidiosamente ideológica com um sujeito que se
coloca enquanto agente do conhecimento produzido ou transformado. Um sujeito, porém não
isolado, mas que faz parte de um grupo que compartilha o mesmo paradigma, que tem o dever
de socializar o conhecimento produzido/transformado. Hoje, um lugar social da ciência é a 1 Universidade de Genebra, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Boulevard du Pont-d'Arve, 42 – 1211 Genebra, Suíça. [email protected] 2 Universidade Federal de Santa Maria, Curso de Letras, Departamento de Letras Clássicas e Linguística. Rockhgasse, 4/77 – 1010 - Viena, Áustria. [email protected]
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Universidade, entendida como a academia onde circula este saber. Além da sala de aula, esta
circulação acontece através de encontros acadêmico-científicos sob forma de gêneros orais
formais como debates, conferências, comunicações orais.
Nossa proposta é analisar um desses gêneros, a comunicação oral em mesa redonda,
observando a forma como o sujeito circula; isto é, se a subjetividade escapa do modelo ou se é
comprimida por ele. Em uma primeira análise,3 observamos um sujeito distenso, que se
enuncia como eu, produzindo um efeito de não-afastamento com o círculo, evidenciado na
forma como interage com a audiência. É um sujeito sócio-histórico que modula sua palavra a
partir da apropriação que faz das características do gênero textual, este último resultado de um
trabalho de semiotização realizado ao longo da história por diversas formações sociais. A
partir desta primeira análise, ampliamos nosso corpus a outras comunicações orais em mesa
redonda para podermos com mais clareza entender a circulação do sujeito neste gênero e
definir o papel do ensino formal deste gênero em ambiente universitário. Nesta comunicação,
apresentamos a análise de algumas marcas de subjetividade em cinco comunicações orais de
duas mesas redondas apresentadas em dois Congressos da área da linguística, realizados em
duas universidades brasileiras.
Gêneros textuais
Toda a atividade humana é mediada pela linguagem. Essa mediação dá-se por meio de
enunciados concretos, individuais e únicos porque enunciados no aqui-agora, aos quais
Bakhtin chama de gêneros do discurso. Apesar de seu caráter individual, cada enunciado é
3 As análises foram apresentadas no II Encontro Internacional do Interaccionismo Sociodiscursivo (ISD), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-UNL em Lisboa, de 10 a 13 de outubro de 2007, com publicação no prelo sob o título Genres de textes oraux et la subjectivité de l'énonciateur.
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estabilizado pela situação social mais imediata a partir do uso de entidades linguísticas
também relativamente estáveis. Levando em conta a heterogeneidade de seu usuário e da
estrutura composicional do enunciado, chega-se a formas discursivas variadas que cumprem
uma função e causam efeitos de sentido materializados na e através da língua. Assim,
podemos pensar em infinitas possibilidades de usar a língua, bem como em um vasto
repertório de gêneros do discurso.
Bakhtin (1999) caracteriza os gêneros de acordo com três elementos: conteúdo
temático, estilo e construção composicional. Estes se fundem e constituem o todo do
enunciado. A escolha do gênero se determina pela esfera de utilização, pelas necessidades da
temática, pelo conjunto dos participantes e pela vontade enunciativa ou intenção do locutor.
Assim, o gênero se configura como organizador global do conteúdo, do tratamento linguístico
e comunicativo. E quanto mais um gênero é autônomo com relação a uma situação mais
imediata, mais o aparelho linguístico criado na língua para falar dele se enriquece e se
complexifica (SCHNEUWLY, 2004, p.31). Assim, corre-se o risco de não se ter uma
delimitação ou classificação estável e definida, podendo um gênero interagir com outro,
evidenciando que as fronteiras não são sempre, ou não podem ser, bem delimitadas. Este é um
fenômeno natural na linguagem uma vez que cada enunciado é um elo da cadeia muito
complexa de outros enunciados, os discursos já-ditos, que se vinculam por algum tipo de
relação polêmica (BAKHTIN, 1999). E a negociação do significado se estabelece numa
relação de confronto com o já-dito, marcado pelo atravessamento do histórico.
Os gêneros mudam necessariamente com o tempo ou com a história das formações
sociais (BRONCKART, 2006, p.144), podendo separar-se das motivações que lhes deram
origem; por isto, a impossibilidade de uma classificação estável e definitiva. No entanto,
mesmo que sua classificação seja problemática, os gêneros coexistem no ambiente da
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linguagem e acumulam-se historicamente. A partir disto, podemos classificá-los em função de
suas finalidades sociais, portadoras de valores comunicativos/discursivos. O objeto de análise,
o texto oral ou escrito, não é uma simples cópia de um gênero, exibindo, além das
características gerais ou comuns do gênero, propriedades particularidades confrontando-nos
com realizações diferenciadas de um mesmo gênero. Assim, num primeiro instante, há uma
adaptação às regras sociais: há como que uma apropriação, que aponta para uma socialização,
possibilidade prática de inserção nas atividades comunicativas (SCHNEUWLY 1994, p.160).
Num segundo momento, há a possibilidade permanente de modificar essas relações sociais
não de maneira aleatória, mas segundo regras sócio-históricas de transformação
(BRONCKART, 2006, p.166). Portanto, não significa que devemos tomar o gênero como
objeto real, mas sim as operações de linguagem que nele se realizam que, por sua vez,
constituem as capacidades de linguagem. Pensamos, com isto, que o texto é o lugar do novo
que se estabelece através de relações dialéticas entre língua e sociedade.
Subjetividade do enunciador
Há uma certa tendência em considerar que um enunciado se apresenta como uma
sequência homogênea, sustentado pelo mesmo enunciador, numa mesma situação de
comunicação. No entanto, o discurso é constantemente atravessado pelo já-dito, e às vezes
pelo a-dizer; nesse sentido, o enunciador encontra-se como relator das suas próprias propostas
ou as de um outro locutor, numa outra situação de enunciação. Essa presença de uma
pluralidade de vozes no seio do mesmo enunciado é uma das dimensões fundamentais do
discurso.
Impossibilitado de fugir da heterogeneidade constitutiva de todo discurso, o sujeito, ao
explicitar a presença do outro, por meio das marcas da heterogeneidade mostrada, expressa,
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na verdade, seu desejo de dominância, sua ilusão de unidade. Segundo Authier-Revuz (1982),
existe uma negociação entre a heterogeneidade mostrada na linguagem e a heterogeneidade
constitutiva da linguagem em que o sujeito, movido pela ilusão do centro, pela ilusão de ser a
fonte do discurso, por um processo de denegação, localiza o outro e delimita o seu lugar para
circunscrever o próprio território. Afetado por um sujeito que tem que dividir seu espaço
discursivo com o outro, o sentido se subjetiviza, torna-se também heterogêneo, bloqueando a
tendência natural à homogeneização do sentido absoluto.
Assim também é no discurso acadêmico: uma vez que o sujeito se movimenta na
linguagem, e é pela linguagem que ele se faz sujeito, seu discurso se produz como um reflexo
desse comportamento. Portanto, se concebemos a linguagem como heterogênea, habitada por
palavras de outros, por outros discursos já-ditos, dialogando, interagindo com estes discursos,
o sujeito que dela se constrói deve, necessariamente, ser heterogêneo e conviver com esta
alteridade que o constitui.
O discurso não se reduz a um dizer explícito, pois ele é permanentemente atravessado
pelo seu avesso. No discurso acadêmico, esse atravessamento rompe o fio discursivo, com a
intenção de velar o sujeito, confrontando-o com o outro presente numa alteridade que, na
verdade, serve para identificá-lo como o sujeito enunciador; isto é, uma adesão explícita a seu
próprio dizer. A imagem que esse locutor projeta de si é a de uma figura que oscila entre
nomear-se ora como eu ora como nós/a gente chamando seu interlocutor a participar ora
despojando-se de qualquer traço de subjetividade, para que seu dizer se invista do estatuto de
uma fala competente, legitimada pela instituição, a Academia.
Assim, do lugar de enunciação de onde falam os pesquisadores enquanto um ato de
linguagem, definindo seu estatuto, manifesta-se um locutor/enunciador que, para falar de si,
ora invade polifonicamente as diversas instâncias interlocutoras, ora apaga-se
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linguisticamente enquanto instância enunciadora, ocultando-se sob a máscara do referente.
Este jogo demonstra, na verdade, o uso que o sujeito faz do aparelho formal de enunciação -
formas linguísticas de representação de diferentes modos de negociação do sujeito com a
heterogeneidade constitutiva. Parece ser uma tentativa do sujeito explicitar a presença do
outro no fio discursivo, harmonizando as diferentes vozes que atravessam seu discurso, numa
busca pela unidade, mesmo que ilusória. No discurso acadêmico, essa negociação do sujeito
se mostra através do tu-outro.4 Além de inserir esse tu-outro no seu discurso, o sujeito tenta,
nessas manobras discursivas, sua aceitação no círculo, numa forma de coenunciação. A
coenunciação é uma estratégia do enunciador para marcar sua posição como membro de um
grupo, mesmo que mascarada pelo seu desejo de dominância, sua ilusão de unidade.
No discurso acadêmico, o sujeito não se coloca in praesentia, mas sua presença é
plenamente reconhecida in absentia. Isto quer dizer que o uso do eu pode não estar explícito
para ser identificado como o enunciador que, por sua vez pode estar marcado por outro tipo de
etiqueta que, no discurso acadêmico, de acordo com a intenção do sujeito enunciador, pode
provocar um impacto maior do que o uso explícito do eu. A implicação do enunciador
encontra-se representada no uso de nós/a gente com valor de eu; no uso da prosódia e gestos
ou expressões faciais, vindo de normas ou de prudências individuais, não mais pelo apelo da
restrição impessoal, mas sob o apelo do pessoal, um dizer que ousa, que arrisca.
O que é particular nesse movimento enunciativo do bem-dizer é que ele constitui a
figura de uma felicidade de dizer que o sujeito parece controlar em manobras discursivas que
garantem este dizer. Ou seja, o sujeito do discurso acadêmico diz melhor quando diz pela voz
do outro.
4 No seu estudo, Authier-Revuz desloca e insere a idéia de outro na psicanálise, campo não estudado por Bakhtin. Portanto, para a autora é o outro do inconsciente e para Bakhtin é o outro do interlocutor. Neste trabalho, pensamos o outro como o outro de Bakhtin, como o outro da polifonia e o nomeamos como tu-outro.
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O saber oralizado
Depois de sua intensificação na virada do século 19, a realização de Congressos se
estabelece como uma forma de socialização do conhecimento e também como forma de
operar uma estandartização de nomenclaturas dentro de domínios disciplinares instituídos e de
legitimação de novos campos disciplinares (WAQUET, 2003). Cada vez mais, os encontros se
especializam, girando em torno de um tema específico, agregando pares que trabalham num
mesmo domínio disciplinar. Esta legitimação alia-se, recentemente no Brasil, ao crescente
aumento de Programas de Pós-Graduação e do incentivo e exigência da Academia por
titulação de seus pares. Como um movimento natural de avaliação e transformação dos
eventos acadêmico-científicos, percebe-se, em anos recentes, uma mudança ou tentativa de
mudança a partir de novas nomenclaturas. Por isto, “como todo fenômeno liga-se a uma
organização em andamento, convém identificar e descrever” (BRONCKART, 2006, p.171).
Por exemplo, Conferência a duas vozes, com o propósito de verticalizar um mesmo
tema sob o ponto de vista de dois renomados pesquisadores; Seminários temáticos que
disponibilizam um tempo maior de apresentação do que as Comunicações coordenadas, esta
última uma nomenclatura até certo ponto recente. Parece-nos que há uma tentativa, mesmo
que velada, de dar maior espaço aos pesquisadores emergentes, proporcionando outras formas
de apresentação de suas pesquisas em eventos da área. Assim, coordenadores de grupos de
pesquisa integrados com diversas instituições podem reunir-se em Seminários temáticos e o
orientador de pesquisas em mestrado e doutorado pode reunir seus orientandos em
Comunicações coordenadas, diversificando, com isto, o grau de verticalização no trato de
uma mesma temática. Isto possibilita acesso a um número maior de pesquisadores
palestrantes, mesmo em sessões concomitantes, atendendo a uma audiência cada vez maior e
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diversificada. É salutar que essas transformações ocorram; mostram exatamente o caráter não
permanente da ciência e a maior circulação do conhecimento. Saussure, no Curso de
Linguistica Geral (CLG), já afirmava o caráter social da linguagem e sua articulação com a
atividade humana colocando em evidência seu caráter histórico, observando que a língua se
transforma com o tempo sob o efeito das forças sociais. Porém, a língua, ainda segundo
Saussure, é solidária com o passado e essa solidariedade faz fracassar a livre escolha. Então,
mesmo que se observem mudanças nos eventos acadêmico-científicos em termos de
nomenclatura, há regras básicas de circulação que não podem ser quebradas.
O saber oral que circula na Academia não é resultado de improvisações; ao contrário, é
resultado de um sistema muito regrado e regulado pelos pares, sob pena de incorrer em
insucessos ou em atuações restritas (WAQUET, 2003). Esta prática não está explicitamente
colocada como um manual; resulta de uma prática discursiva de autorização e pertencimento.
As normas de interdição normalmente não são explicitadas; porém, são determinantes para a
aceitação de um novo membro no grupo.
Embora o sujeito circule, ou possa circular, de modo mais ou menos subjetivo, o efeito
de sentido produzido é sempre social, consagrado pelo uso de todos que circulam na mesma
esfera, ou seja os pares da Academia. Assim como as palavras têm sentido apenas pelo uso,
também as relações sociais se cristalizam na medida em que os sujeitos, sócio-históricos por
natureza, organizam-se nessa prática de linguagem. O domínio da linguagem, ou do gênero,
pode permitir que o sujeito dele escape, propiciando a que esse sujeito se coloque na sua
subjetividade, ocupando um lugar que o constitui e o autoriza. O uso cristalizado permanece
como que um modelo de referência, se tomarmos o estado sincrônico; porém, na circulação e
no domínio do gênero pelo sujeito, novas relações podem se estabelecer, socialmente
garantidas.
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Comunicação oral em mesa redonda: Um gênero oral formal
A reunião de pesquisadores em torno de um tema em comum sob a forma de
Congressos, afirma e legitima novos campos disciplinares, padronizando nomenclaturas
dentro desse domínio. O congresso, como uma manifestação científica, é de domínio coletivo,
mas também proporciona discussões em pequenos grupos em diferentes tipos de sessões
programadas. Uma delas é a proposta sob a forma de mesa redonda, composta de dois a
quatro participantes, seguida de um debate com a audiência, geralmente mediada por um
debatedor/moderador.
Essa sessão caracteriza-se por uma discussão livre sobre um tema proposto, fruto de
uma comunicação cruzada entre pesquisadores, reconhecidamente especialistas no tema,
oriundos de diferentes instituições, visando à tomada abrangente do tema. Esse tipo de evento
oportuniza uma boa aproximação dos participantes do congresso aos temas que nele circulam
bem como atende à diversidade da audiência.
Do ponto de vista do contexto enunciativo, a mesa redonda tem como gênero textual a
comunicação oral, um gênero formal e público. Como boa parte dos gêneros orais formais,
esse tipo de comunicação pressupõe um confronto entre posições defendidas numa dada
comunidade científica ou num dado domínio disciplinar, onde diferentes problemáticas devem
ser rigorosamente explicitadas e os conceitos claramente apresentados (BOURDIEU, 1995).
Por outro lado, esta modalidade se constrói numa interação mais ou menos direta entre os
pares da mesa (enunciadores/destinatários), da audiência (destinatário) e o texto previamente
concebido, caracterizada pela necessidade de um certo impacto, sendo limitada pelo tempo
concedido.
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Essa interação construída reflete-se na concepção do texto oral; isto é, mesmo sendo
uma fala, ficcionalizada em primeira instância em função dos parâmetros do contexto
enunciativo, a saber o lugar social em que se insere a produção, suas finalidades, o status do
enunciador e do(s) destinatário(s) é, ao mesmo tempo, interativa.
Além de uma estrutura organizacional dos conteúdos (plano) e uma textualização (uso
de determinadas unidades linguísticas) relativamente esteriotipadas, por ser esta uma
interação face a face, importa muito a interação com a audiência. Nesta interação também
entram em jogo marcas linguísticas e paralinguísticas próprias à subjetividade do enunciador.
De maneira intrincada, estas últimas revelam-se, ora num uso particular dos recursos
oferecidos pela língua do falante (escolha da voz ativa ou passiva, de modalizadores, do
discurso parafraseado ou citado), ora no uso da prosódia, da expressão corporal, da
gestualidade.5
Retomando a caracterização apresentada em Cordeiro & Taschetto (2007), na sua
estrutura composicional, uma comunicação oral em mesa redonda define-se por uma fala de
abertura que se discursiviza num ritual de agradecimentos. Este ritual é um tanto subjetivo,
podendo o participante agradecer o convite e passar diretamente ao tema de sua comunicação;
ou, em outra circunstância, contextualizar sua fala, remetendo-se a sua trajetória acadêmica
para estabelecer relações com o evento e/ou com a sessão onde se encontra. Logo após, o
tema da comunicação é anunciado e, normalmente, um plano, para facilitar a compreensão da
audiência, é apresentado em transparências ou slides que elencam os itens a serem seguidos
que, por sua vez, são expandidos na fala.
5 Atualmente, parece que cabe aos recursos multimídia o efeito de sentido antes obtido pela movimentação gestual.
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A próxima etapa constitui-se no desenvolvimento do tema. Em alguns casos, é
apresentado o quadro teórico, o desenvolvimento metodológico da pesquisa, possíveis
resultados e conclusões. Em outros, o tema desenvolve-se numa discussão de cunho mais
teórico, sem que conclusões sejam obrigatoriamente apresentadas.
O texto da comunicação oral é concebido previamente para ser lido ou construído a
partir dos slides. No primeiro caso, é escrito em prosa falada, produzindo um efeito de recém
pronto, ficcionalizado em função do congresso onde se insere. No segundo, o palestrante pode
não ter um texto escrito que norteie sua apresentação, fazendo-a a partir dos slides projetados.
Temos, aí, um texto de caráter formal, flexibilizado pela fala, mais informal. Fala esta que
pode ser considerada “encadeada a muitas escritas” (ROJO, 2006), já que permeada pelo uso
de recursos de caráter multimodal que lhe servem de planejamento, o que evita digressões e
desvios prolongados e permite, assim, controlar o tempo da apresentação.
Do ponto de vista da textualização, a comunicação oral, por ser um gênero formal,
caracteriza-se, em geral, por uma neutralização do enunciador (a gente/nós/modalizadores
lógicos e apreciativos) e uma objetivação dos conteúdos. O uso de organizadores textuais
lógico causais (então, portanto, daí) e temporais (agora, atualmente) é frequente, assim como
construções verbais no futuro próximo (eu vou falar, eu vou apresentar, a gente vai ver) na
apresentação do plano da comunicação ou nas diferentes etapas do desenvolvimento do tema.
O presente do indicativo e o pretérito perfeito são também bastante utilizados nestas últimas.
Outra característica de textualização é a interação com a audiência, que pode ocorrer
durante a comunicação, seja para melhor determinar o contexto da fala e o percurso
acadêmico do palestrante ou para esclarecer algum ponto obscuro, facilitando as discussões
que se travam ao final, seja para interagir com os recursos midiáticos utilizados durante a fala.
A relação que se estabelece aponta para a própria relação escrita/oralidade: o palestrante sai
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do texto e conversa com a audiência num tom de voz diferente do usado durante a sua
exposição. Esta intervenção produz um efeito de entrada para o novo, o produzido aqui-
agora.6 Ao mesmo tempo, marcas prosódicas como entonação, ritmo, ênfase e silabação são
estratégias utilizadas para produzir um efeito de coenunciação ou sublinhar a importância de
determinadas colocações.7
Uma última característica desse gênero são as remissões ao que já foi apresentado no
congresso ou pelo colega palestrante, tanto para firmar relações como para abreviar o tempo
de exposição.
Apresentação dos dados
Para esta comunicação, analisamos duas mesas: uma (mesa2) composta por três
palestrantes (P),8 com um apresentador/mediador, cada um com trinta minutos para a
comunicação; outra (mesa3), composta por dois palestrantes sem mediador, cada um com
quarenta e cinco minutos para a comunicação. O mediador da mesa2 apresenta os
participantes e media os questionamentos da audiência ao final das comunicações; na mesa3,
os dois palestrantes combinam entre si o controle do tempo de cada um.
Das duas mesas em análise, recortamos trechos da fala de cada palestrante que
evidenciam as marcas de subjetividade do sujeito enunciador e os efeitos de sentido que aí se
produzem, para que nos possibilitem compreender as relações dialéticas, sócio-historicamente
determinadas, no meio acadêmico.9
Análise e discussão dos dados 6 É como se no texto escrito houvesse um rodapé. 7 Não vamos, no momento, analisar as questões relacionadas à prosódia. 8 Tomamos palestrante como termo genérico para cada participante da mesa em análise. 9 Os dados utilizados foram autorizados pelos palestrantes.
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Passamos agora a analisar algumas marcas de subjetividade encontradas nas cinco
comunicações orais analisadas. Para este momento, recortamos trechos das falas de P3, P4 e
P5 (mesa2) e P6 e P7 (mesa3),10 salientando situações em que há uma tentativa de escape do
modelo, gênero oral formal, e onde o sujeito se submete às convenções acadêmicas. As
marcas são colocadas em negrito para serem discutidas logo após, de maneira comparativa.11
(a) Deslizamento do sujeito
Para esta categoria, analisamos apenas um palestrante de cada mesa, a saber o primeiro
que se apresenta (P3, mesa2 e P6, mesa3), ampliando um pouco o tempo de fala de cada um,
para que possamos analisar melhor seu deslizamento enquanto sujeito enunciador desde o
momento em que inicia sua fala, passando pela introdução e desenvolvimento do tema e
finalização.
P3: [na fala de abertura] boa noite a todos é um prazer vou tirar os óculos assim vejo melhor vocês é só pra perto ainda [risos] é:: um prazer sempre muito grande voltar a X. é::... as minhas participações aqui sempre foram muito produtivas ... eu acho que esse é um dos motivos pelos quais né a gente sabe que é:: trazer na verdade uma contribuição ... [de alguma forma justifica o convite recebido] [introdução do trabalho] esse trabalho hoje que eu trouxe pra discutir um pouquinho com vocês pra apresentar ele ele tem como preocupação eu acho que pontuar um pouquinho o percurso que eu já fiz né eu tô retomando aqui ... eu vou me ater mais especificamente a algumas imagens acredito que seja compreensível na verdade o percurso ... [desenvolvimento do texto]... num certo num momento anterior de apresentação dessa minha reflexão ... eu enfatizei bastante a importância da noção de recorte na prática analítica ... porque a gente enquanto analista sempre se pergunta ... um primeiro ponto pra mim bastante importante é:: então quando nós falamos né na análise do discurso ... pra trabalhar o recorte na incompletude precisamos do conceito de ... lembramos que entra aí a noção ... entendo então que recortar é ... assumo que o jogo entre descrição e apresentação ... também já afirmei que ... e distingo composição de complementaridade ... e quando eu penso as relações ... [apresentação de um dado para análise] ... retomo dois momentos de meu percurso analítico... e em ambos vou (es)tar abordando ... [passa a analisar as imagens projetadas na tela] [após terminar a análise, encaminha a finalização da fala] ... é isso então obrigada.
10 A numeração aqui utilizada tem caráter meramente sequencial para caracterizar a continuidade com a análise apresentada em Cordeiro & Taschetto (2007), cfe. nota3. 11 Os dados que apresentamos foram diminuídos em função do tempo de apresentação e de publicação.
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P6: Vamos trabalhar com a questão da das paixões e das emoções ... eu começaria dizendo que ... eu vou rapidamente mencionar ... depois vou falar do ressentimento na vida universitária ... agora vejam bem a teoria narrativa desenvolvida nos primórdios ... tratava daquilo que nós poderíamos chamar de ... como eu dizia agora ... então vejam bem é dessa forma ... na verdade atualmente nós diríamos o seguinte há duas maneiras de verificar as paixões ... por exemplo ... [cita exemplos do texto]... aparece no enunciado ou é mencionada e aí nós estudamos a partir do lexema ahn do significado do lexema e ... vamos descrevendo ... veja todos esses textos tratam de paixões né bom e eu dito isso passo agora a discutir a questão do ressentimento ... o ressentimento vamos buscar entendê-lo e ver como ele se manifesta... Ora é preciso então pra entender o ressentimento descrevê-lo com precisão e pra isso nós temos que começar a verificar as modalidades que o definem comecemos por ... [desenvolve o tema] terminando eu diria o seguinte ... vejam:: na verdade então se eu retomasse os ingredientes do ressentimento eu teria ... como acabo de dizer pela ... [dirigindo-se à audiência] vocês talvez achem que eu fui extremamente negativo ... na verdade éh o que eu quis com este texto é ... e nós devemos nos acautelar contra ... [encaminha finalização] obrigado.
De acordo com as características apontadas para uma mesa redonda, na fala de abertura
o palestrante pode, algumas vezes, saudar a audiência, agradecer o convite para participar no
evento, colocar um pouco da sua trajetória acadêmica produzindo o efeito de reconhecimento
de sua autoridade de enunciador antes de introduzir seu tema (como P3); em outras, pode
haver quebra deste ritual, como em (P6) que inicia sua fala sem saudação à audiência,
tampouco agradecimentos à organização do congresso. Esta quebra, especulamos, é não só
pelo fato de não ter nenhum mediador mas também por ser palestrante (re)conhecido da
audiência em vista de sua larga trajetória acadêmica. Ratificamos assim que as regras são
determinadas pela ação social no espaço onde é gerada, não sendo engessada pelo gênero que
a estrutura; isso explica também a variabilidade de sua extensão. Neste momento, observa-se
que a linguagem usada, marcada pelo uso do eu, produz um efeito de aproximação com a
audiência, num momento inicial de pertencimento.
Também se observa o uso do nós de orador ou majestático, a medida em que o
enunciador vai abrindo para a temática. Este uso aponta para uma forma mais solene e menos
definida, descaracterizando o sujeito enunciador como se fosse uma forma de plural. Nas
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mesas analisadas, por ser uma interação face a face, observamos um uso mais restrito do que
em textos escritos (TASCHETTO, 2002). Isto implica numa proximidade maior com o
destinatário, estabelecendo a coenunciação, proporcionando ao enunciador colocar-se
enquanto eu. Aparece, então o uso de a gente em lugar do nós de orador , descaracterizando o
tom solene, mantendo, porém, o eu amplificado. É o bem dizer da Academia, revestido da
autoridade intelectual.
O que se vê aqui, então, é um redobramento do enunciador em metaenunciador: EU →
NÓS → A GENTE: um desvio de não-um atravessando a enunciação. EU começa sozinho,
parte de algum interesse pessoal, mas o percurso não é isolado, há que se buscar o não-um,
um atravessamento pela heterogeneidade (AUTHIER-REVUZ, 2004).
O movimento consiste em constatar o fato de não-coincidência e em fazer representar
o dois/o outro. Lembremos que EU presente significa não solicitar acesso, significa estar
sempre-já-lá. E a Academia não é um sujeito isolado, mas um grupo. Então, há um
rompimento da enunciação do EU para que um NÓS se estabeleça.
O uso do Eu pode confundir-se com o enunciador apenas enquanto pessoa, isolado da
comunidade, enquanto que o NÓS é o enunciador revestido da autoridade intelectual, tendo os
pares da comunidade como co-enunciadores. Observamos, por exemplo, que quando P6 usa
“... eu começaria dizendo que ... eu vou rapidamente mencionar ... depois vou falar do ...”
(enunciador enquanto pessoa) ... agora vejam bem a teoria narrativa desenvolvida nos
primórdios ... tratava daquilo que nós poderíamos chamar de ... na verdade atualmente nós
diríamos o seguinte …” (enunciador revestido da autoridade intelectual), esse jogo
enunciativo é bem marcado e o efeito produzido é o da coenunciação. Este efeito, traz para a
ficcionalização do texto, a audiência e o tu-outro, apontando para o diálogo entre os pares da
academia.
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A seguir, trazemos os cinco palestrantes das duas mesas para análise de outras marcas.
(b) Remissão a falas anteriores no congresso e na mesa
P3: ... um prazer sempre muito grande voltar a X é:: né as minhas participações aqui sempre foram muito produtivas ... P4: [não faz nenhuma referência] P5: ... pensando inicialmente imagem né é:: um pouco casado com o que a (P4) mencionou né ... mostrar o papel da imagem e um pouco como aquilo que a professora (P4) falou ... P6: eu começaria dizendo que ontem aqui nesta mesma sala ... uma pessoa disse que ... P7: ... e esses estudos estão sendo desenvolvidos na perspectiva ... [apresenta a linha teórica] que significa que toda aquela introdução que o (P6) fez ... aplica-se ao que eu vou dizer ... como vocês sabem o (P6) retomou isso ... quer dizer que esses meus sujeitos não são como os do ressentimento do (P6) ...
Como expusemos na caracterização do gênero comunicação oral em mesa redonda, a
remissão a falas precedentes acontecidas no decorrer do congresso bem como na própria mesa
é uma forma de demonstrar o caráter de aprofundamento do tema principal do congresso.
Além de abreviar o tempo da exposição, produz um efeito de bom relacionamento entre os
participantes da mesa, bem como o efeito do novo. Ou seja, “como foi dito durante o
congresso e eu ainda estou no congresso portanto o que falo aqui é realmente novo”, recém
produzido. (P7), ao referir-se ao colega precedente, enfatiza o objetivo da mesa de verticalizar
sobre um mesmo tema, no caso a mesma linha teórica. Nos parece que (P4), ao não fazer
referência ao colega precedente na mesa ou às outras atividades do congresso, reforça sua
colocação inicial de não pertencimento “estou destoando aqui na mesa no meio das linguistas
ahn pertenço aos estudos literários já a minha vida toda o percurso todo da minha carreira
universitária foi na literatura portuguesa”. (P3) e (P5), por serem os palestrantes que iniciam
as apresentações da mesa, fazem referência a algum evento anterior (P3) no mesmo local do
evento (“um prazer sempre muito grande voltar a X. é:: né as minhas participações aqui
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sempre foram muito produtivas”) e (P5) no mesmo evento (“eu começaria dizendo que ontem
aqui nesta mesma sala”). 12
(c) Interação com a audiência
P3: ... então esse trabalho hoje que eu trouxe pra discutir um pouquinho com vocês pra apresentar … eu espero é:: que fique né possível mesmo pra aqueles que não conhecem os documentários é:: ... acredito que seja compreensível na verdade o percurso e qualquer coisa né se depois não ficar a gente pode eu posso situar um pouco melhor talvez os dois documentários ... P4: ... vocês sabem né quem frequenta os congressos sabe disso ... aí vocês me perguntariam ... ... então o período que se insere o nosso texto hoje é o chamado período da idade média central eu não vou dar aqui uma aula de idade média porque não é o caso né [risos] ... vejam como o tempo corre né na nossa linha … vejam bem como … lembrem-se que eu tomei como ponto de partida ... ... nós poderíamos imaginar ... não poderíamos? ... P5: ... nós podemos ter imagens como essa que vocês devem lembrar né .... que memória nós temos aí né sobre essas imagens né o que tem nessa imagem que nos toca ... então vejam essa charge ... P6: ... então vejam bem é dessa forma que ... veja todos esses textos tratam de paixões né ... ... vejam então inicialmente o primeiro elemento ... vejam na verdade então se eu retomasse ... vocês talvez achem que eu fui extremamente negativo ... P7: [brincando com a audiência] Graças a deus que aqui somos todos bem reconhecidos [risos] ... certo ... a sanção vocês sabem tem duas fases ... bem nesse quadro eu precisava dessa organização narrativa pra falar das ... como vocês sabem ... certo vocês sabem que tolerância pode ... certo ... mas como vocês estão vendo ... isso vocês veem principalmente ... vocês estão vendo que ... vejam quais os argumentos ...
Nos excertos apresentados, percebe-se a necessidade do enunciador de confirmar com a
audiência a condição de compartilhamento, tanto das maneiras de dizer como do sentido
dessas maneiras de dizer. É uma estratégia que visa a prevenir seja uma recusa potencial de
coenunciação, seja um risco de não-transmissão “do” sentido (AUHIER-REVUZ, 2004, p.90).
Este efeito se produz na forma como os palestrantes explicam/justificam para a audiência o
seu lugar de pertencimento trazendo à cena enunciativa repetidas retomadas da teoria; ou seja,
sabendo quem sou e de onde venho, você/audiência estabelece o sentido aqui construído. Este
efeito é confirmado no uso repetido de né/certo/bom. A chamada ao compartilhamento
estabelece-se através do uso de então/vejam/veja bem/vocês. 12 Ver em (a) Fala de abertura.
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(d) Chamada do outro
P3: … ressalto o ganho analítico que a noção de recorte traz pra a análise da linguagem lembrando que quando Orlandi estabeleceu essa noção em 1984 sua preocupação era ... precisamos do conceito de significante ... referido ao signo em determinada leitura saussuriana [em tom de observação] normalmente né é assim que quando a gente trata tem o Saussure né em termos gerais ... nessa discussão ela foi muito bem feita por Gadet & Pêcheux no livro ... onde a Gadet e o Pêcheux discutem essa questão né ... essa é uma citação da Eni Orlandi [gesto de abrir aspas] ... P4: ... então ao conceber a imagem como um signo né Roland Barthes postula que esta teria a mesma estrutura que o signo linguístico proposto por Saussure com um significante ... considerando-se uma pintura como um signo segundo Marins a tela assumiria ... Jorge (?) refletindo sobre as manifestações artísticas medievais explica que ... de acordo com Schmidt é um duplo desafio ... P5: ... ou o inteligível como afirma Dubois ... para falar dos objetos que se ocupa em seu discurso conforme Foucault ... conforme afirma Foucault e ainda como o mesmo teórico buscar saber o que aconteceu ... conforme nos sugere Manguel ... Foucault em a Ordem do Discurso é:: afirma que ... para ele tais inquietações estão relacionadas ... isso posto ele propõe questionamento acerca de ... para tais questões apresenta a hipótese de que em toda sociedade ... essas questões que nós estamos propondo aqui na visão foucaultina né ... P6: ... agora é ainda preciso dizer uma coisa Greimas no final de um texto que lançou ... verificar as modalidades que o definem comecemos por ... definido por Houaiss ... e pelo Robert ... como mostra Greimas o sujeito ... como diz o Petit Robert ... observe-se que Nietsche ... considera ... mostra o filósofo que ... P7: ... sobretudo nos trabalhos desenvolvidos pela Norma Discini e pelo Fiorin certo ... um dos meus orientandos que tá aqui no congresso apresentou um trabalho ... ele mostra isso muito ... e aí eu retomo o texto do Greimas ... aí há um trabalho do Fiorin sobre isso ... se nós retomarmos o trabalho de Eric Landowski ... que foi descrito por Greimas nos seus estudos sobre a cólera ... o Greimas fala isso ...
A chamada do tu-outro no discurso acadêmico é parte das convenções científicas e,
portanto, característica do gênero comunicação oral em congressos. Seu uso produz um efeito
de autoridade, apontando para uma heterogeneidade explícita: o que eu enuncio é verdade,
não é um puro ato de criação individual, resulta de pesquisas e reflexões outras que são
revisitadas. Como diria Foucault (1971, p.26), “o novo não está no que é dito, mas no
acontecimento de sua volta”. É também uma forma de dialogismo, onde a voz do outro
presente no discurso do enunciador demonstra que, na Academia, os indivíduos se
reconhecem como membros de um mesmo grupo que partilha um paradigma. A atividade
científica é, portanto, uma atividade coletiva, que produz suas normas, seus enunciados, os
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instrumentos que respondem a seus problemas. E na Academia, este lugar é o da retomada de
discursos outros, do já-dito em outro lugar, reformulando, reatualizando, respondendo a um
outro locutor, colocando-se no lugar de locutor buscando um interlocutor, não rompendo a
cadeia enunciativa.
A chamada do tu-outro pode se dar com verbos ou sintagmas que introduzem esse outro
no discuro. A entrada pode ser de forma aparentemente neutra (“conforme nos sugere
Manguel/de acordo com Schmidt”) ou de caráter avaliativo (“Foucault afirma/discussão
muito bem feita por Gadêt & Pêcheux”). A chamada do outro a coenunciar produz, assim,um
efeito de autoridade intelectual. Por isto, este diálogo constante com o outro.
Aqui, nos dados analisados, observamos que essa chamada acontece não apenas como
cumprimento de convenções, mas como forma de pertencimento. Na oralidade, isto
evidencia-se na forma coloquial com que (P3 e P7) dialogam com o tu-outro (“tem o Saussure
né/onde a Gadet e o Pêcheux/pela Norma Discini e pelo Fiorin”).
Concluindo
Foram apresentados os resultados de uma pesquisa com um gênero oral formal, a
comunicação oral em mesa redonda, iniciada com uma análise preliminar da fala de abertura,
característica nesse gênero (ver nota 3), e que agora se expande para outras dimensões,
também com dados expandidos. Já nas primeiras análises, observamos que o sujeito que
circula num gênero oral formal é um sujeito distenso, o que se confirma nas análises agora
apresentadas.
Como apontamos logo no início, a linguagem nesse gênero, mesmo que rigorosamente
planejada, é, ao mesmo tempo, interativa. O texto oral formal é ficcionalizado em função dos
parâmetros do contexto enunciativo: o lugar social em que se insere a produção, suas
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finalidades, o status do enunciador e do destinatário. E o destinatário, como pôde ser
observado, é tomado como coenunciador, chamado a participar da construção do texto,
produzindo um efeito do novo, nesta que é uma interação face a face. O chamamento à
audiência, “certo, bom, bem, né, não é, então, vocês, vejam bem, observem” caracteriza bem
este processo de coenunciação como o dado novo, recém construído.
Numa comunicação oral, o sujeito enunciador busca o tempo todo concretizar esta
interação, parece que esquecendo o texto escrito a sua frente e falando diretamente com a
audiência. Com isto, ele seleciona menos unidades linguísticas características do texto escrito,
como, por exemplo, a voz passiva e o sujeito indeterminado, usando mais o eu/nós/a gente. À
mesma observação chega Bronckart (2003, p.185), de que a variante oral/escrita em si mesma
desempenha um papel subordinado ou indireto e de que o contexto é que exerce influência
sobre as diferenças de registro lexical e sintático. Parece que a sintaxe da oralidade privilegia
o não-apagamento do enunciador, produzindo um efeito de não-afastamento refletido no
comportamento da audiência, prendendo sua atenção, distensionando a formalidade da sessão.
As comunicações orais aqui analisadas ilustram bem esse fenômeno.
Observamos o uso pouco acentuado de citações diretas de outros pesquisadores,
mostrando o efeito de verticalidade no tema proposto; ou seja, cada palestrante apresentou o
resultado de suas pesquisas a partir de um autor de reconhecimento na Academia, introduzido
já no início da comunicação. A partir daí, podemos especular que o uso de citações diretas
como cumprimento de convenções é maior no texto ficcionalizado para ser impresso,
produzindo o efeito de perenidade. No gênero oral, a imagem de que a ciência é uma
atividade coletiva é compreendida na forma como o enunciador busca a adesão da audiência,
num efeito de coenunciação. Foi possível observar como este efeito se produz, principalmente
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em (P7), quando faz menção aos trabalhos desenvolvidos pelo seu grupo de pesquisa, bem
como na coloquialidade da chamada ao tu-outro.13
Os resultados das análises sugerem que o sujeito se coloca subjetivamente na sua
autoridade de enunciador, resultado de uma prática construída sócio-historicamente, que se
responsabiliza pela sua enunciação. Isto, porém, não o impede de deixar espaço para o outro
interagir, intensificando o caráter coletivo da atividade acadêmico-científica, buscando o bem
dizer da Academia, numa dialogia consciente.
Os dados e resultados aqui apresentados confirmam e aprofundam nossas análises
anteriores (ver nota 3). Contudo, novas análises são sempre necessárias. Por exemplo,
podemos dizer que os aspectos mais intrínsecos às comunicações orais em mesa redonda,
considerada como um contexto específico de comunicação, mereceriam análises mais
acuradas a fim de melhor evidenciar as semelhanças e diferenças entre este gênero e as
comunicações orais em sessões de seminários temáticos ou de comunicações coordenadas.
Tais análises nos permitiriam melhor apreender as relações dialéticas entre o sujeito sócio-
histórico e as marcas de sua subjetividade, in praesentia ou in absentia, no texto apresentado
e as características ou propriedades do gênero onde circula.
Mais análises são fundamentais para melhor embasar um programa de ensino formal
deste gênero, em ambiente universitário, que considere e tematize as estratégias linguísticas e
discursivas como forma de apropriação pelo enunciador das normas instituídas no círculo
acadêmico. É preciso, porém, não esquecer que esta é uma interação face a face determinada
pela monogestão do discurso.
13 Ver em (d) Chamada do outro.
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